Apostila 1° Bimestre Penal UNISAL 2017

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Aula 1º Bimestre

DIREITO PENAL - 5º SEMESTRE

CONTEÚDO: Crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos (art. 208 à 212); Crimes contra a
dignidade sexual (art. 213 à 234-C); Crimes contra a família (art. 235 à 249); Crimes contra a incolumidade
pública (art. 250 à 285); Crimes contra a paz pública (art. 286 à 288-A); Crimes contra a fé pública (art. 289 à
311-A); Crimes contra a administração pública (art. 312 à 359-H).

DIREITO PENAL – PARTE ESPECIAL

Classificação dos crimes:


Nosso Código Penal (Dec. Lei nº 2.848/40), foi dividido em títulos, capítulos e seções, e
tomou por base o objeto jurídico, ao proceder à ordenação dos tipos penais, ou seja, quais bens
jurídicos deveriam ser preservados para que os mesmos não fossem violados.
A Parte Especial, ao tipificar crimes e cominar penas, constitui-se em corolário do princípio da
reserva legal ou da estrita legalidade, consagrado pelo art. 5.º, inc. XXXIX, da CF, e pelo art. 1.º do
Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal”. (MASSON, 2014, p. 41)
Foi então sistematizado em 11 títulos principais, sendo a seguinte a sistematização realizada
na Parte Especial do diploma penal brasileiro de 1940:

Título I – Dos crimes contra a pessoa


Título II – Dos crimes contra o patrimônio
Título III – Dos crimes contra a propriedade imaterial
Título IV – Dos crimes contra a organização do trabalho
Título V – Dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos
Título VI – Dos crimes contra a dignidade sexual
Título VII – Dos crimes contra a família
Título VIII – Dos crimes contra a incolumidade pública
Título IX – Dos crimes contra a paz pública
Título X – Dos crimes contra a fé pública
Título XI – Dos crimes contra a administração pública

TÍTULO V - DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O


RESPEITO AOS MORTOS

CAPÍTULO I - Dos crimes contra o sentimento religioso

Proteção Constitucional: a Constituição Federal assegura a liberdade de consciência e de crença,


possibilitando o livre exercício dos cultos religiosos, garantindo a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias, na forma da lei, ou seja, desde que não haja excessos ou abusos na realização dos mesmos de
modo que acabe prejudicando outros direitos e garantias individuais (art. 5º, VI). (NUCCI, 2014, p.
1013)

Sentimento religioso é a convicção, acentuada pelo sentimento, da existência de uma ordem


universal que se eleva acima do homem. (HUNGRIA, 1954, p. 55)
Em tempos pretéritos, toda religião estava intimamente relacionada ao conceito de Estado. O
dever religioso era um dever político, e, consequentemente, o crime contra a religião era crime contra
o Estado. A profanação de um templo e o impedimento de um ato religioso, quando intencionais,
constituíam atentados contra a ordem estatal.
No Brasil, com o advento da República, foi reconhecida a liberdade de culto, proclamada antes
mesmo da constitucionalização do novo regime, com o Decreto 119-A, de 07.01.1890, da lavra de Ruy
Barbosa, expedido pelo Governo Provisório.
Vivemos, portanto, em um Estado laico ou não confessional: admite e respeita todas as
vocações religiosas. (SILVA, 2007. p. 251).

1
Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar
cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da


correspondente à violência.

Ultrajar = ofender a dignidade; injuriar.


Veja que o tipo penal contém na verdade três modalidades de crimes, tratando-se de um tipo
misto cumulativo (NUCCI, 2014, p. 1013), ou seja, que contêm três figuras criminosas autônomas,
sendo possível o agente responder em concurso material por mais de um crime:
1º) Escarnecer (zombar) de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa:
1. Objeto Jurídico: Tutela-se a liberdade individual do homem de ter crença, bem como exercer o
ministério religioso. Tal direito, aliás, é assegurado constitucionalmente:
- art. 5º, VI, CF: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Tutela-se a própria religião contra o escárnio (zombaria, menosprezo).
2. Ação nuclear: Consubstancia-se no verbo escarnecer, que significa zombar, achincalhar,
ridicularizar, de forma a ofender alguém, em virtude crença ou função religiosa.
Crença é a fé em uma doutrina religiosa;
Função religiosa é o ministério exercido por quem participa da celebração de um culto, por
exemplo, padre, pastor, rabino, frade, freira etc.
O escárnio pode ser praticado por diversas formas: oral, escrita, simbólica etc.
Injúria: O escárnio necessariamente há de ser público, pois, caso seja feito entre o agente e a
vítima sem ninguém perto, teria ele mais o aspecto de injúria qualificada (art. 140, § 3º, CP).
Conforme assevera E. Magalhães Noronha, “passando-se o fato entre o agente e a vítima, teria
ele mais o aspecto de injúria. Sem dúvida, também, que o escárnio público expõe ao descrédito a
religião, que, concomitantemente, é protegida e tutelada, como se falou”. (NORONHA, 1994. v. 3, p.
76).
Sem dúvida, também que, o escárnio público expõe ao descrédito a religião que,
concomitantemente, é protegida e tutelada. Cumpre ressaltar que Hungria já defendia que a ofensa à
religião em si mesma, sem que haja ofensa direta a uma pessoa, não configura o crime em tela.
3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticar o delito em tela, inclusive aquelas que crêem em
determinada religião e os seus ministros.
4. Sujeito passivo: É a pessoa ofendida, aquela que crê em determinada religião ou que exerce o
ministério religioso (padre, rabino, pastor, freira coroinha etc). Deve ser pessoa determinada, pois o
tipo trata de “alguém”, não sendo possível tratar-se de um grupo de pessoas indeterminado.
5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de escarnecer de
alguém, por motivo de crença ou função religiosa. Este é o chamado dolo específico, no qual Nucci
chama de elementos subjetivo do tipo específico (NUCCI, 2014, p. 1013). Ausente essa motivação,
outro crime poderá configurar-se, por exemplo, injúria (art. 140). Não existe a forma culposa.
6. Consumação e tentativa: Consuma-se com o ato de escarnecer publicamente. A tentativa é
possível, exceto na formal verbal do escárnio.
2º) impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso:
1. Objeto jurídico: Tutela-se também aqui a liberdade individual de professar uma crença
religiosa e a liberdade de culto, as quais estão plenamente asseguradas na Constituição Federal (art.
2
5º, VI). A liberdade de culto protegida é a permitida pelo Estado, por não atentar contra a moral
ou os bons costumes.
Por se tratar de crime contra cerimônia ou prática de culto religioso, protege-se também a
ordem pública.

2. Ação nuclear: As ações nucleares da 2ª parte do art. 208 consubstanciam-se nos verbos:

a) impedir - consiste em não permitir o início ou prosseguimento da cerimônia ou prática de culto


religioso, por exemplo, pregar estacas de madeira na porta da igreja para que nenhum fiel entre; ou

b) perturbar - consiste em atrapalhar, perturbar, tumultuar a cerimônia ou culto religioso, por


exemplo, proferir palavrões durante a cerimônia religiosa, fazer barulho para que o sermão do padre
não seja ouvido pelos fiéis, algazarra, vaias etc.
Cita ainda a doutrina o exemplo da mulher pouco vestida que entra em um templo religioso
com a intenção de provocar protestos ou intervenção da autoridade eclesiástica.
O agente, dessa forma, impede ou tumultua a cerimônia ou a prática de culto religioso:

Cerimônia = é o ato religioso solene, é a exteriorização de um culto, por exemplo, missa, casamento,
procissão, batizados, ritual, adoração, reverência etc.

Prática de culto = consiste no ato religioso sem as solenidades da cerimônia, é algo mais singelo,
por exemplo, novena, oração, sermão etc.

3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa esteja ou não participando da cerimônia ou da prática de culto
religioso.

4. Sujeito passivo: A coletividade religiosa. Trata-se de crime vago (sujeito passivo é indeterminado)
São os fiéis que participam da cerimônia ou prática de culto religioso, bem como aqueles que realizam
a sua celebração.

5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de impedir ou


perturbar a cerimônia ou prática de culto religioso. Assevera Hungria: "O objetivo de impedir ou
perturbar o ato religioso é indispensável. Assim, não cometerão o crime em apreço dois indivíduos
que, por motivos inteiramente pessoais e ex improviso, travam luta dentro de uma igreja, no curso de
uma missa. Tampouco incorrerá nas penas do art. 208 a pessoa que, imprudentemente, dá causa ao
disparo de um tiro no curso de alguma cerimônia religiosa, ainda que siga a dispersão dos fiéis".
Admite-se o dolo eventual.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se com o efetivo impedimento ou perturbação da cerimônia ou


prática de culto religioso. A tentativa é perfeitamente admissível.
3º) vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
1. Objeto jurídico: Tutela-se, mais uma vez, a liberdade individual de crença e de culto religioso.

2. Ação nuclear: A ação nuclear típica da parte final do art. 208 consubstancia-se no verbo
vilipendiar, isto é, tratar com desprezo, desrespeito, humilhar, desonrar, desdém, de modo
ultrajante o ato ou objeto de culto religioso. Pode-se vilipendiar por meio escrito, palavras, por
gestos. Por exemplo: proferir palavrões contra a imagem de um santo, atirar papéis contra ele, chutar
imagens etc.
Exige-se que a ação de vilipendiar seja feita no decorrer do ato religioso ou diretamente
sobre ou contra a coisa objeto do culto religioso.
Deve o vilipêndio ser realizado publicamente, ou seja, na presença de várias pessoas.
Conforme doutrina Nucci, “o objetivo é impedir que várias pessoas tomem conhecimento das
manifestações desairosas a respeito de determinado ato ou objeto de culto religioso, o que pode ferir a
liberdade de culto e crença”.
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3. Objeto material: O objeto material do crime é, portanto, o ato ou objeto de culto religioso.
Ato religioso compreende a cerimônia ou a prática de culto religioso. Comete, portanto, o
crime aquele que, durante o ato religioso, o vilipendia publicamente.

Objeto de culto religioso é toda coisa corporal inerente ao serviço do culto. Segundo E.
Magalhães Noronha, a expressão usada pela lei abrange a que em si é objeto de culto (imagens), a que
a ele é consagrada (igreja, altares, cálice etc.) e a que obrigatoriamente serve a sua manifestação
(livros litúrgicos, etc.).
Ressalva Hungria: "é preciso que tais objetos estejam consagrados ao culto: não serão
especialmente protegidos quando, por exemplo, ainda expostos à venda numa casa comercial".

4. Elemento subjetivo: É o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de vilipendiar o ato ou objeto de
culto religioso.

5. Consumação e tentativa: Consuma-se o crime com a prática do ato ultrajante, por exemplo, atirar
lixo contra a imagem sacra. A tentativa é admissível nesses casos, em que o crime é material. Não será
admissível, por exemplo, na hipótese em que o crime é praticado mediante ofensas verbais.

5. CAUSA DE AUMENTO DE PENA E CONCURSO DE CRIMES


Art. 208, parágrafo único: "Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da
correspondente à violência".

Como o texto legal não faz distinção, o dispositivo trata tanto da violência física contra a
pessoa ou coisa. Haverá concurso material de crimes se a violência empregada configurar por si só
algum crime (lesões corporais, dano etc.). Nessa hipótese, o concurso dar-se-á com a forma majorada
dos crimes contra o sentimento religioso em virtude do emprego de violência.
Para Nucci (2014, p. 1016), embora a lei não seja expressa, entende que a violência utilizada é
somente contra a pessoa e não a coisas ou animais, justificando seu entendimento que o legislador visa
uma maior proteção ao ser humano.

6. Ação penal: Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, de competência do Juizado
Especial Criminal.

7. Classificação doutrinária: O crime é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal
(independe do resultado naturalístico, qual seja o efetivo prejuízo ao sentimento religioso,
consumando-se com a prática da conduta); de forma livre (admite qualquer meio de execução);
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas
admite o concurso); unissubsistente (nesse caso, será incompatível com a tentativa ou conatus) ou
plurissubsistente (a conduta criminosa pode, conforme o caso, ser ou não fracionada em diversos
atos); e instantâneo (a consumação ocorre em momento determinado, sem continuidade no tempo).

CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS
Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária
Art. 209 - Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da


correspondente à violência.

1 - OBJETO JURÍDICO: Protege-se o sentimento de respeito pelos mortos e à dor de seus


familiares.

Afirma Noronha: "É a piedade que se tem para com eles, sentimento individual e coletivo que
cerca os túmulos, cemitérios e as coisas que servem ao seu culto".
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Hungria, por sua vez, sustenta: "O que a lei penal protege (e neste particular tem ela caráter
constitutivo, e não meramente sancionatório) não é a paz dos mortos (como se tem pretendido, com
abstração do axioma de que os mortos não têm direitos), mas o sentimento de reverência dos vivos
para com os mortos. É em obséquio aos vivos, e não aos mortos (tal como no caso da 'calúnia contra
os mortos', prevista no art. 138, § 2º), que surge a incriminação. O respeito aos mortos (do mesmo
modo que o sentimento religioso) é um relevante valor ético-social, e, como tal, um interesse jurídico
digno, por si mesmo, da tutela penal".

2. ELEMENTOS DO TIPO:
1. Ação nuclear: As ações nucleares típicas são similares às previstas na 2ª parte do art. 208, caput,
quais sejam, impedir ou perturbar, no caso, enterro ou cerimônia fúnebre. Admite-se que o crime
seja praticado por omissão, por exemplo, deixar de fornecer o veículo para transportar o corpo.

enterro = consiste no transporte do corpo para o local onde será sepultado ou cremado.

cerimônia fúnebre = consubstancia-se em todos os atos por meio do qual o defunto é assistido ou
homenageado, por exemplo, velório, embalsamento, honras fúnebres, etc. Não deve ela ter caráter
religioso, pois, do contrário, o crime será enquadrado no art. 208 do CP.

2. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticar o delito em tela. Trata-se de crime comum.

3. Sujeito passivo: Cuida-se de crime vago, isto é, tem por sujeito passivo entidade sem
personalidade jurídica, como a coletividade, a família e os amigos do morto. Este, por não mais
ser titular de direitos, não pode ser sujeito passivo do crime em estudo.

4 - Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de impedir ou


perturbar enterro ou cerimônia funerária. O tipo penal não exige nenhum elemento subjetivo do tipo.

Para Nucci (2014, p. 1017) já seria necessário a presença do elemento subjetivo do tipo
específico de realmente querer ultrajar a memória do morto, citando como exemplo de pessoas que em
velórios ficam descontroladas, perturbando nitidamente a cerimônia, mas que não estariam fazendo
com intenção de menoscabar a memória do morto, ainda que saibam que estão perturbando.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: Consuma-se o delito com o efetivo impedimento ou


perturbação do enterro ou cerimônia funerária. Se, apesar de terem sido empregados todos os meios
idôneos, não se logra a concretização desses resultados, ocorre a forma tentada do crime em estudo.

6. FORMAS:
6.1. Simples: Está prevista no caput.
6.2. Majorada:
Art. 209, parágrafo único: "Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem
prejuízo da correspondente à violência". O mesmo parágrafo, portanto, prevê o concurso material de
crimes. Vide comentários ao art. 208, parágrafo único.

7. AÇÃO PENAL: Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, de competência do


Juizado Especial Criminal.

8. Classificação doutrinária: O crime é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); vago (tem
como sujeito passivo principal um ente destituído de personalidade jurídica); formal (não exige efetiva
lesão à memória dos mortos e ao respeito a ela devido); de forma livre (admite qualquer meio de
execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa,
mas admite o concurso); unissubsistente (nesse caso, será incompatível com a tentativa ou conatus.
Exemplo: explodir uma bomba durante a cerimônia fúnebre) ou plurissubsistente (a conduta

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criminosa pode, conforme o caso, ser ou não fracionada em diversos atos); e instantâneo (a
consumação ocorre em momento determinado, sem continuidade no tempo).

Violação de sepultura
Art. 210 - Violar ou profanar sepultura ou urna funerária:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

1. OBJETO JURÍDICO: É o mesmo do artigo antecedente, protege-se o sentimento de respeito


pelos mortos e à dor de seus familiares.

