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A ECONOMIA SEGUNDO

SMITH, RICARDO E MARX


TEORIAS (E RESPECTIVAS METODOLOGIAS)
COMPREENDIDAS A PARTIR DOS CONTEXTOS
HISTÓRICOS DE CADA AUTOR

Alexandre Lyra Martins

Ideia – João Pessoa – 2021


Todos os direitos e responsabilidades sobre os textos são do autor.

Projeto gráfico/capa: Magno Nicolau


Revisão: Alexandre Lyra Martins
Ilustração da capa:
https://www.istockphoto.com/br/foto/gr%C3%A1fico-sobre-a-paisagem-urbana-
de-negocia%C3%A7%C3%A3o-durante-a-noite-e-fundo-de-mapa-do-mundo-
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

M386e Martins, Alexandre Lyra.


A economia segundo Smith, Ricardo e Marx: teorias (e respec-
tivas metodologias) compreendidas a partir dos contextos históri-
cos de cada autor {recurso eletrônico] / Alexandre Lyra Martins.
Dados eletrônicos – João Pessoa: Ideia, 2021.
3mb. pdf
ISBN 978-65-5608-224-0

1. Economia – teorias econômicas. 2. Economia - metodolo-


gias. 3. Ciências econômicas - fundamentos. I. Título.

CDU: 330-1

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Gilvanedja Mendes, CRB 15/810

EDITORA
contato@ideiaeditora.com.br
www.ideiaeditora.com.br
Agradecimentos

Esse livro é resultado do desenvolvimento de textos didáti-


cos elaborados a partir de minha experiência como docente em
turmas de Fundamentos das ideias econômicas no curso de Ciên-
cias Econômicas da Universidade Federal da Paraíba (Campus I). A
inexistência de um livro didático que contemplasse todo o conte-
údo da disciplina foi a razão principal para a elaboração do texto,
e, por isso, meu primeiro agradecimento vai para os alunos que
participaram das aulas ativamente, colocando suas dúvidas e in-
quietações, possibilitando uma maior exploração do conteúdo e
amplificação do entendimento pelo diálogo com o olhar diverso
dos que anseiam colher na seara do conhecimento. Essa preciosa
interação exercita a argumentação e abre novos caminhos didáti-
cos, não imaginados inicialmente, contribuindo decisivamente
para a melhora da qualidade didático do material.
Seu ponto de partida foi um livro anterior em que apresen-
to as principais ideias de Marx, por meio da interpretação dos sete
primeiros capítulos do Capital. Este livro anterior contou com a
contribuição crítica de outras pessoas, que indiretamente conti-
nuam presentes aqui no capítulo referente a Marx (novamente
revisado e aperfeiçoado), e às quais reforço minha gratidão, lem-
brando o nome de Leonardo Guimarães Neto, maior incentivador
do projeto.
Ao longo da construção do presente trabalho, o texto foi re-
escrito algumas vezes e, neste processo, dialoguei com Tiago Fari-
as Sobel, colega de departamento da área de história do pensa-
mento econômico, sobre trechos do material. Agradeço também a
seus comentários, que contribuíram para reformulações no senti-
do de dar maior precisão e clareza à redação final.
Sumário

Apresentação 9

1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS TEORIAS ECONÔMICAS 12


1.1. Economia e ciência econômica 12
1.2. A evolução do pensamento econômico 14
1.3. O Método e a questão da racionalidade 22
1.4 O método científico na teoria econômica 26
1.5. Da atualidade dos pensadores estudados 42
1.6. questionário síntese 48

2. O PIONEIRISMO DE ADAM SMITH 49


2.1. Breve contexto histórico 49
2.2. A fisiocracia 51
2.3. O filósofo Adam Smith 56
2.4. O cientista social Smith: a riqueza das nações 63
2.4.1. A divisão do trabalho, sua origem e a expansão do mercado. 65
2.4.2. O dinheiro 73
2.4.3. A teoria do valor 78
2.4.4. Preços e remunerações dos fatores 83
2.5. Questionário síntese 92

3. AS CONTRIBUIÇÕES DE RICARDO 95
3.1. Breve contexto histórico e algumas questões metodológicas 96
3.2. A crítica à teoria do valor e o processo de ocupação das terras 98
3.3. A teoria da distribuição de renda 103
3.4. A teoria do comércio internacional 107
3.5. Questionário síntese 119
4. A ECONOMIA SEGUNDO MARX 124
4.1. Breve contexto histórico 124
4.2. O princípio da discordância em relação aos clássicos 127
4.3. O método materialista dialético 134
4.3.1. Do componente histórico 137
4.3.2. Da dialética materialista 140
4.4. A dinâmica dos modos de produção 145
4.5. O caso da transição do feudalismo para o capitalismo 157
4.6. A teoria do valor e da mercadoria 166
4.7. O fetiche das mercadorias 181
4.8. O dinheiro e as teorias da circulação e da acumulação 186
4.8.1. A origem do dinheiro 186
4.8.2. A circulação do dinheiro 191
4.8.3. A acumulação de capital 196
4.9. O processo de produção capitalista e a teoria da exploração 202
4.9.1. Processo de trabalho e de valorização 202
4.9.2. As transferências de valor 208
4.9.3. A teoria da exploração 211
4.9.4. Formas da mais-valia 219
4.9.5. Tecnologia e exploração 224
4.10. Questionário síntese 231

REFERÊNCIAS 238
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx |9

Apresentação

Alexandre Lyra Martins é professor do departamento de


economia da Universidade Federa da Paraíba, campus I, desde
1992, onde é pesquisador nas áreas de história do pensamento
econômico e ética econômica. Escreveu vários artigos e dois livros
acadêmicos: Fundamentos de economia política marxista (1999), e
O processo inflacionário brasileiro: 1890-1990 (2012), ambos pela
editora da UFPB. Foi coordenador do curso de Ciências econômi-
cas e chefe do departamento de economia da UFPB.
Este texto foi elaborado com o objetivo de oferecer um ma-
terial didático para a área de história do pensamento econômico
(HPE), destacando os três primeiros pensadores paradigmáticos
na construção do arcabouço teórico da ciência econômica: Smith,
Ricardo e Marx. Esses mestres da economia possuem vitalidade
invejável, bastando ver as reedições frequentes de suas obras e a
presença de suas ideias no debate contemporâneo, onde se alter-
nam em razão dos acontecimentos e do surgimento de novas
perspectivas teóricas neles inspiradas. A apresentação de suas
principais teses é antecedida por uma breve exposição dos fisio-
cratas (escola que antecede a fase científica da economia) e incor-
pora três elementos que geralmente não estão presentes conjun-
tamente em livros de HPE, que são: o método de investigação ado-
tado pelos autores, a exposição das ideias a partir dos originais e o
contexto histórico em que estavam inseridos.
Os métodos de investigação são apresentados inicialmente
no primeiro capítulo, quando se expõe seu papel na constituição
de uma teoria científica, e posteriormente, voltam à tona quando
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 10

da exposição das ideias fundamentais de cada autor nos capítulos


seguintes, permanecendo como referência ao longo do texto para
exposição das teorias. Questões conceituais se impõem nesse pro-
cesso, afinal o método pode interferir na própria definição da ci-
ência econômica, daí porque nesse primeiro instante precisamos
especificar qual o campo de estudo da economia, outros ramos do
conhecimento com os quais ela interage e a diferença da discussão
científica da economia para a forma vulgar ou filosófica de tratar o
tema, para então colocar os métodos de investigação científicos. A
partir daí se traça um breve panorama da evolução das vertentes
que serviram de referência ao pensamento econômico acadêmico.
Já nos capítulos relativos aos autores estudados, a exposição de
suas contribuições é precedida pela respectiva contextualização
histórica da época em que foram escritas, para situar suas ideias
nos devidos contextos político, social, intelectual e econômico.
Quando se trata dos autores aqui abordados, há um livro
em particular a ser considerado: Napoleoni (1985). O clássico
Smith, Ricardo, Marx, possui o mérito de oferecer uma boa análise
dos pensadores, entretanto, padece de algumas críticas (como
coloca Carcanholo, 2012) e tem um viés marxista, o que é evitado
no presente material, em que o foco é a apresentação da contri-
buição de cada um, destacando seus méritos e insuficiências.
Por outro lado, e pelo mesmo motivo, se diverge da abor-
dagem de Feijó (2007), que opta por tomar o paradigma neoclás-
sico como referencial em sua interpretação. A escolha tomada
aqui reforça a unidade de concepções teóricas distintas, oriundas
de bases metodológicas e objetivos diferentes, cada qual com suas
virtudes e limitações. A ciência admite distintos métodos de estu-
do, que devem ser avaliados para ter uma noção de seu alcance,
mas a crítica fundamental às teorias é a relativa ao desenvolvi-
mento do próprio escopo teórico, verificando limitações na cons-
trução teórica relacionadas à aplicação de sua própria base meto-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 11

dológica, sem o uso de outro parâmetro metodológico para com-


paração.
Os métodos em si podem ser criticados, mas, em princípio,
zelam por uma pretensa neutralidade científica que nas ciências
humanas, em particular, nunca é plena. Dos métodos deve-se exi-
gir coerência, ser mais ou menos complexo pode dificultar ou faci-
litar o desenvolvimento da análise que segue, seu alcance e seu
entendimento, mas não afeta sua validade. Sabe-se que a neutrali-
dade da ciência é um ideal que deve ser perseguido, ainda que
nunca se consiga atingir integralmente, entretanto, este tem sido
um caminho pouco trilhado, devido às paixões que as teorias des-
pertam. Evidentemente este trabalho não está isento de críticas,
mas aqui não se incorrerá nesta falha.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 12

1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO DAS


TEORIAS ECONÔMICAS

1.1. Economia e ciência econômica

Economia pode significar a própria atividade produtiva,


como também pode remeter ao uso racional dos recursos ou ao
estudo dos sistemas produtivos. Quando alguém fala em economia
brasileira, em economia agrícola ou industrial, pode estar se refe-
rindo à respectiva atividade produtiva (do Brasil, agrícola ou in-
dustrial, etc), ou ao estudo delas. ‘Fazer economia’ pode significar
diminuir o uso de algo, poupar, ou estudar num curso de Ciências
econômicas. Se alguém quiser, porém, falar do estudo de qualquer
aspecto da produção ou comercialização, social ou individual, que
tenha por finalidade a obtenção da sobrevivência ou de rendimen-
to, é melhor chamar a disciplina tal como é estudada hoje nas aca-
demias, por seu nome mais formal: ciência econômica1.
Vale destacar que os significados estão relacionados. O es-
tudo da atividade produtiva só faz sentido na medida em que o
homem precisa dessa investigação e isso aconteceu num primeiro
momento, justamente por causa da relativa escassez dos recursos
disponíveis. Se todos recursos que o homem precisasse para so-
breviver estivessem à disposição de forma ilimitada, não haveria
necessidade de se debruçar sobre a economia, pois não haveria
problema o econômico original.

1Considerando um embasamento metodológico científico, como veremos adi-


ante.
Sumário
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As primeiras décadas do século XXI, no entanto, nos mos-


tram abundância e pobreza paralelamente, de maneira que, se o
motivo inicial da investigação econômica foi uma escassez em
termos absolutos, hoje temos escassez relativa, apontando para o
problema da concentração da riqueza. Por outro lado, recursos
relativamente abundantes como a água potável e madeira, que
eram e ainda podem estar relativamente disponíveis, começam a
escassear devido à poluição e exploração excessiva, exigindo revi-
são de parâmetros produtivos e científicos. A economia tem intro-
duzido novos conceitos e áreas de estudo para contemplar essas
mudanças, passando a se dedicar mais a questões relativas à dis-
tribuição e à sustentabilidade.
A definição da economia como ciência que estuda a melhor
alocação dos recursos escassos para produzir mais e mais eficien-
temente não é a mais abrangente, pois não contempla aspectos
relacionados à produção e sua distribuição, tal como já colocava
Mill (1974, 302) ao definir a economia política: “A ciência que tra-
ça as leis daqueles fenômenos da sociedade que se originam das
operações combinadas da humanidade para a produção da rique-
za...”. Alternativamente e no mesmo sentido, Sandroni (1985, 127)
assevera que a economia é a “ciência que estuda a atividade pro-
dutiva”, que gera diretamente bens e serviços ou renda (que pode
ser acumulada). A atividade comercial entra aí como engrenagem
final do processo, mas não se considera as atividades de cunho
exclusivamente diletante, que buscam apenas a realização própria
(que eventualmente podem vir a ter caráter econômico posteri-
ormente).

ATIVIDADE PRODUTIVA
ECONOMIA
CIÊNCIA ECONÔMICA

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 14

A economia enquanto atividade produtiva, portanto, é o ob-


jeto de estudo da ciência econômica e é esse campo de investiga-
ção que a diferencia de outras áreas. O desenvolvimento das pos-
sibilidades produtivas tem alargado suas fronteiras e sua comple-
xidade, expandindo até a própria capacidade de financiamento do
sistema em si.
A preocupação da ciência econômica é pensar todas dimen-
sões do ato de produzir e suas consequências, das individuais às
coletivas, por isso se faz uma analogia com a profissão do médico:
quando o médico erra, pode matar uma pessoa, mas se o econo-
mista erra, pode matar muitos. A responsabilidade social do eco-
nomista muitas vezes é elevada e pede, igualmente, uma postura
ética igualmente elevada do profissional.

1.2. A evolução do pensamento econômico

Como toda ciência, a economia vem formando um arcabou-


ço de conhecimento ao longo de sua história. A curiosidade sobre
as condições materiais de sobrevivência do homem tem a mesma
idade da existência humana e evolui com ela, passando por formu-
lações de cunho filosófico até chegar às construções teóricas de
caráter científico. As primeiras observações filosóficas estão inse-
ridas num contexto histórico anterior ao iluminismo e ao positi-
vismo (entre 400 e 300 A.C.). A origem da palavra economia data
da antiguidade grega2, quando Xenofontes explica a oikonomos
como as regras da casa (Oikos significa casa e nomos é norma).
Esta primeira acepção do termo economia remete à eco-
nomia doméstica, que trata da administração do orçamento fami-
liar, condizente com a simplicidade da atividade produtiva de en-
tão, porém Platão escreveu na sequência A República, em que dis-

2 Conforme Sandroni (1985, 127)


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A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 15

serta sobre a sociedade como unidade de um grupo, e aqui o signi-


ficado original do título, a coisa pública (res pública) sintetiza o
espírito coletivista que prevalecia, e nele a preocupação com a
administração pública da polis em geral é destacada, sendo apre-
sentada como ‘economia política’.
A embrionária contribuição grega se mantém como refe-
rência básica de economia até o século XV, quando ocorreu a in-
tensificação do comércio mundial graças à descoberta das novas
rotas marítimas pelos portugueses e espanhóis, revelando as úl-
timas grandes áreas ainda desconhecidas do planeta. Os Mercanti-
listas defendiam o comércio como principal fonte geradora de ri-
queza e acreditavam que quanto mais um país se conseguisse
vender mercadorias, mais enriqueceria pelo acúmulo de moeda
daí decorrente.
Na concepção mercantilista, predominante entre os séculos
XV e XVII, o sucesso econômico de um país necessariamente re-
presentaria o fracasso de outro, pois o superávit na balança co-
mercial de um implicaria em déficit comercial para outro. Sabe-se
que esta fase não foi um período favorável ao desenvolvimento
das ideias em função do domínio de uma linha conservadora na
igreja católica, fechada a qualquer discussão fora do que fosse
produzido ou reconhecido por ela na idade média, mas, mesmo
assim, houve algum desenvolvimento teórico pontual de temas
distintos por pensadores, principalmente franceses e alemães.
O mercantilismo tinha uma visão objetiva da economia.
Tudo era decorrência da suposição de que o importante era ven-
der mais do que comprar, para obter e acumular moeda, a riqueza
em si, o objetivo final que proporcionava poder de compra. O Es-
tado deveria auxiliar nessa competição restringindo ou mesmo
proibindo as importações, sendo que o critério para se adotar uma
dessas duas opções poderia ser a existência da atividade produti-
va no país, por menos desenvolvida que fosse. Como se vê, eram

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Alexandre Lyra Martins | 16

protecionistas, em maior ou menor grau. Por essa perspectiva, o


Estado deveria estimular as exportações e limitar as importações
o máximo possível para promover a economia.
Os primeiros a contestar a concepção mercantilista foram
os fisiocratas (século XVIII), apresentando uma interpretação libe-
ral afinada com o espírito iluminista que surgia em sua época e se
rebelando contra o Estado absolutista, entretanto, pouco desen-
volveram suas ideias, passando para a história como uma escola
de pensamento pré-científica que se ateve muito às condições de
produção da França, berço de seus mentores. Os fisiocratas dimi-
nuíram a importância do comércio e colocaram as atividades agrí-
colas em primeiro plano, como fontes da geração de riqueza, a
atividade produtiva que fornece a matéria prima a partir da qual
todas outras se movimentam.

1.GREGOS
FASE PRÉ-CIENTÍFICA: 2. MERCANTILISTAS
3. FISIOCRATAS

A fase científica da economia é inaugurada em 1776 por


Smith com A Riqueza das Nações e com ela vêm outras possibili-
dades de equívocos, aqui explorados e explicados adiante. Con-
forme foi visto, ciência econômica tem por objetivo estudar a ati-
vidade produtiva humana, mas cada pensador tem um objetivo
particular. Smith, em sintonia com o principal problema de sua
época (princípio da revolução industrial), a escassez de produção,
se dedicou a construir uma teoria do crescimento econômico, a
partir da qual explica o funcionamento da economia de mercado.
Neste momento inicial, a ciência econômica foi designada
como economia política 3. Ela aparecia em pontos da obra de vários

3 Quem primeiro usou a expressão economia política foi Malthus.


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A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 17

pensadores e filósofos, geralmente como um aspecto da realidade


social4 e daí se descolou para constituir um escopo próprio, sem
perder sua ligação com as questões sociais (refletida na palavra
política). Esse componente social vai ser elemento importante e
indissociável na concepção desses pensadores que formaram a
escola clássica, o que seria de se esperar, uma vez que a produção
social é feita pelos homens e para os homens.
Uma premissa dos estudos clássicos é que o problema eco-
nômico é um problema da humanidade e, como tal, deve conside-
rar o elemento político decorrente das relações socioeconômicas,
em suas determinações. A dimensão social se reflete historica-
mente numa das premissas principais da escola clássica: a defesa
da liberdade (que contestava o intervencionismo do pesado Esta-
do mercantilista). Isto vai ficar mais nítido com o segundo grande
marco da fase clássica, David Ricardo, que publicou sua obra 4
décadas depois de Smith, sendo contemporâneo de um contexto
social um pouco mais conturbado que o de Smith5, o que se refle-
tiu diretamente na escolha de seu objetivo principal: a distribui-
ção de renda.
Depois de quase 100 anos da publicação da Riqueza das na-
ções, vai aparecer O capital, obra do maior crítico da concepção
liberal reinante: Karl Marx. Mesmo sendo considerado autor da
fase clássica do pensamento econômico, Marx ergue sua teoria
considerando uma metodologia alternativa, distinta da usada pe-
los clássicos, e assim acaba se firmando como uma das principais
referências teóricas da economia política moderna. O objetivo de
Marx no Capital, por sua vez, era desvendar toda lógica do funcio-
namento do sistema capitalista de produção.
Com a chegada dos neoclássicos, ainda na segunda metade
do século XIX, muda a visão dos principais economistas do mains-

4 Em autores como Hume, Harris e Davenant.


5 Particularmente para o Reino Unido, onde ambos nasceram e viveram.
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tream, que passam a pensar a economia de forma isolada, sem


comunicação com as outras ciências. Schumpeter sintetiza o espí-
rito neoclássico (mesmo sem sê-lo exatamente): o universo eco-
nômico já encerraria uma quantidade de variáveis tão expressiva
que já seria desafio suficiente compreendê-lo em si, daí a necessi-
dade de abandonar o estudo dos aspectos sociais; mesmo sendo
esses muito importantes:

“O processo social, na realidade, é um todo indivisível. De


seu curso, a mão classificadora do investigador extrai ar-
tificialmente os fatos econômicos. A designação de um fa-
to como econômico já envolve uma abstração, a primeira
de muitas que nos são impostas (...) Os fatos econômicos
resultam do comportamento econômico ...”
(Schumpeter, 1985, 9)

O resultado disso é a negação de qualquer adjetivação à pa-


lavra economia, como acontecia antes na denominação economia
política. Essa nova vertente adotou essa premissa e começou a
deixar de fora da investigação os elementos sociais e históricos. A
percepção disso, porém, só ocorreu aos poucos, tanto que o pró-
prio Walras, um dos fundadores da escola neoclássica, intitulou
uma de suas principais obras de Compêndio dos elementos de eco-
nomia política e pura (publicado em 1874), dai porque podemos
dizer que com os neoclássicos surge a ‘economia pura’, sua correta
denominação. O outro grande nome da escola neoclássica é Alfred
Marshall, sendo que ambos contribuíram no sentido de construir
uma teoria para explicar a tendência dos mercados ao equilíbrio6,
e foi nessa fase que a econometria surgiu e avançou, trazendo com
ela a matemática e a estatística para dentro da ciência econômica.

6 Outros nomes dessa vertente são Jevons, Wicksell, Menger, Pareto e Fischer.
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O próximo grande marco teórico da economia surgiu ape-


nas após o advento das grandes crises no início do século XX, par-
ticularmente a de 1929 nos EUA. Keynes reformulou a teoria neo-
clássica, adequando-a às transformações do capitalismo, que se
mostrava instável e susceptível a crises mais imponentes, des-
mentindo a crença liberal que dominava os meios acadêmicos e as
esferas de poder à época, na capacidade auto regulatória dos mer-
cados.
Havia momentos em que o mercado se tornava o pior dos
reguladores da produção, aumentando as dimensões da crise, daí
Keynes defendeu a intervenção governamental para resolver esse
problema em seu livro referencial A teoria geral do emprego, do
juro e da moeda, de 1936, cujo objetivo principal era reparar os
equívocos da teoria neoclássica e atualizá-la para dar uma expli-
cação satisfatória à nova realidade de desequilíbrio como regra
dos mercados.

1 ESCOLA CLÁSSICA
FASE CIENTÍFICA: 2. MARX
(Grandes referências) 3. NEOCLÁSSICOS
4. KEYNES

Acontece que os economistas puros não assumiram essa


denominação e preferiram se apropriar da palavra economia; co-
meçando outro problema semântico, pois a vertente da economia
política nunca deixou de existir. Com vários manuais de economia
pura sendo intitulados apenas pela palavra economia (manual de
economia, introdução à economia, etc), foi ficando subentendido
que a ciência econômica correspondia àquela visão e que a eco-
nomia política seria algo inferior, quando na verdade trata-se de
uma outra visão científica da economia. É uma confusão que pre-

Sumário
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judica um enfoque da ciência econômica que já é marginalizado e


favorece a concepção teórica do mainstream economics.
A palavra economia possui uma objetividade tentadora,
que os economistas puros conseguem atingir, pois isolam a eco-
nomia e usam modelos matemáticos para desenvolver suas pes-
quisas, enquanto a palavra economia política sugere complexida-
de e confusão, porque resulta da combinação de duas áreas com-
plexas que geralmente são objeto de intermináveis discussões e
reflexões.
Note o leitor que se trata aqui da conotação negativa ou pe-
jorativa que as palavras podem sugerir, que se contrapõe ao signi-
ficado real delas: a economia pura e a economia política são dois
enfoques legítimos e distintos da análise econômica do ponto de
vista científico (legitimidade conquistada pela adoção de um mé-
todo científico).
O ponto é que o comportamento e o fenômeno econômico,
objetos da ciência econômica, podem ser tomados isoladamente,
pelo prisma individual, ou socialmente, pelo prisma das relações
sociais. A primeira opção é a feita pela corrente da economia pura,
que acredita achar mais adequado começar a análise pelo homem,
considerando apenas seu comportamento econômico e conside-
rando ser capaz de escolhas individuais. É o chamado homo eco-
nomicus, aquele ser que toma decisões econômicas individuais,
pensando exclusivamente em termos de custo-benefício, ou seja,
as decisões econômicas são resolvidas tomando como referência
apenas o bem-estar material do indivíduo (e de sua eventual famí-
lia) procurando maximizar recursos relativamente escassos.
A perspectiva da economia política, por sua vez, adota o
critério da inserção social do ser como foco da análise, conside-
rando as necessárias relações sociais de produção como elemento
fundamental da economia, sendo decorrente disso sua incapaci-
dade de separar a dimensão econômica da social (política), levan-

Sumário
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do a toda uma compreensão alternativa do fenômeno econômico


enquanto algo maior, um fenômeno social. A produção passa pelo
individual e é técnica, pois envolve números, índices, coeficientes,
mas é também humana quando é mediada por relações sociais.
São facetas do mesmo fenômeno e ambas são perspectivas válidas
de investigação.

ECONOMIA POLÍTICA
CIÊNCIA ECONÔMICA
ECONOMIA PURA

Em seu processo de desenvolvimento, as pesquisas na eco-


nomia pura começaram a delinear duas grandes áreas de estudo; a
microeconomia e a macroeconomia, demarcando uma subdivisão
que se consolidou com o tempo. Quando se estuda a economia do
ponto de vista das unidades econômicas, seja de produção ou con-
sumo, estamos diante da microeconomia, e se tratamos da eco-
nomia sob o enfoque da produção conjunta; seja de uma cidade,
Estado ou país, o contexto é a sociedade como um todo e aí esta-
mos diante da chamada macroeconomia.
O ponto de vista micro persegue os padrões individuais e
como tal pode envolver algum nível de agregação, como quando
estuda setores específicos da economia, oligopólios ou oligopsô-
nios, já o enfoque macro quer compreender toda economia a par-
tir dos agregados em si. Há uma analogia recorrente no meio aca-
dêmico para ilustrar a diferença desses enfoques que compara a
microeconomia ao estudo de uma árvore e a análise da floresta à
macroeconomia. Cada qual tem sua importância, pois o aprofun-
damento do estudo da empresa ou do consumidor nos fornece
uma série de especificidades e detalhamentos impossíveis de se-
rem detectadas pelo estudo macroeconômico e este ponto de vis-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 22

ta, por sua vez, nos oferece uma perspectiva conjunta que também
revela observações únicas ao investigador.
A divisão macro-micro é característica da economia pura,
seja essa de cunho neoclássico, keynesiano ou de algum outro
desmembramento teórico, e pré-supõe a comunicação plena das
duas visões, especialmente quando considera que há microfun-
damentos para a macroeconomia. Há variáveis que são comuns às
duas áreas e há variáveis específicas de cada disciplina. Inflação,
taxa de juros, taxa de câmbio são intrinsecamente macro, enquan-
to os custos em geral são elementos da teoria micro por excelên-
cia. Renda, consumo e impostos são variáveis tanto para a micro
(considerando-as individualmente), quanto para a macro (consi-
derando-as de forma agregada). Mesmo assim, o fenômeno eco-
nômico é um só e essa fronteira é sutil. Trabalhos de enfoque mi-
cro podem estudar a influência de variáveis macro em variáveis
micro e vice-versa.

MACROECONOMIA
ECONOMIA PURA
MICROECONOMIA

1.3. O Método e a questão da racionalidade

A matéria-prima do pesquisador é a realidade, que, sendo


constituída por uma rica teia de fenômenos, oferece material am-
plo para análise. Ao longo do tempo, o homem foi descobrindo
como funcionava o mundo em que está inserido, aumentando e
organizando gradativamente o fluxo de conhecimento que ia sen-
do produzido.
A filosofia, que é a mãe de todas as ciências, pode ser con-
ceituada como o “estudo que se caracteriza pela intenção de am-
pliar incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 23

apreendê-la em sua totalidade” (Ferreira, 1986, 779). Antes de


surgir a ciência, havia a filosofia, que abarcava todas as formas de
conhecimento, correspondendo ao exercício intelectual de povos
ainda num estágio inicial da reflexão acerca do próprio homem e
da natureza que o cerca.
Com o tempo foram se desdobrando e se delineando os
campos de análise, sendo que, a mais simples divisão das ciências
delimita um campo de estudos relativo à investigação da natureza,
as ciências naturais, e outro campo que se destina à investigação
da sociedade, as ciências sociais. Essas últimas, por sua vez, estão
subdivididas em áreas do conhecimento mais específicas como a
história, a psicologia, a antropologia e a economia. Nesse processo,
a transição definitiva para o caráter científico do conhecimento
vem com a adoção de métodos próprios, científicos.
Existem diferentes métodos, desde os métodos intuitivos a
métodos didáticos. Os métodos intuitivos envolvem reprodução
de ações, como a repetição, tentativa e erro, e com eles se aprende
a andar, escrever e falar. Sempre do mais simples ao mais comple-
xo, repetindo e exercitando cada etapa do conhecimento se evolui
no aprendizado. Métodos didáticos apresentam possibilidades de
como passar o conhecimento e os métodos de estudo nos ensinam
a pensar com disciplina, mas para a elaboração de teorias científi-
cas interessa exclusivamente os métodos científicos aceitos como
tal, que orientam o estudioso a raciocinar logicamente e a elaborar
variáveis abstratas, de forma a possibilitar a construção de uma
teoria científica. Para se entender uma teoria, portanto, é preciso
ter em mente o método científico adotado pelo autor, para saber
em que bases estão fundadas aquelas ideias.
A realidade objetiva é apreendida pelos estudiosos por
meio da aplicação de um determinado método científico, daí exis-
tir mais de uma forma de se interpretar a mesma realidade. Den-
tre vários fatores importantes explicativos dessa realidade, pode-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 24

se atribuir maior peso a um ou a outro. No caso da inflação, por


exemplo, existem pelo menos quatro grandes vertentes que a ex-
plicam, detectando causas diferentes para esse processo: excesso
de moeda, pressão de demanda, pressão de oferta ou aspectos
inerciais7.
Além do método, o que há de comum em todo processo de
construção de uma teoria é o uso da abstração. Numa teoria, são
apresentadas apenas algumas variáveis e a relação entre elas (ma-
tematicamente ou não). Necessariamente há uma seleção de al-
guns elementos que têm maior importância do que outros, por
terem papel decisivo na determinação do todo. Não se pode traba-
lhar teoricamente com a realidade tal qual ela se apresenta; tem
de haver uma redução no nível de complexidade da realidade ob-
jetiva, uma simplificação obrigatória e criteriosa, baseada num
método, que permita a elaboração de uma interpretação teórica
do objeto investigado.
O método aponta o caminho para a escolha das variáveis
fundamentais e para a relação entre elas, através de critérios,
conduzindo o pesquisador no processo de abstração a seu objeti-
vo, amparado em premissas rigorosas que permitirão a repetição
dos resultados em testes diversos posteriores. Como se vê, o mé-
todo retira, ao máximo, as variações de interpretação decorrentes
de pontos de vista estritamente pessoais, possíveis em função da
formação educacional e cultural de cada indivíduo e da subjetivi-
dade na apreensão da realidade.
Não obstante a imparcialidade seja inerente ao método ci-
entífico, essa é apenas aproximada, uma vez que o próprio método
é criação humana, e assim, já em sua origem pode conter algum
viés. Além disso, existem alguns métodos disponíveis e, ao esco-
lher um deles, o estudioso está preferindo um procedimento que

7 Dentro de cada corrente dessa existem várias outras aprofundando e discu-


tindo as premissas do tema.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 25

vai encaminhar a análise por uma via que coincide mais com seu
modo de ver o problema, mas essa escolha garante apenas a con-
dução da investigação, não os resultados a que vai se chegar.
Ao realizar um processo de abstração, o observador deve
estar atento aos supostos metodológicos predeterminados para
não incorrer em idealização do objeto investigado. A idealização
acontece quando o teórico se deixa levar por aspectos não funda-
mentais da realidade, que, no entanto, são destacados na aparên-
cia do fenômeno (na superfície são evidentes), fazendo com que
sejam selecionados elementos incorretos para a teoria. O investi-
gador deve se esforçar no sentido de descobrir a essência, ultra-
passando as percepções imediatas, sendo capaz de refletir para
alcançar a real dimensão do fenômeno estudado.
Num processo de idealização, imagens e informações di-
versas que se guardam em algum lugar do cérebro (fruto do pro-
cesso de formação educacional e cultural) e que demonstram a
forma particular de um grupo social ver o mundo, vêm à tona, ge-
rando uma visão ‘pessoal’ embutida de valores sociais. A aparên-
cia se apresenta como essência na idealização, no entanto, a es-
sência só pode ser obtida ao se transpor a aparência.
A simples observação do movimento do sol, do nascer ao se
pôr, após alguns dias, induz o indivíduo à falsa conclusão de que
ele gira em torno da terra, como a humanidade chegou a acreditar
em um determinado estágio da sua história (hipótese geocêntri-
ca). Algum tempo depois, apenas com o uso de cálculos e modelos
teóricos físicos, ficou demonstrado o contrário (a hipótese helio-
cêntrica).
Um exemplo adicional pode ser útil para ilustrar como con-
cepções prévias do mundo podem conduzir a uma idealização.
Pedindo para algumas pessoas conceituarem um cachorro, alguém
pode invocar características como porte, cor ou raça. Essas infor-
mações compõem a imagem particular de um cão, que é resultado

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 26

da experiência pessoal que se tem em relação ao objeto sugerido.


São, evidentemente, aspectos reais do referido animal, contudo,
não representam uma caracterização genérica de um cachorro,
mas uma idealização. Não é preciso nem que haja experiência real
(concreta) para se idealizar algo, basta que o indivíduo tenha al-
guma informação guardada, como um desenho visto em revistas.
Para se obter uma conceituação que alcance todas as raças
de caninos, por exemplo, é preciso observar o que há de comum
em todos os cachorros, independente de cor, porte, etc. A concei-
tuação de algo é um exercício de abstração simples, pois se bus-
cam os aspectos fundamentais (qualidades básicas) do objeto, se-
parando-os de elementos irrelevantes (características secundá-
rias), que se misturam na realidade objetiva. O cachorro, no caso,
pode ser descrito como um animal mamífero, quadrúpede e pre-
dominantemente carnívoro, que foi domesticado pelo homem pa-
ra sua companhia e proteção.

1.4 O método científico na teoria econômica

Já sabemos que a ciência econômica pode ser dividida em


duas grandes vertentes teóricas; a economia pura e a economia
política. Essas duas vertentes decorrem tão somente de visões
diferentes acerca de um fenômeno único; a atividade produtiva. O
rigor científico não elimina o debate de idéias, só que nele o indi-
viduo tem de estar embasado para se credenciar à discussão, dife-
rentemente do que acontece numa conversa entre amigos. Nem
nas ciências exatas, mais precisas por sua própria natureza, há
visão única dos fenômenos. Na física se discute qual seria a origem
do universo e para onde ele vai, na biologia se discute o processo
de evolução dos seres vivos, na antropologia há um debate em
torno da origem da espécie humana, e por aí vai.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 27

Se a teoria é científica, deve ser respeitada como tal. Para


ser científica a teoria deve passar por todo um processo em que é
submetida à sabatina acadêmica e a testes. A elaboração de uma
teoria obedece a uma série de etapas, a começar com o enunciado
de uma hipótese, que nada mais é do que uma suposição acerca
da(s) causa(s) do fenômeno estudado, que sempre é colocada em
termos da relação entre uma variável dependente e uma variável
independente; a que determina o comportamento a outra.
A hipótese formulada se converte em objetivo do estudo, é
uma explicação de como determinadas variáveis selecionadas in-
teragem, de forma a gerar a dinâmica defendida, como por exem-
plo: o consumo e a poupança dependem da renda, assim os cres-
cimentos do consumo e da poupança dependem do crescimento
da renda, e, para uma renda fixa, o crescimento do consumo impli-
ca numa diminuição da poupança.
Embora muitas vezes a hipótese seja enunciada matemati-
camente, essa é apenas uma linguagem possível, assim como a
forma textual é válida e pode ser até mais adequada a certas
áreas/métodos de estudo. Uma teoria necessariamente é uma
simplificação da realidade e, portanto, sempre implica num pro-
cesso de abstração que gera uma seleção natural de variáveis es-
senciais para o entendimento do problema. O que vai determinar
essa seleção e todo percurso da construção teórica é o método,
que vai ser escolhido em função da identificação do estudioso com
um dos métodos científicos disponíveis. Por fim, a teoria é elabo-
rada e a hipótese é testada com a busca de evidências (por meio
de dados ou fatos históricos no caso da economia)8.

8 A respeito das etapas para a construção de uma teoria ver Pinho e Vasconce-
los (2004, 5-6).
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 28

Fases da elaboração de uma teoria:


1. Formulação da hipótese
2. Escolha do método
3. Construção da teoria
4. Testes empíricos

A escolha do método vai depender fundamentalmente da


perspectiva analítica do investigador, e isso implica em definir se
há pretensão de realizar um estudo exclusivamente econômico ou
um trabalho que concebe o fenômeno econômico como parte do
fenômeno social, trazendo elementos políticos para a análise. Esta
questão foi primeiramente colocada a partir do momento em que
alguns pensadores começaram a defender que as ciências sociais
deveriam ter um método exclusivo. De acordo com Sandroni
(1985, 274), isto aconteceu a partir da crítica marxista à teoria
clássica desenvolvida até o século XIX, teoria essa que seguia os
cânones científicos que diziam que toda e qualquer ciência deveria
usar os mesmos métodos, a indução e a dedução.
A crítica marxista parte da constatação de que a humanida-
de não pode ser equiparada a qualquer agregado natural, porque
mesmo tendo aspectos naturais, vai além desses e possui uma ca-
racterística fulcral diferenciadora que é a capacidade de raciocí-
nio, determinante das formas de organização social e sua evolução
histórica. Esse diferencial tem uma série de implicações, em parti-
cular sua história é diferente da história natural, não é uma sim-
ples sequência irremediável de fatos concatenados e sim um pro-
cesso em constante construção e mutação em função da ação de
grupos sociais e suas interações dinâmicas na sociedade. Dessa
dissenção surge o método dialético-histórico; tema de linhas adi-
ante.
Se a perspectiva do estudo for clássica, a ciência social é
considerada uma ciência como qualquer outra, o que remete à

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 29

escolha de um dos métodos clássicos de investigação: dedução e


indução. O processo dedutivo parte do geral para chegar ao parti-
cular e assim, em regra envolve um nível de abstração maior. Co-
mo lembra Sandroni (1985, 274) o silogismo é um exemplo de
dedução, por onde se extrai uma conclusão lógica a partir de duas
premissas: se 1. o gato é um caçador de pequenos roedores, 2. o
rato é um pequeno roedor, então: 3. o rato é caçado por gatos.
A dedução na economia é muito usada na confecção de teo-
rias gerais e em trabalhos de economia aplicada em que se testa
uma teoria geral para explicar alguma realidade econômica espe-
cífica. As teorias macroeconômicas são teorias gerais que podem
explicar especificamente a realidade inglesa, japonesa ou brasilei-
ra. Outro exemplo na economia são as propensões a consumir e a
poupar. Se reconheço que a renda líquida9 das pessoas é dividida
basicamente entre consumo e poupança, que o aumento da renda
eleva o consumo, mas sempre em menor proporção relativamente
ao aumento da renda, por dedução, aumentos na renda também
trarão maiores níveis de poupança, sendo que em maior propor-
ção que os aumentos da renda
A indução, por sua vez, é um método de raciocínio inverso:
sai do caso específico para a generalização. Por sua natureza, a
indução envolve menor abstração, está relacionada ao exercício da
observação direta da realidade, momento em que o investigador
seleciona suas variáveis, e assim, generaliza a partir do individual.
A indução em sua forma pura mais pura, a hipotética, é motivo de
muitas críticas10, se adequando mais às ciências naturais11.
Na microeconomia, a indução permite afirmar que, se um
consumidor típico adota como variável central o preço da merca-

9 Já descontados os impostos.
10 Ver Benedicto, Benedicto, Stieg e Andrade (2012) e Romanini (2013).
11 As pesquisas utilizando cobaias usam metodologia indutiva para chegar a

suas conclusões.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 30

doria na sua decisão de onde comprar essa mercadoria, as demais


pessoas devem ter comportamento similar e daí a totalidade dos
consumidores vai comprar algo que pretendem no estabelecimen-
to que oferecer o menor preço pelo objeto pretendido. Não obs-
tante os exemplos, os dois métodos podem ser usados tanto numa
teoria macro, quanto numa teoria microeconômica, sendo que
uma explicação macro a partir de induções resultará numa teoria
dita atomística, pois não há alterações previstas devido às intera-
ções no plano macro dos agentes12.

INDUÇÃO
MÉTODOS CIENTÍFICOS DEDUÇÃO
DIALÉTICO HISTÓRICO

Tanto na dedução quanto na indução há especificações


possíveis, das quais devemos destacar as históricas e as hipotéti-
cas. O critério fundamental dessas metodologias é o ponto de par-
tida do processo metodológico: se este decorre e pressupõe fatos
ou contextos históricos, temos a origem histórica, mas se decorre
de hipótese pura, desconectada de qualquer evento histórico, te-
mos a vertente hipotética do método.
Um estudioso de ciências sociais pode identificar elemen-
tos importantes para a explicação de um fenômeno e aventar uma
hipótese a partir de uma observação da realidade, que será poste-
riormente aferida por dados estatísticos, fazendo, no caso induti-
vo, uma extrapolação da observação específica para o geral13.

12
Ambos métodos também podem ser usados pela economia política marxista,
sendo que sempre de forma secundária, complementar, já que o crucial para a
construção dessa perspectiva teórica é o método dialético histórico.
13 Sobre a problemática da extrapolação por estudos de caso ver Maffezzolli e

Boehs (2008).
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 31

Além dessa, as induções podem ter origem na observação de fatos


econômicos relacionados a momentos históricos.
Para ilustrar, um pesquisador pode desenvolver a hipótese
de que o trabalho em geral ficou mais produtivo e intensificado
com a introdução dos computadores nas empresas a partir da dé-
cada de 1980, considerando dados coletados em alguns estudos
de caso, e isto seria uma indução histórica. Por sua vez, um outro
pesquisador pode observar empiricamente uma empresa que ado-
ta protocolos distintos/criativos, introduzindo atividades de lazer
dentro da firma e verificar que há ganho de produtividade decor-
rente dessa mudança de protocolos, e então pode defender a hipó-
tese de que isto só acontece em atividades criativas. Se essa supo-
sição estiver desconectada de qualquer contexto histórico, ele es-
tará fazendo uma indução hipotética.
O exemplo maior do uso da indução histórica é Adam
Smith, que desenvolveu sua teoria a partir da observação das fir-
mas na revolução industrial, descrevendo processos industriais,
determinando especificidades na produção e na distribuição, ex-
plicando o funcionamento do mercado, a partir daí.

HISTÓRICO
MÉTODOS INDUTIVOS
HIPOTÉTICO

De acordo com Harman (2017, 1), a indução hipotética ga-


nha reforço com o instrumental matemático, pois este confere
demonstração da hipótese, razão pela qual seu uso foi muito di-
fundido entre os economistas modernos. A matemática possibilita
precisão à hipótese, estabelece uma relação quantitativa por meio
de variáveis que constitui o caminho exato da ideia a ser confir-
mada, de modo que a formulação de uma indução rastreada em

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 32

fundamentação matemática confere caráter probatório à hipótese


colocada.
Isto também pode ser verificado com o método dedutivo,
que pode ser dividido seguindo os mesmos critérios: o histórico
dedutivo e o hipotético dedutivo. O primeiro toma como ponto de
partida da investigação a observação do momento histórico e suas
particularidades, enquanto o segundo parte apenas de hipóteses
abstratas, formuladas em torno da realidade social, minimizando
especificidades históricas. As teorias de Smith também são exem-
plos de dedução histórica, pois este considera a dimensão macro
das mudanças econômicas que presenciou, elaborando uma teoria
geral para explicar as transformações técnicas e produtivas da
revolução industrial.
Nos casos de Ricardo e Keynes, embora o contexto históri-
co seja determinante para o teor de suas teorias14, ambos não re-
conhecem isso e preferem se alinhar com a vertente dedutiva hi-
potética, deixando os eventos históricos como consequência das
formulações15. A história do pensamento econômico demonstra a
estreita relação das teorias escritas com os contextos históricos,
mas a exploração e o reconhecimento desses depende do estudio-
so.

HISTÓRICO
MÉTODOS DEDUTIVOS
HIPOTÉTICO

14 A crise inglesa no caso de Ricardo e as grandes crises econômicas, particu-


larmente a norte-americana, para Keynes.
15 Autores aficionados ao método hipotéticos vão dizer, no máximo. que a histó-

ria é o tempo em que os eventos transcorrem, mas nunca que há causas históri-
cas em processos econômicos.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 33

O caso da curva de Phillips é um bom exemplo do modo


como os pesquisadores acompanham a dinâmica da evolução dos
processos socioeconômicos, ilustrando os desdobramentos de
uma discussão acadêmico-científica possível em torno da hipótese
inicial, dedutiva no caso, que vai resultar no desenvolvimento da
ciência econômica. Conforme OMEROD (1996, 136 a 139), em
1958 Phillips estabeleceu uma relação inversa entre os níveis de
salário e de desemprego, demonstrando uma faceta do funciona-
mento do mercado: mais trabalhadores para menos vagas signifi-
ca mais desemprego e também menos aumentos salariais, bem
como menos trabalhadores para mais vagas implica em redução
na taxa de desemprego e consequentemente aumento no nível dos
salários16.
Mais à frente, em 1960, Solow e Samuelson resolveram
ampliar um pouco a assertiva de Phillips e dizer que haveria uma
relação entre a taxa de desemprego e a inflação, já que os salários
são custos significativos das economias, tudo devidamente prova-
do com testes para a década anterior nos Estado Unidos (país dos
acadêmicos).
A década de 1960 confirmou o trade-off entre desemprego
e inflação, entretanto os números da década seguinte começaram
a desmentir a lei econômica enunciada ao indicar que a elevação
da inflação estava sendo registrada paralelamente ao aumento do
desemprego. Num primeiro momento chegou-se a anunciar o que
isso parecia representar: a queda da curva de Phillips, entretanto
pouco depois os estudiosos compreenderam que algo estava mu-
dando nas economias, uma alteração no comportamento de agen-
tes que resultava em aumento de preços com estagnação econô-
mica, criando um novo termo: a ‘estagflação’.

16Conforme já enunciava Ricardo (1982, 81-82) sobre o livre mercado do tra-


balho.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 34

O contexto histórico era o da primeira crise do petróleo,


que é outro importante elemento de custos para as economias, de
impacto direto na inflação, e a ação decisiva dos produtores com
políticas agressivas de preços operacionalizadas por meio da
OPEP, acarretou aumento substancial no nível de preços. A res-
posta para a questão veio por meio do elemento histórico, que
explicou a aparente incoerência e indicou a possibilidade da curva
de Phillips se deslocar, uma vez que há outros componentes de
custo além da mão de obra (seus salários e o nível de emprego), e
assim novas hipóteses foram construídas para explicar o que o
estava acontecendo na economia e no processo inflacionário: as
expectativas adaptativas e as expectativas racionais.
Enquanto a indução e a dedução são usadas por todas cor-
rentes, o terceiro método de investigação científico da economia
fornece o embasamento metodológico exclusivo para a economia
política marxista. Como sua denominação deixa transparecer, ele é
a junção de dois métodos; o dialético e o histórico. Trata-se de um
método proposto por Marx em que a dialética tem o papel de ex-
plicar o desenvolvimento histórico da humanidade enquanto or-
ganização social, sendo os fatos históricos as provas desse método
A premissa histórico-dialética é de que para compreender a
realidade social não podemos abrir mão da perspectiva histórica
da humanidade, esta que, diferentemente da história natural, evo-
lui por meio de um processo cumulativo e dialético, no qual o ser
humano é parte fundamental do processo. As formas de organiza-
ção social evoluem superando as anteriores, se sobrepondo a elas,
como também os comportamentos evoluem tomando como refe-
rência os anteriores e assim por diante.
Explicar a atualidade assimilando o passado que a antece-
deu não é exclusividade do materialismo histórico, pois a dedução
e a indução históricas já aceitavam essa premissa, porém a pers-
pectiva dialética confere compreensão diferente da história como

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 35

processo, o que permite outro alcance à investigação. Segundo o


método dialético-histórico é preciso compreender qualquer reali-
dade social como um contexto histórico determinado por proces-
sos dialéticos cuja dinâmica depende da tensão entre forças con-
trárias, ou seja, há uma lógica no desenrolar dos fatos históricos,
que estão conectados por suas condições materiais de produção
imanentes.
A dialética vai explicar a dinâmica da transformação social
e econômica através de suas leis. Sua essência é a trilogia tese-
antítese-síntese, onde a tese é uma situação inicial e seus condici-
onantes sócio-econômicos, a antítese caracteriza o surgimento de
novos condicionantes materiais, que conflitam com os primeiros e
a síntese é a situação final após a disputa entre o velho e o novo,
com a predominância do último, no caso, a antítese, que se trans-
forma em síntese quando é aceita como resolução do embate his-
tórico.
É preciso ressaltar que, para a dialética materialista pro-
posta por Marx, o ponto de partida das transformações são as
condições ‘materiais’ da sociedade e não as ideias, como seria na
dialética hegeliana, pois estas precisam de uma base real para
surgir. Por fim, todo contexto histórico é transitório, assim, após
transformações econômicas e sociais, que ocorrem com a confron-
tação das forças contrárias (a decadente que atua no sentido de
perpetuar o sistema e a emergente que vai derrubar a organização
instituída), será gerada uma nova síntese que, por sua vez, com o
tempo passará à condição de tese pelo surgimento de novas forças
contrárias em seu seio e o processo dialético se repete de outra
forma, com novos condicionantes sociais e econômicos17.

