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Rio de Janeiro
2024
Introdução
Em primeiro plano, vale a análise da separação entre dois direitos penais (do cidadão e do
inimigo). O direito penal do cidadão é aplicado àqueles indivíduos que cometem crimes e não
apresentam um grande perigo ao Estado, para tais pessoas, deve-se manter asseguradas todas
as garantias processuais e penais. Já o direito penal do inimigo deve ser utilizado nos casos
em que o crime cometido pelo indivíduo o afasta permanentemente do Direito. Tal pessoa
não é mais vista como um cidadão, mas sim um inimigo que representa uma ameaça ao
próprio Estado, colocando em risco a paz social.
O Direito Penal do Inimigo defende que aqueles indivíduos que agem de forma contrária à
lei, pondo em risco o bem-estar e manutenção do Estado, devem perder seu status de cidadão,
e por conseguinte, perder uma série de direitos que um cidadão possui. Essa teoria vai além,
defendendo que esse ser tido como inimigo não deve ser tratado sequer como pessoa, o que
abre precedente para ele não ser considerado sujeito de direito, mas apenas objeto de direito,
o transformando aos olhos da lei em uma não-pessoa. Logo, a partir de toda essa
descaracterização do sujeito, o direito penal pode suprimir uma série de direitos que estariam
garantidos a um cidadão, sem agir de forma contrária à lei.
Em segundo plano, vale se observar que, para essa teoria, o inimigo do Estado deve ser
punido observando o perigo e a ameaça que este representa no futuro, ou seja, deve agir sobre
o indivíduo de forma preventiva, antes que o delito tenha acontecido, visando proteger o
Estado perante a periculosidade potencial desse inimigo. Além dessa atuação preventiva,
Jakobs também defende que é necessário um fortalecimento das penas para esses
não-indivíduos, a fim de ser mais uma maneira de coibir esse tipo de conduta.
Dessa maneira, O Direito Penal do Inimigo é uma teoria que propõe punições e uma tutela
jurisdicional mais rápida, punições mais severas e que, após passar por certas etapas na
criminalidade, o delinquente se tornaria um inimigo do Estado. Ademais, prevê a existência
de duas categorias de criminosos, em que em uma o indivíduo permaneceria com o status de
cidadão e seus respectivos direitos, enquanto na outra, as pessoas tidas como inimigo do
Estado teriam um tratamento rígido e diferenciado, perdendo uma série de direitos e garantias
previstas em lei e sofrem punições mais rápidas e rígidas.
O importante doutor em Direito Penal e professor Luís Greco, em sua obra “Sobre o
Chamado Direito Penal do Inimigo”, realizou uma análise abrangente da teoria do direito
penal do inimigo, essa teoria ao longo da história do direito penal suscitou consideráveis
estudos e debates no âmbito jurídico e especificamente na criminologia. Segundo Greco, a
teoria do direito penal do inimigo se subdivide em três conceitos: o primeiro enxerga essa
teoria como um instrumento de análise para descrever com mais precisão; o segundo
reconhece como um termo usado para caracterizar e determinar alguns dispositivos legais,
chamada por ele como crítico-denunciadora; o terceiro conceito formula uma teoria de seus
pressupostos de legitimidade. Em vista disso, a teoria pode ser vista e empregada de três
formas diferentes em finalidades diversas.
Conforme analisado pelo autor, o direito penal do inimigo, classificado como um conceito
afirmativo-legitimador, deve ser considerado insustentável, por ser uma abordagem que
valida o uso de medidas mais rigorosas e punitivas contra indivíduos rotulados "inimigos"
pela sociedade ou pelo Estado, o autor afirma que essa atitude pode acarretar na violação dos
direitos individuais, que se traduz como medidas mais severas, como leis mais rígidas, penas
mais duras e restrições aos direitos processuais dos acusados e no enfraquecimento do Estado
de Direito.
Nessa linha de raciocínio, para Greco, o direito penal do inimigo é conflitante com o Direito
Penal, pois em sua interpretação, ele estigmatiza determinados grupos introduzindo uma
lógica punitiva de exclusão social. Portanto, o direito penal do inimigo não apenas
compromete os princípios fundamentais do Estado de Direito, mas também é incompatível
com os preceitos do próprio Direito Penal. A exclusão social usada como uma punição,
segundo Greco, suscita no enfraquecimento do Estado de Direito, por diminuir a
imparcialidade no sistema jurídico.
Além disso, ao estigmatizar algumas parcelas da sociedade como "inimigos" promove uma
série de conflitos no interior do corpo social de um determinado Estado, e não promovendo a
inclusão social, a equidade, a proteção dos direitos individuais e a justiça social.
Nesse contexto, Greco observa que o direito penal do inimigo, quando considerado como um
conceito descritivo, pode ser entendido e usado para analisar e descrever realidades do direito
positivo, ou seja, nas leis e práticas penais em vigor em uma determinada sociedade.