2. ELEMENTOS DO TIPO: As ações nucleares do tipo estão consubstanciadas nos verbos:


a) violar = devassar, abrir, descobrir, destruir, no caso, sepultura ou urna funerária. Com a violação, o
cadáver ou as cinzas do defunto devem ficar expostos, mas não há necessidade de que sejam
removidos; ou
b) profanar = tratar com desprezo, ultrajar, macular, aviltar, sem respeito, por exemplo, jogar
excrementos sobre a sepultura ou urna funerária, destruir os ornamentos, escrever palavras injuriosas,
pichar a sepultura etc. De acordo com a jurisprudência, profanação “configura qualquer ato de
vandalismo sobre a sepultura, ou de alteração chocante, de aviltamento ou grosseira irreverência”
(TJSP – RT 476/349).

3. Objeto material: A lei faz menção a sepultura ou urna funerária.

- Sepultura é a cova onde se coloca o morto e seus acessórios, como o jazigo, a lápide que compõe o
túmulo etc.. Segundo E. Magalhães Noronha, "abrange o sepulcro, a tumba e o túmulo. É o lugar
onde se acha inumado um cadáver humano ou suas partes. Não é apenas a cova ou vala, mas
compreende também o que se acha construído sobre ela - os adornos fixados, a lápide, as inscrições
etc., tudo, em conjunto, formando a última morada". Deve necessariamente conter o cadáver.

- Urna funerária compreende as caixas, cofres ou vasos que contêm as cinzas ou ossos do morto.

Obs.: Sepulcro ou urna vazia: crime impossível – absoluta impropriedade do objeto (art. 17, CP).

4. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticar o delito em tela.

5. Sujeito passivo: Trata-se de crime vago. Sujeito passivo é a coletividade, a família e os amigos do
falecido.

6. ELEMENTO SUBJETIVO: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de violar ou


profanar sepultura ou urna funerária.

Exige-se o elemento subjetivo do tipo? Há três posições:


1ª) O tipo penal exige o dolo específico (elemento subjetivo do tipo). Os verbos profanar e violar
traduzem falta de respeito aos mortos. Este há de ser o fim do sujeito ativo.

2ª) Exige-se o elemento subjetivo do tipo somente na modalidade profanar, pois não há profanação
sem o intuito de vilipendiar ou desprezar a memória do morto ou seu sepulcro. Opinião de Nucci
(2014, p. 1018).

3ª) A figura penal não exige o chamado elemento subjetivo do tipo. É irrelevante indagar qual o
propósito do agente.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: O crime consuma-se com a violação ou profanação de


sepultura ou urna funerária. A tentativa é perfeitamente admissível.

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8. CONCURSO DE CRIMES:
a) Violação e profanação (art. 210): se para a prática do crime de violação de sepultura ou urna
funerária forem cometidos também atos de profanação, estes restam absorvidos pela violação. Há,
portanto, crime único.

b) Violação de sepultura (art. 210) e crime de calúnia contra os mortos (art. 138, § 2º): se a
profanação constituir calúnia contra o morto haverá concurso formal entre os citados crimes.

c) Violação de sepultura (art. 210) e subtração ou destruição de cadáver (art. 211): há crime
único. Na hipótese em que o cadáver se encontra sepultado, a violação de sepultura constitui meio
necessário para a prática do crime-fim, que é a subtração ou destruição de cadáver. Desse modo, o
primeiro delito resta absorvido pelo segundo. Vale ainda mencionar que os dois delitos atingem a
mesma objetividade jurídica e a pena cominada para ambos é idêntica.

d) Violação de sepultura (art. 210) e furto (art. 155): se o agente violar a sepultura e subtrair objetos
(p. ex., joias, dinheiro, dentes de ouro) que foram enterrados juntos ao corpo do falecido existem duas
correntes.
- Para a 1ª corrente (Fernando Capez), entende que os familiares são os donos dos bens (“coisa
alheia”), e a violação é absorvida pelo furto, uma vez que se trata de meio necessário para a prática
do crime, sendo aplicável o princípio da consunção (RT 598/313). Entretanto, se for praticado
vilipêndio, haverá concurso material de delitos, uma vez que para se subtraírem objetos de uma
sepultura não é necessário vilipendiar o cadáver. Só a violação do sepulcro integra a fase de preparação
e, portanto, somente ela restará absorvida.

- Para a 2ª corrente (Victor Eduardo Rios Gonçalves e Nucci (2014, p. 1018)), esses objetos
equivalem à coisa abandonada, pois os objetos materiais que estão dentro da cova não pertencem
a ninguém, sendo ali abandonados pela família, e o delito configura violação de sepultura. “A
subtração de coroa dentária de cadáver, após a violação da sepultura, não configura o delito de furto,
mas somente o descrito no art. 210 do CP” (TJSP – RT 243/265 e RT 619/291).

Se o agente subtrai objetos externos, como placas de bronze ou de prata, sem violar ou
profanar a sepultura, não há dúvida de que o crime é o de furto.

9. CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE:


O art. 163 do CPP autoriza a exumação para exame cadavérico. Exumar significa
desenterrar, no caso, o cadáver. O exame cadavérico é realizado, como já visto, após a morte da
vítima e antes de seu enterramento. Contudo, pode acontecer que, uma vez sepultada a vítima, haja
dúvida acerca da causa de sua morte ou sobre a sua identidade: procede-se, então, à exumação. Nessa
hipótese, aquele que realizar a violação da sepultura em conformidade com a determinação
judicial não comete o crime em tela, pois age no estrito cumprimento de um dever legal. Da
mesma forma, na lição de Hungria, não comete o crime em tela, por agir no exercício regular do
direito, aquele que procede a mudança do cadáver ou de seus restos mortais para outra sepultura,
mediante as formalidades legais. A contravenção de exumação de cadáver (art. 67 da LCP) ocorre
quando as formalidades do CPP não são observadas.

10. AÇÃO PENAL: Pública incondicionada. Cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da
Lei n. 9.099/95).

11. Classificação doutrinária: O delito é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); vago (tem como
sujeito passivo principal um ente destituído de personalidade jurídica); formal (não exige efetiva lesão à
memória dos mortos e ao respeito a ela devido, basta violar ou profanar a sepultura ou urna funerária); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser
cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra plurissubsistente; e instantâneo (a
consumação ocorre em momento determinado, sem continuidade no tempo).

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Destruição, subtração ou ocultação de cadáver

Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:


Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

1. OBJETO JURÍDICO: É o mesmo do artigo antecedente, protege-se o sentimento de respeito


pelos mortos.

2. ELEMENTOS DO TIPO: Trata-se de crime de ação múltipla ou conteúdo variado, de forma


que a prática de qualquer uma das ações previstas na figura típica configura o delito em estudo.

As ações nucleares típicas consubstanciam-se nos seguintes verbos:


a) destruir = tornar a coisa insubsistente, ou seja, atentar contra a existência da coisa, por exemplo,
queimar, esquartejar ou esmagar o cadáver ou parte dele; não é necessária a destruição total, pode ser
somente uma parte. Ex.: decepa os dedos da vítima de um homicídio para que o corpo não seja
identificado. Se o agente se limita a fazer um corte no rosto do cadáver, não se mostra presente uma
efetiva destruição dessa parte do corpo, devendo o agente responder por crime de vilipêndio
(desrespeito) a cadáver;

b) subtrair = significa tirar o cadáver ou parte dele da esfera de proteção ou guarda da família,
amigos, vigias do cemitério. Importante: Na hipótese de o cadáver integrar o patrimônio de alguma
Universidade ou instituto de pesquisa, a subtração constitui crime de furto; ou

c) ocultar = significa esconder, colocar o corpo em local onde não possa ser encontrado, mas sem que
isso implique destruição do cadáver ou parte dele. Há apenas o desaparecimento do objeto do
crime, por exemplo, após o atropelamento, o agente esconde a vítima no interior de uma mata ou a
joga em um rio ou a esconde em sua residência.
A ocultação somente pode ocorrer antes do sepultamento, ao passo que a subtração pode dar-se
antes ou depois do sepultamento, por exemplo, haverá subtração se, durante um velório, pessoas tiram
o corpo do ataúde e fogem com ele.

3. Objeto material: É o cadáver ou parte dele. Cadáver é o corpo privado da vida, mas que ainda
conserva a forma humana, ou seja, é o corpo humano morto.
Assim, não se considera cadáver o esqueleto humano ou as suas cinzas, as múmias e os
corpos já decompostos; quanto a estas, constituem objeto material do crime previsto no art. 212 de
vilipêndio ao cadáver.
Exclui-se também a múmia do conceito de cadáver, sendo certo que a sua subtração pode
configurar o crime de furto. O coveiro que subtrai crânios para vendê-los a estudantes de odontologia
incorre no crime de violação de sepultura, porque a ossada não integra o conceito de cadáver, embora
outros entendam tratar-se, neste caso, de furto.

O natimorto, ou seja, aquele que, tendo chegado à maturação necessária, isto é, ao termo da
gravidez, nasce sem vida, pacificamente também é considerado cadáver.

Forte é a divergência doutrinária em torno da possibilidade de o feto integrar o conceito de


cadáver. Não o é o feto, por não ter chegado à maturação necessária. Mas, na jurisprudência, há
consistente interpretação no sentido de que, após o sexto mês de gestação, quando o feto já possui
forma humana, é viável a configuração do crime. Nesse sentido: “Após cento e oitenta dias de vida
intrauterina, o corpo humano oferece a possibilidade de sobrevivência por ter atingido a maturidade
vital. Vale dizer que, se morto depois de seis meses, deve ser considerado cadáver” (TJSP – RT
286/96).
A lei também se refere a parte do cadáver, por exemplo, em acidente de aeronave somente se
logra encontrar a cabeça do falecido. Ressalva Noronha que as partes amputadas de corpo vivo não são
tuteladas pela lei.

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4. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticar o delito em tela, inclusive a própria família do morto.
Trata-se de crime comum.

5. Sujeito passivo: Trata-se de crime vago. Sujeito passivo é a coletividade, a família e os amigos
do falecido.

6. ELEMENTO SUBJETIVO: É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar


qualquer uma das ações nucleares do tipo. Não se exige o chamado elemento subjetivo do tipo.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: Consuma-se o crime com a destruição total ou parcial do


cadáver. Na modalidade ocultar, o crime se consuma com o desaparecimento do cadáver ou de parte
dele. Finalmente, na modalidade subtrair, o crime se consuma com a retirada do cadáver ou de parte
dele da esfera de proteção e guarda da família, amigos etc. A tentativa é perfeitamente possível.

8. REMOÇÃO DE ÓRGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE


TRANSPLANTE E TRATAMENTO (LEI N. 9.434/97).
Estabelece a Lei n. 9.434/97 (que revogou a Lei n. 8.489/92) em seu art. 1°: "A disposição
gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de
transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei".
Os arts. 14 a 20 do mencionado diploma legal preveem condutas criminosas relacionadas à
disposição de órgãos e partes do corpo humano em desacordo com seus preceitos.

8.1 Erro de proibição: Nucci (2014, p. 1019) entende que é possível a configuração do erro de
proibição (credulidade na licitude da conduta) quando o agente, visando realizar transplante, e
acreditando que o morto, ainda em vida, era considerado doador de órgãos ou tecidos, quando na
verdade não era.

9. CONCURSO DE CRIMES: Haverá concurso material de crimes se o agente matar a vítima e


depois destruir ou ocultar o seu cadáver (arts. 121 e 211 CPB).

Autodefesa: Nucci (2014, p. 1020) entende que não é admissível que se invoque o direito à autodefesa
para o cometimento do delito, pois o que se pretende tutelar é o respeito à memória dos mortos, que
mereceria um sepultamento digno. Assim, em um homicídio, se o homicida desaparecer com o corpo
(prova da materialidade da infração penal), deve responder em concurso material com o homicídio.
Se o agente para destruir ou subtrair o cadáver tiver ele violar a sua sepultura (CP, art. 210),
haverá crime único.

10. AÇÃO PENAL: Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada. É cabível a suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei n° 9.099/95).

11. Classificação doutrinária: Trata-se de crime comum (praticado por qualquer pessoa); doloso;
vago (tem como sujeito passivo principal um ente destituído de personalidade jurídica); formal (não
exige efetiva lesão à memória dos mortos e ao respeito a ela devido, basta destruir, subtrair ou ocultar
cadáver); de forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra
plurissubsistente; e instantâneo (a consumação ocorre em momento determinado, sem continuidade
no tempo) ou permanente (a consumação se prolonga no tempo), na modalidade “ocultar”.

Vilipêndio a cadáver
Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

1. OBJETO JURÍDICO: É o mesmo do artigo antecedente, protege-se o sentimento de respeito


pelos mortos.

9
2. ELEMENTOS DO TIPO: Consubstancia-se no verbo vilipendiar, isto é, ultrajar, desrespeitar,
tratar com desprezo, no caso, o cadáver ou suas cinzas. Difere, portanto, do crime previsto no art.
208, pois neste o vilipêndio atinge ato ou objeto de culto religioso. O vilipêndio pode ser praticado
de diversos modos, por exemplo, atirar excrementos no cadáver, proferir palavrões contra ele,
desferir cusparada, praticar atos sexuais com ele (necrofilia) etc. Deve, portanto, a ação criminosa
se dar sobre ou junto ao cadáver ou suas cinzas.

3. Objeto material: É o cadáver ou suas cinzas. Cadáver é o corpo privado da vida, mas que ainda
conserva a forma humana. Cinzas humanas constituem os resíduos da combustão ou cremação do
corpo (autorizada, casual ou criminosa). Segundo Noronha, "a vontade da lei é tutelar não só estas e o
cadáver, mas também as partes dele, o esqueleto etc., já que ela se referiu aos extremos - cadáver ou
cinzas - abrangendo, portanto, o que se situa entre eles, ou seja, entre os extremos".
4. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticar o delito em tela, inclusive a própria família do morto.

5. Sujeito passivo: Trata-se de crime vago. Sujeito passivo é a coletividade, a família e os amigos do
falecido.

6. ELEMENTO SUBJETIVO: É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ultrajar, tratar


com desprezo o cadáver ou suas cinzas. Para Nucci (2014, P. 1020), em se tratando de vilipêndio,
deve-se exigir o elemento subjetivo do tipo específico, que seria a vontade de humilhar ou desonrar a
memória do morto. Exclui-se o crime assim, quaisquer outras intenções, tais como o ato cometido para
fins didáticos ou científicos.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: Consuma-se com a prática do ato configurador do vilipêndio. A


tentativa é possível, salvo na hipótese de vilipêndio oral.

8. CONCURSO DE CRIMES: Se o agente violar sepultura e ultrajar cadáver, por exemplo, jogando
sobre ele excrementos, haverá concurso formal de crimes (arts. 210 e 212). Da mesma forma, se o
vilipêndio configurar calúnia contra o falecido, haverá concurso formal de crimes (arts. 138, § 2º, e
212). Caso o sujeito agarre uma mulher a fim de estuprá-la e a mate porque ela tentava se esquivar do
ato sexual, e, somente após a morte, ele consiga a penetração, responde por homicídio qualificado,
tentativa de estupro e vilipêndio a cadáver, em concurso material.

9. AÇÃO PENAL: Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada. É cabível a suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei n° 9.099/95).

10. Classificação doutrinária: O crime é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); vago (tem
como sujeito passivo principal um ente destituído de personalidade jurídica); formal (não exige efetiva
lesão à memória dos mortos e ao respeito a ela devido, basta vilipendiar o cadáver ou suas cinzas); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual
(pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); unissubsistente (exemplo: vilipêndio
verbal) ou plurissubsistente; e instantâneo (a consumação ocorre em momento determinado, sem
continuidade no tempo).

