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A SOBERANIA DOS ESTADOS NA CODIFICAÇAO E

DESENVOLVIMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL

ADILSON VIEIRA MACABU

1. Introdução; 2. Conceito; 3. A codificação no di-


reito interno e no direito internacional; 4. Desvantagens
da codificação; 5. Vantagens da codificação; 6. Evolução
histórica da codificação; 7. A codificação do direito
internacional no continente americano; 8. A codificação
na Liga das Nações; 9. A codificação na ONU; 10. A
Comissão de Direito Internacional; 11. O programa de
trabalho da Comissão a partir de 1949; 12. O relatório
de 1970; 13. Desenvolvimento e codificação do direito
internacional; 14. A codificação dos trabalhos da Co-
missão; 15. A Convenção de Viena de 1969; 16. A co-
dificação do direito internacional e as organizações inter-
nacionais; 17. Conclusão.

1. Introdução

o desenvolvimento histórico do direito internacional apresentou


como característica, nas mais variadas formas de sua evolução, a
tentativa de transformar a pluralidade de leis e de costumes
conhecidos em regras escritas, a fim de que estas pudessem suprir
as lacunas existentes nesse domínio, por meio da codificação.
Assim sendo, o direito internacional - praticamente ignorado
na Antiguidade - conheceu uma fase universalista na Idade Mé-
dia e hoje atravessa uma fase institucional. Entretanto, durante
toda essa evolução, ele não perdeu seu traço marcante, ou seja,
conservou-se como um direito estritamente consuetudinário.
Após a Antiguidade, porém, a sociedade internacional sofreu
consideráveis transformações e o direito internacional - que era
o direito regulador dessa sociedade - experimentou uma evolução
importante. Somente durante o século XIX e princípios do

R. Cl. pol., Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 3-33, abr./jun. 1972


século XX é que foi efetuada uma obra de codificação, ainda que
limitada a certos assuntos, específicos, sob a forma de tratados
coletivos, mas sem qualquer plano sistemático.
Durante esse período, o direito internacional era regido pelo
sistema "clássico", o qual não só regulava as relações internacio-
nais, como também fora criado em benefício das nações euro-
péias. Após a II Guerra Mundial, houve uma rápida expansão
da comunidade internacional, quando mais de 70 novas nações -
particularmente na Africa e na Asia - passaram a integrar o
cenário internacional. Tal fato, evidentemente, acarretou algumas
modificações no direito em geral pela dinamização de várias ten-
dências, idéias e atitudes que estavam em desacordo com as regras
do "direito internacional clássico".
Por outro lado, certos acontecimentos ocorridos nos últimos
25 anos influíram profundamente na evolução do direito inter-
nacional. Surgiu, então, na comunidade internacional a idéia da
necessidade de reforçar o direito que a disciplinava e de distender
seu campo de aplicação. Mas tudo isso tomando-se por base a
relação que existe entre a manutenção da paz e da segurança in-
ternacionais e o desenvolvimento do direito internacional.
Existe, atualmente, uma associação entre a aplicação eficaz
de um sistema de princípios fundamentais regulando o compor-
tamento dos estados e, particularmente, o princípio da interdição
do recurso à ameaça ou ao emprego da força, e a codificação e o
desenvolvimento progressivo do direito internacional - conside-
rado como um procedimento capaz de transformar tais princípios
em obrigações jurídicas concretas. Entretanto, além da necessi-
dade de manter a paz e a segurança internacionais, outros elemen-
tos significativos levaram os estados a ressaltarem a importância
crescente do processo de adaptação permanente do direito inter-
nacional.
Assim sendo, o número de membros da comunidade interna-
cional quase que triplicou depois de 1945. Em lugar dos 50 es-
tados que assinaram a Carta de São Francisco, 130 são hoje
membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Os estados
que conseguiram a independência, depois da II Guerra Mundial,
trouxeram novos interesses e novas aspirações ao direito inter-
nacional. E esses mesmos estados estão orgulhosos de sua inde-
pendência: nas mais variadas situações, eles foram infelizes em
seu passado colonial e eram economicamente subdesenvolvidos.
Na maioria dos casos, suas idéias sociais, culturais e morais, assim

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como seus valores, são provenientes de fontes muito diferentes
das da Europa ocidental, em cuja herança cultural o sistema do
direito internacional foi desenvolvido.
Pelo fato de o processo de codificação ser compreendido no
seu sentido mais amplo, isto é", como um meio de adaptar o direito
existente a novas necessidades, é que os mais diversos países
encontraram possibilidade de acreditar no valioso papel da codi-
ficação. Esses países não duvidaram que a codificação pudesse
ser elemento de vasta importância no desenvolvimento pacifico,
permitindo modificar o direito segundo as novas necessidades e
fazer, por seu intermédio, com que ele fosse geralmente aceito,
podendo, dessa maneira, contribuir para a manutenção da estabi-
lidade das relações internacionais.
Também é preciso assinalar o que a facilidade da comuni-
cação moderna e a pressão das exigências do progresso econômico
criaram. Elas deram origem à necessidade de um desenvolvimen-
to do direito internacional em setores que, até então, não haviam
sido regulados.
Os anos que sucederam a 1945 viram frutificar vínculos de
interdependência cada vez mais estreitos entre os estados. Na
realidade, as invenções técnicas e científicas mostraram a ur-
gência de se regular, juridicamente, certas atividades como a ex-
ploração do espaço extra-atmosférico ou do fundo do mar, as
quais excederam as possibilidades do homem em apenas 10 anos.

2. Conceito

A elevação de um certo número de disposições costumeiras à


forma escrita suscitou a necessidade de codificá-las.
Em virtude da escassez de regras escritas nesse campo do
direito o costume é uma das principais fontes do direito inter-
nacional. Por essa razão, tornou-se desejável formulá-las por in-
termédio da conclusão de tratados internacionais a fim de se atin-
gir o objetivo maior - o da codificação. Esta se realiza sob forma
de convenções coletivas, ratificadas pelos estados e abertas a
terceiros.
A codificação surge quando as normas costumeiras são, siste-
maticamente, agrupadas e convertidas num corpo de regras es-
critas. Sua finalidade é substituir o costume pela lei escrita. A
codificação internacional é uma obra convencional, realizada por
acordo entre os estados.

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3. A codificação no direito interno e no direito internacional

Inicialmente, a idéia de codificar surgiu no campo do direito in-


terno. Só mais tarde é que ela foi levada para a área do direito
internacional. Tanto uma quanto outra atendiam a uma mesma
necessidade, embora apresentassem várias diferenças. Ambas ti-
nham um mesmo propósito: substituir o costume pela lei escrita
e a diversidade de leis por uma lei única.

3.1 Codificação interna


A codificação interna, que se desenvolveu desde a Antiguidade
clássica, possuía, além de um propósito político, a finalidade
de consolidar e estruturar o Estado. Desse modo, Justiniano em-
preendeu uma grande codificação, cuja obra legislativa, reunida
no Corpus Juris Civile, simbolizava a organização política do Im-
pério Romano do Oriente.
No século XII, porém, iniciou-se o período áureo da codifi-
cação canônica, com o Decretum Magister Gratiani, de Gratiano,
professor de direito canônimo na Universidade de Bolonha, e
as Decretais, do Papa Gregório IX.
Reunidas, essas coleções constituíram o Corpus Juris Cano-
nici (Concílio da Basiléia, 1437), mas somente seis séculos de-
pois (1917) é que o Papa Benedito XV promulgou o novo Codex
Juris Canonici, que passou a vigorar, em 1918, como direito da
Igreja Latina de rito ocidental.
Assim sendo, a partir da metade do século XV, começam as
grandes codificações modernas. Iniciadas em Portugal, com as
Ordenações Afonsinas (1446), as Manuelinas (1512) e as Filipi-
nas (1603); prosseguidas com os Códigos Escandinavos, Código
da Dinamarca (1683), da Noruega (1687) e da Suécia (1734),
procuravam revelar as tradições nacionais ou usos e costumes
anteriores, além de tratarem também de direito civil, penal, pro-
cessual e administrativo.
Em 1756, entretanto, surgiu o Código da Baviera, e no fim
do século XVIII (1794), apareceu o Código Geral dos Estados
Prussianos. O século XVIII já estava chegando ao fim quando a
Constituição americana, de 1787, e a Constituição francesa, de
1791 - resultantes das revoluções americana e francesa pela in-
dependência - vieram alterar profundamente a sistemática das
codificações e consolidações tradicionais. Em conseqüência, deu-
se uma grande separação nas normas jurídicas, formuladas por
J ustiniano.

