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DROGAS NO BRASIL
ABSTRACT: The Criminal Law of the Enemy emerged in Germany, with the vision of
Gunther Jakobs, as an alternative to prevent the occurrence of certain crimes, since it
considers certain people to be “enemies of society”, so that they do not receive the same
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA.
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA.
guarantees and have a hardening of the sentences, in relation to those considered citizens
by the Criminal Law. Law 11.343/2006 (Anti-Drug Law) establishes public policies for
the repression of the production and illicit trafficking of narcotic substances and for the
confrontation of crimes related to these activities. In this study, two principles will be
pointed out and evaluated, namely: the Principle of Equality, which was enshrined in the
Brazilian Constitution, in article 5, I, and establishes that all human beings are born equal
and, therefore, must have the same treatment opportunities; and the Principle of
Proportionality, which is based on the idea that sanctions must be proportional to the
seriousness of the crimes committed. Within this context, this work proposes to analyze
the Criminal Law of the Enemy from the perspective of law 11.343/2006, as well as the
validity of the rules under study.
1) Considerações iniciais
O presente trabalho tem como objetivo analisar a teoria do Direito Penal do Inimigo e a
Lei nº 11.343/2006 (Lei Antidrogas), como mecanismo no combate às drogas no Brasil.
O conceito do direito penal do inimigo foi introduzido, pela primeira vez, no ano de 1985,
pelo jurista alemão Gunther Jakobs. Os debates foram retomados após os atentados de:
11 de setembro de 2001, ocorrido em Nova York; 11 de março de 2004, ocorrido no metrô
de Madrid; e 07 de julho de 2005, ocorrido em Londres. (HABIB, 2019). Entretanto,
somente em 2003, na obra “Direito Penal do Inimigo – noções e críticas”, Jakobs
desenvolveu a tese afirmativa e legitimadora, sustentando a possibilidade do direito penal
do inimigo como parte do sistema jurídico penal. (PILATI, 2021)
Assim, Jakobs divide o Direito Penal em: “o Direito Penal do cidadão” e “o Direito Penal
do Inimigo”. De acordo com tal divisão, o cidadão é a pessoa “comum” no âmbito do
direito, já o “inimigo” seria o delinquente habitual, com evidente periculosidade. Nessa
seara, Jakobs introduz sua teoria sustentando que o delinquente que infringir a norma se
torna inimigo do Estado, portanto, não deve ter os mesmos direitos resguardados, como
cidadão e como ser humano (Habib,2019).
Na visão de Jakobs, o direito penal do inimigo tem como base o funcionalismo, que tem
por finalidade proteger a vigência da norma jurídica e não o bem jurídico. Na sua
percepção, a sanção é um meio de coação, que tem por intuito restabelecer a vigência da
norma. (Habib,2019)
As normas são a estrutura da sociedade, ao qual o bem jurídico deve ser representado
como uma expectativa de garantia. Ao infringir a norma, causa um desequilíbrio entre a
solidez normativa e a expectativa da norma. Portanto, a sanção não serve para recompor
o bem jurídico, ou reparar os danos, mas serve como precaução de futuras lesões. Assim,
ao garantir as expectativas das normas, o bem jurídico é tutelado. (Habib,2019)
Segundo Rachel Cardoso, para Jakobs, os fundamentos jus filosóficos da sua teoria teriam
como base os autores contratualistas Rousseau, Fichte, Hobbes e Kant. Esses juristas
tinham como teses, “o delinqüente que infringe o contrato social não pode usufruir dos
benefícios do Estado”. Desse modo, Rachel Cardoso, faz uma distinção que:
Desse modo, Jakobs conduz sua teoria que o delinquente, classificado para ele como
“inimigo”, ao infringir a norma se torna “inimigo” do Estado, não sendo por esse,
garantidor dos seus direitos. O Estado, por sua vez, puniria o “inimigo” de forma a
preservar a norma e, consequentemente, o bem jurídico tutelado.