TÍTULO VI
DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

LEI Nº 12.015/2009 – OBJETIVIDADE JURÍDICA DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE


SEXUAL
Antes da alteração dada pela Lei nº 12.015/2009, o Título VI do Código Penal era tratado como
“Dos crimes contra os costumes”, tutelando assim a moral social sob o ponto de vista sexual. A lei
penal não interferia nas relações sexuais normais dos indivíduos, mas reprimia as condutas
anormais consideradas graves que afetassem a moral média da sociedade.
10
A respeito do termo “costumes”, Nélson Hungria (1983, p. 93) traz o seguinte conceito: “O
vocábulo “costumes” é aí empregado para significar (sentido restrito) os hábitos da vida sexual
aprovados pela moral prática, ou, equivale mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e
disciplina sociais. O que a lei penal se propõe a tutelar, in subjecta matéria, é o interesse jurídico
concernente à preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos
sexuais”.
Para Paulo José da Costa (CAPEZ, 2014, P. 18) a expressão “bons costumes”, realizando um
apanhado histórico, representa: “O Código alude aos crimes contra os costumes, estando subentendida
a expressão “bons costumes”, que são aquela parte da moralidade pública referente às relações
sexuais. Moralidade pública é a consciência ética de um povo, em um dado momento histórico. (...)
Desse modo, o direito penal aceita a ética sexual para, dentre os comportamentos vários, selecionar os
mais graves, erigindo-os a delitos”.
No entendimento de Nucci (2014, p. 1021): “Há muito tempo, defendíamos que não mais se
concretizam no seio social tais sentimentos ou princípios denominados éticos no tocante à sexualidade.
A sociedade evoluiu e houve uma autêntica liberação dos apregoados costumes, de modo que o Código
Penal estava a merecer uma autêntica reforma nesse contexto. O que o legislador deve policiar, à luz
da Constituição Federal de 1988, é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que
porventura os membros da sociedade resolvam adotar, livremente, sem qualquer constrangimento e
sem ofender direito alheio, ainda que, para alguns, possam ser imorais ou inadequados”.
A proteção dos bons costumes prevalecia em face de outros interesses penais
juridicamente relevantes como a liberdade sexual. Era o reflexo de uma sociedade patriarcal e
pautada por valores ético-sociais que primava, sobretudo, pela moralidade sexual e seus reflexos na
organização da família, deixando, para um segundo plano, a tutela dos direitos fundamentais do
indivíduo. (CAPEZ, 2014, p. 19).
Á época em que foi editado o Decreto-Lei nº 2848 (Código Penal), em 7 de dezembro de 1940,
não havia espaço para a flexibilização dos padrões da moral sexual, de forma que a sua proteção
assumia especial relevo em face dos direitos individuais. Nesta linha, Damásio comenta: “O Código
Penal brasileiro data de 1940, época em que a preocupação com a moralidade sexual, principalmente
em relação à mulher, era bastante acentuada. Além disso, à mulher era dado desempenhar papel de
reduzida importância, de forma que a proteção à moral não raras vezes se sobrepunha aos direitos
individuais”.
Pela mentalidade predominante à época, não era o interesse primário do Estado a tutela penal
dos direitos humanos ou liberdades fundamentais do indivíduo, como seu direito à vida, integridade
física, liberdade, segurança etc. Os mesmos acabavam apenas sendo resguardados indiretamente, do
contrário, não teríamos o aludido delito inserido no título “crimes contra os costumes”.
Com as modificações operadas pela Lei nº 12.015/2009, passou o Título VI a tratar dos delitos
contra a dignidade sexual, substituindo a expressão “Dos crimes contra os costumes”. Mudou-se,
portanto, o foco da proteção jurídica. Não se tem em vista, agora, em primeiro plano, a moral
média da sociedade, o resguardo dos bons costumes, isto é, o interesse de terceiros, como bem
mais relevante a ser protegido, mas a tutela da dignidade do indivíduo, sob o ponto de vista
sexual.
A evolução da sociedade passou a exigir, em consonância com a CF/1988, a formulação de uma
nova concepção do objeto jurídico do crime, de forma que assuma especial importância não os
padrões ético-sociais, os bons costumes, mas a dignidade do indivíduo que é colocada em risco.

A tutela da dignidade sexual deflui do princípio da dignidade humana, que se irradia sobre
todo o sistema jurídico e possui inúmeros significados e incidências, estando diretamente ligada à
liberdade de autodeterminação sexual da vítima, à sua preservação no aspecto psicológico, moral e
físico, de forma a manter íntegra a sua personalidade.

11
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
Os crimes previstos nesse capítulo atingem a faculdade de livre escolha do parceiro sexual. É o
direito de dispor do próprio corpo, de selecionar os parceiros e de praticar livremente os atos do sexo.
Essa faculdade da liberdade carnal pode ser violada por:

a) violência (física) ou grave ameaça (moral): crime de estupro (art. 213);


b) fraude: crime de violação sexual mediante fraude (art. 215).

1. ESTUPRO
Art. 213: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de
14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)


Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

1. Tipo objetivo: Constranger significa obrigar, tolher a liberdade, coagir alguém a fazer ou
deixar de fazer algo contra a sua vontade, e, por isso, se existe consentimento da pessoa, não há
crime. “Stuprum, no sentido próprio, significa desonra, vergonha”.
Deve ser ainda, um dissenso sério, que demonstre não ter a pessoa aderido à conduta do
outro. Não se exige, entretanto, uma resistência heróica por parte dela.

Importante: Conjunção carnal e atos libidinosos - O crime de estupro somente se caracterizava


com a prática da conjunção carnal (cópula vagínica), que implica a introdução do pênis na
vagina, sendo assim, a vítima somente poderia ser mulher. A realização de outros atos libidinosos
(coitos anormais como a cópula oral e anal) poderia caracterizar crime de atentado violento ao
pudor (art. 214 CP). Com a nova redação dada ao art. 213 pela Lei nº 12.015/2009, a qual
revogou o art. 214, passou o estupro a abranger a prática de qualquer ato libidinoso, conjunção
carnal ou não, ampliando a tutela legal para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas
também a do homem, que agora também pode ser vítima de estupro.
Ato libidinoso é todo ato que visa o prazer sexual, satisfazer a lascívia, o apetite sexual,
como o coito anal, o sexo oral, a masturbação, passar as mãos nos seios ou nádegas da vítima etc.

Obs.: Se o agente forçar a vítima a contemplá-lo enquanto se masturba, não há o crime em tela, pois
não houve a participação física (ativa ou passiva) da vítima no ato libidinoso. Neste sentido se
manifestou o STJ (REsp. 63.509-RS). Poderá configurar o crime de constrangimento ilegal (art. 146
CP) ou o art. 218-A CP se o agente for menor de 14 anos (Satisfação de lascívia mediante presença de
criança ou adolescente).

Importante: O que é pressuposto do crime de estupro, em verdade, é o envolvimento corpóreo da


vítima no ato de libidinagem, assim, configura-se o crime mesmo quando a vítima é obrigada a
realizar ato sexual em terceiro ou até em animais. Não se configura crime de estupro quando o agente
se limita ao uso de palavras para fazer propostas indecorosas à vítima, hipótese em que configura a
contravenção de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 LCP).

Estupro por inseminação artificial: Para Nucci (2014, p. 1032) é impossível. O tipo penal exige,
para a sua configuração, a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso entre o agente e a vítima.
Assim, se houver a inseminação artificial forçada, deve o autor responder somente por
constrangimento ilegal. Nessa ótica, também a lição de René Ariel Dotti (O incesto, p. 90-92).
12
Beijo lascivo e ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
O beijo lascivo, dado com eroticidade, apalpar os seios ou nádegas, ou acariciar suas partes
íntimas, ainda que vestida, caso praticado com emprego de violência ou grave ameaça, caracteriza o
crime de estupro. Incluem-se os beijos voluptuosos, com “longa e intensa descarga de libido”, nas
palavras de Hungria, dados na boca, com a introdução da língua. Para Nucci (2014, p. 1032), estariam
excluídos os beijos castos, furtivos ou brevíssimos, tais como os dados na face ou rapidamente nos
lábios (“selinho”).
No entanto, na opinião de Cezar Roberto Bitencourt, entende que, a partir da Lei dos Crimes
Hediondos, com pena mínima de seis anos de reclusão, acaba gerando um dano ao princípio da
proporcionalidade, uma total diferença entre a gravidade de um sexo anal e oral e os demais atos
libidinosos. Nesses casos, quando ocorre em lugar público ou acessível ao público, deve desclassificar-
se para a contravenção penal do art. 61 (LCP).
Luiz Flávio Gomes, baseando-se na doutrina de Claus Roxin, indaga: Um beijo lascivo é crime
hediondo? Para ele, seria no máximo a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor
(art. 61: Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis). (CAPEZ, 2014, p. 28)
Em sentido contrário, Damásio sustenta configurar o crime de estupro o ato de despir uma
jovem a apalpar os seios desnudos com o emprego de violência ou grave ameaça, ou acariciar as partes
pudendas de uma jovem sobre o vestido. Capez entende também que se for com violência ou grave
ameaça é crime de estupro. Da mesma forma, o beijo lascivo, quando praticado com o emprego de
violência ou grave ameaça, é crime de estupro. A contravenção de importunação ofensiva ao pudor
(art. 61 da Lei das Contravenções Penais) pode ser praticada através de atos libidinosos, desde que
não ocorra emprego de violência ou grave ameaça. Ex.: em um coletivo lotado, encostar-se na vítima;
dar um beijo rápido, sem introdução da língua e sem lascívia; apalpar os seios da ofendida a pretexto
de tecer comentários irônicos sobre seu tamanho.

Para ir mais longe: Homem pega pena de sete anos de prisão por 'beijo forçado' no carnaval – Disponível em:
http://g1.globo.com/bahia/noticia/2015/02/homem-pega-pena-de-sete-anos-de-prisao-por-beijo-forcado-no-
carnaval.html

2. Meios executórios:
A lei descreve como meios de execução do estupro o emprego de violência (real) ou grave
ameaça. Há estupro com violência real quando o agente agarra a mulher à força, quando a agride,
amarra suas mãos, derruba-a no chão e deita sobre ela etc.

- violência contra pessoa diversa: Para Nucci (2014, p. 1034-1035) a violência exercida contra
pessoa diversa da vítima também é viável para configurar o crime. A grave ameaça, por sua vez,
consiste na promessa de mal injusto e iminente à vítima (direto) ou a algum ente querido (indireto),
como a ameaça de morte, de provocação de lesões corporais etc.

- violência contra coisa: Para Nucci (2014, p. 1035), em tese, também seria possível caracterizar o
crime quando a violência é exercida contra coisa, citando como exemplo, quando o indivíduo ameaça
destruir coisa que pertence a vítima que lhe é extremamente cara e relevante.
Conduta omissiva: É possível a responsabilização penal por crime de estupro até mesmo em virtude
de conduta omissiva. Ex.: mãe que nada faz para evitar que seu amásio mantenha conjunção carnal
com a filha de quinze anos de idade. A mãe tinha o dever jurídico de proteção; tendo permitido
pacificamente a prática do delito, responderá por ele juntamente com o amásio. Se a vítima tinha
menos de 14 anos, ambos responderão por crime de estupro de vulnerável (art. 217-A).

Obs.: Violência Presumida - A Lei nº 12.015/2009 deixou de prever a chamada “violência


presumida” como forma de execução do estupro, passando a tratar a relação sexual com menores de
14 anos, deficientes mentais ou pessoas que não possam oferecer resistência como “estupro de
vulnerável”, no art. 217-A, que tem pena mais grave em face da condição da vítima.

13
3. Sujeito ativo: Antes da reforma promovida pela Lei nº 12.015/2009, somente o homem podia ser
sujeito ativo, uma vez que o crime consistia somente na conjunção carnal (introdução do pênis na
vagina da vítima), e tinha como elemento do tipo “constranger mulher”. Com a alteração do artigo,
não só mais o homem, mas a mulher também pode ser sujeito ativo no crime de estupro.
Uma mulher pode também responder por crime de estupro em co-autoria quando
colabora com o delito cometido por algum homem. Ex.: ajudando a segurar a vítima, instigando a
prática do estupro etc. A mulher também poderá ser responsabilizada como autora mediata de estupro
caso induza um doente mental ou menor a forçar outra mulher à conjunção carnal.

Obs.: Síndrome da Mulher de Potifar – é a figura criminológica da mulher que, sendo rejeitada, imputa
falsamente, contra quem a rejeitou, conduta criminosa, relacionada a dignidade sexual. História de José na
Bíblia. Para Nucci (2014, p. 1038) pode haver condenação por estupro baseada na palavra da vítima, mas devem
ser levados em consideração todos os aspectos que constituem a personalidade do ofendido, seus hábitos, seu
relacionamento anterior com o agente, bem como com as demais provas existentes nos autos.

4. Sujeito passivo: Tanto o homem como a mulher. Na antiga redação do art. 213 CP, apenas as
mulheres podiam ser vítimas desse crime.
No caso de mulher, o art. 213 não faz qualquer distinção, de forma que qualquer mulher pode
ser vítima (honesta, prostituta, virgem ou não, moça ou de idade avançada). Se a vítima, porém,
for menor de 14 anos, haverá o delito do art. 217-A CP (estupro de vulnerável).

Obs.: Note-se que o legislador incorreu em grave equívoco, na medida em que, se o crime for
praticado contra a vítima no dia do seu 14º aniversário, não haverá o delito do art. 217-A nem a
qualificadora do § 1º do art. 213 do CP, deve ser aplicado o estupro na forma simples do caput.

Consentimento da vítima menor de 18 anos e maior de 14 anos: ocorrendo o consentimento do


ofendido, o fato será atípico, sendo a lei, nesse ponto, benéfica para o agente, devendo retroagir
para alcançá-lo.

O marido, e hoje a mulher, pode ser acusado(a) de estupro contra sua própria esposa (ou
marido)?
Há duas correntes:
a) Não: Nelson Hungria e Magalhães Noronha entendem que não, uma vez que o Código Civil traz
como conseqüência do casamento o dever da coabitação, que significa que os cônjuges têm o dever
de manter relação sexual. Assim, na hipótese de recusa injustificada da mulher, o marido pode forçá-la
ao ato sexual, sem que responda por estupro, por estar agindo no exercício regular de um direito
(art. 23, III do CP). Para esses autores, somente haverá estupro se existir "justa-causa" para a recusa da
mulher. Ex.: marido que acabou de chegar de prostíbulo ou que está com doença venérea etc.
Posicionamento antigo.

b) Sim: Capez (2014, p. 33) Damásio E. de Jesus, Celso Delmanto, Júlio F. Mirabete e Guilherme de
Souza Nucci (2014, p. 1030) entendem que haverá estupro sempre que houver constrangimento,
uma vez que a lei civil não autoriza o emprego de violência ou grave ameaça para fazer valer o
dever de coabitação. Em verdade, o desrespeito a esse dever pode gerar, na própria esfera cível, a
decretação do divórcio. Assim, quando há emprego de violência ou grave ameaça, não se pode falar
em exercício regular de direito, portanto há crime. Violação do princípio da dignidade da pessoa
humana, e da inviolabilidade do corpo da mulher.
Após o advento da Lei 11.106/2005, que alterou o art. 226, II CPB, passando a prever um
aumento de metade da pena para todos os crimes sexuais cometidos contra cônjuge, tornou-se
evidente a possibilidade de o marido cometer estupro contra a própria esposa. Posição majoritária.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.


Indaga-se: o tipo exige uma finalidade especial, o chamado elemento subjetivo do tipo,
anteriormente denominado dolo específico? Diverge a doutrina acerca da necessidade de o agente
visar com o ato a satisfação de sua lascívia, de seu apetite sexual.
14
Capez (2014, p. 36), Damásio E. de Jesus, Magalhães Noronha e Júlio F. Mirabete entendem
que a lei não exige esse requisito, bastando a intenção de praticar o ato e a consciência de sua
libidinosidade. Para esses autores, portanto, não é necessário que o agente queira satisfazer seus
instintos sexuais, e, assim, mesmo que o ato tenha sido praticado por vingança, por aposta ou
para envergonhar a vítima, constituirá crime de estupro.
Nucci (2014, p. 1027) entende que deve haver o elemento subjetivo do tipo específico,
consistente na finalidade de obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, satisfazendo a lascívia.
Porém, entende que mesmo na vingança, a mesma não passa de uma perversão, apta a gerar prazer
sexual ao agente, mesmo que intimamente, sem exteriorização. Nelson Hungria, por sua vez, entende
que, não havendo intenção lasciva, não caracteriza o crime (ex.: vizinho que vive brigando com a
vizinha, arranca as calças dessa para dar-lhe palmadas no traseiro).