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Começou no mundo ocidental, então, o movimento codificador
que adotou o regime de codificação parcelada, o qual é mantido
até hoje. Este período foi marcado pelo liberalismo, pela inde-
pendência e pelo constitucionalismo. As codificações e os códigos
caracterizaram o direito dessa época.
A Constituição francesa, de 1791, estabelecia que "será feito
um código das leis civis comuns a todo o reino". Por aí pode-se
verificar que a organização dos códigos foi a preocupação máxima
dominante nos séculos XVIII e XIX, uma vez que estava prevista
e regulada em textos constitucionais.
E, novamente a França, com o Código Civil de Napoleão
(1804), foi a precursora do movimento de codificação do direito
interno na Europa. Esse código propiciou a unidade do direito
francês, pois cada região do norte do país tinha o seu costume,
lado a lado com o direito romano na região sul, as ordenanças
reais e as leis. Estava criada, assim a plena autonomia no campo
das normas jurídicas, planificadas no sistema dos grandes códigos.
E a codificação napoleônica, que expandiu-se por toda Europa,
serviu de modelo para as novas codificações que foram surgindo.
O segundo grande código civil do século XIX foi o da Aus-
tria, em 1811. Entretanto, 44 anos depois, em 1855, surgiu o Có-
digo do Chile, de Andrés Bello, que recebeu influências dos có-
digos francês e austríaco. Uma de suas grandes influências foi a
de ter promovido a introdução de princípios democráticos latino-
americanos no direito civil. E foi, também, o primeiro código
civil de feição original nas Américas; seus princípios foram ado-
tados na maioria dos códigos dos estados das Américas Central
e do Sul.
Ainda nesse período, surgiu um outro código de grande valor:
o do Cantão de Zurique, na Suíça, em 1854. De autoria do sábio
jurista Bluntschli, continha idéias próprias, desvinculadas das
idéias do direito romano.
Em 1865, entretanto, ~~p~~e~~~-;- Código Civil da Itália.-- Re:
sultante da unidade política do país, terminou com as divergên-
cias existentes entre as diversas cidades italianas e possibilitou a
efetivação da unidade nacional.
O século encerrou-se com UIIl-·g~~~de- ~~~~~z{t~ legislativo~
isto é, com o Código Civil do Império Alemão, de 1896, que in-
fluenciou os códigos civis do Japão (1898), da Suíça (1911) e do
Brasil (1916).
Assim sendo, pode-se afirmar que a codificação do direito in-
terno, no século XIX, atendeu a uma necessidade político-jurídi-

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ca, além de expressar o conjunto das idéias racionalistas e indivi-
dualistas, que atingiram sua plenitude na Revolução Francesa.
A codificação interna - conseqüência da unidade política -
se realiza por meio de um processo legislativo que leva em conta
a situação em que a lei se encontra antes de ser empreendida a
codificação: regras costumeiras geralmente aceitas, precedentes
judiciais, certos atos de legislação, etc. Ela é, de modo geral,
mera confirmação da legislação existente, tendo por objetivo ar-
ranjá-la ordenadamente. Trata-se de uma obra legislativa, efe-
tuada por via autoritária, cuja finalidade é clarificar ou sistema-
tizar as regras existentes.

3.2 Codificação internacional


Esta, entrento, implica numa tarefa bastante diferente. O codifi-
cador internacional não pode limitar sua atenção apenas à forma
da lei. Ele precisa se preocupar, inevitavelmente, com o conteú-
do da lei e tem que dar precisão a certos princípios gerais, nos quais
a aplicação prática não está estabelecida. Além disso, deve optar
por uma regra entre as várias apresentadas. Em resumo: a codi-
ficação do direito internacional só é possível se forem levadas em
consideração as decisões políticas, que poderão ser obtidas em
consonância com as normas contidas no código.
Em tais circunstâncias, a codificação internacional deixa de
ser uma simples tarefa técnica, para se tornar um assunto po-
lítico, uma obra de criação da lei, no qual o conteúdo dos códigos
só poderá ser estabelecido se os estados estiverem de acordo sobre
o mesmo. E tudo isso, porque a codificação internacional é uma
obra convencional, realizada pelo acordo entre estados.

4. Desvantagens da codüicação

Existem as mais variadas posições quanto às desvantagens da


codificação do direito internacional. E essas posições vão desde
as que a combatem com grande hostilidade, até as que lhe apon-
tam alguns inconvenientes apenas.
A primeira objeção quanto à codificação surgiu no campo
do direito interno, na Escola Histórica, cujo líder, Savigny, enten-
deu ser ela uma desvantagem. Na sua opinião, a codificação para-
lisaria o desenvolvimento do direito, uma vez que a formulação
de regras fixas não possibilitaria sua adaptação à vida social, que
evolui e se transforma continuamente.
Bulmerinq (1874), entre outros, afirmava que um código
deve conter solução para todos os casos possíveis. Esse desfecho

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automático demonstra um total desconhecimento da realidade,
pois os fatos evoluem e surgem sempre num determinado mo-
mento histórico. Nem mesmo no direito interno, existe uma regra
perfeita aplicável a todos os casos. E se isso correspondesse à rea-
lidade, não haveria jurisprudência, uma vez que ela adapta as nor-
mas existentes às novas exigências sociais.
A crítica é, portanto, improcedente. A codificação do direito
internacional não tem por finalidade realizar um código que reúna
todos os assuntos, pois visa tão-somente a efetuar convenções
internacionais sobre determinadas matérias.
Para alguns, a codificação tenderia a imobilizar o direito, pois
seria, no caso, obstáculo à efetivação de novos usos e implicaria
a eliminação do direito costumeiro.
Atualmente, porém, creio que essa crítica está-se esvaziando
em importância. É que a própria sociedade internacional, con-
vencida de que o direito está sofrendo profundas mudanças,
criou nas mais recentes convenções internacionais um mecanismo
que permite revisão a cada cinco ou 10 anos das disposições es-
tabelecidas convencionalmente. E isso, com a finalidade de
adaptá-las ao incessante progresso tecnológico e às transformações
políticas e sociais da vida internacional.
Charles de Visscher considerava a codificação, em 1953, com
um pessimismo que nos parece excessivo. Afirmava que "atual-
mente, as possibilidades de uma codificação do direito interna-
cional, realizada no plano universal, são nulas. A contradição
existente entre as concepções jurídicas que se debatem na Assem-
bléia Geral das Nações Unidas, inclusive sobre os pontos mais
fundamentais, chegaram a tal extremo que qualquer empresa
desta ordem deve ser considerada perigosa para o direito interna-
cional".
Essa crítica parece estar em contradição direta com a reali-
dade. Embora existam grandes transformações políticas nas Na-
ções Unidas, em virtude da presença de novos estados que reivin-
dicam posições diferentes em vários assuntos, isso não impediu
que fosse iniciado um grande esforço codificador em Genebra
(1958-60) e em Viena (1961-69).
- A codificação deverá permanecer. É evidente que ela não
poderá abranger todos os temas, mas atingirá maior desenvolvi-
mento quando conseguir, em determinadas matérias, traduzir o
sentimento de todos os estados. Em outras, a codificação deve
ser gradual e progressiva, mais como um meio de expressar o
direito do que de criá-lo e se reservar condições particulares.

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Atualmente, a objeção à codificação, fundamentada na orien-
tação casuística ao interpretar o direito, perdeu todo o valor.
Oppenheim acredita na tendência dos intérpretes e dos tribunais,
a considera o direito mais pelo texto expresso do que pelo es-
pírito da lei.
Essa crítica, também superada, se baseia numa forma de
interpretação que não é mais adotada na prática, nem pelos tri-
bunais internos nem pelos tribunais internacionais. A interpre-
tação literal não serve como único critério de interpretação, pois
a norma jurídica deve estar em consonância com sua finalidade,
e não limitada apenas ao texto escrito.