Ademais, ZAFFARONI refuta essa contenção por negação de teóricos e práticos, que
“ninguém pode prever exatamente o que qualquer um de nós fará no futuro” e, ainda, “a
incerteza do futuro mantém em aberto o juízo de periculosidade até o momento em que
quem tem o poder de decisão deixe de considerá-lo inimigo”. Isto é, não se pode prever
o ato antes dele existir.
Ainda, segundo Kárita Souza, uma das críticas de Zaffaroni ao Direito Penal do Inimigo,
aduz que:
Nesse sentido, ensina ATALIBA: "[...] princípios são linhas mestras, os grandes nortes,
as diretrizes magnas do sistema jurídico, apontam os rumos a serem seguidos por toda a
sociedade e obrigatoriamente a perseguidos pelos órgãos do governo (poderes
constituídos)". (ATALIBA, 2001, p 6-7)
No que se refere ao princípio da igualdade, no direito penal Andrade aduz que “o princípio
da igualdade constitui um dos pilares do direito penal do Estado de Direito ou, se preferir,
do direito penal liberal, carreando valores fundamentais da Democracia. ” (ANDRADE,
2017)
No artigo 5°, caput, a Constituição brasileira de 1988 dispõe que todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse princípio visa, além de assegurar a
igualdade de aptidões dos cidadãos perante a lei, limitar a atuação do legislador e do
aplicador da lei.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos também estabeleceu em seu artigo 1º que
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
Embora o princípio da igualdade vise assegurar a isonomia dos cidadãos perante a lei,
discriminações terão que haver, uma vez que as normas sempre farão distinção entre
pessoas e situações.
Por outro lado, tem-se no princípio da igualdade, a máxima: “tratar os iguais como iguais
e os desiguais na medida de suas desigualdades”. Observa-se a leitura do art. 44 da Lei
de Droga, que “os crimes previstos nos arts. 33, caput, e §1º, e 34 a 37 desta Lei são
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória,
vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”. (DIAS, 2013, p 63)
Ademais, mesmo aqueles cujas penas sejam compatíveis com as restritivas de direito não
será aplicado o benefício da conversão. Pela leitura do artigo 44 da Lei de Drogas “ao
indivíduo condenado pelo crime de tráfico é adotado um tratamento diferenciado, dotado
de generalidade e abstração. ” O que violaria o princípio da igualdade, visto que, deveria
ser analisado no caso concreto, “a pena que vai dar a concretude da gravidade do ato
praticado pelo agente e o tratamento a ser adotado pelo Estado”. (DIAS,2013 p 63,64)
Neste sentido, Mariah Dias trouxe uma decisão onde: “a Defensoria Pública da União,
em setembro de 2010, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra as
restrições contidas no artigo 44 e §4º do artigo 33, da Lei 11.343/2006. Em decisão e por
votação de 6 a 4, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram pela
inconstitucionalidade dos dispositivos, admitindo, portanto, ser passível de penas
alternativas os condenados por crime de tráfico, “caindo por terra a exclusiva aplicação
da pena privativa de liberdade e a previsão do regime prisional totalmente fechado”.
(DIAS,2013 p 64,65)
Portanto, o princípio da igualdade no direito penal, seria uma igualdade material, ou seja,
ser observado na máxima de iguais os iguais e desiguais os desiguais. “Quando as
situações são iguais, deve ser dado um tratamento igual, mas quando as situações são
diferentes é importante que haja um tratamento diferenciado. ” (DIAS, 2018)
O princípio da proporcionalidade tem como objetivo a busca pelo equilíbrio dos direitos
individuais no cunho social. Segundo Dirley da Cunha Júnior, a proporcionalidade “é um
importante princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos
poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou
valendo-se de atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais”. Ou seja, o
princípio regula a atuação do legislador e do aplicador da lei, em relação ao fato ou ato.
De acordo com Adriana Cortopassi, o princípio da proporcionalidade “se manifesta em
três máximas, ou subprincípios, quais sejam, adequação (ou idoneidade), necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. ” (CORTOPASSI, 2018, P 105). O subprincípio da
adequação (ou idoneidade) diz respeito à aptidão do Direito Penal para a proteção do bem
jurídico e se as medidas por ele adotadas, tanto na determinação das penas quanto nas
medidas de segurança impostas, são apropriadas para a consecução da finalidade
pretendida (CORREA, 1999).