6. Consumação: A conjunção carnal consuma-se com a introdução, ainda que parcial, do pênis na
vagina. Não há necessidade de ejaculação. O ato libidinoso consuma-se com a prática de qualquer ato
libidinoso diverso da cópula vagínica. Assim, se antes de ocorrer a conjunção carnal o agente já
realizou outro ato libidinoso, o crime já está consumado.

Para ir mais longe: Policial abusa de passageira em trem da CPTM e deve responder por
estupro: Suspeito ejaculou na vítima e foi agredido por passageiros na estação São Miguel
Paulista. Disponível em: http://noticias.r7.com/sao-paulo/policial-abusa-de-passageira-em-trem-da-
cptm-e-deve-responder-por-estupro-16122016

7. Tentativa. É possível, quando o agente emprega a violência ou grave ameaça e não consegue
realizar qualquer ato sexual com a vítima por circunstâncias alheias à sua vontade, por exemplo, o
agente armado obriga a vítima a entrar em casa abandonada para estuprá-la mas ela consegue fugir.

8. Concurso:
a) Se no mesmo contexto fático o agente mantém mais de uma conjunção carnal com a mesma
mulher, responde por crime único de estupro.
Entretanto, se dois homens em concurso revezam-se na prática da conjunção carnal (curra –
denominação popular na qual duas ou mais pessoas abusam sexualmente da vítima), respondem
por dois crimes de estupro (por autoria direta em um fato e co-autoria no outro). Nesses casos, a
jurisprudência tem entendido ser aplicável o crime continuado. Haverá, também, um aumento de um
quarto na pena por terem os delitos sido cometidos mediante o concurso de pessoas (art. 226, I, CPB,
com redação dada pela Lei 11.106/2005).

b) Se o agente, em momentos diversos, mantém conjunção carnal com a mesma mulher, há crime
continuado (se os crimes forem praticados sob o mesmo modo de execução, na mesma cidade e sem
que tenha decorrido mais de um mês entre uma conduta e outra) ou concurso material (caso
ausente algum dos requisitos do crime continuado). Ex.: pai que estupra a filha por diversas ocasiões,
durante vários meses ou até durante anos.

c) Se em um mesmo contexto fático o agente estupra duas mulheres, responde pelos dois crimes (duas
ações) em continuação delitiva. Nessa hipótese, é aplicável a regra do art. 71, parágrafo único, do
Código Penal, que, segundo estabelece, no crime continuado praticado dolosamente, mediante
violência ou grave ameaça contra vítimas diversas, o Juiz pode até triplicar a pena. Observe-se,
entretanto, que, sendo apenas duas as vítimas, o Juiz não poderá aplicar o aumento máximo, limitando-
se a duplicá-la.

d) O art. 130, caput, do Código Penal prevê o crime de perigo de contágio venéreo, punindo quem
sabe ou deve saber que está acometido de doença venérea e, mesmo assim, mantém relação sexual com
a vítima, sem intenção de transmitir a doença.
Dessa forma, o estuprador que sabe ou deve saber estar contaminado, responde pelo crime de
estupro em concurso formal com o mencionado delito de perigo.

15
e) O art. 130, § 1º, CP, por sua vez, descreve uma forma qualificada do crime de perigo de contágio
venéreo, para a hipótese em que o agente, sabendo ou devendo saber da doença, pratica o
ato sexual, querendo transmiti-la à vítima.
Nesse caso, se a conduta for praticada por ocasião de um estupro, haverá também concurso
formal entre os crimes. Acontece, contudo, que nessa hipótese será aplicado o denominado concurso
formal impróprio (imperfeito), que determina a soma das penas quando o agente, com uma só
ação, visa efetivamente produzir dois resultados (art. 70, caput, 2ª parte).

Por se tratar de crime de perigo, pressupõe que não ocorra a transmissão da moléstia. Se
houver, afasta-se a incidência do crime do art. 130, § 1º, e aplica-se a causa de aumento do art.
234-A, IV, CP ao crime de estupro.

f) Se o agente mantém conjunção carnal e outros atos libidinosos (coito anal, por ex.) contra a
mesma vítima, no mesmo contexto fático, responde por crime único de estupro, já que, após o
advento da Lei nº 12.015/2009, o crime de estupro passou a ter tipo misto alternativo, abrangendo
tanto a conjunção carnal como outros atos de libidinagem. A pluralidade de atos sexuais deve ser
apreciada pelo juiz na fixação da pena-base. É também a maioria dos doutrinadores, como
Nucci. Nesse sentido: STJ – HC 144870/DF; STF – HC 108181/RS.
Para alguns doutrinadores, passaram a entender que, nesta hipótese, deve ser reconhecida a
continuidade delitiva (crime continuado), por ser o art. 213 um tipo misto cumulativo. Na
vigência da legislação antiga, prevalecia o entendimento de que entre estupro e atentado violento ao
pudor devia ser aplicada a regra do concurso material porque tais crimes não eram da mesma
espécie (mesmo tipo penal) e hoje são. Nesse sentido: STF – HC 86110/SP.

9. Estupro qualificado pela idade da vítima: art. 213, §1º, 2ª parte

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Se a vítima for menor de 14 anos, configura-se o crime de estupro de vulnerável (art. 217-
A), independentemente do emprego de violência ou grave ameaça.
Há uma lacuna caso o estupro seja praticado no dia do aniversário de 14 anos. Para
Victor Eduardo Rios houve um mero equívoco do legislador, devendo o crime ser qualificado.

10. Estupro qualificado pelo resultado: art. 213, §1º, 1ª parte e § 2º


§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)


Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

As hipóteses de lesão grave que qualificam o estupro são aquelas elencadas nos §§ 1º e 2º do
art. 129 do Código Penal.
Eventuais lesões leves ou vias de fato decorrentes da violência empregada pelo estuprador
ficam absorvidas pelo crime-fim (estupro).

Importante: Essas figuras qualificadas (lesão grave e morte) são exclusivamente preterdolosas
em razão do montante de pena prevista em abstrato. Por isso o julgamento cabe ao juízo singular
e não ao Tribunal do Júri.

Concurso material: Se ficar demonstrado que houve dolo de provocar a lesão grave ou morte, o
agente responde por estupro simples em concurso material com o crime de lesão corporal grave
ou homicídio doloso. Ex.: estupra e depois mata para manter a impunidade.
16
Se o agente tenta estuprar a vítima e não consegue e, por isso, comete homicídio e, em seguida,
pratica ato libidinoso com o cadáver, responde por tentativa de estupro simples, homicídio qualificado
e vilipêndio a cadáver, em concurso material.

11. Natureza hedionda: A Lei nº 12.015/2009 alterou a redação do art. 1º, V, da Lei nº 8.072/90
(Crimes Hediondos), e, declarou de natureza hedionda “estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o)”, em sua
forma tentada ou consumada. Essa nova redação, que passou a prever o caput do art. 213, afasta
qualquer possibilidade de controvérsia, deixando claro que tanto o estupro simples como suas
figuras qualificadas, constituem crime hediondo.

12. Causas de aumento de pena: Após o advento da Lei nº 12.015/2009, por equívoco do legislador,
passaram a existir dois Capítulos com a mesma denominação – “Disposições Gerais” – no Título
dos crimes contra a dignidade sexual. São os Capítulos IV e VII. Neles existem causas de aumento de
pena aplicáveis ao estupro e a todos os demais crimes contra a dignidade sexual, respectivamente nos
arts. 226 e 234-A:

CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES GERAIS

Aumento de pena

Art. 226. A pena é aumentada:(Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)


I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; (Redação dada pela Lei
nº 11.106, de 2005)

É cabível tanto nos casos de coautoria como nos de participação.

II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor,
curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; (Redação
dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

Nessas hipóteses, o legislador entendeu ser necessária a majoração da pena por ser o delito
cometido por pessoa que exerce autoridade sobre a vítima. Ex.: carcereiro sobre a presa; amásio da
mãe da vítima etc.

É evidente que não pode ser aplicada ao crime de estupro a agravante genérica do art. 61, II,
“e”, do CP, que se refere a crime cometido contra descendente, cônjuge ou irmão, na medida em que
haveria bis in idem já que o fato já considerado causa especial de aumento de pena do art. 226, II.

Preceptor é o professor responsável pela educação individualizada de menores.

III - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES GERAIS (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

III - de metade, se do crime resultar gravidez; e (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Será necessário demonstrar que a gravidez foi resultante do ato sexual forçado.

17
O art. 128, II, CP permite a realização de aborto por médico, quando a gravidez for resultante
de estupro, desde que haja consentimento da gestante. É o chamado Aborto sentimental ou
humanitário.

IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou
deveria saber ser portador. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Note-se que o presente dispositivo não se refere tão somente às doenças venéreas, como sífilis,
gonorréia, cancro mole, papilomavírus, alcançando todas as doenças sexualmente transmissíveis.
Com isso, em tese, estaria abrangida a transmissão da AIDS. De ver-se, todavia, que, como esta
doença é incurável, sua transmissão constitui, para alguns, lesão gravíssima (art. 129, § 2º, II, CP) e,
para outros, tentativa de homicídio, de modo que, o agente deve ser responsabilizado por crimes de
estupro em concurso com lesão gravíssima ou tentativa de homicídio, pois, no mínimo, agiu com
dolo eventual em relação à transmissão da doença. Caso se demonstre efetiva intenção de transmiti-la,
a hipótese será de concurso formal impróprio em decorrência da autonomia de desígnios e as penas
serão somadas.

13. Ação penal: A atual redação do art. 225 CP, com a redação dada pela Lei nº 12.015/2009, traz duas
regras em relação ao crime de estupro:

a) No caput do art. 225 a ação penal é pública condicionada à representação:

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública
condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Esta regra vale para todos os crimes dos capítulos I e II, incluindo o estupro qualificado pela
lesão grave e pela morte. Em relação a lesão grave, é até aceitável a regra, na medida em que a lesão
grave que qualifica o estupro é a culposa, que também depende de representação, nos termos do art. 88
da Lei nº 9.099/95.
Já em relação à qualificadora da morte não há como aceitar que a ação dependa de
representação. Primeiro porque a Constituição Federal reconhece o direito à vida e não pode deixar nas
mãos de terceiros (cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos), decidir se o agente será ou não
punido. Segundo, porque é possível que a vítima não tenha cônjuge ou parentes próximos. Assim, para
Victor Eduardo Rios Gonçalves, no caso de estupro com resultado morte, a ação penal deve ser pública
incondicionada. Para Capez (2014, p. 117) a ação é pública condicionada a representação.

Súmula 608 do STF: No caso do estupro, se fosse empregada violência real, nos termos da Súmula
608 do STF (no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal era pública
incondicionada, pois entendia tratar-se de crime complexo - Art. 101 - Quando a lei considera como
elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação
pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa
do Ministério Público). O mesmo ocorria nos crimes nos crimes contra a dignidade sexual dos quais
resultassem lesões corporais de natureza grave ou morte. Com o advento da Lei nº 12.015/2009, o art.
225 expressamente declara que os crimes são de ação penal pública condicionadas a representação.
Importante: Para Nucci (2014, p. 1068-1070), não tem mais aplicação a Súmula 608 do STF após a
alteração legislativa trazida pela Lei nº 12.015/2009, devendo-se observar a regra do art. 101 do CP
que trata do crime complexo. Assim, o crime de estupro seguido de lesão corporal grave ou morte deve
ser considerado como crime complexo em sentido estrito, e como a lesão corporal grave e morte são
crimes de ação penal pública incondicionada, em tais casos também devem ser consideradas ações
públicas incondicionadas.

b) No parágrafo único do art. 225 estabelece que a ação é pública incondicionada se a vítima for
menor de 18 anos:
Parágrafo único: Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de
18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
18
Assim, se a vítima tiver mais de 18 anos a ação depende de representação, e se a vítima for
menor de 18 anos a ação será incondicionada.

OBS.:
1 – Ação incondicionada não é cabível em qualquer crime de estupro de vulnerável:

Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-fev-21/acao-incondicionada-nao-cabe-todo-


crime-estupro-vulneravel>.

STJ - HABEAS CORPUS Nº 276.510 – RJ (2013/0291689-4)


RELATOR: MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
IMPETRANTE: SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTROS
ADVOGADO: SÉRGIO GUIMARÃES RIERA E OUTRO(S)
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE: LAR (PRESO)

EMENTA:
HABEAS CORPUS . ESTUPRO DE VULNERÁVEL. WRIT IMPETRADO CONCOMITANTE À
INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. VERIFICAÇÃO
DE EVENTUAL COAÇÃO ILEGAL À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. VIABILIDADE.
PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE NOS DEPOIMENTOS COLETADOS
POR MEIO DE AUDIOVISUAL. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO EM MOMENTO OPORTUNO.
INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA, ADEMAIS, DE
PREJUÍZO EVIDENTE. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. PRETENSÃO DE
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. VULNERABILIDADE VERIFICADA APENAS NA
OCASIÃO DA SUPOSTA OCORRÊNCIA DOS ATOS LIBIDINOSOS. VÍTIMA QUE NÃO PODE
SER CONSIDERADA PESSOA PERMANENTEMENTE VULNERÁVEL, A PONTO DE FAZER
INCIDIR O ART. 225, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA
CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DA
VÍTIMA NO SENTIDO DE VER O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PROCESSADO.
INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO.

2 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (Med. Liminar) - 4424


Origem: DISTRITO FEDERAL Entrada no STF: 04/06/2010
Relator: MINISTRO MARCO AURÉLIO Distribuído: 20100607
Partes: Requerente: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (CF 103, 0VI)
Requerido :PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONGRESSO NACIONAL
Ementa
AÇÃO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – LESÃO CORPORAL –
NATUREZA. A ação penal relativa a lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher
é pública incondicionada – considerações.

Decisão Final
O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para,
dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a
natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta,
praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso
(Presidente). Falaram, pelo Ministério Público Federal (ADI 4424), o Dr. Roberto Monteiro Gurgel
Santos, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria
Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso; pelo interessado (ADC 19), Conselho

19
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior e, pelo interessado
(ADI 4424), Congresso Nacional, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado.
- Plenário, 09.02.2012.
- Acórdão, DJ 01.08.2014.

14. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram crime de estupro
correm em segredo de justiça.
Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de
justiça.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

15. Classificação doutrinária: O estupro é crime pluriofensivo (ofende mais de um bem jurídico: a
liberdade sexual e a integridade corporal, se cometido mediante violência, ou então a liberdade
individual, quando executado com emprego de grave ameaça); comum (pode ser praticado por
qualquer pessoa), embora seja próprio na modalidade “constranger alguém a ter conjunção carnal”,
pois nesse caso exige a relação heterossexual; material ou causal (consuma-se com a prática da
conjunção carnal ou de outro ato libidinoso); de forma livre (admite qualquer meio de execução);
instantâneo (a consumação ocorre em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em
regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma
única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser
fracionada em diversos atos).

2. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR


Art. 214: Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009

A revogação do art. 214 do CP não se trata de caso de abolitio criminis, porque, a mesma lei, de
forma expressa, passou a tratar como crime de estupro todas as condutas que antes caracterizavam o
atentado violento ao pudor. Assim, não há que se falar em extinção da punibilidade para as pessoas já
condenadas ou que estavam sendo acusadas por este crime, na medida em que o art. 107, II do CP só
admite a extinção da punibilidade quando a nova lei deixar de considerar o fato como crime, o que não
ocorreu. O fato continua sendo criminoso, apenas mudou de nome.
Em relação às pessoas já condenadas ou acusadas por estupro em concurso material com
atentado violento ao pudor, deverão ser condenadas por crime único ou por crime continuado. Se já
condenadas, deverá ser feito ajuste à nova lei no Juízo das Execuções.

3. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio
que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Nesse crime o agente emprega fraude para possuir mulher ou homem, ou seja, provoca nela
ou nele uma visão distorcida da realidade, para conseguir induzi-la(o) à prática da conjunção
carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Daí porque a doutrina costuma denominar esse crime
“estelionato sexual”. É o que ocorre, por exemplo, quando ele ingressa em um quarto escuro onde a
mulher aguarda seu marido para com ele manter relação sexual, ou quando um curandeiro exige de
pessoa rústica a prática de conjunção carnal como único meio de retirar "encostos", "mandingas", ou,
ainda, quando irmão gêmeo se passa pelo outro para possuir a esposa deste. Por outro lado, meras
promessas falsas de casamento para obter relação sexual não caracterizam o crime.

