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UNIDADE

1 Correção das Fichas


Fernando Pessoa

FICHA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA 3

GRUPO I (Cenários de resposta)


A
1
1.1 
O interpelador do «guardador de rebanhos» não vê a natureza apenas como ela se apresenta;
para ele, a natureza (o vento) evoca o passado e leva ao sonho e à imaginação do futuro
(«Fala­‑me de muitas outras cousas. / De memórias e de saudades / E de cousas que nunca
foram.», vv. 9­‑11). O interpelador do «guardador de rebanhos» apresenta, por isso, uma visão
subjetiva da natureza, uma vez que a interpreta. Já o «guardador de rebanhos» vê a natureza
tal como ela é («O vento só fala do vento.», v. 13). Rejeita o que ultrapassa essa visão imediata
e concreta, considerando que o pensamento abstrato sobre a natureza é uma especulação,
fruto da nossa imaginação («O que lhe ouviste foi mentira, / E a mentira está em ti.», vv. 14­‑15).
Tem, pois, uma visão objetiva da natureza.

2
2.1 
Ao utilizar formas do verbo «passar» no presente, no pretérito perfeito e no futuro — evidenciadas
pelo emprego pleonástico dos advérbios «antes» e «depois» —, quando se refere ao que «diz»/«é»
o vento, o «guardador de rebanhos» aponta para o carácter cíclico dos ritmos da Natureza e salienta
nesta um esquema circular que sugere a ideia de completude.

3
3.1 
As repetições de vocábulos nestas estrofes — na enumeração polissindética e anafórica
(«[…] e que […] E que […] e que […], vv. 4­‑ 6) e nas três formas do verbo «passar»,
na segunda estância, e das palavras «vento» e «mentira», na quarta estância — tornam
o discurso do «guardador de rebanhos» extremamente simples e pobre. (O seu discurso
revela uma maior pobreza vocabular do que o daquele que o interpela.) A grande simplicidade
da linguagem nestas duas estrofes está, pois, em consonância com a visão do «guardador
de rebanhos», também ela simples e objetiva, e salienta a simplicidade do que há
a compreender/ver em relação ao mundo.

B
4 A natureza é representada no poema de uma forma idealizada, segundo o ideal clássico do locus

amoenus: é uma suave paisagem natural, fértil e primaveril («Alegres campos, verdes arvoredos», v. 1;
«silvestres montes», v. 5; «verduras deleitosas», v. 10), variada («ásperos penedos, compostos em concerto
desigual», vv. 5­‑ 6), serena e luminosa («claras e frescas águas de cristal», v. 2). É uma natureza mágica que
sugere e propicia felicidade («Alegres campos», v. 1; «verduras deleitosas», v. 10; «águas que correndo
alegres vêm», v. 11), como um paraíso terrestre.

5 Se a paisagem natural constitui um cenário idílico, transmitindo serenidade e alegria, o estado



de espírito do sujeito poético é marcado pelo sofrimento. A causa deste sofrimento é a ausência da
mulher amada, originando um profundo sentimento de saudade, sublinhado pelo sujeito poético
reiteradamente nos três versos que constituem a chave de ouro do soneto — «lembranças tristes», v. 12;
«lágrimas saudosas», v. 13; «saudades de meu bem», v. 14 — e que contrasta com a felicidade sentida no
passado («pois me já não vedes como vistes», v. 9). Este sofrimento é de tal forma intenso, que o cenário
idílico já não é capaz de trazer satisfação e felicidade, ao contrário do que sucedia no passado («já não
podeis fazer meus olhos ledos», v. 8).

52 ENTRE NÓS E AS PALAVRAS  •  Português  •  12.o ano  •  Material fotocopiável  •  © Santillana


GRUPO II
1   (B)   2   (D)   3   (B)   4   (D)   5   (D)   6   (B)   7   (A)
1.3

Poesia dos heterónimos


8   Complemento indireto.

9   Oração subordinada adverbial final.

10   Valor restritivo.

GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar­‑se
as principais características do género textual em causa:
•  explicitação do ponto de vista;
•  clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

FICHA DE COMPREENSÃO DO ORAL 3


(Duração do diálogo: 10 minutos [06:36­‑16:05])
Transcrição:

Luís Caetano (jornalista): […] Gabriela Canavilhas, a literatura salva?


Gabriela Canavilhas: Eu acho que o que salva é o pensamento. Em última análise, é o carácter. E de
tudo quanto que alimenta o pensamento, o carácter e o autoconhecimento é o que salva. E, em
última análise, é o que mata. Porque aquilo que nos salva é aquilo que simultaneamente nos mata.
De tanto nos trazer lucidez, eventualmente.
Luís Caetano: De tanto nos desassossegar.
Gabriela Canavilhas: De tanto nos desassossegar, exatamente. Muito ao meu gosto. E a literatura, tal
como outras formas de transmitir o pensamento, evidentemente se inclui neste conjunto de
instrumentos que nos fazem enriquecer o pensamento e o carácter e que, portanto, nos dão as
tais forças para [nos salvarmos]. Mas é uma expressão que não me conforta muito. Não me dá
muito conforto pensar que a literatura salva.
Luís Caetano: Porque é uma expressão abstrata?…
Gabriela Canavilhas: Porque eu acho que basicamente aquilo que nos salva são muitas coisas… que
advêm do enriquecimento, do autoconhecimento e do pensamento. Em suma, como eu disse há
pouco, daquilo que, depois, reforça o carácter. E a literatura é apenas mais uma. A literatura é, sem
dúvida, uma das formas artísticas e de expressão mais consistentes e mais imediatas, no sentido
em que a palavra está presente e o pensamento se expressa de uma forma muito completa pela
palavra. Mas há outras formas de expressão que também concorrem para essa força […]. Até
mesmo outras formas de reforço da sensibilidade, de compreensão humana… De tudo aquilo que
anda à volta… A humanidade é tão rica e tem tantas faces, que eu julgo que a literatura, com toda
a sua força, com todo o seu poder, é mais uma dessas múltiplas formas.
Luís Caetano: Saindo deste conceito, desta pergunta quase teórica, abstrata… No teu caso, um livro já
te salvou, nem que fosse num particular momento, numa particular situação?
Gabriela Canavilhas: Olha, salvou­‑me as férias de verão, quando eu era miúda. Eu vivia nos Açores…
Nos Açores não havia televisão, quando eu era nova… A televisão só chegou aos Açores em 76,
com emissões regulares, e portanto eu tinha 15 anos quando passei a ver televisão. […]

