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PROGRAMA
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO -‐ DIREITO INTERNACIONAL E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
1 -‐ Definição de Direito Internacional.
2 -‐ Distinção e relação com outras disciplinas.
3-‐ Juridicidade e fundamento da obrigatoriedade do Direito Internacional.
CAPÍTULO II
OS FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNACIONAL
1 -‐ As fontes principais do Direito Internacional:
1.1. O costume.
1.2. As convenções internacionais:
a) Noção e significado.
b) Classificações:
-‐ Critério do objecto;
-‐ Critério dos sujeitos;
-‐ Critério da forma de produção da norma;
c) O processo de conclusão das convenções internacionais:
-‐ A negociação;
-‐ A assinatura:
-‐ A vinculação;
-‐ A vigência e a eficácia;
-‐ As especificidades das convenções internacionais multilaterais, em especial as reservas.
d) A interpretação das convenções internacionais.
e) A questão da validade das convenções internacionais:
-‐ Condições de validade;
-‐ Causas de nulidade;
-‐ Processo de anulação;
-‐ Efeitos das nulidades.
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f) A execução das convenções internacionais.
g) A modificação e a suspensão e cessação de vigência das convenções internacionais.
1.3. Os actos unilaterais, em especial os actos das organizações internacionais.
2 -‐ Outras fontes:
2.1. A jurisprudência;
2.2. A doutrina.
3 -‐ O sistema jurídico internacional:
3.1. Os princípios e normas de Direito Internacional;
3.2. A hierarquia entre princípios e normas;
3.3. O conceito de ‘soft law’.
CAPÍTULO III
RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO DOS ESTADOS
1 -‐ Doutrinas em presença: Monismo e dualismo.
2 – Sistemas de vigência do Direito Internacional no ordenamento jurídico interno dos Estados.
3 -‐ A questão no Direito português:
3.1. A posição do Direito interno face ao Direito Internacional;
3.2. O problema da hierarquia nos processos de criação de Direito a nível interno.
CAPÍTULO IV
OS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL
1 -‐ A personalidade e a capacidade internacional:
1.1. O princípio da soberania;
1.2. O princípio do reconhecimento.
2 -‐ Os sujeitos típicos do Direito Internacional:
2.1. Os Estados soberanos.
2.2. Os Estados semi-‐soberanos.
2.3. A problemática do reconhecimento.
3 – Outros sujeitos de Direito Internacional:
3.1. As organizações internacionais;
3.2. A Santa Sé, a Ordem de Malta, a Cruz Vermelha Internacional;
3.3. Os beligerantes e os insurrectos;
3.4. O indivíduo.
CAPÍTULO V
A RESOLUÇÃO DOS DIFERENDOS INTERNACIONAIS E A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
1 – A resolução pacífica dos diferendos:
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1.1. Meios de resolução diplomática;
1.2. A resolução arbitral;
1.3. A resolução judicial – o Tribunal Internacional de Justiça.
2 – O uso da força:
2.1. Conceitos fundamentais: ‘agressão’, ‘ameaça à paz’, ‘ruptura da paz’;
2.2. Meios de auto-‐tutela;
2.3. O sistema de segurança colectiva das Nações Unidas;
2.4. As operações de manutenção da paz.
3 – A responsabilidade internacional:
3.1. Requisitos da responsabilidade internacional dos Estados;
3.2. A responsabilidade internacional criminal dos indivíduos. Traços fundamentais da evolução: os Tribunais e
Nuremberga e Tóquio; o Tribunal de Haia para a ex-‐Jugoslávia; o Tribunal Penal Internacional.
CAPÍTULO I
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adotadas por sujeitos de direito internacional, com vista a regular as relações entre estados. Mas esta
definição não é completa, é tradicional mas incompleta.
2. Critério do objeto da norm a internacional. Há outros autores que definem o direito internacional
recorrendo à matéria versada por este, dizendo que é o conjunto de normas que regula matérias
especificamente internacionais.
3. Critério das fontes. Depois há autores que preferem definir o direito internacional através das suas
fontes, não através dos autores nem através da matéria visada pelas mesmas, mas sim pelas suas fontes,
ou seja, através da forma de produção da norma internacional, como é que esta se manifesta e qual o seu
processo de produção.
Dentro destes 3 critérios, os mais aceitáveis são o dos sujeitos (autores e destinatários da norma) e o da forma
de produção da norma internacional, pois as fontes do direito internacional são específicas e não se
confundem com as do direito interno. O critério que não é viável é o do objeto da norma internacional. E
porquê? Porque embora haja um conjunto de matérias que pertencem à reserva estadual e que as normas
internacionais não podem afetar, a maioria das matérias tanto pode ser regulada por normas internas como
por normas internacionais. Não podemos dizer que há matérias obrigatoriamente reguladas pelo direito
interno e outras obrigatoriamente reguladas pelo direito internacional. Hoje a realidade mostra-‐nos que há
inúmeros domínios substantivos e materiais que são regulados tanto pelo direito interno como pelo direito
internacional. Depois claro que há o problema de conflito, pois, se uma mesma situação é regulada por ambas
as normas, surge o conflito de aplicação da norma: temos que saber que norma aplicar em detrimento da
outra – problemas de conflito positivo. Mas a nossa CRP determina, em caso de conflito, a que norma
devemos dar prioridade. Porém no limite, fora um reduto muito específico de matérias, a mesma situação
pode ser regulada por direito interno e direito internacional.
è Art. 8º CRP – o artigo mais importante para a disciplina e indispensável sabê-‐lo de cor e salteado para o
exame.
Artigo 8.º
(Direito internacional)
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna
após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram
directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das
respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito
pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Não há oposição entre direito internacional público e privado. O privado tem uma função que não é
necessariamente oposta à do público. Por isso é que quando surgem as primeiras formulações teóricas acerca
desta disciplina própria, com intensidade, dogmática e modo de pensar próprios, no séc. XVIII dá-‐se o nome
de International Law e não Public International Law. O direito internacional, por natureza, é público. O Privado
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tanto pode ser público ou privado, pois é apenas o sistema de remissão para normas que irão resolver
determinado conflito privado na maioria dos casos.
Há também outras terminologias para direito internacional que designavam o direito internacional como
direito dos povos. Estados não como fim, mas sim como realização do direito dos povos.
24.02.16
Ontem estávamos a falar na definição de direito internacional público, quais os diferentes critérios de direito
internacional seguido pelos diferentes de autor. São aceitáveis tanto as definições que aceitam o critério dos
sujeitos tal como o dos modos de produção da norma internacional.
Critério dos sujeitos: conjunto de normas que regem a relação entre os estados e outros sujeitos de direito
internacional. As pessoas individuais e coletivas podem também ser destinatários do direito internacional,
apesar de excecionalmente.
Pelo critério dos modos de produção das normas de direito internacional, o direito internacional será então o
conjunto de normas produzido através dos modos de produção próprios do direito internacional. É menos
óbvio este critério, é mais opaca a definição para quem não sabe já de que é que se trata no direito
internacional. Mas este critério retém como elemento distintivo as fontes do direito internacional, o modo
como se manifestam as normas internacionais. Quais os modos de produção próprios do direito internacional?
Costume, convenções internacionais (tratados e acordos internacionais), atos jurídicos unilaterais das OI e,
dependendo de cada autor, princípios gerais de direito como fonte mediata ou imediata. Fontes diferentes
das fontes do direito interno, que, no fundo, é que dão a característica própria do direito internacional.
Terminada a definição de direito internacional, cabe agora distinguir o direito internacional de outros
domínios normativos que podem ser jurídicos ou não jurídicos. Dentro dos domínios normativos jurídicos, o
direito internacional não se confunde nem com o direito comparado nem com o direito internacional privado,
nem com o direito da UE. Quem não tem ideia precisa do objeto do direito internacional, por vezes, confunde-‐
o com estes ramos. Quanto ao direito comparado, o direito internacional não é um ramo de direito que tenha
por objeto comparar diferentes sistemas jurídicos, porque o direito internacional, ele próprio, é um sistema
jurídico distintivo e autónomo. Ao contrário do direito comparado, onde, na verdade, na sua aceção mais
ampla, se comparam sistemas de direito agrupados em famílias que pegam em 2 sistemas jurídicos e
estabelecem as diferenças e razões de ser das mesmas, o direito internacional é uma ordem jurídica oposta ao
conjunto das normas jurídicas internas. O direito internacional procura ser indiferente em relação às
diferentes opções tomadas por cada sociedade e por cada estado, por conseguinte vigora o princípio da
igualdade soberana, que é matriz do funcionamento da ONU. O direito internacional é uma ordem jurídica una
e distintiva das nacionais, sobreposta, que se rege pelo princípio da igualdade soberana.
Assim como não se confunde o direito internacional com o direito comparado, também não confundimos o
direito internacional com o direito internacional privado -‐ não são opostos, mas também não são a mesma
coisa. O direito internacional privado é internacional na medida em que determina normas de remissão que
visam determinar qual a regra ou sistema jurídico aplicável sempre que há situação privada para cuja
resolução concorrem pelo menos 2 sistemas jurídicos diferentes. Só é internacional porque há uma situação
privada para cuja resolução concorrem de forma negativa ou positiva duas ou mais ordens jurídicas diferentes.
É internacional apenas porque aquela situação privada chama duas ou mais ordens jurídicas distintas. Na sua
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essência originária, o direito internacional privado é apenas um conjunto de normas de remissão que visam
resolver um conflito de aplicação de normas que envolvem 2 ou mais sistemas jurídicos diferentes. Por
exemplo, casamentos entre pessoas de diferentes nacionalidades, portuguesa e italiana, em caso de adoção
de uma criança, qual a norma que se aplica? Norma portuguesa ou italiana? Pois bem, há um conjunto de
normas no nosso código civil, assim como em outros países, que determinam que norma a aplicar em caso de
conflito positivo (ambos consideram-‐se competentes para resolver o caso) ou negativo (nenhum sistema se
considera competente para resolver o caso). Já há regimes de direito internacional privado que indicam já a
solução do caso em vez de remissão para outras normas -‐ desenvolveu-‐se uma certa materialização do direito
internacional privado. Situação privada que envolve a aplicação de diferentes direitos estaduais e é preciso
determinar qual o direito nacional que resolve a situação.
O direito internacional não tem nada a ver com isto, pois visa regular relações entre sujeitos que não são
necessariamente privados e muito menos situações privadas.
O direito internacional não se confunde com o direito da UE. O direito da UE é apenas uma manifestação do
direito internacional com características de originalidade e autonomia. O direito da UE nasce de tratados
internacionais, sendo a sua origem internacional, mas depois tem características (estudadas no próximo ano)
que lhe dão originalidade e autonomia em relação ao direito internacional, pois são características que dão
coloração federalista à própria experiência do direito da UE. É, originalmente, internacional mas pelas suas
características tem também caráter estadual federal. A questão é que, através das competências que se
atribui à UE e às suas instituições, vemos nascer um conjunto de competências que dão à UE um cariz estadual
de natureza federalista. O melhor exemplo é a moeda única, o euro.
Há outros domínios normativos não jurídicos que se distinguem do direito internacional. Há certas atuações
dos estados no plano internacional não por razões de direito mas por razões morais. Na maioria das vezes,
aquando de catástrofes, os estados são muito solidários, enviando bens e ajudando na recuperação. É uma
ajuda humanitária, não resulta de obrigação internacional, resulta apenas de um ato de vontade dos estados
que se explica pela moral internacional. Não há tratado internacional que obrigue os estados a prestar auxílio
nestes casos. Os estados fazem-‐no voluntariamente por razões morais. É, no fundo, extrapolar à escala
estadual os nossos comportamentos individuais, quando se trata de mostrar solidariedade com pessoas em
situações precárias ou situações de limite de sobrevivência.
Assim como também não há qualquer identidade entre o direito internacional e as normas de cortesia
internacional. Há certas normas de cortesia internacional que todos os estados procuram respeitar, não por
estarem obrigados por norma internacional, mas sim porque as normas de cortesia facilitam a aproximação
entre povos e a conclusão de acordos e não seguidas expressam uma posição negativa do estado face à
situação. Por exemplo, o facto do Papa beijar o solo é uma norma de cortesia em que conhece esse território
como estado soberano. Se não beijar o solo, significa que prefere não interferir no reconhecimento desse
território como estado soberano. Estas normas de cortesia não pertencem ao direito internacional, mas, ainda
assim, acabam por ter mensagens que se refletem nas relações entre os estados e os povos.
Também há que distinguir o direito internacional da política internacional. Quando falamos no direito em
geral, é habitual distinguir direito da política. Estes não se confundem. O direito pode ser o reflexo de opções
políticas mas não se confundem. A política é uma arte com o seu modo de ser próprio. Do mesmo modo que,
no direito, em abstrato, dizemos que não pode haver confusão entre um domínio e outro, o mesmo acontece
com o direito internacional.
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Portanto, a juridicidade da norma internacional vai-‐se buscar ao perceber que o direito
internacional é fundamentalmente um direito fragmentário e policêntrico.
O direito internacional é policêntrico desde logo porque são múltiplos os centros de
decisão e são múltiplos os autores de norm as internacionais. Isso distingue a ordem
jurídica interna da internacional, pois na interna está perfeitamente identificado o autor da
norm a. No direito internacional os centros de decisão estão difundidos, ou seja, há vários centros de decisão,
porque tanto podemos ver como autores de normas a Assembleia da ONU e o Conselho de Segurança, como
podem ser autores de normas internacionais 2 estados que celebrem um tratado bilateral. Se multiplicarmos a
quantidade de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados por diferentes países, percebe-‐se o quanto é
difuso o meio de adoção, ou o meio de aprovação, de normas internacionais. Também são autores de normas
internacionais OI como a UE. Há, de facto, um policentrismo no processo de adoção das normas
internacionais, que distingue o direito internacional do direito interno. Há um policentrismo quanto à
tomada de decisão, mas isto consubstancia a figura de um legislador no plano
internacional. No direito internacional encontramos a função legislativa, pura e simplesmente ela não está
centralizada em órgãos legislativos perfeitamente identificados. No direito internacional o legislador é diverso.
Não é rigoroso afirm ar-‐se que no direito internacional não há legislador. Há, de facto,
legislador, mas não um legislador mundial, o que também protege a soberania do estado.
O direito internacional é fragmentário, pois nem todas as m atérias são reguladas com a
mesma intensidade pelo direito internacional. Por exemplo, no domínio dos direitos humanos há
inúmeras convenções que regulam esta questão, mas não entram em especificidade.
É verdade que no direito internacional não há juiz?
Não é verdade. Isto não é rigoroso desde o séc. XIX em que surgiram os primeiros tribunais que julgavam
matérias internacionais. Há tribunais que exercem jurisdição obrigatória quando o litígio é levado ao tribunal,
portanto tem uma jurisdição vinculativa. Além do Tribunal Internacional de Justiça, há também o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, Tribunal de Justiça da UE, etc.
A característica distintiva fundamental entre os tribunais internacionais e os internos é que
nos prim eiros só os estados podem ser parte, ou seja, não há possibilidade de haver litígios
entre estados e particulares, podendo haver litígios entre particulares e estados,
nom eadam ente quanto aos tribunais dos direitos do hom em .
Todos estes tribunais só têm poder para intervir se os estados reconhecerem a sua jurisdição. Só um estado
que seja membro da Convenção Europeia dos Direitos do Homem é que estará vinculado às decisões do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A partir do momento em que se aceita a jurisdição de um tribunal,
é-‐se julgado pelo mesmo e a decisão passa a ser vinculativa (mas só o é se os estados previamente
reconhecerem a jurisdição desse tribunal). A jurisdição destes tribunais depende de um ato de
vontade dos estados e, em qualquer momento, podem retirar a jurisdição. Só há um caso em
que a decisão desse tribunal e sua jurisdição é obrigatória, não dependendo da vontade dos estados: Tribunal
de Justiça da UE (a pertença à UE vincula automaticamente os estados ao TJUE, mesmo contra a sua vontade).
Fora o TJUE, os restantes tribunais internacionais, no que diz respeito à sua jurisdição, estão mais
dependentes à vontade do estado.
Temos então legislador e juiz (com fragilidades mas temos).
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Falta o terceiro elemento. No direito internacional não há policia. Primeiro, os tribunais internacionais nem
sempre podem resolver diferendos, pois terão que ser resolvidos por meios diplomáticos. Há a ausência de
polícia internacional que persiga o infrator e que lhe aplique sanção que restrinja a liberdade quando o
infrator se tratar de um estado, pois tal é impensável. Desde logo, há situações que o direito
internacional, pelas suas próprias características, não se pode assim ilar ao direito interno.
Todavia, não é correto afirmar-‐se que não há sanção no caso de infração de uma norma internacional. Isto é, é
inconcebível prender-‐se um estado e toda a sua população, mas pode responsabilizar-‐se os líderes políticos de
um estado, ou responsabilizar um estado por violar tratados que possam, por exemplo, vir a causar poluição
num outro estado. Só não temos o conceito de polícia a conceber um poder coercivo, todavia as normas
internacionais preveem a imputação de uma sanção quando são violadas. O direito
internacional, tal como o interno, imputa uma sanção aquando de um incumprimento da norma. Há um
sistema de responsabilidade internacional, civil ou penal. Simplesmente, o sistema sancionatório é diferente
do direito interno. O tipo de sanções do direito internacional é distinto do tipo de sanções que
o direito interno conhece. Por exemplo, obrigação de indemnização e reparação pelos danos causados e
pena de prisão caso se trate de um individuo (por exemplo líderes políticos). O embargo, por exemplo, é uma
forma de sanção. Quando os estados adotam um embargo entendem que aquela atuação foi ilícita. Em alguns
casos, pode recorrer-‐se a represálias armadas, como o direito à guerra por exemplo, quando se trata de
legítima defesa (Kuait quando foi invadido pelo Iraque). O direito internacional tem um conjunto de sanções
próprias.