1. Objeto jurídico: Tutela-se aqui a liberdade sexual, ou seja, a liberdade de dispor de seu corpo, a
liberdade de consentir na prática do ato sexual, sem que esse consentimento seja obtido mediante
fraude ou meio similar.

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2. Tipo objetivo: A lei nº 12.015/2009 unificou os antigos crimes de posse sexual e atentado ao pudor
mediante fraude em uma única infração do art. 215 CP. Se o agente, no mesmo contexto fático e em
face da mesma fraude, obtiver tanto a conjunção carnal como outro ato libidinoso, responderá por
crime único e a pluralidade de atos sexuais deverá ser considerada pelo juiz na fixação da pena-base.

Conforme o texto legal é necessário que o agente empregue fraude ou outro meio que impeça
ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

Fraude é qualquer meio iludente empregado para que a vítima tenha uma errada percepção da
realidade e consinta no ato sexual, é a utilização do ardil, do engodo, do engano. A fraude tanto pode
ser empregada para criar a situação de engano na mente da vítima, como para mantê-la em tal estado
para que, assim, seja levada ao ato sexual. Ex.: médicos que mentem para a paciente a respeito da
necessidade de exame ginecológico a fim de tocá-la; falso enfermeiro que adentra em hospital e obtém
autorização de mulher recentemente submetida a cirurgia para que tire sua roupa e lhe dê banho
tocando suas partes íntimas etc.

Consentimento da vítima: Na legislação atual não se faz necessário o consentimento da vítima, até
porque, em determinados casos, o cenário iludente montado pelo agente impede até mesmo que ela
perceba a realização do ato de libidinagem e, portanto, de opor-se a ele. Ex.: médico que ao realizar
toque vaginal na vítima, que está com a visão encoberta, abre o zíper de sua calça e encosta o pênis nas
nádegas dela.

Violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável: É de notar-se que, no crime em análise,
o que o agente impede é a manifestação de vontade da vítima. Caso inviabilize sua capacidade de
reação física pelo emprego de soníferos, anestésicos ou drogas, incorre no crime de estupro de
vulnerável, por ter abusado de alguém que não podia oferecer resistência (art. 217-A, § 1º).

3. Sujeito passivo: Pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Não é necessário que a vítima seja
virgem ou pessoa recatada. Pela redação originária do Código Penal, somente a mulher honesta
poderia ser vítima desse crime, de modo que a prostituta ou uma mulher de inúmeros leitos (devassa)
não poderia ser sujeito passivo. Após o advento da Lei nº 11.106/2005, foi retirada a exigência da
honestidade (elemento normativo do crime). Com a Lei nº 12.015/2009, foi alterado a palavra
“mulher” para “alguém”, de forma que, atualmente, qualquer pessoa pode ser vítima do crime em
tela.
Caso o agente empregue fraude para obter ato sexual com pessoa menor de 14 anos, responderá
por crime de estupro de vulnerável (art. 217-A) que é mais grave.

4. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Trata-se de crime comum.

5. Consumação: O crime consuma-se com a introdução, mesmo que parcial, do pênis na vagina ou
qualquer outro ato libidinoso.
6. Tentativa: É possível.

7. Causas de aumento de pena: Aplicam-se ao crime de violência sexual mediante fraude as causas
de aumento de pena dos arts. 226 e 234-A do CP, pois aplicam-se a todos crimes do Título.

8. Incidência cumulativa da pena de multa:

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Este dispositivo se aplica, por exemplo, ao irmão gêmeo idêntico que aposta dinheiro com
alguns amigos, que duvidam que ele tenha coragem de abordar a namorada de seu irmão e ter com ela
relação sexual, fazendo-a acreditar que se trata de seu namorado.

21
Outro exemplo é o que Nucci (2014, p. 1046) cita, o da mulher querer engravidar de um
milionário, motivo pelo qual, embriagando-o, não completamente, termina por manter a relação sexual
sem preservativo, buscando, sem dúvida, vantagem econômica, ainda que por meio da criança (pensão
alimentícia ou herança).

9. Ação penal: Nos termos do art. 225 CP, a ação penal é pública condicionada à representação, exceto
se a vítima for menor de 18 anos, hipótese em que a ação é pública incondicionada.

10. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

11. Classificação doutrinária: A violação sexual mediante fraude é crime simples (ofende um único
bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com
a prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso); de forma livre (admite qualquer meio de
execução); instantâneo (a consumação ocorre em um momento determinado, sem continuidade no
tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido
por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser
fracionada em diversos atos).

4. ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE


Art. 216: Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009

5. ASSÉDIO SEXUAL (Incluído pela Lei nº 10.224, de 2001)


Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o
agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou
função." (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)


§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)
1. Objeto jurídico: Tutela-se a dignidade sexual, mais especificamente a liberdade sexual das pessoas,
bem como sua tranquilidade no sentido de não serem importunadas em seu local de trabalho ou por
pessoas que se valham da importância de seu cargo ou função.

2. Elemento do tipo: O crime de assédio sexual foi introduzido no Código Penal pela Lei nº
10.224/2001 e, em virtude de sua redação ambígua, tem causado grandes controvérsias a respeito de
sua tipificação e extensão. Além disso, as dificuldades em torno da prova e o fato de que a ação
penal era privada tornaram raríssimas as condenações por este delito.

A primeira questão consiste em descobrir qual significado o legislador quis dar à palavra
“constranger”, que é o núcleo do tipo. Este verbo normalmente é empregado em nossa legislação
quando alguém é coagido, forçado, oprimido, obrigado a fazer ou não fazer algo, como ocorre nos
crimes de estupro e constrangimento ilegal. Acontece que no crime de assédio sexual a lei não
descreveu nenhum complemento, mencionando apenas a conduta de “constranger alguém com o
intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual...”.

Constranger a vítima a quê?


Como não há resposta para essa pergunta, é forçoso concluir que o legislador empregou a
palavra “constranger” com outro sentido, ou seja, como incomodar, importunar, embaraçar.

22
A solução deve efetivamente ser essa, considerando-se o próprio significado da palavra
“assédio” que dá nome ao delito: “importunar, molestar, com perguntas ou pretensões, perseguir
com propostas, sugerir com insistência”. Não basta, entretanto, que o patrão conte uma anedota
com cunho sexual, elogios ou gracejos eventuais e, tampouco um convite para jantar, já que isso
não é algo constrangedor. Ocorrerá o crime caso a funcionária recuse o convite e o chefe comece
a importuná-la com reiteradas investidas.

Importunação ofensiva ao pudor: O crime de assédio sexual pode ser visto, em termos comparativos
como se fosse a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art. 61 LCP) agravada
pelo fato de ser cometido por alguém que se prevalece da sua superioridade hierárquica ou da
ascendência inerente ao cargo.

Como a lei não esclarece os meios de execução, todos devem ser admitidos (crimes de ação
livre), como, por exemplo, atos, gestos, palavras, escritos, pedir massagem à secretária, trocar de
roupa em sua presença, apalpar-lhe às nádegas, convidar para um encontro no motel, propor
sexo para ser promovida, para que receba aumento de salário etc.
Importante: Evidente que, se a ameaça for grave, o quadro muda de aspecto, configurando
crime de estupro, consumado ou tentado. Ex.: diretor do colégio que diz que expulsará a aluna,
simulando provas de que ela fez uso de entorpecentes no banheiro, caso ela não se relacione com ele.

2. Sujeito ativo: Pode ser homem ou mulher. O delito pode envolver pessoa do sexo oposto ou do
mesmo sexo. Trata-se de crime próprio, já que a lei exige que o agente se prevaleça da sua condição
de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Importante: É necessário que o agente importune a vítima prevalecendo-se de sua superioridade


hierárquica ou ascendência inerente ao exercício de emprego (relação laboral privada), cargo ou
função (relação laboral pública) – assédio laboral.

hierarquia = existe um superior e um subalterno.

ascendência = o agente apenas goza de prestígio, influência em relação à vítima. Ex.: diretor de escola
ou professor de faculdade em relação a aluno. Nucci (2014, p. 1051) não concorda, pois esta relação
entre docente e aluno, sem caráter laborativo, não caracteriza o crime.

Não existirá crime se a conduta for realizada pelo subalterno contra seu chefe.

Parágrafo único: Em razão do veto presidencial ao parágrafo único, somente o assédio laboral
constitui crime, sendo atípico o assédio proveniente de relações domésticas, de coabitação e de
hospitalidade, ou aquele proveniente de abuso de dever inerente a ofício ou ministério.
Não confundir tal situação com a da empregada doméstica, pois aqui há perfeitamente uma
relação empregatícia, estando ela sujeita à ascendência de seu patrão, sendo certo que enquadra-se
perfeitamente na figura típica em estudo.
Para Victor Eduardo Rios Gonçalves é também possível o crime de assédio sexual por
líderes espirituais em relação aos seguidores (ministro religioso e fiel), opinião esta que não é a de
Nucci (2014, p. 1051), pois entende que o constrangimento necessita envolver superioridade
hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, e, não tendo esta
relação laborativa, está fora a figura típica.

3. Sujeito passivo: Qualquer pessoa, homem ou mulher, que seja subordinado ao agente ou que esteja
sob sua influência.

4. Elemento subjetivo: O crime só existe se o sujeito age com intenção de obter vantagem ou
favorecimento sexual (conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso).

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5. Consumação: É fácil concluir pela redação do dispositivo que se trata de crime formal cuja
consumação ocorre no exato instante em que o agente importuna a vítima, independentemente de obter
a vantagem ou favorecimento sexual visados. Não é delito habitual.

6. Tentativa: É possível, por exemplo, na forma escrita (bilhete que se extravia).

7. Causas de aumento de pena:


§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)

Interessante notar que não existe e nunca existiu o § 1º.

Aplicam-se ao crime de assedio sexual as causas de aumento de pena do art. 226 do CP, exceto
a hipótese do art. 226, II, que prevê aumento de metade da pena se o agente for empregador da vítima,
na medida em que constituiria bis in idem.
8. Espécies de assédio:
a) Assédio sexual por chantagem (assédio sexual quid pro quo – isto por aquilo): encontra-se
também previsto no art. 216-A. Nesse caso, o sujeito ativo não fica importunando a vítima, mas tenta
induzi-la, prometendo-lhe alguma vantagem ou benefício, em troca de favores sexuais.

b) Assédio sexual ambiental: não foi prevista no art. 216-A. Quando uma pessoa assedia outra, no
ambiente de trabalho, independentemente de qualquer hierarquia ou ascendência. Ocorre na legislação
espanhola. Pode configurar outro tipo penal como importunação ofensiva ao pudor.

c) Assédio moral: Não está previsto no art. 216-A. É a eliminação da autodeterminação do empregado
no trabalho, ou a degradação das suas condições pessoais, que traz consequências drásticas para a
integridade física e psíquica do trabalhador, tornar o mesmo um robô. Sintomas desse assédio na
vítima: perda da vontade de sorrir, depressão, perda da autoconfiança, isolamento etc. Pode configurar
outro tipo penal como injúria, difamação etc.

d) Assédio mediante violência ou grave ameaça: Não é assédio, mas estupro, tentado ou consumado.
Se a ameaça não for grave, pode ocorrer o assédio sexual.

9. Ação penal: Nos termos do art. 225 CP, a ação penal é pública condicionada à representação, exceto
se a vítima for menor de 18 anos, hipótese em que a ação é pública incondicionada.

10. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de
justiça.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

11. Classificação doutrinária: O assédio sexual é crime simples (ofende um único bem jurídico);
próprio (somente pode ser praticado pelo ascendente ou superior hierárquico); formal, de
consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa,
independentemente da superveniência do resultado naturalístico); de forma livre (admite qualquer
meio de execução); instantâneo (a consumação ocorre em um momento determinado, sem
continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual
(pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente
(a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

CAPÍTULO II
DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL
(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
24
l. SEDUÇÃO
Art. 217 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

2. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)


Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído
pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 4o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

1. Objeto jurídico: Tutela-se aqui a dignidade sexual das pessoas vulneráveis – menores de 14
anos, doentes mentais ou impossibilitadas de oferecer resistência.

2. Tipo objetivo: A lei nº 12.015/2009 abandonou o sistema de presunções de violência (chamado


também de violência presumida) que vigorava no regime antigo, e estabeleceu objetivamente como
crime o ato de manter relacionamento sexual com uma das pessoas vulneráveis elencadas no tipo
penal, ainda que com seu consentimento.
Se o agente sabia tratar-se de pessoa definida na lei como vulnerável não poderia manter ato
sexual com ela. Se o fez, responde pelo crime. Essa orientação consta expressamente da Exposição de
Motivos que originou a Lei nº 12.015/2009, onde o legislador manifestou claramente sua intenção de
acabar com a interpretação antes existente de que a presunção de violência era relativa. Dessa forma,
mesmo que se demonstre que a vítima já tinha tido relacionamentos sexuais anteriores com outras
pessoas, se o agente for flagrado tendo com ela relação sexual, ciente de sua condição de vulnerável,
deverá ser punido.

Vulnerabilidade absoluta e relativa: Para Nucci (2014, p. 1054), aquela discussão que existia, e que
não era pacífica entre doutrina e jurisprudência, se a presunção de violência, prevista no revogado art.
224, em particular no tocante à pessoa menor de 14 anos, seria absoluta (não comportando prova em
contrário) ou relativa (comportando prova em contrário), ainda continua na legislação, só que com
outro nome, não se chamando mais violência presumida mas vulnerabilidade.
Ou seja, ter relação sexual com menor de 14 anos seria sempre estupro de vulnerável (art. 217-
A)? Para Nucci, a tutela do direito penal no campo dos crimes sexuais deve ser absoluta, quando se
tratar de criança (menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior de 12 anos).
Entende que se deve debater a capacidade de consentimento de quem possua 12 ou 13 anos, no
contexto do estupro de vulnerável. Havendo prova de plena capacidade de entendimento da relação
sexual, por exemplo uma pessoa prostituta, não tendo ocorrido violência ou grave ameaça real, nem
mesmo qualquer forma de pagamento, o que poderia configurar o crime do art. 218-B, o fato pode ser
atípico ou comportar desclassificação.
No mesmo prisma, deve-se analisar o grau de enfermidade ou deficiência mental para se
analisar de a vulnerabilidade ser absoluta ou relativa. Nas situações acerca da vulnerabilidade relativa,
pode-se desclassificar para a figura do art. 215 e, conforme o caso, considerar a conduta atípica.

Erro de tipo: Apenas o erro de tipo (que não se confunde com presunção relativa) é que pode afastar
o delito, quando o agente provar que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, pensava que
25
a moça, que concordou em ter com ele relação sexual, já tinha 14 anos ou mais, por ter ela, por
exemplo, mentido a idade e já ter desenvolvimento corporal avançado.

Violência física e grave ameaça: As condutas típicas são as mesmas do estupro simples: ter
conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso. Ocorre que, no estupro de vulnerável, não
se exige o emprego de violência ou grave ameaça, de modo que, ainda que a vítima diga que
consentiu no ato, estará configurada a infração.

Em suma, com ou sem o emprego de violência ou grave ameaça, o crime será sempre o de
estupro de vulnerável se a vítima se enquadrar em qualquer das hipóteses do art. 217-A e seu §
1º.
São considerados vulneráveis:

a) Os menores de 14 anos: Se o ato for realizado no dia do 14º aniversário, a vítima não é mais
considerada vulnerável. Se ela tiver consentido com o ato em tal data, o fato é atípico porque o crime
de corrupção sexual de menores (art. 218) foi revogado.

b) As pessoas portadoras de enfermidade ou deficiência mental, que não tenham o necessário


discernimento para a prática do ato: É necessária a realização da perícia médica para a constatação
de que o problema mental retirava por completo da vítima o discernimento para o ato sexual.

c) As pessoas que por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência: É indiferente que o
fator impossibilitante da defesa da vítima seja prévio (doença, paralisia, idade avançada, estado de
coma, desmaio), provocado pelo agente (ministração de sonífero ou droga na bebida da vítima, uso de
anestésico etc.) ou causado por ela própria (embriaguez completa em uma festa). É necessário que o
agente se aproveite do estado de incapacidade de defesa e que se demonstre que esse fator
impossibilitava por completo a capacidade de a vítima se opor ao ato sexual.