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS  •  Português  •  12.o ano  •  Material fotocopiável  •  © Santillana 53


UNIDADE

1 E, portanto, até aos 15 anos, o que os jovens da minha idade faziam era ler. E lembro­‑me dos
verões na ilha das Flores […], que eram verões intermináveis, porque eram verões de três meses.
Fernando Pessoa

Mas, na ilha das Flores, foi a literatura que me salvou graças à biblioteca itinerante da Fundação
Gulbenkian, que eram aquelas carrinhas… E, portanto, sim, senhor, salvou­‑me muitos verões […].
Nesse sentido, sim. Do ponto de vista de salvar a alma, de salvar o espírito… Francamente, não,
porque a minha personalidade, a minha forma de encarar a vida, mune­‑se de tantos instrumentos
de reforço, que fui salva, muitas vezes, por muitos outros artifícios. A literatura foi apenas mais um
reforço na minha construção do meu ser. […]
Álvaro Laborinho Lúcio: […] Eu começava por dizer, depois de tudo o que ouvi até agora, que já
consegui firmar uma certeza, mas que vem também da minha experiência histórica, que eu julgo
que é partilhada [por vós], quanto mais não seja também pela cultura que possuem. É que […]
um par de botas não salva.
Gabriela Canavilhas: Ui… Talvez salve, nalgumas circunstâncias.
Álvaro Laborinho Lúcio: Eu acho que as circunstâncias são tão poucas, que é perigoso admitir a
hipótese de que há algumas em que [ele] salve. Em segundo lugar, tenho alguma dificuldade em
me confrontar com o que salva ou com o que se propõe salvar, […] porque eu fico logo do lado
do salvado e admitindo a probabilidade de ficar fora do cesto daqueles que são eleitos para serem
salvos. E, portanto, eu diria que a literatura não salva, como nada salva. Para não ser tão radical,
então, eu teria de fazer uma primeira pergunta, que é a de saber de que é que nós estamos a falar,
quando falamos em salvação, e de quem estamos a falar, quando falamos em pessoas que sejam
suscetíveis de serem salvas […]. Portanto, eu gostaria de retirar a literatura dessa… quase dessa
funcionalidade. […] A questão que eu ponho é diferente: é saber se a literatura é modificadora em
si mesma. Eu recordo, por exemplo, […] a conhecida interrogação [feita] a Bertolt Brecht sobre se
o teatro é capaz de modificar o mundo. E Bertolt Brecht responde: «Só num caso: se o mundo for
suscetível de ser modificado.» E, portanto, isto coloca esta relação dialógica entre quem salva e
quem é salvo. Sendo certo que, sendo uma relação dialógica, não pode ser dialética. Ela tem de
estar no mesmo núcleo central, para que se não distinga depois o que salvou e o que foi salvo.
[…] O que eu quero dizer é que, quando nós entramos num discurso que tem que ver com essa
dimensão, em primeiro lugar nós imprimimos no discurso, desde logo, um preconceito ideológico
ou uma preposição ideológica. Eu aí prefiro acabar com a grande eloquência do quem salva /
o que salva e achar que estas coisas são muito mais capazes de nos modificar em termos de nos
enriquecerem. Só para terminar… Por exemplo, aquela expressão do George Steiner, quando ele
fala das grandes obras… entende que são aquelas que nos modificam. Não são as obras que nós
lemos, mas são as obras que nos leem. Aquelas obras que, depois de lidas, nos deixam diferentes
do que éramos, que nos transformam. E, nesta medida, então, é claro que sim, que a literatura
tem um potencial enorme — mas eu, aqui, voltaria a dizer como Brecht — sobre aqueles que,
ao lerem, admitem serem suscetíveis de se transformar.

1
1.1 
A literatura pode salvar­‑nos por nos desassossegar, por nos permitir uma maior lucidez, por favorecer
o enriquecimento do pensamento e do carácter.
1.2 Gabriela Canavilhas considera que esta afirmação não é rigorosa, pois a literatura é apenas uma
de entre as várias formas de arte e de expressão que contribuem para o autoconhecimento
e enriquecem o pensamento.

2 2.1 Laborinho Lúcio questiona o significado do termo «salvação» e a existência de pessoas que precisem

de ser salvas.
2.2 Trata­‑se de saber se a literatura é modificadora.

FICHA DE COMPREENSÃO DA LEITURA 3

1
1.1 (D);  1.2 (C);  1.3 (C);  1.4 (B);  1.5 (A);  1.6 (A).

54 ENTRE NÓS E AS PALAVRAS  •  Português  •  12.o ano  •  Material fotocopiável  •  © Santillana

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