O conselho de segurança da ONU, associado a alguns pactos regionais de defesa como a NATO (organização
de cariz regional), quando intervêm para manter a paz e segurança têm carácter de polícia internacional,
intervindo com vista à reposição da legalidade. É este o objetivo virtual da NATO e das decisões do conselho
de segurança como âmbito da manutenção da paz e segurança, ainda que recorrendo à força.
Onde está a dificuldade nisto tudo? Pese embora que tenhamos legislador difuso, que claramente tenhamos
juízes, ainda que tenhamos sistema de sanções criado pelo direito internacional, uma coisa é verdadeira: a
capacidade de im posição do cum prim ento de um a norm a no direito internacional é m uito
mais frágil do que aquilo que acontece no direito interno . Isto relaciona-‐se com a questão da
coercibilidade, pois no direito internacional não tem os estrutura tão eficaz com o no direito
interno na existência de repressão, nom eadam ente polícia. Todavia não podemos dizer que a
norma internacional deixa de ter juridicidade por isso. Não é pelo facto de, no direito internacional,
o cum prim ento das norm as estar m uito dependente da relação de forças políticas e
económicas existentes num determinado momento ou contexto geográfico que podem os
dizer que a norm a não é jurídica. Ela é jurídica mas a sua capacidade de imposição é mas frágil. Apesar
de no direito internacional serem mais as vezes em que nos sentimos desiludidos com a capacidade de
imposição da norma, o mesmo também nos acontece no direito interno. Nós, no direito internacional,
temos normas tão jurídicas quanto as normas de direito interno, simplesmente o grau de
incumprimento é maior no direito internacional e a capacidade de imposição é mais frágil
no direito internacional que no direito interno. Mas a natureza do problema é o mesmo. Aquilo que
distingue é, simplesmente, o grau de imposição da norma.
No direito internacional as normas são jurídicas, têm carácter vinculativo, pura e simplesmente, o meio de
imposição das normas é mais frágil e depende das reações político-‐económicas de um estado. No direito
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interno, na verdade, isto também acontece, mas acontece em menor grau e com menor intensidade. Todavia,
também no direito interno, vemos que nem sempre a norma tem capacidade impositiva e também no direito
em geral é mais fácil obrigar um cidadão comum a cumprir que um estado. Também no direito interno há
muitos criminosos à solta, também no direito interno por vezes a polícia não é capaz de prender e permitir
que se puna indivíduos que pratiquem determinados crimes. Também vemos no direito interno que
infelizmente é muito mais difícil fazer cumprir as normas aos detentores de poder político económico do que a
um cidadão comum. O problema de imposição da norma também existe no direito interno,
simplesmente de forma menos intensa e menos mediática .
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aceitava a existência de normas heterónomas que tenham sido criadas fora ou sem a vontade do
estado e pelas quais o estado deveria reger a sua conduta. Impossibilidade de hétero-‐limitação do
Estado, que assenta no princípio de soberania absoluta e intangível do Estado. Portanto, ao
basear o direito internacional nesta exteriorização do direito interno, Hegel
acabava por condicionar a obrigatoriedade do direito internacional, porque o
estado pode vincular-‐se a uma norma internacional, com o também se pode
desvincular sem qualquer tipo de sanção. Para Hegel, a sanção seria algo abusivo quanto
à soberania do estado. O estado só estaria obrigado a cumprir a norma enquanto isso lhe fosse
favorável. Era inadmissível qualquer tipo de lesão da soberania absoluta e
ilimitável do estado.
No fundo, o estado era autor da norma internacional e só estaria vinculado enquanto isso lhe
fosse favorável. Quando deixasse de o ser, o estado poderia unilateralmente desvincular-‐se da
norma sem sofrer qualquer tipo de sanção. Isto não é compatível com o direito internacional tal
qual o entendemos.
b. Teoria da autolimitação do Estado – Jhering; Jellinek – voluntarista uni-‐estadual.
Continua a negar-‐se a hétero-‐limitação do estado soberano, admitindo-‐se, por sua vez, a sua
autolimitação. É o estado que fixa as limitações do seu próprio poder absoluto, quer
perante os seus cidadãos, quer perante os restantes estados com que estabelece relações.
Aceita-‐se a existência de uma ordem internacional diferente do direito interno. Não era uma
projeção externa do direito interno, mas estes autores entendiam que a norma
internacional obriga porque o estado voluntariamente autolimitou a sua
soberania. A questão é que o estado, apesar de tudo, mantinha a mesma liberdade concedida
por Hegel. Se o estado autolimitasse e depois deixasse de ter interesse no compromisso, teria
liberdade para se autodesvincular da norm a. O estado autolimita-‐se criando uma ordem
jurídica diferente da interna, porque assume compromissos com outros estados, mas volta-‐se à
ideia de um estado que se auto limita e que em qualquer altura pode desvincular-‐
se da norma sem sofrer qualquer tipo de sanção. Há aqui novamente a negação da
obrigatoriedade da norma, pois se o estado se limitou voluntariamente nada o impede de se
libertar a qualquer momento da obrigação assumida.
c. Teoria da vontade coletiva – Binding; Triepel – voluntarista pluriestadual
Evolução das teorias voluntaristas. Há aqui um salto importante. Estes autores entendem que,
quando os estados celebrem um tratado, a norma deixa de ser um resultado das
vontades unilaterais, m as sim é resultado da expressão de um a vontade coletiva
que, em determ inado m om ento, cria um a norm a com capacidade heterónom a de
imposição, que não depende da vontade de cada um dos estados parte. Quando dois ou mais
estados celebram um tratado, a norma que é criada não é resultado da combinação de vontades
unilaterais sem que se possa desvincular quando quiser. Aqui, há uma vontade coletiva
equivalente às partes contratantes que é mais que as vontades individuais que se podem auto
desvincular. Transcende a vontade particular de cada uma das partes. Expressão de
uma vontade coletiva -‐ vontade comum mais forte que a soma das vontades individuais do
estado. Aquela norma comum resulta de uma vontade coletiva diferente das vontades individuais.
Para haver desvinculação é preciso que as partes estejam de acordo.
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Segundo Triepel, há em direito duas categorias de acordos de vontade: o contrato (Vertrag) e o
acordo coletivo (Vereinbarung). No contrato, as várias vontades participantes representam
interesses divergentes ainda que correlativos, pelo que o conteúdo das respetivas obrigações é
forçosamente distinto. São duas vontades opostas que se fundem num contrato. Já no acordo
coletivo, as partes prosseguem interesses iguais e comuns, isto é, as várias vontades
intervenientes têm o mesmo conteúdo, gerando, por isso, para todas as partes, obrigações
idênticas. Trata-‐se de uma fusão de várias vontades com o mesmo conteúdo.
Expressão da vontade com um coletiva que não corresponde às vontades
individuais. Quando 2 ou mais estados se juntam e negoceiam um tratado, definem um
conjunto de normas que valem muito mais que a sua vontade comum, daí que a norma
subsista mesmo que se queiram desvincular. A norma passa a impor-‐se por si
própria.
Esta tese consegue explicar a obrigatoriedade das normas convencionais, as que
resultam de tratados ou acordos internacionais (convenções internacionais), mas
esta teoria é insuficiente por ignorar a obrigatoriedade do costum e internacional
(práticas seguidas pelo estado e que não dependem de ato expresso e consciente de vontade).
Também não explicam os atos jurídicos unilaterais.
2. DOUTRINAS ANTI VOLUNTARISTAS
a. Teses normativista – Kelsen; Anzilotti; Perassi
Kelsen tentava explicar as normas jurídicas através de uma pirâmide, sendo uma construção
hipotética que parte de um pressuposto: a existência de uma norma fundamental. A norma
inferior só será jurídica se respeitar os parâmetros de validade definidos pela norma anterior e
essa, por sua vez, só será jurídica se respeitar os parâmetros gerais da norma fundamental. Por
outras palavras, cada norma recebe força obrigatória na norma superior. No vértice da pirâmide
situar-‐se-‐ia a norma fundamental, que confere unidade ao sistema e garante caráter jurídico às
normas de grau inferior. Mas essa norma fundamental tinha caráter hipotético, ou seja, consistia
numa mera hipótese científica, insuscetível de demonstração, numa verdade indemonstrável, um
postulado.
Por exemplo, no direito interno, o topo da pirâmide é a constituição e todas as outras normas
terão que respeitar a constituição. As normas ordinárias terão direta ou indiretamente que
respeitar os princípios da norma constitucional. À medida que subimos na pirâmide as normas
têm tendência a ser mais gerais, ou à medida que vamos descendo para a base vamos tendo
normas mais concretas, até criar direito ou obrigação.
Mas onde é que a chamada norma fundamental vai buscar a sua juridicidade?
Pela lógica da própria comunidade internacional, Kelsen entendeu que, se tivéssemos que
combinar direito internacional com direito interno, no topo da pirâmide teria que estar uma
norma jurídica internacional à qual a ordem jurídica interna teria que obedecer. O direito
internacional obrigatoriamente teria que se sobrepor à ordem jurídica interna dos estados.
Mas o que é que confere juridicidade à norma fundamental? O problema é sempre o mesmo… de
onde vem a obrigatoriedade e capacidade da norma se impor e os seus destinatários entenderem
que a norma é justa?
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A força do direito internacional não pode derivar de uma simples hipótese lógica, porque é função
de princípios superiores de valor objetivo como a Justiça e a Equidade..
b. Tese sociológica ou objetivista – Duguit; Scelle; Roberto Ago
Estas teses partem da existência de uma comunidade internacional para, a partir dela, deduzirem
a existência de normas jurídicas internacionais. Direito como resultado imutável da existência de
uma sociedade uni societas ibi ius – onde há sociedade, há direito. Onde há um agrupamento
humano é inerente a qualquer um destes a produção de normas para manter a ordem e evitar o
conflito. A existência de regras de convivência são uma necessidade imutável ao ser humano e
tem como objetivo afastar o conflito. Há uma compulsão natural do homem, quando vive em
sociedade, para a definição de regras. Isto relaciona-‐se desde logo com a imperfeição do ser
humano, que determina que temos que viver com regras. Saber onde termina o meu direito e
começa o direito do outro. Porque temos percepções muito diferentes do modo como nos
devemos comportar é necessário estabelecer regras. Este mesmo princípio acaba, para estes
autores, por justificar a existência do direito internacional. Tal como nos agrupamentos estaduais
há necessidade de estabelecer normas que compõem a ordem jurídica interna, também quando
compomos a ordem jurídica internacional composta por sujeitos que também têm conflitos, há
que elaborar regras. O direito é uma realidade objetiva que se impõe. Surge espontaneamente
dentro de qualquer agrupamento humano ou em que esteja envolvido o homem (seja no plano
interno ou internacional). O direito é uma realidade que se constata sem ser necessário
fundamentar. É uma realidade que se constata e que se impõe por si mesma. É um facto objetivo
inelutável e é inerente à existência da comunidade humana, tenha ela as fronteiras delimitadas e
dê origem ao direito interno, seja ela sem fronteiras e seja internacional.
É isto que explica o costume. Só se consegue justificar o costume através da tese objetivista. A
validade da norma jurídica para estas teses assenta na própria existência de uma comunidade
estadual ou internacional. É a própria comunidade que, na interpretação que faz dos valores
vigentes, seja no plano interno ou internacional, determina o conjunto de regras que irão
configurar no ornamento jurídico.
c. Tese jusnaturalista – Hugo Grócio; Pufendorf; Le Fur; Verdross
Para os críticos das teses sociológicas, os jusnaturalistas, as teses sociológicas de facto dão
praticamente toda a explicação, mas falta um pormenor, pois as teses sociológicas, no seu
princípio, não conseguem distinguir a ordem jurídica de uma ordem não jurídica. Na tese de
Kelsen temos uma norma fundamental que assumimos ser jurídica, mas, se pensarmos nas
estruturas das máfias da criminalidade organizada, essas estruturas também obedecem a uma
pirâmide, ou seja, há um código e ação regidos por um princípio fundamental que cada máfia cria.
A pirâmide de Kelsen tanto justifica uma ordem jurídica como uma ordem criminosa.
O mesmo acontece com a tese objetivista: onde há sociedade, há direito. Aqui vemos logo a
separação entre as normas criminosas e aquelas axiológicas que consideramos serem justas. As
teses sociológicas, quando dizem que o direito é uma manifestação espontânea de uma
sociedade, dentro do conjunto das normas mais variáveis numa sociedade distinguimos logo as
jurídicas das não jurídicas. Isto não vem de nada escrito. Isto não vem de um código escrito pelo
qual nós nos seguimos. É isto que as teses jusnaturalistas vêm explicar: aquilo que permite
distinguir as normas produzidas por uma sociedade que configuram direito de normas dentro de
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uma sociedade que não configuram direito e também de onde vem a tal norma fundamental de
Kelsen.
As teses jusnaturalistas baseiam-‐se numa construção do direito natural: conjunto de normas ou
princípios que são inerentes ao ser humano e que são universais, acompanhando a transformação
da humanidade ao longo da história. Simplesmente o modo como realizamos esses princípios vai-‐
se alterando. E qual o grande valor inerente ao direito natural e que preside em todo o direito? A
Justiça. Justiça que será desconstruída num conjunto de princípios concretos. O modo como
apreendemos a realização deste valor vai mudando. É este valor de justiça que cada agrupamento
humano pretende realizar. Dentro de qualquer comunidade, seja ela estadual ou internacional, as
normas que identificamos como jurídicas são aquelas que procuram realizar, para cada situação
concreta da vida, o ideal de justiça.
A justiça em si é abstrata, mas, se repararmos, independentemente de procurarmos concretizá-‐la,
a justiça nasce connosco. Uma norma é jurídica quando ela respeita os critérios de validade de um
conjunto de valores suprapositivos que não conseguimos provar cientificamente mas que
assentam em conceções axiológicas.
No fundo, temos na mesma a pirâmide de Kelsen com a sua norma fundamental, mas esta norma,
quando é objetivada a sua juridicidade/a sua validade, só existe se a norma fundamental
concretizar um conjunto de valores suprapositivos (não há experiência que prove a sua existência
-‐ valores não escritos) que nós aceitamos no plano filosófico.
As teses jusnaturalistas obrigam a que reflitamos sobre a nossa própria existência enquanto seres
humanos. Este tal conjunto de princípios suprapositivos que enquanto seres humanos nós
intuímos e devemos aceitar como inerentes à nossa existência.
Ou se aceita estes princípios ou se recusa. Recusando só existe a tese sociológica.
02.03.16
Mas porque é que a realização deste valor universal de justiça é apreendido e realizado de modo tão diferente
de sujeito para sujeito e ordem jurídica para ordem jurídica?
Há então várias teses para explicar a forma como se concretiza este valor e o porquê de haver diferenças. Há
vários princípios reconhecidos em qualquer ordem jurídica, ou comunidade de pessoas:
i. Principio “pacta sunt servanda” – os pactos são para se cumprir. A palavra dada tem um poder
fundamental, tanto é que no direito romano acreditava-‐se que a deusa Fides estava alojada na mão
direita, dando um aperto de mão para selar o contrato, algo que ainda hoje é comum pós negociação
de contrato ou tratado. Durante muito tempo, para os romanos bastava o aperto de mão, a palavra
dada.
ii. Dever de indemnizar os danos provocados voluntária ou involuntariamente.
iii. Princípio da boa-‐fé que se concretiza numa multiplicidade de princípios que conformam a ordem
jurídica interna e a ordem jurídica internacional.
è Mas como é que nós apreendemos estes princípios e porque é que as comunidades não concretizam do
mesmo modo estes princípios gerais?
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O nosso manual enverga pelo jusnaturalismo católico, mas a Professora acha que é uma perceção muito
parcial, porque não tem aptidão para retratar o mundo. O jusnaturalismo católico não pode pretender explicar
a juridicidade da ordem jurídica internacional quando há múltiplos credos e crenças que compõem a ordem
jurídica internacional.
A Professora concorda mais com o jusnaturalismo axiológico ou dos valores. A nossa apreensão deste direito
natural é feita através da nossa progressiva participação na consciência coletiva. É através do nosso processo
educativo que vamos moldando um conjunto de valores dos quais tomamos consciência e cabe a nós fazer
progredir. A nossa perceção dos valores realiza-‐se através de uma penetração/participação progressiva
naquilo que é a consciência coletiva. Esta consciência coletiva corresponde à sociedade em que nós nos
integramos, desde a família, amigos e meio social em que vivemos (nacional, geográfico. Somos portugueses
mas somos também europeus, por exemplo).
Há aqui um fator: estes valores, que correspondem à concretização deste valor fundamental que é a justiça,
são apreendidos de modo diferente de sociedade para sociedade. O grau de consciência de cada sociedade
desses valores varia no tempo e no espaço, daí a concretização da justiça ser diferente nas ordens jurídicas.
08.03.16
FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL
• Sentido material: são fontes de Direito Internacional todas as razões (económicas, sociais ou políticas) que
estão na origem do texto de uma norma. As normas de Direito Público (Direito Administrativo, Direito
Constitucional) tendem a ser mais vulneráveis ao processo de alteração porque estão ligadas ao poder
político. As normas estabelecidas, por exemplo, no Código Civil, são mais estáveis, desde que não estejam
dependentes de opções de índole económica, como é o caso do instituto do arrendamento.