3. Sujeito ativo: Pode ser homem ou mulher.

4. Sujeito passivo: Qualquer pessoa vulnerável, homem ou mulher.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação: No instante em que realiza a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.

7. Tentativa: É possível.

8. Formas qualificadas:
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 4o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Essas figuras qualificadas são exclusivamente preterdolosas. Só se configuram se tiver havido


dolo em relação ao estupro de vulnerável e culpa em relação à lesão grave ou morte. Se o agente quis
ou assumiu o risco de provocar o resultado agravador, responderá por crime de estupro de
vulnerável em sua modalidade simples em concurso material com crime de lesão grave ou
homicídio doloso.

9. Natureza hedionda: O estupro de vulnerável constitui crime hediondo, tanto em sua forma simples,
como nas qualificadas (art. 1º, VI, da Lei 8.072/90: “estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o,
2o, 3o e 4o”).
26
10. Causas de aumento de pena: Após o advento da Lei nº 12.015/2009, por equívoco do legislador,
passaram a existir dois capítulos com a mesma denominação – “Disposições Gerais” – no Título dos
crimes contra a dignidade sexual. São os Capítulos IV e VII. Neles existem causas de aumento de pena
aplicáveis ao estupro e a todos os demais crimes contra a dignidade sexual, respectivamente. Ao crime
de estupro de vulnerável são aplicadas as causas de aumento dos art. 226, I e II e art. 234-A, III e IV,
CP, já estudadas no crime de estupro simples:

Art. 226. A pena é aumentada:(Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)


I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; (Redação dada pela Lei
nº 11.106, de 2005)
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor,
curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; (Redação
dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

III - de metade, se do crime resultar gravidez; e (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

IV - de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou
deveria saber ser portador. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

11. Ação penal: Nos termos do art. 225, p.u. CP, a ação penal é sempre pública incondicionada.

Art. 225:
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de
18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

12. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de
justiça.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

13. Classificação doutrinária: O estupro de vulnerável é crime simples (ofende um único bem
jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa), embora seja próprio na modalidade
“constranger alguém a ter conjunção carnal”, pois nesse caso exige a relação heterossexual; material
ou causal (consuma-se com a prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); instantâneo (a consumação ocorre em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

3. CORRUPÇÃO DE MENORES

Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: (Redação dada pela Lei
nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a dignidade sexual dos menores de 14 anos de idade.

2. Elementos do tipo:

Induzir: significa aliciar, convencer, persuadir o menor, com ou sem a promessa de alguma vantagem,
para que satisfaça os desejos sexuais de outra pessoa. O agente visa com a conduta satisfazer a lascívia
de terceiro e não a própria. Exige-se que a terceira pessoa seja determinada.

Importante ressaltar que, se o agente convence uma adolescente de 12 anos a manter conjunção

27
carnal com terceiro, e o ato se concretiza, este responde por estupro de vulnerável e quem
induziu a menor é partícipe de tal crime. Assim, o crime em análise só será tipificado se a vítima
for induzida a satisfazer a lascívia do terceiro, sem, todavia, realizar ato sexual efetivo com este.
Ex.: fazer sexo por telefone; dançar para ele; fazer-lhe um striptease, o menor a desnudar-se etc.

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.

4. Sujeito Passivo: Crianças e adolescentes menores de 14 anos.

Obs.: Por fim, as condutas de fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo menores de dezoito anos constitui crime específico previsto no art. 241 e seguintes da
Lei nº 8.069/90 (ECA) – ”Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº
11.829, de 2008)Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de
2008); Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer
meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 1o
Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)I – assegura os meios ou serviços para
o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº
11.829, de 2008)II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou
imagens de que trata o caput deste artigo.(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 2o As condutas tipificadas
nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço,
oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste
artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio,
fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e
multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)”.

5. Elemento subjetivo: O dolo.

6. Consumação: No momento em que o ato é realizado pelo menor. Não é crime habitual.

7. Tentativa: É possível.

8. Ação penal: Pública incondicionada.

9. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

10. Distinção: Corrupção de menores e a Lei nº 2.252/54


Existia em nossa legislação outro crime, chamado de corrupção de menores, previsto no art.
1º da Lei nº 2.252/54, que previa em seu tipo “quem corrompe ou facilita a corrupção de pessoa
menor de dezoito anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la”. Tal lei foi
expressamente revogada pelo art. 7º da Lei nº 12.015/2009. Entretanto, o tipo penal não deixou de
existir, pois foi inserido no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/90) o art. 244-B que
contem, praticamente, os mesmos dizeres: “Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18
(dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)”. Recentemente
(2013) o STJ editou a Súmula 500: “A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da
efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”.

Para ir mais longe: Fernando Capez - Crime de corrupção de menores e o recente posicionamento do
STJ. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-out-28/sumula-500-reconhece-corrupcao-
menores-crime-formal

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11. Classificação doutrinária: A corrupção de menores é crime simples (ofende um único bem
jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com a
realização, pelo menor de 14 anos, de ato tendente a satisfazer a lascívia de outrem); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); instantâneo (a consumação ocorre em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

4. SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU


ADOLESCENTE (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção
carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: (Incluído pela Lei nº 12.015,
de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.” (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a dignidade sexual e principalmente a formação sexual dos menores
de 14 anos de idade, na medida em que o fato de presenciar o ato faz com que tomem conhecimento
precoce de certas condutas sexuais.

2. Tipo objetivo: O ato sexual pode ser a penetração do pênis na vagina (conjunção carnal) ou
qualquer outro ato de conotação sexual (presenciar o agente a se masturbar, a manter sexo oral ou anal
com terceiro etc.).

Importante lembrar que o menor não se envolva sexualmente no ato, pois, se o fizer, o
crime será o de estupro de vulnerável.

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Se o ato sexual for praticado por duas
pessoas na presença do menor, a fim de satisfazer a lascívia de ambos, os dois respondem pelo crime.

4. Sujeito passivo: Crianças e adolescentes menores de 14 anos.

5. Elemento subjetivo: O dolo.

6. Consumação: No momento em que o ato sexual é realizado na presença do menor.

7. Tentativa: É possível. Ex.: menor é convencido a presenciar o ato sexual, mas quando o agente
começa a tirar a roupa o menor sai correndo e não presencia concretamente qualquer ato libidinoso.

8. Ação penal: É pública incondicionada.


9. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

10. Classificação doutrinária: A satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente é


crime simples (ofende um único bem jurídico); comum (pode ser cometido por qualquer pessoa);
formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta
criminosa, independentemente da superveniência do resultado naturalístico); de forma livre (admite
qualquer meio de execução); instantâneo (a consumação ocorre em um momento determinado, sem
continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual
(pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente
(a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

5. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU DE OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO


SEXUAL DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL (Redação dada pela Lei nº
12.978, de 2014)
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Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de
18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela
Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)


I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14
(catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas
no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3o Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de


localização e de funcionamento do estabelecimento.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a dignidade e a moralidade sexual do vulnerável, bem como evitar
danos à sua saúde e outros riscos ligados ao exercício da prostituição.

2. Tipo objetivo: O crime consiste em submeter (subjugar, dominar, sujeitar), induzir (dar a ideia,
sugerir, persuadir) ou atrair (seduzir, convencer alguém, com palavras ou promessas de boa vida), para
que se prostitua, ou para que se submeta a outras formas de exploração sexual, ou, ainda, colaborar
para que alguém exerça a prostituição, ou, de algum modo, impedir ou dificultar que a vítima
abandone as referidas atividades.
Em suma, constitui crime introduzir alguém no mundo da prostituição, apoiá-lo
materialmente enquanto a exerce ou de qualquer modo impedir ou dificultar o abandono das
atividades por parte de quem deseja fazê-lo.

Importante: Guilherme de Souza Nucci (Manual de Direito Penal: Parte Especial. 10ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014, p. 842-843) salienta a intenção legislativa de apontar para a existência de
graus de vulnerabilidade: absoluta (não comporta prova em contrário) e relativa (comporta prova
em contrário). O menor de 18 anos é relativamente vulnerável, de modo que alguém, com 17 anos,
procurando a prostituição por conta própria, sem ser seduzido à atividade por qualquer pessoa, não
pode ser tutelado pela lei penal. Tem pleno discernimento para a prática sexual e vê vantagem no ato
do comércio do sexo. Logo, inexistentes a submissão, o induzimento, a atração por parte de terceiro,
nem mesmo a facilitação, o impedimento ou a dificuldade para abandonar aquilo que ele mesmo
procurou e quer para si. O fato é atípico. De outra parte, a pessoa, com 14 anos, pode ser atraída a
prostituição, sem discernimento para o mundo onde ingressa, daí surge a vulnerabilidade comprovada
e a punição faz-se merecida de quem com esse menor tenha relação sexual. No tocante aos enfermos e
deficientes mentais dá-se o mesmo: não possuindo discernimento algum para o ato sexual, a
vulnerabilidade é absoluta, logo, configura-se o estupro de vulnerável (art. 217-A); possuindo
discernimento razoável, a vulnerabilidade é relativa, portanto, pode configurar-se o art. 215, sem
pagamento algum para a prática sexual, ou o art. 218-B quando houver exploração sexual.

Se a pessoa que está se prostituindo for maior de idade e sã, o induzimento à prostituição
configura o crime do art. 228 do CP, que tem pena menor.

Prostituição é o comércio do próprio corpo, em caráter habitual, visando a satisfação sexual de


qualquer pessoa que se disponha a pagar para tanto.

Exploração sexual de vulnerável e Corrupção de menores: A exploração sexual do menor ou


enfermo mental, tal como na prostituição, deve ter caráter habitual, enquanto que na corrupção de
menores o crime já se consuma com a prática de qualquer ato pela vítima a satisfazer a lascívia de
30
outrem. Ex.: induzir uma menor a ser dançarina de striptease; a dedicar-se a fazer sexo por telefone ou
via internet por meio de webcams (sem que haja efetivo contato físico com o cliente) etc.

Obs.: O art. 218-B, por tratar do mesmo tema, revogou tacitamente o crime do art. 244-A da Lei
nº 8.069/90 (ECA).

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher.

Importante: O destinatário das práticas sexuais do menor responderá, nos termos do § 2º, I, se o
sujeito passivo é pessoa maior de 14 e menor de 18 e por estupro de vulnerável se menor de 14
anos.

4. Sujeito passivo: Homem ou mulher menor de 18 anos, ou que, em razão de enfermidade mental,
não tenha discernimento necessário para compreender a prostituição ou a exploração sexual.
Pode ser, até mesmo, a própria prostituta, pois o tipo penal prevê a conduta de facilitar a
prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou impedir ou dificultar que alguém a abandone.

5. Elemento subjetivo: O dolo.

6. Consumação: Quando a vítima assume uma vida de prostituição, colocando-se à disposição para o
comércio carnal, ou quando passa a ser explorada sexualmente. Na modalidade de impedimento,
consuma-se no momento em que a vítima não abandona as atividades. Nesta última figura o crime é
permanente. Na modalidade dificultar, consuma-se quando o agente cria o óbice.

7. Tentativa: É possível.

8. Intenção de lucro:

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela
Lei nº 12.015, de 2009)

A intenção de lucro a que o texto se refere como condição para a incidência cumulativa de
multa é por parte do agente e não da vítima. Ex.: agente aconselha uma moça a entrar na prostituição
visando obter lucro com sua entrada, incorrerá também na pena de multa. Se o agente visar
reiteradamente participação nos lucros de quem exerce a prostituição, incorrerá em crime de
rufianismo (art. 230), que tem a pena agravada quando a vítima for menor de 18 anos e maior de 14.

9. Figuras equiparadas: No § 2º do art. 218-B, existe a previsão de dois outros crimes para os quais é
prevista a mesma pena do caput:

§ 2o Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)


I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14
(catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

O dispositivo pune quem faz programa com prostituta menor de idade, desde que tenha
mais de 14 anos, pois, se tiver menos, o crime será o de estupro de vulnerável, que tem pena
muito maior.
Não existe em nossa legislação punição para quem paga para ter relação sexual com
prostituta maior de idade.

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput
deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

O legislador criou uma espécie de figura qualificada do crime de Casa de Prostituição


(art. 229 CP). Assim, o dono, gerente ou responsável pelo local onde haja prostituição ou exploração
31
sexual de pessoa menor de 18 anos, ou com enfermidade mental, incorre no crime em análise, para o
qual a pena é maior em relação àqueles que mantém apenas casa de prostituição para maiores de idade.
Pressupõe, contudo, que o agente tenha conhecimento de que há prostitutas menores de idade
trabalhando no local. Haverá também crime por parte do dono de motel ou outra espécie de
estabelecimento que permita que prostituta em referida faixa etária faça programa com clientes em
suas dependências.
10. Efeito da condenação: No § 3º estabelece ainda que constitui efeito obrigatório da condenação, a
cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.

§ 3o Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de


localização e de funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

11. Ação penal: É pública incondicionada.

12. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

13. Classificação doutrinária: O favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual


de vulnerável é crime simples (ofende um único bem jurídico); comum (pode ser praticado por
qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com a produção do resultado naturalístico,
consistente no exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual pela vítima); de forma
livre (admite qualquer meio de execução); instantâneo (nos núcleos “submeter”, “induzir”, “atrair” e
“facilitar”) ou permanente (nas variantes “impedir” e “dificultar”); em regra comissivo;
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas
admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos
atos).
CAPÍTULO III
DO RAPTO
Todo o capítulo que tratava dos crimes de rapto (arts. 219 a 222) foi revogado pela Lei nº
11.106/2005. Nesse capítulo, o Código Penal previa os crimes de:

Rapto violento ou mediante fraude


Art. 219 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Rapto consensual
Art. 220 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Diminuição de pena
Art. 221 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
Concurso de rapto e outro crime
Art. 222 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 223 - (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)


Art. 224 - (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)

AÇÃO PENAL
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública
condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de
18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

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AUMENTO DE PENA
Art. 226. A pena é aumentada:(Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; (Redação dada pela Lei
nº 11.106, de 2005)

II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor,
curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; (Redação
dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

III - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Essas causas de aumento de pena se aplicam a todos os crimes já abordados. O aumento


referente ao concurso de agentes é cabível tanto na co-autoria quanto na participação.
Nas hipóteses do inciso II, o legislador entendeu ser necessária a majoração da pena por ser o
delito cometido por pessoa que exerce autoridade sobre a vítima. A lei descreve, inicialmente, uma
série de hipóteses específicas e, ao final, utiliza-se de fórmula genérica para abranger toda e qualquer
relação de fato ou de direito que implique autoridade sobre a vítima, como, por exemplo, do carcereiro
sobre a presa, do amásio da mãe da vítima etc. Preceptor é sinônimo de mestre, mentor.

O aumento decorrente de ser o sujeito empregador da vítima não se aplica ao crime de


assédio sexual em que é elementar do crime o fato de o agente ser superior hierárquico.

A Lei nº 11.106/2005 revogou o inciso III deste art. 226, de modo que o fato de o autor do
crime ser casado com terceira pessoa não mais constitui causa de aumento de pena nos crimes sexuais.

CAPÍTULO V
DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE
PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE
EXPLORAÇÃO SEXUAL
(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Lenocínio origina-se do latim lenocinium, que significava o tráfico de escravas para prostituição.

Para Nucci (2014, p. 1071) lenocínio seria a prestação de apoio, assistência e incentivo à vida
voluptuosa de outra pessoa, dela tirando proveito. Os agentes do lenocínio são peculiarmente
chamados de rufião (ou cafetão) e proxeneta.

O lenocínio pode ser principal ou acessório. Lenocínio principal é a mediação para satisfazer a
lascívia de outrem, definida no art. 227 do Código Penal. Por seu turno, os demais crimes previstos
neste capítulo ingressam no conceito de lenocínio acessório. (MASSON, 2014, p. 154).