Outra referência a proporcionalidade aplicada pelo legislador foi a diferença à qual tratar
consumidor e traficante, na Lei 11.343/2006. Para Kárita Souza, “sobre os traficantes
passou a incidir o discurso político-jurídico do qual surge o “estereótipo do criminoso
corruptor da moral e da saúde pública”. Quanto ao consumidor recaiu o discurso médico-
psiquiátrico baseado no controle sanitarista, que ganhou ênfase na década de 50, e
difundiu o “estereótipo da dependência. ” (SOUZA, 2012, p 40)
A Lei Antidrogas traz uma diferenciação entre usuário, dependente e traficante, ao qual
não havia diferenciação na lei anterior, Lei nº 6.368/1976. O autor César Dario, faz uma
crítica que, embora a lei não seja perfeita, tem o mérito de trazer um novo sistema ao
estabelecer medidas e sanções diferentes para usuário, dependente e traficante, sendo que
as penas também serão diferenciadas do pequeno traficante, o eventual e o profissional
do tráfico.
É certo que apenas leis mais severas não inibem o tráfico de drogas,
problema não só do Brasil, mas de praticamente todos os países.
Somente com políticas públicas, voltadas para o social, principalmente
para a educação, é que o fenômeno do narcotráfico poderá ser reduzido.
Por outro lado, leis amenas incentivam a criminalidade, principalmente
a organizada, que acredita na impunidade. (DARIO, 2016, P 14)
Em síntese, a Lei Antidrogas tem seu bem jurídico difuso, que é a coletividade, ou seja,
não se pode mensurar o número de vítimas. Tipificado por crime comum, sendo norma
penal em branco, recepciona outra lei e portarias. Em suas disposições, expressa em seus
títulos, seu objeto é a prevenção e repressão ao uso indevido e ao tráfico de drogas ilícitas.
(BIDOIA,2019)
O art. 28 da Lei Antidrogas dispõe a figura do usuário, nos verbos: Adquirir, guardar, ter,
transportar e trazer, para uso pessoal de drogas ilícitas. Incorre nas penas de advertência,
prestação serviço à comunidade e medida socioeducativa. Caso seja descumprida essas,
a pena será admoestação verbal e multa. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se
posicionou em entendimento, que as penas previstas no artigo supracitado seria uma
despenalização. (BIDOIA, 2019)
Portanto, é possível observar que embora ainda não tenha um posicionamento firmado, o
entendimento é que o usuário deve ser diferenciado do traficante, seja pela quantidade ou
natureza. De certo que, a descriminalização do porte para usuário dependerá dessa clara
distinção. Que segundo Martins, o Supremo Tribunal Federal possui forte tendência em
declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o
porte de drogas para consumo pessoal, estabelecendo um critério, a fim de diminuir a
discricionariedade judicial e uniformizar a aplicação da lei.
Verifica-se então que o tráfico de drogas é crime de ação múltipla, motivo pelo qual a
prática de qualquer dos verbos previstos no artigo mencionado, como exportar, remeter,
produzir, fabricar, adquirir, semear, cultivar, plantar, dentre outros, é suficiente para a
consumação da infração.
5) Reflexos do Direito Penal do Inimigo na Lei de Drogas
Nesse âmbito, o Brasil adotou a ideia de “inimigo interno” ao se referir o traficante, como
estratégia ao combate as drogas. Segundo Rachel Cardoso:
Nesse sentido, a Lei 5.726/71 renova a composição do art. 281 do código penal de 1940,
que tratava da matéria. Para Carvalho, “a real diferenciação concerne à graduação das
penas e à produção de novo modelo político-criminal, com novos estereótipos e nova
legitimação repressiva”. Contudo, “é com a Lei 6.368/76 que o discurso jurídico-político
toma dimensões especificas no país”, afirma Carvalho.
A Lei 6.368/76 trazia a figura do usuário em seu art. 16 com pena de detenção de 6 meses
a 2 anos. Já o traficante estava tipificado no art. 12 com pena de 3 a 15 anos de reclusão.