Entretanto, o autor ressalta que, um conceito descritivo de direito penal do inimigo não pode
ser possível, pela palavra "inimigo" possuir um caráter valorativo, no qual seria difícil usá-la
para descrever algo. Essa palavra, por si só, já carrega uma conotação negativa e subjetiva,
associada à ideia de oposição, conflito ou ameaça. Logo, ao tentar descrever situações
específicas no direito positivo usando o termo "inimigo", inevitavelmente se introduzem
divisões e ambiguidades que podem comprometer a objetividade e a precisão do conceito,
que se torna desnecessário.
No decorrer de sua obra, o autor em questão também discorre sobre a concepção do direito
penal do inimigo como um conceito denunciador-crítico. Nessa perspectiva, o autor em
questão sustenta que essa abordagem deve ser negada devido a sua natureza difamatória e por
ser considerada dispensável no estudo do direito penal do inimigo. Luís Greco (2005,
p.245-246) elucida,
Para Greco, o conceito de pena é um conceito mais amplo, além da simples punição a quem
cometeu um ato infracional. O autor destaca a importância de entender a pena como um meio
de intervenção estatal que deve ter como objetivo principal não apenas retribuir o mal
causado pelo crime, mas também prevenir novas infrações. A pena deve ser entendida como
um meio de reintegrar o infrator a sociedade, lhe proporcionando oportunidades de
reabilitação e reinserção social. Nesse sentido, ele discorre sobre a importância de
implementação de políticas públicas que priorizem a educação, a capacitação profissional e o
acompanhamento psicológico de condenados, com o intuito de prepará-los para a vida após o
cumprimento da pena.
O conceito de pena como algo tradicional está enraizado ao longo da história em sistemas de
justiça junto de alguns valores culturais de cada scoeidade.No decorrer da história do direito
penal, é possível perceber uma evolução dos sistemas de justiça, com abordagens mais
humanitárias e voltadas para a ressocialização de infratores, porém, ainda é possível perceber
práticas punitivas em algumas partes do mundo.
Além disso, Zaffaroni argumenta que a lógica do "Direito Penal do Inimigo" cria um ciclo de
violência e repressão, em vez de abordar as causas subjacentes dos problemas sociais. Essa
abordagem punitiva, que se concentra na exclusão e na punição severa dos indivíduos
considerados como "inimigos" do Estado, não apenas falha em resolver as questões sociais
profundamente enraizadas, mas também pode exacerbar os problemas existentes. Ao
privilegiar a punição sobre a compreensão e a reabilitação, o sistema penal corre o risco de
perpetuar a marginalização e a alienação dos indivíduos, em vez de promover a reintegração e
a justiça restaurativa. Zaffaroni ressalta que, ao tratar certos grupos como inimigos e aplicar
medidas extremas de controle e restrição sobre eles, o Estado pode minar os direitos
fundamentais e a dignidade humana desses indivíduos, contribuindo para um ciclo de
violência e exclusão social.
Outro ponto central de sua crítica é o impacto negativo do "Direito Penal do Inimigo" sobre
os direitos fundamentais, como a presunção de inocência, o devido processo legal e a
proporcionalidade das penas. Ressalta que ao estabelecer uma distinção rígida entre
"cidadãos" e "inimigos", há uma tendência de sacrificar tais direitos em nome da suposta
segurança da sociedade. Essa lógica muitas vezes justifica a aplicação de medidas
excepcionais, como detenções preventivas prolongadas, restrições aos direitos de defesa e
investigações intrusivas, sob o pretexto de combater ameaças à ordem pública. No entanto,
Zaffaroni adverte que essa abordagem punitiva pode minar os próprios princípios que visam
proteger, prejudicando a credibilidade e a legitimidade do sistema de justiça. Além disso, ao
adotar penas desproporcionais e medidas coercitivas sem o devido escrutínio, o Estado pode
comprometer a integridade do sistema jurídico e promover a erosão das liberdades
individuais.
Ademais, em suas críticas, enseja inúmeras discussões sobre as diferentes fases do exercício
do poder punitivo ao longo da história relacionadas à concepção de “Direito penal do
inimigo” e como elas se refletem. Desde a revolução mercantil, e na subsequente fase
colonialista e neocolonialista, onde o poder punitivo era aplicado de forma discriminatória
aos colonizados, que eram considerados inimigos ou estranhos aos interesses dos
colonizadores; à revolução inquisitorial, visto que o poder punitivo se manifestava através de
práticas violentas, como a tortura contra os rotulados como inimigos da ordem vigente.
Também a revolução industrial e a concentração urbana, onde novas formas de controle
social foram desenvolvidas, como o encarceramento em massa, para separação entre
"cidadãos" e "inimigos", até a contemporaneidade, em que o autoritarismo e o poder punitivo
continuam sendo exercidos de maneira seletiva e discriminatória, com certos grupos sendo
alvos de tratamento penal mais severo com base em suas características sociais, políticas ou
econômicas. Diante disso, essa abordagem reflete a concepção do direito penal do inimigo,
que enfatiza a punição e a exclusão em detrimento dos princípios fundamentais do Estado de
direito.