5. Vantagens da codüicação

Como mostramos anteriormente, as críticas à codificação estão,


no momento, superadas pela irrefutável necessidade de codificar
o direito internacional. Trata-se, pois, da importância político-
jurídica da transformação do direito costumeiro em direito con-
vencional, eliminando um de seus fatores de imperfeição.
Entre as vantagens da codificação, podemos ressaltar:
a) a de possibilitar a conclusão de convenções coletivas, abertas
à adesão de todos os estados. Além de contribuir para o desen-
volvimento do direito internacional, quando consegue o assenti-
mento dos estados sobre uma determinada matéria, a codificação
também possibilita a concordância, por parte dos estados, quanto
a interpretação de uma certa norma jurídica, afastando, desse
modo, a possibilidade de divergências. Ela é, igualmente, elemento
da maior importância para a certeza do direito internacional,
uma vez que favorece a confiança das partes interessadas;
b) a de ajudar a esclarecer as regras imprecisas. Isso acontece
por meio da jurisprudência dos tribunais internacionais, quando
ela contribui para a clareza, a sinceridade e a segurança das re-
lações internacionais. Além disso, a codificação incita os estados
a recorrerem, sem receio, ao juiz internacional e estimula, dessa
forma, a solução judiciária, ao mesmo tempo que contribui para
a certeza na aplicação do direito pelas cortes de justiça interna-
cional;
c) a de corresponder a uma necessidade prática: os estados, se
não estão totalmente em divergência sobre vários temas, sentem
que existe uma possibilidade de se chegar a um acordo. E isso
ocorre particularmente em relação à criação de um direito novo.
É o caso, por exemplo, do direito das comunicações;

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d) no plano jurídico-político, o direito existente foi completa
ou parcialmente modificado pela codificação. Nas convenções in-
ternacionais, onde os estados grandes e pequenos, desenvolvi-
dos e subdesenvolvidos estão no mesmo nível, graças à igualdade
jurídica, a codificação possibilita a esses últimos maior parti-
cipação na elaboração da norma internacional. Se essa não for
aceita pelos estados pequenos, não terá efeito sobre eles mesmos;
e) a codificação gera uma grande vitalidade na doutrina e ju-
risprudência internacionais, além de ser um instrumento de di-
vulgação do direito internacional junto à opinião pública;
f) constitui ainda um estímulo para o estudo de novos proble-
mas internacionais, pois o costume só é conhecido pelos especia-
listas no assunto, o que não ocorre com as convenções, nas quais
todos tomam conhecimento de sua existência, e
g) cria novas regras, que surgirão com o desenvolvimento
progressivo do direito internacional, servindo para cobrir as
lacunas do direito convencional, assim como para favorecer a
solução jurídica de problemas que estavam condicionados às osci-
lações políticas.
Após a enumeração de tais vantagens, é fácil compreender a
razão pela qual as diversas tentativas de codificar o direito inter-
nacional tem suscitado, no tempo e no espaço, constante preo-
cupação dos doutrina dores e dos organismos internacionais mais
importantes.

6. Evolução histórica da codificação

Desde o século XVIII, as tentativas de codificação demonstraram


o papel importante dessa iniciativa na elaboração das regras ne-
cessárias à organização da sociedade internacional.
Para a concepção dessa obra grandiosa contribuíram acentua-
damente:
a) autores que expressavam seus pontos de vista pessoais, utili-
zando a forma de códigos conhecida como codificação doutri-
nária;
b) o trabalho realizado pelas associações científicas, que influí-
ram decisivamente na codificação do direito internacional, e
c) o esforço dos estados para a codificação.

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6.1 A codificação doutrinária
A cooperação intelectual, embora insuficiente para promover o
desenvolvimento do direito internacional, constituiu-se inegavel-
mente em precioso auxiliar.
Entre as várias contribuições individuais, surgidas a partir do
século XVIII, podemos ressaltar os seguintes projetos de codifi-
cação:

6.1.1 Século XVIII


Em 1782, foi editado em Leipzig o Código Marítimo Geral para
a Conservação da Navegação e do Comércio entre as Nações
Neutras, em tempo de guerra. Todavia, o primeiro a propor a
codificação do direito internacional foi o filósofo inglês Je-
remias Bentham, com a obra Principles of international Zaw,
em 1789. Bentham tinha como objetivo a codificação de todo
o direito internacional. Em 1795, o abade Gregoire apresentou
à Convenção francesa o projeto da Declaration du droit des gens,
que continha os princípios destinados a regulamentar a vida in-
ternacional, mas que não foi aprovado pela convenção.

6.1.2 Século XIX


Em 1815, surgiu o Codice deZ gius deHe gente in terra et in mare,
do italiano Lorenzo Colini. Em 1846, o espanhol Esteban de Fer-
rater publicou o Código de derecho internacional. Em 1851, o
Saggio di codificazione dd diritto internazionale, do italiano Pa-
rodo. Em 1861, Précis d'un code de droit international, do aus-
tríaco Afonso Petrushevecz. Em 1863, Intructions for the govern-
ment of the armies of the United States in the fidd, de Francis
Lieber. Em 1868, o suíço Bluntschli publicou o Direito interna-
cional codificado. Em 1872, o italiano Mancini publicou Vocazione
dd nostro secolo per la riforma e codificazioni deZ diritto delle
gentio Em 1872, ainda, surgiu um trabalho do norte-americano
Deudley Field, intitulado Draft outlines of an internationaZ code.
Em 1873, o italiano Farnese publicou o trabalho Proposta di un
codice di diritto internazionale. Em 1889, um outro italiano, Fiore,
é autor da obra Diritto internazionale codificato e la sua sanzione
giuridica.
6.1.3 Século XX
Neste período, vários autores também realizaram trabalhos indi-
viduais importantes. Entre eles, podemos mencionar The law
and usages of war at sea, de 1900, pelo inglês Stochton. Em 1906,

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apareceu o Projeto de código de direito internacional público de
autoria do francês Duplessix. Em 1910, o italiano Internoscia
publica o Nouveau code de droit international. Em 1911, temos o
Projeto de código de direito internacional público, do brasileiro
Epitácio Pessoa.
6.2 A codificação das associações científicas
Ao contrário da codificação doutrinária, que não teve muita im-
portância na codificação do direito internacional, uma vez que re-
presentava a opinião pessoal dos diversos especialistas na matéria,
as associações científicas desempenharam um papel preponderan-
te na codificação do direito internacional. Suas resoluções servi-
ram de base para a elaboração de novas convenções coletivas.
As mais importantes são:
a) o destacado Institut de Droit International, fundado em 1873,
na cidade de Gand, por diversos juristas, e cujos anuários são de
um valor inestimável nesse domínio. O instituto efetuou, em 1880,
a codificação do direito de guerra terrestre, e, em 1913, a de guer-
ra marítima. Além disso, o mesmo instituto foi o responsável pela
codificação das regras em matéria de extradição;
b) a International Law Association, criada em 1873, em Bruxe-
las, com o nome de International Association for the Reform
and Codification of the Law of Nations, foi reorganizada em 1895,
quando passou a ter a denominação atual. Esta associação pres-
tou grandes serviços, especialmente no domínio da codificação do
direito internacional privado. Entretanto, seus relatórios possuem
documentação igualmente importante para codificação do direito
internacional público;
c) a União Interparlamentar, fundada em 1889, que se destacou
na codificação do direito preventivo de guerra;
d) a American Society of International Law, fundada em 1906.
Em 1912, em Washington, o Instituto Americano de Direito
Internacional. Essas duas instituições se esforçaram para pre-
parar a codificação do direito regional americano. O instituto re-
digiu, em 1916, uma Declaração dos direitos e deveres dos esta-
dos e elaborou 30 projetos que serviram de base aos trabalhos da
Comissão de Juristas americanos, que se reuniu no Rio de Ja-
neiro, em 1927, para preparar o trabalho de codificação da VI Con-
ferência Pan-americana, e

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e) a Sociedade Suíça de Direito Internacional, criada em 1914,
que publicou grande número de estudos de natureza político-
jurídica. E mais tarde, em 1944, passou a publicar o Anuário
suíço de direito internacional.
É preciso mencionar, ainda, o Instituto Hispano-Luso-Ameri..
cano de Direito Internacional e a Comissão Jurídica Interameri-
cana.
Todas essas associações possibilitaram o desenvolvimento do
direito internacional. Torna-se necessário, também, assinalar cer-
tas organizações que se encarregam de divulgar, entre as jovens
elites (professores, advogados, políticos, etc.) de todos os países,
o conhecimento e o respeito do direito internacional. Merecem
ser destacadas as seguintes:
a) Academia de Direito Internacional de Haia, centro de altos
estudos de direito internacional público e privado e de ciências
afins instituída em Haia, com a cooperação da Fundação Carnegie;
b) Instituto de Altos Estudos Internacionais, ligado à Facul-
dade de Direito da Universidade de Paris, instituição criada por
Paul Fauchille, e
c) Instituto das Nações Unidas para Treinamento e Pesquisas
(UNITAR), destinado ao aperfeiçoamento de diplomatas e jovens
professores de direito internacional.
Estas organizações exercem influência indireta, mas subs-
tancial, como auxiliares da codificação, contribuindo para o co-
nhecimento prévio e recíproco entre pessoas de diversas regiões
do mundo, cujo convívio podérá ser um fator importante para o
abrandamento dos preconceitos, oposições e ódios, que envergo-
nham a humanidade e que constituem a origem dos grandes
obstáculos políticos para se atingir o milagre da paz por meio do
direito.
6.3 O esforço dos estados para a codificação
A partir do começo do século XIX, os estados realizaram varIas
convenções, com o objetivo de estabelecer regras de direito inter-
nacional sobre certas matérias determinadas, sem entretanto obe-
decerem a um plano sistemático.
Na Europa, a codificação fragmentária foi iniciada com as de-
clarações de 1780 e de 1800 sobre o direito de neutralidade ma-
rítima. Em 1815, no Congresso de Viena, foi possível regulamen-
tar o direito fluvial internacional e a classificação dos agentes
diplomáticos.