17 Ver Costa (2000, 25) ou Martins (1999, 20-26)


Sumário
Alexandre Lyra Martins | 36

MÉTODO DIALÉTICO-HISTÓRICO:
1. O PROCESSO HISTÓRICO É DIALÉTICO
2. O PROCESSO DIALÉTICO: TESE- ANTÍTIESE – SÍNTESE

Após a escolha do método e o desenvolvimento da teoria,


vem a fase dos testes que irão comprovar ou invalidar a teoria
proposta, e trabalhos de cunho histórico podem ser comprovados
com documentos históricos diversos, e podem ter o apoio do ins-
trumental estatístico, até para demonstrar as mudanças históri-
cas. Os bancos estatísticos fornecem uma série de informações a
serem utilizadas para alimentar trabalhos que aplicam teorias e
assim fornecem a informação final para confirmação ou rejeição
de uma hipótese inicial. Quanto mais os órgãos elaboradores de
estatísticas forem confiáveis, maior será a qualidade desse mate-
rial e mais trabalhos poderão ser realizados, cobrindo uma maior
extensão dos fenômenos sociais.
Um elemento teórico muito importante vinculado à escolha
do método é a definição do padrão de comportamento humano a
ser adotado. É ponto pacífico que a economia é uma ciência hu-
mana, pois a atividade econômica acontece devido à interação
entre as pessoas. A falsa impressão (para alguns) de que a econo-
mia é uma ciência exata decorre da dimensão quantitativa do fe-
nômeno econômico e de algo que está associado a isto: a freqüên-
cia do uso de métodos quantitativos, como a matemática e a esta-
tística.
Para os economistas puros, a economia deve proporcionar
a melhor alocação dos fatores, ou seja, a melhor produção possível
com os recursos disponíveis. O foco é no ponto quantitativo do
problema: volume e qualidade de produção. Ocorre que a produ-
ção é feita pelos homens e para os homens e, portanto, esses são o
centro da questão. Se há produção, mas algumas pessoas não con-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 37

seguem adquiri-la, há um problema econômico. Esse é o ponto de


vista da economia política.
Quanto ao uso do método, este é sempre um instrumento;
um meio para se chegar a conclusões respaldadas em critérios
científicos. De maneira geral, o método científico é o que diferen-
cia uma leitura científica de uma vulgar. É necessário reforçar que
só métodos científicos garantem a cientificidade da observação,
pois existem os métodos intuitivos (tentativa e erro, por exemplo),
métodos didáticos (repetição, construtivista, etc), entre outros.
O comportamento humano de mais interesse para a eco-
nomia é, evidentemente, o econômico, que pode ser tomado isola-
damente ou relacionado a outros aspectos, como o comportamen-
to político e ético. A primeira opção é a escolhida pela corrente da
economia pura, que acredita achar mais adequado começar a aná-
lise pelo homem, considerando apenas seu comportamento eco-
nômico e considerando ser capaz de escolhas racionais individu-
ais. É o chamado homo economicus, aquele ser que toma decisões
econômicas individuais, pensando exclusivamente em termos de
custo-benefício, ou seja, as decisões econômicas são resolvidas
tomando como referência apenas o bem-estar econômico do indi-
víduo (e de sua eventual família).
As ações humanas no cotidiano podem ser explicadas pela
lógica da racionalidade individual, desde as decisões mais banais
às mais complexas, pois seriam norteadas pela maximização dos
recursos disponíveis: comprar pelo menor preço e tentar ganhar
sempre mais. O homo economicus é elemento central em Ricardo e
posteriormente nos neoclássicos, que adotam o comportamento
estritamente racional do agente, mas não em Smith, para quem o
indivíduo era tido como ser moral e a atitude egoísta dos agentes
tinha uma consequência/reconhecimento social (como será visto
adiante).

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 38

À racionalidade individual se contrapõe a racionalidade de


classes, adotada pela economia política marxista, que considera o
homem como integrante de um segmento socioeconômico que
interage com outros grupos sociais, de diversas formas, porém as
mais relevantes são determinadas pela sua condição material, da-
da pela inserção socioeconômica. É interessante tomar essa pers-
pectiva a partir de uma frase que sintetiza a relevância da coloca-
ção do problema para sua compreensão: Mais importante que sa-
ber a resposta certa, é saber elaborar a pergunta correta.
A discordância de Marx em relação aos métodos existentes
e sua intenção de rebaixá-los a auxiliares para passar a usar outro
método principal, decorre de sua interpretação de que as pergun-
tas feitas pelos estudiosos anteriores estavam mal colocadas;
eram perguntas equivocadas. As questões significativas só surgiri-
am diante de uma perspectiva dialético-histórica, uma vez que faz
emergir dois grupos sociais principais de interesses divergentes,
em torno das quais gira toda dinâmica das economias.
De acordo com Marx, as pessoas de fato se questionam on-
de comprar pelo menor preço, porém para o trabalhador, a per-
gunta de fundo que rege sua vida seria: qual é a melhor estratégia
para sobreviver? A esta pergunta principal seguem outras como:
onde há trabalho? Onde pagam um pouco melhor minha mão de
obra? Já do ponto de vista do empresário, a pergunta significativa
seria: onde e como posso ganhar mais dinheiro? E a essa, outras
seguem na mesma linha: Como comprar a empresa de meu con-
corrente para diminuir a concorrência e poder praticar preços
maiores? como diminuir meus custos? Como explorar mais meu
funcionário para aumentar meu lucro? Como diminuir as despesas
com salários? Essas questões se contrapõem às questões dos tra-
balhadores, pois suas decisões vão resultar em contenção ou di-
minuição da massa dos salários, ou seja, aqueles que antes eram
entendidos como indivíduos indiferenciados, agora são diferentes,

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 39

em função da sua inserção social na dinâmica básica da produção


de mercado.
De um lado estão os trabalhadores, com sua necessidade
de sobrevivência pautando o dia-a-dia e do outro estão os capita-
listas buscando aumentar seus lucros e a acumulação de capital,
no lado do mundo onde bem mais escolhas são permitidas. Para
ambos, o padrão da classe determina, cada um a seu modo, as
questões mais relevantes do comportamento individual. Nesse
caso, a ação individual é vinculada à condição social e econômica
da pessoa, o que resulta numa ação social e política. Para o enfo-
que marxiano, um trabalhador tem muitas de suas atitudes de-
terminadas pela sua condição específica de trabalhador, enquanto
o capitalista age conforme sua condição de capitalista.

INDIVIDUAL
RACIONALIDADES
SOCIAL

Enfim, cada ponto de vista metodológico tem seus argu-


mentos, enfatizando variáveis e linhas de raciocínio próprias, po-
dendo discordar entre si e postular maior precisão ou profundi-
dade, mas cada conclusão elaborada está circunscrita a seus res-
pectivos métodos.
As divergências iniciais de concepção do problema ditam as
diferenças nos enfoques de análise adotados e, antes disso, a pró-
pria mudança da realidade social/econômica implica uma neces-
sária reavaliação de concepções consolidadas acerca do objeto.
Podemos discordar do método adotado e fazer uma crítica externa
a uma teoria, se posicionando contra as premissas iniciais escolhi-
das e inviabilizando o diálogo. Essa ausência de reconhecimento é
mútua, então cada lado desenvolve suas teses. A crítica que derru-
ba a construção teórica é a crítica interna, aquela que detecta um

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 40

problema de lógica interna, dentro da linha de raciocínio adotada,


um erro em alguma formulação interna da concepção do proble-
ma que é descoberto mesmo com a aceitação dos pressupostos
metodológicos adotados.
Por outro lado, tanto a natureza como a sociedade são di-
nâmicas, porém a dinâmica social é maior se comparada ao ritmo
lento das mudanças naturais, de forma que ao longo da história o
homem altera comportamentos, padrões, revendo conceitos e isto
muitas vezes acarreta em alterações de parâmetros socioeconô-
micos que geram obrigatoriamente a necessidade de revisão de
todo aparato teórico, tão logo sejam constatados.

RAZÕES DA MUDANÇA DA REALIDADE


DISCUSSÃO CIENTÍFICA CRÍTICA EXTERNA
CRÍTICA INTERNA

O debate teórico é natural a as divergências também. Há


diferentes interpretações do marxismo, do keynesianismo, des-
membramentos modernos da teoria neoclássica, teorias alternati-
vas importantes como a de Schumpeter ou a de Kalecki. Estudio-
sos, como os estruturalistas, propõem nova perspectivas a partir
de novos marcos conceituais e metodológicos. O conhecimento
científico é resultado do estudo de homens, é imperfeito, incom-
pleto e é enriquecido permanentemente com contribuições que
vão surgindo, não é uma forma acabada; apesar de se chamar de
lei científica a teoria que passou por todo processo de formulação
científico. As leis científicas estão permanentemente sujeitas ao
crivo da comunidade científica, e podem ser alteradas a qualquer
momento por diferentes razões.
A discussão é corrente em toda ciência, e quase sempre é
de difícil compreensão para o leigo devido ao linguajar específico
e à própria complexidade do nível de aprofundamento dos estu-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 41

dos, mas talvez na economia ela possa parecer mais confusa devi-
do ao grau maior de exposição na mídia. Todo jornal, escrito ou
televisionado, tem uma seção política, uma médica e outra eco-
nômica, e nela os economistas aparecem falando seus jargões18,
muitas vezes incorporando expressões em inglês, tentando expli-
car as complexidades da economia moderna ao cidadão intrigado
porque a bolsa caiu no Brasil. As discussões, na verdade, fazem
parte do próprio processo de desenvolvimento de uma área de
conhecimento, sendo, portanto, salutar19.
Se afiliar a uma teoria científica, por paradoxal que possa
ser, é uma questão de identificação com seus axiomas, hipóteses,
premissas. É uma opção racional que pode ocultar alguma paixão
por um conceito, uma ideia, mas isso não importa, o importante é
que, sendo uma teoria científica, ela terá por trás o rigor científico
na sua elaboração e estará exposta a discussões e testes frequen-
tes, que eventualmente podem até demonstrar uma inconsistência
e rejeitá-la.
Fatores como a capacidade de sensibilização da tese20, po-
dem ser decisivos na hora de optar por qual orientação teórica se
alinha, mas o certo é que qualquer teoria está sujeita ao debate, à
contra argumentação. A identificação é fundamental, mas o estudo
é que vai sustentar as convicções, na medida em que faz dominar
suas proposições (fortificando sua defesa) ou força o estudioso a
abandonar sua referência principal, pois as vertentes teóricas ci-
entíficas estão consolidadas até que alguém comprove alguma
inconsistência maior de lógica delas.

18 Termos técnicos específicos de uma área de conhecimento.


19 Sobre as controvérsias na economia ver, por exemplo, Costa (2000, 36-37).
20 Seja pelo elemento humano, pela simpatia com modelos matemáticos, ou pelo

poder retórico de certa tese de algum autor; ou por mais de uma dessas razões
(sem falar das razões menores como o bairrismo).
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 42

1.5. Da atualidade dos pensadores estudados

Os autores aqui estudados são considerados clássicos da


economia, o que, por si só, já é razão suficiente para se debruçar
sobre eles em qualquer época21, mas a contemporaneidade tem
revitalizado a obra desses autores. Antes de prosseguir devemos
ressaltar que não estamos nos referindo à contribuição fisiocrata,
citada no corpo da exposição sobre Smith, pois essa não tem reco-
nhecimento dos estudiosos do pensamento econômico em relação
a seu caráter científico. A importância dos fisiocratas foi esboçar
uma concepção liberal, que viria a ser efetivamente desenvolvida
com Smith e Ricardo, e nesse sentido permanece como referência
histórica na economia22.
Após o impacto inicial de sua obra, Smith foi tendo sua au-
diência diminuída gradativamente pela chegada de outros autores,
a ponto de parecer superado pela renovação neoclássica, até que
acontecimentos reacenderam o interesse por suas ideias e pesqui-
sadores trouxeram novamente sua obra ao centro do debate aca-
dêmico23. A vertente neoclássica segue os moldes da investigação
ricardiana e sua metodologia hipotético dedutiva, sendo essa a
principal razão para falar em atualidade de Ricardo: ser o precur-
sor desta linhagem metodológica24.
Ricardo formulou a concepção marginalista embarcando
em hipóteses que tinham alguma conexão com circunstâncias de
21 Motivos para se ler um clássico não faltam, mas para os que acreditam que
ficaram no passado cabe consultar Calvino (1981).
22 Ver Bianchi (1988, 123)
23 Cerqueira (2006,1) lembra que o ponto de partida para a retomada dos estu-

dos de Smith foi o bicentenário da publicação da Riqueza das nações.


24 Além de ter sido o primeiro economista a construir uma teoria considerando

a exaustão dos recursos naturais no longo prazo. Malthus, por exemplo, colocou
apenas o problema da falta de alimentos no longo prazo, pois estimava que o
crescimento da produção agrícola aconteceria em progressão aritmética e o
crescimento demográfico viria em progressão geométrica.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 43

seu contexto histórico, mas que não se configuraram em tendên-


cias de longo prazo, sendo depois desautorizadas pela própria
evolução ‘natural’ da economia e pelo conhecimento à disposição
da sociedade25. Smith, por sua vez, foi mais cauteloso, preferindo
um vínculo direto e minucioso com os fatos históricos, se pautan-
do pela observação criteriosa da atividade econômica para expli-
car os mecanismos do funcionamento do mercado em geral26.
Com a chegada dos neoclássicos, os clássicos foram substi-
tuídos como referência principal acadêmico/política por essa no-
va versão do liberalismo, até as primeiras grandes crises (anos
1920/1930) revelarem a fragilidade de suas concepções centra-
das na tendência dos mercados ao equilíbrio, no que foram repa-
rados, a contragosto, por Keynes, que introduziu um componente
intervencionista no mainstream.
No fim do século XX, contudo, ocorreu a queda das experi-
ências socialistas reais, trazendo em seu rastro a retomada de um
liberalismo mais puro e recolocando o liberalismo neoclássico
como referência basilar predominante, agora acompanhado mais
de perto pela escola austríaca27. O retorno dessas concepções libe-
rais como paradigmas de governos permitiu desregulamentações
que desencadearam novas crises de elevadas proporções no prin-
cípio do século XXI, com montantes financeiros envolvidos signifi-

25 Como a teoria malthusiana do crescimento populacional, a queda da taxa de


lucro industrial e seu corolário, a redução das inovações tecnológicas na indús-
tria.
26 Um ponto que ilustra bem essas diferenças e a capacidade de observação de

Smith é a explicação para a ocupação de novos territórios descobertos. Enquan-


to Ricardo adota a racionalidade pura da relação custo-benefício como critério
da sequência de ocupação de terras, Smith fica com a proximidade do litoral e
dos primeiros centros urbanos, que pode ser constatada em casos históricos.
27 Nomes da escola austríaca já tinham contribuído na fase clássica, mas sua

condição geopolítica garantiu marginalidade no mainstream, já na contempo-


raneidade, as conexões instantâneas de comunicação e de informação no fim do
século XX resgataram essa escola com mais força.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 44

cativamente maiores. Essas crises recentes reafirmaram a fragili-


dade do paradigma neoclássico puro e ajudaram a reacender o
interesse do stablisment acadêmico pela perspectiva liberal
smithiana, que teve sua obra retomada e atualizada por pesquisa-
dores, em especial Amartya Sen, seu seguidor de maior prestígio
no meio acadêmico.
As crises de 2001 e 2008 têm componente ético significati-
vo, ponto forte da concepção smithiana e fraco da vertente neo-
clássica28, e esse foi o mote para o reforço no interesse em pesqui-
sas que já vinham crescendo, baseadas nas ideias de Smith, o úni-
co, dentro do espectro liberal, a conectar as dimensões econômica
e ética de forma exitosa em um corpo teórico consistente29. Ocorre
que suas teorias não contemplam a evolução posterior do capita-
lismo, que tomou rumos e desmembramentos distintos da genera-
lidade inicial teorizada para o mercado industrial nascente, mas
outros autores contemporâneos tem obra inspirada em suas idei-
as30. Esta atualização deve ser intensificada para reafirmar um
pensamento de matriz smithiana como referência para explicar a
economia do século XXI.
Por fim, desde a publicação do Capital, Karl Marx sempre
foi paradigma central no pensamento econômico crítico, só tendo
diminuído seu prestígio com o fim do socialismo real, mas mesmo
assim continuou como nome fulcral da teoria crítica econômica. A
teoria marxista deu origem a toda uma corrente de pensamento

28 Essa temática específica possui lugar secundário dentro do escopo teórico


neoclássico e não representou desenvolvimento significativo. Fonseca (1993,
152), por exemplo, afirma que o principal avanço neoclássico foi “... preencher a
elipse na fórmula ‘vícios privados, benefícios públicos’ com o insight central da
teoria smithiana.”.
29 Como defendem, por exemplo, Bianchi (1988, 104-106), Feijó (2007, 114) e

Marin e Quintana (2011).


30 Defendo em Martins (2021) que Celso Furtado, em particular, pode ser con-

siderado um smithiano eclético, e, portanto, sua contribuição seria uma atuali-


zação das ideias smithianas.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 45

com divergências e debates internos que segue paralela ao mains-


tream, dada a inconciliável diferença metodológica. O socialismo
implantado no mundo a partir de 1917 foi diretamente inspirado
na teorização marxista, e muitos intelectuais marxistas se torna-
ram seus entusiastas, poucas eram as exceções, passando uma
imagem de unidade entre a teoria e o socialismo real, que foi mui-
to deletéria para a dimensão científica da obra marxista.
Quando as experiências socialistas ruíram na década de
1990, a teoria marxista ficou desacreditada em todo mundo por
estar umbilicalmente associada a essas sociedades. O próprio
Marx, enquanto ativista político, havia apoiado a construção dos
projetos comunistas, que não viveu para ver. A análise da queda
do socialismo real é complexa e passa por diversas discussões31,
mas há pontos básicos que podem ser ressaltados para um enten-
dimento acerca da relação da teoria marxista com a implantação
do socialismo em alguns países pelo mundo.
Antes de mais nada, é preciso enfatizar que trata-se de
campos de trabalho diferentes com premissas e objetivos diferen-
tes, pois a investigação científica se propõe a explicar um fenôme-
no, no caso, o socioeconômico, e para tal precisa se afastar, se dis-
tanciar do objeto investigado, adotando os procedimentos da pes-
quisa científica para alcançar seu objetivo, já os projetos de poder
político tem o objetivo de mudar, redesenhar aspectos da realida-
de em função de uma concepção previamente estabelecida, que
são sua fundamentação. São, portanto, compartimentos estanques,
com princípios diferentes, sendo que as teorias acadêmicas po-
dem ser pontos de apoio para construção de projetos políticos de
poder, momento em que passam a servir de instrumental para as
políticas econômicas; como um laptop pode servir a múltiplos
usos.

31Dois exemplos da profícua produção em torno do tema são Lyra (1992) e


Martins (1999, cap. 2).
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 46

Como exposto anteriormente, a construção científica tem


por objetivo explicar uma realidade preexistente amparada pelo
rigor acadêmico, que exige respeito a todos passos do processo de
elaboração de uma teoria, para ser validada pelo debate posterior
entre especialistas na área do conhecimento, já os projetos políti-
cos, que se transformam em formas condução de governo e Esta-
do, podem se orientar por concepções teóricas, mas são propostas
de intervenção social colocadas em prática, tentativas de alterar a
realidade cujo resultado dependerá da reação social (de aceitação,
rejeição, colaboração, etc.) e das condições concretas para a im-
plantação do projeto: o nível de desenvolvimento das forças pro-
dutivas, os arranjos políticos possíveis, a correlação de forças en-
tre grupos sociais, a eficiência na gestão, etc. Uma série de elemen-
tos que podem aproximar ou distanciar as políticas e diretrizes
governamentais das conclusões e medidas derivadas de teorias
científicas nas quais foram inspiradas.
A obra econômica de Marx, por sua vez, é o ponto alto de
sua produção científica, já iniciada em outras áreas32, enquanto o
Manifesto comunista é o ponto alto de sua produção política, do
‘jovem’33 ativista que queria mudar o mundo. As teorias científicas
de Marx foram empregadas para construir projetos de nações co-
munistas, mas os países que embarcaram nessa opção estavam
longe daquilo que o próprio autor, mais velho, considerava como
requisito para uma mudança no sistema produtivo - elevados ní-
veis de desenvolvimento técnico e humano - ou seja, elas seriam
descredenciadas por uma interpretação marxista rigorosa.

32 Anteriormente já publicara textos jornalísticos, filosóficos e históricos. Seus


dois livros em que a economia é tema central, são seus últimos escritos.
33 Classificação que separa a produção de Marx antes e depois dos 30 anos,

quando passou a se dedicar basicamente à elaboração do Capital. Antes dos 30


anos, ainda estaria em processo de formação o pesquisador e as ideias que só
seriam desenvolvidas de forma científica após esse marco cronológico.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 47

As condições econômicas concretas em que o socialismo


real foi implementado não foram as ideais, muito pelo contrário,
pois se instalou em países de base industrial precária, necessitan-
do muito investimento para acelerar a industrialização, e além
disso, paralelamente foi montada toda uma estrutura de defesa
em função da possibilidade do lado ocidental querer retomar os
mercados perdidos para o território comunista, desencadeando a
chamada ‘guerra fria’. Enfim, esses fatores exigiram muitos recur-
sos dessas economias frágeis, cujas populações já tinham expecta-
tivas de retorno em função da proposta socialista.
As teorias econômicas científicas são elaboradas para en-
tender o fenômeno econômico e para, num segundo momento,
serem aplicadas na prática, encaminhando a resolução de proble-
mas econômicos. Tentativa mais fácil de aplicar a teoria é a adoção
da concepção neoclássica, na qual o nível de intervenção na eco-
nomia é mínimo. Tendo sido referência principal das economias
ocidentais, houve fases de êxito, como a era vitoriana34, porém as
grandes crises mostraram que o livre equilíbrio pode demorar
muito a proporcionar crescimento econômico, gerando pobreza
em grande escala, um fracasso expressivo. A lógica incorporação
da crítica keynesiana obteve os resultados esperados, pois veio
um ciclo de crescimento econômico, até que começaram a apare-
cer problemas econômicos de outras ordens, como a elevação
substancial do endividamento público, que, como no caso de Marx,
também não seria consequência da teorização Keynesiana.
Entre o universo da teoria econômica e sua aplicação há
vários elementos complicadores que podem determinar o êxito ou
a desvirtuação do projeto. O fracasso de uma teoria está em algu-

34 Houve períodos em que países socialistas apresentaram taxas de crescimento


econômico superiores às de nações capitalistas, e ainda na atualidade a China,
já um modelo híbrido de socialismo, tem taxas de crescimento muito superiores
ao resto do mundo.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 48

ma deficiência interna de construção ou no uso de premissas frá-


geis para explicar a realidade, já o fracasso de um projeto político
está associado a insuficiências sociais e econômicas de diversas
naturezas, da conjuntura ou da execução da experiência em si, que
impedem a aproximação ao objetivo proposto na sua tentativa de
adequar a realidade à sua visão de sociedade.

1.6. questionário síntese

1- O que é economia?
2- O que é ciência econômica?
3- Qual é o objetivo geral da ciência econômica? e os específicos?
4- Fale sobre a evolução da ciência econômica e seus principais
parâmetros.
5- Qual é o objetivo da investigação de Smith, de Ricardo, de Marx
e de Keynes?
6- Resuma o entendimento neoclássico da economia.
7- O que é economia pura? Qual é o seu objetivo?
8- O que é economia política? Qual é o seu objetivo?
9- O que é macroeconomia? Quais são as principais variáveis ma-
cro?
10- O que é microeconomia? Quais são as principais variáveis mi-
cro?
11- Quais são as possibilidades de discussão acadêmico/científica?
12- Que concepções de racionalidade apoiam a economia pura e a
política?
13- Qual a atualidade dos pensadores discutidos nesse livro?

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 49

2. O PIONEIRISMO DE ADAM SMITH

2.1. Breve contexto histórico

Metade do século XVIII, o mundo econômico estava dividi-


do entre impérios, suas matrizes, colônias, e algumas regiões au-
tônomas independentes, tendo chegado a uma relativa estabiliza-
ção após séculos de disputas territoriais, em que nações/povos
foram constantemente alvo de expansões imperiais. Era o início
do fim de uma era de descobrimentos e colonizações de novas
terras e/ou de guerras e subjugação de povos a impérios, para o
começo de uma época de contestação política em relação às mo-
narquias absolutistas, tanto internamente (quando ocorria a luta
do povo contra suas elites absolutistas), quanto externamente (a
luta aqui era para se libertar da condição colonial). As sedes de
dois dos principais impérios da época, o inglês e o francês, foram
reformuladas com esses movimentos populares, e chegaram a
sínteses próximas no que diz respeito à concepção do Estado e da
economia moderna, por processos históricos semelhantes, mas
com suas especificidades.
O reino Unido foi pioneiro na formação do chamado Estado
moderno, sendo que o fez paralelamente com a consolidação do
império econômico, com a absorção de mais uma região em 1757,
a Índia, que só muito tempo depois vai se rebelar e conquistar sua
independência. Ainda no século anterior ocorreu a revolução polí-
tica inglesa (em 1688), ápice de um processo de transformações
em que o Estado absolutista foi substituído pelo liberal, no qual a
monarquia foi mantida com diminuição expressiva de suas fun-
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 50

ções, isto porque veio através de processos que comportaram


mais acomodações que radicalismos, permitindo a consolidação
da tradicional monarquia.
O processo foi mais conturbado e longo na França, que so-
frendo derrotas históricas, sai da condição de império respeitado
até o começo do século XVIII para a de potência decadente. No
bojo desses acontecimentos, o povo vai aproveitar a relativa fragi-
lidade dos governos para exigir a queda da monarquia. O Estado
moderno aqui vai chegar mais tarde e de forma mais violenta com
a revolução francesa, porém vem com o conceito mais coerente,
sem a presença da monarquia.
Do ponto de vista econômico, é importante ressaltar que as
grandes navegações possibilitaram o surgimento daquilo que pos-
teriormente vai ser denominado de economia global35, viabilizan-
do a exploração de longa distância e incorporando os últimos pe-
daços de terra desconhecidos ao comércio internacional, o que vai
levar a uma expansão significativa do intercâmbio econômico,
apesar da existência de alguns conflitos entre as nações.
O aumento no volume do comércio gera crescimento eco-
nômico para os exploradores das riquezas e mantém a pobreza
nas colônias. Nesse contexto, o Reino Unido aproveita mais os fru-
tos do comércio na medida em que sua transição para o Estado
moderno foi menos conturbada, enquanto a França, com todo seu
esforço bélico, perde grande parte de suas fontes de exploração
internacional e passa a se concentrar na produção interna, basea-
da na tradicional agricultura.
O avanço das exportações britânicas aumenta a pressão
por mais produção, gerando máquinas e novas técnicas produti-
vas em série36, consubstanciando aquilo que vai ser chamado de

35Como coloca, por exemplo a Folha de São Paulo (1995, 194).


36Hunt (1987, 60, 61 e 62) dá indicadores do aumento das exportações britâni-
cas e exemplos de inovações técnicas diversas ocorridas nesse período.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 51

revolução industrial, um marco para a consolidação e desenvolvi-


mento das economias de mercado. Smith foi testemunha dessa
fase de transformações cruciais e a expôs como processo, como
resultado da busca natural do ser humano por melhores condições
de vida. Impressionado com o crescimento produtivo, deixou de
lado perspectivas críticas e enxergou a produção industrial nas-
cente apenas como solução para o problema econômico crucial de
até pouco tempo atrás: a baixa oferta de mercadorias relativamen-
te à população (deixando um rastro de fome em muitos lugares do
mundo).

2.2. A fisiocracia

Como é reconhecido na literatura econômica37, a fisiocracia


foi uma escola de pensamento econômico de alcance restrito ao
país em que surgiu, na França, pioneira na elaboração de uma teo-
ria fundada na liberdade econômica. O contexto espacial foi deci-
sivo no desenvolvimento da concepção, pois a França foi berço
dos movimentos sociais liberais modernos, ainda que fosse pre-
dominantemente agrícola e houvesse poucos sinais de moderniza-
ção da produção artesanal e manufatureira38. Essa realidade se
coaduna com a hipótese central da escola de que só quem gera
valor é a agricultura, ou, por extensão do conceito, a atividade la-
boral no setor primário da economia.
A responsabilidade pela produção do valor seria dividida
entre a natureza, que gera o produto, e o ser humano, que faz al-
gum esforço para retirar a produção da natureza, seja extraindo,
pescando, semeando, cultivando ou coletando os frutos, da terra
ou do mar, através de flora ou da fauna. A natureza fornece a ri-

37 Ver Pinho e Vasconcelos (2004, 29), Sandroni (1985, 173) ou Feijó (2007, 94-
95).
38 Conforme Hunt (1987, 57).

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 52

queza bruta e o homem transforma essa em riqueza econômica


com seu trabalho, de maneira que ambos são indissociáveis para
ocorrer a geração do valor39.
François Quesnay foi o grande nome da escola, pois com
seu Tableau économique (publicado em 1758), foi mais longe que
os demais40 na demonstração da tese central da produtividade do
setor agrícola, por meio da construção de um esquema de registro
das transações econômicas que viria a ser um esboço da contabili-
dade econômica posteriormente desenvolvida. A hipótese central
era demonstrada claramente com o exemplo das ervilhas: 100
ervilhas nas mãos de um cozinheiro se transformam num prato
elaborado com 100 ervilhas, enquanto 100 ervilhas nas mãos de
um agricultor se transformam em 1.000 ervilhas após um ciclo
produtivo. O cozinheiro aqui representa todas as demais classes
existentes, consideradas improdutivas nessa concepção, classes
que apenas repassam o valor trabalhado com seu trabalho, ao
tempo em que o agricultor é produtivo, gera mais produção e,
consequentemente, mais valor. Essa máxima vai ser desenvolvida
no tableau, mas está contemplada apenas implicitamente nos con-
ceitos de preço, que trata as atividades de forma indiferenciada.
Há o preço fundamental, aquele correspondente ao paga-
mento de todas despesas necessárias à produção de uma merca-
doria (o equivalente ao chamado preço de custo), o preço bom, o
que seria suficiente para pagar todas despesas e também conferir
algum ganho ao produtor e o preço de mercado, aquele que a mer-
cadoria efetivamente seria vendida (resultante da negociação no
livre mercado entre o que o produtor pede e o que o comprador
quer pagar). O juízo de valor existente no preço bom se refere ao
reconhecimento do esforço do trabalho no setor primário, posto

39Ver Hunt (1987, 58).


40Outros fisiocratas: Jaques Turgot, Marquês de Mirabeau, Mercier de la Rivière
e François Le Trosne
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 53

que seria o único capaz de oferecer um ganho ao vendedor além


de uma remuneração básica para o sustento do ofertante. Um bom
preço seria um preço de mercado que pagasse os custos de sobre-
vivência do agricultor e gerasse algum lucro.
A posição liberal, contra o Estado pesado, ineficiente e in-
terventor que prevalecia na época, de alguma forma justificado
pela doutrina mercantilista, vem à tona com a exposição sobre
política econômica proposta por Quesnay. Este autor defendia que
a estrutura tributária fosse simplificada ao máximo, reduzindo
todos tributos a apenas um, e que a classe proprietária fosse res-
ponsável por seu pagamento (dada sua dupla condição de privile-
giada e estéril).
O único imposto deveria ser suficiente para pagar os gastos
do Estado relativos à sua atribuição central: manter a máquina
administrativa, a classe soberana, sem ostentações, e constru-
ir/manter uma infraestrutura adequada para a circulação das pes-
soas e mercadorias. Os fisiocratas são liberais, mas guardam pe-
quenas incoerências na formulação de suas ideias, como a resig-
nação em relação à monarquia41 e a previsão da proteção dos
camponeses recair sobre os proprietários das terras onde traba-
lhavam, algo rejeitado pela maioria dos iluministas, que já tinham
claro a segurança da população como algo de interesse estrita-
mente público.
Outro conceito importante para Quesnay é o de adianta-
mento, pois seu esquema teórico vai registar um momento especí-
fico da atividade produtiva, uma fotografia que possibilita compa-
rações internas e externas da riqueza econômica produzida em
um certo instante. Para isso, o autor parte de um ponto inicial hi-
potético de produção nula, no qual todos estão sem renda e preci-
sam conquistá-la, momento em que os agricultores pedem adian-

41Alguns deles serviram à realeza francesa, entre os quais, quem mais ascendeu
foi Turgot, como secretário de finanças de Luís XVI (Feijó, 2007, 97).
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 54

tamentos para poder começar a produzir. Adiantamentos nada


mais são que empréstimos, recursos que são adiantados e terão de
ser pagos no futuro.
A classe agrícola vai pedir emprestado para compra de se-
mentes e adubos dentro de sua própria classe (ad. anual) e tam-
bém para compra e/ou manutenção dos equipamentos necessá-
rios (enxadas, foices, carroças, etc.) à classe artesã (ad. primitivo).
No exemplo de Quesnay, os valores são de 2 bilhões de francos
para o adiantamento anual e 1 bilhão de francos para adiantamen-
to primitivo, sendo que o valor do adiantamento primitivo corres-
ponde à amortização de um capital maior, no caso, de 10 bilhões
de francos.
O Estado realiza o respectivo ‘adiantamento soberano’ pe-
dindo empréstimo para construir e manter a infraestrutura, que
será paga com os tributos posteriormente recolhidos e os proprie-
tários pedem um ‘adiantamento fundiário’ para preparar e entre-
gar terras limpas aos camponeses. Com toda população enqua-
drada nas classes42, Quesnay dá início às transações básicas que
caracterizam uma economia agrícola como a imaginada pelos fisi-
ocratas, supondo que a produção seja vendida a “preços constan-
tes, que têm ... livre concorrência comercial e total segurança da
propriedade das riquezas de exploração da agricultura” (Quesnay,
1986, 258)43.
Feitos os adiantamentos, a classe agrícola vai produzir.
Após um intervalo de tempo, o ciclo produtivo das culturas se fe-
cha e ela pode colher os frutos e vendê-los no mercado, o que faz
render 5 bilhões de francos. Esses 5 bilhões (renda dos agriculto-
res) desencadearão as demais transações da economia, no mo-

42 O Estado é classificado como classe proprietária e a classe estéril abarca to-


dos que não são produtores nem proprietários.
43 Essa teorização, aqui sintetizada, corresponde a todo conteúdo do pequeno

livro citado (14 páginas).


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 55

mento em que os agricultores pagam os adiantamentos, fazendo


entrar dinheiro na classe agrícola (2 bi), e na classe dos artesãos
(1 bi). Com a sobra da renda no valor de 2 bilhões de francos os
agricultores pagam a renda da terra. O valor pago aos proprietá-
rios relativo à renda da terra deve ser até o limite do produto lí-
quido, no caso, R$ 2 bilhões de francos, que vai ser a suposição
simplificadora adotada por Quesnay para se ter a reprodução da
economia. Uma renda da terra inferior ao produto líquido gera a
possibilidade dos produtores agrícolas acumularem riqueza e
mais tarde adquirirem glebas de terras, fazendo diminuir a renda
da terra ainda mais, estimulando a produção pelo aumento no
ganho dos produtores.
Considerando então 2 bilhões de francos como a renda dos
proprietários, estes necessitam realizar gastos com produtos agrí-
colas para sobrevivência (1 bilhão de francos) e (o mesmo valor)
com equipamentos para cumprir sua função de entregar as terras
limpas para os camponeses. Por fim, com esse movimento se en-
cerra a renda dos artesãos (que recebem 1 bilhão dos agricultores
e outro bilhão dos proprietários), que a gastam igualmente com
gêneros agrícolas (1 bi) e ficam com 1bilhão de francos para adi-
antamentos primitivos para o próximo ano. Os gastos das rendas
dos proprietários e dos artesãos fizeram entrar mais 2 bilhões de
francos nos bolsos dos agricultores, que serão destinados à reali-
zação do adiantamento anual do ano subsequente. Ao final Ques-
nay volta para inserir o Estado como cobrador de impostos para
pagar seu adiantamento, oportunidade em que aproveita para
defender o pagamento dos impostos pela classe proprietária, uma
vez que se fosse cobrado da classe produtiva causaria declínio da
produção (Quesnay, 1986, 259).
Essa sequência de geração de renda e seu dispêndio se su-
cede de forma a mostrar um fluxo básico da renda e da produção
nas economias de mercado, pelo que Quesnay observou na França

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 56

de sua época. Sua esquematização o leva a concluir que há uma


comprovação do princípio fisiocrata da geração exclusiva de renda
no setor primário, mais especificamente na agricultura, onde tudo
começa e o produto final (5 bi) é superior às despesas iniciais para
a realização da produção em 2 bi; que são destinados ao pagamen-
to da renda da terra. As limitações desse esquema teórico são evi-
dentes, desde sua premissa central à pouca profundidade da aná-
lise, passando pela incoerência em seu liberalismo que reconhecia
a realeza, mas tem o mérito de ser o embrião para esquemas de
contabilidade nacional posteriores e ser a primeira concepção
liberal.

2.3. O filósofo Adam Smith

Antes de ser reconhecido como o fundador da ciência eco-


nômica, Adam Smith já era um filósofo moral relativamente reco-
nhecido como tal. Acadêmico, discutiu ideias com outros filósofos
como Voltaire, Hume, Locke e Hobbes, se posicionando claramen-
te ao lado dos três primeiros na defesa da sociedade constituída a
partir da liberdade individual, enquanto Hobbes acreditava que a
liberdade de iniciativa geraria uma sociedade cheia de conflitos
em torno da defesa dos interesses individuais e que, por conse-
quência, o marco fundador da sociedade livre seria o próprio Es-
tado e as respectivas leis para garantir a convivência social de di-
ferentes interesses.
Se interessando pelo tema, Smith começou a desenvolver
suas ideias a respeito, tendo como uma de suas referências princi-
pais um poema publicado em 171444 (anterior, portanto, à revolu-
ção industrial, mas contemporâneo do predomínio da economia
mercantilista): a fábula das abelhas. O autor deste poema, Bernard

44Conforme Fonseca (1993, 134), a obra foi publicada inicialmente em 1905,


anonimamente e sem maiores repercussões.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 57

de Mandeville (2018), o criou como peça provocativa para de-


monstrar ironicamente, por meio de uma analogia, como despro-
via de sentido as queixas que se fazia à conduta alheia de buscar
melhor posicionamento social e econômico a qualquer custo, já
que todos teriam um comportamento similar, guiados pelos vícios,
e todos se beneficiavam com a riqueza produzida.
A fábula era uma crítica velada à moral religiosa católica
ainda predominante, que tinha o ser humano como pecador nato
que lutava contra as tentações interiores que o empurravam para
os confortos materiais dos bens, porém a própria moral religiosa
estava mudando com as reformas protestantes, no sentido de va-
lorizar a produção e o consumo. Dentro de uma perspectiva dos
estudos posteriores na área, mesmo estando num contexto eco-
nômico e social transitório, Mandeville tem o mérito de ser o pio-
neiro na elaboração do que mais tarde vai ser denominado de
‘egoísmo ético’ (Fonseca, 1993, 133); princípio que norteia as
formulações éticas liberais.
Smith simpatizou com a estória das abelhas, porém detec-
tou algo equivocado na interpretação da moral reinante. Para ele,
o problema central de Mandeville foi não separar o joio do trigo,
tratando indistintamente como corrompida toda ação humana em
busca de ganho econômico, sempre movida pelos prazeres mate-
riais sintetizados nos pecados capitais. Essa crítica generalizada
não percebia que a sociedade livre aprova certas atitudes e desa-
prova outras na busca pela riqueza, e há um critério claro nesse
julgamento. A sociedade saberia diferenciar o desejo geral; aquele
que é fruto do desejo puro e simples, independente de seu conte-
údo moral, do desejo moralmente condenável, que resulta em pre-
juízo a terceiros, e do desejo moralmente elogiável, ou simples-
mente desejável; que corresponde a ações mais específicas que
geram benefícios para os outros.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 58

Na sociedade livre concebida pelo pensador britânico, os


cidadãos estabelecem um acordo tácito em torno de um valor re-
ferencial: o reconhecimento de qualquer riqueza conseguida atra-
vés de atividade produtiva, que implica na rejeição da riqueza ob-
tida de outras maneiras, que envolveriam tentativas de usurpação
da produção alheia. O cotidiano apenas confirma os benefícios
materiais alcançados a partir das inciativas individuais e reforça a
identidade estabelecida com o outro em torno da produção para o
mercado. Esta é a ideia central da Teoria dos sentimentos morais
(TSM): os laços sociais livres são sustentados pela simpatia mútua
entre cidadãos que praticam valores que promovem o bem estar
coletivo.
As pessoas passam a ser beneficiadas pela oferta de bens e
serviços em quantidade, por uma produção que até pouco tempo,
antes da revolução industrial, era escassa. Essa mudança produti-
va vem acompanhada de transformação comportamental, uma
identificação com a nova forma de produzir vai sendo construída
paralelamente à formação da sociedade moderna. A correção eco-
nômica está nas ações que promovem uma melhor condição de
vida material do grupo, familiar e social, que antes eram limitadas
por causa do estágio de desenvolvimento produtivo inferior. Se-
gundo a concepção smithiana, atitudes que geram bem-estar são
valorizadas, como oferecer mercadorias diversas e/ou oportuni-
dades de trabalho para os concidadãos, enquanto pessoas que
promovem protecionismo, conferindo privilégios a alguns e exclu-
indo a maioria, não são bem vistas pela coletividade. Só socieda-
des autoritárias conseguem sustentar esses valores.
Num contexto liberal, a família é o menor agrupamento em
que se pode observar as ações que geram a simpatia ou a antipa-
tia. Ela é a célula social onde se desenvolve o respeito pelos man-
tenedores, aqueles que criam as condições concretas de sobrevi-
vência do grupo e de um bom convívio social. A família típica na

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 59

economia de mercado é liderada pelo(a) chefe que desenvolve as


suas melhores habilidades no sentido de obter a maior quantidade
de rendimento possível no mercado, para, assim, permitir um bom
padrão de vida para si e para a sua prole, que, naturalmente, se
espelha nele e estará predisposta a dar continuidade a esses valo-
res. Amigos também são bem quistos por gerarem bem-estar no
prazer do convívio e formarem uma rede que atua na expansão
dos negócios com proteção e apoio em situações de fragilidade
econômica. Fecha-se o ciclo virtuoso básico de bons costumes e
valores, em que o econômico está no centro, intrincado com o so-
cial, sendo ambos pautados por princípios éticos.

SIMPATIA:
AFINIDADE MORAL – FUNDAMENTO DO CONVÍVIO SOCIAL

De outro lado, aquele chefe de família que não consegue ge-


rar as boas condições econômicas, cria hábitos desregrados, por
vezes acompanhado do uso de violência, também acaba propa-
gando essas atitudes, gerando instabilidade familiar recorrente.
Não precisa refletir muito para imaginar que países pobres, nos
quais a economia de mercado não se desenvolveu o bastante, seri-
am exemplos dessa falta de oportunidades que assola certos luga-
res e proporciona situação de precariedade econômica e social
para várias famílias. As famílias mais pobres, em regra, têm valo-
res distorcidos por se encontrarem inseridas dentro de um vale-
tudo pela sobrevivência, e aí a vem a violência, autoritarismo, os
vícios se instalam e tornam muitas vezes o ambiente familiar in-
suportável. 45

45 Quando o indivíduo do mundo da sociedade virtuosa encontra alguém pe-


dindo esmola na rua ele deveria, de acordo com esta concepção, rejeitar tal
atitude e negar o pedido, mas muitos se apiedam e dão algo. Como explicar? De
acordo com a lógica smithiana, isso não decorreria diretamente de um espasmo
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 60

Essa avaliação das pessoas e das atitudes é realizada a todo


momento através de mecanismos conscientes e inconscientes por
um ‘eu’ avaliador, que convive dentro de cada um com o indivíduo
propriamente dito. Smith divide o indivíduo em dois e cria a figura
teórica de um outro ser crítico, correspondente à consciência mo-
ral que reside em nossa individualidade, ajudando a pessoa a to-
mar as decisões corretas, pois ele é um avaliador externo, que
consegue se colocar no lugar do outro para julgar ‘imparcialmen-
te’ as pessoas nos respectivos contextos. Esse segundo eu é deno-
minado por ele de juiz. É o avaliador externo que tem a distância
suficiente para realizar o julgamento moral, e o faz inconsciente-
mente com base em seus valores mais caros, mas o resultado do
julgamento, a decisão, é consciente, e explicita esses valores:

“...tudo se passa como se me dividisse em duas


pessoas; e que eu, examinador e juiz, represento
um homem distinto perante o outro eu, a pessoa
cuja conduta se examina e se julga. A primeira
pessoa é o espectador, de cujos sentimentos
quanto à minha conduta tento participar, colo-
cando-me em seu lugar e considerando como a
mim me parecia se examinasse desse ponto de
vista particular. A segunda é o agente, pessoa a
quem propriamente designo como eu mesmo, e

de altruísmo ou solidariedade, mas devido à rejeição àquela situação, ou seja,


esta atitude seria consequência indireta do auto interesse. Na verdade, ele re-
pudia aquela situação para si e age por projeção, se colocando na situação de-
plorável do mendigo. A avaliação negativa da hipótese gera sentimentos como a
solidariedade e a caridade, como não quer sofrer, a ajuda seria uma fonte de
prazer para si próprio, uma vez que está ajudando alguém a minimizar seu
sofrimento. Dito de outra forma, o auto interesse é colocado como fundamento
de sentimentos como altruísmo. Enfim, o valor é o mesmo, mas a variedade nas
personalidades é que determina a ação final no caso do exemplo dado.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 61

sobre cuja conduta tentava formar uma opinião,


como se fosse a de um espectador. A primeira é o
juiz, a segunda é a pessoa a quem se julga.”
(Smith, 1999, 142)

O DUPLO INDIVÍDUO: AGENTE E ESPECTADOR

A sociedade liberal é fundada no indivíduo livre que propa-


ga os bons valores, uma vez que a maioria das pessoas segue as
virtudes e condena os vícios, persegue os valores construtivos e
deplora os destrutivos. As pessoas são capazes de separar o méri-
to das ações e valorizar as ações virtuosas, que geram benefícios a
terceiros, e esse parâmetro tende a ser reproduzido, copiado, bem
como a antipatia pelo demérito. Assim como se vê com bons olhos
alguém ceder lugar para um idoso num transporte público e essa
atitude é replicada por outros, também o produtor e o comercian-
te são aprovados quando têm demanda por seus produtos.
Numa economia livre as pessoas reconhecem o trabalho de
ofertar mercadorias e admitem o ganho monetário por isso, pois
querem que elas estejam disponíveis no mercado. Se um comerci-
ante quiser praticar altos preços, porém, perderá clientes, uma vez
que essa prática não é bem vista e é punida com a migração dos
fregueses para a concorrência, como é recriminado alguém mais
jovem que ocupa uma cadeira em um coletivo na presença de um
idoso em pé.
A harmonia social smithiana decorre em última instância
da afinidade moral entre os cidadãos, via respeito mútuo que se
instala pelo cultivo de valores virtuosos compartilhados. O indiví-
duo em Smith é um ser social livre que tem em vista sua posição
na sociedade, preza pela manutenção dos valores sociais que ga-
rantem o seu modo de vida próprio, suas escolhas, e aí se chega ao
auto interesse, mas um auto interesse contextualizado socialmen-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 62

te, dado que sua sobrevivência depende da conduta virtuosa dos


demais agentes que também geram benefícios concretos para a
sociedade. O homem é egoísta, mas só exerce essa característica
até o ponto em que a sociedade aceita as ações pela busca da ri-
queza, no caso, sem subtrair de terceiros e oferecendo algo em
troca para os demais.
Por fim, a TSM destaca que as ações e reações humanas en-
volvem sentimentos, e que esses determinam a sentença em ter-
mos do caráter virtuoso ou desvirtuado das atitudes, mas estão
fundados intrinsecamente na razão. O julgamento moral de uma
conduta decorre da sensação emocional que ela provoca no indi-
víduo, de bem-estar ou mal-estar, através do sistema nervoso, que
processa as informações e manda as reações ao cérebro. Aqui há a
compreensão de que o emocional só pode ser percebido via racio-
nalidade, coerente com a base hedonista do iluminismo46.
Para além de todo um debate que havia entre racionalistas
e empiristas47, no qual Smith se posiciona ao lado de Hume aca-
tando os argumentos empiristas, por acreditar na relevância dos
sentimentos imediatos como decisivos para explicar as ações e
reações humanas, o importante é que o racional continua existin-
do como dimensão basilar das sensações. Sobre isso, Bianchi
(1988, 109) arremata da seguinte forma:

“... embora Smith conceda um papel privilegiado à


razão, sua principal ênfase é posta na vontade, ou
seja, no livre arbítrio do homem, iluminado pela
razão. É à vontade que cabe o comando sobre a
conduta, ... a razão não pode tornar um objeto
agradável ou desagradável ao homem.”

