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DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA

O RESPEITO AOS MORTOS

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

1. Conceito
Proteção constitucional no art. 5°, VI, da Constituição Federal: é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurando o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
Portanto a previsão penal visa tutelar o mandamento constitucional (Gonçalves, 2020)

O conceito está previsto no Art. 208 do Código Penal - Escarnecer de alguém


publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia
ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena de 1 (um) mês a 1(um) ano ou multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada em um terço, sem


prejuízo da correspondente à violência.
O tipo penal tem três modalidades de crimes sendo eles: ultraje público por
motivo religioso ou função; impedir ou perturbar cerimonia ou pratica de culto
religioso; e vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso.

1.1 Ultraje público por motivo religioso ou função

Gonçalves (2020) ensina que o crime em escarnecer de alguém publicamente por


motivo de crença ou função religiosa. Ou seja, o agente zomba, ridiculariza, ofende a
vítima em detrimento de sua fé religiosa, e em decorrência de sua função religiosa como
padres ou pastores etc. Para que se tipifique em crime e necessário que ocorra em
público, não o sendo se configura o crime de injuria.

Ademais o tipo nela exige que a ofensa seja conta alguém, isto é, pessoa ou pessoas
determinadas, em razão de sua religião ou função religiosa. Daí por que o escárnio
contra a religião em si (catolicismo, islamismo etc.) não constituiria crime. De ver-se,
entretanto, que a Lei n. 9.459/97 inseriu, no art. 20, caput, da Lei n. 7.716/89, ilícito
penal consistente na prática ou incitação de preconceito religioso, delito que pode se
mostrar presente dependendo do escárnio público que se faça da religião.

1.1.1 Elementos do Tipo

Núcleo- Escarnecer; impedir; perturbar; e vilipendiar;

Objeto material - pessoa humana;

Objeto jurídico- liberdade de crença, e de culto;

Sujeito Ativo- Pode ser qualquer pessoa, inclusive ministros de outra religião;

Sujeito Passivo- A pessoa ofendida que crê em determinada religião ou que exerce
ministério religioso (padre, pastor, freira etc.);

Elemento subjetivo - o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de alguém,


por motivo de crença ou função religiosa;
Obs.: ausente essa motivação, outro crime poderá configurar-se, por exemplo, injúria.
Tentativa – Somente não é inadmissível na forma verbal do escarnio;

Consumação- consuma- se com o ato de escarnecer publicamente.

1.2 Impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso

Tutela-se também aqui a liberdade individual de professar uma crença religiosa e a


liberdade de culto, as quais estão plenamente asseguradas na Constituição Federal (art.
5º, VI). A liberdade de culto protegida é a permitida pelo Estado, por não atentar contra
a moral ou os bons costumes. Por se tratar de crime contra cerimônia ou prática de culto
religioso, protege-se também a ordem pública. (CAPEZ,2020).
1.2.1 Elementos do Tipo

Núcleo – Impedir ou Perturbar;


O agente, dessa forma, impede ou tumultua a cerimônia ou a prática de culto religioso.
Cerimônia é o ato religioso solene, por exemplo, missa, casamento, procissão, batizado.
Já a prática de culto consiste no ato religioso sem as solenidades da cerimônia, por
exemplo, novena, oração, sermão etc. (CAPEZ,2020).
Objeto material - pessoa humana;

Objeto jurídico- liberdade de crença, e de culto;


Sujeito Ativo – Qualquer pessoa, esteja ou não participando da cerimonia ou da pratica
de culto religioso;
Sujeito Passivo – São os fiéis que participam da cerimônia ou prática de culto religioso,
bem como aqueles que realizam a sua celebração.
Elemento subjetivo – É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de
impedir ou perturbar a cerimônia ou prática de culto religioso.
Assevera Hungria: “O objetivo de impedir ou perturbar o ato religioso é indispensável.
Assim, não cometerão o crime em apreço dois indivíduos que, por motivos inteiramente
pessoais e ex improviso, travam luta dentro de uma igreja, no curso de uma missa.
Tampouco incorrerá nas penas do art. 208 a pessoa que, imprudentemente, dá causa ao
disparo de um tiro no curso de alguma cerimônia religiosa, ainda que siga a dispersão
dos fiéis”;
Admite-se o dolo eventual.
Tentativa – é perfeitamente admissível

Consumação – consuma-se com efetivo impedimento ou perturbação da cerimonia ou


pratica de culto religioso.

1.3 Vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso


Vilipendiar é desrespeitar, menosprezar. Pode ser praticada por palavras, como críticas
ofensivas a certos procedimentos religiosos, por escrito ou por gestos (chutar a imagem
de um santo, cuspir em uma cruz com a imagem de Cristo). É necessário que a conduta
recaia sobre ato religioso ou sobre objeto de culto religioso e que ocorra em público.