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Em 1856, no Congresso de Paris, foi estabelecida uma nova
regulamentação de direitos marítimos, ocasião em que foi feita
uma declaração sobre a guerra marítima. Em Genebra, a partir
de 1864, realizaram-se as convenções da Cruz Vermelha sobre
feridos, doentes ou mortos na guerra terrestre. Após duas revi-
sões, uma em 1906 e outra em 1929, a convenção foi emendada
e ampliada em 1949 por uma conferência que resolveu criar uma
proteção eficaz para os prisioneiros de guerra e populações civis
em tempo de operações militares.
Em 1868, em São Petersburgo, proibiu-se o uso de certas ar-
mas de guerra terrestre. Com a criação das uniões internacionais
surgiu a codificação das regras do direito administrativo interna-
cional. Todavia, a obra mais importante de codificação do direito
internacional foi realizada pelas conferências de Haia de 1988,
reunida por iniciativa de Czar Nicolau lI, da Rússia, da qual par-
ticiparam 26 estados, e de 1907, reunida por proposta do Pre-
sidente Wilson, dos EUA, com a presença de 44 estados.
Ambas trataram de assuntos de paz e de guerra. A primeira
adotou 3 convenções: (solução pacífica dos conflitos internacio-
nais, leis e costumes de guerra terrestre e humanização da guer-
ra). A segunda adotou 14 convenções sobre meios de resolver
amigavelmente os conflitos entre estados, a guerra e a neutrali-
dade terrestre ou marítima. Em 1909, a Conferência de Londres
emitiu uma declaração sobre a guerra marítima, conhecida como
Declaração de Londres, que tentou converter o direito consuetu-
dinário em normas escritas e formulou regras novas, que foram
adotadas na guerra de 1914.

7. A codüicação do direito internacional no continente


americano

A América foi, indiscutivelmente, a precursora do movimento de


codificação do direito internacional. A primeira tentativa de co-
dificação sistemática dessa matéria surgiu no continente ameri-
cano, desde o princípio do século XIX, por ocasião do Congresso
do Panamá, em 1826, que sugeriu o estudo do problema como
uma das formas de estreitar os vínculos existentes entre os países
da região. Foi, aliás, em conseqüência das identidades de origem,
culturais e jurídicas, que a codificação do direito internacional
se desenvolveu mais acentuadamente no continente americano do
que em outras partes do mundo.

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Em 1877, no Congresso de Lima, foi suscitada a necessidade
de serem criadas "regras uniformes de direito internacional pri-
vado".
A partir de 1889, várias conferências foram convocadas pela
União Pan-americana, que em 1948 foi transformada na Organi-
zação dos Estados Americanos (OEA).
Um vasto trabalho de elaboração jurídica resultou das se-
guintes conferências internacionais americanas:
a) em 2.10.1889, reuniu-se em Washington a H Conferência
Pan-americana, que aprovou um tratado de arbitragem;
b) na H Conferência Pan-americana, iniciada em outubro de
1901 e encerrada em janeiro de 1902, no México, o delegado bra-
sileiro José Hygino Duarte Pereira propôs a criação de uma
comissão de juristas para a confecção de 2 códigos: um de direito
internacional público e outro de direito internacional privado, que
deveriam regular as relações entre os estados americanos. Foi
assinado, também, um tratado de arbitragem;
c) em 1906, na IH Conferência Pan-americana, aproveitou-se a
idéia da segunda e criou-se uma Comissão Internacional de Ju-
ristas, composta de representantes de todos os estados signatários,
destinada a elaborar um código de direito internacional público e
outro de direito internacional privado. O governo brasileiro
enviou dois projetos de código, um de direito internacional, ela-
borado pelo jurista Epitácio Pessoa, e outro de direito internacio-
nal privado, de autoria de Lafayette Pereira, os quais foram
apreciados na reunião de 1912;
d) a IV Conferência Pan-americana, em 1910, aprovou uma
convenção sobre reclamações pecuniárias;
e) na V Conferência Pan-americana, em 1923, foi assinado um
tratado com a finalidade de evitar ou prevenir conflitos entre os
estados americanos;
f) em 1927, na reunião da Comissão de Jurisconsultos, no Rio
de Janeiro, aprovou-se um projeto de código, de autoria do cuba-
no Sánchez de Bustamante, que foi em seguida apresentado à
VI Conferência Pan-americana, em Havana, 1928, que o adotou
com o nome de Código de Bustamante. Este código continha
grande número de normas de direito internacional privado. Com
relação ao direito internacional público, a VI Conferência apro-
vou as seguintes convenções: sobre condição dos estrangeiros;

16 R.C.P. 2172
direitos e deveres dos estados em caso de guerra civil; neutrali-
dade marítima; direito de asilo; tratados internacionais; funcio-
nários diplomáticos e agentes consulares;
g) na VII Conferência, em Montevidéu, 1933, foram realiza-
das convenções sobre: asilo político, direitos e deveres dos esta-
dos, extradição e nacionalidade;
h) em 1938, por ocasião da VIII Conferência americana, em
Lima, foram efetuadas simples declarações de princípios;
i) na IX Conferência, em 1948, foi elaborada a Carta da Orga-
nização dos Estados Americanos e o Tratado Americano de So-
luções Pacíficas, denominado Pacto de Bogotá, que reorganizou
a União Pan-Americana e criou como órgão permanente um
Conselho Interamericano de Jurisconsultos, cuja finalidade prin-
cipal era promover a codificação; e
j) em 1954, na X Conferência, em Caracas, foram concluídas
duas convenções: uma sobre asilo diplomático e outra sobre
asilo territorial.
O trabalho de codificação na OEA, desde 1948, tem sido rea-
lizado pelo Conselho Interamericano de Jurisconsultos (um dos
três Órgãos do Conselho da Organização), art. 67 da Carta, que
era assessorado pela Comissão Jurídica Interamericana, com sede
no Rio de Janeiro e formada por nove estados.
Na sistemática da Carta de 1948, o Conselho Interamericano
de Jurisconsultos se reunia, por intermédio da Convenção do
Conselho da OEA. A Comissão Jurídica era encarregada de pre-
parar estudos para a codificação de direito internacional e os re-
metia ao Conselho Interamericano de Jurisconsultos, que elabo-
rava os projetos de convenções e os enviava ao Conselho da OEA,
que posteriormente os encaminhava à Conferência Interame-
ricana.
Com a reforma da Carta da OEA, pelo protocolo de Buenos
Aires de 1967, o Conselho Interamericano de Jurisconsultos foi
substituído pelo Comitê Jurídico Interamericano, que passou a
integrar um dos oito órgãos principais da Organização, art. 51,
letra d.
O Comitê Jurídico Interamericano representa o conjunto dos
estados membros da Organização. Goza da mais ampla autonomia
técnica. É composto de 11 juristas, mais dois do que estava pre-
visto na Carta de 1948, eleitos por quatro anos, e tem sede no
Rio de Janeiro.