46 Segundo Rouanet (1992, 150), seriam fundamentos do cognitivismo presente


no iluminismo: o jusnaturalismo, o empirismo e a razão.
47 Cerqueira (2006, 4) expõe a discussão e seus argumentos.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 63

A argumentação central em torno da razão como fundação


da construção sentimental poderia ser sintetizada pelo uso da ex-
pressão ‘razoável’ para indicar uma ação sensata, e, portanto, mo-
ralmente correta e afinada com a percepção social.
Em síntese, pode-se dizer que, aplicando os princípios da
TSM no mundo econômico, o que sobressai é a ética do trabalho
correto, da produção que gera o benefício esperado por todos em
bens e serviços ofertados, um retorno para a coletividade do es-
forço individual despendido na busca de melhores remunerações
dos fatores48. A economia de mercado livre é baseada na socializa-
ção do trabalho, é a divisão do trabalho que permite os ganhos de
produção e produtividade que transformam a realidade econômi-
ca de até então.
Mais do que qualquer ação, a divisão do trabalho tem a
simpatia das pessoas e, consequentemente, qualquer outro meio
de obter as coisas ou de procurar se manter diferente é rejeitada
pela sociedade. A ideologia mercantilista é superada para a cons-
trução do capitalismo, permitindo, por exemplo, a expansão do
capital financeiro como algo desejável para viabilizar mais negó-
cios, democratizando o crescimento para agentes descapitaliza-
dos.

2.4. O cientista social Smith: a riqueza das nações

Saindo do campo da ética para a economia, o Smith da Ri-


queza das nações (adiante denominada RN) é um cientista social
que parte da indução histórica para construir suas hipóteses e sua
teoria num plano macro49. Smith é um dos pensadores clássicos
mais revisitados na literatura econômica especializada no fim do

48 Conforme Martins (2020, 97-100).


49 Como argumenta Paulani (2010, 35).
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 64

século XX, e muito disso se deve a Amartya Sen, que ganhou o


prêmio Nobel em 1998, tendo Smith como uma de suas principais
referências. Após estudos concluírem pela complementariedade
entre a TSM e a RN50, indo contra teses de menor eco acadêmico
que alegavam incompatibilidade entre essas obras51, vieram tra-
balhos diversos para discutir e valorizar aspectos diversos da obra
smithiana, como a metodologia (Paulani, 2010) ou a concepção de
utilitarismo (Marin e Quintana, 2011). Aqui são expostos e discu-
tidos os conteúdos dos sete primeiros capítulos da RN, onde está o
núcleo de suas principais teses econômicas.
Da observação dos fatos históricos ele extrai os fundamen-
tos e constrói a teoria que vai servir de base para a escola clássica,
esmiuçando desde a produção da unidade fabril ao processo de
surgimento do dinheiro, sempre ilustrando com exemplos históri-
cos. Seu entendimento da história recente, por sua vez, é de um
processo que se sucede como consequência de características na-
turais do ser humano, particularmente sua busca constante por
melhoria nas condições materiais da vida, que leva ao aperfeiçoa-
mento da produção.
Seguindo uma lógica dedutiva histórica, o elemento social
se naturaliza, quando, por exemplo, o britânico pioneiro na eco-
nomia atribui o surgimento da divisão do trabalho e das necessá-
rias relações sociais de trabalho da economia industrial a uma
tendência natural para as trocas. Aqui o homem não é agente ati-
vo, é passageiro do ‘veículo’ conduzido pela ‘ordem natural das
coisas’, à qual se adapta e vai construindo alternativas produtivas
possíveis na medida de sua evolução técnica.
Tendo presenciado o início da revolução industrial em tor-
no da metade do século XVIII, o autor estudado pôde desenvolver

50 Discussão sintetizada e referenciada na última seção do primeiro capítulo do


presente livro.
51 Conforme relatam Bianchi (1988, 104-106) e Feijó (2007, 114).

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 65

sua teoria através da observação empírica daqueles que seriam os


mecanismos fundamentais de um mercado já maduro, e então pu-
blicou sua obra em 1776. Sua primeira observação foi acerca da
divisão do trabalho, fundamento de sua teoria de crescimento
econômico. O conceito é apresentado na abertura da obra e logo
no terceiro parágrafo do primeiro capítulo, cita o exemplo icônico
da manufatura de alfinetes, um caso, entre vários outros que ele
testemunhou, que sintetiza os ganhos de produção e produtivida-
de da divisão do trabalho.

2.4.1. A divisão do trabalho, sua origem e a expansão do


mercado.

No primeiro capítulo da Riqueza das nações são mostradas


as implicações e consequências da variável principal sobre a qual
se ergue a teoria, a divisão do trabalho, responsável pelo “maior
aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte
da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em
toda parte dirigido ou executado...” (Smith, 1985, 41). A preocupa-
ção da maior parte dos estudiosos do fenômeno econômico na-
quele momento histórico era explicar como produzir em quanti-
dade para resolver o problema crucial da fome, daí o subtítulo da
Riqueza das nações: ‘uma investigação sobre sua natureza e suas
causas’.
A citação do parágrafo anterior é a primeira afirmação do
livro, e nela o autor em questão já deixa implícito algo que vai re-
forçar posteriormente: a importância do trabalho em geral para a
geração de valor52, diferentemente do que pregavam os fisiocra-
tas, principais referências até então, que acreditavam na produti-

52Todas formas de trabalho são consideradas produtivas, com exceção de al-


guns serviços ‘improdutivos’, que comentaremos depois.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 66

vidade exclusiva do trabalho agrícola, e os mercantilistas, que de-


fendiam a produtividade restrita ao trabalho comercial.
Os benefícios da divisão do trabalho se estendem a qual-
quer ofício ou manufatura, entretanto, maiores serão suas reper-
cussões quanto mais complexa for a atividade, e aí inevitavelmen-
te as atividades industriais têm vantagem. Quanto mais divisão do
trabalho, mais crescimento econômico há, e como a indústria
permite mais divisão do trabalho, necessariamente países mais
ricos são industrializados, enquanto países menos industrializa-
dos (mais agrícolas ou comerciais) são relativamente mais pobres.
A divisão do trabalho surge na manufatura e chega aos demais
setores da economia depois, com máquinas inicialmente adapta-
das e posteriormente desenvolvidas especificamente para a apli-
cação no campo, como tratores e colheitadeiras.
Dividir o trabalho consiste em fracionar o processo produ-
tivo em fases específicas para que o trabalhador se especialize em
menos máquinas, de preferência numa só. Antes da revolução in-
dustrial cada item era todo feito por um trabalhador, que domina-
va todo processo, mas a introdução de máquinas para cada etapa
do processo tornou desnecessária a qualificação e repetitivo o
trabalho, gerando maior produtividade.
Os ofícios ficaram obsoletos, e qualquer equipamento que
permitisse individualmente a fabricação integral de algo, não seria
capaz de concorrer com o maquinário industrial, que gerava um
produto de custo unitário muito menor. Às pessoas restava vender
sua força de trabalho para viver, e assim novas relações de traba-
lho vão surgindo, de aluguel da capacidade produtiva humana, e
com elas a economia mercantil, em que tudo passa a ser trocado.
O clássico exemplo da manufatura de alfinetes (Smith,
1985, 41-42) demonstra claramente os ganhos obtidos com a divi-
são do trabalho, pois se antes da revolução industrial um operário
qualificado para a labuta conseguia produzir até 20 alfinetes por

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 67

dia, com a implantação de maquinário moderno, 10 trabalhadores


produzem cerca de 48.000 alfinetes por dia, ou seja, a produtivi-
dade individual passa a ser de 4.800 alfinetes por dia, aumentando
240 vezes, algo fabuloso considerando qualquer momento históri-
co.
A expressividade dos números da indústria faz Smith ver
apenas o lado bom da produção em massa, relatando suas causas:
1. maior destreza dos trabalhadores; melhoria substancial no de-
sempenho individual porque ela leva à especialização em poucas
atividades (o homem agora não precisa saber e executar uma sé-
rie de operações coordenadas, e assim, as faz com maior rapidez e
precisão), 2. economia de tempo entre uma operação e outra (evi-
ta desperdício de tempo gasto com o deslocamento de uma ativi-
dade para outra e para retomar concentração em uma atividade
distinta da primeira) e 3. a invenção de máquinas; na medida em
que

“...a atenção de uma pessoa é naturalmente diri-


gida para um único objeto muito simples. Eis por
que é natural podermos esperar que uma ou ou-
tra das pessoas ocupadas... acabe descobrindo
métodos mais fáceis e mais rápidos de executar
seu trabalho específico...” (Smith, 1985, 45)

Cabe registrar a presença da palavra natural no pequeno


trecho supracitado, por duas vezes, demonstrando como esse é
elemento relevante na construção das ideias desse autor. A liber-
dade seria uma condição natural do homem como ser vivo que é, e
só nessa condição desenvolve todas suas potencialidades, como a
natureza propriamente dita, berço da ordem natural, em que se
observa a abundância de recursos disponíveis. Os benefícios da
divisão do trabalho são consequência da libertação das condições
feudal e escravista que os iluministas combateram, aliados à in-
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 68

venção de algumas máquinas decisivas para a transformação téc-


nica da atividade produtiva, viabilizando a adoção da divisão do
trabalho.

AUMENTO NA DESTREZA
RAZÕES DA DIVISÃO ECONOMIA DE TEMPO ENTRE
DO TRABALHO ATIVIDADES
INVENÇÃO DE MÁQUINAS

Na sequência (cap. 2), Smith vai propor uma explicação


teórica para a origem do processo que culminou com a divisão do
trabalho, e de acordo com ele, isso deve ser compreendido consi-
derando o comportamento moral do homem, sobre o qual ele já
havia teorizado em seu livro anterior (TSM). O primeiro elemento
apresentado é a propensão, sempre natural, às trocas. A troca re-
sulta em ganho para ambas partes, quem oferece e quem deman-
da, então na medida em que o excedente vai sendo sistematica-
mente gerado, o homem atenta para a possibilidade de ganhar
algo diferente com aquilo que já não interessa a ele, pois tem em
excesso. Se a troca beneficia outra pessoa não é por que o proposi-
tor da troca está sendo altruísta ou benevolente, mas por que ele
quer, antes de mais nada, obter vantagem com ela, então se trata
de egoísmo, mas aqui esse exerce um papel construtor, positivo,
na medida em que proporciona a socialização de uma produção
que antes seria desperdiçada ou oferecida aos deuses.
O surgimento das primeiras sociedades está associado à
revolução agrícola, que na sequência trouxe o excedente de pro-
dução, as primeiras divisões do trabalho (embrionárias, familia-
res) e o comércio, com o argumento final e racional das vantagens
econômicas que os maiores agrupamentos ofereciam aos homens.
Esses ganhos, entretanto, foram pequenos por muito tempo em
função da dificuldade de comunicação e locomoção entre as socie-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 69

dades, que eram predominantemente coletivistas ou protecionis-


tas em alguma medida, até que vieram as grandes navegações, a
expansão comercial e o desenvolvimento da sociedade mercanti-
lista a partir da metade do século XVI, trazendo a percepção da
liberdade de ações como premissa econômica para a organização
social, graças a uma combinação de fatores que consubstanciaram
num contexto político, econômico e intelectual (iluminismo) ade-
quado à sua disseminação. O comércio, que é a base da economia
de mercado e sua referência para evolução rumo à industrializa-
ção, floresce.
Smith conclui que o crescimento econômico em sociedades
livres decorre do auto interesse das pessoas em progredir, em
conseguir uma melhor condição material para si através de buscas
por melhores ocupações e remunerações para seus fatores de
produção, atitude que a sociedade aprova porque ganha mais
produção. Tudo isso devido à liberdade de escolhas proporciona-
da ao homem, possibilitando esse processo evolutivo em que o
mercado é a grande força natural que faz cada um se mexer para
obter melhores condições materiais de vida.
Como a divisão do trabalho é consequência da natureza
humana, algumas sociedades vão crescer mais que outras em ra-
zão da presença mais ou menos intensa da propensão às trocas
em seus cidadãos, o que vai depender de variáveis relacionadas à
própria natureza. São essas variáveis que Smith vai abordar no
capítulo terceiro, quando ele observa que sempre há uma relação
entre dois aspectos físico-geográficos e o desenvolvimento do co-
mércio:
1. Grau de urbanização: Quanto mais rural o país, menos
mercado haverá, já que o campo possui dimensões e distâncias
superlativas que favorecem a autonomia dos que estão lá inseri-
dos. As grandes propriedades fornecem área e disponibilidade de
recursos diversos, que, muitas vezes aliados à precariedade da

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 70

infraestrutura ao redor, determinam a viabilização de condições


de sobrevivência com ampla autonomia.
No cenário rural são trabalhados múltiplos ofícios e o do-
mínio de várias técnicas que geram independência em relação a
outros que podem demorar a chegar, e também, por outro lado,
fica prejudicado o desenvolvimento de novas técnicas de produ-
ção, uma vez que, o relativo (ou quase absoluto) isolamento, pro-
move acomodação produtiva.
A situação inversa se configura nas localidades mais urba-
nizadas, que são mais populosas, e onde predominam as proprie-
dades menores. Existindo uma quantidade maior de pequenas
propriedades, elas são disputadas e seu preço se torna relativa-
mente bem mais elevado por causa dessa disputa, assim, sem ter
espaço, mas tendo que pagar aluguéis altos, as pessoas são força-
das a gerar renda, sem poder produzir todas suas condições de
sobrevivência individualmente.
No meio urbano a dependência em relação ao outro se tor-
na positiva, a divisão do trabalho nasce e se desenvolve: os pro-
cessos de produção são fatiados e transformados em processos de
larga escala (seja de produção industrial ou comercial) e o produ-
tor passa a ser um trabalhador que efetua apenas uma pequena
parte de um processo maior, mais especializado e bem mais rápi-
do porque agora executa tarefas simples e repetitivas. Alguns
poucos, por sua vez, que avançam mais no comércio de suas mer-
cadorias e logram êxito num processo de acumulação de capital
primitivo serão capitalistas, se especializando no trabalho de arti-
cular a produção e/ou o comércio.

2. Exploração comercial de vias fluviais: A existência de


vias fluviais, sejam rios ou mares navegáveis, é importante para o
desenvolvimento do comércio, pois elas se revelam, tanto no con-
texto da época de Smith, quanto hoje em dia, melhores meios para

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 71

realização de transporte devido ao custo-benefício mais baixo. No


contexto histórico de Smith isso fica mais evidente, pois como ele
exemplifica:

“uma carroça de rodas largas, servida por dois


homes e puxada por oito cavalos, leva aproxima-
damente seis semanas para transportar de Lon-
dres a Edimburgo - ida e volta - mais ou menos 4
toneladas de mercadorias. Mais ou menos no
mesmo tempo um barco ou navio tripulado por
seis ou oito homens, e navegando entre os portos
de Londres e Leith, muitas vezes transporta – ida
e volta – 200 toneladas de mercadoria.”
(Smith, 1985, 54)

Assim ele prova que a capacidade de carga por vias fluviais


é significativamente maior que o transporte por vias terrestres53,
ao que corresponde um volume de mercadorias transacionadas
muito superior. Novamente a indução histórica, paralelamente à
observação do critério do custo-benefício, lhe conduz a conclusões
cruciais para a economia e para a compreensão do desenvolvi-
mento econômico.
Com o tempo, os veículos incorporaram inovações técnicas
diversas, surgindo o automóvel e o avião, mas a observação de
Smith ainda é válida porque o transporte fluvial continua sendo a
forma mais barata de atravessar grandes distâncias54, tanto que os
homens são capazes de realizar altíssimos investimentos para
possibilitar o trânsito de navios em algumas situações, como com-
prova o canal do Panamá.

53No caso citado, a produtividade por homem é 50 vezes maior.


54Os navios aumentaram ainda mais sua capacidade de carga ao longo do tem-
po.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 72

Trata-se de um canal de 77 km que foi um desafio para a


engenharia e consiste numa ligação artificial entre os oceanos
atlântico e pacífico por meio do Panamá, tendo sido executado
após o governo dos EUA retomarem a obra em 1904 (a primeira
tentativa, fracassada, foi francesa, 102 anos antes). A obra exigiu o
desenvolvimento de uma tecnologia específica para sua viabiliza-
ção, levou uma década para ser concluída, após contornado o pro-
blema da febre amarela no princípio da construção, e teve custo
estimado em torno de 360 milhões de dólares.

FATORES QUE DETERMINAM GRAU DE URBANIZAÇÃO


A EXTENSÃO DO MERCADO PRESENÇA DE VIAS FLUVIAIS

A presença desses fatores delineia o vulto que o mercado e


a economia vão atingir, mas os países que não detém esses ele-
mentos não estão fadados a um estágio inferior de mercado, eles
podem apreender e exercitar os mandamentos do livre mercado
para alcançar algum crescimento, ainda que limitado pelos recur-
sos disponíveis. Smith acredita mais no treinamento do que nos
talentos naturais do ser humano em si, pois o homem tem uma
característica natural diferenciada dos animais irracionais, que é a
capacidade cognitiva, que lhe dá possibilidades diversas de de-
senvolvimento55. Se uma certa sociedade não possui um comércio
desenvolvido, é muito rural ou não possui vias fluviais, mesmo
assim pode obter algum crescimento se imbuir nos cidadãos os
valores do mercado e praticar o livre arbítrio para avançar na
construção do mercado.

55 Smith (1985, 51).


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 73

2.4.2. O dinheiro

Tendo deixado claro que a produção em larga escala nasce


apenas se já houver uma estrutura comercial previamente estabe-
lecida que lhe sirva de base, o pai da economia vai falar de outra
variável essencial aos mercados no capítulo 4, o dinheiro, conside-
rando seu processo evolutivo, natural, para chegar à sua teoria do
valor. Após uma explanação mais geral acerca das causas da pro-
dução industrial e de sua expansão nos capítulos anteriores, a par-
tir de variáveis chave como divisão do trabalho e propensão às
trocas, o objetivo agora é mostrar elementos mais específicos, ne-
cessários para um entendimento de sua teoria do valor e do funci-
onamento do mercado.
Ao propor sempre uma investigação histórica das variáveis,
Smith ressalta a importância das trocas diretas, o escambo, para a
compreensão do surgimento do dinheiro. Quando o excedente
começou a aparecer, ainda esporadicamente, as pessoas foram se
apercebendo que podiam trocá-lo por coisas que faltavam e então
passaram a oferecê-lo a outros que não produziam seu produto ou
simplesmente não o tinham, só que a conclusão dessa troca de-
pendia do outro querer o produto, na quantidade ofertada e na
proporção proposta com o item a ser trocado. A troca direta de-
pende da coincidência desses desejos e julgamentos entre as par-
tes, o que é um entrave significativo de saída, pois são três etapas
com necessária concordância mútua, que reduzem muito a quan-
tidade de transações efetivamente realizadas.
Essas dificuldades fizeram com que as pessoas procuras-
sem ter “... além dos produtos diretos de seu próprio trabalho,
uma certa quantidade de alguma(s) outra(s) mercadoria(s) - ...
que, em seu entender, poucas pessoas recusariam receber em tro-
ca de seus próprios trabalhos.” (Smith, 1985, 57). Essa seria uma
busca natural, uma vez que as técnicas de produção tendem a evo-

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Alexandre Lyra Martins | 74

luir e o excedente tende a se sistematizar, daí a alternativa natural


é trocar parte de sua produção por um produto mais desejado,
mais fácil de ser aceito na hora da troca. Essa estratégia elegeu
produtos diferentes em lugares distintos para cumprir essa função
de meio de troca, em razão da disponibilidade de recursos de cada
lugar e de suas culturas (que afeta a valorização das coisas), como
por exemplo: sal, conchas, açúcar, fumo e couro.
Ocorre que, segundo Smith, essas mercadorias nunca con-
seguiam cumprir plenamente sua função de meio de troca porque
não atendiam perfeitamente a três atributos/requisitos essenciais
a tal finalidade: alto valor, divisibilidade e durabilidade. A merca-
doria escolhida teria dificuldade em ser intercambiada por mer-
cadorias muito caras se faltasse a propriedade do alto valor, ou
pelas de baixo valor se faltasse a divisibilidade e resistiria a pou-
cas transações (tendo que ser reposta em pouco tempo) se faltas-
se a qualidade da durabilidade.
Não demorou muito para que todas nações que buscavam
um meio de troca descobrissem nos metais a melhor solução, pois
só ele atendia bem a todas propriedades requeridas para cumprir
a função de meio de troca. Também o metal escolhido vai ser de-
terminado pela disponibilidade dos recursos, no caso, a existência
de reservas do metal, mas, em geral, são três os metais preferidos:
ouro, prata e bronze, nessa ordem de preferência (devido ao valor
mais alto dos primeiros).
O uso dos metais se disseminou por sua superioridade fun-
cional, mas as sociedades sofriam com inconvenientes relaciona-
dos à segurança e à confiança no metal que era dado em troca das
mercadorias, pois metais eram mercadorias especiais que poucos
conheciam profundamente. O problema da confiança podia ser
desmembrado em dois: o da garantia do peso e da qualidade do
metal.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 75

A fragilidade do metal foi contornada com a constituição


das primeiras casas de moeda, entidades privadas que prestavam
o serviço especializado de avaliar e garantir a cunhagem (pesa-
gem) e a qualidade (medição dos quilates) do metal. Essas empre-
sas, que mais tarde vão dar origem às instituições bancárias, pos-
suíam mão de obra qualificada e dependiam da credibilidade para
se consolidar, mas no fim vão acabar resolvendo o outro problema
da insegurança reinante, pois em lugar de levar os metais as pes-
soas passaram a levar comprovantes de depósito do metal nas
casas de moeda.
O passo seguinte veio com o Estado centralizando a cunha-
gem e pesagem do metal para efeito da produção de moeda, mo-
mento em que aparece a moeda metálica efetiva, de circulação
única, aceitação obrigatória e nacional. Com isso, paradoxalmente,
volta o problema do valor da moeda em outros termos, já que ago-
ra o Estado monopoliza a emissão da moeda metálica e conforme
Smith (1985, 60-61):

“..., em todos países do mundo – (...) – a avareza e


injustiça dos príncipes e dos Estados soberanos,
abusando da confiança de seus súditos, foram
diminuindo gradualmente a quantidade real de
metal que originalmente continham as moedas.
(...) e a libra e o pêni franceses, apenas 1/66 de
seu valor original. Aparentemente, mediante es-
sas operações, os príncipes e os Estados sobera-
nos foram capazes de pagar suas dívidas e cum-
prir seus compromissos com uma quantidade de
prata menor do que teria sido necessária em caso
de não alterarem o valor das moedas; digo ape-
nas aparentemente, pois seus credores foram re-
almente fraudados de uma parte do que lhes era
realmente devido.”

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 76

SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DA MOEDA:

ESCAMBO – MERCADORIAS MOEDA – METAL – MOEDA METÁLICA

Como liberal que é, Smith enfatiza o abuso dos gestores do


Estados, desviando o cumprimento de suas funções, ainda que
originalmente esse procedimento fosse usado por particulares
diversos, mas agora, com a circulação forçada da moeda nacional o
problema ganha dimensão maior. A injeção de ligas metálicas de
valor inferior na moeda fez aumentar artificialmente a quantidade
de moeda disponível, mas também gerou perda de valor perante
as demais mercadorias, ocorrendo aumento no nível de preços56.
Nessa época a moeda só era concebida com seu valor efeti-
vo, e não como símbolo de valor, como são as moedas modernas,
desguarnecidas da maior parte de seu lastro, mas mantido seu
valor original, ainda que simbolicamente, em relação às demais
mercadorias, que é condição crucial para manter sua função de
referência de valor e, consequentemente, sua sustentação como
moeda.
Smith volta a discutir as variações de valor da moeda no
capítulo 5, mas agora em termos reais. Se o metal foi a melhor
mercadoria para exercer a função original de meio de troca em
praticamente todas economias, por outro lado ele traz um incon-
veniente que diz respeito à segunda função que a moeda ganha; a
de referência ou padrão de valor.
O metal detinha as propriedades adequadas para facilitar e
resistir por muitas trocas, mas não tinha a estabilidade de valor
adequada devido à dependência de reservas, instáveis, que de-

56
Trata-se da possibilidade de inflação por excesso de moeda, artificial no caso,
por meio da mudança nas proporções de troca dessa com as mercadorias pro-
duzidas
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 77

mandavam quantidade de trabalho maior ou menor de acordo


com a dificuldade de extração do metal. Considerando as demais
mercadorias com valores estáveis, se escasseasse a quantidade de
metal disponível em relação ao montante produzido das demais
mercadorias, seu valor começaria a aumentar relativamente a es-
sas, e, ao contrário, se fosse descoberta uma nova mina, seu valor
cairia frente às demais mercadorias.
Existiriam mercadorias que poderiam cumprir melhor a
função de padrão de valor, como o trigo, um cereal de grande pro-
dução sistematizada em alguns países, mas mesmo esse podia so-
frer variações de valor com intempéries climáticas, de maneira
que Smith conclui que nenhuma mercadoria é tão boa para essa
finalidade quanto a própria força de trabalho, pois seu preço, o
salário, é dado pelo valor de subsistência do trabalhador, que não
depende de um grupo fixo de mercadorias e sim de várias merca-
dorias que podem ser substituídas caso haja encarecimento locali-
zado de alguma, seja na área da alimentação, do vestuário ou da
habitação.
Smith sempre considera necessário que a moeda, como
qualquer outra mercadoria, tenha seu valor dado pelo custo de
produção, de extração e processamento do metal, e registra os
casos em que se afastou disso, quando agentes privados ou públi-
cos misturaram metais menos nobres à moeda, como problemas
econômicos a serem evitados. Isso vai voltar a acontecer e se tor-
nar procedimento padrão entre os governos, num processo con-
turbado ao longo da história até a perda definitiva do lastro metá-
lico da moeda apenas na metade do século XX, com Keynes sendo
figura proeminente em Bretton Woods. Esse ponto de sua concep-
ção do valor e do valor da moeda vai gerar críticas posteriores,
inclusive por Ricardo57.

57Ver o capítulo 1 de seus ‘Princípios de economia política e tributação’ (Ricar-


do, 1982)
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 78

2.4.3. A teoria do valor

A discussão em torno do valor real das mercadorias e em


particular da mercadoria escolhida como meio de troca é a ponte
para a apresentação de sua teoria do valor, que fala da coexistên-
cia de dois valores nas mercadorias, justamente porque ela é algo
produzido para o mercado: um valor de uso, que diz do valor ori-
ginal das mercadorias (sua razão de ser, que é atender a alguma
necessidade humana) e o valor de troca, o valor pelo qual elas são
trocadas (que Smith entende ser dado pela quantidade de outras
mercadorias que o valor de sua mercadoria pode adquirir). Smith
já demonstrava interesse pela dualidade das coisas na TSM, e aqui
retoma algo que os gregos já haviam esboçado, mas avança mais
na teorização do duplo valor.
Antes de mais nada, o economista britânico ora estudado
expande a noção de trabalho produtivo (aquele que gera valor)
com sua concepção de valor, agregando a esse o trabalho industri-
al sem excluir o que propunham as doutrinas anteriores dos mer-
cantilistas e dos fisiocratas. Para Smith (1985, 307) todo capital
aplicado na produção de produtos industriais, no transporte, na
distribuição e na agricultura gera valor além daquele que transfe-
re ao produto final devido a seus custos, diferentemente “do tra-
balho de algumas categorias sociais mais respeitáveis, analoga-
mente aos criados domésticos, (...). O soberano, por exemplo, com
todos oficiais de justiça e de guerra..., todo exército e marinha, são
trabalhadores improdutivos.” (Smith, 1985, 285-286).
Não há a contestação da utilidade de qualquer trabalho rea-
lizado, apenas de sua capacidade de gerar valor adicional em rela-
ção ao custo inicial que representa. No entendimento smithiano,
os setores primário e secundário geram valor, mas no terciário, só
a parte referente à circulação das mercadorias é que gera valor

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 79

por estar dentro da cadeia produtiva do mercado, fazendo chegar


as mercadorias onde elas devem e podem chegar.
Esclarecida a questão da geração de valor, a dualidade de
valor das mercadorias pode ser mais detalhada. O valor de uso é o
valor que uma mercadoria tem em razão de sua utilidade, sua ca-
pacidade de satisfazer a alguma necessidade humana, e isto diz
respeito diretamente às propriedades do corpo da mercadoria, de
seu aspecto físico, pois esse confere certas qualidades à mercado-
ria que permitem-na ser usada para um certo fim.
Se quero acender uma vela, não será um poste, um telefone
ou um sofá que atenderá a essa finalidade; só um fósforo ou um
isqueiro resolverá o problema de melhor maneira possível. Se
quero me deslocar para outra cidade, não adianta recorrer a um
cortador de unha, a um cabide ou a uma impressora, tenho que me
servir de um veículo para tal (seja particular, de aluguel ou coleti-
vo). Esse é o valor original que um produto qualquer tem por ser
destinado ao consumo, seja do próprio produtor ou de outra outra
pessoa, e que se mantém quando o produto passa a ser mercado-
ria (produzido para venda), só que agora vai atender não a seu
produtor e sim a terceiros.

VALOR DE USO
DUPLO VALOR DAS MERCADORIAS
VALOR DE TROCA

O valor de troca, por sua vez, diz respeito à capacidade da


mercadoria ser trocada, à sua propriedade de intercâmbio numa
sociedade mercantil, e para isso, importa seu valor, independente
de seu formato físico. Importa apenas seu valor quantitativo, esti-
pulado em uma referência de valor, seja ela trabalho, dinheiro ou
qualquer outra convencionada entre partes que estejam efetuan-
do uma transação legal num certo lugar e tempo.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 80

Para Smith, no entanto, independente da referência de va-


lor, o que permite a troca das mercadorias é o que há de comum
entre elas: o trabalho. Desde que as pessoas começaram a realizar
trocas existe o valor de troca, primeiro expresso diretamente em
horas de trabalho no escambo, depois numa mercadoria-moeda,
na sequência em metal e, por fim, em dinheiro.
As trocas com dinheiro encobrem a origem do processo, a
base das trocas, que é o trabalho. As quantidades de trabalho ne-
cessárias para produzir mercadorias são comparadas para se che-
gar a um termo de troca, abstraindo as particularidades de cada
processo de trabalho, que conferem a forma final à mercadoria,
mas considerando a dificuldade maior ou menor de cada processo
produtivo.
O valor de troca é medido diretamente pela quantidade de
mercadorias que uma mercadoria pode comprar em razão da
quantidade de trabalho que tem, o que é dado (indiretamente)
pela quantidade de dinheiro que se dispõe. O dinheiro de papel ou
metálico sem lastro pode não conter efetivamente o trabalho cor-
respondente a seu valor, mas representa, simbolicamente, esse
conteúdo do valor. Um capitalista produz mercadorias e com a
venda delas compra vários insumos novamente, ganha um lucro e
compra outras mercadorias para sua vida pessoal, um trabalha-
dor, por sua vez, vende sua força de trabalho para comprar as
mercadorias que necessita para sua subsistência.
A teoria do valor é complementada com a dualidade dos
trabalhos, que o autor coloca com menor destaque. O valor de uso
é relacionado ao ‘trabalho contido’ nas mercadorias, aquele traba-
lho específico, feito com máquinas e equipamentos A, B e C opera-
das de uma maneira adequada por trabalhadores X e Y. Cada pro-
cesso de trabalho específico gera uma mercadoria corresponden-
te: de uma linha de produção de alfinetes não se espera como re-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 81

sultado uma raquete de tênis, assim como de uma marcenaria não


se espera sabão em pó como produto final.
A produção é destinada à venda na economia de mercado,
mas para ser vendido o produto deve atender a algum desejo de
consumo, daí porque o valor de uso é ponto de partida de qual-
quer atividade produtiva, pois se produz para consumir. No mer-
cado, o trabalho contido e seu respectivo valor de uso passam pelo
crivo da venda, por meio da socialização dos trabalhos que ocorre
nesse momento, e aí entra o ‘trabalho comandado’:

“Sua fortuna é maior ou menor, exatamente na


mesma proporção da extensão desse poder, ou
seja, de acordo com a quantidade de trabalho
alheio ou – o que é a mesma coisa – do produto
do trabalho alheio que esse poder lhe dá condi-
ções de comprar ou comandar.”
(Smith, 1985, 64)

VALOR DE USO TRABALHO CONTIDO


VALOR DE TROCA TRABALHO COMANDADO

O trabalho contido pode ser visualizado no dia a dia, nas


mais diversas unidades produtivas e seus respectivos processos
de trabalho, pois ele é sua forma concreta, aquela que se vê, basta
uma visita a alguma fábrica, fazenda ou marcenaria para observar
sua natureza. Já o trabalho comandado não corresponde aos pro-
cessos de trabalho em sua forma, mas sim em seu conteúdo últi-
mo, a capacidade de produzir algo, pois independente do que seja,
resulta num valor monetário ao final do processo.
Desde as primeiras trocas, os produtos são socializados pe-
la comparação entre os trabalhos realizados, quando cada parte
busca saber quanto seu trabalho vale em termos do trabalho do
outro, se seu produto precisa de mais ou menos horas para ser
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 82

elaborado. Há um exercício de abstração no qual se busca alguma


equivalência apenas nos esforços físicos realizados para comparar
os valores das coisas produzidas e se chegar a um acordo quanto
ao valor delas.
Na sequência histórica, os termos de troca vão se consoli-
dando e só essa relação já basta para outros negócios serem reali-
zados, porque se quer trocar a mercadoria por moeda, então os
trabalhos passam a contar apenas abstratamente como valores
por tempo, gerando valores quantitativos a serem permutados.
Nesse processo “deve-se levar em conta também os graus diferen-
tes de dificuldade e de engenho empregados nos respectivos tra-
balhos” (Smith, 1985, 64).
A dificuldade para realização de atividades determina mai-
or remuneração para essas, há trabalhos que exigem maior quali-
ficação intelectual, maior treinamento e, portanto, seu valor por
hora deve ser relativamente maior que outro mais simples. No
momento da troca sabe-se que há trabalho específico e valor de
uso por trás, mas interessam apenas os preços das mercadorias.
A escassez determina a necessidade, maior ou menor, de
trabalho para obtenção do produto, e isso explica o paradoxo do
valor colocado pelo próprio autor, de que coisas com pouca ou
restrita utilidade (como o diamante) possam ter alto valor, en-
quanto coisas de elevada utilidade (como a água) possam ter valor
baixo: a relativa escassez de algum recurso natural implica em um
grau de esforço necessário para sua colocação no mercado e a
existência de uma demanda pra ele reconhece os custos da extra-
ção ou produção, justificando a oferta.
Em atividades que exigem trabalhadores qualificados, por
sua vez, é pago um diferencial de remuneração proporcional à
qualificação, ajustada no mercado. Se uma empresa emprega tra-
balhadores reconhecidos no mercado com uma qualificação que
exige tempo e conhecimentos específicos em relação à qualifica-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 83

ção mínima no país, pode pagar, por exemplo, o dobro do salário


base (mínimo) pago na economia.
É possível vislumbrar o conceito de trabalho comandado na
atualidade por meio de um tipo de negócio comum em muitos lu-
gares: o self-service. Num restaurante desse tipo, o cliente é rece-
bido com uma comanda, que é preenchida após ter se servido com
os alimentos que prefere dentre os disponíveis no bufê, quando o
prato é pesado. Nesse ínterim, o cliente comandou uma certa
quantidade de trabalho através das escolhas de seus alimentos, ou
seja, trocou seu trabalho, que gerou o dinheiro com o qual vai pa-
gar a conta, pelo trabalho das pessoas que produziram aqueles
alimentos, e mais especificamente, por aquela quantidade de ali-
mento que se serviu. É isso que Smith diz que estamos fazendo a
todo tempo numa economia mercantil: trocando remunerações de
fatores que são expressas em unidades monetárias, para obter
valores de uso diversos, seja para consumo final ou para servir de
matéria-prima.

2.4.4. Preços e remunerações dos fatores

Retomando a discussão em torno do valor real das merca-


dorias, Smith conclui que o trabalho é a melhor medida para tal,
sendo, portanto, a referência natural de valor, mas como o metal
foi a mercadoria escolhida para a função inicial de intermediário
de troca em razão de suas propriedades, acabou acumulando
também a função de referência geral de valor, mesmo sendo sus-
ceptível a variações de valor indesejadas. A partir daí ele cria o
conceito de preço real e preço nominal das mercadorias para se-
parar o fundamento da geração objetiva de valor, daquilo que po-
de embaralhar a compreensão do problema: a referência monetá-
ria de valor.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 84

O Preço real corresponde ao valor real das mercadorias,


dado pelo esforço de trabalho despendido para se adquirir mer-
cadorias, o trabalho comandado, e o preço nominal corresponde
ao valor de uma mercadoria espelhado na moeda. No contexto
histórico do século XVIII, só se concebia o valor do dinheiro em
termos de seu custo de produção (como uma mercadoria qual-
quer), e Smith constatou que seu valor podia variar com descober-
tas de minas ou, pior, devido à interferência estatal de má fé no
sentido de diminuir a quantidade de metal nobre nas moedas ofi-
cias:

“Eis porque a quantidade de metal contido nas


moedas (...) tem diminuído continuamente (...).
Tais variações, portanto, tendem quase sempre a
reduzir o valor de uma renda deixada em dinhei-
ro”. (Smith, 1985, 66).

Variações de valor da moeda podem não refletir variações


reais de valor, que só são dadas por variações no custo do traba-
lho para sua produção.

PREÇO REAL X PREÇO NOMINAL

Smith remete sempre às forças naturais o surgimento e


desenvolvimento do mercado, e nessa linha de raciocínio o capítu-
lo 6 é iniciado, lembrando que o trabalho é o determinante essen-
cial do valor das mercadorias, mas já com a ressalva de que o pro-
cesso de evolução natural do comércio que desembocou na pro-
dução industrial, passando pela combinação de fatores que permi-
tiram esse afloramento, acabou por produzir novos determinan-
tes, pois esses também são partes intrínsecas e necessárias da so-
ciedade mercantil desenvolvida, daí porque o mercado foi criando

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 85

naturalmente as remunerações desses fatores, que se tornaram


também determinantes do preço das mercadorias, afinal, sem a
terra e o capital não há produção em larga escala:

“No estágio antigo e primitivo que precede ao


acúmulo de patrimônio ou capital e à apropriação
da terra, a proporção entre as quantidades de
trabalho necessárias para adquirir os diversos
objetos parece ser a única circunstância capaz de
fornecer alguma norma ou padrão para trocar es-
ses objetos uns pelos outros” (Smith, 1985, 77).

As considerações feitas a seguir no capítulo supracitado


são fundamentais para integralizar a explicação do preço das mer-
cadorias, pois Smith vinha da afirmação e reafirmação de sua teo-
ria do valor trabalho, em que apenas o trabalho é mencionado
como determinante do valor, mas neste ponto ele complementa a
teorização, invocando o processo histórico da apropriação privada
dos recursos naturais e equipamentos para a formação das mo-
dernas estruturas produtivas do mercado.
Em algum momento da história, a apropriação de terras e
seus recursos naturais começou a se generalizar e isso propiciou o
início de um processo de acumulação primitiva de capital, que se
expandiu a ponto de surgirem as grandes indústrias. O mercado só
decola como atividade econômica porque há um retorno monetá-
rio para a execução das atividades, comercial primeiro e industrial
depois, que, por sua vez, dependeram da apropriação das terras e
da produção, trazendo as respectivas remunerações.
Aí está justificada a legitimidade das remunerações dos fa-
tores terra (renda da terra) e capital (lucro), além do fator funda-
mental; o trabalho (salário), pois cada fator cumpre um papel es-
pecífico dentro do mercado como um todo, e só com esses elemen-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 86

tos combinados se consegue atingir a produção em massa e suas


benesses.
Smith defende mais enfaticamente a função do empresário
e sua consequente remuneração, já que se trata de um tipo de tra-
balho especial, que envolve o domínio de uma série de conheci-
mentos específicos e da pré-disposição ao risco. O empreendedor
tem de se submeter a investidas incertas num mercado livre e
concorrencial, que podem naufragar se a demanda não simpatizar
com a mercadoria oferecida ou com o preço necessário para ela
ser produzida e colocada no mercado.
O trabalho do empresário vai resultar na mobilização de
um capital, que vai ter sua remuneração regulada pelo volume do
capital e pelo crescimento econômico. Individualmente, cada ne-
gócio que incorpore quantidade adicional de capital investido re-
quer sua remuneração por esse acréscimo de capital, entretanto,
do ponto de vista do mercado, Smith afirma que acréscimos de
capital implicam em mais concorrência e, consequentemente,
maior produção e menor lucro, pois a concorrência é a força vital
no controle da taxa de lucro.
Processos de crescimento econômico geram mais concor-
rência e inversamente, quanto menos crescimento, por causa do
menor volume de capital disputando o mercado; haverá mais lu-
cro (algo que Smith só vai detalhar no capítulo 9). Mais à frente
Marx não vai concordar nem com a intensificação da concorrência
com o crescimento, nem com a legitimação do valor gerado pelo
capital, mantendo o reconhecimento apenas ao trabalho como
fonte de geração de valor, procurando demonstrar a incongruên-
cia da tese de Smith com sua teoria da mais-valia.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 87

FATORES DE PRODUÇÃO E SUA REMUNERAÇÃO:

TRABALHO → SALÁRIO
TERRA → RENDA DA TERRA
CAPITAL → LUCRO

No capítulo 7, por fim, Smith desce o nível de abstração a


um mínimo e mostra como se dá o funcionamento de uma econo-
mia de livre mercado, tendo como referência os conceitos e con-
cepções expostos nos capítulos anteriores. Para isso, são necessá-
rios mais dois conceitos fundamentais, colocados logo no início do
capítulo: preço natural e de mercado. O Preço natural, que é dado
pelo somatório das taxas médias de remuneração dos fatores em
uma economia num certo momento histórico, seria o preço de
oferta, que é determinado pelas condições concretas da produção
em cada lugar.
Cada país tem seus mercados mais ou menos desenvolvi-
dos, a mão de obra mais ou menos disponível e qualificada58, re-
cursos naturais à disposição, bem como o capital mais ou menos
avançado tecnicamente em relação ao processo de acumulação, e
tudo isso vai ser importante na determinação de suas taxas mé-
dias de remuneração, sendo que o mercado tende sempre a baixar
a remuneração a um mínimo suficiente para a reprodução do fator
pela concorrência existente. O parâmetro das remunerações é a
média geral do mercado em questão, porque o mercado precisa de
muitos fatores e não pode empregar apenas os mais produtivos,
mas adiante o preço médio estará sempre apontando para baixo
porque o objetivo dos ofertantes é alcançar os mais produtivos, se
esforçando em ser mais competitivos para vender mais.

58Como Ricardo, ele enfatiza que grandes quantidades de oferta de mão de


obra normalmente estão associadas a baixa qualificação e necessariamente
baixos salários.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 88

Do outro lado há o preço de mercado, o preço em que as


mercadorias são vendidas de fato, o que significa que o preço na-
tural da oferta tem de passar pelo crivo da demanda, quando pode
ser pressionado para cima ou para baixo pelo interesse maior ou
menor dos consumidores. Smith faz uma divisão simples entre
demanda absoluta, composta por todas pessoas que desejam um
bem, e demanda efetiva, composta por todas pessoas que querem
e efetivamente podem pagar pelo bem, para lembrar que só essa
última é considerada nos mercados.
O preço natural é dado por condicionantes objetivos, assim,
preços de mercado inferiores a esse determinam insustentabili-
dade de condições de produção, suportáveis apenas no curto pra-
zo. A depender do interesse da demanda, pode haver um preço de
equilíbrio maior ou menor que o preço natural, mas apenas tem-
porariamente, pois a tendência de médio prazo é o preço de equi-
líbrio gravitar muito proximamente ao preço natural (Smith,
1985, 87), porque o mercado tem mecanismos de ajuste, se conso-
lidando apenas os mercados em que a demanda está disposta a
pagar o preço de custo/natural (econômico) das mercadorias. A
ação dos mecanismos auto reguladores do mercado interfere dire-
tamente nas taxas médias de remuneração dos fatores.
Uma demanda excessiva por uma mercadoria vai determi-
nar um preço de equilíbrio inicial maior que o preço natural, mas
vai despertar a cobiça de outros agentes que vão querer entrar
nesse mercado para ganhar o lucro extra, acima da taxa média,
que os capitais desse setor devem estar abocanhando, fazendo a
produção aumentar e o preço cair até o preço natural no médio-
prazo.
Também os trabalhadores podem ter suas remunerações
afetadas por variações do mercado. Smith (1985, 86) exemplifica
com o caso de um luto público, situação que pressiona para cima a
remuneração dos alfaiates, mas não tem efeito nos salários dos

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 89

tecelões. Ao mesmo tempo, comerciantes que tenham tecido preto


vão poder faturar mais, circunstancialmente, enquanto os que tem
mais roupas coloridas terão lucro reduzido.
Preços de mercado abaixo do preço natural caracterizam
uma situação de oferta relativamente excessiva frente à demanda
efetiva, que implica na formação de estoques e diminuição do
mercado pela saída de alguns ofertantes do negócio, desestimula-
dos pela taxa média de lucro baixa ou inexistente. A saída de al-
guns concorrentes faz a quantidade ofertada diminuir e o preço de
mercado subir e se igualar ao preço natural, que terá consumido-
res que estejam dispostos a pagá-lo. O preço de mercado só será
mantido se ocorrer alguma melhora técnica ou algo que reduza a
remuneração de algum fator; reduzindo o preço natural.
Produtores não podem resistir muito tempo num mercado
sem um nível de demanda adequada para suas mercadorias, uma
vez que isso vai diminuir a remuneração de algum(ns) fator(es)
abaixo da média do mercado59. Mercados novos tendem natural-
mente a mais ajustes, mas uma hora os mecanismos de mercado
equalizam e conferem uma estabilidade fluida, que pode ser alte-
rada por mudanças nos gostos dos consumidores ou por aumento
na produtividade de algum fator, fazendo variar o preço natural
ou de mercado, que se reajustam mais à frente.
Em suas considerações sobre as flutuações em torno do
equilíbrio do mercado, Smith toma a liberdade no mercado como
um dado, e a sua realidade histórica se aproxima desse requisito
conceitual. Sabe-se que o mercado contemporâneo é regulamen-
tado em vários pontos, de maneira que o exemplo mais próximo
do mercado concorrencial smithiano é a feira livre.
Em relação à dinâmica dos mercados, podemos colocar
mais especificamente que após a crise de 1929, os salários em boa

59De acordo com Smith (1985, 86), provavelmente lucros ou salários, já que a
renda da terra tende a ser mais estável.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 90

parte do mundo passaram a ter uma certa rigidez à baixa. O mer-


cado foi limitado por regulamentações decorrentes de pressão
social por patamares mínimos de renda que possam proporcionar
a subsistência do trabalhador, significando que o capitalista não
dispõe mais da flexibilidade ampla que tinha antes nos salários
para usá-los como meio de ajuste a preços de mercado mais bai-
xos, tendo que buscar redução de preço de insumos e matérias-
primas ou reduzir lucro.

EQUILÍBRIO DE MERCADO SMITHIANO

PREÇO NATURAL = PREÇO DE MERCADO

Depois de explicar os movimentos básicos do mercado em


direção ao equilíbrio, Smith discorre por duas situações eventuais
que quebram esta regra: quando o preço de mercado fica acima do
preço natural, temporária ou definitivamente. A primeira situação
temporária é falta de informação. As imperfeições no fluxo de in-
formações, seja sobre a produção ou sobre o consumo, podem fa-
zer com que o preço pago pela mercadoria fique mais alto do que
deveria ser na medida em que potenciais ofertantes não tenham
conhecimento de uma oportunidade de lucro que eventualmente
poderia lhes interessar ou porque um consumidor não se infor-
mou plenamente sobre alternativas de oferta da mercadoria que
quer comprar, mas ambas devem ser circunstâncias passageiras
em uma economia de livre mercado.
A segunda possibilidade colocada por Smith para que os
preços de mercado fiquem provisoriamente acima dos preços na-
turais é o segredo de produção, que na época era apenas isso, mas
com o tempo a maior parte das sociedades institucionalizou como
direito de patentes. Smith (1985, 88) não fala de patentes especi-
ficamente, mas comenta acerca de regulamentos que restringem a

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 91

quantidade de produtores como situações que sustentam preços


elevados, concluindo que “Tais elevações de preço de mercado
podem perdurar enquanto durarem os regulamentos que lhes de-
ram origem”, com a possibilidade de durar para sempre.