Por fim, em suas obras, Zaffaroni propõe uma visão alternativa do Direito Penal, baseada em
princípios de inclusão, justiça social e respeito aos direitos humanos. Ele defende uma
abordagem mais equilibrada e humanitária, que priorize a prevenção do crime, a reabilitação
dos infratores e a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Ao rejeitar o "Direito
Penal do Inimigo", Zaffaroni nos convida a repensar nossas concepções de justiça e a buscar
soluções mais democráticas e eficazes para os desafios enfrentados pelo sistema penal
contemporâneo.
Neste sentido, Nilo Batista e Alessandro Baratta abordam o debate em torno do direito penal
do inimigo como um tema crucial na teoria jurídica contemporânea, suscitando reflexões
profundas sobre justiça, direitos individuais e a função do sistema penal na sociedade. Dois
autores que contribuem significativamente para esse tema, cada um trazendo perspectivas
distintas e críticas sobre o assunto.
Nilo Batista, em sua obra "Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro" (2002), argumenta
contra a aplicação do direito penal do inimigo, destacando suas implicações negativas para os
princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Batista afirma: "O direito penal
do inimigo é uma espécie de abdicação do Estado de Direito. Nele, a dogmática se curva à
política criminal e a política criminal se converte em política de exceção" (BATISTA, 2002,
p. 101). O autor brasileiro enfatiza que essa abordagem, ao priorizar a segregação e a punição
severa, compromete a garantia de direitos individuais e a justiça no sistema penal.
Por outro lado, Alessandro Baratta, em suas obras "Criminologia Crítica e Crítica do Direito
Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal" (2002) e "O Paradigma Criminológico:
Teoria e Política" (2009), oferece uma análise crítica do direito penal do inimigo dentro do
contexto da criminologia crítica. Baratta argumenta que a aplicação seletiva dessa abordagem
perpetua as desigualdades sociais e marginaliza determinados grupos na sociedade. Em suas
palavras: "O direito penal do inimigo é o direito penal dos pobres, dos negros, dos marginais,
dos estrangeiros" (BARATTA, 2002, p. 78). O jurista italiano defende uma abordagem mais
inclusiva e justa, que leve em consideração as condições estruturais que contribuem para o
cometimento de crimes.
Portanto, as obras oferecem análises profundas e críticas sobre o direito penal do inimigo,
contribuindo expressivamente para o debate sobre justiça criminal e direitos individuais na
sociedade contemporânea. Suas reflexões destacam a necessidade de uma abordagem mais
humanitária e igualitária no sistema penal, que respeite os princípios fundamentais do Estado
de Direito.
Conclusão
Tendo em vista os aspectos observados, a teoria do Direito Penal do Inimigo, proposta por
Günther Jakobs, suscitou debates acalorados no âmbito jurídico e criminológico desde sua
introdução em 1985. Embora tenha ganhado destaque após os atentados de 11 de setembro de
2001, sua aplicabilidade e validade foram questionadas por uma série de autores, incluindo
Nilo Batista e Alessandro Baratta.
Batista critica a abordagem do Direito Penal do Inimigo, argumentando que ela representa
uma abdicação do Estado de Direito, onde a política criminal se converte em política de
exceção, comprometendo os princípios fundamentais da justiça e dos direitos individuais. Por
sua vez, Baratta ressalta que essa abordagem tende a marginalizar grupos vulneráveis da
sociedade, como pobres, negros e estrangeiros, perpetuando as desigualdades sociais e
promovendo uma justiça seletiva e discriminatória.
A obra de Luís Greco também contribui para uma análise crítica dessa teoria, destacando suas
implicações na garantia de direitos individuais e na integridade do sistema jurídico. Greco
ressalta que a aplicação seletiva e discriminatória do Direito Penal do Inimigo mina a
confiança no sistema judicial e amplia as disparidades sociais, promovendo um ciclo de
violência e repressão em vez de abordar as causas subjacentes dos problemas sociais.
Eugenio Raúl Zaffaroni, por sua vez, questiona vigorosamente essa dicotomia de tratamento
entre os considerados inimigos da sociedade e os outros indivíduos que merecem a proteção
do Estado. Ele argumenta que essa abordagem representa uma ameaça aos fundamentos
democráticos e aos direitos humanos, promovendo a desumanização do indivíduo e uma
ruptura com os princípios básicos do Estado de Direito.
Portanto, diante das críticas de diversos autores e das preocupações levantadas sobre as
implicações do Direito Penal do Inimigo, é necessário repensar nossas concepções de justiça
e buscar alternativas mais equitativas e humanitárias para os desafios enfrentados pelo
sistema penal contemporâneo.
Além disso, é necessário analisar as implicações práticas dessa teoria no sistema jurídico e na
sociedade como um todo. A categorização de certos grupos como "inimigos" do Estado pode
levar a uma série de consequências negativas, incluindo a violação dos direitos individuais, a
discriminação e o aumento das disparidades sociais. Portanto, é fundamental considerar não
apenas os aspectos teóricos, mas também as repercussões práticas do Direito Penal do
Inimigo na vida das pessoas.
ABIKO, Paula Yurie. O inimigo no direito penal por Eugenio Zaffaroni. 2018. Disponível
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SILVA, Regina Cristina Maia. Breves apontamentos da obra: o inimigo no Direito Penal
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