1. MEDIAÇÃO PARA SERVIR A LASCÍVIA DE OUTREM

Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:


Pena - reclusão, de um a três anos.
§1º - Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente,
descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de
educação, de tratamento ou de guarda: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.
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1. Objeto jurídico: O legislador visa tutelar a dignidade sexual do indivíduo que é levado a satisfazer
a lascívia de outrem, evitando-se o desenvolvimento da prostituição e de comportamentos vistos
como imorais no aspecto sexual, e que possam trazer conseqüências danosas de tais atividades
(proliferação de doenças sexuais, abandono dos estudos etc.).

2. Elemento do tipo: Induzir significa convencer, persuadir alguém a satisfazer os desejos sexuais
de outrem. Nota-se que a vítima não é forçada ao ato sexual. O agente visa, com sua conduta,
satisfazer a lascívia de terceiro e não a própria. Lascívia seria a sensualidade, libidinagem.

Existem necessariamente três pessoas envolvidas: aquele que induz, a pessoa que é
induzida e o terceiro beneficiário do ato sexual. Somente o primeiro responde pelo delito por ter
incentivado a vítima a satisfazer a lascívia do terceiro. Este último não comete crime algum.

O agente deve induzir a vítima a satisfazer a lascívia de pessoa determinada, isto é, de


pessoa certa, pois, se o agente induz a vítima a satisfazer a lascívia de um número indeterminado,
impreciso de pessoas, que pressuponha habitualidade, o crime passará a ser outro: induzimento
à prostituição (art. 228 CPB). Para Nucci (2014, p. 1072) o fato seria atípico.

Princípio da intervenção mínima: Para Nucci (2014, p. 1071) esse tipo penal fere o princípio da
intervenção mínima, pois a sua prática não tem o condão de lesar o bem jurídico tutelado (dignidade
sexual), pois entende que, incentivar um adulto a ter relação sexual com outro não significa nada em
matéria de prejuízo para qualquer das partes envolvidas, desde que não seja mediante grave ameaça,
violência etc.

3. Sujeito ativo e passivo: Qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.

4. Consumação e tentativa: Não se trata de crime habitual. A consumação ocorre com a prática de
ato que possa importar em tal satisfação, ainda que esta não se efetive. A tentativa é possível.

5. Ação Penal: A ação penal, como em todos os crimes do capítulo, é pública incondicionada.

6. Formas:
1. Simples: Está prevista no caput.
2. Qualificadas: Previstas nos §§ 1º, 2º e 3º:

§1º - Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente,
descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de
educação, de tratamento ou de guarda: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.

O § 1º descreve uma série de qualificadoras, que se referem à idade da vítima, entre quatorze e
dezoito anos (se a vítima for menor de 14 anos o crime será o de corrupção de menores do art.
218 CP), ou à relação de parentesco ou vínculos entre agente e vítima.
Nas hipóteses em que o agente é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão,
tutor ou curador da vítima, temos o chamado lenocínio familiar.

§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:


Pena - reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à violência.
O § 2° pune ainda mais gravemente o delito quando cometido com emprego de violência, grave
ameaça ou fraude. Ademais, se da violência resultarem lesões corporais leves, o agente responderá
também pelo crime do art. 129, caput, do Código Penal, por haver disposição expressa nesse
sentido. O reconhecimento de qualificadora do § 2º afasta a incidência das qualificadoras menos
graves do § 1º, que, nesses casos, serão consideradas como circunstância judicial na aplicação da pena.

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No crime do caput, a relação sexual é consentida, no qual o agente convence a vítima a
satisfazer os desejos de terceiro. Caso o agente empregue violência, grave ameaça ou fraude para
forçar a vítima a satisfazer a lascívia de alguém responde pela figura qualificada do § 2º.

Porém, quando o agente empregar violência ou grave ameaça para forçar a vítima a
manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com terceiro, deverá ser responsabilizado por
crime de estupro.

Assim, a qualificadora do art. 227, § 2º, só tem aplicação para casos em que o agente
emprega violência ou grave ameaça para forçar a vítima, por exemplo, a fazer “sexo por
telefone” ou por webcam, ou a fazer um strip tease para alguém etc. Ademais, se da violência
empregada resultar lesão, ainda que leve, o agente responderá pelos dois crimes, em concurso
material.

§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.


Não se confunda com o crime de favorecimento da prostituição, pois, no crime do art. 227,
a vítima não é prostituta e a pessoa é determinada.

7. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

8. Classificação doutrinária: A mediação para servir a lascívia de outrem é crime simples (ofende
um único bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material ou causal
(consuma-se com a produção do resultado naturalístico, consistente na satisfação da lascívia de
alguém); de forma livre (admite qualquer meio de execução); instantâneo (a consumação ocorre em
um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o
concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

2. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO


SEXUAL (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou
dificultar que alguém a abandone: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2º - Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência.

§ 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

1. Objetividade jurídica: O legislador visa tutelar a dignidade sexual do indivíduo que é levado a se
prostituir ou impedido de exercê-la, evitando-se, assim, o desenvolvimento da prostituição e da
exploração sexual, e, com isso, as conseqüências danosas de tais atividades (proliferação de doenças
sexuais, abandono dos estudos etc.).

2. Tipo objetivo: Consubstanciam-se nos verbos:


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a) Induzir = persuadir, atuar sobre o convencimento da vítima, criando-lhe na mente a idéia de se
prostituir;

b) Atrair = chamar, seduzir, fascinar, por exemplo, anuncia que está contratando moças para se
prostituírem;
c) Facilitar = prestar qualquer forma de auxílio, por exemplo, arranjando cliente, porteiro de hotel que
apresenta catálogo de prostitutas a hóspede, motorista de táxi que diz conhecer garotas de programa e
se dispõe a buscá-las para festa, sites que se dedicam a anunciar garotas e de programa etc;

d) Impedir ou dificultar o abandono = obstar a saída da vítima do prostíbulo.

A lei não pune quem contrata os serviços da prostituta maior de idade.

Prostituição é o comércio do próprio corpo, em caráter habitual, visando a satisfação


sexual de qualquer pessoa que se disponha a pagar para tanto. A prostituição a que se refere a lei
pode ser a masculina ou a feminina.

Pune-se também nesse tipo penal quem submete a vítima a qualquer outra forma de
exploração sexual em caráter habitual. Ex.: induzir mulher a ser dançarina de striptease;
dedicar-se a fazer sexo por telefone ou via webcam etc. Responde pelo crime o responsável pela
organização e cobrança dessas práticas.

Obs.: Se a vítima for menor de 18 anos ou, por enfermidade ou deficiência mental, não tiver o
necessário discernimento, responderá pelo crime de favorecimento da prostituição ou outra forma
de exploração sexual de vulnerável do art. 218-B CP. Este artigo foi incluído pela Lei nº 12.015, de
2009, que acabou revogando tacitamente o art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, que
punia figura idêntica.

3. Sujeitos ativo e passivo: Podem ser homens ou mulheres.

4. Consumação: Nas modalidades induzir e atrair, o crime se consuma quando a vítima assume
habitualmente uma vida de prostituição, colocando-se à disposição para o comércio carnal. Na
facilitação se consuma no momento da ação do sujeito tendente a colaborar com a prostituição. Na
modalidade dificultar consuma-se no instante em que o agente cria o óbice. Na modalidade de
impedimento, o crime é permanente, admitindo-se sempre a prisão em flagrante.

Para ir mais longe: “Caso Bahamas” em que o seu proprietário foi absolvido por não ficar
demonstrado a “habitualidade de prestações carnais a um número indeterminado de pessoa” –
Apelação Criminal nº 245.726-3/1/SP: Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1793793&cdForo=0&vlCaptcha=uyRmk

5. Tentativa: É possível.

6. Formas qualificadas dos §§ 1º, 2º e 3º: As mesmas do art. 227.

7. Ação Penal: A ação penal, como em todos os crimes do capítulo, é pública incondicionada.

8. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram esta modalidade de
infração penal correm em segredo de justiça.

9. Classificação doutrinária: O favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual é


crime simples (ofende um único bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa);
material ou causal (consuma-se com a produção do resultado naturalístico, consistente no exercício
da prostituição ou outra forma de exploração sexual pela vítima); de forma livre (admite qualquer

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meio de execução); instantâneo (nos núcleos “induzir”, “atrair” e “facilitar”) ou permanente (nas
variantes “impedir” e “dificultar”); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso
eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

3. CASA DE PROSTITUIÇÃO
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou
não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa

1. Objetividade jurídica: O legislador visa evitar o desenvolvimento da prostituição e da


exploração sexual, e, com isso, as conseqüências danosas de tais atividades (proliferação de doenças
sexuais, abandono dos estudos etc.).

2. Tipo objetivo: A conduta de manter casa de prostituição ou lugar destinado a encontros libidinosos
exige habitualidade, ou seja, que o sujeito conserve o local de forma a permitir a reiteração de atos.
Assim, uma só ação não o tipifica. Por isso, o crime se consuma com a manutenção (reiterada) do
local, sendo inadmissível a tentativa, pois a prática de um só ato é atípica, enquanto sua
renovação gera a consumação.

Casa de prostituição é o imóvel onde permanecem as prostitutas à espera de seus clientes.


Lugar destinado a encontros libidinosos são os falsos hotéis e pensões, que são usualmente
utilizados para encontro com prostitutas, as casas de massagens, boates etc.
As casas de prostituição, também conhecidas como bordéis, lupanares, casas de tolerância,
“inferninhos” e “zonas”, entre outras denominações, desempenham suas atividades em diversas
cidades. Se não bastasse essa atuação ostensiva, diurna e noturna, lançam anúncios em jornais,
revistas, outdoors, rádio, televisão e Internet. (MASSON, 2014, p. 169).

Existem muitas boates cujos donos incentivam a frequência de prostitutas ou as atraem para o
exercício de suas atividades no local, mas que, por não haver local apropriado para a prática de
relações sexuais, não são classificadas como casa de prostituição. Nesses casos, todavia, devem os
responsáveis ser punidos ao menos pelo crime de favorecimento à prostituição – na forma de
facilitação -, quando não cobrarem porcentagem ou valores das prostitutas, ou rufianismo, quando for
cobrada comissão.
A prostituta que recebe seus clientes em sua casa para encontros sexuais, explorando
sozinha o comércio carnal, não comete o crime em análise.
O tipo penal é abrangente, punindo o dono do local, o gerente, os empregados, quer façam
mediação direta para o atendimento, quer não.

Também é indiferente que o agente vise lucro, ou seja, visando ou não a obtenção de
vantagem financeira, haverá crime.
Alvará de funcionamento: Há muitos julgados no sentido de que a existência de alvará de
funcionamento por parte das autoridades não exclui o crime, já que há desvirtuamento da licença
obtida para outros fins.

Obs.: Veja-se, ainda, que, se houver prostituição ou exploração sexual de menores de 18 anos,
estará configurado o crime específico do art. 218-B, § 2º, II, do CP que trata do favorecimento da
prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. Além disso, em caso de
condenação, constituirá efeito obrigatório a cassação da licença de localização e de funcionamento do
estabelecimento (§ 3º).

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa. Se alguém mantém a casa de prostituição por conta de
terceiro, ambos respondem pelo crime. Trata-se do proxeneta, ou seja, a pessoa que mantém locais

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destinados a encontros libidinosos, ou funciona como mediador para a satisfação da lascívia de
terceiros. Em síntese, é o sujeito que atua como intermediário em relações sexuais alheias.

4. Sujeito passivo: São as pessoas exploradas sexualmente no estabelecimento. Podem ser homens ou
mulheres. A sociedade também é vítima deste crime que tutela a moralidade e a saúde pública.
5. Consumação: Quando o estabelecimento começa a funcionar de forma reiterada (crime habitual).
Trata-se, também, de crime permanente. Por isso, em havendo prova de habitualidade, a prisão em
flagrante é possível.
A habitualidade pode ser comprovada por qualquer meio (testemunhas, confissão, filmagens
etc.), não se exigindo a instauração de sindicância prévia pela Administração Pública, pela Polícia
ou pelo Poder Judiciário. (MASSON, 2014, p. 171).

6. Tentativa: Em se tratando de crime habitual, é impossível a tentativa.

7. Ação Penal: A ação penal é pública incondicionada.

8. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram este tipo de infração
penal correm em segredo de justiça.

9. Classificação doutrinária: A casa de prostituição é crime simples (ofende um único bem jurídico);
comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta legalmente descrita, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de
personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); de forma livre (admite qualquer meio de execução);
em regra comissivo; habitual (reclama a reiteração de atos indicativos do estilo de vida ilícito adotado
pelo agente); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma única
pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em
diversos atos).

4. RUFIANISMO

Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se
sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1o Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente,
padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da
vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: (Redação
dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a
livre manifestação da vontade da vítima: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.(Redação dada
pela Lei nº 12.015, de 2009)

1. Objetividade jurídica: Evitar a exploração da prostituição alheia pelo rufião, ou seja, aquele que
procura tirar proveito do exercício da prostituição alheia.

2. Tipo objetivo: O rufianismo diverge da facilitação da prostituição ou outra forma de


exploração sexual com fim de lucro (art. 228, § 3º) porque, nesta, o agente induz a vítima a
ingressar no campo da prostituição, enquanto, no rufianismo, o agente visa à obtenção de
vantagem econômica, de forma reiterada, tirando proveito de quem exerce a prostituição. É o
caso, por exemplo, de pessoa que faz agenciamento de encontros com prostitutas, que "empresariam"
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mulheres, que recebe participação nos lucros por lhe prestar segurança, ou simplesmente que se
sustentam pelos lucros da prostituição alheia, sem que se trate de hipótese de estado de necessidade
etc. O crime pressupõe que o agente receba porcentagem no preço do comércio sexual ou remuneração
pela sua atuação.
Trata-se de crime habitual e só se configura pelo proveito reiterado nos lucros da vítima.
3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa. Dependendo do vínculo, aplica-se a figura qualificada do §
1º.

Distinção entre rufião e proxeneta:


Rufião, também conhecido como gigolô (rufianismo passivo) ou cafetão (rufianismo ativo), é a
pessoa que vive da prostituição alheia.
Proxeneta, por sua vez, é intermediário de encontros sexuais de terceiros, bem como aquele
que mantém espaços reservados para tanto, auferindo ou não vantagem econômica.
A diferença subsiste inclusive no tocante ao proxenitismo lucrativo, disciplinado no art. 228,
§ 3.º, do Código Penal. Com efeito, neste crime o sujeito obtém o lucro e se afasta (crime instantâneo),
enquanto no rufianismo há percepção de lucros de forma continuada (crime habitual). (MASSON,
2014, p. 176).

4. Sujeito passivo: A vítima deve ser a pessoa que exerce a prostituição (abrangendo homens e
mulheres). Se for menor de 18 anos e maior de 14 anos, configura-se a hipótese qualificada do § 1º.

5. Consumação e tentativa: O crime é permanente e habitual e se consuma com a reiteração de


condutas. Por esse motivo a tentativa não é admitida.

6. Emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Tornam o crime qualificado, nos termos do § 2º.
Ademais, se da violência empregada resultarem lesões corporais, ainda que leves, o agente responderá
também pelo crime do art. 129 do CP, por haver disposição expressa nesse sentido.

7. Ação Penal: A ação penal é pública incondicionada.

8. Segredo de justiça: Nos termos do art. 234-B do CP, os processos que apuram este tipo de infração
penal correm em segredo de justiça.

9. Classificação doutrinária: O rufianismo é crime simples (ofende um único bem jurídico); comum
(pode ser praticado por qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com o efetivo proveito
oriundo da prostituição alheia); de forma livre (admite qualquer meio de execução); em regra
comissivo; habitual (reclama a reiteração de atos indicativos do estilo de vida ilícito adotado pelo
agente); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma única pessoa,
mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos
atos).

5. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO


SEXUAL (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 231. (Revogado pela Lei nº 13.344, de 2016)

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a
prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no
estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo
conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

39
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do
ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela
Lei nº 12.015, de 2009)

5.1. TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL (Redação


dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 231-A. (Revogado pela Lei nº 13.344, de 2016)

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da
prostituição ou outra forma de exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como,
tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do
ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.(Incluído pela Lei
nº 12.015, de 2009)

Tráfico de Pessoas
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante
grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual.
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:


I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de
dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego,
cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.”