FATORES QUE DEIXAM REGULAMENTOS


O PREÇO DE MERCADO SEGREDOS INDUSTRIAIS
ACIMA DO NATURAL INFORMAÇÃO FALHA

Além da possibilidade de uma norma poder sustentar o


preço de mercado acima do preço natural indefinidamente, carac-
terizando uma condição monopolística, há mais uma circunstância
que justifica essa situação: a propriedade de recursos naturais
especiais. Para Smith, na maior parte das vezes, monopólios só
persistem amparados por regulamento oficial, pois o mercado
encontra formas de concorrência.
A condição da propriedade de recursos naturais exclusivos
tenderia a formar mais comumente oligopólios. São exemplos des-
sa última circunstância terras que devido a suas condições climá-
ticas geram tipos muito específicos de vinho, ou algum outro pro-
duto, como o café Kopi Luwak, que precisa passar por um ciclo
particular em um certo tipo de floresta de características específi-
cas e a presença de uma espécie de animal para chegar à sua for-
ma final.
Se há consumidores que pagam por diferenciais especiais, o
preço de mercado continua acima do necessário para cobrir os
custos da produção por um período indefinido, mas a busca cons-
tante dos agentes por oportunidades pode encontrar alternativas
até nesses casos, contornando as imposições naturais com adapta-
ções e uso de avanços tecnológicos, tornando possível produção
de vinhos similares em regiões diferentes das tradicionais (como

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 92

o vale de São Francisco) e a reprodução de todo ciclo produtivo do


café kopi luwak em alguns lugares como o Brasil60.
Nos capítulos 8, 9 e 10 Smith vai se dedicar a examinar
tendências da remuneração dos fatores, o que torna interessante a
comparação com as tendências estipuladas por Ricardo em sua
teoria da distribuição da renda. Para Smith, os trabalhadores estão
em desvantagem no longo prazo devido ao excesso de oferta, mas
o mercado providencia um salário para sobrevivência, e os outros
dois fatores tenderiam a ser remunerados pela menor taxa possí-
vel, mantida a ordem natural, a concorrência.
Do ponto de vista de Smith, o mercado tende a maximizar a
alocação dos fatores, gerando uma situação sustentável de produ-
ção de longo-prazo, com harmonia e abundância produtiva, no que
Ricardo é mais feliz em sua consideração acerca da destruição dos
recursos naturais no longo prazo. Sem dúvida há um otimismo
não podado por desmembramentos posteriores do capitalismo,
identificados por Ricardo, mas há em ambos uma subestimação
dos movimentos de concentração e centralização do capital, que
levou ao domínio do capital, produtivo e principalmente financei-
ro, e consequente aumento de suas remunerações, algo que só
Marx vai explorar.

2.5. Questionário síntese

FISIOCRATAS:

1- Quais são os principais fisiocratas?

60No Espírito Santo se produz um café similar, envolvendo um pássaro na pro-


dução, ao invés da civeta (mamífero carnívoro) originalmente adotada nas ilhas
de Sumatra (ver ‘Café Jacu: o café exótico mais caro do Brasil!’ em <
https://reviewcafe.com.br/dicas-e-receitas/cafe-jacu/>).
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 93

2- Qual o contexto econômico e político em que surgiu a fisiocra-


cia?
3 - O que é ordem natural para Quesnay?
4- O que é produto líquido?
5- O que são e quais são os adiantamentos propostos por Ques-
nay?
6- Quais são as categorias de preço de acordo com Quesnay?
7- Quais devem ser as funções dos agricultores na economia?
8- Quais devem ser as funções dos proprietários de terra?
9- Quais devem ser as funções do Estado na economia?
10- Qual é a concepção de valor dos fisiocratas?
11- Explique o quadro econômico.

SMITH:

1- Qual é a razão do crescimento econômico?


2- Quais são as circunstâncias que levam à divisão do trabalho?
3- Qual é o princípio da divisão do trabalho?
4- Quais as características de uma economia baseada no meio ur-
bano?
5- Quais as características de uma economia baseada no meio ru-
ral?
6- Como o setor externo pode afetar o crescimento econômico?
7- Explique a origem do dinheiro.
8- Porque algumas mercadorias se adequam melhor à função de
meio de troca?
9- O que diferencia a concepção de valor de Smith para seus ante-
cessores?
10- Quais são as diferenças do valor de troca para o valor de uso?

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 94

11- Que trabalhos produzem os valores de uso e de troca? Expli-


que.
12- O que são: preço real e preço nominal?
13- Quais são os inconvenientes do dinheiro enquanto referência
de valor?
14- Qual é a melhor medida de valor?
15- O que são: preço natural e preço de mercado?
16- Como explicar o equilíbrio do mercado?
17- Explique a mão invisível.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 95

3. AS CONTRIBUIÇÕES DE RICARDO

A ciência econômica inaugura nova fase com Ricardo. Após


a obra fundadora de Smith, expondo o funcionamento do mercado
e dissertando sobre as condições para seu desenvolvimento, surge
uma teoria de objetivo e método distintos, envolvendo alto nível
de abstração com premissas hipotéticas, que resultou em um pri-
meiro modelo teórico, que viria a ser referencial para as teoriza-
ções contemporâneas do mainstream econômico. Ricardo parte do
arcabouço inicial deixado por Smith, para construir outra teoria
que o leva a algumas conclusões diferentes. Mesmo com sua obra
tendo reconhecimento acadêmico posterior, acabou sofrendo crí-
ticas pertinentes e profundas, que são registradas aqui mais adi-
ante.
David Ricardo foi um financista inglês bem sucedido que
também gostava de acompanhar o debate acadêmico, e assim co-
meçou a dedicar-se cada vez mais à discussão das ideias econômi-
cas. É no seu terceiro livro, intitulado Princípios de economia polí-
tica e tributação, que suas teorias alcançam o ápice, lá estando
suas contribuições mais reconhecidas.
Aqui serão destacadas as três mais relevantes teorias ri-
cardianas: da ocupação da terra, da distribuição da renda e do
comércio internacional. Apesar da importância de suas concep-
ções, é interessante destacar a reconhecida inibição do aludido
autor para expor as suas ideias, sendo fundamental a intervenção
de seus amigos economistas mais próximos para que ele publicas-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 96

se seus trabalhos, e entre esses, Mill é tido como o mais decisivo,


até pelos artigos elogiosos em relação aos trabalhos de Ricardo61.

3.1. Breve contexto histórico e algumas questões


metodológicas

No que diz respeito ao contexto histórico em que Ricardo


desenvolveu suas ideias, pode-se dizer que Ricardo esteve atento
às mudanças acontecidas ao longo dos 40 anos que se passaram
desde a publicação da obra fundadora da economia de Smith até a
publicação de seus Princípios de economia política e tributação
(1817). A proeminente economia de mercado inglesa continuava
principalmente têxtil, mas já tinha se expandido a um ponto em
que a produção rural local se mostrava insuficiente para abastecê-
la, e em decorrência disso, os preços dos produtos agrícolas come-
çaram a aumentar sistematicamente.
O poder político dos agricultores e uma concepção proteci-
onista dos parlamentares contribuiu decisivamente para a apro-
vação na câmara de leis (as ‘corn laws’) que instituíram tarifas
para os produtos agrícolas importados. Outro aspecto importante
que também contribuiu com o aumento dos preços nessa época é
ressaltado por Singer (in Ricardo, 1982, XIV):

“a partir de 1792 a Grã-Bretanha se viu envolvida


numa série quase contínua de guerras, nas quais
ela integrava diversas coligações dirigidas contra
a França revolucionária. (...) desempenhava não
só o papel de principal potência naval, mas tam-
bém o de financiadora de seus aliados... o que
acabou por suscitar problemas monetários.”

61 Como relata Sraffa na introdução a Ricardo (1982).

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 97

Hugon, por sua vez, (1995,122) ressalta que

“para poder competir nos mercados exteriores,


necessário seria às indústrias britânicas reduzir o
preço de venda e, portanto, o custo de produção.
Ora, esse custo de produção dificilmente poderia
ser comprimido em virtude do elevado custo de
vida na Inglaterra.”

O cenário econômico no Reino Unido, portanto, já não era


tão favorável quanto nos anos iniciais da revolução industrial. A
indústria local enfrentava, de um lado, a alta dos preços agrícolas
e do custo de vida, que veio com a elevada migração e ocupação
dos grandes centros, e de outro, enfrentava o surgimento e inten-
sificação da concorrência internacional na medida em que outros
países, em particular suas ex-colônias (principalmente os E.U.A.),
começavam a se industrializar.
Esse contexto histórico se reflete nas concepções ricardia-
nas, em especial na sua teoria da ocupação das terras, que vai ser
a base para a teoria da distribuição das rendas. Quando Smith dis-
cute no capítulo 3 da Riqueza das nações os fatores que fazem com
que uma economia de mercado cresça mais em alguns espaços do
que outros, ele coloca que qualquer lugar começa a ser ocupado
pelo litoral, basicamente porque essa área facilita a possibilidade
do comércio externo. Ricardo vai discordar dessa explicação, sim-
ples e bastante razoável, para propor uma outra teoria para a
ocupação da terra que vai ser o fundamento de sua concepção do
processo de crescimento econômico que leva à estagnação no lon-
go prazo.
Embora o momento histórico seja referencial para Ricardo,
há desprezo por ele, sendo a realidade explicada por hipóteses
atemporais e universais acerca da racionalidade humana, especi-
almente no campo econômico. Os dados do contexto histórico re-
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 98

cente são suas fontes de observação, mas a compreensão desses é


obtida por uma combinação de hipóteses articuladas que permi-
tem deduzir o desenrolar dos acontecimentos. O processo é ima-
ginado, não ilustrado como em Smith, e daí surge uma visão de
longo prazo negativa que subestima elementos históricos diver-
sos, humanos e técnicos, porém com o mérito de incorporar ao
modelo a possibilidade limítrofe da exaustão dos recursos natu-
rais.
O maior suporte metodológico ricardiano é a dedução hipo-
tética, que o leva a ser reconhecido como o pai da economia neo-
clássica. Nesse sentido, ele se distancia das evidências concretas,
pouco recorre à evolução das economias, e se a realidade não é
exatamente como a teoria coloca, seria por causa de sua comple-
xidade, mas sua essência corresponderia ao modelo abstrato
enunciado.

3.2. A crítica à teoria do valor e o processo de ocupação


das terras

O livro Princípios de economia política e tributação é inicia-


do com uma crítica à teoria do valor proposta por Smith, que é
exposta de forma destacada antes de entrar nas teorizações men-
cionadas:
“O valor de uma mercadoria, ou a quantidade de
qualquer outra pela qual pode ser trocada, de-
pende da quantidade relativa de trabalho neces-
sário para sua produção, e não da maior ou me-
nor remuneração que é paga por esse trabalho”
(Ricardo, 1982, 43)

O autor afirma que Smith usa o trabalho, o salário e o trigo


como medidas-padrão, mas isso estaria errado porque “a primeira

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 99

é, (...), um padrão invariável, que mostra corretamente o valor das


coisas. A segunda é sujeita a tantas variações quanto as mercado-
rias que a ela sejam comparadas.” (Idem, 1982, 45). A observação
é explicada pela desigualdade entre o salário pago aos trabalhado-
res, que é fixo e atende basicamente às condições de subsistência,
e a variação da produtividade do trabalho no processo de traba-
lho, que acontece em virtude de maior ou menor produção efetua-
da. A intensificação da produção pode ser absoluta, usando exa-
tamente a mesma estrutura de produção, ou relativa, quando ad-
vém de introdução de novos equipamentos, mais independente-
mente disso, o resultado é mais trabalho por um mesmo valor pa-
go por ele, de forma que se dissociam.
Esta correção efetuada por Ricardo tem implicações e a
principal é que “não pode haver um aumento no valor do trabalho
sem uma diminuição nos lucros” (Ricardo, 1982, 55). De uma for-
ma geral, isto já está em Smith quando esse enuncia as remunera-
ções dos fatores, se for suposto o preço final e a renda da terra
fixos, mas o ponto adicional colocado na crítica atinge um detalhe
que lhe passou despercebido.
Dada uma massa de salários fixos (que é o preço do traba-
lho) o capitalista se beneficia diretamente da intensificação da
produção, que faz variar o valor do trabalho para baixo. Smith não
desenvolve a situação proposta por Ricardo, para ele o salário é
sempre reflexo do valor do trabalho, enquanto o segundo vê que
esses se separam, dando margem a uma teoria da exploração na
medida em que o capital invade a remuneração do trabalhador,
mas isto ele não alcança. A partir daí, Ricardo constata que exis-
tem capitais circulante e fixo e que há capitais que giram mais ra-
pidamente que outros, inviabilizando a afirmação smithiana de
que a taxa de lucro depende exclusivamente do volume do capital,
pois também tem que ser considerado o tempo de rotação do capi-
tal.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 100

Para Ricardo, qualquer ação econômica segue o critério


econômico crucial, o do custo-benefício, de forma que, mais do
que a proximidade com os portos, os produtores escolhem lugares
em função da disponibilidade dos recursos a serem utilizados no
processo produtivo, para conseguir produzir ao menor custo pos-
sível, logo, se tenho capital e trabalhadores, o que determina a
decisão acerca do lugar para se instalar é a produtividade da terra.
É interessante a ênfase do autor analisado na produtivida-
de, no elemento custo dos fatores, porque as terras mais próximas
do litoral e dos grandes centros tinham um bom custo-benefício
devido à proximidade com a cidade e com o porto (diminuindo os
custos de transporte), mas teria que ser investigado se terras de
outras localidades não seriam mais produtivas para confirmar a
hipótese.
A explicação ricardiana para a ocupação das terras parte de
um exercício de abstração, cujo objetivo é a busca de essência,
abstrata, de uma realidade concreta. A situação proposta é uma
população fundando uma nova sociedade em um lugar por ela
descoberto, no qual pretende iniciar uma economia de mercado,
produzindo apenas uma mercadoria básica no setor agrícola para
a subsistência sem melhorias técnicas62.
Tomando o critério econômico como norteador da ocupa-
ção, as primeiras pessoas que desembarcam e fundam um novo
país vão ocupar primeiro as terras mais produtivas do lugar, e aí,
novamente deve-se imaginar uma divisão entre lotes mais ou me-
nos de mesmo tamanho, que foram previamente divididos de
acordo com níveis de produtividade, após pesquisa por todo lugar
acerca das condições de produtividade de cada pedaço de terra.
O grupo inicial se instala e começa a produzir uma produ-
ção Q1 ao custo L1 (remuneração do produtor) mais W1 (salários

62 Simplificação para facilitar a exposição.


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 101

pagos), ao que corresponde um preço P1. Segundo o autor, não há


renda da terra nesse primeiro lote porque as terras apenas nesse
momento são livres. É óbvio que os processos de ocupação não
são tão organizados assim, mas Ricardo acredita que deveriam ser
algo mais ou menos próximos disso, uma vez que as pessoas se
norteiam pela racionalidade econômica.
O segundo momento acontece quando a população aumen-
ta a ponto do primeiro lote não ser suficiente para atender às ne-
cessidades da sociedade, forçando a ocupação de mais um lote, o
L2, que, de acordo com a lógica ricardiana, será o segundo lote
mais produtivo, ou, alternativamente, o lote mais produtivo entre
os disponíveis. Neste segundo lote, a produção Q2 será menor por
fator, já que os trabalhadores não conseguem extrair dali o volu-
me produzido no L1, então o custo total aumenta por causa da
menor produtividade da terra, dados L e W constantes: surgirá um
P2 > P1.
Se as remunerações dos fatores de produção se mantêm, os
produtores das terras do L2 produzem uma mercadoria mais cara
que o do L1, o que não pode persistir, pois não podem conviver
dois preços para uma mesma mercadoria em um mesmo mercado,
de forma que um ajuste tem de acontecer, e esse ajuste não será
ao nível de P1, pois com esse não se gera renda suficiente para
pagar as remunerações (os custos) dos fatores necessários para
produção no lote 2.
De acordo com Ricardo, o que se sucede é que os recursos
mais produtivos são observados e disputados, fazendo com que o
ajuste se dê pela adoção de uma renda para as terras no L1, decor-
rente da preferência geral pelos lotes mais produtivos, igualando
o P1 ao P2. A maior produtividade da terra no L1 será recompen-
sada pelo mercado, que prefere um recurso mais produtivo e paga
por isso, e, se só há um preço por item num mercado de livre con-
corrência, o preço aumentará com a incorporação de um novo lo-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 102

te, com a entrada de mais uma remuneração de fator; a terra. Ri-


cardo observa duas coisas ao mesmo tempo: a elevação dos custos
e o mecanismo da concorrência para justificar essa dinâmica con-
trária ao colocado por Smith em seus escritos, que vê tendência de
redução dos preços com a dinâmica do mercado no longo prazo.
Este processo deve se repetir quando da incorporação de
mais um lote na economia, o que só vai acontecer em razão do
crescimento populacional, elemento importante naquela época, e
por muito tempo, até que se verificou mais recentemente uma
redução expressiva nesse indicador, acontecendo até queda da
população em alguns países mais desenvolvidos63.
O alto crescimento da população forçava a preocupação so-
cial em torno do crescimento econômico, explorado por Smith,
mas outros autores (como Malthus) não acreditavam no êxito do
mercado em atender à demanda, pois argumentavam que num
mesmo intervalo de tempo a tecnologia disponível só seria sufici-
ente para aumentar a produção de forma aritmética enquanto a
população cresceria em proporções geométricas. Ricardo procu-
rou explicar como a produção se adequa ao crescimento populaci-
onal, levando em conta a ocupação progressiva dos recursos dis-
poníveis e sua exploração racional.
Generalizando, Ricardo acredita que o mercado sempre vai
aproveitar primeiro os recursos mais produtivos, os remunerando
de acordo com sua produtividade, e assim, os rendimentos são
decrescentes com o aumento da produção. Considerando a eco-
nomia como um todo, toda vez que um fator for acrescentado à
produção, há um acréscimo de produção, mas sempre em propor-

63A população mundial cresceu bem menos nos últimos 50 anos, e particular-
mente nos países mais desenvolvidos os incrementos demográficos reduziram
a ponto de, em alguns casos, estabilizar o total computado, e em outros, cair a
população em termos absolutos (ver Eurostat, 2021), fazendo os governos ado-
tarem políticas de estímulo à imigração ou ao aumento no número de filhos
pelas famílias.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 103

ção inferior em relação à produção incorporada pelo penúltimo


fator contratado, o que resulta em elevação gradativa e contínua
de preços ao longo do tempo. Esta é a lei dos rendimentos decres-
centes (LRD).

O AUMENTO DA PRODUÇÃO VEM COM


QUEDA NA PRODUTIVIDADE DOS FATORES

A LRD é responsável pela conclusão pessimista do autor


em relação à tendência de longo prazo para as economias de mer-
cado, pois os acréscimos produtivos tendem a uma redução cons-
tante até a estagnação, com crescimento paralelo no nível dos pre-
ços. Na realidade concreta pode existir alguma quantidade de fa-
tores com produtividade igual, como as terras de cada lote, só que
uma hora a heterogeneidade dos fatores aparece e surge a neces-
sidade de absorver um fator menos produtivo.

3.3. A teoria da distribuição de renda

Uma vez desvendada a lógica do processo de ocupação das


terras, Ricardo segue em direção ao seu objetivo principal: enten-
der a tendência da distribuição da renda no longo prazo. O próprio
autor anuncia no prefácio de sua obra que

“Determinar as leis que regulam essa distribuição


é a principal questão da economia política: embo-
ra esta ciência tenha progredido muito com as
obras de Turgot, Stuart, Smith, Say, Sismondi e
tantos outros, eles trouxeram muito pouca infor-
mação satisfatória a respeito da trajetória natural
da renda, do lucro e do salário”.
(Ricardo, 1982, 39)

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 104

O processo de ocupação das terras determina uma neces-


sária elevação da renda da terra como corolário natural do apro-
veitamento progressivo de terras menos férteis, sendo essa a vari-
ável chave para compreensão das demais tendências de longo
prazo. Se a renda da terra tende a subir, o lucro por sua vez tende
a cair por ficar pressionado entre o aumento dos custos e o preço
de venda, que acontece num mercado competitivo e não dá espaço
para repasse de custos. Ricardo anuncia:

“... em qualquer caso, pois, tanto os lucros dos ar-


rendatários como os dos industriais serão redu-
zidos por uma elevação no preço dos produtos
agrícolas, se esta for seguida de um aumento de
salários”. (Ricardo, 1982, 94)

Para o autor em questão, as condições dos segmentos soci-


oeconômicos são distintas ao longo de um processo de crescimen-
to econômico provocado pelo crescimento populacional. Os pro-
prietários de terras detêm condição privilegiada no campo porque
têm o fator fundamental para produção, os recursos naturais, as
mercadorias básicas para abastecimento da sociedade vêm de lá,
enquanto os industriais não teriam força para repassar custo por-
que o mercado tem concorrência e alternativas para o consumidor
final.
Mesmo analisando o argumento de Ricardo em seu devido
contexto histórico, nota-se que o autor subestima o poder de bar-
ganha do capital industrial, abrindo apenas para a possibilidade
de inovações tecnológicas virem a diminuir o problema, ainda que
provisoriamente:

“... essa tendência, como se os lucros obedeces-


sem à lei da gravidade, é felizmente contida, a in-
tervalos que se repetem, pelos aperfeiçoamentos
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 105

das maquinarias usadas na produção dos gêneros


de primeira necessidade, assim como pelas des-
cobertas da ciência da agricultura...”
(Ricardo, 1982, 97)

Tratar-se-ia, segundo o autor, de uma tendência inexorável


que levaria a um equilíbrio custoso no mercado, com fechamento
de empresas regularmente, pelo desestímulo à atividade fabril que
a redução do lucro efetivamente representa, além do que, também
faz desestimular avanços tecnológicos fomentados por investi-
mento das empresas.
Os salários, por fim, devem se elevar com o aumento dos
preços para se manterem em termos reais e sustentar a força de
trabalho em ação, lembrando sempre que, no sistema ricardiano, a
produção aumenta como resposta (e proporcionalmente) ao cres-
cimento populacional, de forma que não há excedente populacio-
nal para regular (baixar no caso) os salários.
Os trabalhadores precisam ser remunerados para que a
produção demandada pela sociedade continue, mas o próprio au-
tor admite que a condição de barganha dos trabalhadores não é
tão boa quanto a dos proprietários de terras, e aí: “... os salários
monetários subirão, mas não o bastante para permitir que o traba-
lhador compre tantos gêneros de primeira necessidade... como
acontecia antes de aumentarem os preços das mercadorias” (Ri-
cardo, 1982, 85).
Se a hipótese do crescimento da produção como proporção
direta dos aumentos populacionais for relaxada, teríamos uma
aproximação com a realidade, pois há muitas sociedades em que o
contingente populacional já era substancial no início da ocupação
das terras ou antes que qualquer revolução industrial ocorresse,
de maneira que o ajuste acontece por este fator, apenas pela não
correção do salário nominal: à medida que os preços sobem, os

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 106

trabalhadores sem reajustes salariais vão perdendo poder aquisi-


tivo. O excesso de oferta de trabalho é uma situação comum e,
predominando as forças de mercado, de qualquer maneira, os sa-
lários tenderiam a cair em termos reais.

DISTRIBUIÇÃO DA RENDA: RENDA DA TERRA


LUCROS E SALÁRIO REAL

Considerando toda essa dinâmica, o resultado final é uma


tendência à estagnação econômica com inflação, em que apenas os
proprietários de recursos naturais têm reajustadas suas remune-
rações, acompanhando plenamente a elevação dos preços, até
porque elas são a causa do processo inflacionário. Esse cenário de
longo prazo inicialmente foi designado por Ricardo como ‘estado
estacionário’, mas também pode ser denominado alternativamen-
te de ‘estagflação’, que é a combinação/convivência da estagnação
econômica com inflação, uma previsão pessimista que diverge de
Smith e sua promessa de que o capitalismo propicia a riqueza das
nações e permite a todos entrarem num ciclo de crescimento eco-
nômico e distribuição de renda, se seguirem as leis do mercado.
Como foi adiantado no princípio do capítulo, porém, pode-
se questionar o modelo ricardiano em alguns pontos cruciais. Sua
concepção racional de ocupação das terras, base da teoria da dis-
tribuição de renda, sofre críticas de Carey, que inverte a lógica
Ricardiana, apontando o início da ocupação pelas terras menos
produtivas, por exigirem menos esforço no desbravamento (nas
mais férteis a vegetação se desenvolve mais) e por questões de
segurança, por se situarem geralmente em elevações (Hugon,
1995, 126).
Interpretações alternativas, como a de Carey e a de Smith,
mostram que o percurso da ocupação das terras pode ser diferen-
te do defendido por Ricardo, o que reverteria a tendência ao au-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 107

mento da renda da terra e à alta dos preços. Além disso, sua pre-
missa de contínuo crescimento demográfico se mostrou desatuali-
zada, os capitais cresceram e se concentraram, restringindo os
mecanismos concorrenciais com força suficiente para fixar preços,
sendo pouco afetados por aumentos de preços de mercadorias
primárias.

3.4. A teoria do comércio internacional

A tendência de longo prazo da distribuição da renda levou


o autor estudado a defender uma política econômica específica
para a importação de gêneros primários. Se o maior problema das
economias desenvolvidas eram os preços dos produtos agrícolas,
a melhor forma de reverter a situação desfavorável seria imple-
mentar uma política tarifária diferenciada para a importação des-
sas mercadorias estratégicas, diminuindo os tributos, pois assim
se pressionaria os proprietários locais a cobrarem menores alu-
guéis pela terra.
Até que ponto uma política de redução de impostos para
matérias-primas resolveria o problema, dependeria do nível de
ocupação das terras no planeta como um todo, pois se existirem
muitas terras ainda inexploradas na forma de uma fronteira agrí-
cola em aberto, o problema ficará adiado por muito tempo e as
tarifas seriam eficazes, mas se restarem poucas terras para serem
exploradas, pouco resultado terá a política tarifária. Evidentemen-
te, trata-se de medida paliativa, que apenas adia o problema, se
não houver outra força para contorná-lo.
Em última instância, Ricardo desenvolveu um tema que
remete à atualidade, o ponto da exaustão dos recursos disponí-
veis, algo que tem dado sinais só mais recentemente, e que tem
levado a mudanças de parâmetro na exploração produtiva por
todo mundo. Ele também observou que a possibilidade do comér-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 108

cio internacional para aproveitar melhor os potenciais produtivos


de cada país é outra via para obter ganhos de produção, ameni-
zando o problema. Pouco explorada por Smith, sua teorização foi a
primeira nessa área, e também foi marco para o desenvolvimento
da economia internacional na escola neoclássica.
Nesse ponto, como na maior parte de sua obra, o início da
argumentação de Ricardo aproveita a concepção de Smith, deno-
minada de teoria das vantagens absolutas. Pelo princípio das van-
tagens absolutas, toda nação ganha com o comércio internacional
ao se especializar nos produtos em que é mais competitiva inter-
nacionalmente, considerando a maior produtividade dos fatores
(que se reflete em menores custos de produção). Assim, a nação
poderá ceder na produção de algumas mercadorias em que não é
tão produtiva na comparação internacional, para voltar a obtê-las,
em maior número, com as vendas daquela em que é mais eficiente
produtivamente.

VANTAGEM ABSOLUTA:

O PAÍS SE ESPECIALIZA NAQUILO EM QUE É MAIS


PRODUTIVO QUE OS DEMAIS PAÍSES

Ricardo ilustra os ganhos com exemplos em termos de


quantidade de horas trabalhadas, e nesse caso, quanto menos ho-
ras de trabalho para se produzir certa quantidade de uma merca-
doria, mais produtivo é o país. Tomando um intervalo de tempo
fixo e os recursos disponíveis numa área H, se um país hipotético
A pode produzir X toneladas de trigo com 1.000 horas de trabalho,
enquanto um país B precisa de 700 horas para produzir a mesma
quantidade, e, de outro lado, o país A consegue produzir Z tonela-
das de arroz com 800 horas de trabalho, enquanto B precisa de
1.100 horas para produzir a mesma quantidade de arroz. Esta é

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 109

uma situação típica de potencial ganho com o princípio das vanta-


gens absolutas, pois cada país é mais produtivo em um produto
diferente do outro. Se cada país se especializar no que for mais
produtivo, vai haver um ganho de produção obtido por meio do
comércio internacional (bilateral, no caso). Colocando os dados na
tabela a seguir:

Quadro 1
PAÍSES HIPOTÉTICOS SEM COMÉRCIO INTERNACIONAL
País A País B
X toneladas de trigo 1.000 horas de 700 horas de
trabalho trabalho
Z toneladas de arroz 800 horas de 1.100 horas de
trabalho trabalho

Ao se especializarem naquilo em que são mais produtivos,


os países dobrarão a produção64 para ficar com a metade e trocar
a outra metade com o parceiro comercial, sobrando algumas horas
para produção extra. O primeiro país terá à sua disposição 200
horas de trabalho poupadas, pois precisava de 1.800 horas para
produzir X de trigo e Z de arroz, e agora com 1.600 horas na pro-
dução de arroz (2Z) consegue esses mesmos valores com o co-
mércio internacional, e o segundo país ganha ainda mais horas de
trabalho, 400, já que anteriormente usava 1.800 horas para culti-
var as quantidades dos grãos especificados e agora com 1.400 ho-
ras apenas na produção de trigo (2X) atinge os mesmos montan-
tes fixados.
Este ganho pode ser calculado também diretamente em
quantidades produzidas, relegando a premissa clássica das horas

64Há o suposto de que cada país divide igualmente os recursos usados entre a
produção das duas mercadorias envolvidas, de maneira que ao aplicar todos
recursos na produção de um ítem, duplicará a produção deste.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 110

de trabalho a segundo plano. Se para verificar os ganhos em ter-


mos de horas de trabalho se considerava a produção fixa, agora
inverte-se e considera-se a quantidade de horas trabalhadas fixa,
como os demais fatores, para verificar a produção, variável, obtida
com ela nos países. Isso foi feito pelos neoclássicos ao atualizar a
exposição da teoria ricardiana do comércio internacional para os
manuais modernos de economia, coerentemente com a substitui-
ção da teoria do valor trabalho pela teoria do valor utilidade, e
assim prosseguiremos exemplificando dessa forma.
Supondo que o Brasil, dividindo uma certa dotação de mão
de obra e uma certa quantidade de terras igualmente entre apenas
2 culturas, produzisse 20 toneladas de café e 20 toneladas de trigo
em um certo espaço de tempo, ao passo que os Estados Unidos da
América (EUA) nesse mesmo intervalo temporal e com a mesma
dotação de fatores conseguisse produzir 10 toneladas de café e 30
toneladas de trigo, teríamos caracterizado novamente um cenário
de potencial ganho com o comércio internacional advindo do
princípio das vantagens absolutas. Veja no quadro:

Quadro 2
PRODUÇÃO DE CAFÉ E TRIGO DOS PAÍSES SEM COMÉRCIO
Brasil EUA
Café 20 ton. 10 ton.
Trigo 20 ton. 30 ton.

As quantidades produzidas mostram que o Brasil consegue


uma produção de café maior que a dos EUA com a dotação de fato-
res estipulada (20T contra 10T), então possui vantagem absoluta
neste grão, enquanto os EUA conseguem produzir mais trigo que o
Brasil (30T contra 20T), e neste item ele é que tem vantagem ab-
soluta. Se os países querem obter os ganhos do comércio interna-
cional, devem abrir mão da mercadoria em que é menos produtivo

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 111

e se especializar na que é mais produtivo, para que a produção


extra seja trocada pela mercadoria que o outro se especializou65. O
quadro a seguir mostra como fica a produção de cada país com a
especialização.

Quadro 3
PRODUÇÃO DE CAFÉ E TRIGO DOS PAÍSES COM ESPECIALIZAÇÃO
Brasil EUA
Café 40 ton. 0
Trigo 0 60 ton.

A hipótese da duplicação produtiva traz implícita a homo-


geneidade na qualidade dos fatores, uma simplificação em torno
do resultado que os países têm quando dispõem do dobro de re-
cursos para produzir algo, pois na realidade, a conversão dos re-
cursos de uma produção para outra muitas vezes não é um pro-
cesso linear em função da heterogeneidade dos fatores, que resul-
ta em diferenças na produtividade dos fatores ao mudar sua alo-
cação produtiva. Trabalhadores tradicionalmente empregados
numa cultura podem demorar um pouco até assimilar técnicas de
outra cultura agrícola, bem como as terras dificilmente serão per-
feitamente adaptadas.
Continuando o exemplo, uma vez especializados e com a
produção duplicada, cada país fica com a metade (outra hipótese
simplificadora, pois poderiam decidir outra proporção) e troca o
restante, a outra metade da produção, com seu parceiro comercial,
no caso, o Brasil oferece 20 ton. de café em troca de 30 ton. de tri-

65A hipótese de Ricardo de abrir mão da produção de um item é para verificar o


ganho máximo com o comércio internacional, mas o país pode escolher ficar
produzindo algum volume da mercadoria em que é menos produtivo, por moti-
vos estratégicos, por exemplo, para não ficar na dependência de produtores
estrangeiros.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 112

go, o que foi previamente acertado com os EUA. Concluindo as


transações comerciais temos o seguinte quadro:

Quadro 4
QUANTIDADES DE CAFÉ E TRIGO DE CADA PAÍS APÓS COMÉRCIO
Brasil EUA
Café 20 ton. 20 ton.
Trigo 30 ton. 30 ton.

Após as trocas das mercadorias, cada país dispõe de 50


toneladas de grãos, ao invés das 40 toneladas que conseguiam
isolados, e mais especificamente em relação à situação inicial de
cada um66, o Brasil tem um ganho de 10 toneladas de trigo e os
EUA têm um ganho de 10 toneladas de café. Já dizia Smith que a
interdependência pode ser melhor que o isolamento, na medida
em que se aproveita o melhor de cada fator, já que a regra é que
alguns são melhores na produção de algumas mercadorias e ou-
tros em outras mercadorias.
Ricardo, no entanto, vai ainda mais longe e advoga benefí-
cios com o comércio internacional mesmo quando um país tem
vantagem absoluta em todas mercadorias envolvidas e o outro,
consequentemente, não tem vantagem absoluta em nenhuma des-
sas mercadorias. Isto é a essência da teoria das vantagens relati-
vas67; que será exposta a partir de agora.
A possibilidade do ganho, mesmo sem nenhuma vantagem
absoluta por parte de um dos países envolvidos, pode ser compre-
endida inicialmente por um exemplo/dilema microeconômico: o
caso de um profissional que progride e decide contratar um auxi-
liar, mas não consegue recrutar alguém tão produtivo quanto ele
próprio. Ele contratará esse funcionário? Detalhando a questão,

66 Comparando o quadro 4 com o quadro 2.


67 Alguns manuais a denominam de vantagem comparativa.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 113

um profissional qualquer recém-formado, um odontólogo, por


exemplo, que começa a atuar profissionalmente, no princípio não
precisa de ajuda, até pela relativa escassez de pacientes, e realiza,
além de suas atribuições como dentista, todas atividades comple-
mentares necessárias para sua atuação, como receber clientes,
preencher fichas e outras.
Ocorre que o profissional, com seu progressivo reconheci-
mento no mercado, vem conseguindo aumentar a clientela e com
ela o volume de trabalho se eleva, até o ponto em que ele não su-
porta o trabalho excessivo e resolve contratar um assistente, co-
mo secretário(a), para dividir as atividades. Divulgado no merca-
do a oferta de trabalho, o odontólogo ricardiano decide contratar
aquele que for mais produtivo em um teste de digitação entre os
vários candidatos que se interessaram pelo emprego, contudo,
concluídos os trabalhos, o resultado final dos testes indicou que
nenhum candidato conseguiu atingir a produtividade do dentista.
Abstraindo a decepção do protagonista, ele tomará que decisão?
Aprova o mais produtivo, ainda que esse seja menos produtivo
que ele próprio ou não contrata ninguém, já que ele é melhor que
o que se saiu melhor no teste?
Aparentemente não seria vantagem a contratação de um
secretário(a) nessa situação, mas esta seria uma resposta smithi-
ana, pois estaria baseada no princípio da vantagem absoluta, ima-
ginando que vai ter prejuízo dividindo o trabalho com uma pessoa
menos produtiva, mas como o dentista supracitado é ricardiano,
raciocina pela lógica da vantagem relativa, enxergando que as
atribuições são distintas e sua qualificação confere uma remune-
ração tal que compensa dividir o trabalho menos qualificado com
alguém mais compatível com essas atribuições, que conferem re-
muneração menor que a sua. Assim ele poderá se dedicar apenas
ao trabalho mais qualificado, que diz respeito à sua formação pro-
fissional, absorver mais clientes e, consequentemente, ganhar

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 114

mais ainda, permitindo pagar o assistente e mesmo assim ter mais


renda que antes.
O odontólogo hipotético pode ter vantagem absoluta em
todas atividades referentes ao atendimento de um cliente que
procura por alguém para cuidar de seus dentes, incluindo recebê-
lo, preencher sua ficha, etc, mas mesmo assim vai contratar um
auxiliar quando a clientela aumentar porque ele (o dentista) tem
vantagem relativa nas atribuições mais específicas do ofício (na
realização de obturações, pontes, etc.), onde pode focar e obter
ganho terceirizando as atribuições mais gerais, complementares e
necessárias à realização da atividade final. O mesmo princípio po-
de ser aplicado macroeconomicamente, e foi o que Ricardo fez,
dando maior alcance às vantagens da divisão do trabalho e ampli-
ando as possibilidades de comércio internacional.
Supondo que, num mesmo espaço de tempo e com uma
mesma dotação de fatores, a Argentina produz 40 toneladas de
soja e 10 toneladas de milho e o Brasil produz 60 toneladas de
soja e 30 toneladas de milho, nos deparamos com valores que in-
dicam um caso de vantagem absoluta do Brasil em ambas merca-
dorias mencionadas, restando testar se há ganho com a aplicação
do princípio das vantagens relativas. Devemos iniciar a resolução
do problema indagando em que cada país possui vantagem relati-
va. Essa questão deve ser respondida raciocinando no sentido de
obter sempre a maior eficiência produtiva possível, posto que a
teoria só trabalha com variáveis reais e ignora as potencialmente
artificiais (preços).
Quadro 5
PRODUÇÃO DE SOJA E MILHO NO BRASIL
E NA ARGENTINA SEM COMÉRCIO
Brasil Argentina
Soja 60 ton. 40 ton.
Milho 30 ton. 10 ton.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 115

A resposta é obtida pelo parâmetro relativo e não absoluto,


com a comparação internacional por mercadoria: a mercadoria
que tiver maior quantidade produzida relativamente ao outro país
é a que o Brasil tem vantagem relativa, enquanto a Argentina tem
vantagem relativa na outra mercadoria. No exemplo, o Brasil pro-
duz 1,5 vezes mais soja e 3 vezes mais milho que a Argentina, con-
sequentemente sua vantagem relativa é no item milho. Observe
que o Brasil produz maiores volumes de soja (60 t) que de milho,
mas não é o montante absoluto que interessa aqui. Definida a
mercadoria que cada um se especializa, temos o seguinte quadro:

Quadro 6
PRODUÇÃO DOS PAÍSES COM ESPECIALIZAÇÃO
Brasil Argentina
Soja 0 80 ton.
Milho 60 ton. 0

O próximo passo são as trocas, só que aqui não podemos


simplesmente trocar os excedentes, temos que chegar a um termo
de troca adequado para os dois países em questão e para isso te-
mos que saber o que compensa para cada um dos países no co-
mércio internacional através do custo interno do produto em que
o país vai se especializar em termos do outro que vai deixar de
produzir.
De acordo com os dados contidos na tabela 5, a produção
adicional de 40 toneladas de soja implica em 10 toneladas de mi-
lho a menos para a Argentina, o que nos dá a relação de 4 T S para
1 T M (dividindo tudo por 10). Já para o Brasil, 30 toneladas a
mais de milho significam a eliminação da produção de 60 tonela-
das de soja, ou seja, temos a relação 6 T S para 3 T M; ou ainda 2T
S para 1 T M (dividindo tudo por 3).

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 116

Tomando 1 tonelada de milho como parâmetro; temos que,


para a Argentina, que vai se especializar na produção de soja,
qualquer quantidade menor que 4 T de soja por 1 T de milho é
melhor do que seu isolamento, ou, alternativamente, qualquer
quantidade maior que 1 T de milho que ela consiga por 4 T de soja
representará uma vantagem e será benéfico realizar comércio
com o Brasil. Para o Brasil, por sua vez, a situação e a conta se in-
verte, pois para este (que vai se especializar na produção do mi-
lho) qualquer quantidade maior que 2 T de soja por 1 T de milho é
melhor que a total autonomia produtiva, pois assim ele terá ga-
nhos com o comércio bilateral com a Argentina. A zona possível
onde o termo de troca vai se estabelecer, portanto, está entre:

2TS
1TM
4TS

É preciso enfatizar que os extremos (1T M por 2 T S e 1 T M


por 4 T S) não interessam para ambas partes, na medida em que
representam uma situação igual à inicial de um deles, e, portanto,
não resultará em nenhum ganho objetivo para o país. Adotando
arbitrariamente o termo intermediário 1 T M por 3 T S, os países
obterão os seguintes volumes de grãos a partir da exportação da
metade da produção daquilo em que se especializou:

Para a Argentina: 1 T M --- 3 T S


x T M --- 40 T S 3x= 40
x = 13,3

Para o Brasil: 1 T M --- 3 T S


30 T M --- x T S x = 90

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 117

Assim chega-se ao resultado final do comércio internacio-


nal entre esses países com o termo de troca adotado. Calculados
os valores que cada país vai obter com o comércio internacional
usando o termo de troca acordado entre as partes, verifica-se que
a Argentina sai com um ganho de 3,3 toneladas de milho e o Brasil
consegue 30 toneladas de soja a mais em relação à situação inicial
em que não havia comércio68.

Quadro 7
QUANTIDADES DE SOJA E MILHO DOS PAÍSES APÓS O COMÉRCIO
Brasil Argentina
Soja 90 ton. 40 ton.
Milho 30 ton. 13,3 ton.

Resta fazer uma observação quanto a esses números, em


particular ao total obtido pelo Brasil no comércio, as 90 toneladas
de soja, que é maior que a capacidade produtiva da Argentina (40
toneladas). O que está implícito em um exemplo desse tipo é que a
parte que a Argentina não pode fornecer será buscada pelo Brasil
em outros países usando o mesmo termo de troca e só assim o
exemplo de vantagens relativas vai fechar, pois o país que não tem
nenhuma vantagem absoluta nunca conseguirá produzir o sufici-
ente para atender ao país mais produtivo em todas mercadorias
envolvidas nos termos de troca que lhe interessam. Observe que o
Brasil fornece 13,3 T de milho pelas 40 T de soja da Argentina, e
que, portanto, ainda tem 16,7 T de milho para comercializar com
outros países, o que fará, para conseguir obter as 50 T de milho
restantes (no caso aqui colocado, adotando o mesmo termo de
troca).

68 Comparando o quadro 7 com o quadro 5.


Sumário
Alexandre Lyra Martins | 118

Apresentada a teoria do comércio internacional e os ga-


nhos que os países podem extrair com sua aplicação, é preciso
registrar a principal crítica a esta: a estruturalista. Os estruturalis-
tas fazem uma crítica externa, dizendo da desconsideração do ní-
vel de riqueza/pobreza dos países na dinâmica do comércio inter-
nacional, dinâmica esta que deve ser compreendida a partir do
processo de formação e desenvolvimento dos países em seus res-
pectivos contextos históricos, elemento importante na determina-
ção da tendência dos ganhos no tempo e do processo de formação
de estoques de capital.
A teoria ricardiana segue a lógica dedutiva e trabalha com a
presunção de que o processo histórico é natural e que, assim, o
desenvolvimento das sociedades, sem intervenções arbitrárias,
apontaria no sentido do mercado, que, por sua vez, trataria de ex-
ponenciar a produção. Os estruturalistas, porém, advertem que o
processo de crescimento econômico é cumulativo e o processo de
acumulação de capital passa por fases demoradas, que terminam
por distanciar mais os países mais desenvolvidos dos países peri-
féricos, porque esses últimos historicamente se especializam em
monoculturas primário exportadoras para atender matrizes, im-
pedindo a avanço da industrialização. As propaladas vantagens
não são tão naturais assim, portanto.

A CRÍTICA ESTRUTURALISTA A RICARDO:


A DETERIORAÇÃO DOS TERMOS DE TROCA

Os produtos advindos do setor primário, notadamente a


agricultura, somam baixo valor adicionado, enquanto as mercado-
rias industrializadas incorporam frequentemente tecnologia e
somam alto valor agregado. O resultado disso é que, com o tempo,
fica cada vez mais difícil para um país periférico se industrializar
porque a tecnologia avança constantemente, tendo que dar cada

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 119

vez mais produtos agrícolas em troca dos produtos industrializa-


dos, condenando a periferia à sua condição de pobreza. É uma crí-
tica válida que pode ser relativizada pela disseminação mais rápi-
da de tecnologias ultrapassadas, mas permanece por causa da
precária absorção da economia de mercado em lugares de estru-
turas diversas atrasadas, tanto econômicas quanto sociais, que
predominam nos países pobres.
Como visto, Ricardo escreveu uma obra respeitada por uma
vertente de economistas, mas muito criticada tanto do ponto de
vista da fragilidade de suas próprias premissas quanto por outras
visões teóricas. Seus méritos estão entrelaçados com sua fraqueza,
tudo isso relacionado ao alto nível de abstração adotado por este
autor e sua desconexão com a história. Ao mesmo tempo em que
desenvolve uma teoria geral mais audaciosa que a de Smith, tam-
bém desenvolve uma teoria mais frágil por se afastar demais da
realidade, e, dessa forma, pelos avanços e falhas que deixou, con-
tinua presente na história do pensamento econômico como marco
da economia política clássica.

3.5. Questionário síntese

1 – Qual foi o contexto histórico em que Ricardo desenvolveu suas


teorias?
2 – Explique a teoria da renda da terra de Ricardo.
3 – Explique os conceitos: renda da terra, renda diferencial e ren-
da de monopólio.
4 – Explique a teoria da distribuição de renda. Que críticas foram
feitas à essa teoria?
5 – O que move o processo de crescimento econômico?
6 - Qual a tendência das economias de mercado no longo prazo e o
que pode ser feito para alterá-la?
7 – Explique a lei dos rendimentos decrescentes.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 120

8 – Formule os princípios das vantagens absolutas e das vanta-


gens relativas.
9. Suponha que os bens “vinho” e “repolho” são produzidos em
França e na Alemanha com os requerimentos técnicos descritas na
tabela abaixo:

Quadro 8
Custos (em unidades de trabalho) na França e na Alemanha para produ-
ção de uma quantidade fixa de vinho X e repolho Y num período de tem-
po Z, com a mesma quantidade dos demais recursos (fatores) exigidos.
Vinho Repolho
França 100 300
Alemanha 200 200

a) Nas condições dadas, justifica-se a especialização dos paí-


ses?
b) De acordo com a teoria clássica do comércio internacional,
que vantagem poderiam ter com o comércio internacional?

10. Supondo que em um ano a Colômbia, usando uma certa área e


uma certa quantidade de recursos produtivos, consegue produzir
27 ton. de tomate e 30 ton. de cebola, enquanto o Chile nesse
mesmo tempo, e com os mesmos recursos e área, produz 22 ton.
de tomate e 35 ton. de cebola. Demonstre o ganho que esses paí-
ses teriam com o comércio internacional, supondo que cada país
quer ficar com 50% da produção do produto em que se especiali-
za.

11. Em um mês e com seus coeficientes de produtividade, o Brasil


e a Argentina produzem as quantidades dos produtos discrimina-
dos abaixo. Com base nesses dados, qual seria o ganho dos países

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 121

nesse período, se cada país fica com 60% do produto em que se


especializa e trocam o excedente?

Quadro 9
Brasil Argentina
Leite 35 milhões de litros 50 milhões de litros
Café 70 mil toneladas 45 mil toneladas

12 – Suponha dois países A e B, que, mobilizando todos seus re-


cursos em seis meses, conseguem produzir os seguintes montan-
tes: país A- 42 mil toneladas de arroz e 35 mil toneladas de milho,
e o país B - 36 mil toneladas de arroz e 39 mil toneladas de milho.
Haveria vantagem para esses países realizar comércio internacio-
nal? Qual seria o ganho desses países com o comércio internacio-
nal em um ano?

13. Dois países, com seus respectivos índices de produtividade dos


fatores, e dividindo as terras disponíveis meio a meio entre a cul-
tura de arroz e de feijão, conseguem os seguintes resultados de
produção, em toneladas, num certo período:

Quadro 10
Utopéia Utopuia
FEIJÃO 300 T 150 T
ARROZ 200 T 120 T

Que termos de troca viabilizariam o comércio entre esses países


(calcular os limites inferior e superior)?

14. Supondo dois países hipotéticos A e B, que produzem trigo e


algodão internamente. Se num certo período de tempo A produz
1000 kg/ha de algodão e 1200 Kg/ha de trigo e B produz 1500

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 122

kg/ha de algodão e 1300 kg/ha de trigo, quais seriam os ganhos


com o comércio internacional se o termo de troca adotado for 1
kg/ha de algodão por 0,95 kg/ha de trigo e a área cultivada de
cada país for de 200.000 ha?