A SobeTania dos Estados 17


Pelo art. 105 do protocolo, o Comitê Jurídico Interamericano,
órgão consultivo da Organização em matéria jurídica, tem por
finalidade facilitar o desenvolvimento progressivo e a codificação
do direito internacional. Cabe-lhe, ainda, estudar os problemas
jurídicos relacionados com a integração dos países em desenvol-
vimento e a possibilidade de unificar suas legislações, desde que
isto lhe pareça útil.
Embora as convenções internacionais não tenham obtido a
ratificação de todos os estados membros, é preciso assinalar que
os resultados atingidos pelo movimento codificador no continente
americano, por intermédio da antiga União Pan-americana e da
OEA, foram bastante superiores aos alcançados pela sociedade
internacional.
Todavia, o aperfeiçoamento do direito existente está a exigir
uma codificação geral, sistemática e progressiva do direito inter-
nacional.
Para que a sociedade internacional possa evoluir e formular
um direito novo, que represente a transformação do direito cos-
tumeiro em convencional, torna-se imperativo que, além de uma
codificação americana, européia ou africana, seja desenvolvida e
aperfeiçoada a codificação universal, cuja tarefa vem sendo em-
preendida pela Comissão de Direito Internacional das Nações
Unidas.

8. A codificação na Liga das Nações

A análise do trabalho desenvolvido no âmbito da Liga das Nações


para a codificação do direito internacional evidencia, desde logo,
o fracasso parcial dessa iniciativa.
O Pacto da Sociedade das Nações não continha qualquer dis-
posição referente à codificação.
Em 1920, a Comissão de Juristas de Haia, que elaborou os
estatutos da Côrte Permanente de Justiça Internacional, reco-
mendou que seria conveniente convocar uma conferência para
tratar de assuntos referentes às tarefas codificadoras.
Em 1924, uma resolução da 5. a Assembléia, adotada por ini-
ciativa da Suécia, convocou uma conferência de codificação, que
seria realizada, em 1930, na cidade de Haia. Foi, então, criada
uma comissão de técnicos encarregada de elaborar uma lista de
assuntos que tivessem obtido um grau de maturidade suficiente
para uma codificação.

18 R.C.P. 2172
Em 1927, a 8. a Assembléia analisou, detalhadamente, os tra~
balhos preparatórios da comissão. Decidiu, então, convocar uma
grande conferência de codificação, que se encarregaria da tarefa
de elaborar convenções de natureza universal, sobre três assun-
tos selecionados pela comissão (águas territoriais, responsabili-
dade dos estados e nacionalidade).
Um comitê composto de cinco membros foi selecionado para
colaborar na preparação técnica.
Em março de 1930, a Conferência de Codificação se reuniu
em Haia e contou com a participação de 47 estados, distribuídos
da seguinte forma: 29 da Europa, 11 da América, 5 da Asia e
2 da Africa.
Ela não obteve resultados positivos e concretos sobre os te-
mas (águas territoriais e responsabilidade de estados). Somente
com relação à nacionalidade foi possível chegar a um acordo,
embora de maneira limitada. Sobre este tema, fortes oposições
foram levantadas entre os partidários da nacionalidade individual
da mulher casada e os da unidade da nacionalidade da família.
Divergências surgiram entre os países de imigração, defensores
do princípio do jus soli, e os estudos europeus, onde prevalecia o
jus sanguinis.
Assim, a Conferência conseguiu terminar apenas uma das
convenções previstas - a que se refere a certas questões relativas
ao conflito de leis sobre nacionalidade ou apatridia, que foi assi-
nada por 30 estados.
Foram também adotados dois protocolos: um referente às
obrigações militares para certos casos de dupla nacionalidade e
outro relativo à nacionalidade do filho de pai apátrida ou cuja
nacionalidade era desconhecida.
O fracasso dessa tentativa de codificação, efetuada em 1930,
pode ser atribuído à grande divergência de interesses existente
por parte dos estados.
As dificuldades foram de ordem política. A noção de sobe-
rania, fortemente arraigada entre os estados, criaram sérios obs-
táculos para se chegar a um denominador comum em matérias
complexas, como mar territorial e responsabilidade dos estados.
A codificação do direi to internacional está inserida em um
programa jurídico-político de grande envergadura, que por vezes
esbarra numa estrutura pouco desenvolvida do direito interna-
cional.

A Soberania dos Estados 19


9. A codüicação na ONU

Após o fracasso da conferência de 1930, a Sociedade das Nações


não realizou nenhuma experiência em matéria de codificação.
Essa tarefa foi retomada pela ONU, que não podia perma-
necer indiferente à codificação do direito internacional.
Com a afirmação solene dos povos das Nações Unidas de que
estavam resolvidos a respeitar as obrigações previstas na Carta,
a obra de codificação adquiriu, no seio da ONU, a característica
de uma obra constitucionalmente obrigatória.
A Carta da ONU, na letra a, inciso I, do art. 13, declara
que a Assembléia-geral iniciará estudos e fará recomendações
destinadas a desenvolver a cooperação internacional no domínio
político e a incentivar o desenvolvimento progressivo do direito
internacional e sua codificação. A Assembléia-geral tornou-se
dessa forma o órgão promotor da codificação.
Em 31 de janeiro de 1947, a Assembléia-geral, durante a se-
gunda parte do seu período de sessões, aprovou a resolução 94,
que criou a comissão encarregada de estudar os métodos para
facilitar o desenvolvmento do direito internacional e sua codifi-
cação, constituída de 17 membros, da ONU, e que ficou conhecida
como a "comissão dos dezessete".
Em 21 de novembro de 1947, a Assembléia-geral, por inter-
médio da Resolução 174, criou a Comissão de Direito Interna-
cional e aprovou seu estatuto. A partir desta data o estatuto foi
modificado por várias resoluções da Assembléia.
De acordo com as disposições do estatuto, a primeira eleição
dos membros da Comissão de Direito Internacional teve lugar em
3 de novembro de 1948, tendo sido escolhidos 15 membros para
compô-la, e em 12 de abril de 1949, a comissão iniciou seu pri-
meiro período anual de sessões.

10. A Comissão de Direito Internacional

l!: um órgão subsidiário da Assembléia-geral da ONU. Tem uma


dupla finalidade: deve contribuir para o desenvolvimento do di-
reito internacional e também promover sua codificação.
Essas duas funções foram definidas no art. 15 do estatuto
da comissão.
Ela deve escolher os temas a serem codificados e elaborar
projetos de convenção, após consulta prévia aos governos. Para
essa difícil função, necessita da assistência dos organismos nacio-
nais e internacionais mais apropriados.

20 R.C.P. 2/72
o número de membros da COInlssao tem sido constantemen-
te ampliado. Originariamente, era constituída de 15 membros, em
1956, atingindo 21, em virtude da resolução 1103 da Assembléia-
geral e, atualmente, é formada por 25 membros, desde a reso-
lução 1647, de 1961. Esse aumento de componentes da comissão
foi devido à quantidade de estados africanos que alcançaram a
independência e ingressaram nas Nações Unidas.
A grande maioria da assembléia considerou que a melhor
maneira de assegurar o cumprimento do art. 8.° do estatuto, que
requer que na Comissão, em seu conjunto, estejam representa-
das as grandes civilizações e os principais sistemas jurídicos do
mundo, consistia em aumentar o número de participantes na
Comissão.
O § 1.0 do art. 1.0 do Estatuto da Comissão de Direito Inter-
nacional, dispõe "que ele terá por objetivo impulsionar o desen-
volvimento progressivo do direito internacional e sua codificação".
Portanto, a tarefa da Comissão lhe é ditada pela natureza do
trabalho a ser efetuado. Segundo esse ponto de vista, a Comis-
são não deve somente utilizar-se de regras de direito interna-
cional em relação às quais o sentido é claro e completo. Se os
esforços da Comissão se limitassem a essa finalidade, poucos as-
suntos seriam considerados como objeto de suas deliberações.
Quando resultar de pesquisas e trocas de pontos de vista, já que
não existem sobre determinado ponto regras de direito, apoia-
das em convenções, no costume, ou em princípios gerais de direito,
a Comissão deverá escolher entre as várias proposições oferecidas
e propor sua própria solução. Se não houver desacordo, a Comis-
são não estará saindo de seu papel, ao sugerir modificações que
levem em conta as necessidades do tempo.
Um outro problema da mais alta importância é o da escolha
das matérias a codificar. Se o objetivo final é codificar a totali-
dade do direito internacional, é conveniente fazê-lo por ordem de
urgência dos assuntos, levando-se em conta situações novas que
podem alterar esse quadro. O critério definitivo não deve ser a
facilidade que uma área particular do direito internacional oferece
para a codificação, mas a necessidade de codificá-la.
A comissão se ocupará principalmente do direito internacio-
nal público, mas pode em caráter excepcional tratar do direito
internacional privado (art. 1.°, § 1.0 do estatuto).
Os membros da Comissão são internacionalistas de reconhe-
cida competência (art. 2.° do estatuto), e representam os prin-
cipais sistemas jurídicos do mundo. Seus integrantes não re-
presentam oficialmente os respectivos governos, mas dela parti-

A Soberania dos Estados 21


cipam pela competência pessoal, na qualidade de técnicos do
direito internacional. É em virtude dessa composição, semelhante
à dos juízes da Corte Internacional de Justiça, que a Comissão
tem trabalhado com grande sucesso.
Os membros da Comissão são eleitos pela Assembléia-geral,
por um período de cinco anos, e podem ser reeleitos (art. 10 do
estatuto) .
A sede permanente da Comissão é em Genebra (art. 12).