• Sentido formal: são fontes de DI os processos seguidos para a definição e aplicação das normas. São estas as
fontes às quais vamos dar mais importância, sendo que são exemplos destas o costume, os tratados
internacionais, os princípios gerais de Direito e os atos jurídicos unilaterais. Estas são as fontes de onde o
direito brota, se manifesta, mas não onde se gera.
Por não haver um texto como o que se nos apresenta na Constituição no Artigo 112º, que define, de
forma hierárquica, as fontes de direito, o suporte mais usado é o do Artigo 38º do Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça (documento este que está no Sigarra). Este é o orientador dos tribunais internacionais
e da doutrina internacional no que toca a definir as fontes a seguir. Ainda assim, este documento apresenta
alguns defeitos, já que está incompleto e é bastante influenciado pela época em que foi concebido (1945, no
pós-‐guerra), tendo assim uma conceção algo atrasada do DI. Destaca-‐se ainda o facto de não apresentar uma
hierarquia de fontes e da lacuna de não contemplar os atos jurídicos unilaterais, ou seja, os atos dos órgãos
que efetivamente aplicam e concretizam as normas das organizações internacionais. Para além disso, na sua
alínea c) refere-‐se a nações civilizadas, ou seja, apenas cabia aos vencedores da guerra interpretar as normas
de DI, algo que hoje está já ultrapassado com a adoção pela ONU do princípio da igualdade soberana – cada
Estado corresponde a um voto independentemente do seu poder. Contudo, não se deve desmerecer a sua
utilidade, pois na falta de elenco dotado de aceitação, o artigo 38º tem tido uma importância sublime na
doutrina do DI. Há, no entanto, um artigo bastante mais recente (1998) que contém uma hierarquização das
fontes, apesar de não ser tão pedagógico, já que se trata do Artigo 21º do Estatuto de Roma, ou seja, aplica-‐se
no Tribunal Penal Internacional.
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O costume internacional
Costum e – repetição de uma forma de conduta, ativa ou omissiva (corpus – elemento material ou
objetivo) acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade (animus – elemento psicológico). O seu maior
problema é a dificuldade de prova, ou seja, há dificuldade em provar a sua obrigatoriedade. No DI, o costume,
fonte viva, é a fonte mais importante e preferível, apesar de, a partir da 2ª Guerra Mundial, as convenções
internacionais se terem equiparado a este.
Graças ao seu caráter espontâneo e volátil, garante um caráter evolutivo e natural adaptabilidade às
modificações da vida internacional. É a fonte que melhor se adapta ao dinamismo da comunidade
internacional e à alteração de valores da mesma, ao contrário das convenções que, apesar de darem maior
segurança, se cristalizam e barram a evolução espontânea (no fundo, as vantagens de um são as desvantagens
de outro).
Os autores da prática costumeira são:
-‐ os Estados, através dos atos dos órgãos externos, como Chefe de Estado, Ministro dos Negócios
Estrangeiros, agentes diplomático-‐consulares e através de atos dos órgãos internos como o Governo, o
Parlamento e os tribunais e, ainda, com atos interestaduais (atos levados a cabo em conjunto por dois ou mais
estados);
-‐ as instituições internacionais através das decisões de tribunais internacionais permanentes ou arbitrais e
através dos órgãos das próprias organizações internacionais, como o Tribunal dos Direitos do Homem;
-‐ as ONG, através de movimentos de libertação nacional e o indivíduo, apenas quando a sua atividade é
assimilada ou tolerada pelos Estados (ex: Secretário-‐Geral das Nações Unidas).
A repetição da prática no tempo é:
-‐ Constante: a prática costumeira deve ser seguida sempre que os estados tenham oportunidade para tal.
Posto isto, a esta depende do número de vezes que os estados tenham oportunidade para a demonstrar. A
partir do século XX, com a intensificação das organizações internacionais, os costumes passaram a ser cada
vez mais céleres, formando-‐se em 10 anos, pois era muito intensa a existência desse tipo de atos. É
fundamental que os estados se exprimam sempre num mesmo sentido e que a sua atitude não se altere
perante situações semelhantes, ou seja, os atos têm de ser idênticos e concordantes.
-‐ Uniforme: a frequência do número de atos deve e pode interferir com a necessária duração dessa
prática. Resumindo, só uma prática coerente, efetivamente seguida e sem alterações, pode dar origem a uma
regra costumeira.
-‐ Geral: questiona-‐se a este nível qual o número de estados cuja intervenção é necessária. Para tal, há que
distinguir entre costume internacional geral, que é o costume que só existe para o grupo de estados que atua
segundo essa prática, podendo esta generalidade ser constituída por uma maioria representativa de estados
ou por um grupo de estados que pratique esses atos sem que haja oposição de outros; costume regional, em
que a prática só dá origem ao costume se todos os estados regionais participarem, sendo que qualquer Estado
que se oponha a esta prática não pode ser obrigado por ela, apenas os que convergiram nessa prática o são; e
o costume bilateral, que dá origem a uma norma vinculativa quando o acordo é conseguido entre dois ou
mais estados e se cria costume a partir daí. Mesmo aceitando-‐se estes três tipos de costume surge um
problema: o costume só pode existir por unanimidade ou basta a maioria? A melhor resposta que tem sido
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dada é que pode existir costume por maioria, sendo que a prática que for seguida pela maioria dos estados
pode existir só para esses.
Processo costumeiro/elemento psicológico – é o que distingue o simples uso de uma norma
consuetudinária ou costumeira. Enfrenta dificuldades como a prova da convicção da obrigatoriedade, já que
os estados podem tomar posições por interesses de oportunidade, conveniência ou interesse político. A
superação deste problema parte do artigo já mencionado do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça
(Artigo 38º) juntamente com a jurisprudência do Tribunal Penal de Justiça Internacional e do Tribunal
Internacional de Justiça – inverte-‐se o ónus da prova – sempre que se estiver perante uma prática geral,
constante e uniforme presume-‐se que ela é acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade (presunção
iuris tantum), suscetível de demonstração em contrário (Estado tem de provar).
09.03.16
Ontem falámos sobre o costume e hoje vamos continuar com uma outra fonte de direito internacional que na
prática é a fonte mais importante. O costume é uma fonte viva do Direito Internacional que ainda tem
importância prática indiscutível, mas, após a II Guerra Mundial com a intensificação da celebração de tratados
por parte dos estados, o tratado assume hoje importância idêntica ou superior ao costume. A doutrina coloca-‐
os com o mesmo peso, mas, no quotidiano, na prática do dia-‐a-‐dia internacional, não há dúvida que os
tratados são a fonte mais importante.
Na doutrina e na vida prática internacional não é uniforme o uso da terminologia para referirmos a fonte que
são as convenções internacionais. Se na nossa CRP é simples decifrar a terminologia, quando lemos textos
internacionais e doutrina de outros países podemos ficar confusos quanto à terminologia a utilizar. A fonte
não abre espaço para dúvidas. Tenha que nome tiver, sabemos que a fonte é um tratado ou convenção
internacional, mas esta fonte pode ser designada de modo muito diferenciado. Por exemplo, quando falamos
na Carta das Nações Unidas, falamos de uma convenção internacional -‐ estatuto do tribunal de justiça.
Convenção como expressão aglutinadora de todas estas expressões. Mas a Convenção de Viena usa como
termo aglutinador não a palavra convenção mas sim tratado. A professora usa indiscriminadamente as duas
expressões.
Para interpretar a CRP é preciso usar um truque: na CRP as palavras não está lá por acaso. Por isso, na CRP
quando se usa o termo “convenção” estamos a incluir dentro das convenções, tecnicamente, os tratados e os
acordos em forma simplificada. Do ponto de vista da técnica jurídica e da sua conclusão, os tratados e acordos
não são a mesma coisa. Nós temos a fonte que são tratados ou convenções internacionais (fonte de direito
internacional). Agora o processo de conclusão desta fonte pode ser mais ou menos complexo, consoante a sua
importância. Então, sem prejuízo de estarmos perante a mesma fonte, no processo de conclusão há uns que
exigem ratificação (tratados solenes) e há outros que não exigem ratificação (acordos em forma simplificada).
É esta a terminologia da CRP. A CRP fala em convenções internacionais como termo aglutinador de tratados
solenes e acordos simplificados. Quando a CRP fala em tratados refere-‐se apenas aos tratados solenes.
Quando se refere a acordos internacionais quer dizer que fala em acordos em forma simplificada. Mas isto
apenas serve para interpretar a CRP. Isto é importante para distinguir as competências da Assembleia da
República, do Governo e do Presidente da República. Quando a CRP usa o termo convenções internacionais,
utiliza-‐o como um termo inclusivo que inclui tratados solenes e acordos em forma simplificada. Quando a CRP
-‐ e apenas a CRP -‐ utiliza o termo tratado, refere-‐se a tratados solenes (que exige ratificação do nosso PR).
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Quando a CRP usa a terminologia acordos internacionais, refere-‐se aos acordos de forma simplificada. Mas
isto não serve para outras constituições. Para além da diversidade terminológica dos tratados, há também
terminologias para cada constituição. Não dá para aplicar cegamente em todos os países o critério que
utilizamos na nossa constituição.
TRATADO INTERNACIONAL – Convenção de Viena de 1969 (CV69) – art.2º/1 alínea a)
“Tratado designa um acordo internacional concluído por escrito entre estados e regido pelo direito
internacional, quer esteja designado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e
qualquer que seja a sua denominação particular. Acordo no sentido de convergência de vontades.”
Esta definição serve os propósitos da Convenção de Viena, porque é uma definição redutora. Isto porque não
são apenas os estados que têm o ius tractum, ou seja, não são apenas os estados os únicos sujeitos a poder
celebrar convenções. Também as OI, a Santa Sé e os movimentos de libertação nacional podem celebrar
convenções. Mas serve o propósito da convenção que é a regular a celebração de acordos entre estados. Esta
definição só dá importância aos acordos concluídos por escrito, por ser a prática esmagadora levada a cabo
pelos estados.
Os tratados orais também têm força vinculativa, simplesmente são raros.
A CV69 não prejudica o valor dos acordos não escritos. No entanto, a CV69 só se aplica a tratados escritos
celebrados por estados, apesar de não prejudicar o valor dos tratados celebrados oralmente, quer pelos
estados, quer por outros sujeitos – art.3º CV69.
A doutrina tende a dar uma noção mais ampla de tratado e convenção – André Gonçalves Pereira e Fausto
Quadros (AGP e FQ)
Acordo de vontades (elemento material) em forma escrita, concluído entre sujeitos de direito internacional
(elemento subjetivo), agindo nesta qualidade, de que resulta a produção de efeitos jurídicos (elemento
formal).
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CLASSIFICAÇÃO DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.
1. CLASSIFICAÇÃO M ATERIAL – atende ao conteúdo da convenção internacional, seja o seu objeto, seja
o seu fim.
a. QUANTO AO OBJETO
i. Tratado lei – estabelece disposições comuns às partes signatárias desse tratado. Estabelece
regras de conduta que definem obrigações e direitos idênticos para todas as partes signatárias.
Beneficiam de forma convergente dos direitos, assim como estão abrangidos pelo âmbito das
obrigações.
ii. Tratado contrato – as posições das partes signatárias são distintas. O modo como o tratado
os afeta é distinto. No tratado contrato estabelece-‐se uma relação sinalagmática pela qual o
direito que o tratado concede a uma das partes signatárias vai ter por contrapartida um dever
para a outra parte signatária. Os direitos e obrigações que o estado estabelece para cada uma
das partes são distintos e sinalagmáticos. Há uma espécie de relação causa-‐efeito entre os
direitos e obrigações.
iii. Tratado quadro ou constituição – são tratados fundamentalmente programáticos que
definem os princípios gerais que irão nortear a atuação dos estados em relação a determinada
matéria. Mas estes pressupõem a conclusão posterior de tratados mais detalhados que
concretizem os tratados quadro. Exemplo: tratados institutivos de OI estabelecem apenas os
grandes objetivos da OI, o quadro orgânico que irão realizar esses objetivos e fins e as
competências desses órgãos. Toda a concretização das ações necessárias ao desenvolvimento
dos objetivos dessa OI vai depender da atuação dos órgãos criados pela mesma.
Esta classificação é meramente tendencial, porque os tratados quadro, em alguns capítulos, já contêm normas
desenvolvidas que podemos designar de lei. Estes tratados-‐constituição, relativamente às matérias em que há
já alguma segurança, parecem normas de tratado lei. Assim, nos tratados lei, encontramos normas comuns
dos tratados contrato.
b. QUANTO AO FIM
i. Tratados de fins gerais – têm vocação quase política. Têm subjacente um desígnio de
natureza política. Não são muitos, mas temos como exemplo o TUE e o TFUE.
ii. Tratados especiais – NATO – fim de defesa ou fim militar. São fins específicos. A maioria
dos tratados tem fim específico.
2. CLASSIFICAÇÃO FORM AL
a. QUANTO À QUALIDADE DAS PARTES
i. Tratados entre Estados
ii. Tratados entre estados e OI
iii. Tratados entre OI
iv. Tratados entre Estados e/ou OI e outros sujeitos de direito internacional
(por exemplo com a Santa Sé – concordata)
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São os próprios tratados que definem quem poderá ser sujeito deles mesmos.
São os estados, quando celebram os tratados, que definem a possibilidade de participação e em que
condições.
b. QUANTO AO NÚM ERO DE PARTES
i. Tratados gerais/coletivos/normativos – têm vocação para-‐universal ou até
mesmo universal. São tratados tendencialmente abertos. Qualquer estado pode tornar-‐
se parte destes tratados.
Por exemplo, Carta ONU, CNU Direito do Mar, Convenção sobre a Diversidade Biológica, Pactos sobre os
Direitos do Homem.
ii. Tratados restritos – podem ser semiabertos ou fechados. Os primeiros são os multi
ou plurilaterais. Depois há os bilaterais (fechados). Os tratados semiabertos são aqueles
que estabelecem condições para participação de outras partes contraentes (carácter
político, económico, geográfico…).
c. QUANTO AO PROCESSO DE CONCLUSÃO
i. Tratados solenes – celebrados segundo a forma tradicional, necessitando sempre de
ratificação.
ii. Acordos de forma simplificada – são tratados que não carecem de ratificação. São
normalmente celebrados pelo órgão executivo, evitando a intervenção do poder legislativo.
15.03.16
SUM ÁRIO
a. -‐ Processo de conclusão das convenções internacionais: a) Negociação; b) Assinatura.
Bibliografia principal: André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., 1995, 186-‐196 (Nota: as
referências ao Direito português estão desatualizadas -‐ ver o texto disponibilizado na pasta de
documentos); e Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª edição, Coimbra,
Almedina, 2008, pp. 370 a 402, quanto ao procedimento específico nos países lusófonos.
PROCESSO DE CELEBRAÇÃO DOS TRATADOS – tradicionalmente designado de conclusão dos tratados
A análise clássica distingue três fases no processo de conclusão dos tratados:
1. Negociação
2. Assinatura
3. Ratificação
Quanto aos órgãos estaduais competentes para vincular o Estado na esfera internacional, é o próprio direito
interno de cada Estado que indica quais os órgãos com competência para a vinculação do Estado.
1. NEGOCIAÇÃO
A primeira fase da conclusão dos tratados é a chamada fase de negociação, onde se concebe, elabora e se
redige o texto do tratado.
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A negociação é normalmente levada a cabo por plenipotenciários (do latim plenipotens – aquele que detém
todos os poderes). Estes plenipotenciários estão munidos de plenos poderes que constam de um documento
emanado pelo Chefe de Estado – art.2º/1 alínea c) CV69 – “Plenos poderes designa um documento emanado
da autoridade competente de um Estado que indica uma ou mais pessoas para representar o Estado na
negociação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em ficar vinculado por um
tratado ou para praticar qualquer outro ato respeitante ao tratado.”
Os plenos poderes, na realidade, apenas designam o individuo encarregado da negociação do tratado.
A negociação pode ser efetuada pela via diplomática ordinária, necessitando os agentes diplomáticos de
poderes especiais para essa negociação ou através de conferência diplomática, uma reunião de
plenipotenciários designados expressamente para esse fim.
Todavia, como forma de simplificar o sistema e para evitar a constante emissão de plenos poderes, parte-‐se
da ideia que há certas entidades relativamente às quais, pela natureza da função que desempenham, se
presume estarem sempre autorizadas a negociar tratados – art.7º CV69 – “1. Uma pessoa é considerada
representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para
exprimir o consentimento do Estado em ficar vinculado por um tratado:
a) Quando apresenta plenos poderes adequados; ou
b) Quando resulta da prática dos Estados interessados, ou de outras circunstâncias, que estes tenham a
intenção de considerar essa pessoa como representante do Estado para esses efeitos e
de prescindir da apresentação de plenos poderes.
2. Em virtude das suas funções e sem terem de apresentar plenos poderes, são considerados representantes
do seu Estado:
a) Os chefes de Estado, os chefes de governo e os ministros dos negócios estrangeiros,
para a prática de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
b) Os chefes de missão diplomática, para a adoção de um tratado entre o Estado acreditante e o estado
recetor;
c) Os representantes acreditados dos Estados numa conferência internacional ou junto de uma organização
internacional ou de um dos seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado nessa conferência,
organização ou órgão.
O objetivo essencial da fase de negociação é obter o acordo dos plenipotenciários relativamente ao texto do
tratado. A aprovação do texto do tratado exige voto unânime de todos os Estados que o negoceiam – art.9º/1
CV69.
è Quem tem competência em Portugal para negociar tratados?
Ar.197º/1 alínea b) CRP: cabe ao Governo a negociação de convenções internacionais (tratados solenes e
acordos em forma simplificada).