15. Supondo que o Uruguai, usando seus recursos produtivos,


consegue produzir numa semana 73 mil barris de petróleo e 71
mil litros de vinho, enquanto o Brasil nesse mesmo tempo produz
95 mil barris de petróleo e 80 mil litros de vinho. Demonstre o
ganho que esses países teriam com o comércio internacional nesse
mesmo intervalo de tempo, supondo que cada país quer ficar com
50% da produção do produto em que se especializa e que adota-
rão o termo 1 V – 1,1 P.

16. Supondo que em um dia a Bolívia, usando uma certa área e


uma certa quantidade de recursos produtivos, consegue produzir
27 ton. de açúcar e 35 ton. de sal, enquanto o Paraguai nesse
mesmo tempo, e com os mesmos recursos e área, produz 22 ton.
de açúcar e 30 ton. de sal. Demonstre o ganho que esses países
teriam com o comércio internacional, supondo que cada país quer
ficar com 50% da produção do produto em que se especializa,
usando o termo de troca: 1 A - 1,33 S.

Respostas das questões que envolvem cálculo:

9. Sim. O ganho será a produção adicional de 100 trabalhadores na


França, que produzirão repolho.
10. A colômbia ganha de 5 ton. de cebola e o Chile 5 ton. de tomate
11. O ganho mensal do Brasil é 5 milhões de litros de leite e 14 mil
ton. de café, enquanto a Argentina obtém 10 milhões de litro de
leite e 11 mil toneladas de café com o comércio bilateral.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 123

12. O ganho de A em um ano será de 8 mil ton. de milho e o de B


será de 12 mil ton. de arroz.
13. Entre 1 e 1,2 A para 1,5F.
14. A ganha 26.316.000 kg de algodão e B 12.500.000 kg de trigo.
15. O Brasil terá um ganho de 6,3 milhões de litros de vinho e o
Uruguai ganhará 5,1 milhões de barris de petróleo.
16. A Bolívia obterá 35,9 ton. de sal a mais e o Paraguai sairá com
0,55 ton. de açúcar a mais.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 124

4. A ECONOMIA SEGUNDO MARX

4.1. Breve contexto histórico

As ideias contidas no Capital guardam forte relação com


elementos do contexto histórico em que Marx estava inserido,
começando pela cidade alemã com penetração da cultura política
francesa em que nasceu e viveu até a juventude, passando pela
predominância da escola histórica nas academias alemãs em que
estudou, até a presença da dialética hegeliana como referência
nelas e o próprio estágio de desenvolvimento do capitalismo que
testemunhou. É importante, pois, detalhar um pouco mais essa
contextualização histórica.
A origem geográfica de Karl Marx é a cidade alemã de Trier,
em que nasceu em 1818, pouco após libertação do domínio fran-
cês. O espírito francês significava maior agitação política que a
média europeia, em especial porque brotavam, nessa época, as
novas ideias transgressoras do socialismo utópico defendidas por
Saint-Simon e Fourier na França e Robert Owen na Inglaterra.
O socialismo utópico69 foi a primeira sistematização teóri-
co-doutrinária em torno das ideias do socialismo, gerando um
movimento político pela implantação dos princípios socialistas,
que deveriam ser conquistados democraticamente. A adjetivação
de ‘utópico’ viria posteriormente, para conferir uma certa conota-
ção pejorativa a esse grupo, alimentada pelos marxistas leninistas,

69 O socialismo utópico foi apresentado a Marx por seu sogro, que era simpático
a essas ideias.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 125

que acreditavam que a conquista do comunismo teria de ser ne-


cessariamente violenta, com a derrubada da classe dominante
pela força, uma vez que os detentores do poder não cederiam pa-
cificamente.
Embora seja uma leitura entre outras possíveis, a defesa da
imposição do projeto socialista foi feita inicialmente pelo próprio
‘jovem’ Marx como projeto político, instância de construção teóri-
ca diferente da construção científica. Projetos políticos querem
mudar a realidade, teorias científicas sociais pretendem compre-
ender a realidade de forma rigorosa, e, assim, partem de premis-
sas distintas. É preciso, portanto, separar a obra do ativista jovem
e do cientista maduro.
A vida de Marx se passou ao longo do século XIX, que, de
uma forma geral, consolidou as tendências apontadas ao final do
século XVIII. Num momento de menos guerras internacionais, o
mundo assiste à ascensão do império inglês, ao triunfo do libera-
lismo como ideologia política e econômica, à eliminação gradativa
da escravidão, a um bom crescimento populacional (na Europa a
população dobra), ao avanço técnico e científico com aproveita-
mento produtivo desses e ao crescimento econômico dos Estados
Unidos da América.
A época da juventude de Marx coincidiu com a era vitoria-
na, período em que o Reino Unido tem uma trajetória prolongada
de significativo desempenho socioeconômico, contornando um
período inicial (metade do século anterior) em que a revolução
industrial surgiu trazendo soluções e problemas, como a elevada e
intensa jornada de trabalho e o desemprego urbano.
Por outro lado, na Alemanha e na França, entre idas e vin-
das, Marx foi contemporâneo de uma fase histórica conturbada,
com as respectivas populações lutando para se livrar da domina-
ção das monarquias por meio de grandes insurgências populares
que foram sufocadas violentamente pelo poder dominante, resul-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 126

tando em restrição do progresso da economia. A revolução de


1848 foi controlada pelo reino na Alemanha, mas ainda havia a
busca pela consolidação nacional, que só vai acontecer perto do
fim do século, com a unificação alemã.
A primeira e maior ocupação profissional de Marx ao longo
de sua vida tem relação com sua capacidade de pesquisa, uma veia
investigativa que lhe garantiu uma carreira jornalística longa, mas
frequentemente interrompida em razão da intensidade e subver-
são do ativismo político praticado e refletido, direta ou indireta-
mente, em seus escritos.
É de sua lavra como ativista político o livro Manifesto co-
munista, paradigmático para uma política radical por detalhar as
bases de um projeto comunista revolucionário, que inspirou deci-
sivamente as experiências de socialismo real. A história mostrou,
contudo, que as economias socialistas planificadas foram exitosas
em alguns de seus momentos iniciais, mas fracassaram no percur-
so rumo à consolidação, tornando o ‘manifesto’ datado. São algu-
mas as hipóteses aventadas para esse fracasso e elas são discuti-
das no capítulo 2 de Martins (1999), à luz dos próprios fundamen-
tos teóricos marxistas.
O capital foi desenvolvido na maturidade intelectual de seu
autor, após os 30 anos de vida; depois de ter estudado várias áreas
da ciência social, escrito obras sobre história, política e filosofia e
ter atuado politicamente. Para escrever a obra, Marx se desloca
para a Inglaterra, onde pode estudar mais o pensamento liberal
inglês que não viu na sua formação acadêmica histórica alemã
(Feijó, 2013, 225) mas conheceu em suas passagens pela França.
A crítica ao liberalismo clássico é seu ponto de partida, tan-
to que antes do Capital ele publica o Para a crítica da economia
política, livro que já contém as ideias centrais que explora mais
detidamente no livro posterior. Além da formação histórica, Marx
traz a área filosófica para complementar sua fundamentação, na

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 127

qual o pensamento alemão já tinha forte tradição, com Hegel como


referência na dialética.

4.2. O princípio da discordância em relação aos


clássicos

A escola clássica, principal referência teórica econômica no


fim do século XVIII, compreendia a economia de mercado em si,
discutindo as possibilidades do mercado, seus problemas, e vis-
lumbrando soluções apenas dentro do mercado ou, esporadica-
mente, pelo governo. Marx efetua uma crítica profunda ao pensa-
mento liberal e à economia de mercado, inserindo-a dentro de um
processo histórico maior e compreendendo esse processo através
do materialismo dialético. Sua metodologia inovadora parte de
uma reinterpretação da dialética hegeliana, mas mantém a essên-
cia dialética de enxergar a realidade como movimento contínuo
decorrente de forças opostas e dinâmicas.
Compreendendo a obra dentro de sua metodologia e da
complexidade do fenômeno social, a teoria contida nas obras eco-
nômicas de Marx tem caráter investigativo exclusivamente cientí-
fico, mesmo que permeadas por variáveis sociais e políticas, en-
tendidas como relevantes para explicar a economia. Essa parte do
conjunto de sua obra que é reconhecida como científica, corres-
ponde à produção do ‘velho’ Marx, aquele que, segundo historia-
dores de sua produção, teria alcançado preparo e maturidade su-
ficientes para desenvolver uma teoria econômica livre de elemen-
tos doutrinários políticos. Isto aconteceu após os 30 anos de ida-
de, quando escreveu o Para a crítica à economia política (publica-
do em 1859).
Colletti (1983, 34) afirma que predomina o consenso acer-
ca do entendimento do marxismo enquanto ciência como sendo “o
estudo e análise das leis causais que determinam o movimento e

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 128

desenvolvimento da sociedade”. Dentro desse prisma, chamado de


‘marxismo científico’, pesquisadores discutem elementos da di-
nâmica do capitalismo pouco explorados por Marx, como a infla-
ção70 ou a evolução do capital financeiro71. Nesses estudos, ques-
tões de fundo ideológico podem estar presentes como componen-
te explicativo da sustentação institucional dos modos de produ-
ção, sendo analisadas com distanciamento e seguindo o rigor me-
todológico.
Voltando ao Para a crítica da economia política, Marx inicia
sua exposição pela avaliação e reprovação do método utilizado
pelos principais pensadores liberais ingleses da época, Adam
Smith e David Ricardo, para apresentar o “método cientificamente
exato” (Marx, 1986, 14), o materialismo dialético, seguido de sua
teoria. As críticas de caráter metodológico que Marx fez aos eco-
nomistas clássicos citados podem ser sintetizadas da seguinte
forma:

1 - Absorção da realidade de forma a-histórica: a


percepção histórica dos clássicos se atinha à dinâ-
mica da economia de mercado em si e suas tendên-
cias, numa visão estrita à própria forma de organi-
zação produtiva que ignora todo um processo histó-
rico anterior, decisivo para a gestação, nascimento, e
evolução dessa e de qualquer sistema econômico.

2 - Idealização no processo de abstração: os clássi-


cos se deixaram levar pelos valores da própria soci-
edade que os educou, reproduzindo valores que tra-
ziam dentro de si de forma acrítica, resultando nu-

70 Caso de Mandel (1985).


71 Caso de Hilferding (1985).
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 129

ma preconcepção da realidade que pretendiam ex-


plicar.

Mas como escapar dessas armadilhas ao escrever uma teo-


ria social? Para Marx, a resposta a essa questão passa pela pers-
pectiva crítica que um cientista deve ter frente ao fenômeno estu-
dado. Um cientista social deve transpor as aparências das coisas
tais como se apresentam de forma mais imediata para alcançar as
articulações nelas ocultas, o que significa agregar um nível adicio-
nal à sequência ‘concreto - abstrato’ na elaboração da teoria: o
concreto pensado. Só neste nível, o estudioso teria a consciência
crítica apurada através da reflexão forçada pela confrontação en-
tre a teoria construída e o ponto de partida que foi a realidade
concreta apreendida inicialmente de forma despretensiosa, caóti-
ca. O percurso metodológico correto e completo na perspectiva
marxista seria, portanto:

CONCRETO ABSTRATO CONCRETO PENSADO

Dentro da porção econômica da obra de Marx, a parte me-


todológica é a mais árida para muitos, porque são poucos os escri-
tos relativos a este tema deixados pelo próprio autor, e esses são
alguns dos de compreensão mais árdua. O principal material rela-
tivo a este ponto se encontra no livro Para a Crítica da Economia
Política, no terceiro tópico do capítulo introdutório, intitulado o
método da Economia Política.
Como a proposta deste trabalho é a de tornar as ideias dos
pensadores clássicos mais acessíveis ao estudante, pretende-se
aqui realizar uma exposição clara e direta sobre os aspectos fun-
damentais do método marxista sem cair em simplificações que
comprometam seu conteúdo, evitando, ao mesmo tempo, explorar
pontos de entendimento mais complexos (bem como debates

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 130

acerca desses pontos). Para exemplificar, retomemos a matéria,


comentando um trecho do tópico citado, nesse parágrafo, onde ele
faz (com seu estilo rebuscado) menção ao percurso metodológico
apontado anteriormente:

“O concreto é concreto porque é síntese de mui-


tas determinações, isto é, unidade do diverso. Por
isso o concreto aparece no pensamento como o
processo da síntese, como resultado, não como
ponto de partida efetivo e portanto, o ponto de
partida também da intuição e da representação.
No primeiro método a representação plena vola-
tiliza-se em determinações abstratas, no segundo,
as determinações abstratas conduzem à reprodu-
ção do concreto por meio do pensamento.”
(Marx, 1986, 14)

O primeiro método referido, no caso, é o dos clássicos


Smith e Ricardo, enquanto o segundo é o método proposto por ele,
chegando ao concreto pensado. Com estas palavras, Marx se refere
ao mercado e aos mecanismos detectados pelos clássicos para
compreendê-lo como conceitos que obscurecem a verdadeira na-
tureza das trocas dentro da sociedade capitalista: as relações soci-
ais e de produção (... a representação plena volatiliza-se em deter-
minações abstratas...). Além disso, encaminha o leitor para o cor-
reto entendimento a respeito da sociedade e da economia, como
produtos históricos de várias épocas passadas, que consistem em
‘determinações’ não desprezíveis da ‘unidade’ da organização so-
cioeconômica presente, indicando a importância do componente
histórico na compreensão do todo social.
Esta armadilha pode ser percebida na racionalidade do
homem ‘natural’ dos clássicos. A naturalidade da liberdade é refle-
tida nas possibilidades de escolha que o mercado oferece e que

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 131

são exercitadas pelos indivíduos com base na relação custo bene-


fício e preferências diversas. Smith recorre frequentemente à or-
dem natural das coisas em sua obra para definir a tendência da
economia no sentido do mercado, como melhor opção de alocação
dos fatores de produção por proporcionar a maior produtividade.
Para o raciocínio liberal, sem a liberdade as pessoas e a so-
ciedade têm seus destinos determinados por alguns, que prote-
gem, distorcem e reprimem, com vistas à sustentação de privilé-
gios, mas numa sociedade livre, que seria a condição natural do
ser humano, não haveria espaço para isso e as pessoas poderiam
fazer o que quisessem, se preocupando apenas em tentar obter
mais renda possível. Como resultado, o mercado seria procurado e
desenvolvido por oferecer perspectivas a qualquer um que qui-
sesse produzir ou comercializar mercadorias. Nessa leitura natu-
ral da história humana, a economia de mercado seria o ápice da
evolução social e econômica.
Marx prossegue dando exemplos no texto supracitado de
como a percepção equivocada do aspecto histórico pode gerar
equívocos. A interpretação da categoria trabalho é uma demons-
tração do que pode ocorrer. Os metalistas identificavam a riqueza
com os metais, já os mercantilistas só concebiam o trabalho co-
mercial como criador de riqueza (lucro que aparecia com o co-
mércio), enquanto os fisiocratas acreditavam na superioridade do
trabalho agrícola na geração do valor.
Frutos de contextos históricos distintos, onde um ou outro
tipo de trabalho predominava, as correntes teóricas mercantilistas
e fisiocratas tomam o status quo (uma realidade limitada) como
algo que transcende aquelas fronteiras temporais e espaciais, co-
mo se uma determinada atividade fosse a fonte exclusiva de ri-
queza. Assim como critica a fragilidade dessas teorizações, que
integram o capítulo da pré-história da economia, Marx reconhece
a evolução que há com a concepção de Smith, ao desvincular a ori-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 132

gem do valor de trabalhos específicos para o trabalho em geral,


embora coloque a limitação de sua análise, quando recai no con-
texto mercantilista de produção:

“...Até as categorias mais abstratas... são, contudo,


na determinidade desta abstração, igualmente
produto de condições históricas, e não possuem
plena validez senão para estas condições e dentro
do limite destas.” (Marx, 1986, 17)

Em princípio, Marx vai concordar com a ideia central dos


clássicos de que o trabalho é quem gera valor, mas reformula essa
premissa geral com outras categorias condizentes com sua meto-
dologia diferenciada. Na visão marxista, Smith erra ao reconhecer
a legitimidade das remunerações da propriedade (da terra e do
capital), uma vez que todo capital é sempre resultante de proces-
sos anteriores de acumulação primitiva, baseadas em expropria-
ção ou exploração de trabalho humano alheio72.
De acordo com Marx, o trabalho é o único gerador de ri-
queza e o capitalista não paga uma parte da remuneração que ca-
be ao trabalhador, apropriando-a na forma de lucro. O salário se-
ria apenas a parte paga ao trabalhador, enquanto o lucro seria o
trabalho não pago, a mais valia, que o capitalista procura sempre
aumentar por meio de mecanismos como aumento da jornada de
trabalho ou uso de novas tecnologias intensificadoras do processo
produtivo que podem até poupar trabalho vivo 73. Essa é a única
teoria de exploração proposta na literatura econômica. O traba-

72 Processos históricos que ele vai detalhar no capítulo 24 do livro I do Capital.


73 Objeto de estudo da seção II do livro I (capítulos 5 a 10) do Capital. Máquinas
são consideradas por Marx como trabalho morto, posto que foi preciso deposi-
tar trabalho vivo anterior para produzi-las. O trabalho vivo termina com a con-
clusão da produção da mercadoria, mas fica depositado nelas; designado a par-
tir daí como trabalho morto.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 133

lhador é um sujeito que foi historicamente desapropriado de seus


meios de trabalho e se transformou em homem livre, contando
apenas com sua força de trabalho para obter sua sobrevivência, e
é isso que o trabalhador recebe do mercado; apenas o suficiente
para a sobrevivência.
A permanência da exploração está garantida pela existên-
cia da grande oferta de desempregados existentes na economia
capitalista, iniciada originalmente com a expulsão dos campone-
ses ao longo do mercantilismo. Marx batizou esse contingente po-
pulacional expressivo de ‘exército industrial de reserva’, contin-
gente esse que, de alguma maneira, Ricardo e Malthus já destaca-
vam como importante fator a ser considerado para a dinâmica
econômica. Ricardo afirmava que o excesso populacional era a
razão principal da tendência à estabilidade do nível dos salários
no longo prazo, enquanto Malthus fazia ilações precipitadas acer-
ca de uma suposta impossibilidade do controle do crescimento
populacional74.
A crescente exclusão da maior parte da população devido à
tendência do sistema capitalista em substituir trabalhadores por
máquinas, além de centralizar e concentrar capital, impulsionou o
jovem Marx a defender o projeto político socialista como forma de
superação do capitalismo, por meio da organização e mobilização
da população nesse sentido. Com o tempo, constatou-se que Mal-
thus superestimou o crescimento populacional ao extrapolar uma
tendência da taxa de natalidade de um período histórico específi-
co da humanidade, subestimando mudanças comportamentais,
científicas e tecnológicas, Ricardo subestimou principalmente a
capacidade inovadora do homem e a importância de outras variá-
veis na determinação do processo de crescimento econômico, e o
‘jovem’ Marx errou politicamente ao superestimar a capacidade

74A famosa tese Malthusiana da população crescer em progressão geométrica


enquanto a produção de alimentos cresce em progressão aritmética.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 134

humana em avançar na construção de uma sociedade mais iguali-


tária. O ‘velho’ Marx, contudo, acertou na seleção das variáveis e
na construção da relação entre elas, formulando uma teorização
válida para elucidar os processos que comandam a lógica da pro-
dução capitalista, tudo decorrente da escolha do método materia-
lista dialético.

4.3. O método materialista dialético

Antes de mais nada, é preciso enfatizar que Marx não criou


nem o método histórico nem o dialético, mas sua contribuição se-
minal foi unir os dois e realizar uma releitura das concepções pre-
existentes para gerar uma concepção singular, dialética, da histó-
ria. Sua referência é a dialética hegeliana, que ele toma conheci-
mento quando vai estudar em Berlim, mas a reinterpreta a ponto
de propor, como elemento propulsor do processo dialético, o
avesso do colocado por Hegel.
Enquanto Hegel defendia que a origem do processo dialéti-
co está nas ideias, afirmando que só a capacidade de reflexão e
elaboração humana é que podem acarretar processos de trans-
formação da realidade que o cerca, Marx inverte o raciocínio e
afirma que as condições materiais, particularmente as econômi-
cas, são o ponto de partida efetivo dos processos históricos ao
fornecer os elementos para reformulação das concepções vigen-
tes, que, por sua vez, vão desencadear as transformações socioe-
conômicas posteriormente; daí a denominação ‘materialismo dia-
lético’.
A premissa lógica é de que a análise só pode vir após a ob-
servação da realidade concreta, que determina as condicionantes

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 135

concretas para o homem refletir75. Ao enfatizar a materialidade


em seu método, Marx traz a objetividade para o centro da discus-
são das transformações sociais, e com ela, a importância da ativi-
dade produtiva para a definição das demais dimensões, subjetivas,
da humanidade, tais como as questões políticas, religiosas e cultu-
rais. O ser humano é um todo composto por várias facetas que
dialogam entre si, sendo que, dessas, a economia é a mais relevan-
te por delimitar as possibilidades de desenvolvimento das demais.
Para trabalhar com uma ciência social é necessário, como
premissa adicional, que o pesquisador se distancie do contexto
histórico no qual está inserido, para interpretá-lo com isenção e
chegar à essência do fenômeno estudado. Esse é um trabalho ár-
duo, porque numa forma de organização social qualquer (no nos-
so caso o capitalismo contemporâneo) as pessoas normalmente
estão impregnadas de valores do sistema que as rodeia, valores
que se naturalizam e se refletem em posturas políticas e morais,
que podem influenciar também as ideias produzidas76.
A longevidade dos modos de produção, bem superiores à
expectativa de vida do homem, dificulta uma percepção isenta e
crítica acerca de transformações da sociedade e dá ao observador
comum uma falsa impressão estática do organismo social, indu-
zindo-o a acreditar que as coisas mudam apenas em aspectos se-
cundários, mas não na sua essência77. O pesquisador acadêmico,
contudo, não pode cair nessa armadilha porque deve estar atento

75 “... Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pres-
suposição prévia e efetiva...” Marx (1986, 14).
76 E aí o processo de abstração para a construção da teoria fica prejudicado: “Os

economistas do século XVII, por exemplo, começaram sempre pelo todo vivo: ...
; mas terminam sempre por descobrir, ... , certo número de relações abstratas.”
(Marx, 1986, 14).
77 Segundo Marx, mesmo uma leitura convencional de desenvolvimento históri-

co compreende “... as formas passadas como etapas que levam a seu próprio
grau de desenvolvimento, e ... dado que ela raramente é capaz de fazer a sua
própria crítica – concebe-os sempre sob um aspecto unilateral.” (1986, 18).
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 136

à busca do ideal da neutralidade na investigação científica, através


do distanciamento do objeto e do uso de métodos apropriados.
Enfim, antes de entrar na exposição do método marxista,
cabe uma observação final em relação à opção formal do texto
aqui desenvolvido. Como colocado anteriormente, o método em
questão é composto de duas partes inseparáveis, entretanto, para
efeito de uma exposição didática, pode ser feita uma comparti-
mentação para acentuar as características específicas de cada uma
delas.
A história e a dialética estão intrinsecamente conectadas
pelo movimento permanente e dinâmico. Diferentemente de per-
cepções históricas que se sustentam em deduções ou induções,
cada parte tem seu conteúdo próprio, que a conceitua e remete a
seu papel no todo. Dito isto, segue a exposição, reforçando que não
se pode dissociar o aparato histórico-dialético numa interpretação
marxista dos fenômenos sociais e econômicos, sob pena de obter
um entendimento falho, parcial ou mesmo distorcido do objeto
estudado.
Pode-se designar o método marxista materialista dialético
por outras expressões, como lógico-histórico e dialético ou sim-
plesmente dialético/histórico. O fundamental é que não se pode
falar apenas em método dialético ou método histórico. Os dois
aspectos do método marxista são complementares, inseparáveis e
salientam uma perspectiva dinâmica da sociedade só possível por
meio de uma compreensão dialética da evolução dos fatos histori-
camente relevantes.
As formas sociais de organização passadas representam
etapas do desenvolvimento da sociedade, fases diversas que, em-
bora aparentemente desvinculadas, estão relacionadas entre si e
não podem ser entendidas isoladamente. As conexões entre essas
etapas são explicadas pelas leis da dialética, que oferece uma ex-
plicação lógica para o desencadear dos acontecimentos, enquanto

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 137

a parte histórica do método garante caráter científico às observa-


ções, na medida em que prova o processo com fatos ocorridos e
documentados.

4.3.1. Do componente histórico

Conforme Martins (1999, 25), a importância do componen-


te histórico dentro do rigor analítico de Marx está em determinar
três pontos de sustentação da teoria a ser construída, quais sejam:
1- situar no tempo o nível de desenvolvimento das forças produti-
vas materiais, 2- relacionar as categorias fundamentais corres-
pondentes a cada modo de produção, e 3- fornecer a contraprova
com fatos históricos às teorias formuladas.
Cabe ao método histórico identificar os elementos básicos
das organizações sociais para a dialética qualificá-los, detectando
sua dinâmica e sua relação com os demais elementos, construindo
um entendimento dos sistemas socioeconômicos por meio das
especificidades de cada um deles. Além disso, como foi colocado
acima, vai comprovar cientificamente a teoria construída com fa-
tos e documentos históricos.
A história é um processo continuo, mas não linear e pouco
regular, em que dimensões da vida social se alternam em impor-
tância dependendo do período examinado. A contemporaneidade
do século XXI ressalta a velocidade de transformações tecnológi-
cas e de processos detectados por Marx a dois séculos atrás,
quando não eram tão perceptíveis assim, como a substituição do
trabalhador por máquinas robotizadas comandadas por progra-
mas de computador.
Na antiguidade e na idade média a humanidade avançava
em passos mais lentos e tumultuados, pois com os recursos técni-
cos e insumos disponíveis, prevalecia uma luta explícita pela do-
minação e subjugação de povos para aumentar a riqueza. As guer-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 138

ras se prolongaram no século XX redirecionando o motivo central


delas para a defesa de um novo ideal de libertação dos povos de
regimes autoritários diversos, algo que ainda não está completa-
mente resolvido na humanidade, até pela hegemonia do contradi-
tório modelo de libertação ocidental78.
Marx articula os fatos históricos por meio de uma análise
distanciada e crítica de sua dinâmica, colocando a atividade pro-
dutiva e as relações sociais de produção como fulcrais na deter-
minação da direção evolutiva da humanidade, mas considerando
também os interesses políticos relacionados.
Os acontecimentos históricos são a fonte da investigação
para extrair informações substanciais relativas ao nível de desen-
volvimento técnico e humano da atividade produtiva na socieda-
de: a forma como é realizada a produção, seus recursos, suas limi-
tações, possibilidades e como a sociedade se articula em torno
dela. Dado o estágio de evolução das forças produtivas, os fatos
históricos mostram também as interações relevantes entre a vari-
ável econômica e os demais aspectos da vida social, fornecendo
paralelamente as provas das afirmações e as relações causais ex-
traídas da observação do contexto e dos processos históricos.
Além da relevância do elemento socioeconômico, o enfoque
histórico marxista se distingue da leitura clássica da história pela
compreensão ativa do homem no decorrer do processo histórico.
Os clássicos procuram explicar o mercado e seu desenvolvimento
como consequência de relações livres como na natureza. Se as
pessoas têm liberdade, procuram as melhores formas de produzir
e a partir daí há simplesmente uma sucessão de acontecimentos.
Para os pensadores clássicos, a história social da economia
de mercado é encarada como história natural, pois os eventos
acontecem em decorrência de fenômenos naturais, como seria a

78As democracias líderes muitas vezes apoiaram ditaduras ao longo do século


XX.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 139

própria condição de liberdade do ser humano. O mercado emerge


em razão do estabelecimento das relações livres entre as pessoas
(que seriam relações naturais), em oposição a contextos anterio-
res em que havia forte intervenção governamental na vida das
pessoas.
Do ponto de vista marxista, a história humana não é natu-
ral, e sim construída. Mesmo quando a sociedade é caoticamente
livre, isto é aparência, pois sempre há um processo de construção
social em que grupos sociais são centrais, dada a tecnologia dis-
ponível. As forças produtivas são a mola-mestra do processo his-
tórico e o ser humano é a principal força produtiva, considerado
coletivamente, pois a articulação produtiva se fará na forma de
relações de produção em que uma classe social domina o sistema,
enquanto uma outra obedece (em princípio), designando o rumo
da sociedade.
Sendo os homens ativos no processo, mesmo os enquadra-
dos na classe dominada, entretanto, podem atuar no processo his-
tórico se surgir uma nova forma de executar a produção ou mes-
mo se o nível de conscientização socioeconômica se elevar signifi-
cativamente, tornando aptos a avaliar os caminhos e tomar deci-
sões que impactam mais ou menos na construção do presente e do
futuro da sociedade. Nesta condição e perspectiva, o homem, em
particular da classe dominada, não seria necessariamente passa-
geiro na história social, ele poderia ser um ‘motorista’ que conduz
o bonde da história, deixando a situação inicial de conduzido por
outros homens, para ser protagonista.
Para Marx, diferentemente dos demais seres, o homem é
racional, reflete sobre sua condição, é capaz de redefinir rumos,
planejar e executar planos, o que, aliado a uma compreensão his-
tórica do contexto social atual e passado, pode resultar em postu-
ra ativa diante da realidade. Com todo esse papel, no entanto,
mesmo participando ativamente do processo histórico, seu poder

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 140

em protagonizar a história não é ilimitado, ao contrário, é restrito


objetivamente pelas demais condições históricas materiais de sua
época, em especial a tecnologia e os recursos conhecidos disponí-
veis. Enfim, na visão de Marx, não é a natureza humana que de-
termina a caracterização do contexto histórico na predominância
da liberdade, se impondo por si, mas sim, como, em todos contex-
tos, são as condições materiais de produção, sua assimilação e a
ação dos grupos sociais que constroem o momento histórico.

4.3.2. Da dialética materialista

O método dialético, por sua vez, busca explicar o movimen-


to interno e externo dos corpos, considerando a interação desses
movimentos para gerar a transformação. Constatada a dinâmica, é
vislumbrada uma direção a esta. A dialética, como já foi posto, é
anterior a Marx79, e suas leis fundamentais são aproveitadas. Sua
origem está no diálogo, na arte da argumentação. Numa discussão,
alguém lança uma ideia, uma opinião inicial que corresponde a
uma ‘tese’. Ao refletir sobre a proposição original, outra pessoa
contra-argumenta, mostrando uma opinião alternativa; a ‘antíte-
se’. Enfim, havendo debate construtivo, chega-se à ‘síntese’, uma
superação de ambas posições anteriores, que é construída a partir
dos elementos dessas.
Com essa ilustração da essência da dialética, representada
a partir de uma tríade, pode-se apresentar uma definição simples
e inicial para ela: “o desenvolvimento de processos gerados por
oposições que provisoriamente se resolvem em unidades” (Fer-
reira, 1986, 585). Desde já, deve ser ressaltado que também a sín-

79 A dialética surgiu na Grécia antiga e, desde seus fundadores, diversos pensa-


dores aperfeiçoaram esta vertente do raciocínio filosófico. A literatura especia-
lizada sobre o assunto é extensa, de forma que se encontrar referências diver-
sas sobre o tema, como por exemplo Lefebvre (1983) ou Engels (1979).
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 141

tese não é definitiva, posto que se transmutará em tese num se-


gundo momento, e como tal, será alvo de reflexão, desencadeando
outro ciclo dialético.

1. TESE
O PROCESSO DIALÉTICO: 2. ANTITESE
3. SÍNTESE

O entendimento completo da lógica dialética, porém, é um


pouco mais complexo e passa pela apreensão de seus princípios
expressos na forma de leis. Estas devem ser estudados em se-
qüência, pois cada princípio consiste num aprofundamento analí-
tico da suposição anterior; senão vejamos:

a - Lei da interação universal: as partes de um todo não


podem ser compreendidas isoladamente. Cada unidade está co-
nectada com outros corpos, de forma que cada planeta, estrela,
corpo celeste, animal, árvore interage com outros corpos de seu
universo/horizonte, com maior ou menor intensidade, influenci-
ando o comportamento dos outros e sendo influenciado por eles.
Isso também inclui um ser humano em sua interação com os ou-
tros e com a natureza, que define sua forma de organização em
sociedade.
A sociedade, por sua vez, compõe um todo maior, uma uni-
dade também contraditória e mutante. Essa premissa remete a
uma compreensão científica igualmente integrada, pois o que é
um fenômeno físico é também químico e biológico, são dimensões
que devem ser compreendidas de forma agregada. Por essa pers-
pectiva, a economia é um elemento conectado com outros aspec-
tos da realidade social: os fenômenos políticos, culturais, psicoló-
gicos, antropológicos, geográficos, etc.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 142

b - Lei do movimento universal: constatado que tudo está


relacionado, vem a observação de que tudo é dinâmico. Há um
movimento interno que provém do próprio corpo e um movimen-
to externo, advindo da interação com outros corpos. Toda matéria
tem sua dinâmica própria enquanto unidade, dada pelo seu meta-
bolismo interno, sua mecânica individualizada, seja ela o homem,
a terra, o vírus, a bactéria, a sociedade, etc. Por outro lado, todo
corpo convive, independente de sua vontade, com outros corpos e
essa relação afeta sua dinâmica interna, assim como sua dinâmica
atinge as outras matérias. É a interação desses movimentos que
gera o movimento global da matéria e da sociedade, as transfor-
mações no cosmo, a evolução das espécies, o desenvolvimento
socioeconômico, etc.

c - Lei da unidade dos opostos: tese x antítese: síntese. Na


unidade da matéria (física ou social), seu movimento universal é
determinado por forças internas opostas, cuja dinâmica conduz a
uma superação constante, formando, ao final, outra unidade. A
matéria aparentemente é estática, mas na realidade é dinâmica, e
essa dinâmica decorre de forças contraditórias presentes em seu
interior: tese e antítese. Incialmente a tese é mais forte, contudo, a
antítese, que aparece de forma inexpressiva, avança e enfrenta,
como força ascendente, a decadente tese.
Dentro dos seres vivos, por exemplo, há forças que o im-
pulsionam à vida e forças opostas que o levam à morte, forças
constantemente ativas e em embate. Os mecanismos que remetem
à morte na fase inicial da vida são insignificantes (antítese) frente
às forças vitais (tese), mas à frente vão se expandir e se mostrar
decisivos, havendo a capacidade de reprodução para perpetuação
da espécie e superação da tendência inexorável à morte, trazendo
um novo ser diferente dos anteriores, mas ‘síntese’ de suas genéti-
cas e resultado da formação familiar e social obtida.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 143

Na unidade social, por sua vez, também convivem interes-


ses divergentes e a tensão é a regra. Num momento há predomi-
nância inconteste de algum interesse (tese), há relativa tranqüili-
dade devido à obediência geral ao pacto social proposto ou impos-
to pela força dominante, porém quando outro interesse (antítese)
cresce, ele provoca a transformação e o surgimento de uma nova
síntese, num processo violento por se tratar de forças antagônicas
que, de um lado resistem ao poder, e de outro, lutam para sair da
marginalidade, chegar a predominar na organização social para
reconfigurar os costumes e as regras em conformidade com seu
modus operandi.

d - Lei da negação da negação: sendo o novo (a síntese)


também unidade dialética, haverá nova superação em direção a
um outro novo, negando o que já foi negação anteriormente. A
síntese aparece como vitória da antítese, contudo, ela será igual-
mente uma nova unidade de opostos e, assim, se transforma em
tese, que enfrentará uma antítese que surgirá em seu seio, uma
antítese nova, que nega a tese, e também a antítese anterior, uma
negação da negação, portanto. Quando há uma transformação, não
se retorna a formas passadas na tentativa constante de resolver os
conflitos internos, o corpo (seja físico ou social) vai gradativamen-
te tomando outras formas e conteúdos distintos das formas ante-
riores, evoluindo para outros horizontes, ainda que para outra
unidade contraditória diferente.
O desenvolvimento da natureza e da sociedade são provas
de que não se retorna a formas passadas. Além de se observar a
não repetição em ambas, pode-se verificar um processo de desen-
volvimento que tende a um máximo, quantitativo ou qualitativo,
como indica a próxima lei. A humanidade está sempre em busca
de novos horizontes e dá mostras de sua constante evolução
quando se compara historicamente parâmetros sociais e econômi-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 144

cos (como produtividade e quantidade produzida das formas de


organização social).

e - Lei da transformação do quantitativo em qualitati-


vo: a evolução do homem e da sociedade se dá passo a passo, por
várias etapas de desenvolvimento necessárias, primeiro ocorren-
do os saltos quantitativos, para ao fim de uma serie desses se che-
gar a um salto qualitativo. A maior parte das transformações
quantitativas se dão de forma imperceptível para os homens em
regra, dado seu ritmo próprio, a natureza e a sociedade demoram
mais do que a passagem de gerações humanas para evoluírem.
A expansão quantitativa dos modos de produção está con-
figurada no aumento da produção, da população, da disponibili-
dade de novas técnicas e da variedade de produção que vêm com a
evolução das forças produtivas. A transformação dialética qualita-
tiva, por sua vez, é a síntese e ocorre depois de esgotadas as pos-
sibilidades do processo expansivo quantitativo interno de um
corpo ou sistema socioeconômico. Nesse momento, dá-se a substi-
tuição de um sistema produtivo por outro, qualitativamente dis-
tinto80.
A dinâmica do universo pode ser explicada pelo prisma dia-
lético: o universo se desenvolve por expansões quantitativas, com
aumento no número de corpos celestes, que tem sua contradição
interna, com forças opostas também atuando no sentido da morte
dos astros, para em algum momento ocorrer uma transformação

80 Esta evolução já foi comprovada historicamente através do reconhecimento


de outros modos de produção já desaparecidos. Esse processo não é linear,
homogêneo ou uniforme. O processo geralmente é longo porque as estruturas
ameaçadas resistem, é irregular porque varia essa resistência e a intensidade
da força modernizante por períodos. As transformações têm um caráter violen-
to que é inerente à natureza contraditória do processo (inclusive a humana) e
assim se arrastam em embates, de forma que mais importante que os ‘pontos’
específicos de transição, é a compreensão do processo histórico como um todo.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 145

qualitativa. Uma estrela, por exemplo, tem fim com sua explosão,
que a transforma em anã, com densidade de massa altíssima e
campo gravitacional potente: um buraco negro que a tudo suga.
Um dia esse fosso cósmico não suportará tanta matéria e eclodirá
num novo big bang, gerando um novo universo.

4.4. A dinâmica dos modos de produção

Ainda que seja pretensioso fazer um resumo das idéias de


Marx, isso é desejável e possível, particularmente porque o pró-
prio Marx se dispôs a tal. Ele sintetizou a evolução histórica das
organizações sociais usando o método materialista dialético para
explicar esse processo. Este resumo se encontra num pequeno
trecho do livro Para a Crítica da Economia Política (Marx, 1986,
25) e apresenta algumas das categorias mais utilizadas na argu-
mentação em torno da relação entre os fenômenos sociais e
econômicos. Eis o texto:

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez


obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estu-
dos, pode ser formulado em poucas palavras: na
produção social da própria vida, os homens con-
traem relações determinadas, necessárias e inde-
pendentes de sua vontade, relações de produção
estas correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas ma-
teriais. A totalidade dessas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade, a base
real sobre a qual se levanta uma superestrutura
jurídica e política, e à qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo
em geral da vida social, político e espiritual. Não é

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 146

a consciência dos homens que determina o seu


ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que de-
termina sua consciência. Em uma certa etapa de
seu desenvolvimento, as forças produtivas mate-
riais da sociedade entram em contradição com as
relações de produção existentes ou, o que nada
mais é do que a sua expressão jurídica, com as re-
lações de propriedade dentro das quais aquelas
até então tinham se movido. De formas de desen-
volvimento das forças produtivas essas relações
se transformam em seus grilhões. Sobrevém en-
tão uma época de revolução social. Com a trans-
formação da base econômica, toda a enorme su-
perestrutura se transforma com maior ou menor
rapidez.”

Nesse pequeno e denso trecho, Marx realiza a sua elabora-


ção teórica de mais elevado nível de abstração, aplicada a qual-
quer modo de produção, e desvenda os mecanismos básicos que
tornam todas sociedades transitórias. Segue a sua explicação a
partir de alguns conceitos fundamentais (contidos no texto) para a
compreensão da concepção marxista, começando com as categori-
as de análise cruciais:

a. Forças produtivas: são todos os elementos potenciais


geradores de riqueza, tomados em seu contexto histórico. Corres-
pondem ao conjunto formado pelos meios de produção81 e pela
força de trabalho; que vai mover o processo produtivo a partir de
sua interação com os elementos naturais e técnicos que descobre,
cria e usa, tornando úteis para si, objetiva ou subjetivamente. As

81Que podem ser classificados em meios de trabalho (instalações, máquinas,


equipamentos, fontes de energia, etc.) e objetos de trabalho (matérias-primas,
naturais ou processadas).
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 147

forças produtivas são elementos decisivos para a dinâmica da


economia, são elas que proporcionam mudanças na forma de pro-
duzir, sempre no sentido de melhorar e aumentar a produção de-
vido à sua motivação central: a busca do ser humano por melhores
condições de vida.
O homem, que é a força produtiva central, está sempre pro-
curando contornar as restrições que a natureza lhe impõe, e assim
descobre novos recursos, inventa novas técnicas e desenvolve
formas diferentes de organizar o processo de trabalho. O nível de
desenvolvimento das forças produtivas corresponde às especifici-
dades do contexto histórico e espacial. Um trabalhador qualificado
da época da revolução industrial, por exemplo, é muito diferente
do trabalhador do século XXI, e mesmo que operem basicamente
dentro de uma mesma lógica capitalista, o primeiro seria um es-
tranho num ambiente fabril informatizado, automatizado e robo-
tizado, enquanto o segundo entenderia pouco da mecânica e hi-
dráulica usada nas primeiras máquinas fabris.

b. Relações de produção: relações estabelecidas entre os


homens no processo produtivo num certo contexto histórico, para
que a produção seja realizada. Dada a força produtiva, é preciso
colocar em movimento o processo produtivo e isso se dá quando
os homens começam a trabalhar. A forma e o conteúdo dessa rela-
ção dependem da fase histórica de desenvolvimento da sociedade
e da economia, tanto tecnológica quanto humana, educacional e
cultural.
No capitalismo, por exemplo, o molde é a relação capital-
trabalho, cujo conteúdo é a desvinculação dos trabalhadores de
qualquer meio de produção, a venda temporária da força de traba-
lho aos capitalistas e a subsequente exploração em troca de um
salário que deve possibilitar algo próximo à sua sobrevivência.
Marx atribui a esse conceito um poder de síntese do sistema pro-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 148

dutivo. Identificada a relação de produção predominante se chega


ao núcleo central do modo de produção, aos fundamentos do mo-
dus operandi na sociedade analisada em relação à produção e ao
tipo de exploração que está sendo executada, uma vez que sempre
há dois grupos sociais essenciais na economia: o dominante e o
dominado.
É importante ressaltar o caráter dialético deste conceito,
pois os grupos socioeconômicos são antagônicos, sempre têm in-
teresses divergentes, embora essa tensão muitas vezes se mante-
nha apenas latente, principalmente devido a mecanismos de con-
trole da ordem social82. Como processo social dialético, entretan-
to, envolve transformações quantitativas e qualitativas em dife-
rentes níveis.
Relações de produção abarcam evoluções produtivas até
um certo ponto, a partir do qual só outra relação de produção
permite a continuidade do processo. A mudança da relação de
produção com manutenção da exploração é uma transformação
qualitativa menor. Esse é o caso quando grupos sociais novos, que
surgem e ascendem, vão articular mudanças na forma de organi-
zar os processos produtivos e na forma de exploração, com uma
nova concepção de uso da força de trabalho. Da exploração feudal
para a capitalista, por exemplo. A dialética aqui ocorre na altera-
ção das relações de produção e da classe dominante, com a insur-
gência do novo grupo.
A síntese efetiva do processo, porém, acontece apenas
quando muda a dinâmica como um todo e o grupo dominado deixa
essa condição, consubstanciando uma transformação qualitativa
mais profunda. Até o presente momento, ainda não foram criadas
condições humanas e técnicas para a classe dominada exercer seu
papel ativo no processo de transformação social e econômico. Os

82 De origem superestrutural, vistos adiante.


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 149

experimentos de socialismo real, que lograram êxitos parciais e


foram abolidos, mostram isso. O processo dialético continua em
andamento.
Numa economia podem conviver mais de duas classes soci-
ais, mas apenas duas são predominantes e significativas, em geral
as outras são resquícios de sistemas anteriores. O sistema capita-
lista nasce por meio do mercador, que está presente em quase
todos modos de produção anteriores sempre de forma marginal,
até chegar o mercantilismo, quando ganha força para desembocar
no capitalismo, que consolida as relações do tipo capital/trabalho.
As últimas décadas do século XX mostraram uma tendência
à homogeneização das relações de trabalho capitalistas em nível
avançado nos países centrais e a sustentação da heterogeneidade
nos países periféricos, onde, mesmo com a predominância das
relações modernas, se constata formas variantes de remanescen-
tes arcaicas. Devido ao acentuado grau de acumulação atingido
pelas economias centrais, muitas indústrias pagam salários altos
que superam a cesta básica de subsistência, mas a outra face da
contemporaneidade está na sub-remuneração de muitos traba-
lhadores nos países periféricos.

c. Estrutura econômica: todo aparato técnico-material


formado pelas relações de produção e as forças produtivas, que
conjuntamente determinam a produção de uma sociedade num
certo contexto histórico. Pode-se verificar esse conceito conside-
rando os ativos reais disponíveis nos setores primário, secundário
e terciário, a população economicamente ativa e as relações soci-
ais de produção empregadas em um certo período e lugar.
Como a própria expressão enuncia, trata-se da esfera eco-
nômica das sociedades, que informa as possibilidades de produ-
ção com as condições técnicas, humanas e de recursos disponíveis.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 150

Esse aparato pode não ser integralmente aproveitado em alguns


momentos, pois pode haver subutilização das forças produtivas.
O avanço da estrutura econômica puxa o desenvolvimento
da sociedade e é consequência direta do desenvolvimento das for-
ças produtivas, que se tornam mais complexas e produtivas com o
passar do tempo. Essa evolução no capitalismo redunda na acu-
mulação de capital, que se intensifica com saltos técnicos e com a
financeirização, gerando um grande volume de capital fictício. A
partir do fim do século XX é agregado mais dois marcos tecnológi-
cos adicionais ao funcionamento do sistema com a disseminação
da microeletrônica e da internet, possibilitando a robotização das
linhas de produção, agilidade nas transações bancárias e na co-
municação dos mercados, surgimento dos negócios virtuais, entre
outros desmembramentos. A intensificação dos movimentos espe-
culativos, por sua vez, dificulta a estimativa dos valores dos ativos
reais das empresas, devendo o pesquisador se acautelar com os
dados referentes a essas variantes da contemporaneidade.
Numa estrutura econômica predomina um tipo de relação
de produção, mas, como foi dito anteriormente, relações de pro-
dução de sistemas produtivos anteriores podem subsistir de for-
ma marginal como resquícios desses sistemas. Em certos casos,
estruturas similares a escravismo e feudalismo podem até res-
ponder por uma parcela não desprezível das relações de produção
em países capitalistas como o Brasil, em pleno século XXI, de mo-
do a entravar o que seria um processo desimpedido de desenvol-
vimento técnico e humano da estrutura econômica. É certo, po-
rém, que essa obstacularização atende a interesses do capital no
processo de acumulação de capital como um todo.

d. Superestrutura: segundo Marx, trata-se de ‘formas so-


ciais de consciência’, de uma categoria abstrata relativa ao conjun-
to de valores da sociedade que se contrapõe à materialidade da

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 151

estrutura. A superestrutura traz as referências do que é certo e


errado, de como as coisas são em função da moral e dos costumes
predominantes em cada época, em cada sociedade.
Os valores podem ser divididos em sociais e econômicos,
sendo que os primeiros têm diversos aspectos, tais como as ques-
tões psicológicas, culturais, artísticas, religiosas, jurídicas e políti-
cas. Marx destaca esses dois últimos aspectos, por neles estarem
sintetizados os demais valores sociais e econômicos, uma vez que
as leis cristalizam toda a forma de pensar de uma comunidade.
Embora a estrutura seja o campo onde a variável econômica é sua
essência, a essa atividade produtiva material correspondem certos
valores econômicos que refletem a concepção e a prática produti-
va, particularmente a forma como vão se articular as classes soci-
ais na relação de produção corrente.
Um conceito central para o entendimento da superestrutu-
ra é o da ideologia, mas numa acepção mais específica do termo,
pois para Marx, os valores básicos de uma sociedade são os valo-
res das classes dominantes, que são repassados de forma direta ou
indireta (educação e propaganda entre outros meios), com o intui-
to de difundir e manter a ordem sócio-econômica instituída. A so-
ciedade, como um todo e seus indivíduos, introjeta esses valores,
tomando para si como se seus fossem, o que resulta em padrões
comportamentais relativamente previsíveis quando se tem cons-
ciência do uso desses mecanismos sociais para ajudar a manter
(no plano ideológico) e estrutura econômica e as relações de pro-
dução vigentes.
A essência dessa categoria é imaterial, porém possui for-
mas diversas de manifestação concreta, desde as mais centrais,
como o aparato institucional jurídico e político composto por câ-
maras municipais, assembleias legislativas, congresso nacional e
tribunais diversos, às mais específicas, como igrejas e teatros. Es-
sas organizações são instituições que representam concretamente

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 152

a concepção dos principais valores em torno dos quais gira o


acordo social83, o trato acerca da moral predominante para as re-
lações sociais e econômicas.

e. Modo de produção: complexo formado pela aglutinação


da estrutura produtiva (econômica) e superestrutura. Trata-se do
conceito marxista mais amplo das organizações sociais, embora
haja autores que entendam por modo de produção apenas a estru-
tura econômica. Para esses últimos, o conjunto formado por estru-
tura e superestrutura seria então denominado de ‘formação eco-
nômico-social’. Em última instância, todas outras categorias rela-
cionadas - estrutura, superestrutura, forças produtivas ou rela-
ções de produção – o compõem direta ou indiretamente, possuin-
do suma importância para o entendimento da dinâmica dos mo-
dos de produção em geral, e para a interpretação dos fenômenos
socioeconômicos.
O modo de produção é a categoria síntese da dinâmica e
das contradições das organizações socioeconômicas, para além de
uma aparente ordem maior prevalecente. É uma unidade que con-
tém uma tensão constante entre dois grupos sociais mais impor-
tantes, com características principais definidas pelo grupo minori-
tário dominante, que as sustenta com a contribuição decisiva de
um conjunto de valores efetivados em normas. O conjunto norma-
tivo, entretanto, entrava o processo, mas forças produtivas alter-
nativas surgem e forçam a mudança dos modos de produção.