11. O programa de trabalho da Comissão a partir de 1949

A Comissão, na sua primeira sessão em 1949, recebeu um memo-


rando do Secretário-geral intitulado Exame de conjunto do direito
internacional.
Tal documento, que continha os trabalhos de codificação da
Comissão de Direito Internacional, demonstrou que 25 itens po-
deriam ser selecionados para futuros estudos. Após várias consi-
derações, foi adotada uma lista provisória de 14 itens, considera-
dos convenientes para a codificação:
a) reconhecimento de estados; b) sucessão de estados e de go-
vernos; c) imunidade de jurisdição dos estados; d) jurisdição
com relação a crimes cometidos fora do território nacional; e) re-
gime do alto-mar; f) regime das águas territoriais; g) naciona-
lidade; h) tratamento de estrangeiros; i) direito de asilo; j) di-
reito dos tratados; 1) relações e imunidades diplomáticas; m) re-
lações e imunidades consulares; n) responsabilidade dos esta-
dos; o) procedimento arbitral.
Esta lista não excluía a hipótese de ser modificada no futuro,
desde que um exame mais completo do assunto, realizado pela
Comissão ou por solicitação da Assembléia-geral, assim o exigisse.
Os 14 itens escolhidos constituíram a base do programa de
trabalho a longo prazo da Comissão.
Após 1949, foram apresentados projetos definitivos ou rela-
tórios sobre sete destes itens: a) regime de alto-mar; b) regime
das águas territoriais; c) nacionalidade incluindo a apatridia; d)
direito dos tratados; e) relações e imunidades diplomáticas;
f) relações e imunidades consulares, e g) procedimento ar-
bitral. Dois outros estão atualmente sendo estudados (sucessão
de estados e de governos e responsabilidade dos estados).
Os outros cinco temas figurantes na lista de 1949, que ainda
não foram enquadrados em projeto definitivo ou relatório, e que
estão atualmente em estudo, são os seguintes: a) reconhecimen-

22 R.C.P. 2/72
to de estados e de governos; b) imunidades jurisdicionais dos
estados e de suas propriedades; c) jurisdição penal em matéria
de infrações cometidas fora do território nacional; d) tratamento
dos estrangeiros, e e) direito de asilo.
Os 11 temas que foram suprimidos pela Comissão foram
os seguintes:
a) sujeitos do direito internacional; b) fontes do direito inter-
nacional; c) relações entre as obrigações criadas pelo direito in-
ternacional e o direito interno d) direitos e deveres fundamen-
tais dos estados; e) competência nacional; f) reconhecimento dos
atos de estados estrangeiros; g) obrigações em matéria de com-
petência territorial; h) domínio territorial dos estados; i) solução
pacífica dos conflitos internacionais; j) extradição, e 1) leis
de guerra.
Independentemente dos temas incluídos na lista de 1949, a
Comissão estudou, ou está estudando atualmente, certos assuntos
que lhe foram enviados pela Assembléia-geral.
Além do projeto de declaração dos direitos e deveres dos es-
tados, as questões que foram encaminhadas à Comissão são as
seguintes: a) formulação dos princípios de Nuremberg; b) pro-
blema de uma jurisdição criminal internacional; c) problema da
definição de agressão; d) projeto de código dos crimes contra a
paz e a segurança da humanidade; e) participação mais ampla
dos tratados multilaterais concluídos sob os auspícios da Socie-
dade das Nações; f) missões especiais; g) relações entre os esta-
dos e as organizações internacionais; h) cláusula da nação mais
favorecida; i) regime jurídico das águas históricas, e j) tratados
concluídos entre os estados e as organizações internacionais ou
entre duas ou mais organizações internacionais.
O programa de trabalho da Comissão era constituído destes
itens e dos relacionados na lista de 1949.

12. Relatório de 1970

Em 1970, a Comissão de Direito Internacional realizou uma re-


visão de seu programa de trabalho a longo prazo. A finalidade
de tal atitude era suprimir alguns itens da lista de 1949 e formular
uma nova lista, levando-se em consideração as recomendações da
Assembléia-geral e as necessidades da comunidade internacional.
O novo relatório teve como ponto de partida o estudo reali-
zado em 1948 e a análise do progresso obtido após esta data, no
domínio da codificação e do desenvolvimento progressivo do di-
reito internacional.

A Soberania dos Estados 23


Uma comparação entre os dois documentos evidencia dife-
renças acentuadas, que resultam das transformações consideráveis
surgidas a partir de 1948.
A título de exemplo, pode-se afirmar que o primeiro estudo
foi redigido antes que a Comissão iniciasse suas atividades, en-
quanto que o atual leva em conta os trabalhos realizados pela
Comissão, após 22 anos, e a experiência adquirida na Organi-
zação das Nações Unidas, no campo da codificação e do desen-
volvimento progressivo do direito.
Além disso, certos acontecimentos ocorridos nos últimos 20
ou 25 anos influíram profundamente na evolução do direito inter-
nacional.
Como exemplo, cabe assinalar o ponto de vista da Assem-
bléia-geral, constante da resolução 2 501 de 15 de novembro de
1969, que acentuou:
"a necessidade de prosseguir a codificação e o desenvolvi-
vimento progressivo do direito internacional, como um meio mais
eficiente de atender os princípios enunciados nos art. 1.0 e 2.° da
Carta das Nações Unidas, e dar maior importância ao papel do
direito internacional nas relações entre as nações".
Recentemente, em 24 de outubro de 1970, a Assembléia-geral,
por ocasião do 25.° aniversário da Organização das Nações Unidas
emitiu uma declaração, cujo § 3.° prescreve:
"no domínio do desenvolvimento progressivo e da codificação
do direito internacional, onde foram registrados importantes pro-
gressos, durante os 25 primeiros anos de existência da Organi-
zação das Nações Unidas, torna-se necessário avançar ainda mais,
para possibilitar a influência do direito entre as nações".
A Assembléia-geral, nesse mesmo dia, adotou a declaração
relativa aos princípios de direito internacional referente às rela-
ções amigáveis e à cooperação entre os estados, de acordo com a
Carta das Nações Unidas.
A revisão do programa de trabalho da Comissão permitiu
comparar o grau de codificação atingido em várias matérias e
demonstrou a amplitude da obra, que resta ser realizada, para
a codificação e o desenvolvimento progressivo de cada tema.
Uma referência foi igualmente feita às atividades de codifi-
cação e de desenvolvimento dos diversos ramos do direito, reali-
zados pela Comissão, por outros órgãos da ONU, pelas conferên-
cias de plenipotenciários e por diversas organizações regionais ou
sociedades científicas.