Dentro do Governo cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a condução e o acompanhamento das
negociações internacionais (Decreto-‐Lei nº121/2011, de 29 de dezembro, art.2º/1 alínea j) e Resolução do
Conselho de Ministros nº17/88, nº1 e 2).
Art.227º/1 alínea t) CRP: As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira podem integrar a delegação
portuguesa que negoceie convenções internacionais quando a matéria lhes diga diretamente respeito.
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16.03.16
SUM ÁRIO
3.3 -‐ Processo de conclusão: b) Assinatura (conclusão) -‐ A questão interna da aprovação das
convenções internacionais; c) Ratificação.
Bibliografia principal: André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, op. cit., 1995, 196-‐208 e pp. 213-‐222
(Nota: as referências ao Direito português estão desatualizadas).
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mesma convenção seja para uns estados tratado solene e para outros estados seja um acordo de forma
simplificada.
Se um a convenção determ inar que exige ratificação, corresponde a um tratado solene para
todos os estados. Isto é, quando é a própria convenção, nas suas disposições finais, a determinar que exige
ratificação, estamos perante um tratado solene para todas as partes. E quando nada diz? Ou, por exemplo,
quando diz que em princípio vincula com a assinatura? Quando nada diz, é preciso interpretar a vontade das
partes. Quando nada diz relativamente à ratificação, a mesma vai depender daquilo que for a
vontade presum ível das partes ou aquilo que o direito interno estabelece.
E se a convenção disser que vincula pela assinatura? Pode acontecer que, para algum estado, esta forma não
seja suficiente e seja obrigatória a ratificação. Por exemplo, em Portugal há um conjunto de matérias que a
CRP obriga a sujeitar a convenção a ratificação. Art.161º alínea i) CRP. Para Portugal qualquer convenção que
verse sobre entrada de Portugal em OI, assuntos militares,… terá que ser ratificada. O que determina que
quando o texto da convenção se basta com a assinatura, o plenipotenciário português assina com reserva de
ratificação, art.14ºCV69
è Em Portugal:
Tal como para a negociação, é o Governo que tem competência para negociar e ajustar (assinar) as
convenções internacionais – art.197º/1 al. b) (colocar ao lado de ajustar assinar).
Em Portugal, a assinatura é controlada pelo Conselho de Ministros, pois o plenipotenciário tem que ter
mandato expresso do Conselho de Ministros e só pode assinar mediante autorização dos mesmos. À parte, é
ao Primeiro-‐Ministro que cabe fazer o despacho para este tipo de assuntos. A carta de plenos poderes tem
que expressamente indicar que a entidade é competente para assinar. Resolução 17/38 nº 3 e 4.
APROVAÇAO – competência da AR art.161º al. i) 3 arts.164º e 165º CRP.
Em Portugal, após a assinatura, há uma fase importante -‐ a fase de aprovação. Esta aprovação, no caso dos
tratados solenes, dá-‐se após a assinatura e antes da ratificação. Só se ratifica quando devidamente aprovada.
No caso dos acordos de forma simplificada, há que ter atenção à assinatura.
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Como foi dito, o Governo tem competência residual -‐ só aprova acordos em forma simplificada e apenas nas
matérias de competência legislativa concorrente (art.197º/1 alínea c) CRP). Esta aprovação é feita por decreto
simples (art.197º/2 e art.200º/1 alínea d) CRP).
3. RATIFICAÇÃO
Ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão competente do Estado afirma a vontade deste se vincular ao
tratado cujo texto foi produzido e por ele assinado (Art.11º, 14º e 15º da CV69 – pode tomar o nome ou forma
de aceitação, aprovação ou adesão). Mas só com a subsequente notificação, troca ou depósito dos
instrumentos de ratificação é que um Estado fica vinculado ao tratado (Art.16º da CV69). Por vezes, surge com
outras terminologias e não é muito adequada às organizações internacionais, que aprovam/aceitam mas
juridicamente isto equivale a ratificação.
Características:
• Ato político – no fundo, o seu controlo pelos tribunais administrativos não pode ser impugnado por
eles, não é possível. A decisão de ratificar ou não ratificar não é sindicável, não é avaliada pelos
tribunais. Exprime um poder discricionário. O Presidente da República pode ratificar ou não ratificar
após aprovação da Assembleia da República -‐ exprime o exercício de uma competência que não é
controlada pelos tribunais.
• Ato livre – um Estado e um Presidente da República pode livremente recusar a ratificação de uma
convenção sem sofrer qualquer tipo de sanção internacional. Há, por isso, muitos tratados assinados
por países que não os ratificam, ou só o fazem muito mais tarde. Devido a esta situação, um ato pode
nunca chegar a reunir o número de ratificações suficientes para entrar em vigor. A recusa de
ratificação produz consequências quanto à vigência do tratado. Por exemplo, a CV69 só entrou em
vigor em 1980. A Constituição da União Europeia hoje em dia não entra em vigor, porque exige a
ratificação de todos os Estados-‐Membros e nem todos a ratificam. Nesta situação, qualquer Estado é
poderosíssimo e não sofre qualquer tipo de sanção.
29.03.16
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resoluções da AR ou decretos do governo que aprovem acordos, ou antes da ratificação de tratados solenes. É
um ato discricionário do PR. O PR não assina acordos internacionais, quem assina é o Governo. O
PR limita-‐se a assinar a resolução ou decreto do governo que aprova acordos internacionais.
São todos os acordos e tratados objetos de fiscalização preventiva? Não. Só quando houver fundamentadas
dúvidas de que há normas dos tratados ou acordos feridas de inconstitucionalidade é que há pedido de
fiscalização preventiva. Claro que se depois se verificar a inconstitucionalidade após ratificar o tratado ou
assinar o acordo em forma simplificada, pode-‐se pedir fiscalização sucessiva.
• Quais as consequências da declaração de inconstitucionalidade?
è Tratados solenes
Relativamente ao momento do período de fiscalização é o art.278º/1 – devemos entender por interpretação
extensiva que este artigo inclui também as resoluções da AR.
Se houver declaração de inconstitucionalidade de alguma ou algumas disposições de um tratado, o PR só o
pode ratificar se a AR reaprovar o tratado, em segunda deliberação (art.203 e 204º RAR), através da maioria
prevista no art.279º/4 CRP – inconstitucionalidade material.
Tratando-‐se de inconstitucionalidade material, o PR só recupera o direito de ratificar o tratado se a AR
reaprovar o tratado – art.279º/4. Se o tratado for reaprovado apesar da inconstitucionalidade, o PR recupera
o direito de ratificar.
Esta maioria qualificada prevista no art.279º/4 corresponde à maioria exigida para revisão constitucional –
art.286º
A reaprovação de um tratado ferido de inconstitucionalidade exigirá sempre, não a revisão da CRP, mas
implicitamente exige-‐se uma maioria idêntica à da revisão da CRP, uma maioria difícil de alcançar. Mais valia
que o Estado, antes de se vincular ao tratado, revisse a CRP do que casuisticamente reaprovasse um tratado
para se poder vincular. Portugal tem preferido rever a CRP para poder aderir aos tratados, nomeadamente os
da UE.
Avulsamente pode-‐se recorrer ao art.279º/4, i.e. casuisticamente pode a AR entender que é um tratado muito
importante e deve vigorar ainda que contrário à CRP, desde que aprovado por esta maioria.
E se não se recorrer a esta reaprovação prevista no art.279º/4 ou se a AR simplesmente não reaprova? Das
duas uma: Portugal não se vincula ao tratado, o PR não pode ratificar; ou, então, há mais hipóteses
dependendo das circunstâncias: se for um tratado bilateral, Portugal pode pedir a reabertura das negociações,
de modo a retirar do tratado as disposições conflituantes da CRP, mas é preciso que a outra parte concorde;
outra hipótese é, caso o tratado admita reservas (nem todos admitem), Portugal pode propor vincular-‐se ao
tratado excetuando as disposições afetadas pela declaração de inconstitucionalidade (para isto é preciso que
o tratado admita reservas e que os outros estados as admitam).
E se a inconstitucionalidade for orgânica ou formal? Não se aplica o art.279º/4, pois este artigo claramente
refere à inconstitucionalidade de norma, isto é, de inconstitucionalidade material. O art.277º/2 menciona as
inconstitucionalidades orgânicas/formais. Este artigo refere-‐se especificamente a estas inconstitucionalidades
relativamente a tratados solenes. Parece que este só se insere em fiscalização sucessiva e não preventiva, pois
fala em tratados regularmente vinculados, significando que Portugal já se vinculou, visto que a fiscalização
preventiva dá-‐se antes da ratificação. Será que este artigo só se aplica em sede de fiscalização sucessiva ou
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poder-‐se-‐á aplicar em sede de fiscalização preventiva? Quando falarmos nas ratificações imperfeitas (art.46º
CV69), este art.277º/2 vem de encontro com o regime previsto no art.46ºCV69. Aqui não será fácil um estado
desvincular-‐se de um tratado invocando normas de competência interna, pois só em situações muito
particulares é que a CV69 libera o estado de se desvincular por base em incompetências internas. Fazer
remissão entre os 2 artigos (art.277º/2CRP e art.46º CV69).
Se não houver pronúncia de inconstitucionalidade, o PR recupera o direito de ratificar ou não ratificar o
tratado.
Uma vez ratificado não impede que, em sede de fiscalização sucessiva, o mesmo tratado venha a ser
declarado inconstitucional.
è Acordo em form a sim plificada
Para os acordos a CRP é bastante omissa. Quase nos leva a pensar numa espécie de contradição: a CRP para os
tratados solenes parece aprovar um regime mais flexível do que para os acordos em forma simplificada, dado
a sua omissão. Será que a CRP em relação aos tratados solenes pretende estabelecer um regime mais flexível
do que para os acordos em forma simplificada -‐ os que são menos importantes? Parece uma contradição. É
isto que resulta de uma interpretação literal do texto constitucional, o que nos leva a propor interpretações
extensivas (Professor. Gomes Canotilho). Inclui-‐se os acordos internacionais neste regime por questão de
coerência.
Numa interpretação literal da CRP, se houver declaração de inconstitucionalidade de um acordo em forma
simplificada, parece que o PR perde o direito de ratificar. Como não há alusão aos acordos fica-‐se com a ideia
de que não beneficiam de vigência como aquela que se reconhece no art.277º/2 CRP, nem de reaprovação
prevista no art.279º/4. O Professor Gomes Canotilho propõe a aplicação de uma interpretação extensiva do
art.279º/2 e art.277º/2. No caso de inconstitucionalidade orgânica ou formal deve aplicar-‐se extensivamente
o art.277º/2 (esta lacuna existe pois o mesmo está muito focado naquilo que o art.46ºCV69 estabelece).
Atendendo ao espírito e fim da norma, não apenas à intenção do legislador, entende-‐se que as disposições se
aplicam aos acordos simplificados, pois se permite o mais permite o menos. Os decretos são internos, logo
apenas são expurgadas as disposições inconstitucionais. Quando se diz que se pode confirmar referem-‐se aos
acordos, ou seja, há uma omissão do termo.
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órgão da ONU. Para a ONU o tratado é inexistente. Isto determina que se emergir um litígio/diferendo entre
partes num tratado não registado, estas partes não podem pretender que seja o Tribunal Internacional de
Justiça a dirimir o diferendo, pois o tribunal não reconhece o tratado. Todavia, como os estados podem fazer o
registo a todo o tempo, caso emirja um conflito entre partes e o tratado não esteja registado na ONU, as
partes podem a qualquer momento registá-‐lo e enviar a questão para o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ),
que é considerado o tratado inexistente até ao registo.
è Quanto ao Direito Português
Estabelece duas exigências:
1. Referenda governam ental -‐ o nosso sistema constitucional é muito complexo: os nossos órgãos estão
muito interligados. Como vimos em todos os atos onde intervêm o PR, o Ministro competente, em razão
da matéria, tem que fazer uma contra assinatura. Esta referenda é uma assinatura feita por esse ministro,
feita na assinatura de resoluções (AR) e decretos (governo) feita pelo PR no quadro de aprovação de
acordos internacionais, bem como na ratificação de tratados pelo PR (art.134º al. b) e art.135º, al. b) CRP)
– sanção: inexistência jurídica.
2. Publicação no Diário da República (DR) -‐ art.119º/1 al. b) e nº2 CRP – condição de vigência das
convenções internacionais no direito interno português, art.8º/2 CRP. A publicação é fundamental. Esta é
determinante para que o tratado produza efeitos na ordem jurídica interna. É uma condição de vigência
das condições internacionais dentro da nossa ordem jurídica.
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RESERVAS
As reservas vêm definidas na CV69 no art.2º/1 al. d). É uma declaração unilateral de um estado pela qual o
mesmo visa excluir ou modificar os efeitos de certas disposições de um tratado.
Há inconvenientes, como a aplicação diferenciada do texto do tratado que foi inicialmente adotado por todas
as partes com um sentido uniforme. Mas a reserva também tem vantagens, que é dar flexibilidade ao tratado,
permitindo-‐lhe a participação de um maior número de estados, que não se chegaria a alcançar se não se
admitisse a reserva.
Há que distinguir as CONDIÇÕES DE VALIDADE FORM AL E M ATERIAL DAS RESERVAS. Quanto à
formal, elas têm que ser apostas por escrito no momento da assinatura, ratificação, aceitação
ou adesão do tratado, assim com o têm que ser com unicadas aos Estados contratantes e aos
Estados que possam vir a ser partes do tratado, art.19º 1º parágrafo e art.23º CV69. Mas também
têm que obedecer a requisitos de caráter material: as reservas não podem ser proibidas pelo
próprio tratado. A reserva só é admitida em relação àquelas que forem autorizadas pelo tratado – art.19º
als. A), b) e c) – não são admissíveis reservas incom patíveis com o objetivo e fim do tratado.
Aqui é de difícil interpretação. As reservas também não podem violar normas de direito imperativo.
Há um mecanismo de verificação e controlo da compatibilidade das reservas apostas pelos estados aderentes
e as disposições relativamente a direitos humanos.
Há também uma questão de tem sido muito discutida na doutrina que é de enorme relevo prático e relaciona-‐
se com a distinção daquilo que são efetivamente reservas apostas no momento de vinculação e uma outra
figura que se chama declarações interpretativas. Estas últimas são juridicamente diferente das reservas, pois
estas são incluídas nos anexos dos tratados logo durante a negociação (durante o processo de negociação do
texto faz parte incluir em anexo declarações interpretativas ao tratado), pois estas declarações são
globalmente aprovadas. Mas há também declarações apostas no momento de ratificação. Há tratados que
não admitem reservas e muitas vezes as partes tentam ultrapassar isto através de declarações interpretativas,
pois na prática quase têm o mesmo efeito.
Que acontece com estas declarações apostas em tratados que não admitem reservas? Estas admitem uma
aplicação diferenciada dos tratados, pois estas produzem, na prática, um resultado idêntico ao das reservas,
ainda que formalmente não sejam consideradas reservas. Já há jurisprudência internacional pela qual se
define a invalidade de algumas declarações interpretativas impostas pelos estados por serem uma forma de
rodear a proibição de reservas pelos tratados.
O regime previsto na CV69 reflete o costume internacional aplicável antes da convenção e é também supletivo
na medida em que estabelece um conjunto de regras sobre a aceitação das reservas e sobre os seus efeitos
que se aplica caso os tratados na dizerem.
A prática internacional comum é a dos estados dizerem se aceitam ou não as reservas e em que medida o
fazem, e é também comum que os tratados mencionem se aceitam ou não reservas, mas normalmente aplica-‐
se o regime geral previsto na convenção.
Os tratados bilaterais por natureza não admitem reservas. Uma reserva num tratado bilateral conduz a uma
reabertura das negociações.
A CV69 distingue os tratados entre poucas e muitas partes. Nos primeiros, a reserva para poder produzir os
seus efeitos tem que ser aceite por todas as partes. Exemplo: 5 estados + 1. O 6º estado quer entrar para o
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tratado mas não quer que se aplique o art.7º; se os 5 estados aceitarem, o 6º estado entra no tratado mas o
art7º não se lhe aplica nas relações entre o estado 6º e os restantes 5; quanto às relações entre os restantes
estados, continua-‐se a aplicar o artigo. Quanto a tratados de muitas partes, basta que um outro estado aceite
a reserva para que o estado que a apôs se torne parte do tratado em relação ao estado que aceitou a reserva.
Tratado entre 50 estados. e há um 51º estado que se quer vincular e apõe uma reserva: um dos 50 estados
aceita e os outros 49 recusam. De acordo com o art.20º/4, o tratado vigora alterado entre o estado que aceita
a reserva e aquele que a apôs, mas não vigora entre o estado que apôs a reserva e os restantes 49 que a
recusaram (aqui pode não vigorar qualquer tratado, ou pode existir a estranha hipótese confirmada em
jurisprudência internacional. Pode acontecer que os estados objetem aqueles efeitos pretendidos pelo estado
que apõe, mas não impede a aplicação das restantes disposições. Isto acontece quando um estado apõe uma
reserva que modifica certos aspetos de uma norma e não a exclui totalmente, não vigorando nem o artigo
conforme o tratado nem conforme a reserva. É como se não existisse). Há um prazo para a pronunciação
quanto à reserva. Se os estados não se pronunciarem a reserva considera-‐se aceite.
Art.21º -‐ efeitos das reservas. A reserva não modifica aas disposições do tratado quanto às outras partes nas
suas relações entre si.
30.03.16
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conta a teleologia da lei. Teses objetivistas, subjetivistas e teleológicas. Hoje em dia, a maioria dos
direitos internos e também a CV69 absorvem estes diferentes elementos interpretativos. Isto de alguma
forma também está refletido no nosso CC.