Retomando o texto referido anteriormente, nota-se em


primeiro lugar a preocupação de Marx em fazer um elo de ligação
entre os diversos ramos da análise social, com ênfase especial no
campo econômico. Seu esboço propõe uma lógica comum para a

83 Que muitas vezes pode ser arbitrário, imposto pelo grupo dominante.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 153

explicação da dinâmica de todas as formações sociais; inclusive o


modo de produção capitalista. Verifiquemos inicialmente como se
dá a dinâmica em geral da transformação das sociedades para, a
seguir, tratar especificamente das origens do capitalismo, suas
determinações e tendências.
Em uma certa sociedade, dada sua sustentação produtiva
(estrutura econômica) e seu suporte político e jurídico (superes-
trutura), as forças produtivas são a mola mestra do movimento de
transformação social e estão em permanente evolução84. Essa vi-
talidade decorre da busca constante do ser humano por melhores
condições materiais de vida, via melhorias na produção. Quando
as mudanças nas condições de produção são mais expressivas
qualitativamente, são vinculadas a alterações nas relações de pro-
dução, e se forem igualmente significativos seus resultados, será
engendrado todo um processo de transformação socioeconômica
para adoção de um novo modelo produtivo, que enfrentará a re-
sistência do que está em vigor.
O texto mostra a dialética presente no corpo social, com
forças contrárias em tensão social. As relações de produção são
protegidas, ‘engessadas’ por leis e/ou costumes vigentes, de ma-
neira que a generalização de outras relações pela economia, rei-
vindicadas por segmento social novo para implantar um outro
sistema produtivo, demanda um processo longo de maturação
decorrente de embates internos85.

84 Eventualmente perceptível à observação imediata, mas sempre constatada


historicamente.
85 Alternativamente, povos podem receber modelos produtivos de povos inva-

sores ou por derrota em conflitos externos, queimando as etapas relativas à sua


conquista. Nesses casos, contudo, não são resultado diretos de processo de
transição dialética interna, mas sim de processos dialéticos externos, e, portan-
to, indiretos, transversais. Uma vez ocorrida esse tipo de interação, contradi-
ções específicas de cada caso se manifestarão e evoluirão em novos processos
dialéticos.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 154

Esta é a dinâmica básica existente no interior dos modos de


produção. Desenvolvimentos das forças produtivas ensejam mu-
danças nas relações de produção, e consequentemente nos pa-
drões produtivos, então a estrutura econômica se metamorfoseia,
para também a superestrutura se adequar aos novos arranjos
produtivos. Tudo isso é um processo histórico em que várias coi-
sas acontecem paralelamente, inclusive a mudança dos valores, a
partir do valor fundamental, relativo ao modus operandi econômi-
co. Os valores vão mudando à medida que a nova classe ascenden-
te vai crescendo e tomando maiores proporções na sociedade.
A classe até então dominante não cede fácil, pois tem, sob
seu controle, explícita ou implicitamente, a estrutura de poder
político e econômico, permitindo-lhe um nível alto de resistência a
mudanças que, no mais, só vêm para derrubar seus privilégios.
Ocorre que o avanço das forças produtivas é mais forte e, mais
cedo ou mais tarde, atropela o poder instituído, se impondo e for-
çando a alteração dos paradigmas, até que todo processo produti-
vo e a conformação social mudem e passem a se desenrolar em
outros moldes. São formadas novas estrutura econômica e supe-
restrutura, que vão vigorar por um tempo até que o processo dia-
lético seja disparado novamente, posto que a resolução dos confli-
tos é sempre transitória.
Há um momento inicial nesse processo no qual a estrutura
e a superestrutura se compõem de forma harmônica, em razão da
correspondência plena entre as normas e uma relativa estabilida-
de das forças produtivas, mas isso é temporário, pois na sequência
virá uma evolução dessas últimas para importunar o status quo. É
a negação da negação, uma vez que essa evolução não repete for-
mas passadas, nega a estrutura que lhe é contemporânea e as an-
teriores. A partir daí, o velho e o novo conviverão conflituosamen-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 155

te por colidirem em relação à forma da exploração, que requer


relações de produção e ideologia diferentes, até a convivência se
tornar impraticável e a única forma de resolver o conflito for a
superação das velhas relações socioeconômicas, que levam consi-
go o antigo sistema.
Tomando esse referencial de análise, observamos como a
esfera econômica é inseparável das demais esferas sociais e como
é importante na definição de seus rumos. A ascensão de forças
produtivas inovadoras decorre da combinação da criação de téc-
nicas e equipamentos de um lado e circunstâncias sociais propí-
cias de outro, já seu desenvolvimento como via produtiva alterna-
tiva ao sistema estabelecido depende da viabilização técnica, eco-
nômica e social, que passa por sua disseminação pela sociedade,
gestando valores compatíveis nesse processo.
O contexto econômico está inerentemente ligado ao con-
texto social porque a atividade produtiva é mediada por relações
sociais (de produção), de modo que a produção para sobrevivên-
cia em sociedade é também produção de valores. O ‘agente’ eco-
nômico contemporâneo que toma decisões ‘racionais’ está imerso
na convivência social e impregnado da moral predominante, por-
tanto, decide sob sua influência e égide.
No entendimento marxiano, não é suficiente a vontade do
homem para construir uma transformação socioeconômica quali-
tativa, ainda que seja seu elemento central, são necessários requi-
sitos técnicos, humanos e a disseminação desses. Isso explica, par-
cialmente, o fracasso das experiências de socialismo real, que pos-
suíam fragilidade na base produtiva e na matriz tecnológica.
Transformadas efetivamente as estruturas produtivas, a
manutenção da nova ordem econômica vem com a institucionali-
zação dos novos valores na construção de um novo aparato supe-
restrutural. Pode-se buscar a garantia da observância dos parâme-
tros socioeconômicos através da força, e historicamente isso foi

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 156

observado com frequência, mas nem sempre, pois o fundamental é


a constituição de um marco ideológico para ratificar o poder eco-
nômico e político. No ocidente moderno, em particular, aumentou
significativamente a importância da capacidade da classe domi-
nante articular um projeto social que seja assimilado pela socie-
dade através de valores afirmados, devido à premissa da liberdade
civil.
O motor propulsor do desenvolvimento da humanidade, as
forças produtivas, são dinâmicas e têm caráter predominantemen-
te econômico, em contrapartida, a superestrutura é relativamente
estática, depende de movimentos transformadores mais consis-
tentes na estrutura econômica para se mover. A superestrutura é
intrinsecamente inercial, os valores se entranham pelo tecido so-
cial e se firmam em tradições, costumes e instituições, só mudan-
ças fortes nas forças produtivas rompem a barreira de ordena-
mentos estabelecidos.
Tratando-se de processo social, a interação dos fatores vai
determinar o ritmo e o resultado do processo, as circunstâncias
históricas vão delinear os desmembramentos dos fatos e que vari-
ável vai se sobrepor em relação a outras. Fatores sociais condicio-
nam o ritmo do desenvolvimento das forças produtivas, podendo
até obstacular a evolução da estrutura econômica86, mas como
regra, devem acompanhar, com um pequeno atraso, as inovações
técnicas e produtivas fulcrais.
As componentes religiosa e cultural se encaixam na estru-
tura ideológica superestrutural, e vão aparecer permeando as de-
mais variáveis sociais, refletindo os valores do momento histórico
e da concepção econômica em vigor. Notadamente, no contexto

86Caso, por exemplo, de evoluções impostas de fora, quando há intervenção ou


imposição de forças externas em uma comunidade, e a mentalidade local, base-
ada em valores arcaicos em relação ao invasor, demora a absorver e consolidar
novos valores.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 157

contemporâneo ocidental em especial, podem surgir manifesta-


ções artísticas contestadoras de forma marginal convivendo com o
mainstream que celebra os valores do mercado, em particular a
liberdade que possibilita obras de cunho crítico.
Alguns elementos culturais e religiosos podem atravessar
modos de produção intocados, outros podem ser ligeiramente
modificados, e outros podem ser transformados, ou mesmo cria-
dos, para refletirem novas relações de produção estabelecidas,
sendo importante que a maioria componha um quadro harmônico
junto aos valores principais do sistema.

4.5. O caso da transição do feudalismo para o


capitalismo

O capitalismo surge a partir do mercantilismo para deter-


minar a superação do feudalismo. O desenvolvimento das forças
produtivas vai ser representado inicialmente pelo comerciante,
esse personagem já presente em antigas civilizações87, mas que
encontrou condições de maior evolução a partir das grandes na-
vegações no século XVI, com a incorporação das regiões desco-
nhecidas do mundo até então.
A intensificação do comércio permitiu uma acumulação ini-
cial de capital, que veio seguida das invenções das primeiras má-
quinas que revolucionaram a atividade produtiva88, e desencadea-

87 O comércio é apontado frequentemente como força econômica principal na


idade antiga (como faz Carlan, 2012, 84), porém sua dimensão e evolução cor-
respondiam à baixa produtividade na agricultura e no artesanato da época.
88 Hunt (1987, 61) cita algumas das principais: “... especialmente após a década

de 1730, quando foi inventada a lançadeira móvel, que tornou o processo de


fiação bastante rápido. ... a spinning jenny, criada em 1769, ..., a armação hi-
dráulica, inventada em 1755 que aperfeiçoou a fiação..., e o fuso, inventado no
fim da década de 1700, que ... permitia o aproveitamento da energia a vapor.”,
quando a matriz anterior usava basicamente carvão vegetal.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 158

ram um aumento substancial na produção, na massa de lucros e


na acumulação, consolidando a economia de mercado.
O comerciante era uma categoria marginal no feudalismo,
um sistema caracterizado por protecionismos diversos e ideologi-
as que inibiam esse tipo de atividade, mas vai crescendo aos pou-
cos, e, quando acumula algum capital, monta os primeiros galpões
onde concentra seus fornecedores (artesãos diversos). Com o
tempo e juntando mais capital, compra seus equipamentos, para
depois, enfim, introduzir novas máquinas que articulam todos
trabalhadores num só sistema produtivo em que as operações são
simplificadas, tornando o movimento repetitivo e bem mais pro-
dutivo. Na penúltima última etapa já fica delineado o capitalismo,
com a desapropriação integral das posses do trabalhador e o esta-
belecimento da relação assalariada89, mas só na última fase ele dá
o salto de produtividade que vai permitir alavancar a acumulação
de capital e substituir definitivamente a relação dominante de
produção senhor feudal/servo pela de capital/trabalho, em que o
servo não é mais parte de uma propriedade, mas sim uma força de
trabalho livre para ser contratada (alugada) e demitida a qualquer
tempo em razão das necessidades de expansão ou restrição da
produção.
Dialeticamente, as condições materiais de produção exis-
tentes na estrutura feudal compõem a tese inicial. Basicamente
agrícola, o sistema abre espaço, gradualmente e não sem conflitos,
para o afloramento do mercado e da nova classe burguesa, que
propõe uma forma liberal de organizar a produção; a antítese. O
modus operandi do grupo burguês era incompatível com a forma
feudal de produzir e comercializar, daí os embates em torno da
mudança de regimes tributários que oneravam a classe nascente

89Como constata Chevitarese (1998). essas relações também são encontradas


na idade antiga ocidental, mas não como forma dominante.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 159

para sustentar a realeza improdutiva, e vários outros para liberar


os trabalhadores e os mercados.
O comerciante surge como uma força produtiva alternativa
que desencadeia um processo de renovação econômica, desper-
tando a coletividade para a possibilidade de uma outra formata-
ção social. Com o decorrer do tempo vai se tornando classe refe-
rencial, a base econômica agrícola perde espaço para o comércio,
num primeiro momento, e depois para as manufaturas. Os valores
burgueses vão se capilarizando gradativamente até o lucro se fir-
mar como peça central da lógica econômica, e assim vão sendo
construídas as condições superestruturais para fornecer a susten-
tação cultural, ideológica e política para as modificações ocorridas
na base produtiva.
Os valores que refletem os interesses da nova classe domi-
nante são difundidos aos poucos, à medida que também evolui a
base técnica de produção. No plano religioso, por exemplo, obser-
va-se uma sensível mudança. Ainda que a reforma protestante
tenha ocorrido antes da revolução industrial, é só a partir dessa
última que ela encontra condições ideais para seu desenvolvimen-
to. Gradualmente, vai se afirmando a valorização do trabalho e dos
que progridem economicamente por ele, na mesma razão em que
se desgasta a valorização católica da pobreza e a condenação da
usura. Trata-se de uma inversão de valores religiosos dentro do
mesmo prisma cristão, no qual se supera a decadente ética pater-
nalista cristã, que possibilitou o enriquecimento da igreja católica
na idade média, para adoção do movimento reformista protestan-
te como referência, via admissão da produção e acumulação de
riqueza privada sem culpa.
A transformação da concepção cristã ao longo desse pro-
cesso é uma prova histórica da adequação superestrutural à mu-
dança estrutural maior. A perspectiva dialética no plano superes-
trutural deve ser buscada na negação dos valores feudais. Parafra-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 160

seando uma passagem cristã: há uma mudança da água para o vi-


nho, da valorização da pobreza para o incentivo à riqueza. A antí-
tese negando a tese.
O desenvolvimento social acontece porque na unidade so-
cial convivem forças antagônicas representadas por grupos e inte-
resses políticos e econômicos distintos, uns ascendendo, outros
em queda, se atritando até implodir e desfazer a unidade entre as
forças produtivas e relações de produção, levando com elas as
ideias anacrônicas que lhe davam sustentação. A acumulação não
podia conviver com o formato paternalista cristão.
Outro elemento superestrutural é a variável política. O Es-
tado moderno surgiu com a reforma política na Inglaterra em
1688, quando a economia mercantil estava no auge, e sua consoli-
dação veio com o capitalismo. Com o desenvolvimento dos merca-
dos, começam a florescer ideias que fundariam outro movimento
importante para complementar e fundamentar a reforma do Esta-
do: o iluminismo.
A democracia como forma de governo ideal para legitimar
anseios sociais é um conceito moderno que tem a premissa da li-
berdade em comum com o mercado, sendo defendida e discutida
teoricamente por pensadores diversos que formularam o ideário
liberal90, essencial na construção superestrutural do capitalismo.
Ultrapassando as aparências, porém, as elites capitalistas têm
aporte financeiro para bancar candidatos e eleger a maioria dos
representantes políticos.
As condições técnico-materiais capitalistas remetem a cos-
tumes próprios que são refletidos no Estado, o agente catalisador
dos interesses econômicos, e sua classe dominante produz todo
um aparato normativo/ideológico para sedimentar os valo-
res/ideais capitalistas. Um dos principais motes dessa ideologia é

90 Tais como Montesquieu e Voltaire.


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 161

a máxima: todos podem ser homens de negócios, afinal o sucesso


econômico está ao alcance de qualquer um que enfrentar o mer-
cado e trabalhar, abrindo seu negócio próprio.
A doutrina de que o mercado está aberto a todas boas inici-
ativas é a principal mensagem implícita nas peças publicitárias,
onde aparecem sempre pessoas bem sucedidas financeiramente e
felizes. Trata-se de uma ilusão, posto que o sistema precisa de tra-
balhadores para explorar, restando relativamente poucas oportu-
nidades com perspectivas de crescimento, tanto de salário quanto
de negócio, particularmente no estágio mais desenvolvido em que
o capital está mais concentrado91.
O comportamento humano mais relevante deve ser tomado
pelo prisma da convivência grupal, porque o indivíduo é mais bem
compreendido enquanto integrante de uma classe social e sua in-
dividualidade, portanto, está vinculada a uma racionalidade social.
Embora a divisão de classes tenha se tornado mais complexa no
estágio do capitalismo monopolista92, a essência da dinâmica das
sociedades proposta por Marx permanece, sendo retratada atra-
vés da lógica de dominação de um grupo (elite capitalista) em de-
trimento do resto da população, o proletariado.
Ao escolher uma mercadoria, um indivíduo exterioriza nes-
sa ação aparentemente soberana, uma série de valores sociais que
dizem respeito à sua condição política, econômica e cultural na
sociedade. Para o autor em questão, a escolha de uma mercadoria

91 Já pequenos negócios podem se multiplicar para possibilitar perspectivas


alternativas de sobrevivência a trabalhadores desempregados.
92 A partir da segunda metade do século XX, salários de segmentos de gerência e

direção se expandem muito em países desenvolvidos, se assemelhado, em ter-


mos quantitativos, a alguns rendimentos empresariais, enquanto de outro lado,
postos de trabalho são eliminados e substituídos por empregados de empresas
terceirizadas. Além disso, também aumentou significativamente o funcionalis-
mo estatal, que não é vinculado ao capital, mas funciona em sintonia com o
stablisment.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 162

qualquer é mais do que uma decisão individual, ela está carregada


de influências do sistema econômico, do marketing, da religião ou
da cultura, que refletem o padrão de dominação capitalista e sua
inserção em todas esferas sociais. O trabalhador compõe um todo
sem perceber, pois tudo que o cerca é naturalizado pelo cotidiano
inundado de informações que realimentam a lógica interna do
sistema. Só alguma perspectiva crítica pode vir a alterar sua visão.
O interesse de quem produz para o mercado, por sua vez,
não é apenas atender às necessidades dos consumidores, seu obje-
tivo maior é ampliar os lucros, então ele se ocupa em estimular o
consumo e criar novas necessidades. É preciso ressaltar que o ca-
pitalismo é o ápice da produção humana e desenvolveu ao longo
de sua história vários mecanismos, além das técnicas revolucioná-
rias de produção, para se expandir sempre mais e mais rápido,
como transformar o comércio e o dinheiro em capital.
Já constatava Smith que a economia de mercado obtém
produção e produtividade muito maiores do que qualquer outro
sistema econômico anterior, mas, para Marx, isso é conseguido às
custas da exploração do trabalho assalariado93. Os trabalhadores
ficam com muitos ônus (trabalho excessivo e repetitivo, salários
baixos, desemprego, impostos, etc.) e poucos bônus (mercadorias
baratas em maior quantidade) no processo de expansão produti-
vo, enquanto os capitalistas ficam com o maior bônus, a riqueza, e
poucos ônus que tentam minimizar sempre mais (encargos traba-
lhistas, impostos).
O capitalista raciocina dentro da lógica da acumulação de
capital no processo de exploração, segundo a qual os demais valo-
res morais são secundários, irrelevantes. A distensão de limites
morais sociais para atender à moral econômica maior do lucro se

93 Outras formas de exploração existiram nas organizações socioeconômicas


anteriores, mas com o ganho expressivo na produtividade, a exploração capita-
lista é significativamente maior.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 163

coaduna com a condição de poder da classe dominante. Isto ficou


demonstrado historicamente por episódios como a crise de
200094, de 200895 ou pelas elevadas jornadas de trabalho do prin-
cípio do capitalismo. Das 18 horas diárias de trabalho para adultos
e crianças registradas na Inglaterra no século XIX96 até as atuais 8,
6 horas diárias como referência mundial, se passaram muitas gre-
ves e reivindicações da classe trabalhadora por redução da jorna-
da de trabalho. Só os movimentos sociais e de classe detêm o afã
pelo aumento de lucro dos capitalistas. Essa é uma comprovação
histórica da visão materialista dialética, que observa o processo
social pela lente dos grupos sociais que o constroem, sendo ele-
mentos ativos do processo histórico.
Ao ter necessidade de vender sua força de trabalho, o indi-
víduo tem demarcado seu limitado horizonte de consumo e de
valores sociais. O comportamento do trabalhador típico é pautado
por um conjunto de valores que tenta reproduzir precariamente o
modo de vida dos mais abonados, cujo padrão é a exaltação do
sucesso individual e a ostentação material, ficando a percepção de
classe enevoada e restrita.
Um outro elemento ideológico usado pelo establisment pa-
ra dispersar ações políticas diversas dos trabalhadores é propalar
como uma das máximas do capitalismo liberal a mobilidade social.
Na contemporaneidade, pode se dizer que isso acontece em algu-
ma medida em países desenvolvidos, onde há diversidade de
oportunidades e até os postos inferiores são relativamente bem
remunerados, mas a maioria dos países de mercado compõem a
periferia econômica, onde a mobilidade social é muito reduzida e

94 Ver Stiglitz (2000).


95 Ver Borça Júnior e Torres Filho (2008).
96 Conforme o próprio Marx (1985) registra em relatos e documentos no capítu-

lo 8 do livro primeiro.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 164

a possibilidade de ascensão do trabalhador só ocorre com a saída


do trabalhador para um país desenvolvido.
Marx compartilha com Ricardo a constatação de que quase
sempre há mais oferta que demanda por trabalhadores nos mer-
cados, mas vai além, indicando suas origens e discordando de sua
conclusão simples de que isso, em si, é a principal causa da manu-
tenção dos patamares salariais baixos. A produção cresce muito,
mas os capitalistas continuamente desempregam através de ino-
vações técnicas intensivas em capital e poupadoras de mão de
obra, para aumentar a massa e a margem de lucro.
O contingente desempregado é chamado por Marx de
‘exército industrial de reserva’, nomenclatura que alude à expres-
sividade quantitativa de trabalhadores (exército), à sua destinação
principal (industrial) e à condição desses trabalhadores; desem-
pregados à disposição dos capitalistas (reserva). Contraditoria-
mente, o capitalismo precisa dos trabalhadores, como base de ex-
ploração e como demanda, ao mesmo tempo os expulsa frequen-
temente para aumentar lucros e elevar a acumulação.
No contexto da busca constante por aumento na acumula-
ção, o meio rural vai ter sua importância gradativamente reduzida
no capitalismo, vindo a reboque da indústria e sendo mais produ-
tivo com novas tecnologias que também diminuem a oferta de
emprego. O setor terciário, por sua vez, tem compensado esse
processo com aumento de postos de trabalho, mas com oportuni-
dades quantitativa e qualitativamente inferiores.
Enfim, analisando o capitalismo sob a ótica marxista, po-
demos afirmar que é mais um modo-de-produção dialético, e, co-
mo tal, é também transitório. É um sistema econômico que expo-
nencia a produção, mas possui dentro de si contradições e a se-
mente de sua superação, como os demais. Diferentemente dos
outros, no entanto, a evolução de suas forças produtivas possui o
desmembramento especial de levar à eliminação da maior parte

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 165

do trabalho humano97, de modo que a superação lógica do capita-


lismo seria alguma versão de socialismo, o sistema que suprime a
premissa da exploração para priorização do coletivo. Se há uma
solução técnica caminhando, resta evoluir a dimensão humana,
que depende da construção social. O socialismo é via política e
econômica que pode vingar, se a sociedade estiver preparada para
tal e mobilizada em torno dele, tanto tecnicamente quanto em
termos de valores socioeconômicos98.
As experiências de socialismo real tentaram se antecipar ao
pleno desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, mas
fracassaram principalmente pela falta de bases técnico/materiais.
Por ter ocorrido em países de bases agrícolas, o comunismo de-
mandou um esforço de industrialização elevado, mas insuficiente
em razão dos esforços paralelos com o desenvolvimento da indús-
tria armamentista para fazer frente à guerra fria99. Ademais, fa-
lhou na constituição de um aparato político/superestrutural que
contemplasse os anseios modernos, optando por um modelo auto-
ritário que não foi substituído por nenhuma forma libertária de
sociedade, que refletiria efetivamente a disseminação de valores
humanos socialistas.
Enquanto a apropriação privada poder conviver com a ex-
ploração, o sistema capitalista subsiste, mas quando a tecnologia
negar esse fundamento, será necessária sua substituição. Uma
economia de mercado pautada por um regramento que minimize

97 Embora o setor terciário venha crescendo, compensando parcialmente a


redução de vagas nos setores primário e secundário, a robótica avança junto
com a nanotecnologia e a inteligência artificial, que ainda está dando seus pri-
meiros passos no sentido de vir a operacionalizar tecnicamente o fim do traba-
lho humano em todos setores.
98 Não há horizonte temporal definido para isso, de modo que, antes disso po-

dem ocorrer desmembramentos sociais diversos. Discussões nesse sentido


podem ser vistas em Lyra (1992).
99 Conforme Martins (1999, 41-42).

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 166

as diferenças sociais dentro do marco liberal é uma forma de ade-


quação do sistema que viabiliza a convivência social nesse mo-
mento de extrema evolução tecnológica. A universalização da edu-
cação, por exemplo, seria elemento importante para demonstrar
seu princípio integrador, tanto social como econômico, proporcio-
nando condições igualitárias de saída para a disputa do mercado
de trabalho. Esse caminho é compatível com as ideias do status
quo100, ajudando a minimizar os atritos sociais, mas só uma mu-
dança qualitativa, de conteúdo, é que encaminha a humanidade
para uma mudança efetiva de mentalidade afinada com um futuro
de redução dos trabalhos humanos de baixa qualificação a algo
residual.

4.6. A teoria do valor e da mercadoria

Ao longo de O Capital é investigada a lógica do funciona-


mento do sistema capitalista. Marx começa mostrando categorias
de análise fundamentais desse modo de produção nas seções 1, 2
e 3 do livro 1, desenvolvendo a exposição num nível de abstração
mais alto. São apresentados a mercadoria, a força de trabalho, o
dinheiro, a mais valia e o capital por meio do processo de forma-
ção do capitalismo, conteúdo que já possibilita um bom entendi-
mento básico das ideias críticas marxianas acerca das economias
de mercado modernas. No tomo 2 do livro I a exposição continua,
adentrando em pontos mais específicos da dinâmica da explora-
ção, com elementos dialéticos e históricos detalhados. Nos dois
últimos livros, enfim, se chega ao exame do movimento do capital
como um todo.
Os conceitos supracitados são importantes, antes de mais
nada, para compor a teoria do valor, que permanece como ponto

100 Como já defendia Marshall no século XIX (ver Nasar, 2012, 95).
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 167

de referência por toda análise seguinte. Essa teoria não é antece-


dida pela crítica à concepção da economia política clássica no Ca-
pital, como foi feito em seu livro anterior101, aqui a exposição é
centrada no objetivo definido. Em verdade, no primeiro capítulo
dessa obra, o autor resgata pontualmente William Petty como o
precursor da concepção da dupla origem do valor102, num contex-
to histórico mercantilista em que se aceitava correntemente ape-
nas o trabalho comercial como trabalho produtivo.
A teoria do valor passou muito tempo em segundo plano,
até que foi retomada e modificada pelos clássicos Smith e Ricardo.
Sendo esses expoentes da teoria econômica à sua época, foram as
referências para Marx, que parte da crítica à concepção clássica
para desenvolver sua teoria. Além do resgate histórico de Petty no
capítulo inicial, no Capital também há notas de rodapé sobre
Smith e Ricardo (1985, 53 e 77), deixando o exame detalhado dos
pressupostos teóricos dos clássicos para o livro 3103.
A teoria do valor marxista começa com a investigação da
categoria síntese do capitalismo, na qual toda riqueza se expressa:
a mercadoria. A mercadoria é a concretização da categoria abstra-
ta ‘mercado’, quando se produz para a troca e o resultado do pro-
cesso produtivo é posto à venda. As trocas fazem parte da pré-
história da humanidade, quando tribos praticavam o escambo104, e
permearam outras formas de organização social, antes de chegar o
contexto mercantilista, onde ganharam força e se consolidaram.
Esta escolha guarda coerência com seu método de análise, dado

101 O Para a crítica da economia política (Marx,1986).


102 Marx (1985, 51) enfatiza que: “... o trabalho é o pai, como diz William Petty, e
a terra, a mãe.” de toda riqueza material.
103 Para os que querem uma apresentação que siga uma sequência lógica e his-

tórica da teoria do valor, é aconselhável a leitura do Para a crítica da economia


política (1986, 51-53); onde o aludido autor comenta detidamente as insufici-
ências teóricas das formulações da escola clássica, antes de expor sua teoria.
104 Troca direta de excedentes.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 168

que, sendo seu objetivo desvendar as fundações da dinâmica capi-


talista, essa categoria síntese é historicamente representativa da
essência desse modo de produção. No capitalismo, a produção
está separada do consumo, sendo realizada com a venda a tercei-
ros, diferente dos sistemas anteriores em que a unidade produto-
ra era também consumidora e a forma mercadoria era exceção.
A separação entre produção e consumo nos dá pistas acer-
ca da interpretação da mercadoria pelo lado dialético. Partindo da
conceituação marxista da categoria em estudo como unidade dia-
lética entre valor de uso e valor, verifica-se a oposição entre dois
aspectos contraditórios: valor de uso diz respeito à utilidade que a
coisa proporciona ao possuidor, a propriedade que ela tem de sa-
tisfazer alguma necessidade humana, enquanto o valor corres-
ponde à necessidade da venda e assim diz das “quantidades pro-
porcionais nas quais (a mercadoria) é trocada por todas as demais
mercadorias” (Marx, 1986, 153). Há uma correspondência entre
valor e valor de troca, sendo que esse último representa um mo-
mento especial do primeiro, o momento da troca. Uma mercadoria
possui sempre valor, independente de ser vendida ou não, porque
nela foi colocado trabalho, se uma mercadoria não é vendida, só
deixa de ter valor de troca.
O valor de uso está ligado à qualidade específica da merca-
doria, às suas características intrínsecas que possibilitam ao pos-
suidor desfrutá-la, o que remete à sua corporalidade. Uma cadeira
ou um sofá proporciona descanso e relaxamento às pessoas graças
à sua forma, pois seu corpo, diferente das outras mercadorias, é
projetado especificamente para atender a essa função. Alguém que
espera a utilidade do conforto para descansar sentado, não se sa-
tisfará com uma geladeira ou um fogão, que atendem a outros
propósitos. Já para alguém que quer cozinhar, a cadeira não serve,
é inútil. Valor de uso trata de necessidades, objetivas ou subjeti-
vas, do ser humano.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 169

Pela ótica do valor, contudo, o que interessa é a relação


quantitativa que é estabelecida entre as mercadorias, independen-
te de qualquer forma tomada por essas. A corporeidade aqui é
irrelevante, independente da pessoa ter uma cadeira, uma gela-
deira ou um fogão, esses objetos interessam pela possibilidade de
serem trocados, e, no caso da economia de mercado consolidada:
vendidos. Na realidade concreta, o valor pode ser identificado com
o dinheiro, que reflete os valores de todas as mercadorias (daí a
manifestação da forma preço), desaparecendo assim as particula-
ridades de todas elas105.

VALOR DE USO UTILIDADES E QUALIDADES DA


MERCADORIA
VALOR CAPACIDADE DE TROCA QUANTIDADES

Se as mercadorias são trocadas é porque existe um termo


de intercâmbio que permite a comparação relativa entre elas. Para
Marx, esse termo é o trabalho, de modo que ele o qualifica como a
essência, a substância do valor. A sociedade de trocas é baseada na
divisão do trabalho, há trocas constantes de mercadorias e de tra-
balho, que também é uma mercadoria.
Ninguém possui condições de sobreviver só na modernida-
de, porque assim não consegue produzir o mínimo de itens que
uma pessoa precisa para sobreviver. A chegada da indústria capi-
talista instaurou o fracionamento das atividades produtivas e in-
viabilizou o isolamento econômico da unidade familiar autônoma,
comum em modos de produção anteriores:

“Aquele que produz um objeto para seu uso pes-


soal e direto para consumi-lo, cria um produto,
mas não uma mercadoria. Mas para produzir uma

105 Esse ponto será objeto de análise do item 4.8.


Sumário
Alexandre Lyra Martins | 170

mercadoria, não só se tem de criar um artigo que


satisfaça a uma necessidade social qualquer, co-
mo também o trabalho nele incorporado deverá
representar uma parte integrante da soma global
de trabalho invertido pela sociedade. Tem de es-
tar subordinado à divisão de trabalho dentro da
sociedade.” (Marx, 1986, 154)

Os trabalhos que cada um exerce concretamente, contudo,


são qualitativamente diferentes e não podem servir de termo co-
mum. O trabalho do marceneiro é distinto do trabalho do operário
da construção civil, que é diferente do trabalho do bancário e as-
sim por diante. Como trabalhos heterogêneos que são, geram algo
específico, singular, como são os corpos das mercadorias e seus
valores de uso106. O trabalho que faz a ponte na troca entre as
mercadorias tem que ser um trabalho igual, homogêneo e, portan-
to, desprovido de qualquer qualificação que o diferencie. Esse tra-
balho está ligado apenas à noção de valor em si.
Marx denominou ‘trabalho concreto’ o que gera valor de
uso devido à correspondência entre a realidade concreta do pro-
cesso produtivo e os respectivos diferentes valores de uso gera-
dos, enquanto o ‘trabalho abstrato’, por sua vez, é o que gera valor
propriamente, pois independente da qualidade do trabalho que
esteja sendo feita, há produção quantitativa de valores.
Embora seja real, o trabalho abstrato só existe teoricamen-
te como conceito para explicar um aspecto da realidade: por trás
da concretude há determinações e desmembramentos históricos
que desembocam nela. Sua importância é crucial, pois é o primei-
ro passo para uma compreensão das trocas na economia capitalis-

106Mesmo que a mercadoria seja incorpórea, como é o caso dos serviços, estes
dependem de mercadorias reais específicas para efetivá-los. O serviço de trans-
porte precisa de um veículo, o serviço odontológico precisa de equipamentos
específicos para tal, etc.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 171

ta, cuja operacionalização prática será dada por outra categoria de


nível de abstração menor apresentada adiante. Sua existência não
pode ser comprovada pela visão, como é o caso do trabalho con-
creto, que é observável em qualquer processo de trabalho. Como
categoria puramente teórica, sua aceitação pressupõe uma linha
de raciocínio e uma metodologia específica.

TRABALHO CONCRETO ESPECÍFICO


ABSTRATO INDIFERENCIADO

Verifiquemos o caráter dialético das categorias. Enquanto o


trabalho concreto remete à diversidade dos tipos de trabalho, o
trabalho abstrato traz consigo a noção de trabalho indiferenciado,
de “dispêndio de força humana de trabalho” (Marx, 1985, 51), de
potencialidade de trabalho que todos têm por possuir energia pa-
ra gastar produtivamente. O primeiro diz respeito a qualidades, a
forma, a especificidade e o segundo, seu contrário, diz respeito a
quantidades, conteúdo essencial e generalidade. Estas categorias
de análise, contudo, não possibilitam a mensuração objetiva dos
valores em face às limitações impostas pelo seu nível (alto) de
abstração. O objetivo dessas é introduzir o estudioso nas categori-
as históricas, que são mais próximas da realidade concreta.
As categorias de análise marxianas do trabalho que vão vi-
abilizar a mensuração dos valores no mundo real são: trabalho
simples, trabalho complexo e trabalho socialmente necessário. O
trabalho simples guarda semelhança com a ideia do trabalho abs-
trato, é sua tradução concreta, alcança a realidade como o traba-
lho mais simples possível de se encontrar numa determinada so-
ciedade num certo momento histórico107. A esses trabalhos mais

Se é um trabalho efetivamente observável na realidade, também é concreto,


107

mas é um concreto desqualificado. Mesmo os trabalhos mais desprovidos de


Sumário
Alexandre Lyra Martins | 172

simples podem se candidatar a grande maioria dos indivíduos108 e


a eles correspondem as menores remunerações do mercado, por
isso são referência para toda escala hierárquica de qualificações
que segue a partir deles.
O nível mínimo de exigência mental e físico que vai caracte-
rizar o trabalho simples varia dependendo das dimensões tempo-
ral e espacial, que nos fornecem as condições de produção das
sociedades. Enquanto no princípio do século XX analfabetos eram
aceitos nas indústrias, ao fim desse são poucas as oportunidades
para os que não têm educação formal e algum conhecimento de
softwares básicos. Por outro lado, num mesmo espaço de tempo, é
diferente o nível de desenvolvimento tecnológico das ‘potências’
em relação aos países subdesenvolvidos e, consequentemente,
suas exigibilidades na contratação de trabalhadores109.
Os trabalhos complexos se contrapõem ao trabalho sim-
ples, são trabalhos mais elaborados que exigem uma alguma pre-
paração da mão-de-obra para efetivação, correspondendo a um
trabalho concreto qualificado, considerado em seu contexto histó-
rico. Cabem nele as qualificações existentes na economia que, in-
corporadas ao trabalhador, o credenciam a exercer funções mais
especializadas. As qualificações são incorporadas na remuneração
a partir de uma escala de valores, correspondentes à menor ou
maior complexidade do tipo de trabalho. Especializações mais

qualificação têm operações específicas, ainda que a grande maioria seja capaz
de fazê-las.
108 As vezes pode haver alguma restrição que pode descredenciar alguns, por

requerimento de força física, por exemplo.


109 Mesmo com a exigências tecnológicas contemporâneas, apenas uma parcela
da população das periferias econômicas tem formação educacional atualizada e
é absorvida por empresas modernas, persistindo grandes contingentes huma-
nos marginalizados com um nível de educação mínima e setores atrasados que
absorvem essa mão de obra despreparada. O trabalho simples nesses países é
mais simples que o requerido em países desenvolvidos.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 173

complexas necessariamente envolvem maior complexidade de


conteúdo por hora em seu processo de formação, e muitas vezes
também demandam mais tempo de preparação.

TRABALHO SIMPLES DESQUALIFICADO


COMPLEXO QUALIFICADO

Sendo o trabalho complexo uma multiplicação do fator tra-


balho simples, pode-se construir um exemplo hipotético das esca-
las de valores que são estipulados pelas sociedades de mercado,
supondo que os salários auferidos pela mão-de-obra correspon-
dam diretamente ao grau de especialização alcançado pelo traba-
lhador110. Dessa forma, poder-se-ia ter numa sociedade qualquer,
como, por exemplo, Vila Aleatória, uma escala de valo-
res/remunerações simplificada como a que segue:

TABELA 1
Vila Aleatória. Escala de qualificações de trabalho
por níveis de ensino e suas remunerações – 2020
Tipos de trabalhos R$ por hora
Tr. Simples
ensino fundamental 10,00
Tr. complexos:
ensino médio 15,00
técnico: 20,00
superior: 30,00
especializado: 40,00
pós-graduado: 50,00

O que eventualmente pode não ocorrer em função da complexidade da eco-


110

nomia capitalista e seus múltiplos determinantes pontuais.


Sumário
Alexandre Lyra Martins | 174

A tabela mostra que a base de cálculo dos trabalhos comple-


xos está no trabalho simples, que vale R$ 10,00 a hora na Vila Ale-
atória. O trabalho qualificado com nível de instrução ensino médio,
por exemplo, pode ser descrito como valendo 50% a mais que o
trabalho simples, ou 1,5 vezes mais. Nesse lugar hipotético, o nível
menos qualificado para o mercado é o de ensino fundamental, e
gera ao trabalhador um ganho de R$ 400,00 em 5 dias, com jorna-
da de trabalho de 8 horas. Multiplicando-se esse valor pelo fator
1,5 se descobre quanto ganha no mesmo período de tempo um
trabalhador qualificado com nível secundário: R$ 600,00 (R$
400,00 x 1,5).
O conceito do trabalho socialmente necessário, por sua vez,
engloba elementos de ambas as categorias expostas (simples e
complexo), para definir quais os parâmetros gerais das atividades
em uma certa sociedade. Segundo Marx (1985, 48):

TRABALHO SOCIALMENTE NECESSÁRIO

“é aquele requerido para produzir um valor de


uso qualquer, nas condições dadas de produção
socialmente normais, e com o grau social médio
de habilidade e de intensidade de trabalho”.

Trata-se de um conceito de custo social do trabalho seme-


lhante ao proposto por Smith quando fala em taxa média natural
de remuneração do fator trabalho, com uma diferença crucial: re-
tirada do elemento natural e introdução do elemento histórico. A
determinação da média da produtividade social não é um cálculo
puramente técnico, é histórico e depende dos condicionantes his-
tóricos de cada país ou região.
Smith não detalha a metodologia do cálculo como Marx
(que agrega os trabalhos simples e complexo), atribuindo a meca-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 175

nismos de mercado sua operacionalização. Enfim, procedendo a


um cálculo de horas trabalhadas para se definir o valor de uma
mercadoria, o importante é saber em que moldes técni-
co/históricos as mercadorias estão sendo produzidas na economia
em questão.
Se 7 marceneiros produzissem um certo móvel X com as
produtividades (hipotéticas) abaixo relacionadas na tabela 2, a
produtividade média na Vila Aleatória (dimensão espacial) em
2020 (dimensão temporal) seria de 14,5 horas. Os produtores 3, 5
e 7, nesse caso, estariam aptos a concorrer no mercado por prati-
carem a média de intensidade e habilidade de trabalho do setor,
enquanto os fabricantes 1 e 4 são mais competitivos, adotando
técnicas que provavelmente serão incorporadas depois pelos de-
mais produtores111. Já os produtores restantes, 2 e 6, teriam de se
adequar ao padrão de produção médio verificado se pretendem
permanecer no mercado, pois os consumidores deixarão de esco-
lhê-los ao se informar mais.
O trabalho socialmente necessário leva em consideração o
grau de complexidade do trabalho como ele efetivamente é reali-
zado na sociedade, medido como multiplicador do fator funda-
mental; o trabalho simples. Dele resulta o valor final da mercado-
ria. Se a marcenaria é um trabalho relativamente complexo e for
enquadrada na faixa salarial de trabalho técnico da tabela anteri-
or, o móvel em questão custaria no mercado de Vila Aleatória em
média R$ 290,00 (14,5 horas X R$ 20,00, a hora de trabalho quali-
ficado indicada). Novamente faz-se necessária uma observação
quanto ao cálculo dessa média. Essa é uma média social, e, dessa
forma, podem existir critérios diversos para aferição. É uma média
ponderada em que o peso das variáveis e as próprias variáveis
que a afetam se modificam de um mercado para o outro.

111 Porque pode aparecer uma outra técnica ainda mais produtiva.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 176

TABELA 2
Vila Aleatória. Produtividade do setor de marcenaria
para produção de uma unidade do móvel X – 2020

Unidades de produção Produtividade


(em horas de trabalho)
Produtor 1 14
Produtor 2 15
Produtor 3 14,5
Produtor 4 14
Produtor 5 14,5
Produtor 6 15
Produtor 7 14,5
Produtividade média 14,5

Uma vez que as forças produtivas se desenvolvem constan-


temente em qualquer forma de civilização humana e isto afeta o
valor das mercadorias no capitalismo, Marx enunciou a seguinte
lei geral para esse modo de produção: “Os valores das mercadori-
as estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua
produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho
empregado” (1986, 157). Dessa maneira, ao menos no predomínio
da concorrência, os valores das mercadorias tendem a cair, pois
tanto as forças produtivas evoluem e vão se tornando mais produ-
tivas, quanto o trabalho vai sendo menos necessário na produção
de mercadorias (posteriormente far-se-á referência a esse ponto).
É sempre bom ressaltar que os exemplos vistos são simpli-
ficações da sociedade em que se vive, pois, além dessa última ser
afetada pela interação da economia local com Estados vizinhos e
com o exterior, existe uma série de imperfeições de mercado que
desvirtuam ou mesmo invertem valores historicamente estipula-
dos para algumas atividades produtivas. No que diz respeito à

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 177

primeira restrição, embora o contexto atual aponte para a globali-


zação dos padrões de produção, na medida em que o paradigma
predominante (liberal) impinge incentivos diversos ao livre mer-
cado, tudo isto ainda está longe de acontecer. Embora a formação
desse mercado global esteja mais próxima para algumas mercado-
rias, como eletrodomésticos e automóveis, há setores difíceis de se
integrar, como os serviços, que tendem a ocupar mais espaço na
atividade produtiva, e, paralelamente, as economias vêm se orga-
nizando e se agrupando em blocos fechados, num movimento in-
verso. Enfim, trata-se de um exercício teórico.
Para completar a exposição de sua teoria do valor, Marx se-
gue o mesmo percurso de Smith para chegar ao dinheiro, sendo
que usando sua metodologia, assim, vai “comprovar a gênese des-
sa forma dinheiro, ou seja, acompanhar o desenvolvimento da ex-
pressão do valor contida na relação de valor das mercadorias”
(1985, 54). Nesse processo é feita toda uma análise dialética das
formas, que será suprimida aqui em virtude da maior objetividade
pretendida. A primeira forma de valor é a simples, que representa
a troca direta de duas mercadorias de igual valor, na qual uma
exerce o papel de forma relativa, a outra o de forma equivalente e
a primeira espelha seu valor na segunda.
Trata-se necessariamente de valores de uso diferentes, pois
o que interessa a ambos os lados da transação é obter uma utili-
dade distinta da proporcionada pela mercadoria que está sendo
colocada para troca, acertada uma equivalência de valor entre as
mercadorias. A equalização é feita indiretamente através do jul-
gamento do valor do trabalho específico de cada um, que está ma-
terializado na mercadoria. Nesse estágio inicial das trocas, as par-
tes envolvidas têm autonomia e dominam toda produção para
subsistência, tendo noção dos custos em geral, mas desconhecem
especificidades de itens não produzidos, e são escassos os parâ-
metros sociais para comparação, ocorrendo erros de avaliação

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 178

com alguma frequência. É o marco inicial da socialização de traba-


lhos concretos distintos (produtores de valor de uso), através da
percepção do trabalho como algo comum, que gera produção dife-
renciada.

FORMA SIMPLES:
1 MERCADORIA A = 2 MERCADORIAS B

Na sequência vem a forma desdobrada, que como a própria


expressão sugere, nada mais é do que um desdobramento da pri-
meira forma, pois é marcada pelo encontro de várias mercadorias
tomando como referência um mesmo valor. A sociedade sai da
produção esporádica de excedente para sua regularização, uma
mercadoria se relaciona não mais exclusivamente com outra mer-
cadoria, mas com um mundo de mercadorias e isso só é possível
porque há por trás um mesmo quantum de valores e de trabalhos
simples e complexos paradigmáticos, para vários valores de uso
distintos.
Com a produção sistemática de excedente, as pessoas con-
tinuam buscando a troca para satisfazer seus desejos por valores
de uso que não produzem, e negociam tentando equiparar as
quantidades de trabalho usadas, ponderando suas dificuldades,
etc, mas começam a se familiarizar com o mecanismo das trocas,
mais frequentes. Esta forma representa um primeiro estágio da
circulação das mercadorias, e, como tal, oferece dificuldades ao
processo, pois como sempre podem aparecer novas mercadorias,
sempre haverá uma nova forma equivalente (particular) a expres-
sar o valor de todas outras formas relativas. Sua insuficiência leva
à sua transitoriedade.

FORMA DESDOBRADA:
1 MERCADORIA A= 2 MERCADORIAS B= 5 MERCADORIAS C =...

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 179

A evolução histórica da forma desdobrada é a forma geral


de valor, quando a economia chega a um equivalente geral. Dife-
rentemente de Smith, quando expõe estágio semelhante de desen-
volvimento da moeda, ao ilustrar essa forma, Marx não dá maior
atenção ao tipo de mercadoria que historicamente preencheu a
função de equivalente geral112, se preocupando mais com a expli-
cação teórica da forma e do processo, usando o linho como exem-
plo referencial.
Importa enfatizar que a mercadoria equivalente geral é ex-
cluída da circulação normal das mercadorias porque passa a inte-
ressar nela apenas seu valor, a essência da “crisálida social geral
do trabalho humano” (Marx, 1985, 67), enquanto as demais têm
valor, mas interessam principalmente pelo valor de uso na relação
de troca. Nesta forma, todo mundo das mercadorias expressará
seu valor na mercadoria equivalente geral, que será usada apenas
com esta finalidade.