24 R.C.P.2/72
13. Desenvolvimento e codificação do direito internacional

A Carta das Nações Unidas, em seu art. 13, determina que a


Assembléia-geral iniciará estudos e fará recomendações destina-
das a "incentivar o desenvolvimento progressivo do direito inter-
nacional e sua codificação".
Tal princípio estabelece uma política a ser seguida progres-
siva e gradualmente, de acordo com as possibilidades e circuns-
tâncias.
Em 1947, foi criada a Comissão de Direito Internacional, com
o objetivo de promover o desenvolvimento progressivo do direito
internacional e sua codificação (Estatuto da CDI, art. 1.0), e no
art. 15 deste documento foram definidos os dois conceitos ante-
riores.
o estatuto faz a seguinte distinção:
a) a expressão desenvolvimento progressivo do direito inter-
nacional é utilizada por conveniência, para designar a elaboração
de projetos de convenções sobre temas que não tenham sido regu-
lados pelo direito internacional, ou a respeito dos quais os estados
não tenham aplicado na prática normas suficientemente desen-
volvidas, e
b) a expressão codificação do direito internacional emprega-se
por conveniência, para designar a formulação mais precisa e a
sistematização das normas de direito internacional em matérias
onde já existe ampla prática dos estados, assim como precedentes
e doutrinas.
Segundo o Estatuto da Comissão de Direito Internacional
(art. 16 e 17), quando a Assembléia-geral fizer uma proposta
sobre desenvolvimento progressivo à Comissão, esta deve designar
um dos seus membros como relator, formular um plano de tra-
balho, dirigir um questionário aos governos, estudar os antepro-
jetos apresentados pelo relator e, se os aprovar, deverá publicá-los
e comentá-los, solicitar a opinião dos governos e rever os projetos
levando em conta as opiniões recebidas. O relator deve preparar
um projeto final que, uma vez aprovado pela Comissão, será sub-
metido à Assembléia-geral.
Nos arts. 18 a 24, o estatuto trata da codificação de direito
internacional e estabelece que: a Comissão deverá escolher as
matérias suscetíveis de codificação, levando em conta projetos
oficiais ou privados já existentes, e propô-los à Assembléia-geral;

A Soberania dos Estados 25


formular um plano de trabalho, solicitar informações aos gover-
nos sobre a prática seguida, preparar projetos e submete-los à
Assembléia-geral, com comentários e conclusões sobre o grau de
acordo ou desacordo existente sobre cada ponto; publicá-los, jun-
tamente com toda documentação relacionada, pedir a opinião dos
governos, elaborar um projeto final para ser submetido à As-
sembléia-geral e fazer recomendações.
Nos trabalhos da Comissão, em 1948, foi considerada a dis-
tinção feita pelo estatuto entre a "codificação" e o "desenvolvi-
mento progressivo" do direito internacional, embora naquela
ocasião ficasse evidenciada que estas duas noções são indissociá-
veis na prática.
A experiência obtida pela Comissão mostrou o valor deste
argumento e a distinção entre a codificação e o desenvolvimento
progressivo, adotada inicialmente pela Comissão mais como um
método do que por outra razão qualquer, não foi conservada na
prática.
Em conseqüência, no programa de trabalho da Comissão, em
1970, as diferentes matérias não foram classificadas levando-se
em conta a codificação ou o desenvolvimento progressivo, mas
simplesmente preparou-se um quadro do conjunto do direito posi-
tivo, que permitisse à Comissão escolher os assuntos que achasse
conveniente incluir no seu programa de trabalho a longo prazo.
Segundo Torres Bernárdez, o desenvolvimento progressivo
deve decidir-se, principalmente, por fatores políticos (a Assem-
bléia-geral propõe o tema à Comissão de Direito Internacional) e
a codificação, ao contrário, deve ser feita por razões científicas (a
Comissão de Direito Internacional seleciona os temas).
Não estamos totalmente de acordo com esta divisão, pois
quando a Comissão considera necessário ou conveniente a codifi-
cação de um determinado tema, deve apresentar uma recomen-
dação à Assembléia-geral (art. 18, inciso II, do estatuto). Logo
a simples seleção não autoriza a codificação. Esta depende da
autorização da Assembléia-geral, que estará submetida à vontade
dos estados, os quais são, na realidade, os criadores do direito
internacional, por meio das convenções internacionais.
O que existe, verdadeiramente, é uma codificação técnica ou
científica, realizada pelos trabalhos preparatórios da Comissão de
Direito Internacional, e uma codificação diplomática ou conven-
cional efetuada pelos sujeitos do direito internacional.

26 R.C.P. 2172
14. A codificação dos trabalhos da Comissão

Como fruto dos trabalhos realizados pela Comissão de Direito


Internacional, a Assembléia-geral convocou cinco conferências
codificadoras, que resultaram em sete convenções:
1. Conferência das Nações Unidas sobre o direito do mar (Gene-
bra, 1958);
a) Convenção sobre o mar territorial e zona contígua (em vigor
desde 10.9.1964);
b) Convenção sobre a plataforma continental (em vigor desde
10.6.1964);
c) Convenção sobre alto-mar (em vigor desde 30.9.1962);
d) Convenção sobre a pesca e a conservação dos recursos vivos
do alto mar (em vigor desde 20.3.1966);
2. II Conferência das Nações Unidas sobre o direito do mar. (Ge-
nebra, 1960);
3. Conferência das Nações Unidas sobre relações e imunidades
diplomáticas (Viena, 1961);
e) Convenção de Viena sobre relações diplomáticas (em vigor
desde 24.4.1964);
4. Conferência das Nações Unidas sobre relações consulares
(Viena, 1963);
f) Convenção de Viena sobre relações consulares (em vigor
desde 19.3.1967);
5. Conferência das Nações Unidas sobre o direito dos tratados
(Viena, 1969);
g) Convenção de Viena sobre o direito dos tratados (23.5.1969,
ainda não em vigor).

15. A Convenção de Viena de 1969

Em 18 de julho de 1966, a Comissão de Direito Internacional re-


comendou à Assembléia-geral a convocação de uma conferência
internacional para redigir uma convenção internacional sobre o
direito dos tratados, tendo como base o projeto da Comissão.
Em 5 de dezembro do mesmo ano, a Assembléia-geral apro-
vou a sugestão da Comissão, pela resolução 2 166.

A Soberania dos Estados 27


o governo da Austria ofereceu sua capital como sede, que
foi aceita pelas Nações Unidas.
Para esta conferência, foram convidados os estados membros
da ONU e dos organismos especializados, os estados que fazem
parte do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e os que a
Assembléia-geral julgou conveniente convidar.
É interessante assinalar que vários estados que não são mem-
bros das Nações Unidas participaram da conferência: Suíça, Re-
pública Federal da Alemanha, República do Vietnam, República
da Coréia, Mônaco, Liechtenstein, San Marino e Santa Sé.
Em virtude da grandiosidade da tarefa a ser empreendida,
ficou decidido que a conferência seria realizada em dois períodos
de sessões. Um em 1968 e outro em 1969.
A primeira sessão da conferência reuniu-se de 26 de março
a 24 de maio de 1968. Dela participaram 103 delegações. O pre-
sidente desta sessão foi o ilustre internacionalista Roberto Ago.
A Comissão de Direito Internacional preparou um esboço de 75
artigos, que foram discutidos juntamente com outros novos arti-
gos apresentados.
Em 9 de abril de 1969, foi iniciada a segunda sessão da
conferência sobre o direito dos tratados, com a presença de 110
delegações, e em 23 de maio os estados assinaram a Convenção
de Viena sobre o direito dos tratados. O professor Roberto Ago
permaneceu na presidência até o fim dos trabalhos.
Resumindo em poucas palavras, a Convenção tem por objeto
estabelecer regras segundo as quais os tratados nascem, são apli-
cados, se modificam e se extinguem.
A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados contém
85 artigos, divididos em oito partes: introdução; conclusão e en-
trada em vigor dos tratados; observância, aplicação e interpre-
tação dos tratados; emenda e modificação dos tratados; nulidade;
extinção; suspensão da aplicação dos tratados, e cláusulas finais.
Várias destas partes são fruto de um esforço completo de
codificação.
Este trabalho minucioso, sábio, cheio de pontos controverti-
dos, precisa regras e agrupa noções esparsas. É de tal ordem, que
coordena a doutrina, a jurisprudência e a prática, visando facili-
tar a tarefa dos internacionalistas, e merece por esta razão os mais
legítimos elogios.
Entretanto, como a Convenção inovou em várias matérias,
fatalmente sérias dificuldades surgirão, especialmente no que se

28 R.C.P. 2/72
refere às causas de nulidade dos tratados e ao grande problema
referente aos tratados em conflito com uma norma imperativa de
direito internacional (jus cogens).
Esta Convenção representa uma luz verde para a solução
de alguns problemas genéricos da comunidade internacional. Re-
gras escritas assim formuladas substituirão regras costumeiras,
que durante séculos orientaram a vida internacional. Entretanto,
as regras do direito internacional costumeiro continuarão a servir
como norma, para as questões não reguladas, pelas disposições da
Convenção.
A Convenção de Viena poderá trazer grandes conseqüências
para os estados que não a ratificaram ou aceitaram. Estes esta-
dos, de acordo com as regras de direito internacional vigentes,
terão suas relações reguladas pelo direito internacional consuetu-
dinário. Como o direito costumeiro é impreciso e caracterizado
por inúmeras incertezas, a doutrina e a prática internacionais po-
derão usar a Convenção de Viena, ainda que não tenha sido rati-
ficada ou entrado em vigor, como a principal fonte do direito
internacional em matéria de tratados.
As regras da Convenção de Viena, sobre o direito dos trata-
dos, vigorarão no futuro sempre que um ato internacional silen-
ciar em relação a certa questão.
Considero que a Convenção de Viena sobre o direito dos tra-
tados contribuirá para preencher as lacunas do direito e facili-
tará o desenvolvimento e a codificação do direito internacional.