è O que é a interpretação?
É uma tentativa de fixar a vontade real das partes, no caso dos tratados. No caso do direito interno, é procurar
determinar qual a intensão do legislador. No caso dos tratados é definir qual a vontade real das partes. São
competentes para interpretação os próprios autores da norma (interpretação autêntica). No direito interno
também acontece que o legislador, quando há grande divergência acerca da aplicação de determina lei ou
decreto-‐lei (DL), por vezes em decreto próprio fixa o sentido a dar a tal norma. Outras vezes, no próprio
documento são fixados os elementos de interpretação das normas.
A afixação de terminologia pelo legislador ajuda muito à interpretação. Mas há quem conteste que o
legislador faça isso, pois ele não se deve substituir à doutrina, embora, do ponto de vista de interpretação da
lei, ajuda imenso.
Também é interpretação autêntica as declarações interpretativas que falámos na aula anterior. Interpretação
autêntica: aquela que é feita pelo próprio autor da norma.
A interpretação não autêntica é aquela que é feita por terceiros; o caso mais comum é o dos tribunais.
Também por vezes há órgãos de organizações internacionais (OI) que também fazem interpretação não
autêntica (por exemplo, Assembleia Geral da ONU).
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Discute-‐se na doutrina se existe hierarquia na utilização destes elementos. Quando lemos uma norma temos
que seguir um processo mental de interpretação? Há algum processo metodológico de interpretação? Há
algum elemento mais valioso que outro?
A doutrina diz que não e, para além disso, o art.31º não estabelece qualquer hierarquia entre os elementos.
Quando entramos em contradições ou lacunas, temos que recorrer a outros elementos para além do literal,
sendo isto um processo natural. Não há hierarquia entre os elementos e todos têm igual valor, todos devem
ser utilizados. Normalmente é o elemento literal a ser utilizado e só quando surgem lacunas ou dúvidas é que
se suscitam os outros.
A jurisprudência internacional é díspar, porque, por vezes, dá-‐se muita prevalência ao elemento literal.
Noutros acordos é o elemento sistemático que é mais utilizado.
Quando utilizamos estes elementos tentamos garantir que a interpretação não nos leva a um resultado
absurdo. Só encontramos estas lacunas (normalmente) quando temos um caso para resolver, ou seja, quando
olhamos para normas concretas. A regra fundamental é a de que a interpretação não pode conduzir a um
resultado absurdo. Não esquecer a regra da boa-‐fé. O facto de ganharmos treino no uso dos elementos de
interpretação não nos dá o direito de manipular esses elementos consoante nos interessa, principalmente
quando a outra parte não está dotada dos mesmos conhecimentos.
Recursos às competências implícitas -‐ quando as normas não são claras quanto às competências no uso de
todas estas regras, às vezes vemos a jurisprudência internacional a atribuir a OI certas competências que a
nível internacional essas organizações não teriam.
05.04.16
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a) CAPACIDADE DAS PARTES
As partes têm que ter ius tractum. Só os estados têm plena capacidade para celebrar tratados. Todos os
outros sujeitos de direito internacional têm capacidade limitada. É preciso, quando há celebração de
tratado, perceber quem são as partes e se as mesmas têm capacidade, pois capacidade plena só os
estados é que têm. Aliás, há até estados (os semissoberanos) que não têm capacidade plena.
A capacidade limitada está dependente das finalidades do sujeito e só se o tratado contribuir para os fins
que presidem à própria existência desse sujeito é que a capacidade se verificará. Por exemplo, OI: estas só
podem realizar tratados que permitam a realização dos seus objetivos e fins. A capacidade das OI de
celebrar tratados está limitada pelo princípio da especialidade. Este princípio determina que só as OI têm
competência, quer no plano de organização, quer no plano de celebração de tratados internacionais.
Sujeitos beligerantes e movimentos de libertação só podem celebrar tratados que contendam com a
libertação desses estados.
Os estados semissoberanos, dentro do conceito de estado, estão limitados por um conjunto de fatores
que depois determinam algumas restrições na capacidade de celebrar tratados.
b) VONTADE LIVRE E REGULAR
Esta segunda condição vem regulada de forma avulsa na CV69, entre os art.46º e 53º -‐ portanto, é a
secção II da parte V. Há aqui um elenco de causas de nulidade dos tratados que tem a ver de facto com
situações em que a vontade não é expressa de forma livre e regular e, como tal, isso determinará de
forma mais ampla ou sujeita a condições a nulidade dos contratos.
Nesta secção II, há aqui um elenco de nulidades que não são todas iguais. Umas são nulidades relativas,
outras são nulidades absolutas.
a. NULIDADES RELATIVAS
As nulidades relativas são as menos graves (corresponde anulabilidade do direito interno). Afetam apenas
a vontade de uma das partes e, por conseguinte, só essa parte cuja vontade foi viciada é que pode invocar
a causa de nulidade. Só a parte cuja vontade tiver sido expressa de forma não livre ou irregular é que pode
invocar a causa de nulidade. Art.46º, 48º, 49º e 40º. Lida a redação destes artigos, percebemos que só a
parte cuja vontade foi viciada é que pode invocar a causa de nulidade.
Em certas condições, no caso de nulidades relativas, admite-‐se a divisibilidade da CV e em certas
condições previstas no art.44º é possível retirar do tratado as normas afetadas pela causa de nulidade
sem que isto afete a permanência em vigor das restantes disposições. É preciso é que se reuniam as
condições previstas no art.44º. A abordagem deste artigo é de que o tratado é todo nulo, MAS, se se
reunirem certas condições, admite-‐se a divisibilidade. Art.º44/2 CV69. Estas condições são cumulativas,
logo é preciso que se verifiquem todas.
Fica claro, de acordo com o art.44º/5, que há algumas causas de nulidade que não estão contempladas
pela divisibilidade. Dão azo a nulidades absolutas previstas no art.51º, 52º, 53º (ler art.44º/5).
O estado pode perder o direito de invocar a causa de nulidade. Isto vem previsto no art.45º. Pelo decurso
do tempo ou comportamento do estado pode vir a concluir-‐se que o estado aceitou a vigência do tratado
apesar da nulidade. Art.45º -‐ o estado não pode invocar causa de nulidade nos termos dos art.46º a 50º
(casos de nulidade relativa).
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b. NULIDADES ABSOLUTAS
Correspondem às irregularidades m ais graves com características mais restritas.
Art.51º a 53º, podem ser invocadas por qualquer parte. No caso do art.53º, a nulidade pode até ser
invocada por estados não pertencentes.
Não admitem divisibilidade da convenção. A nulidade afeta o tratado no seu todo e são invocáveis a
todo o tempo. Os estados nunca perdem o direito de invocar a causa de nulidade – art.45º.
É um regime mais exigente, atendendo a que se tratem de irregularidades mais graves.
A primeira causa de nulidade relativa que nos aparece é a questão de violação das normas de direito interno
relativamente à competência do estado para celebrar tratados – art.46º -‐ remissão para o art.27º que nos diz
que uma parte não pode invocar disposições do direito interno para justificar o não cumprimento do tratado.
Há aqui uma hierarquia do direito dos tratados em relação ao direito interno. Quando se vinculam a um
tratado, os estados têm que acautelar os conflitos entre o direito interno e as disposições dos tratados. Nestes
casos os tratados devem prevalecer em detrimento do direito interno. Uma parte não pode invocar as
disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento do tratado. Estabelece-‐se aqui o princípio
da segurança jurídica e da confiança legítima. Isto é, as partes quando celebram um tratado confiam
na sua estabilidade, que este foi celebrado de boa-‐fé e que será regularmente respeitado. O art.27º exige aos
estados que sejam sérios quando celebram tratados e que acautelem eventuais conflitos internos que possam
vir a surgir em confronto com os próprios tratados.
Todavia há uma possibilidade aberta no art.46º, de acordo com a qual se se reunirem algumas condições
exigentes, este art.46º abre uma exceção à aplicação do art.27º desde que se reúnam duas condições: 1. A
violação tem que ser manifesta para todas as partes (todas as partes que celebram um tratado têm que ter
consciência de que o direito interno de uma delas está a ser violado); 2. A violação tem que dizer respeito a
uma regra de direito interno de uma importância fundamental.
O art.46º só admite eventual nulidade de um tratado quando reunidos estes 2 requisitos: quando é violada a
disposição do direito de um estado relativo à competência para celebrar contratos – tem que ser invocada
norma interna relativa à competência para concluir tratados – inconstitucionalidade orgânica.
Este art.46º é muitas vezes referido como um artigo relativo às ratificações imperfeitas. Não nos deixar
dominar por esta terminologia, pois este artigo aplica-‐se a tratados solenes como a acordos em forma
simplificada. Esta causa de nulidade pode também ser invocada em relação a acordos em forma simplificada
que não exigem ratificação.
Em certa medida, o art.46º relaciona-‐se com o art.7º/2 al. a) CV69. Este refere-‐se a um conjunto de pessoas
em relação às quais se presume poderes para concluir tratados internacionais. Há aqui interligação entre o
art.46º e art.7º/2 al. a) (fazer remissão).
É o direito interno que decide quem tem competência para a celebração de tratados. O art,7º/2 al. a)
estabelece um conjunto de presunções, na medida em que diz que à partida há certos órgãos que para
celebrar contratos não precisam de representar plenos poderes.
O art.46º retrata situações que podem ser difíceis do ponto de vista diplomático, por isto este artigo parte do
princípio de que a falta de competência não significa a nulidade.
A CRP também favorece, no art.277º/2, a manutenção em vigor de tratados irregularmente ratificados, desde
que o mesmo seja aplicado pelos outros estados e que esta não afete nenhuma norma fundamental.
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c. Irregularidades substanciais
a. Erro – art.48º
b. Dolo – art.49º
c. Corrupção do representante do Estado – art.50º
d. Coação (nulidade absoluta) – sobre o representante do estado art.51º, sobre o
estado, art.52º
No caso da coação sobre o estado exige-‐se a ameaça do emprego da força.
ERRO -‐ Uma das partes celebra o tratado convencido de determinada situação que depois verifica que não se
confirma. Sendo essa situação crucial para a celebração do tratado, o estado pode invocar o seu erro.
Caso da Tailândia ,na qual se arguia erro constante no mapa que foi fundamental para a celebração de tratado
para a limitação de fronteiras e a Tailândia invoca esse erro. O erro não foi aceite por ser tao grosseiro, ao
ponto de ser exigível os negociadores perceberem o próprio erro. A CV quando foi celebrada veio admitir o
erro como causa de nulidade do tratado – art. 48º/1 -‐ mas incluiu o nº2 de acordo com o qual consagra a
impossibilidade de invocar o erro quando o próprio estado contribuiu com a sua conduta para o erro ou
quando as circunstâncias forem tais que o estado dever-‐se-‐ia ter apercebido do erro. No caso da Tailândia
entendeu-‐se que os negociadores tinham obrigação de ser suficientemente competentes para perceber que o
mapa continha um erro que foi base fundamental para a celebração do tratado com delimitação de fronteiras.
Um erro que constitua erro de ortografia não releva para afetar a validade do tratado.
DOLO – há aqui uma situação em que uma parte de boa-‐fé é induzida a celebrar tratado através de
artimanhas desenvolvidas por má-‐fé da outra parte. Uma das partes usa da má-‐fé e convence a outra parte da
realidade que não existe ou factos que não correspondem à verdade, convencendo-‐a da celebração do
tratado. Quando a parte se apercebe que foi convencida por dolo de erro doloso, pode invocar a nulidade do
tratado.
CORRUPÇÃO DO REPRESENTANTE DO ESTADO – a corrupção infelizmente é uma realidade que nos
assiste a todos e basta que estejamos perante um negociador mais vulnerável a ofertas de benefícios
irrecusáveis e que por causa disso aceite incluir disposição para termos caso de corrupção. Esta irregularidade
só acontece se o representante conseguir passar disposições que não venham a ser confirmadas por órgãos
superiores. A corrupção é causa de nulidade por parte do estado que dela sofreu, obviamente tendo esse
representante as devidas consequências.
COAÇÃO – o objetivo da coação é sempre conseguir um resultado que interessa ao estado que coage, mas o
modo de obtenção pode ter duas vias: coagir o próprio representante (ameaçá-‐lo com consequências graves
que afetam a sua própria pessoa ou alguém das suas relações próprias) -‐ aqui tenta-‐se obter resultado que
afeta o estado que este sujeito representa, mas a ameaça é feita sobre o próprio representante, através de
atentados à sua integridade física ou ameaça a cosias ou pessoas das suas relações próximas -‐ ou coagir o
próprio Estado -‐ aqui o objeto da coação não é o representante mas sim o próprio estado. A coação dirige-‐se
ao representante, mas o objeto desta é o próprio estado e não a integridade ou familiares do representante. É
o próprio estado que sofre as consequências caso não se cumpra o objetivo da coação.
Quer se queira quer não, a realidade de ontem e a de hoje é uma onde muitas vezes os estados celebram
certos tratados com coação subliminar de natureza económica (oferendo vantagens caso celebrem os
tratados ou então recusando os privilégios e benefícios que tinham ou teriam caso aderissem ao tratado).
Entendeu-‐se que no art.52º se deveria incluir a coação de natureza económico-‐política, pois é realmente um
tipo de coação bastante frequente, fazendo com que os estados não tenham tanta liberdade em celebrar
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tratados devido aos benefícios ou prejuízos trazidos pela celebração ou não celebração. Mas é difícil perceber
quando é que uma transação está dento do domínio da ética e quando é que começa um tipo de transação
que envolva benefícios económicos que entra na coação. Onde está a linha de fronteira que separa as
transações aceitáveis e aquelas que já entram no domínio da coação? Visto que esta é uma fronteira difícil de
delimitar, entendeu-‐se que o art.52º só deve abranger a coação militar de recorrência à força – interpretação
mais restrita.
Há, então, uma declaração anexa à CV sem força vinculativa, tendo apenas força moral de constituir um ponto
de vista dos estados que participaram na negociação da CV, uma vez que nesta declaração se condena o
recurso não apenas à coação militar, mas também o recurso à coação político-‐económica na celebração de
tratados. Os países em desenvolvimento não lograram conseguir a condenação da coação político-‐económica
no art.52º, mas entendeu-‐se dever ficar esta declaração anexa com carga ética, na medida em que constitui, à
margem da convenção, uma declaração de princípio acerca do uso da coação militar e político-‐económica da
celebração de tratados.
Embora fique claro que o art.º 52º só se aplica à coação de caráter militar, apesar de não o dizer
expressamente. Isto imepede que um tribunal internacional possa, num litígio que lhe seja levado, entender
que se deva aplicar por interpretação extensiva o art.º 52º a casos de coação politico económica graves. O
facto de se anexar esta declaração de carga moral nada impede que o tribunal um dia (apesar de nunca ter
acontecido), se for exercida coação económica grave, entenda que o art.53º se aplique para além da mera
força de caráter militar. É uma condição iuri condendo -‐ previne-‐se aquilo que o tribunal possa vir a decidir,
pois ainda não há jurisprudência nestes casos.
O art.52º só é possível numa época em que realmente o recurso à força militar é considerado um ato ilícito,
pois na II Guerra Mundial o recurso à força militar era perfeitamente lícito. A partir da I Guerra Mundial dão-‐se
os primeiros passos para se considerar que o recurso à força para expansão territorial deveria ser considerado
um ato ilícito. O primeiro passo é dado pelo pacto da Sociedade das Nações, não chegando a proibir a guerra
propriamente dita, mas obriga os estados a um período de reflexão antes de poderem recorrer às armas. O
pacto da Sociedade das Nações não proíbe a guerra mas atrasa-‐a, no sentido de obrigar os estados a refletir
antes de declarar guerra.
Foi preciso vir a II Guerra Mundial para, de uma vez por todas, os estados compreenderem que o recurso à
força deve ser banido da legalidade internacional. Em 1945 a carta da ONU veio entender que o recurso à
força é um ato ilícito internacional, só sendo permitido em legítima defesa.
VIOLAÇÃO DO IUS COGENS – art.53º licitude do objeto – é nulo qualquer tratado cujas disposições violem
norma de ius cogens ou direito imperativo. Estamos perante um conceito muito controverso na doutrina e
prática internacional que é o conceito de ius cogens direito imperativo. A partir da II Guerra Mundial começou
a criar-‐se a noção de que há um conjunto de valores supremos que a comunidade internacional terá de
respeitar sob pena de ameaça à sua própria existência.
Há uma doutrina que contesta não a necessidade de defender o ius congens (pois para esta doutrina deve-‐se
respeitar o direito imperativo), mas sim a sua determinação. Qual o conteúdo do ius congens e que valores
são esses e quem os define?
Quem determina na comunidade internacional quais as normas de natureza imperativa? A CV diz, no seu
art.66º, que os tribunais internacionais é que determ inam se a norm a é ou não im perativa.
Em relação ao art.53º, não apenas as partes do tratado como qualquer outro estado-‐não parte, pode invocar a
nulidade de um tratado que viole uma norma de ius cogens. Qualquer Estado ou OI pode invocar a nulidade
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de um tratado que viole uma norma de direito imperativo, pois a nulidade pode ser invocada por qualquer
sujeito a todo o tempo.
Relacionado com o art.53º temos o art.64º. No primeiro, o tratado é celebrado e viola uma norma de ius
cogens pré-‐existente. O art.64º aplica-‐se a casos em que o tratado é validamente celebrado, mas a norma de
ius cogens é superveniente. A superveniência das normas de ius cogens imediatamente afetam a vigência
desse tratado e este imediatamente cessa a sua vigência.