FORMA GERAL DE VALOR

1 MERC. A = 2 MERC. X,
2 MERC. B = 2 MERC. X,
5 MERC. C = 2 MERC. X, ...

Por fim, a última forma nesse processo evolutivo é a forma


dinheiro, na qual uma mercadoria metálica é destacada para exer-
cer a função de equivalente geral. Também aqui Marx não atenta
para a relevância das propriedades das mercadorias na determi-
nação da mercadoria selecionada como faz Smith, apenas ressalta
que não há diferença alguma em termos de conteúdo desta forma

112A mercadoria que vai servir de equivalente de valor para todas demais mer-
cadorias.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 180

em relação à anterior, a não ser o fato de ser uma mercadoria me-


tálica, que, da mesma forma que as outras, já esteve na condição
de equivalente individual e:

“Pouco a pouco, passou a funcionar, em círculos


mais estreitos ou mais extensos, como equivalen-
te geral. Tão logo conquistou o monopólio dessa
posição na expressão de valor no mundo das
mercadorias, torna-se mercadoria dinheiro, ...”
Marx (1985, 69)

FORMA DINHEIRO

1 MERC. A = X LIBRAS,
2 MERC. B = X LIBRAS,
5 MERC. C = X LIBRAS, ...

O processo evolutivo das formas da mercadoria é concluído


neste ponto da exposição, mas o capítulo só é encerrado com o
exame do fetiche das mercadorias. Ao longo do processo de tran-
sição das formas de valor Marx já adianta que as mercadorias vão
passando ao primeiro plano nas relações sociais na economia de
mercado, e com elas o valor, diferentemente de modos de produ-
ção anteriores em que os produtos simples do trabalho estavam
em primeiro plano, e com eles os valores de uso, que eram sociali-
zados marginalmente.
Até aqui, esse processo é elucidado para demonstrar que a
essência do valor das mercadorias produzidas é o trabalho, que
continua presente, metamorfoseado, e é responsável pela susten-
tação da própria economia de trocas. Então Marx conclui o capítu-
lo com uma análise das implicações da produção de valor nas rela-
ções sociais.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 181

4.7. O fetiche das mercadorias

Marx quer nessa seção, em síntese, mostrar como e porque


as mercadorias ultrapassam seu papel básico de preencher neces-
sidades humanas, para exercer um poder mágico sobre o ho-
mem113. É fácil demonstrar essa sedução misteriosa nos dias de
hoje, tomando certas mercadorias que são objetos de desejo ou
sonhos de consumo, como automóveis caros, aparelhos eletrôni-
cos de última geração, etc., mas não se trata apenas disso.
Por mais esclarecido que seja o indivíduo, todos os dias há
um bombardeio publicitário, tornando difícil se falar em esco-
lhas/decisões individuais e soberanas em relação aos bens ofere-
cidos pelo mercado, ademais, é inerente ao homem ter e desen-
volver desejos. O capitalismo apenas intensifica e diversifica a
produção, alimentando e atendendo com abundância aos que po-
dem pagar. Não obstante, não é apenas dessas mercadorias espe-
ciais que o pensador estudado está se referindo, mas sim de toda e
qualquer mercadoria, independente de um brilho especial ou
marketing envolvido.
No começo do capítulo, Marx diz que, para efeito da carac-
terização do valor de uso, independe se a necessidade “se origina
do estômago ou da fantasia” (1985, 45). Se, no início, o dito feitiço
surge com as necessidades vitais (biológicas), a natureza pensante
do ser humano inevitavelmente vai produzir desejos que reflitam
outras dimensões da existência, para além do bem-estar fisiológi-
co do corpo, de maneira que toda e qualquer mercadoria possui a
propriedade de exercer fetiche sobre as pessoas por serem mer-
cadorias. Não há fetiche sem incorporação do valor à produção, ou
seja, não havia esse fenômeno antes do capitalismo, quando se

113 Alguns autores já se debruçaram nesse ponto da teoria marxista, como Ru-
bin (1987), havendo material adicional para os interessados em se aprofundar
na temática.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 182

produzia apenas (em regra) valores de uso. O feitiço é inerente à


produção de mercadorias e ao respectivo contexto histórico.
A publicidade apenas aumenta o desejo, estimula os senti-
dos. Marcas ou mercadorias com assinatura de ídolos do esporte
ou da comunicação são divulgadas com uma aura que mistifica
ainda mais os artigos, possibilitando a fixação de preços maiores,
que evidentemente, compensam o investimento das empresas na
imagem das mercadorias.
O recurso à propaganda não visa apenas destacar as quali-
dades da mercadoria, cumpre sempre o papel de incentivar o con-
sumo além do necessário, na perspectiva de aumentar as vendas
para alavancar a massa de lucro e também a margem de lucro.
Outra função indireta da propaganda é disseminar, implicitamen-
te, a ‘qualidade’ da produção capitalista como um todo, ressaltan-
do isso nas mercadorias individualmente, legitimando o modo de
produção de forma mais ampla no campo superestrutural.
Para entender a essência do fetiche que qualquer mercado-
ria exerce sobre o homem, no entanto, é preciso apenas se colocar
na frente de uma série de mercadorias comuns e se indagar quan-
tas daquelas mercadorias seríamos capaz de produzir. Embora
estejam todas lá à disposição de quem pague por elas, não são re-
sultados de produção individual, por isso elas aparecem como
algo ‘mágico’.
São ‘incompreensíveis’ para o indivíduo porque ele não
domina mais nenhum processo de produção de forma integral e se
depara com coisas prontas, completas à sua frente. A sociedade de
trocas exponencia a divisão de trabalho e se baseia na divisão de
classe capital/trabalho, daí pode-se concluir que a divisão do tra-
balho esconde a contribuição particular de cada um na produção,
que agora se dá por meio de relações sociais de produção.
A contribuição individual fica tão fragmentada que resta ao
trabalhador reconhecer que fez apenas uma etapa da produção de

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 183

uma peça que compõem uma mercadoria, que contém outras tan-
tas peças. A divisão do trabalho avança tanto que passam a existir
setores específicos para produção e desenvolvimento de máqui-
nas, além do departamento administrativo, que trata dos aspectos
formais diversos dos negócios. Em modos de produção anteriores
isso não acontecia, os produtores eram responsáveis por todo
processo, entendiam cada detalhe da produção, podendo respon-
der a qualquer questionamento sobre o produto e, portanto, esse
não guardava nenhum segredo para ele.
O que acontece na sociedade capitalista é que trabalhos
individuais ganham poder de compra (via dinheiro) de trabalho
alheio, responsável pela produção colocada no mercado. O resul-
tado da produção que vai ser comercializado decorre da ação con-
junta de várias pessoas, assim, na medida em que as mercadorias
são necessárias para o consumidor final ou para alimentar algum
processo produtivo, elas proporcionam a inter-relação de uma
série de trabalhos realizados nos mais diversos lugares geográfi-
cos.
A realização das necessidades de consumo do indivíduo,
qualquer que seja, agora tem de ser mediada pelo mercado, com a
compra de mercadorias indecifráveis à vista superficial, mas que
são conclusão da produção de tantas outras divisões do trabalho.
A divisão social do trabalho não se restringe à fábrica, ela se es-
tende a todos setores e todos níveis, conectando toda produção
capitalista, visualizada no conjunto das mercadorias nacionais ou
importadas consumidas no dia-a-dia.
Quando se compra uma mercadoria, se gasta a remunera-
ção advinda do trabalho e se conecta o trabalho individual com
trabalhos alheios diversos necessários para a produção da merca-
doria comprada, mas a complexidade atingida pela divisão social
do trabalho no capitalismo não permite ver isso, encobrindo as
mercadorias com um verniz que as faz brilhar por um lado e ofus-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 184

car todo um processo técnico, social e histórico por outro. Aí está


desvendado o mistério do fetiche das mercadorias.
Ao distanciar o trabalhador do produto, a produção capita-
lista desconstrói o processo produtivo para o primeiro. Num pri-
meiro momento o produtor é transformado em trabalhador, mas
trabalha da mesma forma e com o mesmo maquinário anterior (o
capitalista compra seus equipamentos), depois são introduzidas
novas máquinas mais especializadas, mas ainda há o conhecimen-
to do resto do processo.
Com o tempo, o domínio técnico amplo dos trabalhadores
vai sendo apagado através da substituição das gerações e na me-
dida em que, paralelamente, novas técnicas e máquinas mais
complexas vão sendo introduzidas, acentuando a tendência da
maior divisão do trabalho e completando a transição para o capi-
talismo. As máquinas da produção industrial dão um salto na esca-
la produtiva e na divisão do trabalho, produzindo um paradoxo,
pois a partir daí o trabalhador volta a poder trabalhar em qual-
quer setor da fábrica, tal é a simplicidade das operações, sendo
que agora alienado do processo como um todo.
O trabalho concreto se torna cada vez mais fracionado, en-
caminhando-se no sentido do trabalho abstrato, do trabalho sim-
ples, um trabalho indiferenciado que qualquer um pode fazer.
Como a exponenciação da divisão do trabalho está diretamente
ligada ao surgimento do capitalismo e do valor, o fetiche está liga-
do ao trabalho abstrato, este trabalho invisível que paira sobre os
trabalhos concretos e viabiliza as trocas, sendo referência básica
para a produção de valor. O fetiche decorre dessa incompreensão
maior que o trabalho simples gera no trabalhador acerca do pro-
cesso de produção como um todo, desde seu aspecto técnico (a
tecnologia usada não está a seu alcance) até sua dimensão social
(não alcança as implicações da divisão social do trabalho em que
está inserido).

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 185

Antes do capitalismo, as pessoas se relacionavam entre si


independente da produção, pois o trabalho era privado e seu re-
sultado também, mas com a economia de mercado as pessoas pas-
sam a se relacionar, ainda que sem perceber, em razão dos produ-
tos do trabalho, na medida em que compram e vendem mercado-
rias (inclusive o próprio trabalho), e aí há uma inversão dos pa-
péis. No mercado, quem se relaciona são as coisas, as mercadorias,
por meio das trocas. Nos transformamos em meios para as merca-
dorias se relacionarem, ou seja, as coisas foram ‘personificadas’ e
as pessoas foram ‘coisificadas’. Os objetos passivos agora são ati-
vos nas trocas e os seres passaram a coadjuvar em relação ao pro-
tagonismo das mercadorias.
Trata-se de considerar criticamente a relação social de
produção típica do capitalismo; a relação capital/trabalho. Se o
empresário aparece como representante de suas mercadorias e os
trabalhadores têm que vender sua potencialidade de trabalho co-
mo mercadoria para poderem sobreviver no capitalismo, os pa-
péis sociais aqui são invertidos. Quem era para ser sujeito ativo da
produção social, o produtor, passa à condição de observador das
trocas comerciais, enquanto quem era simples objeto inanimado,
o produto, passa a ser figura central, a mercadoria, conduzindo as
pessoas às relações sociais por meio das trocas. Passa-se a se mo-
ver não em função de interesses pessoais, mas sim mercantis, bus-
cando redes sociais principalmente na medida em que possam
expandir negócios ou empregabilidade.
Há um elemento complicador que obscurece ainda mais a
análise: o dinheiro, um dos maiores objetos de desejo na socieda-
de capitalista. Neste ponto, chega o momento de se passar para o
exame mais detido dessa nova categoria num outro item, que vai
permitir a introdução de outros elementos teóricos marxistas co-
mo as teorias da circulação, da acumulação e da exploração.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 186

4.8. O dinheiro e as teorias da circulação e da


acumulação

4.8.1. A origem do dinheiro

Exposta a teoria do valor-trabalho e explicado de onde vem


o valor das coisas, surge a pergunta: se no capitalismo a riqueza é
expressa em dinheiro, qual a relação desse com o valor? O dinhei-
ro é o meio fluentemente usado nas economias capitalistas para
expressar o valor das mercadorias; o preço é a forma monetária
do valor. Isso porque o dinheiro, antes de mais nada, é uma mer-
cadoria e, como tal, possui tempo de trabalho investido em seu
corpo, credenciando-o a exercer o papel de termo de troca (apa-
rente).
Imaginando o dinheiro em sua forma moderna, o papel-
moeda, fica difícil vê-lo como resultado de um esforço humano ao
qual corresponde um valor, afinal, uma nota de papel não parece
ter o valor que a sociedade lhe atribui e todos aceitam. De fato,
mas para chegar à sua forma contemporânea, ele tem uma história
reveladora, já que é uma categoria social. Foi esmiuçando essa
história que Marx deu sua interpretação para o enigma que envol-
ve a forma dinheiro; algo aparentemente sem valor, mas que to-
dos desejam como maior representante do valor.
Como foi visto na seção 4.6., Marx tratou de desvendar a
origem histórica da forma valor no capítulo 1 do Capital, chegando
até a forma dinheiro. Façamos um resumo desse processo antes
de entrar no conteúdo do capítulo 3, onde o dinheiro é tema cen-
tral. Os antecedentes da moeda seriam algumas mercadorias es-
pecíficas que eram mais aceitas que outras em razão de sua neces-
sidade ou alto valor. Essas mercadorias acabaram sendo ’eleitas’
informalmente pela sociedade, para exercerem o papel de facilita-
doras das trocas entre as demais. Das chamadas mercadorias-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 187

moeda, têm-se alguns exemplos históricos como o boi e o sal, mas


Marx é indiferente às especificidades das mercadorias que exerce-
ram esta função, pois para ele o que importa é entender a essência
do processo que conduziu as sociedades à mercadoria-metálica.
Todo elenco de mercadorias passa preferencialmente a se conver-
ter primeiro em metal para depois se converter em outras merca-
dorias, passando o metal a refletir, como espelho, todo trabalho
produzido na sociedade.
A moeda, inicialmente metal puro, era uma mercadoria
qualquer que, em função de suas particularidades, tornou-se es-
pecial. Tendo valor e valor de uso, possuía trabalho concreto e
trabalho abstrato, sendo esse último a fonte de sua permutabili-
dade. A troca do resultado dos trabalhos particulares via sociali-
zação desses trabalhos (considerando a capacidade indistinta do
homem em produzir), que estava clara na relação entre dois pro-
dutores, começa a ser ocultada pela produção de uma massa cres-
cente de mercadorias e ainda mais pelo surgimento do dinheiro.
Dinheiro esse que tem seu valor de uso transmutado em valor de
troca, pois as pessoas passam a querê-lo exclusivamente enquanto
poder de compra de outras mercadorias e não para seu uso pro-
priamente dito.
O processo de transição do metal para a forma papel-moeda
tem origem na dissociação entre o valor efetivo da moeda metáli-
ca, medido em termos de peso, e seu valor de face, obtido em ter-
mos da designação da unidade monetária. Essa relação direta en-
tre as unidades monetária e de peso foi deixando de existir grada-
tivamente, mas pode ser vislumbrada até hoje através da moeda
inglesa, a libra, que ainda mantém nomenclatura relativa à unida-
de de peso.
Marx (1985, 90) arrisca brevemente alguns motivos para o
que ele chama de ‘desligamento das denominações monetárias de
seus pesos metálicos’: introdução de dinheiro estrangeiro em paí-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 188

ses menos desenvolvidos (que tinham relações de valor diferentes


entre as mercadorias e o metal), substituição de moedas cunhadas
em metais menos nobres por metais de maior valor (gerando a
necessidade de se designarem valores diferentes do valor de face
para moedas de menor valor), e, por fim, a falsificação de dinheiro
(claramente era do interesse dos falsificadores repassar moedas
falsificadas, de menor valor, por moedas de maior valor, o que
faziam derretendo as originais e introduzindo metais menos no-
bres ao corpo da moeda).
O Estado, que já existia enquanto entidade disciplinadora
dos parâmetros sociais e econômicos, interveio na organização da
circulação da moeda, no sentido de preservar sua base de susten-
tação: a confiança em seu valor. Começou a centralizar a produção
do metal (monopolizando sua compra), trazendo credibilidade
para um metal que já não possuía exatamente o valor correspon-
dente ao esculpido na face. É preciso salientar que Marx, nessa
altura da exposição de sua teoria, trabalha basicamente com a
moeda metálica, o ouro. Porém, em alguns momentos, ele introduz
a categoria papel-moeda, como segue:

“A existência do ouro como moeda dissocia-


se radicalmente de sua substância de valor.
Coisas relativamente sem valor, bilhetes de
papel, podem, portanto, funcionar, em seu lu-
gar, como moeda. ... Trata-se aqui apenas de
moeda papel do Estado com curso forçado.
...Bilhetes de papel que levam impressos de-
nominações monetárias, como uma libra es-
terlina, 5 libras esterlinas etc., são lançados
de fora pelo Estado no processo de circula-
ção. Na medida em que realmente circulam
em lugar da soma de ouro de mesma deno-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 189

minação, refletem-se em seu movimento


apenas as leis do próprio curso do dinheiro.
Uma lei específica da circulação do papel so-
mente pode originar-se de sua relação de re-
presentatividade do ouro. E a lei é simples-
mente esta: que a emissão de moeda papel
deve limitar-se à quantidade na qual o ouro
(ou a prata), simbolicamente por ela repre-
sentado, realmente teria que circular.”
(Marx, 1985, 108-109)

A ideia central é de que papel por si só não pode constituir


riqueza, muito menos expandi-la. O papel moeda está preso a al-
guma forma de riqueza real, como é o caso do ouro, pois é apenas
símbolo de valor. Se o Estado não segue esta regra básica e se ex-
cede imprimindo dinheiro, “Os mesmos valores, portanto, que se
expressavam antes no preço de 1 libra esterlina, expressam-se
agora no preço de 2 libras esterlinas.” (Marx, 1985, 109), ou seja, o
dinheiro perde valor relativamente às mercadorias. Embora sua
preocupação nesse instante não seja investigar a alta generalizada
dos preços, a inflação, ele acaba por colocar seu entendimento
acerca desse problema.
Se questões como inflação ou papel do Estado não são obje-
tos da investigação no livro 1 de O Capital, parece-nos oportuno
trazer, na medida do possível e enfatizando as devidas limitações
teórico-metodológicas, esses elementos discutidos da contempo-
raneidade, para aproximar mais a matéria da realidade econômica
atual, tornando-a menos árida. Nesse ponto do texto, Marx está
lançando uma série de fundamentos teóricos que exigirão um
aprofundamento posterior, quando a análise efetivamente será
realizada. Aqui cabe remeter brevemente à compreensão marxista
desses temas mais palpitantes, ressaltando a impossibilidade de

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 190

prolongar a discussão, tendo em vista que estão sendo examinan-


do apenas os primeiros capítulos de seu texto.
Então “o próprio curso do dinheiro dissocia o conteúdo real
do conteúdo nominal da moeda” (Marx, 1985, 108), trazendo con-
sigo a nova base de sustentação do dinheiro: a confiança. O Estado
não deveria imprimir mais papel moeda do que o necessário para
fazer frente às necessidades de circulação da produção, atendendo
ao fundamento anterior à sua entrada na área, quando a sociedade
se adequava à quantidade de ouro existente e lhes dava valor em
razão da dificuldade de achá-lo e extraí-lo. O governo que infringe
essa norma implícita é condenado com a perda do valor de sua
moeda e com o descrédito da população, conforme poder-se-á
conferir na próxima seção.
Voltando para a realidade capitalista moderna, o estudioso,
amparado na compreensão histórica do dinheiro, observará que
“os preços de mercado não fazem mais que expressar a quantida-
de social média de trabalho, que, nas condições médias de produ-
ção, é necessária para abastecer o mercado com determinada
quantidade de um certo artigo” (Marx, 1986, 157). Há uma relação
estreita entre preço e valor: o primeiro deve refletir o segundo,
como regra. No entanto, o preço é fenômeno de mercado e assim
tem determinações próprias que podem fazê-lo desviar de seu
valor original fixado no processo produtivo.
A essas variações de preço em torno do valor real, Marx
denomina de ‘incongruências quantitativas’. Características da
forma preço, esse fenômeno se confunde com a consolidação do
mercado, pois enquanto não houver essa, a possibilidade de apa-
recerem disparates entre preço e valor é grande. No momento em
que o consumo se separa da produção, a fixação do preço ganha
certa autonomia em relação ao processo de fixação do valor. Além
dessa inconsistência interna de caráter quantitativo, o autor cha-
ma a atenção para uma outra possibilidade aberta pela forma di-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 191

nheiro; a ‘incongruência qualitativa’, que acontece quando é dada


a forma preço a algo sem que exista por trás um processo produti-
vo que a ampare114. Este é um problema qualitativo que a forma
preço suscita e que pode ser ilustrado, segundo o autor em ques-
tão, pela venda da honra ou da consciência115, valores morais e
não econômicos. A natureza do capitalismo permite que tudo ve-
nha a ter forma preço e, consequentemente, ser mercadoria; pos-
sibilitando essas incongruências.

4.8.2. A circulação do dinheiro

Se o dinheiro é a medida de valores adotada pela sociedade


para converter os valores de todas as mercadorias produzidas, vai
percorrer a economia passando de mão em mão para cumprir a
função de meio circulante. Marx chama de ‘metabolismo social’ a
mudança da forma do valor que ocorre no processo de circulação,
variando entre uma forma mercadoria e outra, mediada pela for-
ma dinheiro. Nesse transcurso, trabalhos abstratos são igualados
para se permutar valores de uso diferentes. A troca de duas mer-
cadorias (M) distintas intermediada pelo dinheiro (D), em sua vi-
são, pode ser melhor analisada através de um esquema simplifica-
do:

M -- D -- M

Cabe, preliminarmente, esclarecer algo que está nas entre-


linhas do texto marxista. Esse esquema teórico se refere ao con-
texto mercantilista do capitalismo, no qual há uma acumulação
incipiente de capital, denominada por Marx de acumulação primi-

114 Quando é valorizado algo que não tem valor no momento em que alguém
paga um preço fixado, transformando o objeto ou serviço em mercadoria.
115 Conforme Marx (1985, 92).

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 192

tiva devido à sua expressividade e de seu momento histórico116.


Ela, no entanto, é desconsiderada para fins da investigação pre-
tendida no momento, para a qual importa apenas que a circulação
das mercadorias seja generalizada. Observe o poder de abstração
da sociedade investigada, traduzida e sintetizada (no que toca à
circulação de mercadorias) em três categorias e as relações entre
elas. Aqui se analisa a moeda, funcionando como meio de troca, e
isso vai ter implicações importantes no entendimento dessa seção,
que ficarão claras quando se examinar a acumulação de capital
posteriormente.
A simplificação do processo social das trocas no esquema
M - D - M permite dividir o processo em duas etapas distintas:
venda e compra. Na primeira fase, M-D, ocorre a venda da merca-
doria pelo produtor direto no mercado. Com o dinheiro da venda,
o produtor vai às compras, a segunda fase (D-M), com o intuito de
suprir suas necessidades de consumo (e de sua família) e para
realimentar o processo produtivo que lhe dá sustento. Do outro
lado, os produtores para os quais vendeu sua produção, também o
fizeram vendendo suas respectivas produções com o mesmo obje-
tivo final; a obtenção de itens básicos diversos que não conseguem
mais produzir individualmente, com vistas à sobrevivência diária.
Marx intitula essas fases de ‘metamorfoses da mercadoria’
porque as mercadorias ao fim do processo de troca mudam sua
forma: de cadeira para tijolo, de carne para tecido, de leite para
fruta e assim por diante. Há duas lições a serem absorvidas deste
processo: 1: a unidade dialética entre valor de uso e valor existen-
te no interior da mercadoria é exteriorizada na troca entre duas
mercadorias, uma vez que, para o produtor direto, sua mercadoria
só lhe interessa enquanto detentora de valor e as mercadorias dos
outros lhe servem apenas enquanto valor de uso (e vice-versa). 2:

Para um aprofundamento em relação à acumulação primitiva, ler o penúlti-


116

mo capítulo do livro 1 de O Capital; seção 7.


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 193

o objetivo dos produtores, ao buscarem o mercado, é satisfazer


suas necessidades cotidianas básicas. Assim, período após perío-
do, repete-se basicamente o nível de produção obtido anterior-
mente, mas não exatamente o mesmo nível, pois, mesmo visando
obter apenas a subsistência diária e a reprodução das condições
para isso, o produtor pode ter uma safra maior ou menor, pode
encontrar uma demanda por seus produtos também um pouco
maior ou menor.
O dinheiro como intermediário no processo de trocas de
mercadorias, autonomizado por formas metálicas, num primeiro
momento, e, convertido, por fim, em símbolo de valor num segun-
do momento (quando atinge a forma papel-moeda), acaba criando
uma nova possibilidade: interromper o fluxo de circulação das
mercadorias. A interrupção do processo de circulação pode dar
margem ao entesouramento117, e esse, se vier a tornar-se proce-
dimento padrão de parcela significativa da população, pode gerar
as chamadas ‘crises de realização’118.
Cabe colocar que nessa altura da exposição, esta é uma
possibilidade teórica, que, entretanto, vai ser retomada adiante,
por Marx considerar as crises dessa natureza pendulares, de ocor-
rência periódica nas economias capitalistas desenvolvidas em ra-
zão de sua dinâmica própria, podendo ser contornadas provisori-
amente por mecanismos diversos de política econômica tais como
redução na taxa de juros ou a melhora nas condições do crédito.
Marx introduz o estudo do crédito como função adicional
do dinheiro na economia moderna sob a denominação de meio de
pagamento. Nessa função, quando a venda é realizada, o compra-
dor ao invés de pagar imediatamente, contrai uma dívida, que po-
de ser saldada de uma vez ou em prestações, sempre num período

117Renúncia ao consumo imediato.


118Crise econômica por falta de demanda, onde a falta de vendas provoca queda
de preços e falências.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 194

posterior. Vencida e paga a dívida, as mercadorias são entregues e


o comprador vai desfrutar do valor de uso das mercadorias119. O
comprador obtém crédito, o que permite a ele comprar sem di-
nheiro, antes, portanto, de vender.
Nesse novo processo, são invertidas as metamorfoses
(compra/venda), repercutindo numa agilidade maior da circula-
ção do dinheiro e consequentemente da acumulação de capital.
Não é mais preciso o comprador ter dinheiro em mãos para efeti-
var uma compra. Nessa modalidade de crédito, o ciclo se fecha
com a entrega da mercadoria ao ex-devedor. O crédito ao consu-
midor moderno pode ser entendido por raciocínio semelhante:
compra-se sem dinheiro, com promessa de pagamento para o fu-
turo, quando serão quitadas as obrigações com parte dos rendi-
mentos recebidos, sendo que aqui têm-se assalariados ao invés de
produtores diretos.
A forma dinheiro autonomiza o valor, posto que ele está
desvencilhado do valor de uso. Seu destino é a circulação, sempre
se afastando de um possuidor inicial. Torna-se representante legal
do valor das mercadorias, pronto a atravessar fronteiras, conver-
tendo-se em outras moedas e continuando sua expansão. Sua au-
tonomia nas economias capitalistas consolidadas está restringida
apenas pela relação ideal de valor que tem de guardar para com
aquele que foi sua origem, o metal, permitindo ao governo susten-
tar sua circulação com base na credibilidade. Daí pode-se formular
a lei do curso do dinheiro:

“A soma dos preços das mercadorias dividido pe-


lo número de peças monetárias é igual ao volume
do dinheiro funcionando como meio circulante.”
(Marx, 1985, 104)

119Depois o sistema vai permitir que os compradores passem a dispor da mer-


cadoria desde sua compra.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 195

Ou, numa apresentação alternativa:

“A quantidade de meio circulante (M) é determi-


nada pela soma de preços das mercadorias em
circulação (P x Q) e pela velocidade média de cir-
culação do dinheiro (Vcd).” (Marx, 1985, 106)

PxQ
M = --------
Vcd

Esta é uma equação que envolve 5 variáveis: valor (preço


P) e quantidade das mercadorias (Q), valor e quantidade do meio
circulante (M) e a velocidade de circulação desse último (Vcd). A
novidade principal nesta fórmula em relação a versões anteriores
da explicação do valor da moeda é a introdução da ‘velocidade de
circulação do dinheiro’, categoria que diz dos hábitos de uma soci-
edade qualquer em movimentar o dinheiro que recebe120. Esta é
uma componente cultural/econômica que não costuma variar, e,
quando isto acontece, dá-se no longo prazo, mas a microeletrônica
a afetou mais recentemente, acelerando a velocidade de todas
transações monetárias e financeiras.
O universo de fatores que compõem as variáveis de in-
fluência desta variável é amplo e vai de mudanças de práticas reli-
giosas que possam acarretar numa sociedade mais ou menos con-
sumista, passa pela introdução de inovações que afetem a dispo-
nibilidade diária de dinheiro, como o surgimento do cartão de
crédito, a elementos de expectativas sobre a economia (previsões
de flutuações econômicas ou instabilidades políticas).

120É a velocidade em que o dinheiro muda de mãos, ou em que ocorrem as me-


tamorfoses.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 196

Se a velocidade da moeda nessa equação permanece está-


vel como hipótese plausível, o importante é saber que: se o valor
do dinheiro e das mercadorias variam, o fundamento do valor,
para o autor em estudo, é o processo produtivo ao qual o valor do
dinheiro está amarrado. Não adianta algum governo querer au-
mentar sua riqueza aumentando a sua base monetária, porque
isso não vai afetar a produção de mercadorias.
Dado Vcd constante e o valor das mercadorias inalterado,
isto só vai fazer cair o valor do dinheiro relativamente ao valor
das mercadorias produzidas. A emissão de moeda só se justifica
quando acompanha uma expansão real da produção na economia.
A compreensão essencial dessa relação é a de que o dinheiro é a
variável dependente e passiva, e que, portanto, dado o volume
produzido (P x Q) e a Vcd, o valor do dinheiro depende de sua
própria quantidade.

4.8.3. A acumulação de capital

Configurando a circulação de mercadorias como um pro-


cesso social consolidado, têm-se as bases essenciais do modo de
produção capitalista; o ponto de partida da acumulação de capital.
Além da circulação, o dinheiro, que a intermedia, é requisito para
a compreensão do processo de acumulação capitalista, sob o qual
vai se deter agora, começando pela forma sintética representativa
da acumulação, a forma geral do capital:

D -- M – D

Na forma geral exposta, a leitura descritiva dos símbolos


aponta a seguinte tradução: troca-se dinheiro por mercadoria, que
é trocada novamente pelo dinheiro. A interpretação desse esque-
ma simples requer, no entanto, um pouco mais de atenção. O obje-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 197

tivo do produtor nessa transação é dinheiro, mas não a mesma


quantidade de dinheiro que colocou no início, visto que não faria
sentido a realização da transação em si; seria melhor ficar com o
dinheiro parado. Então a fórmula correta é:

D -- M -- D’

Exposto nessa nova forma, o esquema sintético suscita no-


vas questões:

- Que mercadoria misteriosa é essa que faz gerar mais di-


nheiro?
- Se seu objetivo real é mais dinheiro (D’>D), como se ob-
tém mais dinheiro?

Segundo Marx, o que faz gerar mais valor é o processo pro-


dutivo, de onde se conclui que a M do esquema é uma mercadoria
resultado de várias, pois tem de haver produção aqui. Um proces-
so produtivo que envolve as forças produtivas, quais sejam: traba-
lho, terra e capital físico (equipamentos e maquinários) contex-
tualizados historicamente. Dessas mercadorias, as duas últimas
têm seus valores dados pelo mercado e são resultados de proces-
sos de trabalho anteriores dos quais decorreram sua valorização,
restando o trabalho como a fonte última de geração de todo valor.
A força de trabalho gera valor, porque o capitalista paga
por sua contratação o seu valor (de mercado) e utiliza seu valor de
uso, produtivo, que gera valor maior que o pago. Paga por sua ca-
pacidade abstrata de produzir riqueza e utiliza concretamente sua
capacidade de trabalho na linha de produção, o que o mercado
avalia de forma diferente, proporcionando a geração de mais va-
lor; a diferença entre D’ e D. A mais-valia surge no processo pro-
dutivo, onde primeiramente se manifesta a exploração do traba-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 198

lhador livre. E qual é o valor de mercado da força de trabalho de


um trabalhador típico no capitalismo?
A resposta para essa questão passa pela localização espaci-
al e temporal de uma sociedade de referência, no entanto, de for-
ma geral e como nas demais mercadorias, Marx afirma que este
seria dado pela “quantidade de trabalho necessário para produzi-
lo” (1986, 160), o que corresponderia aos gastos mínimos com
alimentação, saúde, habitação do trabalhador e de sua família, pa-
ra que se possa garantir sua manutenção e substituição no futuro
por novos trabalhadores na sociedade de referência. Tudo isso
somado corresponderia ao salário pago. É certo que esse valor não
é totalmente objetivo, pois também há necessidades humanas
subjetivas que variam ao longo da história, mas o mercado sempre
empurra para baixo esse valor em seu respectivo contexto históri-
co, amparado na concorrência sempre elevada por vagas de traba-
lho.
As particularidades da força de trabalho continuam na de-
finição de suas características. Seu consumo é produtivo, gera va-
lor, diferentemente das demais mercadorias em que o consumo é
destrutivo, no curto ou longo prazo121. A finalidade de seu uso não
é atender a uma necessidade humana específica, mas sim a uma
necessidade do capital: gerar riqueza.
Além de receber aquém do que produziu, a força de traba-
lho obtém seus salários após adiantar produção ao capitalista,
também se distinguindo em relação às demais mercadorias neste
ponto, já que a regra é pagar/receber. Na prática, ela oferece um
crédito ao capitalista, que pode faturar e pagar-lhe ao fim de um
período, sem desembolsar recursos próprios.
Desvendado o enigma da produção de mais-valia, chega-se
à conclusão de que a força de trabalho é a mercadoria especial que

121 Perecíveis, de consumo imediato ou de consumo durável.


Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 199

tem a propriedade de criar valor. É ela que explica a diferença en-


tre D’ e D, a mais-valia. Para gerar mais valor, a força de trabalho
precisa ser livre e despojada de qualquer propriedade, sem víncu-
lo com algo ou alguém, como acontecia no feudalismo (terra) ou
no escravismo (proprietários de escravos), para que lhe sobrem
só as energias do corpo para vender.
O trabalhador livre está plenamente disponível para o capi-
talista, apenas com o potencial produtivo como única mercadoria
que lhe resta, tendo que vendê-lo para sobreviver. A liberdade do
mercado aparece no contrato de aluguel de sua força produtiva,
que lhe dá a opção de pedir demissão e também prevê a possibili-
dade de ser demitido a qualquer momento.
Confirma-se o caráter excluidor do sistema socioeconômico
que mais exponenciou a produção de riquezas na história da hu-
manidade, o capitalismo, no momento em que se nega à distribui-
ção dessa. O surgimento das classes sociais dos trabalhadores e
dos capitalistas é o resultado de um processo histórico em que a
separação da unidade produção/consumo é um marco básico para
o entendimento de sua lógica e do processo de acumulação.
Desde já vale a pena esclarecer a impossibilidade de se ge-
rar valor na circulação de mercadorias. A observação de um co-
mércio vigoroso pode passar a falsa impressão de que o comércio
gera valor, como foi o caso dos mercantilistas, mas não é isso que
acontece. Não precisamos ir muito longe para descobrir a falácia
de um raciocínio desses considerando a ótica marxista. Embora
seja cedo para falar a nível de ‘capital comercial’122, pode-se adian-
tar que na esfera da circulação de mercadorias (comércio) há uma
adição no valor das mercadorias em razão da atuação conjunta do
capital comercial, no sentido de promover o aumento nas vendas

122O aprofundamento dessa matéria vai ser feita por Marx na seção 4 do livro 3
do Capital.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 200

para o capital industrial, o centro de toda atividade no capitalis-


mo, ao qual está vinculado. Nas palavras de Marx:

“O absurdo dessa ideia evidencia-se desde que a


generalizamos. O que alguém ganhasse constan-
temente como vendedor, haveria de perder cons-
tantemente como comprador. ... Portanto, para
explicar o caráter geral do lucro não tereis outro
remédio senão partir do teorema de que as mer-
cadorias se vendem, em média, pelos seus verda-
deiros valores e que os lucros se obtêm vendendo
as mercadorias pelo seu valor, isto é, em propor-
ção à quantidade de trabalho materializado.”
(Marx, 1986, 158)

O mercado concorrencial conceitualmente não permite que


haja surgimento de mais valor na circulação e quando Marx fala
em capitalismo no livro 1, ainda que isto esteja implícito, está fa-
lando de capitalismo competitivo, em que os preços das mercado-
rias são dados pelo mercado. No monopólio, por exemplo, a for-
mação do preço ganha novos determinantes além dos examinados
na concorrência.
No mercado há uma equalização de valores para mercado-
rias idênticas, assim, como poderia alguém vender algo acima ou
abaixo do valor de mercado, se essa pessoa trabalha dentro do
sistema capitalista (ou mesmo mercantil) e suas regras não permi-
tem que faça isso? As únicas possibilidades para tanto se enqua-
dram nas exceções à regra, como, por exemplo, desfazer-se de um
patrimônio depois de uma experiência empresarial mal sucedida,
quando se vende abaixo do valor, ou uma venda a alguém mal in-
formado sobre os preços de mercado, situação em que se vende
acima do valor; fatos eventuais perante o funcionamento corrente
do sistema como um todo.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 201

Por aí percebe-se porque não houve acumulação de capital


no mercantilismo, pois predominando o comércio, não há como
acumular capital significativamente. Numa etapa histórica inicial
do capitalismo, a mais-valia era gerada exclusivamente na indús-
tria, a célula da produção em série e massificada de mercadorias,
logo depois, com a consolidação do modo de produção, todas as
atividades que se desenvolvem, e nesse contexto, se veem envol-
vidas pelos parâmetros da forma capitalista de organizar a produ-
ção, o que remete a um movimento global do capital, no qual está
inserido indistintamente todo tipo de atividade econômica.
A partir daí, pode-se considerar o sistema capitalista como
uma unidade produtiva em que os diversos ramos de atividade
interagem para atingir uma mesma finalidade: reprodução e am-
pliação do capital. Isso é mais explorado nos outros livros de O
Capital, nesse instante, para efeito didático, pode-se separar o
momento da produção do momento da circulação e verificar que a
mais-valia inicialmente gerada na indústria é dividida entre os
demais setores da economia, colaboradores que são do processo
de realização da produção ou da expansão do processo produtivo
(acumulação de capital). Assim, fica mais fácil entender porque a
fonte original da mais-valia é a indústria.
O setor varejista e o atacadista agilizam a entrega das mer-
cadorias nos mais distantes lugares, merecendo, por isso, uma
fração da mais-valia. Também o setor bancário, centralizando as
poupanças, amplia as possibilidades de crédito para o capitalista.
Todos servem ao capital e, portanto, a eles cabe uma parcela da
massa de mais-valia extraída no processo produtivo, do lucro do
capital industrial: lucro comercial para o capital comercial, juro
para o capital financeiro, aluguel para o capital imobiliário, etc.
Todos giram em torno do capital industrial, o alicerce produtivo
sem o qual todo o resto deixa de ter sentido.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 202

Se o capital produtivo concede essas modalidades de re-


muneração retiradas de dentro de sua mais-valia (ou, especifica-
mente, lucro industrial), esta concessão se dá de várias formas; da
informal à formal. A concessão informal se caracteriza pela falta
de um contrato, vinculando a marca industrial ao estabelecimento
comercial, como as lojas de artigos especializados de uma forma
geral, enquanto a concessão formal indica um compromisso do
comerciante firmado em contrato com a revenda exclusiva dos
produtos de uma certa indústria.
Investigado o processo de acumulação capitalista e suas
particularidades, detectou-se a importância da esfera produtiva
na economia. Só há geração de mais-valia na produção. Dessa for-
ma, passaremos a aprofundar o estudo do processo produtivo na
próxima seção. Ao esmiuçar seu funcionamento serão desvenda-
dos novos enigmas do capitalismo.

4.9. O processo de produção capitalista e a teoria da


exploração

4.9.1. Processo de trabalho e de valorização

Investigada a origem do valor e o papel do dinheiro no ca-


pitalismo, vem a compreensão de que a mais-valia surge dentro
do processo produtivo, particularmente o industrial, é dirigida à
acumulação de capital e depois é rateada com outras modalidades
de capital que lhe dão suporte em outros setores. A partir desse
ponto, Marx se detém na observação de um processo de produção
capitalista típico para esmiuçar a formação da mais-valia e do
processo de acumulação. Nesta empreitada o leitor é apresentado
a novos conceitos, à essência da teoria de exploração capitalista e
entenderá como a tecnologia serve à lógica da exploração e acu-
mulação capitalistas. O primeiro passo para se compreender a

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 203

produção é o exame de sua essência, o processo de trabalho; sem


o qual não se desencadeia a atividade produtiva.
O trabalho é algo inerente ao ser humano. Em qualquer
época histórica, o homem precisa obter da natureza os gêneros
básicos para sua sobrevivência. O processo de produção de valo-
res de uso independe da forma de organização social, e é, antes,
condição da subsistência humana na terra. Como o homem vai
realizar esta tarefa crucial depende de sua evolução técnica cientí-
fica, que determinam o nível de domínio que ele exerce sobre a
natureza, e do desenvolvimento da organização social, que deter-
mina quais são as relações sociais adotadas.
Nos primeiros estágios de desenvolvimento da humanida-
de, quando prevalecia o sistema tribal e o homem pouco sabia so-
bre si e a natureza, a sua atitude para com a grandeza da natureza
era de extremo respeito. Poder-se-ia dizer mesmo que era ela
quem o dominava em função das inúmeras restrições impostas,
tais como: mudanças climáticas, intempéries, agressividade de
animais, etc. Passado esse estágio mais remoto da história social, o
homem começa a superar as formas instintivas rudimentares e
passa gradativamente a alterar a relação de poder com a natureza,
produzindo cada vez mais elementos que lhe permitem contornar
as barreiras naturais. Nas palavras de Marx:

“Ao atuar, ... ,sobre a natureza externa a ele e ao


modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza. Ele desenvolve as potências ne-
la adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a
seu próprio domínio.” (Marx, 1985, 149)

Na ação do homem são despertadas propriedades da natu-


reza, que ele extrai para seu beneficio. De lá o homem pode conse-
guir elementos diversos para prolongar sua vida como também

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 204

eliminar paulatinamente as condições de vida na terra. Com o


tempo e o desenvolvimento intelectual humano há uma inversão
de poder e o homem passa a ter muito controle sobre os recursos
naturais, até o ponto em que a sensação de poder é tal, que, sem se
dar conta, sua atuação ganha caráter destrutivo.
Novos universos se abrem a cada descoberta realizada, que
por sua vez implicam em mudanças no ponto de vista de como
encarar o mundo. Marx toma como ponto de partida na análise do
processo de trabalho humano, o instante em que esse deixa as
formas instintivas para uma etapa em que o homem é capaz de
determinar com antecedência o resultado final da produção ao
qual vai chegar. Com o uso de suas faculdades mentais, ele planeja,
elabora previamente as fases do processo de trabalho e o realiza
num segundo momento.
Em um processo de trabalho existem alguns elementos
fundamentais, quais sejam: o trabalho propriamente dito, seu ob-
jeto e seus meios. O objeto de trabalho de um processo produtivo
é por excelência a matéria prima fornecida pela natureza. Os re-
cursos naturais em geral podem ser considerados em seu estado
bruto, quando não há nenhum trabalho incorporado, ou, como
matéria-prima, quando já foi trabalhada pelo homem. Notadamen-
te, na evolução do capitalismo, observa-se a eliminação gradativa
das formas brutas da natureza como fontes diretas da produção.
O capitalista foi aos poucos controlando os insumos neces-
sários à produção, na medida em que percebia que isso possibili-
tava aumentar a escala e a constância da produção, regularizando
assim a obtenção da mais-valia e alavancando ainda mais a acu-
mulação de capital. Pode-se confirmar na atualidade a continuida-
de desses mecanismos principalmente através dos avanços técni-
cos ocorridos na agropecuária, criando condições de autonomia
em relação à natureza, bem como na indústria, quando desenvolve
novos produtos sintéticos.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 205

A natureza bruta, por sua vez, é exclusivamente valor de


uso. Uma granja de frangos moderna, por exemplo, não pode de-
pender do frango selvagem para produzir em escala comercial,
pesquisas são realizadas para desenvolver espécimes mais ade-
quados ao consumo humano, enfatizando a massa muscular e a
diminuição da massa óssea, de modo a viabilizar a produção cons-
tante e em massa.
Para trabalhar a matéria-prima, o homem desenvolveu ao
longo do tempo instrumentos diversos para facilitar o manuseio
dos recursos disponíveis; os meios de trabalho. As pás e alavancas,
entre outras ferramentas, permitiram tornar cada vez mais efici-
ente a exploração da natureza, revertendo-a em mais alimentos,
vestimentas ou melhores materiais para construção de abrigos.
Meio de trabalho é “uma coisa ou um complexo de coisas
que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e
que lhe serve como condutor de sua atividade sobre esse objeto”
(Marx, 1985, 150). São os instrumentos de trabalho ou as máqui-
nas que lhe servem para produzir algum produto (que pode vir a
ser mercadoria).
A produção capitalista avançada pode ser destinada ao
consumidor final ou a algum produtor que precisa de mercadorias
para realizar sua produção, seja por meio de itens semielaborados
ou de bens intermediários: as máquinas. O resultado da produção,
portanto, pode ser condição de outros processos produtivos e isso
torna-se corrente na realidade capitalista na medida em que há
uma cadeia produtiva interligando vários setores da economia.
Como já foi visto, a produção de valores de uso orientada
para satisfazer às necessidades humanas é requisito essencial à
existência humana; essa é a essência do processo de trabalho. No
contexto capitalista de produção, entretanto, são produzidos valo-
res de uso não como um fim em si mesmo, mas como forma de
atingir o objetivo fundamental do capitalista ao engendrar a pro-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 206

dução de um bem qualquer, que é ter lucro. A produção de valores


de uso é unida à produção de valor e de mais valor. A razão da
existência do valor de uso aqui passa a ser servir à valorização,
pois só são vendidas coisas que possuem utilidade, dessa maneira
o capital se apodera da produção para fazê-la gerar valor e acumu-
lar capital. Isto se dá por etapas.
Antes da chamada ‘revolução industrial’, com a produção
ainda basicamente artesanal, o mercador (embrião do capitalista)
comprava o resultado da produção e a vendia por valores acima
do que havia pago ao artesão. Era a fase denominada de ‘acumula-
ção primitiva de capital’. Mais tarde, o aprendiz de capitalista vai
reunir vários artesãos que vendiam suas produções para ele em
um lugar apenas, o que já vai permitir maior controle da produção
e alavancar o processo, ainda incipiente, de acumulação de capital.
Para falarmos em sistema capitalista propriamente dito,
deve-se avançar na história e chegar ao momento em que ele ex-
propria os meios de trabalho do trabalhador, comprando os equi-
pamentos usados na produção. Com o acúmulo de capital e os ne-
gócios indo de vento em popa, completa-se a transição histórica
do ‘processo de trabalho’ em si, para o ‘processo de valorização’,
quando os meios de trabalho são comprados pelo capitalista, dei-
xando o produtor livre e sem condições de sobrevivência. Nesse
momento, o artesão passa a ser trabalhador livre.
A produção capitalista é formada pela contradição dialética
entre o processo de trabalho simples, que produz de valores de
uso, e o processo de valorização, correspondente à produção de
valor. Novamente pode-se observar polos antagônicos convivendo
dentro de uma unidade: a produção de valor depende da produção
de valor de uso para ser vendável e a produção de valor de uso
depende da produção de valor, pois o novo parâmetro de produ-
ção se impõe sobre os demais, marginalizando os produtores que
não seguem a lógica do capital.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 207

A acumulação de capital deve, como regra, seguir os moldes


do período histórico na qual se está inserida. O capitalista está
amarrado a condições de reprodução do sistema que não são da-
das por ele, mas sim pelo mercado. A mais-valia produzida, os sa-
lários pagos, assim como os preços de mercado tendem a ficar
muito próximos numa sociedade mercantil onde prevalece a con-
corrência.
A taxa de acumulação de capital depende do nível de salá-
rios pagos aos trabalhadores, o que implica que um capitalista que
quiser prosseguir com seus negócios tem de considerar os parâ-
metros da economia de mercado, ou seja, mesmo que tenha boas
intenções sociais de pagar melhor aos seus trabalhadores, por
exemplo, não poderá fazê-lo sob pena de diminuir sua margem de
lucro e daí seu ritmo de acumulação, o que levaria a perder espaço
para outro capitalista que esteja acompanhando os salários do
mercado, as inovações e os padrões técnicos daquela produção
específica.
Enfim, o processo de trabalho contém trabalho concreto,
que gera valor de uso, e trabalho abstrato, que gera valor e pro-
porciona a valorização do capital. É interessante observar que, à
medida que a divisão do trabalho se acentua, têm-se processos de
trabalho cada vez mais mecanizados, informatizados e robotiza-
dos, o que torna os trabalhos cada vez mais parecidos, indistintos,
possibilitando uma visualização do trabalho abstrato na realidade.
Na linha de produção industrial em massa capitalista, o trabalha-
dor perde o papel ativo de titular de um certo ofício para desem-
penhar o papel passivo de apêndice da máquina, administrado por
gerentes que medem e exigem sua produtividade como se máqui-
na fosse.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 208

4.9.2. As transferências de valor

Os processos de produção capitalistas expõem um processo


de trabalho e ocultam um processo de valorização: a esfera da
transferência de valores das mercadorias necessárias à produção
para as mercadorias finais, e de criação de valor. Tanto os meios
quanto os objetos de trabalho usados têm seus valores transferi-
dos para a mercadoria produzida, mas os objetos se metamorfo-
seiam ao longo do processo e os meios de trabalho transferem seu
valor ao longo de sua vida útil, que engloba vários ciclos produti-
vos. A força de trabalho, por sua atuação produtiva, é responsável
pela transferência do valor dos meios e dos objetos de trabalho123,
como também do valor relativo a seu custo de manutenção míni-
mo, o salário pago, e pela geração de valor adicional.
As matérias-primas (os objetos de trabalho) em regra, têm
seu valor integralmente transferido às mercadorias produzidas, os
meios de trabalho (máquinas e equipamentos) têm seus valores
apenas parcialmente transferidos às mercadorias finais, em fun-
ção de seu porte e durabilidade, que requerem um quantitativo
produtivo bem maior para concluírem a transferência total de seu
valor. Em cada mercadoria pode-se perceber o uso corresponden-
te de uma quantidade proporcional de matéria-prima para obtê-
las, já o maquinário que as processou, bem mais caro e durável,
tem de estar ali extremamente fracionado.
Podemos encontrar o valor de um bem de capital (meio de
trabalho) que é transferido para cada mercadoria produzida, efe-
tuando a divisão do preço do referido bem pela quantidade de
mercadorias que ele vai produzir ao longo de seu funcionamento.
Ocorre que as possibilidades produtivas de uma máquina são am-
plas, desde que receba manutenção periódica adequada, mas o

123Ambos são resultados de processos produtivos anteriores, e, portanto, de


processos de valorização externos já ocorridos.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 209

limite da produção de um maquinário num contexto capitalista vai


ser dado pela combinação de seu desgaste, cujo custo é dado pela
depreciação, e pelo grau de obsolescência prevalecente na época
em que ele opera.
Em relação à depreciação deve-se considerar o tempo de
vida útil da máquina em função de um custo de manutenção viá-
vel, pois chega um momento em que mantê-la fica muito oneroso,
inviabilizando economicamente seu uso. Já a introdução de novas
tecnologias/máquinas no mercado torna equipamentos em uso
relativamente menos produtivos, deixando a tecnologia anterior
obsoleta. A tendência de se reduzir o tempo de operação dos
equipamentos está diretamente relacionada à obsolescência, que
se acentua com o avanço do capitalismo.
O cálculo efetuado para repor um equipamento toma a de-
preciação, que dilui e distribui em períodos o volume total inves-
tido em um bem de capital em função de sua vida útil, e considera
também a obsolescência. O fundo de depreciação necessário para
substituir um equipamento parte de uma estimativa do tempo
médio para o surgimento de tecnologia alternativa que vai torná-
lo obsoleto124.
Notadamente, a expectativa de vida útil dos bens de capital
varia em função do estágio de desenvolvimento do capitalismo:
quanto mais esse avança, mais constante é a introdução de inova-
ções tecnológicas. Outro fator que influencia na duração produtiva
de um maquinário é o setor ao qual pertence. Em setores mais
dinâmicos, onde a introdução de novas tecnologias se dá com
maior regularidade125, esse prazo cai mais rapidamente, já em

124 Ao elevar os padrões de produtividade do processo produtivo em questão


ou gerar mercadorias diferenciadas e aperfeiçoadas que tomem o lugar das
anteriores na preferência dos consumidores.
125 Como o setor de eletroeletrônicos.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 210

setores que dependem mais da força de trabalho126, as inovações


acontecem num ritmo menor, e esse tempo elastece.
Se, num exemplo hipotético, uma empresa adquirir um
bem de capital no valor de R$168.000,00 e estimar a duração de
sua vida útil em 4 anos, devido ao grau de obsolescência predomi-
nante no setor, essa empresa fará um fundo de depreciação anual
de R$ 42.000,00 (168.000/4), ou, alternativamente, vai retirar
mensalmente R$ 3.500,00 (42.000/12) de suas receitas para con-
seguir substituir o atual maquinário127 ao fim de sua vida útil.
Falta ainda um componente de valor relativo ao desenvol-
vimento de novas tecnologias. Quando um equipamento é coloca-
do no mercado, é definido um volume de vendas para cobrir o in-
vestimento feito em seu desenvolvimento, mas logo após seu lan-
çamento, já começa o melhoramento da tecnologia ou o processo
de criação de uma outra. O fundo de depreciação ideal, portanto,
incluirá também o custo com P& D (pesquisa e desenvolvimento)
de novas tecnologias a serem incorporadas nos maquinários.
Para calcular o valor que é repassado pelo bem de capital
às mercadorias produzidas, precisamos saber o preço do maqui-
nário e a estimativa de produção no tempo de vida útil, assim, con-
tinuando o exemplo do parágrafo anterior, se a produção durante
a expectativa de vida útil da referida máquina é de 800.000 uni-
dades, o custo do equipamento que está diluído em cada unidade
produzida é de 21 centavos de real (R$ 168.000,00/800.000). Se o
preço final da mercadoria processada for R$ 2,10, 10% desse va-
lor corresponderá ao valor transferido pelo maquinário usado em
sua produção.
Como se viu, o maquinário entra parcialmente no processo
de valorização, na medida em que seu valor vai sendo transferido
para as mercadorias produzidas ao longo de sua vida útil, por ou-

126 Como o setor de serviços.


127 Recurso suficiente para custear a compra do maquinário substituto.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 211

tro lado, o bem de capital entra integralmente no processo de tra-


balho, pois a produção só ocorre porque todos seus elementos,
inclusive os equipamentos, estão mobilizados para tal. Não é pos-
sível produzir as mercadorias com uma fração do maquinário, só
seu uso integral pode resultar na produção de mercadorias.