1.3.1 Elementos do Tipo


Núcleo – Vilipendiar;
Objeto material - e o ato ou objeto de culto religioso;

Objeto jurídico- liberdade de crença, e de culto;

Obs.: Ressalva Hungria: “é preciso que tais objetos estejam consagrados ao culto: não
serão especialmente protegidos quando, por exemplo, ainda expostos à venda numa casa
comercial”;
Sujeito Ativo – pode ser qualquer pessoa, inclusive ministro de outra religião;
Sujeito Passivo – a coletividade religiosa;
Elemento subjetivo – É o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de vilipendiar o ato
ou objeto de culto religioso.
Tentativa – A tentativa é admissível nesses casos, em que o crime é material. Não
sendo possível na hipótese em que o crime é praticado mediante ofensas verbais.

Consumação – consuma-se o crime com a prática do ato ultrajante, por exemplo, atirar
lixo contra a imagem sacra.
2. Causa de aumento de pena e concurso de crimes
Dispõe o parágrafo único do art. 208 do Código Penal “ se há emprego de violência, a
pena aumentada de uma terço, sem prejuízo da correspondente à violência”. Trata-se da
violência contra coisa ou pessoa, portanto, haverá concurso material de crimes se a
violência empregada configurar por si só algum crime (lesões corporais, dano etc.).
Nessa hipótese, o concurso dar-se-á com a forma majorada dos crimes contra
sentimento religioso em virtude do emprego de violência.
A Ação Penal é publica incondicionada, de competência do Juizado Especial Criminal.
Por se cuidar de infração de menor potencial ofensivo, incidem as disposições da Lei n.
9.099/95, ainda que haja a incidência da majorante (1/3) prevista no parágrafo único do
artigo, em face do conceito de infração de menor potencial ofensivo. A suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) é cabível no caput e no parágrafo

único.

DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS


1. Conceito

No Capítulo II do Código Penal estão previstos os crimes contra o respeito aos mortos,
que estão elencados em quatro artigos: art. 209 (impedimento ou perturbação de
cerimônia funerária); art. 210 (violação de sepultura); art. 211 (destruição, subtração ou
ocultação de cadáver) e art. 212 (vilipêndio a cadáver). O artigo 5°, inciso VI, da
Constituição Federal segue em conformidade com os dispositivos citados, os
justificando: VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e a suas liturgias.

1.1 Impedimento ou perturbação de cerimônia Funerária


O conceito prescrito no art. 209 do Código Penal: “impedir ou perturbar enterro ou
cerimonia funerária: pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. ”

1.1.1 Elementos do tipo

Núcleo – Impedir e Perturbar;


Objeto jurídico- protege-se o sentimento de respeito pelos mortos;

Sujeito Ativo – Qualquer pessoa pode praticar o delito;


Sujeito Passivo – A coletividade, que representa os familiares do morto e o Estado.
Cuida-se de crime vago, isto é, tem por sujeito passivo entidade sem personalidade
jurídica, como a coletividade, a família e o amigos do morto. Este, por não mais ser
titular de direitos, não pode ser sujeito passivo do crime em estudo. (Capez, 2020).
Elemento subjetivo – É o dolo direto ou eventual, consubstanciado na vontade livre e
consciente de impedir ou perturbar enterro ou cerimonia funerária.
Tentativa – empregados todos os meios idôneos, não se logra a concretização desses
resultados, estamos diante da forma tentada do crime em estudo.
Consumação – Consuma-se o delito com o efetivo impedimento ou perturbação do
enterro ou cerimônia funerária.

1.1.2 Causa de aumento de pena e Ação Penal


Majorada- previsto no parágrafo único. “Se há emprego de violência, a pena é
aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”. Capez (2020) diz
que se trata da violência física contra coisa ou pessoa. O mesmo paragrafo prevê o
concurso de material de crimes. Ademais, conforme ressalva a própria lei, a pena
aumentada aplica-se sem prejuízo daquela correspondente à violência. Assim, as penas
serão somadas se a violência empregada provocar lesão, ainda que leve, ou dano
Ação Penal Pública incondicionada, de competência do juizado Especial Criminal.
Por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, incidem as disposições da Lei n.
9.099/95, ainda que haja a incidência da majorante (1/3) prevista no parágrafo único do
artigo, em face do conceito de infração de menor potencial ofensivo do art. 61 da Lei n.
9.099/95. A suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) é cabível no
caput e no parágrafo único.
1.2 Violação de Sepultura

O delito de violação de sepultura está disposto no art. 210 do Código Penal: “Violar ou
profanar sepultura ou urna funerária: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa”.