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Também no direito internacional, à partida, um tratado nulo produz os efeitos da nulidade ab initio, devendo
as partes tentar reconstituir a situação original. Quando um tratado é declarado nulo e os seus efeitos são ex
tunc, devem as partes tentar reconstituir a situação anterior à vigência do tratado (reposição da situação
original – restitutio in integrum).
Acontece que nem sempre isto é possível. Quando são adotados atos ao abrigo de um tratado (ou contrato no
plano interno), há atos definitivos no plano de consequências, sendo difícil repor a situação original. Isto são
limitações ao efeito retroativo da declaração de nulidade. Art.69º -‐ há limites a esta reconstituição da situação
material, protegem-‐se os estados que estavam de boa-‐fé, quando a restituição da situação anterior lhes seja
injusta; e quando a reconstituição da situação anterior ao tratado for impossível.
è Questão do ius cogens – art.71º
Aplica-‐se o mesmo princípio os efeitos retroativos ex tunc na medida do possível.
No caso da violação de uma norma imperativa, as partes não devem apenas tentar reconstituir a situação
original como modificar o seu comportamento para respeitarem o direito internacional em vigor -‐ um caminho
para a legalidade da ação dos estados.
O art.64º também se aplica à violação de normas de direito imperativo de um tratado, mas normas
supervenientes. Quando foi concluído o tratado era valido, mas no decurso da sua vigência forma-‐se uma
norma de direito imperativo que torna o tratado nulo de forma superveniente. Inicialmente era válido mas
torna-‐se contrário a uma norma que lhe sobrevém. É cessação da vigência ou uma nulidade? A CV diz que
nestes casos os tratados são nulos e cessam a vigência. O art.71º repete a mesma fórmula, “quando um
tratado se torna nulo e cessa a sua vigência”. As causas de invalidade afetam o tratado antes deste entrar em
vigor. O tratado entra em vigor já ferido de nulidade e as causas de cessação da vigência ocorrem depois… os
autores da CV estavam preocupados em reforçar o caráter grave de uma norma de ius cogens, então
pretendem atribuir a esta causa de cessação de vigência efeitos idênticos à causa de nulidade, repristinação –
os atos praticados anteriormente devem ser anulados sempre que possível. Além de deixar de produzir efeitos
ex nunc (para futuro) também se pretende anular os efeitos anteriores, mesmo quando o tratado era válido.
O tratado bilateral, caso seja nulo, é todo ele afetado, a não ser que seja permitida a divisibilidade das
declarações.
No tratado multilateral a declaração de nulidade só afetará as partes envolvidas. Nos estados que não são
afetados pela causa de nulidade, o tratado, entre eles, continua a vigorar.
EXECUÇÃO (ou aplicação) DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
Atenção aos sumários, pois contendem a bibliografia necessária para esta matéria (o nosso manual não é
suficiente).
Execução pelas partes: princípio da boa-‐fé, efeitos ex nunc (efeitos só para o futuro, art.28º). Todavia há
tratados que são celebrados precisamente para se aplicarem efeitos ex tunc (por exemplo, tratados para a
reparação de danos).
Quanto à execução territorial, normalmente destina-‐se a produzir efeitos em todo o território, mas há
exceções (podendo produzir efeitos apenas em território continental ou então apenas nos territórios
periféricos ou ultramarinos).
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Um outro princípio importantíssimo que resulta da CV é o principio da relatividade dos tratados – art.34º. É
um principio fundamental mas que causa muito transtorno em termos de eficácia de certas normas
internacionais. Em princípio, quando um tratado é celebrado, só produz efeitos entre as partes, res inter alios
acta) – efeitos inter partes, não vincula terceiros estados, só produzindo efeitos entre as partes contratantes.
Todavia há exceções. Há tratados que criam obrigações a estados terceiros, mas é preciso que esses o
aceitem, pois, não estando vinculados ao tratado, obrigam-‐se a cumprir certas disposições. Há tratados que
criam direitos para estados terceiros, presumindo-‐se o consentimento de terceiros, pois o tratado é em seu
benefício.
Quanto aos efeitos em relação a estados terceiros, ler art.2º/1 als. G) e h).
Um tratado não produz efeitos em relação a terceiros, é certo, mas, se esse tratado consagrar normas
costumeiras internacionais, essas, mesmo estando escritas, não deixam de ser direito consuetudinário,
aplicando-‐se dessa forma a todos os estados; ou então, quando fruto da aplicação do tratado, vier ele próprio
potenciar uma norma costumeira universal, aplica-‐se essas normas costumeiras quer às partes, quer a estados
terceiros.
Art.30º -‐ convenções sucessivas sobre a mesma matéria
12.04.16
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COMPETÊNCIA PARA A INTERPRETAÇÃO:
• Interpretação autêntica – aquela que é feita pelas próprias partes contratantes. Por
vezes as próprias partes redigem a interpretação. No direito interno, o legislador
publica uma resolução ou decreto a fixar a interpretação a dar a determinada norma. O
próprio legislador define qual a interpretação que queria dar a determinada norma,
modificando-‐a para futuro (é raro). As declarações interpretativas que não estabelecem
reservas, anexadas pelas partes, são também casos de interpretação autêntica, feita
pelos autores da norma.
• Interpretação não autêntica – feita por terceiros, ou seja, não os autores da norma,
nomeadamente pelos juízes nos tribunais (juiz internacional, órgão de uma OI como
Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU).
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CONSEQUÊNCIAS
M odificação das convenções internacionais – mantém-‐se o mesmo tratado, apenas se introduz
revisão ou modificação de algumas disposições. Materialmente há mais do que um tratado. No caso da revisão
há apenas um tratado.
• M odificação em sentido amplo (revisão das convenções) – (previsto nos
artigos 39º e 40º CV69) revisão realizada por todas as partes, quando todos chegam a
um acordo; no regime da revisão, mesmo quando esta se materializa no tratado, este
tratado só existe por referência do tratado anterior, ou seja, não tem existência
autónoma. Estes tratados fixam os termos em que deve ser feita a sua própria revisão.
• M odificação em sentido restrito das convenções – (prevista no Art.º 41º
CV69) muda algumas disposições do tratado anterior e os efeitos só se aplicam às
partes que decidiram modificar, os outros continuam vinculados às disposições
anteriores à modificação. Isto é algo que pode gerar conflitos.
• Suspensão da aplicação e cessação da vigência das convenções
internacionais -‐ Desaparecimento ou alteração territorial de algumas das partes –
relativamente à matéria sobre sucessão de estados. Quando um estado desaparece, os
tratados em que o estado estava vinculado cessam vigência em relação a ele. Põe-‐se é o
problema de saber se o estado que o substitui (ou estados) herda ou não os tratados
anteriores. Não… pois trata-‐se de um sujeito internacional diferente. Se um estado
desaparece ou se há alteração territorial e se o tratado respeitava essa parte do
território que desparece, então o tratado cessa a sua vigência. Por exemplo, URSS e os
novos estados: os tratados que vigoraram na URSS deixam de vigorar nos novos
estados.
Mais complexo, e a doutrina não é unânime em relação a esta questão, é a cessão de vigência de tratados em
virtude de conflito armado internacional. A doutrina é convergente quanto a uma coisa: os tratados que são
celebrados para vigorar em tempo de guerra não cessam a vigência. Aqui surge precisamente a situação em
que os tratados se aplicam (chama-‐se, em termos globais, a estes tratados, tratados de direito humanitário ou
tratados sobre o direito de genebra – conjunto de tratados que determinam as condições que os estados têm
de respeitar em termos de tratamento de prisioneiros, património, etc.); assim como todos os tratados que
dizem respeito à proibição de certo armamento em tempo de guerra (minas, armas biológicas, como todo um
outro conjunto de armamento – direito da guerra. A guerra é um ato proibido, mas é um mal que se verifica,
então há tratados que se destinam a regular os tempos em que ocorre um ato ilícito).
Há outros tratados que se suspendem ou cessam a vigência. Há quem entenda que, se a guerra for entre 2
estados que celebraram vários tratados bilaterais, os mesmos cessam a vigência. A ocorrência de uma guerra
entre estados que celebraram tratados bilaterais faz com os tratados cessem quanto aos estados beligerantes.
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Se forem tratados multilaterais, mantêm-‐se em vigor quanto aos estados que não estão em guerra e
suspendem-‐se quanto aos estados beligerantes (estados que estão perante conflitos armados).
Há quem entenda também que a suspensão também deveria funcionar nos tratados bilaterais. Tudo depende,
na verdade, da vontade dos estados envolvidos.
O direito da guerra é sempre um direito atrasado, pois os conflitos novos revelam meios mais sofisticados de
se fazer a guerra, que não estavam previstos nos anteriores tratados sobre o direito da guerra.
Há também outras circunstâncias não previstas nas convenções que podem levar à cessação da vigência de
um tratado. Por exemplo, art.60º CV69: quando um tratado é sistematicamente violado por uma parte, pode a
outra ou outras cessar a vigência do tratado quanto à parte que viola.
Os art.61º e art.62 são artigos muito invocados na prática. O primeiro diz respeito à impossibilidade
superveniente do cumprimento do tratado. Quando o tratado estabelece um objeto e há um
desaparecimento do objeto, cessa a vigência do mesmo por impossibilidade de cumprimento do objeto.
O art.62º diz respeito à alteração fundamental das circunstâncias, cláusula rebus sic statincus. É uma cláusula
muito importante quanto ao nível do direito privado. Mas a nível do direito internacional não é tão comum,
pois o objeto do tratado não desaparece, nem é destruído de forma definitiva. Mas as circunstâncias em que o
tratado foi celebrado foram tão diferentes que se pode tornar penoso ou extremamente difícil para uma das
partes respeitar o tratado. Quando a base em que se celebrou o contrato se altera de forma tão drástica que
fica difícil para uma das partes respeitar o tratado, o art.62º permite a suspensão ou cessação da vigência do
tratado quanto a essa parte. É preciso que se reúnam as 2 condições: as circunstâncias terem sido a base vital
para a celebração do tratado e que a alteração seja tal que não permita uma das partes respeitar o mesmo.
Art.61º -‐ destruição definitiva do objeto. Impossibilidade de cumprimento do tratado. Se esta for temporária,
podem as partes optar apenas pela suspensão.
Art64º -‐ surgimento de uma norma de direito imperativo num momento posterior à entrada em vigor do
tratado.
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Há doutrina que defende que os princípios se confundem ou com o costume ou com o tratado e são apenas
normas especiais dos tratados.
Há quem entenda que são fonte autónoma, mas apenas não são convergentes acerca do leque de princípios
que são dotados desta autonomia. Daí que podemos distinguir 3 posições fundamentais:
1. Autores m ais abertos aos princípios enquanto fonte de direito internacional, explicação do
direito internacional pelas teses jusnaturalistas, direito natural. Estes dizem que os princípios são
oriundos do direito natural, como, por exemplo, o princípio da igualdade e da boa-‐fé são inerentes à
própria natureza humana.
2. Autores que recusam a natureza autónom a dos princípios, ligados ao regime soviético,
associados aos países de simpatia soviética e ainda se mantém em alguns autores céticos à aceitação de
direito natural. Os princípios são manifestações das normas costumeiras ou tratados.
3. A posição mais consensual, que acolhe mais adeptos e que é também um pouco a que é vinculada pelos
tribunais internacionais: os princípios são fonte autónoma mas de alcance limitado. Há
reservas quanto ao apoio destes princípios no direito natural. São um conjunto de princípios autónomos e
independentes dos tratados e costumes, mas não podemos ir buscar a sua explicação ao direito natural.
Devido à insusceptibilidade de prova, é difícil provar de forma categórica a existência destes princípios.
Onde vão buscar estes princípios? Não à raiz do direito natural, mas sim exclusivamente aos princípios
comuns às ordens jurídicas dos diferentes estados. Ou comuns no mundo se forem de aplicação universal,
ou de determinada região se forem de aplicação regional; há princípios que são comuns a todos eles, por
exemplo: princípio pacta sunt servand. São princípios que se encontram em todos os sistemas e ordens
jurídicas. A forma como se aplicam pode ser diferente, mas na raiz os princípios estão lá.
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interpretações. É nesta função que a professora entende que se deve incluir a função
com plem entadora.
3. Função integradora -‐ Recorrer aos princípios para encontrar solução para o caso concreto que não
encontra resposta no direito costumeiro ou no direito internacional existente. Quando há uma
situação no direito internacional, onde decisivamente se reconhece que a questão é de direito
internacional e que merece solução de direito internacional, mas houve falha de previsão no tratado e
também o costume internacional não consegue dar resposta, o recurso aos princípios pode ser uma
forma de integração de lacuna no direito internacional.
É preciso muito cuidado na utilização dos princípios de direito internacional na função integradora,
porque, ao contrário da ordem jurídica interna, a ordem jurídica internacional não se regula pelo
princípio da plenitude da ordem jurídica. A partir do momento codificador, no séc. XIX, formou-‐se na
ordem jurídica portuguesa o chamado princípio da plenitude da ordem jurídica. O direito interno fecha-‐
se à influência dos direitos estrangeiros. A partir daqui passa a vigorar o princípio da plenitude da ordem
jurídica. Os tribunais, no direito interno, têm sempre que dar solução a qualquer
situação de vida que lhes seja levada a resolver. Se o direito positivo não dá solução para o
caso, cabe ao juiz, por recurso aos princípios gerais, criar a solução que ele imagina que o legislador
teria criado caso pudesse prever a ocorrência daquela situação. O juiz tem sempre que julgar,
pois está vinculado ao princípio da plenitude da ordem jurídica interna. Esta tem que ser
capaz de dar resposta a todos os problemas levados ao juiz. Se o legislador não conseguiu antecipar a
ocorrência daquele caso, caberá ao juiz integrar a lacuna dentro do espírito de todo o sistema jurídico
nacional.
Ora, ESTE PRINCÍPIO NÃO EXISTE NO DIREITO INTERNACIONAL. O direito internacional é, por
vontade dos estados e dos outros sujeitos de direito internacional, um direito fragmentário. Há muitos
domínios que a norma internacional não regula porque os estados não querem. Há muitas matérias que
os estados entendem ser do foro exclusivamente interno e, portanto, não querem que aquelas matérias
sejam tratadas por normas de direito internacional. Portanto, não há na ordem jurídica
internacional uma qualquer pretensão de plenitude, ou seja, não há qualquer
pretensão da ordem jurídica internacional dar resposta para tudo, porque muitas das
vezes essa resposta não existe e porque os estados querem que a mesma seja dada pelo direito interno
de cada um.
Isto revela-‐se um problema delicado quanto à matéria de lacunas. Quando há uma questão que não é
regulada, é preciso perceber se estamos de facto perante uma lacuna de direito internacional (uma
incapacidade de previsão dos estados daquela situação, mas, se tivessem previsto, teriam criado
norma); ou se o facto daquela situação não estar regulada não é uma lacuna e, sim, antes uma matéria
que pertence ao foro exclusivamente interno de um estado.
13.04.16
ATOS JURÍDICOS UNILATERAIS:
Os atos jurídicos unilaterais não constam no art.38º, ETIJ, logo são omissos, mas não podemos ignorar
a sua importância, pois, ainda que provenham de um único sujeito de Direito, produzem efeitos.
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Há atos autónomos e não autónomos (ex.: adesão; denúncia; reserva) – só os autónomos são fonte
de Direito internacional, porque os outros só produzem efeitos se estiverem previstos noutras fontes, ou seja,
os seus efeitos estão dependes da sua previsão noutra fonte.
Deste modo, sé se consideram fonte de Direito internacional os atos unilaterais autónomos:
Ø Caracterizam-‐se por provirem de um só sujeito de Direito internacional e a sua
existência e validade não depender de outra fonte de Direito internacional;
Ø Podem ser expressos ou implícitos (normalmente são expressos).
ATOS UNILATERAIS DOS ESTADOS (E OUTROS SUJEITOS, EX: SANTA SÉ)
• Protesto (é muito comum e é o ato pelo qual os Estados ou outro sujeito internacional
consideram que determinado ato internacional não está conforme ao Direito. É o seu
conteúdo que, ao ser interpretado, nos indica o que é);
• Notificação (ato pelo qual o Estado ou outro sujeito de Direito internacional leva ao
conhecimento de outro sujeito um determinado ato ou facto que produz efeitos na
ordem internacional);
• Reconhecimento (é o contrário do protesto. Ato pelo qual Estado ou outro sujeito
internacional declara que determinado ato ou facto é conforme o Direito – ex:
independência do Kosovo);
• Promessa (ato pelo qual um Estado se compromete a realizar ou a não realizar um
determinado ato);
• Renúncia (é preciso notificação. Ato pelo qual o estado ou outro sujeito abdicam de um
direito que lhe é concedido por uma norma internacional).
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• Recomendações (tendem a ter um conteúdo mais curto e são mais típicas de órgãos de
caráter executivo);
o (por regra, estas duas últimas, não têm natureza vinculativa, visando apenas
influenciar a atuação dos Estados e de outros sujeitos, por via da persuasão e
não da obrigatoriedade. Assim, são atos jurídicos, mas não vinculativos. Deste
modo, podem ser indutoras de comportamentos conforme ao Direito
internacional, mas, se os Estados as violarem, não podem ser chamados à
responsabilidade. Ainda assim, não criam obrigações, mas podem criar um
contexto que fica desfavorável ao incumprimento dos Estados, o que acaba por
entrar no domínio da ética e da moral. Por isso mesmo, tendemos a incluí-‐las
na soft law.);
• Decisões (têm natureza vinculativa e, se os Estados as desrespeitarem, são chamados à
responsabilidade. São, sobretudo, tomadas pelo Secretário-‐Geral da ONU);
Organizações internacionais de integração (há transferência de competências soberanas nos
domínios em que os Estados concordaram e a organização passa a exercer essas competências em lugar dos
Estados, em maior ou menor medida) – o caso da UE – art.º 288º TFUE (a terminologia difere consoante cada
organização):
• Regulamento (equivalente à lei no Direito interno; é o ato mais importante);
• Diretiva e decisão (são vinculativos);
• Recomendação e parecer (por regra, não vinculativos).