4.9.3. A teoria da exploração

Após esses apontamentos sobre a transferência do valor ao


longo do processo de produção, podem ser introduzidos dois con-
ceitos cruciais para a compreensão da exposição da teoria marxis-
ta da exploração, quais sejam: capital constante e capital variável.
O capital constante se refere à parte do capital que não altera sua
grandeza de valor ao longo do processo de produção, compreen-
dendo os meios e os objetos de trabalho: matérias-primas, insu-
mos diversos e equipamentos de uma forma geral. O valor dos
meios e objetos de trabalho que entra no processo produtivo é
reproduzido ao longo desse, saindo ao final um valor igual ao que
deu entrada. A matéria-prima é transformada pelo trabalho hu-
mano; metamorfoseia-se o corpo, mas o valor permanece inalte-
rado.
Capital variável diz respeito à parte do capital convertido
em força de trabalho, que muda seu valor durante o processo pro-
dutivo. É o valor total pago aos trabalhadores em uma certa uni-
dade produtora, e, portanto, capital investido que transpõe para a
mercadoria final todos os valores correspondentes ao capital
constante, reproduzindo seu próprio valor e ainda produzindo
mais valor.
Tomando contato com os conceitos recém introduzidos de
capital constante e variável, novamente fica ressaltada a máxima

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 212

marxiana de que o trabalho é a única fonte geradora de valor128. O


salário recebido pelo trabalhador corresponde apenas a uma par-
te do valor que o trabalhador efetivamente produziu na linha de
produção; é aí onde está a exploração do capitalista sobre a força
de trabalho. A diferença entre o salário pago e o valor total líquido
produzido, descontados os gastos com demais insumos produti-
vos, é a mais-valia129. Logo a seguir, prosseguindo com a teoria da
exploração marxista, pode-se observar que esse suposto nova-
mente virá à tona, dado que é um corolário natural da teoria do
autor em estudo.
A partir dos conceitos de capital constante (C. C.) e capital
variável (C. V.), o valor total da produção (V.) pode ser desmem-
brado da seguinte maneira:

V = C.C. + C.V. + M.V.

Sendo que:

C.C. = C.M.T. + C.O.T.


C.V. = M.S.

Onde:

C.M.T. = Capital investido em meios de trabalho


C.O.T. = Capital investido em objetos de trabalho
M.S. = Massa salarial paga à força de trabalho (F.T.)
M.V. = Mais valia

Tomando um exemplo numérico:

128 A terra pode gerar valor de uso.


129 Ou, alternativamente, no esquema anteriormente visto: D’ – D.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 213

Momento 1 - O capitalista investe um capital inicial (C.I.) de


R$ 100.000,00, assim dividido: C.C. = R$ 80.000,00 e C.V. = R$
20.000,00; onde:

C.I. = C.C. + C.V. = 80.000,00 + 20.000,00 = 100.000,00

Momento 2 - Após um certo intervalo de tempo, de um mês


por exemplo, o capitalista vai apurar suas receitas correntes, veri-
ficando o resultado da produção durante o período. Supondo uma
mais-valia de R$ 20.000,00 para esse caso hipotético, tem-se a
noção de capital final (C. F., categoria didática criada aqui com
objetivo de facilitar o entendimento desse tópico), que diz do va-
lor das vendas das mercadorias produzidas (V):

C.F. = C.C. + C.V. + M.V.


C.F. = 80.000,00 + 20.000,00 + 20.000,00 = 120.000,00

Agora pergunta-se: qual será a taxa de mais-valia no caso


em estudo? Muitas pessoas podem concluir pela divisão da mais-
valia pelo capital inicial, o que representaria o retorno do investi-
mento realizado. Para o exemplo em questão, ter-se-ia:

M.V. 20.000,00
tx. = -------- = --------------- = 0,2 ou 20 %
C.I. 100.000,00

Para Marx, entretanto, essa forma corrente de se medir a


rentabilidade de um capital aplicado produtivamente, não passa-
ria de uma taxa de mais-valia aparente (lucro), uma vez que a base
de cálculo tomada, o capital inicial, estaria equivocada. A correta
base de cálculo para a taxa de mais-valia, do ponto de vista mar-
xista, deve ser a fonte geradora do valor adicional; a força de tra-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 214

balho. Portanto, a divisão a ser feita é entre a mais-valia e a massa


salarial paga, no caso:

M.V. 20.000,00
tx m.v. = -------- = -------------- = 1 ou 100 %
C.V. 20.000,00

Esse percentual significa que, no caso hipotético em exame,


o capitalista pagou a metade do que deveria pagar aos trabalhado-
res. Pagou R$ 20.000,00 quando deveria ter pago R$ 40.000,00
(C.V. + M.V.). Segundo Marx, a mais-valia pertence ao trabalhador
porque foi ele quem proporcionou a produção das mercadorias
finais, e de todas mercadorias intermediárias envolvidas no pro-
cesso também.
O valor das matérias-primas e das máquinas usadas é re-
sultado do trabalho humano. Pode-se ver a exploração também
pelo ângulo do tempo de trabalho, para isso tem-se que converter
a fórmula anterior em tempo de trabalho. No caso em estudo, apli-
cando a suposição de uma jornada de trabalho de 8 horas, primei-
ro converte-se a produção mensal e os valores das partes fracio-
nadas do capital total em valores diários (dividindo por 30 dias),
obtendo-se:

Valor da produção diária: R$ 4.000 (120.000/30)


Valor diário do C.C. = R$ 2.667,00 (R$ 80.000/ 30)
Valor diário do C.V. e da M.V. = R$ 667,00 (R$ 20.000/30)

Para o C.C. tem-se: R$ 2.667,00 ----- 4.000


X ----- 8
4.000 X = 21.336,00 / X = 5,3 h.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 215

Para o C.V. e a M.V. tem-se: R$ 667,00 ----- 4.000


X ----- 8
4.000 X = 5.336,00 / X = 1,3 h.

Somando os tempos de trabalho: 5,3 + 1,3 + 1,3 = 8 horas.

Pode-se, portanto, dividir esquematicamente a jornada de


trabalho em frações de tempo relativas à reprodução do valor
contido nas mercadorias e insumos que entram na produção, o
valor da força de trabalho e o valor da mais-valia. Com estes des-
membramentos, Marx chegou aos conceitos de tempo de trabalho
necessário (T.N.); o tempo suficiente para o trabalhador repor as
energias gastas no decorrer da produção130, e o tempo de trabalho
excedente (T. E.) correspondendo ao tempo gasto pelo trabalha-
dor para produzir mais valor131.
Dessa forma, pode-se expressar alternativamente a fórmula
da taxa efetiva de mais-valia em tempo de trabalho:

T. E. 1,3
tx. m.v. = -------- ; No exemplo anterior: ------ = 1 ou 100%
T. N. 1,3

O capitalista deixa de remunerar o trabalhador para acu-


mular, usando a força de trabalho como fonte dos lucros. Na gêne-
se do capitalismo o trabalhador é explorado ainda possuindo os
meios de trabalho, mas na sequência esses são expropriados e o
trabalhador passa a ser explorado no processo de trabalho capita-
lista desprovido de qualquer recurso. A acumulação propriamente
dita só acontece ao fim de um intervalo de tempo bem maior, em

130 Que equivale ao c.v. em termos de tempo de trabalho, ou seja, a massa sala-
rial.
131 A mais-valia expressa em tempo de trabalho.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 216

que a mais-valia atinge montantes significativos, mas sua origem


está no trabalho não-pago do dia-a-dia.
Não obstante, não há consenso na interpretação desse pon-
to da teoria marxista, no qual, em função da aceitação pelo traba-
lhador das regras da sociedade capitalista (que ele efetivamente
conhece), discute-se a existência de ‘roubo’ ou não por parte do
capitalista quando paga o salário contratado e extrai do mais-
trabalho a mais-valia. A tendência é considerar a não legitimidade
da apropriação, mas não a infração, uma vez que é norma do sis-
tema.
Tavares (1980, 11), por exemplo, enfatiza que é pago ao
trabalhador a média do valor dos meios de subsistência, tratando-
se para ela apenas da “... apropriação privada do valor de uso do
trabalho ‘socializado’ pelo capital e subordinado a ele, que permi-
te a conversão do sobretrabalho em “mais-valia”, isto é, na ‘base’
da possibilidade de lucro”, deduzindo daí que a exploração do tra-
balho não implica em apropriação desautorizada da devida remu-
neração do trabalhador. Alguns elementos para discussão podem
ser colocados.
O padrão capitalista de produção está necessariamente li-
gado à geração da mais-valia e de sua canalização para a acumula-
ção de capital, realimentando o processo e impulsionando o cres-
cimento da riqueza, que acaba concentrada nas mãos de poucos.
Esse modo de produção contempla os interesses dos capitalistas,
como o próprio nome sugere, mas a sociedade respalda essa for-
ma de organizar a produção e lhes dá, legitimados pela proprieda-
de privada, o poder de decidir sobre os excedentes produzidos.
Essa lógica está imersa numa modernidade construída em torno
do princípio da liberdade de escolhas, onde o sistema de mercado
é a face econômica de um projeto de sociedade liberal, em que há
uma promessa democrática tanto política quanto econômica. A
sociedade moderna espera do capitalismo a expansão da produ-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 217

ção e oportunidades para os cidadãos, seja de negócios ou de em-


pregos.
Quanto aos trabalhadores, esses conhecem as regras dos
contratos trabalhistas que assinam e o fazem porque precisam,
sabendo quanto vão auferir ao final do mês, seus direitos, suas
obrigações, etc. Baseando-se estritamente nesses elementos, po-
de-se dizer que o trabalhador não é enganado, já que as regras do
jogo estão dadas e ele as acata. Porém, retomando a análise crítica
de Marx sobre a sociedade, quando ele elabora as categorias de
superestrutura e estrutura econômica, surgem as questões: 1 -
Quem formula as leis no capitalismo? 2 - Há opção de escolha para
o trabalhador livre no contexto capitalista, tanto política quanto
economicamente? 3 - É oferecida ao trabalhador educação crítica,
proporcionando conscientização de sua situação?
O leitor que passou pelos itens anteriores deve estar em
condições de responder seguindo o raciocínio marxiano: 1- Os
‘legítimos’ representantes eleitos pelo povo, que na maior parte
são empresários ou candidatos financiados por empresários em
sua maioria, ligados a partidos liberais. 2- As alternativas políticas
discordantes do mainstream são marginais e não reverberam so-
cialmente o bastante para crescer, especialmente após o fracasso
das experiências de socialismo real. 3- Não.
Ressalto novamente que é preciso muito cuidado quando
se pretende afirmar algo que já foi e continua sendo debatido. No
tema em foco, seguindo os escritos de Marx, pode-se concluir que
a superestrutura serve à classe dominante, o que nos permite di-
zer: a. O Estado, como representante da classe dominante dificil-
mente proporcionará educação crítica à massa de trabalhadores,
pois assim, seriam difundidas informações que iriam de encontro
a seus próprios interesses, b. Ao contrário, são utilizados meca-
nismos diversos (de marketing, principalmente) para passar os
valores da classe dominante, sugerindo a todo momento que o

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 218

sistema produtivo vigente é o melhor possível para todos, c. Se


ainda assim o trabalhador conseguir se sobrepor ao ‘bombardeio’
de manipulação invisível de seus valores, conhecendo criticamen-
te a lógica da engrenagem capitalista, de modo que tenha consci-
ência que ele é apenas uma peça usada do ciclo produtivo, como
iria viver se não pode escapar do trabalho nos moldes capitalis-
tas? d. Mesmo considerando tudo isso, a história mostra que as
forças produtivas evoluem independente da vontade de quem
quer que seja.
Marx não aceita a legitimidade do lucro porque este decor-
re do capital e da exploração, atual ou anterior132. Ele tem suas
razões fundamentadas na história, mas seus argumentos excluem
o mérito da inovação da produção capitalista, que possibilitou o
ganho expressivo de produção e produtividade. Foram avanços
técnicos aplicados a uma nova perspectiva de produção que en-
volve riscos, que também podem ser remunerados, pois tem seu
mérito criativo, mas Marx não comenta estes aspectos.
Se em um momento o capitalista tem o controle da produ-
ção e da sociedade, seu domínio é transitório porque há sempre
dinâmica nas forças produtivas, o que, por sua vez, não nos permi-
te apontar exatamente em que sentido caminha a humanidade,
pois depende também dos movimentos que estão sendo desenro-
lados no presente. Objetivamente, a nível das condições de produ-
ção do sistema capitalista, portanto, o trabalhador não tem alter-
nativa dentro do ‘livre mercado’, sua liberdade é a de decidir para
quem oferecer sua força de trabalho. Nas palavras de Marx:

“A natureza não produz de um lado possuidores


de dinheiro e de mercadorias e, do outro, meros
possuidores das próprias forças de trabalho. Essa

132Ocorrida em outros momentos históricos, inclusive por pilhagem, expropri-


ação de seus meios de trabalho e de suas casas.
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 219

relação não faz parte da história natural nem tão


pouco é social, comum a todos períodos históri-
cos. Ela mesma é evidentemente o resultado de
um desenvolvimento histórico anterior, o produ-
to de muitas revoluções econômicas, de decadên-
cia de toda uma série de formações mais antigas
da produção social.” (Marx, 1985, 140)

Em verdade, mesmo dentro de uma perspectiva socialista é


uma abstração considerar que o trabalhador possa dispor de tudo
que produziu, posto que existem frações da mais-valia com desti-
nação certa e diferente, como seria o caso de um fundo para a ex-
pansão e melhora da produção ou para a organização de um Esta-
do disciplinador da vida social e econômica. A instituição de um
sistema tributário para sustentar o Estado moderno faria parte
desse fundo social que varia de forma, mas é característico de
qualquer modo de produção e também poderia existir numa eco-
nomia voltada para o trabalhador, ainda que exista a possibilidade
teórica de sua ausência133. A sociedade como um todo sempre en-
contra mecanismos de centralizar recursos necessários à própria
sobrevivência social, mesmo em sistemas de cooperativa agríco-
la134.

4.9.4. Formas da mais-valia

Se a taxa de lucro é dada pela relação estabelecida entre lu-


cro (mais-valia) e salários, considerando constante o ritmo do
processo de trabalho, o capitalista pode vislumbrar um aumento
na sua massa de mais-valia (M.V.) por meio de duas possibilidades

133 A utopia socialista vai nesse sentido, bem como projetos anarquistas de
sociedade.
134 Experiências mais próximas de uma gestão ‘socializada’, onde quase todo o

resultado da produção é revertido em benefício dos trabalhadores.


Sumário
Alexandre Lyra Martins | 220

básicas: aumento da jornada de trabalho (mesmo pagando mais,


mais tempo de trabalho implica em aumento na produção de mas-
sa de mais-valia) ou, dada a jornada fixa, diminuindo o tempo de
trabalho necessário à produção de uma mesma quantidade de
mercadorias. O primeiro mecanismo resulta em aumento absoluto
da mais-valia, enquanto no segundo há um aumento na mais-valia
relativa num mesmo tempo de trabalho (proporcionando mais
produção por hora trabalhada).
O próprio Marx mostra, através de um esquema simplifica-
do, como isso acontece. Uma jornada de trabalho que dura entre A
horas e C horas, pode ser dividida em dois segmentos, sendo o
primeiro A-B correspondente à quantidade de horas que o traba-
lhador labuta para se reproduzir e manter sua família, e o segundo
B-C, o restante da jornada de trabalho, correspondente à produção
de mais-valia.

A ------------------ B ------------------- C

Se o capitalista conseguir reduzir a fração de tempo gasto


com o trabalho necessário, reduzindo assim a massa salarial sufi-
ciente para manter a mão-de-obra, isso mudará a proporção de
tempo na jornada de trabalho em que os trabalhadores usam para
repor suas energias (salários pagos) e o tempo gasto com produ-
ção de mais-valia:

A -------- B ------------------------------ C

No princípio do capitalismo, em sua fase mais livre e con-


sequentemente mais ‘selvagem’, o primeiro recurso para aumen-
tar a mais-valia foi usado largamente. Os proprietários do capital
extraíram jornadas sobre-humanas dos trabalhadores, o que, alia-
do às péssimas condições de trabalho, resultou na morte em mas-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 221

sa dos trabalhadores em idades que variavam entre 20 e 30


anos135.
O esmagamento a que estava sendo submetida a classe
operária fez ganhar força as primeiras lutas reivindicatórias em
torno de melhores salários e condições de trabalho, iniciando-se
um processo gradativo e contínuo de esclarecimento e conscienti-
zação sobre a inserção dos trabalhadores no sistema capitalista de
produção. Ao mesmo tempo, os capitalistas recorriam ao aumento
da velocidade no processo produtivo, intensificando o ritmo de
trabalho, mas esse recurso também tem limite por danificar a for-
ça de trabalho, o que acabou sendo também objeto de reivindica-
ção no item condições de trabalho.
Paulatinamente foram sendo reduzidas as escabrosas jor-
nadas de trabalho para níveis mais condizentes com o que seria
um ‘limite máximo’ de atividade à qual um trabalhador pode se
dedicar, conceito esse que varia de acordo com a sociedade e o
período histórico tomado como referência. Hoje, por exemplo,
pode-se considerar como limite máximo uma jornada de trabalho
de até 44 horas semanais, pois se incorporou algumas horas diá-
rias como necessidade para reposição de energias, além do des-
canso semanal.
Por outro lado, a lógica da produção capitalista imprime
um limite mínimo à jornada de trabalho, uma quantidade de horas
mínimas para que o capitalista possa obter alguma mais-valia, ou
seja, o tempo de trabalho necessário mais algum tempo residual
para proporcionar a geração da mais-valia. No caso do esquema
apresentado dois parágrafos antes, o limite mínimo da jornada
seria dado pelo segmento A-B mais um fragmento mínimo do
segmento B-C. Não é concebível no capitalismo uma jornada de
trabalho que não proporcione sequer as condições para reprodu-

135Ver relatos históricos em Marx (1985), no capítulo 8 da seção III, dedicado à


jornada de trabalho.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 222

ção dos trabalhadores e do próprio capital. Eventualmente o em-


presário pode abrir mão da mais-valia, somente em circunstâncias
especiais, como por exemplo, quando estiver em jogo uma política
agressiva da empresa para conquistar mercado.
Com a crescente restrição ao tempo máximo que o traba-
lhador deve dedicar à linha de produção, através da fixação cons-
tante de tetos para a jornada de trabalho, resta ao capitalista tor-
nar mais produtivo o tempo de trabalho. Embora tenham lançado
mão antes, os capitalistas só vão aumentar significativamente o
uso desse recurso a partir da década de 1930, por duas razões
principais: 1. o capital antes dispunha de largos excedentes de
mão-de-obra livre nos países centrais na fase inicial desse modo
de produção, consequência da proletarização de uma gama de
artesãos e agricultores, e 2. o embrionário estágio de desenvolvi-
mento técnico-científico, que não permitia inovações frequentes.
As reivindicações e as primeiras restrições efetivas à quan-
tidade de horas trabalhadas forçaram o desenvolvimento sistemá-
tico da tecnologia aplicada aos processos industriais. O procedi-
mento básico consiste em implantar técnicas de produção intensi-
vas em capital, fazendo diminuir a massa de salários pagos relati-
vamente à massa de mais-valia produzida, diminuindo o tempo de
trabalho necessário empregado por mercadoria produzida.
Existem formas alternativas mais diretas de se diminuir o
tempo de trabalho socialmente necessário sem recorrer a técnicas
mais eficientes de produção. Basta que sejam barateados os ali-
mentos que compõem a chamada ‘cesta básica’, o conjunto míni-
mo de itens suficientes para suprir o gasto de energia humana
após um período de trabalho, para que a parte gasta com salários
possa cair.
O problema é que não é possível diminuir indefinidamente
o valor da força de trabalho por essa via, pois há uma dependência
de melhoria no desempenho da agricultura e de inovações especí-

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 223

ficas que impliquem em queda no preço de algumas mercadorias


centrais para a sobrevivência do trabalhador. Os capitalistas não
se contentam com esse mecanismo limitado para saciar sua ânsia
por mais lucro, então partem para o aperfeiçoamento de seus pro-
cessos de produção.
Quando alcançam algum resultado significativo em relação
à concorrência, desfrutam de uma situação cômoda, mas temporá-
ria, já que logo os demais produtores daquele segmento de mer-
cado percebem e perseguem a possibilidade de aumentar a pro-
dução com o mesmo tempo de trabalho despendido. Enquanto
isso não acontece, o capitalista inovador tem três opções: vende
mais a um preço menor, mantendo a taxa de mais-valia, vende ao
mesmo preço da concorrência com uma margem de lucro maior,
ou adota uma posição intermediária. Segundo Marx, provavelmen-
te ele optará pela última alternativa:

“...Por isso, ele as venderá acima de seu valor in-


dividual, mas abaixo de seu valor social ... Desse
modo, ele obtém ainda de cada peça individual
uma mais-valia extra”. (Marx, 1985, 252)

Como visto, Marx chama de ‘extra’ essa mais-valia obtida,


em função de sua transitoriedade. É um prêmio circunstancial pe-
la capacidade inovadora do empresário isolado, pois quando a
nova técnica se difunde para o resto da economia, a socialização
da inovação transmuta-a em aumento geral da mais-valia relativa
no setor136.

136Também temporária por duas razões principais: 1. Como visto nos itens
anteriores, toda tecnologia tem um tempo para ser depreciada, e 2. Para além
da concorrência interna do setor, há a concorrência geral dos capitais, que bus-
cam oportunidades em qualquer ramo de negócio.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 224

4.9.5. Tecnologia e exploração

A aplicação de sistemas produtivos mais avançados tecno-


logicamente é uma busca constante do capitalista, por dois moti-
vos. Com formas mais adiantadas de produção em relação à con-
corrência, ou se obtém melhor qualidade ou maior quantidade de
mercadorias produzidas, o que acarreta dois diferenciais: maior
aceitação de sua mercadoria junto ao mercado consumidor e/ou
maiores vendas para a empresa, gerando mais valor por unidade
de tempo. Em regra, no entanto, o capitalista procura obter uma
coisa e outra com a mesma quantidade de trabalhadores operan-
do. Se não for possível expandir as vendas, o capital cortará as
despesas com capital variável, o trabalho vivo, para resguardar o
lucro, substituindo-o por máquinas, onde há trabalho humano
objetivado; o trabalho morto.
Para demonstrar o impacto quantitativo de uma inovação
tecnológica no emprego da força de trabalho, suponha-se uma
situação inicial em que, num certo processo produtivo, a jornada
de trabalho é de 8 horas diárias, sendo que são gastas 2 horas com
trabalho necessário, outras 2 horas com trabalho excedente e nas
4 horas restantes, os trabalhadores reproduzem todos os demais
valores das mercadorias necessárias à fabricação da mercadoria
final. Suponha-se, também, que o valor total diário processado
seja de R$ 10.000,00. Esta situação inicial pode ser assim esque-
matizada:

Divisão do capital investido e mais mais-valia dentro da


jornada de trabalho:

4 h (C.C.) + 2 h (C.V.) + 2h (M.V.) = 8 h

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 225

Capital investido e mais-valia produzida em um dia de tra-


balho:

R$ 5.000,00 (C.C.) + R$ 2.500,00 (F.T.) + R$ 2.500,00 (M.V.) =


R$ 10.000,00

Taxa de mais-valia: 2h ou R$ 2.500,00 = 1 ou 100 %


2h R$ 2.500,00

Conforme calculado, a taxa de mais-valia em relação à força


de trabalho é de 100 %. Surgindo um novo maquinário que tripli-
que a produtividade, os trabalhadores agora vão processar no
mesmo tempo R$ 30.000,00 ao invés de R$ 10.000,00. Se o preço
da nova tecnologia subir de tal forma que se estima que o total de
horas necessárias para transferir o valor do capital constante salte
para 5 e mantenham-se inalterados o valor da massa salarial paga
à força de trabalho e a jornada de trabalho, vejamos como ficariam
as proporções na nova situação.
Podemos calcular os outros valores, tomando como base a
nova produtividade da força de trabalho:

Produtividade da F.T. antes da inovação:

R$ 10.000,00 / 8 horas = R$ 1.250,00 por hora

Produtividade da F.T. após a inovação:

R$ 30.000,00 / 8 horas = R$ 3.750,00 por hora

Para sabermos em quantas horas o trabalhador vai repor


suas energias e produzir mais-valia, basta estabelecerem-se ou-
tras regras de três, nas quais a referência passará a ser a produti-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 226

vidade posterior à introdução da nova máquina, ou seja, R$


3.750,0 por hora. Assim:

R$ 3.750,00 ----- 1 horas


R$ 2.500,00 ----- X horas

R$ 2.500,00 ( 1 ) = R$ 3.750,00 ( X ) / X = 0,6666... h

Se os trabalhadores continuam necessitando de R$


2.500,00 para sobreviver, as condições básicas para reprodução
da força de trabalho serão agora produzidas em apenas aproxi-
madamente 0,667 hora. Já o tempo para produção de mais-valia
será aumentado para 2,33 horas, pois descontadas as 5,667 horas
necessárias para transferir o valor dos meios e objetos de trabalho
(5 horas) e as horas despendidas na reposição das energias dos
trabalhadores (0,667 horas), sobram 2,333 horas dentro da jor-
nada de trabalho para se produzir mais-valia. A nova divisão do
capital investido e mais mais-valia dentro da jornada de trabalho
ficará assim:

5 h (C.C.) + 0,667 h (C.V.) + 2,333 h (M.V.) = 8 h.

Para obtermos os valores que correspondem a cada ele-


mento do processo de trabalho, devemos proceder conforme o já
visto, calculando os valores a partir do valor total produzido num
dia de trabalho e considerando as horas necessárias para produzir
o capital constante, o capital variável e a mais-valia:

8 h ----- R$ 30.000,00

Para o C.C.: 8 ( X ) = 5 ( R$ 30.000,00 ) / X = R$ 18.750,00


Para o C.V.: 8 ( X ) = 0,667 ( R$ 30.000,00 ) / X = R$ 2.501,25

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 227

Para a M.V.: 8 ( X ) = 2,333 ( R$ 30.000,00 ) / X = R$ 8.748,75

Capital investido e mais-valia produzida em um dia de tra-


balho serão (em valores aproximados):

R$ 18.750,00 (C.C.) + R$ 2.500,00 (F.T.) + R$ 8.750,00 (M.V.) =


R$ 30.000,00

A nova taxa de mais-valia, dada por uma ou outra fórmula,


será:

Taxa de mais-valia: 2,333 h ou R$ 8.750,00 = 3,5 (x 100 = 350 %)


0,667 h R$ 2.500,00

Como resultado da introdução do novo equipamento, a


mais-valia produzida em um dia de trabalho passou de R$
2.500,00 para R$ 8.750,00, ou seja, mais do que triplicou, ainda
que tenha sido acrescentada apenas 0,33 hora a mais para a pro-
dução de mais-valia137 e tenha aumentado em uma hora o tempo
necessário para transferir o capital constante para a mercadoria
final.
Depois da entrada em operação do novo maquinário, a in-
dústria obteve um ganho na mais-valia relativa de R$ 5.250,00,
pois não foi alterado o tamanho da jornada de trabalho. Neste ca-
so, a fração proporcional correspondente aos salários pagos caiu
em 1/3, posto no primeiro momento R$2.500,00 correspondiam a
1/4 do total produzido num dia (25 %), e depois passaram a re-
presentar apenas 1/12 do total produzido num dia de trabalho de
8 horas (8 %).

137Antes 2 horas eram usadas pelos trabalhadores para produzir mais-valia e


agora são utilizadas 2,33 horas para tal.
Sumário
Alexandre Lyra Martins | 228

A introdução de novas tecnologias pode redundar em au-


mento da produtividade ou intensificação dos processos de traba-
lho. A intensificação do processo de trabalho e a elevação da pro-
dutividade não dependem de avanços tecnológicos, mas são fre-
quentemente associados a ela na produção capitalista. Para ocor-
rer uma intensificação do trabalho basta que seja acelerado o rit-
mo da produção, o que pode ser feito com o equipamento existen-
te, sem recorrer a novas técnicas.
A aceleração do ritmo do processo de trabalho aumenta o
trabalho realizado por unidade de tempo, intensificando a ativi-
dade produtiva do trabalhador. Um novo maquinário pode pro-
porcionar uma intensificação do trabalho, mas não necessaria-
mente, podendo até abrandar o regime de trabalho como hipótese
mais remota. O fato é que o capitalista está sempre procurando
extrair todas as potencialidades produtivas do trabalhador, o que
o leva a buscar operar no limite da produtividade desse e, portan-
to, recorrer a novas máquinas mais modernas que o tornem mais
produtivo.
O aumento da produtividade ocorre quando se alcança
maiores metas de produção por unidade de tempo, independente
da aceleração do ritmo na linha de produção. Isso pode ser resul-
tado da descoberta de uma nova forma de manipular uma máqui-
na, um conjunto de máquinas, ou de uma mudança no lay out
(disposição das máquinas no galpão); em suma, alguma modifica-
ção na esfera produtiva que não afeta o desgaste do trabalhador
por unidade de tempo; que seria o caso de uma intensificação.
Uma mudança tecnológica no processo de produção quase
sempre está associada a um aumento na produtividade, pois
mesmo que objetive aumentar a qualidade da mercadoria produ-
zida, introduz métodos mais eficientes de produção que aumen-
tam a competitividade; leia-se: possibilidade de baixar o preço e
vender mais, aumentando a massa de mais-valia.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 229

A difusão da automação e da informatização por todas as


esferas produtivas, provocando saltos significativos de produtivi-
dade, é apenas mais uma etapa do processo inexorável de intro-
dução constante de novas tecnologias nas máquinas com o objeti-
vo de aumentar a mais-valia. O resultado dessa evolução tecnoló-
gica permanente é um nível produção e produtividade sem prece-
dentes na história no início do século XXI, reafirmando, categori-
camente, o capitalismo como o modo de produção tecnicamente
mais avançado e eficiente da humanidade, ao mesmo tempo em
que confirma suas contradições gerando grandes disparidades de
renda e de padrão de vida.
Como foi visto ao longo do texto, no entanto, contradições
são imanentes à natureza humana e, por consequência, inerentes
às formas de organização sociais. Contradições também são parte
integrante da lógica do próprio capitalismo. Os impactos negativos
desse processo têm de ser colocados para discussão por entidades
representativas de trabalhadores e organizações civis que se pre-
ocupam com o lado humano do processo produtivo, como as que
atuam no sentido de proteger trabalhadores de nações mais po-
bres onde frequentemente a exploração é maior e a pobreza é
mais abrangente e mais violenta.
A expansão recente do setor de serviços, por exemplo, co-
mo canal de compensação engendrado pelos desdobramentos da
produção, após o fechamento sistemático de milhares de vagas no
setor industrial, já era visualizada em O Capital. Ao estudar a mais-
valia relativa na seção IV do capítulo 13, Marx dedica um subitem
ao exame crítico da chamada ‘teoria da compensação’, segundo a
qual uma liberação de trabalhadores em algum setor vinha sem-
pre acompanhada da geração de empregos em outros setores da
economia. Marx rebate esse argumento, usado até hoje por alguns
economistas, demonstrando teoricamente e quantitativamente
que vagas extintas não são compensadas na mesma proporção por

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 230

outro setor, asseverando que mesmo quando capital novo é inves-


tido numa economia, as oportunidades de trabalho serão inferio-
res às iniciais, isto é: piores em termos de salário, de aproveita-
mento das potencialidades do trabalhador, de garantias trabalhis-
tas, etc.:

“Atrofiados pela divisão do trabalho, esses pobres


diabos (trabalhadores) têm tão pouco valor fora
de seu velho círculo de atividade que só conse-
guem acesso a alguns poucos ramos inferiores de
trabalho, portanto, ramos constantemente satu-
rados e sub-remunerados”. (Marx, 1985, 56)

A busca por constantes avanços tecnológicos foi a forma


encontrada pelo capital para contornar um provável obstáculo
futuro à sua crescente reprodução e ampliação; a quantidade de
trabalho humano disponível, configurada concretamente na popu-
lação proletária disponível e nos limites das jornadas de trabalho.
No entanto, a arma se vira contra o atirador, pois, na medida em
que o capitalista substitui progressivamente o trabalhador na li-
nha de produção, há um aumento na contradição imanente ao ca-
pital: o problema da realização da mais-valia.
A questão que se coloca é: para quem vai se vender a pro-
dução se a quantidade produzida por trabalhador aumenta cons-
tantemente e expressivamente e ao mesmo tempo as unidades
produtivas vão expelindo os trabalhadores? Esses trabalhadores
vão ser jogados em atividades marginais da economia, restando
cada vez menos e poucos empregados bem remunerados e qualifi-
cados, mais próximos dos capitalistas, para, por exemplo, criar
(bens, serviços ou conteúdos), dar manutenção a máquinas, ou
administrar empresas.
A constante substituição de trabalho vivo por máquinas,
trabalho morto, vai agravar progressivamente o impasse da venda
Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 231

da produção, e as chamadas crises de realização devem se tornar


cada vez mais frequentes. Crises essas que explicitarão cada vez
mais riqueza produzida, excessiva, mostrando que a humanidade
atingiu um patamar de produção que atende a todos, mas há o
problema da distribuição, além de que já se pode pensar efetiva-
mente em reduções da jornada de trabalho. Isso, porém, envolve-
ria a mudança dos critérios básicos do mercado, por exigência da
sociedade, o que significaria negociar com o capital a revisão de
parâmetros, argumentando que está em jogo sua própria sobrevi-
vência. Todo esse processo está em curso e pode ser testemunha-
do pelo observador atento do século XXI, mas não tem data para
ser concluído, podendo se arrastar ainda por muito tempo.
O estudo científico/histórico do desenvolvimento dos mo-
dos de produção, permite constatar os referidos mecanismos de-
talhados nesse item e afirmar que o processo de exclusão dos tra-
balhadores de seus empregos fragiliza o próprio capitalismo, se
transmutando em fonte da exclusão do próprio sistema excluidor.
A história também mostra que têm sido criados mecanis-
mos compensatórios de ordem social para esse processo a partir
do advento do Estado do bem-estar social, que também proporci-
onou nova onda de internacionalização do capital para países
emergentes, adiando o enfrentamento direto das contradições do
capital, que virá quando não for mais possível postergar os efeitos
deletérios da melhor forma de produzir já elaborada pelo homem.

4.10. Questionário síntese

1 – Explique o método marxista.


2 – O que são forças produtivas?
3 – O que são relações de produção?
4 – O que é estrutura econômica? Dê exemplos.
5 – O que é superestrutura? Dê exemplos.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 232

6 - Qual a relação existente entre a superestrutura e a base real da


economia?
7 – O que é modo de produção?
8 – Como Marx explica a dinâmica da evolução da economia e da
sociedade?
9 - Justifique metodologicamente a escolha da mercadoria como
ponto de partida da análise marxista.
10 - Como Marx explica dualidade dos valores de uso e de troca?
11 - Conceitue e comente a mercadoria, enquanto categoria de
análise marxista.
12 - Qual é a relação existente entre trabalho concreto e valor de
uso e trabalho abstrato e valor?
13 - Explique as categorias trabalho simples e trabalho complexo
(exemplifique).
14 - Qual é a relação entre os trabalhos concreto e abstrato e os
trabalhos simples e complexo?
15 - O que você entende por trabalho socialmente necessário?
16 - Segundo Marx, como explicar o valor contido nas mercadori-
as?
17 - Em que consiste o fetiche das mercadorias descoberto por
Marx?
18 - Qual a explicação de Marx para o fetiche das mercadorias?
19 - Que tipo de empecilho dificultava a troca direta de mercado-
rias?
20 - Que propriedades as mercadorias-moeda deveriam ter para
exercer a função de intermediadora de trocas?
21 - A moeda era, antes de mais nada, uma mercadoria qualquer.
Explique essa afirmação.
22 - Quais as razões da dissociação entre as denominações mone-
tárias de valor e o valor dos pesos metálicos?
23 - Que relação tem o Estado e a sociedade com o papel-moeda
nas modernas economias?

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 233

24 - O dinheiro por si só pode constituir riqueza? Justifique.


25 - Considerando a teoria vista, explique, de forma simplificada, a
inflação.
26 - Teça considerações sobre as incongruências quantitativa e
qualitativa.
27 - Em que consiste o ‘metabolismo social’?
28 - O que você entende por circulação simples das mercadorias?
29 - Quais são as funções da moeda?
30 - Como ficam as metamorfoses da mercadoria quando o dinhei-
ro funciona como meio de crédito?
31 - Apresente a lei do curso do dinheiro.
32 - Comente a forma D - M - D’.
33 - Quais são as principais diferenças entre as formas M - D - M’ e
D - M - D”?
34 - Qual é o fundamento da geração de mais valor?
35 - Justifique a impossibilidade da geração de mais-valia pelos
outros elementos componentes do processo produtivo, que não a
força de trabalho.
36 - Na esfera da circulação de mercadorias pode surgir mais-
valia?
37 - O trabalho é algo inerente ao homem desde sua existência.
Que mudanças ocorreram com o passar do tempo na forma do
homem abordar a natureza?
38 - O que é processo de trabalho simples?
39 - Quais são os elementos do processo de trabalho? (Exemplifi-
que)
40 - Qual é a importância da regularidade no processo produtivo
capitalista?
41 - Como surge a interdependência dos processos produtivos?
Explique a relação da divisão social do trabalho com as cadeias
produtivas.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 234

42 - Que forma específica ganha o processo de trabalho no capita-


lismo? Como entender a convivência dessa forma com o processo
de trabalho simples.
43- Que variáveis são cruciais na determinação do valor do ma-
quinário a ser transferido para a mercadoria final produzida? (ex-
plique)
44 - Calcule o valor que é transferido de um maquinário que custa
R$ 550.000,00, a cada uma das 1.100.000 mercadorias que se es-
tima produzir ao longo de sua vida útil, estipulada em 4,5 anos.
Quanto o valor que é transferido do capital para as mercadorias
representa relativamente ao preço das mercadorias finais, que é
de R$ 3,00? Qual é a depreciação anual necessária para repor o
bem de capital?
45 - Qual será o valor depreciado por unidade produzida de uma
máquina que custa R$ 180.000,00 e estima-se produzir R$
900.000,00 durante 4 anos de vida útil (se cada mercadoria final
custa R$ 10,00)? Qual é o fundo mensal de depreciação para amor-
tizar o maquinário?
46 - Conceitue: capital constante e capital variável.
47 - Teça considerações acerca dos conceitos e da evolução histó-
rica dos limites da jornada de trabalho.
48 - Para uma empresa que em um ano investe R$ 200.000,00 em
equipamentos, adquire R$ 400.000,00 em matérias-primas e paga
R$ 150.000,00 em salários a seus trabalhadores, obtendo uma
massa de lucro de R$ 100.000,00, quais são as taxas de mais-valia
‘aparente’ e ‘efetiva’?
49 - O que é mais-valia absoluta e mais-valia relativa?
14 - Sabendo-se que uma firma explora seus trabalhadores a uma
taxa de mais-valia de 80 % e que obtém, assim, uma massa de
mais-valia de R$ 30.000,00, quanto essa empresa gastou com pa-
gamento a seus funcionários?

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 235

50 - Se o tempo de trabalho necessário em uma certa empresa é


de 40 % de sua jornada de trabalho de 7 horas, quantas horas são
gastas com trabalho excedente?
51 - Converta os capitais constante e variável e a mais-valia da
questão 12 para frações de jornada de trabalho, supondo uma jor-
nada de trabalho de 8 horas e 22 dias de trabalho por mês. Qual é
o valor diário do total das mercadorias produzidas e quanto é re-
passado diariamente de depreciação de equipamentos, de maté-
ria-prima gasta, e de capital variável?
52 - Que argumentos podem ser usados na discussão em torno do
caráter de ‘roubo’ existente (ou não) na categoria trabalho exce-
dente (não pago).
53 - Quais são os mecanismos utilizados pelos capitalistas para
aumentar a massa de mais-valia? (explicar historicamente).
54 – Se, em 2 horas, os operários de uma indústria transferem o
valor correspondente às compras de matéria-prima e insumos às
mercadorias produzidas, em 3 horas pagam o custo de reprodução
da própria força de trabalho, em 1 hora repassam o valor investi-
do em bens de capital às mercadorias finais, em 2 geram mais-
valia e ao final da jornada diária de trabalho transferem R$
6.000,00, pergunta-se:
a – Qual é a jornada de trabalho diária neste caso?
b - Quanto os operários transferem diariamente pa-
ra as mercadorias do capital investido em força de
trabalho, equipamentos, matéria-prima e insumos?
c - Qual é a taxa de mais-valia praticada nessa indús-
tria?
55 - Se na indústria da questão anterior for introduzido um equi-
pamento que na mesma jornada de trabalho passe a processar R$
18.000,00 em mercadorias, reduzindo em 2/3 o tempo que o tra-
balhador gasta para suprir as condições de sua sobrevivência,
passando a processar os objetos de trabalho em 1 hora e tripli-

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 236

cando o tempo necessário para depreciar o valor do novo equi-


pamento, pergunta-se:
a – Quantas horas da jornada de trabalho serão des-
tinadas à produção de mais-valia?
b – Quais serão os novos valores diários processados
de depreciação do capital, de matéria-prima usada,
de salários pagos e de mais-valia?
c - Qual é a nova taxa de mais-valia?
d - Qual o ganho com mais-valia relativa?
56 – Tomando a empresa das questões 12 e 16, suponha que foi
implantado um maquinário mais avançado que necessite de uma
depreciação diária de R$ 1.200,00, mas que processe os mesmos
valores dos objetos de trabalho e do capital variável na metade do
tempo. Sabendo que o capitalista não altera a jornada de trabalho
e ganha R$ 121,00 de mais-valia adicional, quantas horas se preci-
sará destinar para depreciação do maquinário e qual o valor das
mercadorias produzidas num dia?

Respostas das questões que envolvem cálculo:

44 - R$ 0,50, 0,167 ou 16,7 % e R$ 122.222,20


45 - R$ 2,00 e R$ 3.750,00
48 - Tx aparente: 13,3 % e Tx efetiva: 66,7 %
49 - R$ 37.500,00
50 - Tr. excedente: 4,2 h
51 - Máquinas: 1,88 h, salários: 1,41 h, matéria-prima: 3,76
e lucro: 0,94 horas
Valor diário das mercadorias produzidas R$ 3.219,00, de-
preciação: R$ 757,00, matéria-prima: R$ 1.515,00 e capital
variável: 568,00.

Sumário
A Economia Segundo Smith, Ricardo e Marx | 237

54 – a- 8 horas, b- Força de trabalho: R$ 2.250,00, equipa-


mentos: R$ 750,00 e matéria-prima e insumos R$ 1.500,00,
c- Txmv: 66,7 %
55 – a- 3 horas, b- Depreciação e mais-valia: R$ 6.750,00,
Salários e matéria-prima: R$ 2.250, c- 300,00 %, d- R$
5.250,00.
56 – Depreciação do maquinário: 3,5 horas e o valor total
das mercadorias: R$ 3.783,00.

Sumário
Alexandre Lyra Martins | 238

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