Apesar da Lei 11.343/2006 não trazer mudanças significativas, “continuou reproduzindo
os dispositivos criminalizadores recomendados pela Convenção de Viena de 1988, bem
como os discursos médico-jurídico e político-jurídico da lei anterior”, como afirma
CARDOSO. Com a Lei Antidrogas, houve uma alteração: a pena prevista por tráfico de
drogas, que foi aumentada. A pena mínima, que era de 3 (três) anos foi majorada para 5
(cinco) anos, mantendo a máxima de 15 (quinze) anos de reclusão. E o usuário tipificado
no art. 28 da lei supracitada, tem as penas de advertência, prestação serviço à comunidade
e medida socioeducativa.
Para Mariah Dias, “é possível estabelecer relevantes distinções entre a Lei 6.368/76 e a
Lei 11.343/2006, por mais que esta tenha a mesma base ideológica que aquela. Enquanto
no primeiro dispositivo legal esboça uma estrutura mais repressiva independentemente
da conduta do agente, seja ela voltada ao porte para uso ou para o comércio, no segundo
há o aumento da repressão ao comércio ilícito e o abrandamento das sanções aos usuários
e dependentes. ” (DIAS,2013, p 31)
O que se discute ainda são o uso indevido de drogas e o traficante como “inimigo interno”,
figura introduzida pela legislação brasileira na década de setenta. A Doutrina da
Segurança Nacional se utilizou dos discursos médico-jurídico e político-jurídico para
identificar o criminoso como inimigo a ser eliminado. (CARDOSO,2011)
Apesar da teoria do Direito Penal do Inimigo, de Jakobs, fazer uma referência ao inimigo
externo, como relata Rachel Cardoso que, “os inimigos de que trata a proposta de Gunther
Jakobs são os que ameaçam os países centrais, isto é, os inimigos externos, personificados
na figura do traficante, do terrorista e do imigrante”, diferente da figura ideológica do
traficante como “inimigo” interno no Brasil. O contexto utilizado na criação de políticas
de prevenção e repressão ao uso indevido e o tráfico ilícito de drogas, tem um viés trazido
pela teoria do “Direito Penal do Inimigo”, ainda Rachel Cardoso diz:
Portanto, os simples atos preparatórios seriam punidos com a mesma pena do caput do
art. 33 da lei de drogas, ao qual faz alusão a teoria de Jakobs, ou seja, antes de configurar
a pratica efetiva de tráfico, que “vale frisar que tráfico se define por comércio ou negócio,
um meio de obter vantagem econômica. ” (DIAS,2013, p 63)
Outro ponto a observar, seria o sentido de punição que o Estado busca. Para Mariah Dias,
o ordenamento atual, a lei 11.343/2006 tem um viés “punitivista e eletista, que visa punir
o autor do fato típico pelo que é, e não pelo crime que tenha vindo a cometer”, assim
como, “um dos pilares do Direito Penal do inimigo é justamente essa punição do autor
pelo simples fato de ser quem é, e não pelo ato que cometeu, consagrando assim, a
chamada teoria do direito penal do autor, ou seja, “a pena se associa de modo imediato à
periculosidade do autor. ” Assim, o Estado não pune o ato, que por muitas vezes é
insignificativo, “mas sim repreende o sujeito pela atitude corrompida, já que este
corresponde a um ente perigoso devendo ser neutralizado por representar um perigo à
ordem social”. (DIAS,2013, p 68)
Nesse diapasão, entende-se que a teoria Direito Penal do Inimigo, tem um peso mesmo
que implícito na aplicação das normas brasileiras. Seja na diferencia do usuário, ou na
tipificação ampla do tráfico, que inclui como crime os atos preparatórios, uma
característica da teoria consagrada por Jakobs. (DIAS, 2013, p 68)
6) Conclusão
Ainda, foi estudada a Lei Antidrogas, em síntese os artigos 28 e 33, que traz a figura de
usuário, dependente e traficante, as disposições e políticas da lei, bem como a prevenção
e repressão do uso indevido e o tráfico de substâncias ilícitas de drogas.
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