O Direito internacional é fértil em normas imperfeitas e em normas não vinculativas, mas, ainda assim,
jurídicas.
A jurisprudência e a doutrina:
A jurisprudência e a doutrina são fontes mediatas ou indiretas.
A doutrina (autoridade dos grandes académicos/pensadores que desenvolveram teses) pode
condicionar comportamentos e decisões de tribunais, bem como a elaboração de tratados.
Jurisprudência (decisões dos tribunais) é uma fonte mediata, mas influencia em grande medida e de
forma decisiva inúmeros tratados (cristalizam jurisprudência, ou seja, integram decisões dos tribunais nos seus
artigos).
O caso especial da equidade: não é uma fonte de Direito, mas um modo de resolução de um
caso concreto. É a possibilidade das partes de um conflito decidirem o caso, não por aplicação da lei em rigor,
mas através do próprio conceito de justiça do juiz, daquilo que ele entende ser a decisão mais justa para o
caso, remetendo para este a escolha de solução mais justa.
A noção de soft law : surgiu por atuação das organizações internacionais e traduz-‐se
essencialmente em resoluções, recomendações e declarações – são uma fase catalisadora de normas jurídicas
vinculativas que acabam por condicionar a conduta dos estados.
Hierarquia:
1. Superioridade das normas imperativas;
2. Princípios gerais de Direito: a sua posição depende da conceção que se tenha acerca da
sua importância enquanto fonte de Direito internacional;
3. Ausência de hierarquia entre o costume e o tratado (estão ao mesmo nível);
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4. Em abstrato, os atos unilaterais obedecem ao costume, aos tratados (e aos princípios
gerais de Direito?)
5. O Direito derivado das organizações internacionais obedece ao Direito originário.
TÉCNICAS DE APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL NA ORDEM JURÍDICA INTERNA
Até agora estudámos as fontes de direito internacional, o módulo da sua formação e a sua importância no
plano internacional. Agora trata-‐se de saber qual a relevância destas fontes no direito interno, em que medida
elas tocam na nossa esfera jurídica e em que medida alteram comportamentos.
Há normas de direito internacional que obviamente se destinam exclusivamente aos estados, portanto só
indiretamente afetam os cidadãos -‐ afetam através das medidas que os estados adotam para aplicar as
normas internacionais.
As normas criminais criam obrigações ou direitos na esfera jurídica dos sujeitos. As normas internacionais não
nos afetam todas do mesmo modo, mas é preciso perceber como é que elas vigoram no direito interno.
Desenvolveram-‐se duas grandes teorias quanto aos sistemas de incorporação do direito internacional no
direito interno. Por um lado, as teses dualistas, por outro, as teses monistas.
TESES DUALISTAS
São teses que entendem que a ordem jurídica interna é totalmente distinta da ordem jurídica internacional,
quer do ponto de vista das fontes e dos sujeitos, quer dos órgãos responsáveis pela garantia do cumprimento
das normas. Para estes autores, o direito internacional teria de ser transform ado em direito
interno para poder vigorar. Para as teses dualistas, devido à total distinção entre ordem jurídica interna e
internacional, a norma internacional para vigorar no direito interno tinha que ser transformada. Chama-‐se a
isto receção m aterial das norm as jurídicas internacionais. Estas teriam que ser convertidas em
direito interno para assim produzirem os seus efeitos.
Os países dualistas optam por incorporar os tratados internacionais em lei interna. A lei
transforma a convenção internacional em direito interno. Sistem a de receção m aterial, em que o
conteúdo da norm a internacional é convertido em direito interno.
Esta técnica provoca alguns problemas, nomeadamente o problema da vigência da norma internacional,
porque se a norma é convertida em norma interna, a sua revogação será mais simples, o que poderá levar a
problema de incumprimento do tratado por um estado. Nas teses dualistas, o direito internacional tem que
ser transformado em direito interno – receção material do direito internacional.
TESE MONISTA
Ao contrário da tese dualista, os autores que desenvolveram o m onism o entendem que a ordem
jurídica interna e internacional, apesar das suas diferenças, são manifestações de um
mesmo fenómeno que é o direito. Sendo assim, não é necessária a sua transformação, pois falamos de
uma mesma realidade, que é o direito.
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Os autores entendem que o direito internacional para vigorar no direito interno precisa apenas
de ser recebido mas não transformado. Há, então, uma receção formal sem que isso implique a
transformação do direito internacional em direito interno.
Para o monismo, entende-‐se que as ordens jurídicas modernas têm que tomar posição acerca do modo de
vigência do direito internacional no direito interno nas suas diferentes fontes, mas esta tomada de posição
não tem que transformar a norma internacional em norma interna, ou seja, há apenas uma receção formal.
Dentro do monismo desenvolveram-‐se duas doutrinas. Como não há receção material, há que saber o que
fazer em questão de conflito. Qual a norma que o juiz nacional deve aplicar?
-‐ M onism o com prim ado do direito interno -‐ a vertente do monismo com primado do direito interno é
inconcebível, pois colocaria sempre em questão o direito internacional, visto que a norma de direito interno
prevaleceria. Isto recusaria a obrigatoriedade das normas internacionais. Ou então, esta diretriz levaria a uma
situação em que o estado ficava como infrator da norma internacional, pois, se o direito interno prevaleceria
sobre o internacional, o estado estaria sempre contra o direito internacional.
-‐ M onism o com prim ado de direito internacional
As teses prevalecentes são as teses do monismo com primado do direito internacional.
Mas aqui também há uma bifurcação.
-‐ Há quem entenda que o primado do direito internacional é absoluto, isto é, as normas internacionais
estão acima da própria constituição. Em caso de conflito entre o direito internacional e a constituição, dever-‐
se-‐ia dar prevalência à norma internacional.
-‐ Há quem tenha uma visão mais moderada, entendendo que o direito internacional não deve prevalecer
sobre a constituição. Em caso de conflito entre as normas internacionais e a constituição, deve dar-‐se
prevalência à constituição. Mas, no caso de conflito entre uma norma internacional e uma norma interna
ordinária, deve dar-‐se prevalência à norma internacional.
A CRP acolhe um a tese monista com primado do direito internacional mas numa vertente
moderada.
Há países que não são dualistas nem monistas, escolhendo um sistema misto. Para umas normas, são
monistas e para outras, dualistas. Por exemplo, para o costume tem atitude monista, mas o mesmo país,
tratando-‐se de um tratado internacional, tem atitude dualista, recebendo materialmente o mesmo.
Hoje os estados adotam sistemas de vigência muito diferentes e a doutrina desinteressou-‐se nesta querela
entre monismo e dualismo. Uma coisa é certa, os estados assumem um compromisso internacional, mas
depois é do inteiro poder soberano do estado escolher como é que as normas vão vigorar no direito interno. O
modo como o estado aceita a vigência do direito internacional no direito interno é algo que apenas cabe ao
próprio estado. A única consequência é que se, através do sistema de vigência escolhido, se ocasionar uma
situação em que para aplicar o direito interno o estado viola direito internacional, o estado terá que responder
pelo facto.
Há sempre o dever do estado conformar a ordem jurídica interna com as suas obrigações
internacionais, mas cabe ao estado escolher a forma técnica como há-‐de cum prir esse
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dever. O incumprimento não tem por efeito a vigência forçada do direito internacional na ordem interna. O
direito internacional não pode impor a sua vigência forçada no direito interno. Como não pode impor, já
sabemos que o estado, ao escolher as técnicas de vigência, tem que ter consciência que, se destas resultar em
concreto uma violação do direito internacional, poderá ser responsável internacionalmente, podendo-‐lhe ser
aplicada sanção.
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direito internacional e ius cogens . Tudo isto vigora através do art.8º/1, pois este diz que faz parte
integrante do direito português – cláusula de receção autom ática. A CRP recebe estas fontes de modo
automático. Vigorando na ordem jurídica internacional, elas automaticamente vigoram na ordem jurídica
interna.
Como em mais nenhum nº do art.8º vemos alusão à fonte do costume internacional, a doutrina é da
opinião que, no caso do costum e regional, deve fazer-‐se um a interpretação extensiva do
art.8º/1 para se estender a todos os costumes que alcancem Portugal, ainda que sejam
meramente regionais.
• Art.8º/2 – fonte: normas constantes de convenções internacionais – tratados solenes
ou acordos em forma simplificada.
Este artigo estabelece condições.
“As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas (1ª
condição) vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial (2ª condição) e enquanto
vincularem internacionalmente o estado português (3ª condição ou simples evidência?)” – há quem
entenda que há aqui uma 3ª condição, mas há outros que consideram que é uma simples evidência, pois só
vigoram no direito interno enquanto vigorarem na ordem jurídica internacional.
Trata-‐se da receção condicionada das convenções internacionais.
Há constituições que podem dizer quase a mesma coisa que a nossa CRP mas serem dualistas. O segredo
para a distinção entre constituições dualistas e monistas está no modo de aprovação das
norm as internacionais. Em Portugal quem aprova os tratados solenes é a AR, já os acordos internacionais
é a AR ou o Governo. O ato de aprovação das convenções é a resolução. Os acordos e os decretos são
meramente políticos, não constam do art.º 112º. O ato de aprovação em Portugal é um ato
meramente político, pois não transformamos as normas das convenções internacionais em
direito interno. A convenção é publicada como convenção internacional.
Coisa diferente seria se Portugal aprovasse uma convenção internacional através de uma lei e depois a mesma
lei reproduzisse os termos da convenção: aqui haveria uma transformação do direito internacional em direito
interno.
• Art.8º/3 – número multiusos que serviu vários propósitos.
Este número foi introduzido em 1982, na primeira revisão constitucional, com vista a adequar a nossa CRP à
nossa futura adesão às comunidades europeias, o que só aconteceu em 1985. E porque é que precisávamos
de alterar a CRP com vista a adaptá-‐la à adesão? É que no âmbito da UE sabemos que os estados transferem
algumas competências para a esfera da UE, podendo a mesma atuar com atos que têm aplicabilidade direta
nos estados. Por causa da especial característica das normas adotadas ao nível da UE, havia a necessidade de
preparar o nosso sistema constitucional para os atos específicos da UE. Foi assim que, já no período de
adaptação da nossa ordem jurídica à futura adesão, foi introduzido este nº3 de acordo com o qual:
“as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte
vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos
tratados constitutivos”
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Aplicabilidade direta (dispensa de publicação em Diário da República) do direito derivado das OI (atos jurídicos
unilaterais) nos termos definidos no direito originário.
Temos então em primeiro lugar identificar a fonte recebida por este número, atos unilaterais das
organizações internacionais, a que cham am os de direito derivado (porque o direito originário
vigora a partir do nº2, o direito originário (tratados e convenções) necessita de ser publicado no diário da
república, já o direito derivado não necessita de publicação).
O nº3 rapidamente se mostrou insuficiente para acolher o desenvolvimento da ordem jurídica da UE. Na
revisão constitucional de 2004, pensando num tratado que nem chegou a entrar em vigor, tomou-‐se a ocasião
para introduzir o nº4.
• Art.8º nº 4 -‐ Cláusula de efeito direto quanto às disposições do direito originário
(tratados institutivos da UE).
Cláusula m ista de “aplicabilidade direta – efeito direto”, quanto aos atos unilaterais
vinculativos (direito derivado).
“As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das
respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com
respeito pelos princípios fundamentais do Estado e de direito democrático” (em conjunto com o art.7º nº 6
CRP).
O nº4 tem uma terminologia e abordagem que não é para um cidadão comum. O único limite da
aplicabilidade direta destas normas é o respeito pelos princípios fundamentais do Estado
de direito dem ocrático.
Para analisar este número há que distinguir primeiro as fontes e depois as técnicas de vigência.
Disposições dos tratados que regem a UE – qualquer tratado relativo à UE (tratados de revisão, institutos)
obrigatoriamente seguem as mesmas condições previstas no art.8º/2, todos os tratados que vigoram em
Portugal seguem as regras do nº2 do art.8ºCRP. Os tratados relativos à UE não são diferentes. A vinculação de
Portugal ao tratado de Lisboa produziu-‐se através de assinatura, aprovação, seguida de ratificação (vinculação
propriamente dita) seguido da publicação destes tratados no DR. O que acontece é outra coisa, é que depois
há norm as dentro destes tratados que já estão em vigor que têm efeito direto. É isto que o
art.8º/4 quer dizer. Há normas dos tratados que só por si criam direitos e obrigações na nossa
esfera jurídica. Por exemplo, há uma norma no Tratado de Funcionamento da UE, que estabelece a
proibição da discriminação dos trabalhadores por razão de nacionalidade. Qualquer cidadão de um estado
membro goza de liberdade de circulação para efeitos de procura de emprego e não pode ser discriminado em
qualquer estado membro fruto da sua nacionalidade. Qualquer empresa do estado membro é obrigada a
tratar nos processos de contratação igualmente todos os sujeitos, provenham de onde provirem. É uma
norma self executing, não precisa de mais nada para obrigar as empresas de qualquer estado membro a
aceitar candidaturas de trabalhadores de outros estados membros e a aceitá-‐los igualmente aos nacionais.
Estas normas destes tratados têm efeito direto. Não são todas as norm as, m as há norm as dos
tratados que têm este efeito direto, isto é, criam direitos e obrigações na esfera jurídica
dos particulares e estes podem invocá-‐las perante o tribunal. Efeito direto: cria diretamente
direitos e obrigações na esfera jurídica de um particular.
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Mas o art.8º/4 não se refere apenas a disposições dos tratados que regem a UE, mas sim também a atos
emanados das suas instituições no exercício das suas respetivas competências. Estes atos unilaterais entram
em vigor no nosso direito interno através de uma cláusula mista de aplicabilidade direta e efeito direto.
1. Aplicabilidade direta em sentido estrito – as normas do direito internacional vigoram no direito
interno dispensado qualquer formalidade de natureza interna (publicação no jornal oficial nacional) ou
mesmo simples receção.
2. Aplicabilidade im ediata – as normas de direito internacional vigentes na ordem jurídica interna estão
aptas a produzir todos os seus efeitos em relação ao estado e aos seus cidadãos, criando direitos ou
estabelecendo obrigações, sem que seja necessária a adotação de medidas de execução pelos órgãos
competentes da OI ou pelas autoridades nacionais.
Os atos publicados podem não estar completos, podem precisar de atos de natureza interna ou europeia
para produzirem efeitos na esfera jurídica dos cidadãos. Há atos que têm aplicabilidade direta mas não
têm aplicabilidade imediata, pois precisam de ato intermédio que o aplique na esfera jurídica de um
cidadão. Se os atos forem publicados no jornal oficial da UE e não precisarem de um ato intermedio têm
aplicabilidade imediata, logo efeito direto.
3. Efeito direto: suscetibilidade de um particular poder invocar a norma internacional perante os tribunais
nacionais com vista a defender um direito que esta lhe concede ou a afastar o direito nacional contrário.
Este nº4 diz-‐nos que há disposições dos tratados que têm efeito direto, executam-‐se per si. Há também atos
adotados pelos órgãos da UE (regulamentos, diretivas e decisões) que, por vezes, beneficiam deste efeito
misto de aplicabilidade direta e efeito direto.
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É a visão internacionalista que iremos seguir.
Vamos novamente interpretar todos os números do art.8º, não preocupados com a fonte mas sim com a
posição hierárquica.
AULA PRÁTICA
Imaginemos uma convenção celebrada entre 2 estados em que um exerce coação sobre o outro. A convenção
é nula. A partir do momento em que a causa de nulidade cessa, e o estado inicialmente coagido, já não está
coagido, no entanto continua a agir de acordo com a convenção. Celebrando-‐se assim uma nova conençao
tácita. A nível material não há impedimentos. Todavia há aqui uma nulidade relativa, pois ainda que
materialmente esta solução seja viável, há aqui preterição de forma. Esta solução não está prevista mas
alinha-‐se com as disposições acerca da renovação das convenções.
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possa realizar, é um efeito intermedio. Se um estado não quer estar sujeito a este artigo tem que recusar a
ratificação. Se o estado já ratificou mas não quer cumprir o tratado, já se vinculou logo terá que cumprir.
Art.24ºCV, é o próprio tratado que decide quando é que o tratado produzirá os seus efeitos. Aqui vimos como
é que um estado se vinculava, agora vamos separar os modos de vinculação dos efeitos da convenção.
Quais os efeitos da convenção? Quem é que a convenção vincula? Se o fundamento da vinculatividade de uma
convenção é a manifestação do consentimento em vincularem-‐se à mesma, a convenção vincula os estados
que manifestaram esse consentimento. Em princípio os tratados não produzem efeitos em relação a terceiros
– art.34º.
A convenção de 2009 foi concluída por 12 estados. A nova convenção aplicar-‐se-‐ia aos 12 que manifestaram o
seu consentimento. Ao estado que não se vinculou à nova convenção, aplica-‐se a antiga (de 2004), mas na
relação entre esse estado e os restantes. às relações entre os outros 12 estados aplica-‐se o novo tratado.
Falta um pressuposto da aplicação do art.30º.
A previsão da regra do nº 3 “quando as partes sejam as mesmas”, mas não são… logo não se aplica este nº.