16. A codificação do direito internacional e as organizações


internacionais

A partir de 1949, as atividades das organizações internacionais


foram acentuadamente intensificadas e o número de estados que
delas passaram a fazer parte foi consideravelmente elevado.
Constituem, no momento atual, o principal conjunto onde se
prepara o aperfeiçoamento das relações multilaterais e onde se
busca o acordo sobre os objetivos que interessam a vários estados,
assim como a maneira de realizá-los, quer se trate de promover
as relações amigáveis e a cooperação entre os estados, de realizar
o desenvolvimento progressivo e a codificação do direito interna-
cional, de assegurar o desenvolvimento econômico ou de contri-
buir para que o fundo do mar ou o espaço extra-atmosférico
sejam utilizados somente para fins pacíficos.

A Soberania dos Estados 29


Existe atualmente um conjunto de regras jurídicas relativas
às organizações internacionais, que possuem características pró-
prias e uma importância tal, que tornou-se desejável codificá-las.
É preciso admitir que o nascimento e a atividade das orga-
nizações internacionais se apóiam em princípios e regras de direito
internacional de aplicação universal, e é justamente a atividade
dessas organizações, em diversas áreas da cooperação interna-
cional entre os estados, que constitui um fator de transformação
do conjunto das normas internacionais.
Isso ocorre por intermédio das atividades dos vários órgãos
internacionais ej ou resoluções ou instrumentos convencionais ado-
tados sob seus auspícios.
A orientação futura do direito internacional dependerá, em
grande parte, do papel que desempenharão estas organizações e
da extensão das responsabilidades que elas assumirão.
A Comissão de Direito Internacional, embora acompanhe a
evolução da codificação do direito relativo às organizações inter-
nacionais, considera que seu objetivo imediato é assegurar a codi-
ficação e o desenvolvimento do direito internacional.
Nestas condições, a orientação que a Comissão seguiu até o
momento, com o apoio da Assembléia-geral no que se refere ao
direito relativo às organizações internacionais, após ter examinado
o direito em vigor entre os estados, consiste em estudar os as-
pectos particulares da questão, que se aproximem da prática dos
estados.
Esse método parece ser o mais adequado para fazer progredir
ao máximo a codificação e o desenvolvimento do direito na
matéria.

17. Conclusão

o estágio atual do desenvolvimento do direito internacional e das


relações existentes na sociedade internacional contemporânea
tornaram desejável sua codificação.
Para bem compreender a codificação internacional é preciso
levar em conta a oportunidade jurídica do movimento codificador,
no campo das controvérsias políticas e jurídicas que se desenrolam
no seio da sociedade internacional.
É impossível separar a criação e a aplicação do direito das
forças políticas, que constituem o instrumento de sua realização
na vida internacional.

30 R.C.P. 2/72
N estas condições, a codificação deverá realizar-se com base
em princípios fundamentais.
O costume continuará ainda, por algum tempo, a ser uma
das principais fontes do direito internacional. Entretanto, sua im-
portância deverá atenuar-se, na medida em que os estados con-
cluírem maior número de tratados internacionais, o que possibi-
litará a conversão de várias regras costumeiras em normas es-
critas.
Sem dúvida, a codificação levará em conta os princípios
clássicos e as regras costumeiras, toda vez que for preciso conser-
vá-las, sem contudo deixar de incorporar as novas normas, mais
adaptadas às contingências e técnicas de um mundo onde o dina-
mismo é a regra.
Os estados não desejam, simplesmente, modificar o direito
existente. A realidade é que as necessidades do mundo são tais,
que adota-se atualmente uma atitude bem mais dinâmica em
relação ao direito internacional.
Embora a codificação internacional esteja intimamente ligada
à concordância dos estados, pois é antes de tudo um assunto po-
lítico, é necessário ressaltar o grande esforço codificador que vem
sendo realizado pelas Nações Unidas, cujos resultados podem ser
comprovados pelas convenções de Genebra de 1958-60 sobre o
direito do mar; de Viena, em 1961-63 sobre direito diplomático e
consular e pela de 1969 sobre o direito dos tratados.
É evidente que a codificação não poderá abranger todos os
temas. Mesmo porque, em determinados assuntos, deverá ser
gradual e progressiva.
A soberania dos estados representa um sério obstáculo ao im-
pulso codificador, toda vez que surge a necessidade de conciliar
diferentes interesses em certas questões delicadas.
É preciso admitir que o direito internacional ainda é consti-
tuído por um sistema de regras e princípios jurídicos cuja apli-
cação depende em primeiro lugar dos estados, em virtude de sua
igualdade soberana.
Por esta razão, a sociedade internacional contemporânea acha
conveniente reconhecer a necessidade da adoção de uma outra
forma, mais eficaz, de respeito às regras e princípios jurídicos.
Daí porque, ultimamente, a conclusão e aplicação das con-
venções internacionais multilaterais são cada vez mais impor-
tantes.
Todavia, esse processo é ainda bastante lento e não pode ser
estendido, por razões políticas e jurídicas, a todos os domínios

A Soberania dos Estados 31


do direito internacional, ou seja, àqueles setores ainda não codi-
ficáveis.
Um exemplo do que acabamos de afirmar poderia ser dado
com relação aos rios internacionais, onde é quase impossível esta-
belecer regras uniformes para as diversas bacias, que apresentam
situações extremamente variáveis.
As divergências existentes e os diversos interesses em jogo
dificilmente propiciam um <:lcordo, o que torna quase impossível
a codificação nesse setor. O consentimento das partes, que é in-
discutivelmente a principal condição da validade das obrigações
jurídicas internacionais, raramente é conseguido.
N esses casos, ao invés da codificação, é o acordo bilateral
entre as partes que oferece as melhores soluções, pois atende aos
interesses e às condições específicas de cada estado.
No que se refere aos rios internacionais, é preciso levar em
conta o direito soberano dos estados de utilizar livremente seus
recursos naturais, e o papel que o direito internacional deverá
desempenhar na solução de questões práticas que podem surgir
nas relações inter estatais.
Os países subdesenvolvidos e os novos estados trouxeram uma
nova dimensão à codificação e ao desenvolvimento do direito in-
ternacional e acompanham com o maior interesse os trabalhos
sobre essa matéria, realizado no âmbito das Nações Unidas.
O desenvolvimento progressivo e a codificação do direito in-
ternacional representam para eles melhores meios de elaboração
de novas regras jurídicas internacionais, capazes de atenderem
suas aspirações políticas, econômicas e sociais.
V árias resoluções da Assembléia-geral adotaram medidas es-
peciais para incrementar a participação dos novos estados na ati-
vidade jurídica das Nações Unidas. O aumento, pela Resolução
1 647 (XVI), do número de membros da Comissão de Direito Inter-
nacional e a adoção de várias outras resoluções evidenciam essa
tendência, que representa uma fase evolutiva do direito inter-
nacional contemporâneo e revela os grandes dilemas desse direito,
que são o reflexo das transformações sociais profundas que ca-
racterizam nosso tempo.
Outro aspecto importante é o da identidade que deverá predo-
minar entre a codificação do direito existente e a criação de regras
que propiciem o desenvolvimento progressivo do direito interna-
cional com a conclusão de convenções internacionais multilaterais,
abertas a todos os estados.

32 R.C.P. 2172
As convenções poderão ser, em consequencia, o instrumento
mais eficaz para a modernização do direito internacional tradi-
cional e contribuirão, certamente, para a elaboração de uma nova
ordem jurídica internacional, que terá nos tratados a fonte for-
mal mais importante do direito internacional.
Há, portanto, uma evidência a ser observada em relação ao
direito internacional moderno. É que as relações internacionais
são cada vez menos bilaterais e a solução dos problemas interna-
cionais exige a cada dia em maior grau acordos multilaterais.
Isso conduzirá à elaboração de um novo direito internacional,
baseado no equilíbrio entre a soberania dos estados e a coope-
ração internacional.
Pessoalmente, penso que a codificação gradual e progressiva
será um dos pilares do direito internacional, mas ela só deverá
ser realizada quando corresponder ao desenvolvimento do direito
internacional num dado setor.
Essas são algumas das observações que desejava fazer sobre
o tema palpitante que é o da codificação e desenvolvimento do
direito internacional.

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