1.2.1 Elementos do Tipo

Núcleo - Violar (devassar, abrir, descobrir, destruir, no caso, sepultura ou urna


funerária);
Profanar (tratar com desprezo ou irreverencia, ultrajar, macular, aviltar, degradar);
Objeto jurídico - É o mesmo do artigo que o antecede e, portanto, protege-se o
sentimento de respeito pelos mortos;
Objeto material - sepultura ou urna funerária (O termo ‘sepultura’ compreende tudo
que é imediatamente conexo a ele, podendo ser além do tumulo, a lápide, os ornamentos
estáveis, as inscrições, etc);
Sujeito Ativo – Qualquer pessoa;
Sujeito Passivo - A coletividade (crime vago: a família e os amigos do falecido);
Elemento subjetivo – Dolo dirigido finalisticamente ao ato de violar ou profanar
sepultura ou urna funerária;
Consumação – O crime consuma-se com a efetiva violação ou profanação de sepultura
ou urna funerária, seja parcial ou total do cadáver;
Tentativa – Admite-se tentativa;
Classificação - Crime comum em relação ao sujeito ativo e passivo, sendo considerado
também um crime vago, doloso, comissivo (podendo ocorrer também situações de
omissão impropria). É um crime de forma livre; instantâneo; material; monossubjetivo;
plurissubsistente; e não transeunte, em regra.
Excludentes da ilicitude - O art. 163 do Código de Processo Penal autoriza a exumação
para exame cadavérico.

1.3 Destruição, subtração ou ocultação de cadáver

O delito em questão está disposto no art. 211 do Código Penal: “Destruir, subtrair ou
ocultar cadáver ou parte dele: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa”.

1.3.1 Elementos do Tipo


Núcleo – Destruir (aniquilar, fazer perder a forma original, suprimir, tornar a coisa
insubsistente); Subtrair (retirar o cadáver ou parte dele do local onde originalmente se
encontrava); Ocultar (esconder o cadáver ou mesmo parte dele, não implicando sua
destruição);
Objeto jurídico – protege-se o sentimento de respeito pelos mortos;
Objeto material - o cadáver ou parte dele;
Sujeito Ativo – Qualquer pessoa;
Sujeito Passivo – Coletividade (família e amigos do falecido);
Elemento subjetivo – Dolo
Consumação – Consuma-se o crime com a destruição, ocultação ou subtraçao total ou
parcial do cadáver.
Tentativa – É admitida;
Classificação - Crime comum com relação ao sujeito ativo e passivo, além de ser um
crime vago; doloso; comissivo (podendo ocorrer também situações de omissão
impropria); de forma livre; instantâneo (em regra); material; monossubjetivo;
plurissubsistente; transeunte ou não transeunte (depende da hipótese concreta);
Concurso de crimes - Se o agente matar a vítima e depois destruir ou ocultar o seu
cadáver haverá o concurso material de crimes (CP, arts. 121 e 211).

1.4 Vilipêndio a cadáver

O delito de vilipêndio a cadáver está previsto no art. 212 do Código Penal: “Vilipendiar
cadáver ou suas cinzas: Pena – detenção, de um a três anos, e multa”.

1.4.1 Elementos do Tipo


Núcleo – Vilipendiar (menoscabar, aviltar, ultrajar, tratar com desprezo, no caso, o
cadáver ou suas cinzas).
Objeto jurídico – É o sentimento de respeito aos mortos.
Objeto material - É o cadáver ou suas cinzas;
Sujeito Ativo – Qualquer pessoa (crime comum);
Sujeito Passivo – A coletividade, a família e os amigos do falecido (crime vago);
Elemento subjetivo – É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ultrajar,
tratar com desprezo o cadáver ou suas cinzas;
Consumação –
Tentativa – A tentativa é admitida nos casos de crime plurissubsistente, ou seja, nas
hipóteses de vilipêndio praticado verbalmente, a tentativa não é possível visto que se
trata de crime unissubsistente;
Classificação - Crime comum com relação ao sujeito ativo e passivo; doloso; comissivo
(podendo ocorrer também situações de omissão impropria); de forma livre; instantâneo;
material; monossubjetivo; plurissubsistente; transeunte ou não transeunte (depende da
hipótese concreta).
Concurso de crimes - Se o agente violar sepultura e ultrajar cadáver, haverá o concurso
formal de crimes (arts. 210 e 212) e se o vilipêndio configurar calúnia contra o falecido,
haverá, também, concurso formal de
crimes (arts. 138, § 2º, e 212).

REFERENCIAS
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios.Direito penal esquematizado – parte especial .
Coleção esquematizado / coordenador Pedro Lenza – 10. ed. – São Paulo : Saraiva
Educação, 2020.
CAPEZ, Fernando. Parte especial arts. 121 a 212. Coleção Curso de direito penal. 20.
ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.

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