Art.30º/4 – às partes do novo tratado (12 partes) aplica-‐se o nº3 do art.30º ex vi al. a) nº4 art.30º.
Partes do novo tratado na relação com o estado não parte, aplica-‐se a al.b) do nº4 do art.30º
Imaginemos o seguinte: o tratado de 2004 tem 6 cláusulas e o de 2009 tem apenas 2. Os estados não tinham
expressamente previsto que o tratado anterior não cessava vigência. Nesse caso, aplicar-‐se-‐ia as normas que
não foram modificadas mais as novas disposições. Dá-‐se preferência ao novo tratado e o antigo só se aplica
caso não seja incompatível com o novo, art.30º/2.
Art.40º -‐ revisão dos tratados multilaterais.
Se aplicássemos o nº4 do art.40º -‐ acordo que revê o tratado, vincularia apenas as partes que acordavam no
acordo de revisão. Nas relações com a parte que não consentiu o acordo de revisão, aplicar-‐se-‐ia a al.b) do
nº4 do art.30º -‐ tanto nos tratados sucessivos com a mesma matéria, como na revisão dos tratados
multilaterais, o resultado quanto à aplicação dos tratados quanto aos estados que inicialmente consentiram e
posteriormente não se vincularam às alterações, o resultado é o mesmo.
26.04.16
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-‐ Quais os argum entos a favor do valor supraconstitucional do direito internacional?
1. A letra do próprio artigo -‐ o próprio artigo pela sua letra dá-‐nos indicações deste valor supraconstitucional,
se fazem parte integrante do direito português não faz sentido que a CRP ou a lei ordinária pudesse
alterar o padrão definido universalmente.
2. A natureza e a composição do direito internacional geral ou comum (inclui as normas do ius cogens) -‐
também a própria natureza das fontes, são a matriz do direito internacional, as normas de direito
imperativo, aquelas que são obrigatórias para todos os estados. Se temos as normas imperativas a vigorar
em Portugal através do art.8º/1, seria mais uma vez contrassenso que as normas constitucionais
pudessem violar o direito imperativo.
3. O art.16º CRP – os direitos fundamentais consagrados na CRP não excluem quaisquer outros direitos
constantes de direito internacional. A nossa CRP, num domínio muito especial do direito internacional
(proteção dos direitos do homem), é ela própria que rende obediência aos princípios internacionais.
O professor Jorge Miranda acredita que a discussão sobre o valor das normas de direito internacional seja
apenas uma discussão académica, pois as constituições normalmente acolhem estas normas internacionais
(art.7ºCRP – Portugal rege-‐se pelo respeito do direito imperativo. Muitos dos princípios que a CRP acolhe no
art.7º são princípios de direito imperativo).
Há uma imprecisão no nosso manual que é preciso corrigir: generalizou-‐se a ideia que a declaração universal
dos direitos do homem (DUDH) é um tratado internacional. A DUDH não é um tratado internacional, mas sim
uma resolução da assembleia geral da ONU (já os pactos internacionais sobre os direitos do homem são
tratados internacionais), que adquiriu a natureza de direito imperativo força da sua aceitação universal e fruto
dos princípios que ela acolhe, que são princípios fundamentais para a comunidade internacional. A DUDH
vigora, então, através do art.8º/1, porque pertence ao repositório do direito imperativo.
-‐ Quais as dificuldades deste entendimento?
Todavia não podemos menosprezar algumas dificuldades que resultam do sistema de fiscalização de
constitucionalidade. De facto, o direito internacional comum não pode ser sujeito a fiscalização. Mas pode
estar sujeito a fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade. Art.204ºCRP, art.277º (não há distinção
entre normas internas e internacionais), art.280º/1). Quando lemos o regime de fiscalização de
constitucionalidade parece que toda e qualquer norma pode estar sujeita à fiscalização da
constitucionalidade, pois nestes artigos não se distingue normas internas de normas internacionais. Este é o
argumento principal dos constitucionalistas, que acreditam que, no limite, nada impede que mesmo as
normas de direito internacional geral ou comum possam estar sujeitas à fiscalização da constitucionalidade. É
preciso ler o sistema de fiscalização de constitucionalidade dentro do sistema global da CRP. Isto é-‐nos
indicado pelo Professor Jorge Miranda, não podemos ler o regime isoladamente, há que ler a CRP dentro do
seu sistema (interpretação sistemática). Há que ler o sistema de fiscalização em conjunto com o art.7º, 8º/1 e
16º -‐ há certo direito internacional geral ou comum que está excluído da fiscalização da constitucionalidade.
É certo que a CRP sujeita todas as normas à fiscalização da constitucionalidade, mas sabemos que há algumas
normas que beneficiam de valor supraconstitucional.
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• Art.8º/2 – vigência as convenções internacionais (tratados solenes e aco rdos em
forma simplificada)
-‐ Entendimento 1:
Aqui não há como escapar da fiscalização da constitucionalidade, pois a CRP sujeita as convenções quer
à fiscalização preventiva quer à fiscalização sucessiva.
Há normas de alguns tratados que adquiriram valor de direito imperativo. Há normas integradas no estatuto
de Roma sobre o tribunal penal internacional, normas na carta da ONU, que têm valor de direito imperativo.
Normas incluídas em tratados que têm natureza superior.
O direito internacional convencional tem obrigatoriamente valor infraconstitucional, devido ao sistema de
fiscalização da constitucionalidade.
Quanto à fiscalização preventiva, acautelamos que Portugal se vincule a um tratado ou acordo que seja
inconstitucional.
A situação é diferente quando não se deteta inconstitucionalidade, mas depois da norma entrar em vigor, em
sede de fiscalização sucessiva, deteta-‐se algum tipo de inconstitucionalidade. Nestes casos, a CRP determina o
valor infraconstitucional dos tratados ou acordos.
-‐ Dificuldades:
Isto pode levar Portugal a violar o tratado. Exemplo: um juiz que tem um caso para decidir e, para o fazer,
aplica-‐se uma norma de um tratado, mas esta norma é inconstitucional, o juiz pode dar prevalência à CRP não
aplicando a norma do tratado, e com isto violamos o tratado e criamos uma situação de incumprimento, o que
pode geral responsabilidade do estado perante as outras partes por não aplicar a norma internacional.
Conflito em abstrato com o principio pacta sunt servanda, com os art.28º e 27º CV69, com a jurisprudência
internacional e com a jurisprudência do TJUE.
Nota: evita-‐se este resultado (de responsabilidade por incumprimento) recorrendo à fiscalização preventiva da
constitucionalidade (art.278º e 279º), à revisão constitucional (art.284º e seguintes) ou, podendo, à aposição
de reservas.
-‐ Entendimento 2:
O direito internacional tem valor supralegal. Os tratados e acordos prevalecem quer sobre as leis
anteriores quer sobre as leis posteriores. Um juiz nacional que tiver que aplicar um tratado mas este tenha
uma lei que viole o mesmo, o juiz deve, neste caso, aplicar o tratado contra a lei.
-‐ Argum entos a favor do valor supralegal do direito internacional:
1. Princípio pacta sunt servanda e os art.26º e 27º CV69
2. A própria letra do artigo – “enquanto vincularem internacionalmente o estado português”.
3. Certas disposições constitucionais, art.7º 119º (esta é uma das disposições mais evidentes, pois indica-‐nos
uma hierarquia das fontes no direito interno), 278º/1
4. A necessária coerência com o art.8º/3 e 4.
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• Art.8º/3 – atos jurídicos unilaterais das OI
Entendimento:
Valor supraconstitucional e, obviamente, supralegal.
Os atos têm aplicabilidade direta, uma vez adotados pela OI automaticamente aplicam-‐se na ordem dos
estados sem qualquer condição ou requisito. A doutrina entende serem supraconstitucionais (essência da
aplicabilidade direta).
-‐ Argum entos a favor do valor supraconstitucional e supralegal do direito derivado das OI:
1. essência da aplicabilidade direta.
-‐ Dificuldades deste entendim ento:
1. O sistema de fiscalização sucessiva da constitucionalidade, art.204º, art.277º/1, art.280º/1 al.a) todos da
CRP (mas há que vê-‐lo de forma sistémica)
2. Se o direito originário não pode ele próprio contrariar a CRP parece inútil e até contraditório falar-‐se em
valor supraconstitucional do direito derivado. A matriz do direito derivado é o direito originário, se o
direito originário (tratados que criam a OI) é infraconstitucional, como é que o direito derivado pode ter
valor supraconstitucional?
O direito derivado é uma decorrência do direito originário. Mais uma vez discussão académica, porque na
realidade os tratados criadores da OI que Portugal se vincula são objetos de uma rígida fiscalização.
Embora o regime da aplicabilidade direta nos conduza pela sua essência à supraconstitucionalidade,
quando pensamos em direito derivado de direito originário, a Professora entende que se o direito
derivado é inconstitucional os atos derivados do mesmo serão também inconstitucionais).
• Art.8º/4 – disposições que regem a UE
Entendimento:
Valor supraconstitucional e, obviamente, supralegal
É preciso recordar que o art.8º diz, ele próprio, que as disposições dos tratados e normas emanadas pelas suas
instituições são aplicadas na ordem interna nos termos definidos pela UE, desde que respeite os princípios
fundamentais do estado de direito democrático. Enquanto em relação ao direito internacional em geral são as
constituições e o direito interno de cada estado que define a posição das normas internacionais em relação ao
direito interno. Em relação à UE, fruto de um conjunto de acórdãos do TJUE, aceita-‐se que se invertem os
termos: em relação ao direito da UE não são os estados que têm a prerrogativa de definir o lugar hierárquico
do direito da UE, mas sim a própria UE é que define qual a hierarquia das suas normas. O direito da UE, seja o
constante dos tratados, seja o constante dos atos de direito derivado, prevalece sobre o direito interno, seja
ele anterior, seja ele posterior, mesmo que esse direito interno tenha carater constitucional.
Em suma, o TJUE desde a década de 60 que tem vindo a afirmar o primado absoluto, a prevalência absoluta,
do direito da UE sobre o direito interno. Há primado absoluto dos tratados, dos atos de direito derivado
(regulamentos, diretivas e decisões) sobre o direito interno mesmo sobre o direito constitucional, seja anterior
seja posterior.
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A nossa CRP desde 2004 diz precisamente isto: os tratados e as normas consagradas pelos atos unilaterais são
aplicáveis em Portugal nos termos definidos pelo direito da UE, e este consagra o primado absoluto do direito
da UE.
Todavia o art.8º/4 estabelece um limite: estas disposições não podem violar os princípios fundamentais do
estado de direito democrático (proteção dos direitos fundamentais e democracia representativa e pluralista).
Todavia é a própria UE, nos primeiros artigos do Tratado da União Europeia (TUE), que faz a apologia da
defesa dos princípios gerais de direito democrático. É a própria UE que eleva a proteção dos princípios
fundamentais do estado de direito democrático a um nível mais elevado.
Os tratados uma vez em vigor têm valor supraconstitucional.
-‐ Argum entos a favor da supraconstitucionalidade e supralegalidade do direito da UE:
1. Essência da aplicabilidade direta e do efeito direto
2. A jurisprudência do TJUE o art.4º/3 do TUE.
-‐ Dificuldades deste entendim ento:
1. O sistema de fiscalização da constitucionalidade
2. Só se poderá defender o valor supraconstitucional do direito derivado se considerarmos, por uma questão
de coerência, que os tratados da UE prevalecem sobre a constituição.
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entidades (coletivas ou pessoas singulares) em relação às quais as norm as internacionais
criam diretam ente direitos e obrigações na sua esfera jurídica.
O facto de termos personalidade jurídica internacional não significa que tenhamos
capacidade de exercício ou gozo de direitos na sua totalidade. Só o estado soberano é que goza
de uma capacidade jurídica total, todos os outros sujeitos de direito internacional têm capacidade jurídica
internacional limitada, quer na possibilidade de exercer certos direitos, quer na possibilidade de exigir a
outrem que os respeite.
Exemplo: uma criança quando nasce adquire personalidade jurídica. Terá ela capacidade de exercício ou
gozo de todos os direitos? Pode uma criança fazer contratos de compra e venda de triciclos? Pode uma
criança arrogar-‐se do direito de casar aos 14 anos?
A criança tem personalidade jurídica, mas a capacidade de gozo e exercício de direitos é limitada (até aos 18
anos).
E a partir dos 18 anos, qualquer adulto tem capacidade de gozo e exercício? Não. Há pessoas incapacitadas,
não podendo exercer certos direitos. Uma coisa é gozar de personalidade jurídica, outra coisa é a
capacidade de exercício ou gozo de direitos.
Há alguma doutrina que é extremamente exigente quanto à análise da personalidade jurídica dos sujeitos de
direito internacional.
Ainda que tenham personalidade jurídica internacional, a capacidade dos sujeitos não é
sempre total, só o estado soberano tem capacidade plena, todos os outros sujeitos têm
capacidade lim itada.
O reconhecimento desta capacidade quanto aos outros sujeitos é muito dependente de 2 fatores:
1. Efetiva participação ativa destes sujeitos na realidade internacional em matérias importantes ou típicas
dessa realidade;
2. É preciso ainda que esta participação seja aceite por um conjunto relevante de outros sujeitos.
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2. Direito de legação (ius legationis) – possibilidade de um sujeito enviar e receber representantes
diplomáticos, de que são exemplos clássicos os embaixadores ou os cônsules. Têm direito de legação
todos os sujeitos que podem enviar ou receber representantes diplomáticos – Estados, OI e Santa Sé.
3. Direito de reclam ação internacional – e o direito de um sujeito de direito internacional fazer valer
um direito que lhe é reconhecido por uma norma internacional junto de um tribunal internacional, seja
este tribunal permanente ou arbitral. E um direito que completa a personalidade jurídica internacional, na
medida em que além da norma internacional conceder direito ou obrigação, esse sujeito tem a
possibilidade de recorrer a um tribunal internacional para fazer valer a norma – Estados, indivíduo.
4. Direito de fazer guerra (ius belli) – em legitima defesa ou mediante decisões de OI (ONU, NATO).
Depois do pacto da sociedade das nações, a guerra foi sendo retirada do direito. Inicialmente não se
proibia totalmente a guerra, apenas se adiava. A proibição do recurso à força vem com o Princípio da não
ingerência dos estados. Hoje em dia só é admitido o recurso à força em legítima defesa coletiva (quando
se acionam as alianças militares existentes no plano mundial, quer a nível universal ou regional) ou
individual (quando o Estado se defende).
27.04.16
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Um estado para existir como sujeito de direito internacional basta que se reunir 3 requisitos: povo, território e
poder político. O reconhecimento de um estado não é criador de personalidade internacional, este
reconhecimento meramente constata a existência de personalidade. Sendo que, depois deste
reconhecimento, resultam efeitos.
Também as OI, como são criadas por tratado e normalmente por um conjunto de estados, entende-‐se que o
ato criador da OI por tratado impõe-‐se na ordem jurídica internacional.
Este reconhecimento declarativo pode, todavia, ser condicionado. É muito comum, por exemplo,
relativamente ao reconhecimento de novos estados, que os outros estados estabeleçam um conjunto de
condições para esse reconhecimento. E também assim o fazem algumas OI. Por exemplo, a UE, apos a
desagregação da URSS estabeleceu um conjunto de requisitos de reconhecimento dos vários estados que
resultaram da desagregação URSS.
-‐ Reconhecim ento constitutivo. Ao contrário do declarativo, conforme o próprio termo o diz, o
reconhecim ento constitutivo é criador da personalidade jurídica internacional. O
reconhecim ento constitutivo cria a personalidade internacional. O sujeito nasce a partir do
momento do reconhecimento. É o caso típico dos movimentos de libertação nacional e dos beligerantes. O
reconhecimento de um beligerante ou de um MLN, para produzir efeitos, não tem que ser realizado por todos
os sujeitos de direito internacional. Basta que um conjunto de sujeitos relevante reconheça o MLN para que
surjam efeitos nas relações entre eles.
Por exemplo, caso da independência Timor Leste. Após o 25 de Abril houve tendência para a descolonização,
Timor não foi diferente. Apesar de Portugal reconhecer o movimento independente de Timor, a Indonésia não
o fez, anexando Timor ao seu território. Muitos países da ONU não reconheciam a luta armada para fins de
libertação que decorria em Timor. Entre Portugal e Timor vigoravam os efeitos do reconhecimento desse
movimento de libertação nacional.
O reconhecimento pode ser de iure (irrevogável, definitivo) ou de facto (provisório, está muito associado ao
reconhecimento condicionado).
Estado: reconhecimento declarativo (pode ser recusado ou condicionado). Há um elemento do estado que
também tem que ser reconhecido em certas situações (governo e este é constitutivo, mas não é um sujeito de
direito internacional).
Insurretos: não são sujeito de direito internacional (reconhecimento por motivos exclusivamente
humanitários). Os insurretos causam instabilidade em territórios alheios recorrendo a atos de extrema
violência. São reconhecidos pelo facto de não poderem ser tratados como simples criminosos. Não sendo
sujeitos de direito internacional, todavia estão abrangidos pela aplicação do direito de genebra (direito
humanitário) de modo a que não sejam tratados com criminosos comuns pois lutam, ainda que pelos meios
mais errados, lutam por uma causa política. O que se pretende é que, uma vez capturados, os indivíduos
destes grupos não sejam sujeitos a tortura nem lhes sejam aplicadas penas excessivas ou difamantes, o
objetivo é colocá-‐los sob a égide do direito humanitário.
Beligerantes e M LN – reconhecimento constitutivo
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Governo no exílio: constitutivo
Organizações internacionais: tendencialmente declarativo.
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