Art. 232 - (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)

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CAPÍTULO VI
DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR

Ultrajar = ofender a dignidade, insultar, afrontar.

Pudor = é o sentimento de vergonha ou de desonra humilhante

Nucci (2014, p. 1098): Cremos devessem esses tipos penais (arts. 233 e 234) ser excluídos do Código
Penal, reservando-se, se for o caso, para outros ramos do direito a punição merecida a quem pudesse
ofender o pudor público. Não é mais época de tutela penal absoluta dos costumes e este capítulo não
foge à regra, mormente quando a sexualidade tornou-se mais explorada, inclusive comercial e
artisticamente, bem como o sentimento de vergonha modificou-se estruturalmente. Ao homem médio
já não choca, como no passado, a mesma exposição de obscenidades que anteriormente era motivo
para punições exemplares. Suprimindo-se essas figuras penais, acaba-se com a hipocrisia, por vezes
reinante, em alguns setores da coletividade, que demandam um comportamento público que não
possuem na sua vida privada. Fingem chocar-se com determinados atos, denominados obscenos,
quando estão acostumados a vê-los, incentivá-los ou até praticá-los em locais e recintos privados.

1. ATO OBSCENO

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

1. Objeto jurídico: Tutela-se o pudor público.

2. Tipo objetivo:
Ato obsceno é o ato revestido de sexualidade e que fere o sentimento médio de pudor. Ex.:
exposição de órgãos sexuais, dos seios, das nádegas, prática de ato libidinoso em local público etc. Se
o ato for realizado na presença de pessoa menor de 14 anos, configura crime mais grave do art. 218-A
que versa sobre satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente.

A micção (ato de urinar) voltada para a via pública com exposição do pênis caracteriza o ato
obsceno. Também configura o delito os atos feitos por travestis nus ou seminus nas ruas.

O tipo exige a prática de ato e, por isso, o mero uso da palavra pode configurar apenas a
contravenção de importunação ofensiva ao pudor.
Só se configura o crime se o fato ocorre em um dos locais previstos no tipo:

a) Local público: ruas, praças, parques etc.

b) Local aberto ao público: onde qualquer pessoa pode entrar, ainda que sujeita a condições, como
pagamento de ingresso - teatro, cinema, estádio de futebol etc. Não haverá o crime, entretanto, se as
pessoas pagam o ingresso justamente para ver show de sexo explícito, por exemplo.

c) Exposto ao público: é um local privado, mas que pode ser visto por número indeterminado de
pessoas que passem pelas proximidades. Ex.: janela aberta, terraço, varanda, terreno baldio aberto,
interior de automóvel etc.

Entende-se, entretanto, que não há crime se o ato é praticado em local escuro ou afastado, que
não pode ser normalmente visto pelas pessoas. Ex.: casal que está tendo relação sexual, de madrugada,
em estrada de terra longínqua e não iluminada.

E se o agente só pode ser visto por vizinhos?


Nelson Hungria entende que não há crime. Para Victor Eduardo Rios Gonçalves há crime.

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3. Sujeitos ativo e passivo: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Sujeito
passivo é a coletividade, bem como qualquer pessoa que presencie o ato.

O tipo não exige que o agente tenha finalidade erótica. O fato pode ter sido praticado por
vingança, por brincadeira, por aposta etc. Em qualquer caso, há crime.

4. Consumação: Ocorre com a prática do ato, ainda que não seja presenciado por qualquer pessoa,
mas desde que pudesse sê-lo, ou, ainda, quando o assistente não se sente ofendido. Trata-se de crime
formal e de perigo.

5. Tentativa: Discute-se acerca da tentativa, por ser duvidosa a possibilidade de fracionamento da


conduta. Magalhães Noronha, Damásio de Jesus e Victor Eduardo Rios Gonçalves não a admitem, ao
contrário de Bitencourt, Júlio E Mirabete e de Heleno Fragoso, a aceitam.

6. Ação penal: É pública incondicionada, de competência do Juizado Especial Criminal.

7. Classificação doutrinária: O ato obsceno é crime simples (ofende um único bem jurídico);
comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); de mera conduta ou de simples atividade
(consuma-se com a prática da conduta legalmente descrita, e não há espaço para a superveniência de
resultado naturalístico); de perigo abstrato (a lei presume a situação de perigo ao bem jurídico); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); em regra comissivo; vago (tem como sujeito passivo
um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em
um momento determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso
eventual (pode ser cometido por uma única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

2. ESCRITO OU OBJETO OBSCENO


Art. 234 - Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de
exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:
I - vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste artigo;
II - realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de
caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter;
III - realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de caráter obsceno.
1. Objeto jurídico: Tutela-se o pudor público, a moralidade sexual pública.

2. Tipo objetivo:
Trata-se de crime de ação múltipla, uma vez que a lei descreve vários verbos como núcleo.
Assim, para que exista o crime, o agente deve fazer (confeccionar), importar (introduzir no
território nacional), exportar (fazer sair do País), adquirir (obter a propriedade) ou ter sob sua
guarda (ter pessoalmente a custódia) o objeto material. Este deve ser um escrito, pintura, estampa
ou qualquer objeto obsceno. Exige a lei, ainda, que o agente tenha intenção de comércio, distribuição
ou exposição pública do objeto (elemento subjetivo do crime).

Não se tem punido, todavia, sex shops que vendem objetos com formas de órgãos sexuais,
desde que a exposição e venda dos produtos ocorra em local fechado e apenas para pessoas maiores de
idade.

Para Nucci (2014, p. 1103) tal artigo é inconstitucional: “Não ofende, apenas, o princípio da
legalidade, por via de seu corolário, a taxatividade, diante da falta de clara definição acerca do que
vem a ser algo obsceno (elemento normativo do tipo de vagueza nítida). Fere, sobretudo, outras
normas e princípios constitucionais, como a liberdade de expressão, especialmente no formato
42
artístico, bem como a liberdade de comunicação social, sem qualquer tipo de censura. Para conferir: “É
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5.º, IV, CF); “É livre a expressão
da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença” (art. 5.º, IX, CF); “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição” (art. 220, caput, CF); “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica
e artística” (art. 220, § 2.º, CF)”.

3. Consumação: Consuma-se com a ação, independentemente da efetiva ofensa à moral pública.

4. Tentativa: É possível.
Nos incisos I, II e III, temos figuras equiparadas, punidas com as mesmas penas, para quem
comercializa ou publica os objetos mencionados, apresenta ao público peça teatral ou filmes
cinematográficos de caráter obsceno, ou realiza audição ou declamação obscenas em local público ou
acessível ao público.
Nos dias atuais, entretanto, não tem havido repressão a essa infração penal, sob o
fundamento de que a sociedade moderna não se abala, por exemplo, com a exibição de espetáculos ou
revistas pornográficas, desde que para adultos. Segundo Heleno C. Fragoso "a pesquisa veio
demonstrar que não há dano na exibição de espetáculos obscenos, que, ao contrário, podem evitar
ações delituosas em matéria sexual, pela gratificação que constituem para certas pessoas". Por essas
razões, não se tem punido o dono do cinema que exibe filme pornográfico, o jornaleiro que vende
revistas da mesma natureza etc.

5. Ação penal: É pública incondicionada, de competência do Juizado Especial Criminal.

6. Classificação doutrinária: O escrito ou objeto obsceno é crime simples (ofende um único bem
jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou
de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta legalmente descrita, independentemente
da superveniência do resultado naturalístico); de perigo abstrato (a lei presume a situação de perigo
ao bem jurídico); de forma livre (admite qualquer meio de execução); em regra comissivo; vago (tem
como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade);
instantâneo (nas modalidades “fazer”, “importar”, “exportar” e “adquirir”) ou permanente (no núcleo
“ter sob sua guarda”); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma
única pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser
fracionada em diversos atos).

TÍTULO VII
DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA O CASAMENTO
1. BIGAMIA
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.

§ 1° - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é
punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

§ 2° - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-
se inexistente o crime.

1. Objeto jurídico: Visa a lei proteger a organização familiar, mais especificamente o casamento
monogâmico, que é regra na grande maioria dos países ocidentais, de tal forma a evitar reflexos na
ordem jurídica que regulamenta os direitos e obrigações entre os cônjuges. Nossa cultura não admite
a bigamia, tendo o novo Código Civil em seu art. 1.521, VI, inclusive, previsto que não podem casar
as pessoas casadas.
43
Concurso necessário: Trata-se de crime de concurso necessário, de condutas convergentes, uma
vez que sua existência pressupõe a participação de pelo menos duas pessoas, cujas condutas se
manifestam na mesma direção, ou seja, a realização do matrimônio.

Para que ambas sejam punidas, entretanto, é necessário que tenham conhecimento da existência
do casamento anterior. Assim, o terceiro de boa-fé que se casa sem saber do impedimento decorrente
de anterior casamento do outro, não comete o crime.

Veja-se, por sua vez, que se ambos conhecem a circunstância do outro casamento, aquele
que já era casado responde pela forma descrita no caput, cuja pena é de reclusão de dois a seis
anos, enquanto a outra parte incide na figura privilegiada do § 1°, cuja pena é de detenção de
um a três anos.

Respondem também pelo crime do § 1° as pessoas ou testemunhas que, cientes do fato,


colaborem com o aperfeiçoamento do segundo casamento. Nesse sentido: “Advogado que sabendo ser
seu cliente casado, funciona como testemunha de novo matrimônio deste com outra mulher, deixando
de cumprir a obrigação de denunciar o impedimento” (TJSP – RJTJSP 68/331).

2. Elemento do tipo: Consubstancia-se no verbo “contrair”, isto é, assumir novo casamento. A


assunção de matrimônio realiza-se de acordo com as disposições da lei civil (Código Civil, arts. 1.525
a 1542).

3. Sujeito ativo: É o indivíduo, homem ou mulher, que, sendo casado, contrai novas núpcias.

4. Sujeito passivo: O Estado, bem como o cônjuge ofendido do primeiro casamento e ainda o cônjuge
de boa-fé do segundo.

Se o agente é separado judicialmente ou separado de fato, mas ainda não é divorciado, comete
o crime quando vem a casar-se novamente. Apenas o divórcio e o falecimento do cônjuge extingue o
vínculo e abre a possibilidade de novo matrimônio lícito.

Se o primeiro casamento for nulo ou anulável, mas ainda não tiver sido declarado como tal,
haverá crime. No entanto, o § 2° esclarece que, sendo posteriormente declarada a anulação ou nulidade
do primeiro casamento, considera-se inexistente o crime.
Importante: O simples casamento religioso não configura o crime, salvo se for realizado na
forma do art. 226, § 2°, da CF (com efeitos civis).

5. Consumação: O crime se consuma no momento em que os contraentes manifestam formalmente a


vontade de contrair casamento perante a autoridade competente, durante a celebração. Para tal fim,
nem sequer é exigido o termo de casamento, que é simples prova do crime. Trata-se de crime
instantâneo, de efeitos permanentes.

6. Tentativa: É possível quando, iniciada a celebração, o casamento é impedido. Há, todavia,


entendimento em sentido contrário, sob o fundamento de que ou há a manifestação de vontade, e o
crime está consumado, ou não há, hipótese em que o fato é atípico (mero ato preparatório).
Importante: Não há divergência, entretanto, no sentido de que o processo de habilitação
(anterior à celebração) constitui mero ato preparatório, não configurando a tentativa de
bigamia, mas, apenas, crime de falsidade ideológica (art. 299). Veja-se, porém, que a consumação
da bigamia absorve a falsidade (crime-meio).

7. Prazo prescricional: Como o crime de bigamia usualmente permanece desconhecido por muito
tempo, preferiu o legislador criar hipótese diferenciada no que se refere ao início do prazo
prescricional, de terminando que o lapso somente passa a correr da data em que o fato se torna
conhecido da autoridade pública (art. 111, IV, CPB).

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8. Ação penal: É pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: A bigamia é crime simples (ofende um único bem jurídico); próprio
(somente pode ser praticado por pessoa casada); material ou causal (consuma-se com a efetiva
celebração do segundo matrimônio); de dano (causa lesão ao casamento); de forma vinculada (o
meio de execução é o casamento, o qual deve obedecer as formalidades da lei civil); em regra
comissivo; instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se em um momento determinado, mas seus
efeitos se prolongam no tempo); plurissubjetivo, plurilateral ou de concurso necessário (exige a
presença de duas pessoas) e bilateral ou de encontro; e normalmente plurissubsistente (a conduta
pode ser fracionada em diversos atos).

2. INDUZIMENTO A ERRO ESSENCIAL E OCULTAÇÃO DE IMPEDIMENTO


Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento
que não seja casamento anterior:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão
depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a organização da família e a regularidade do casamento nos termos


exigidos pela Lei Civil.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo “contrair”, isto é, assumir novo vínculo


matrimonial:
a) induzindo em erro essencial o outro contraente: Conforme o art. 1.557 do Código Civil, erro
essencial é:

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:


I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento
ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de
moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge
ou de sua descendência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

O casamento realizado nessas condições é anulável nos termos do art. 1.556 do Código Civil de
2002.

b) ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: Os impedimentos estão previstos
no art. 1.521 do Código Civil:

Art. 1.521. Não podem casar:


I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Para que haja delito, entretanto, é necessário que o agente tenha induzido o consorte
inocente em erro essencial ou que lhe tenha ocultado a existência de impedimento para a
celebração do casamento – que não o anterior. Premissa do crime, portanto, é que a outra parte
esteja de boa-fé e tenha sido enganada pelo agente.

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3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse delito. Nada impede que ambos os
contraentes o pratiquem, basta que um engane o outro simultaneamente. Ex.: “A” oculta de “B” que é
seu irmão e “B” induz “A” em erro essencial ao omitir que porta doença grave transmissível.

4. Sujeito passivo: É o Estado, bem como o outro contraente que esteja de boa-fé.

5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de contrair


matrimônio induzindo o outro contraente em erro essencial ou lhe ocultando impedimento.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se no momento da celebração do casamento. Segundo a


doutrina, a tentativa é juridicamente inadmissível, pois o parágrafo único do art. 236 reza que a ação
penal não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro
ou impedimento, anule o casamento. Trata-se, consoante parte da doutrina, de condição de
procedibilidade para a instauração da ação penal, não se confundindo com a existência do crime ou
com condição objetiva de punibilidade.

7. Ação penal: Trata-se de crime de ação privada personalíssima, que somente pode ser intentada
pelo cônjuge ofendido, após o trânsito em julgado da sentença que decretou a nulidade do
matrimônio (condição de procedibilidade). Nesse caso, se ocorre morte da vítima, durante o
tramitar da ação penal, haverá perempção (causa extintiva da punibilidade), uma vez que não se
admite a transmissão da titularidade aos sucessores.

8. Classificação doutrinária: O induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento é crime


simples (ofende um único bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material
ou causal (consuma-se com a celebração do casamento); de dano (causa lesão à instituição familiar);
de forma vinculada (o agente deve submeter-se ao casamento, em sintonia com as formalidades da lei
civil); em regra comissivo; instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se em um momento
determinado, mas seus efeitos se prolongam no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso
eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a
conduta pode ser fracionada em diversos atos).

3. CONHECIMENTO PRÉVIO DE IMPEDIMENTO


Art. 237 - Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:
Pena - detenção, de três meses a um ano.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a organização regular da família.

2. Elementos do tipo:
Consubstancia-se no verbo “contrair”, isto é, assumir casamento, no caso, conhecendo a
existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta.

Estamos diante de uma norma penal em branco em sentido lato, cujo conteúdo carece de
complementação por outra lei, no caso o Código Civil.

Os impedimentos estão previstos no art. 1.521 do Código Civil (são os chamados


impedimentos dirimentes absolutos ou públicos. Exclui-se desse rol o inciso VI (as pessoas
casadas), pois sua presença perfaz o crime de bigamia.

Art. 1.521. Não podem casar:


I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

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Se o agente sabe do impedimento e apenas omite o fato do noivo, incorre no crime em
análise. Salienta a doutrina que só ocorrerá o delito do artigo anterior – ocultação de
impedimento – se o agente fraudulentamente ocultar o fato. Assim, se o sujeito mente para
esconder o impedimento, comete crime mais grave do art. 236. Se apenas se omite, sua conduta
enquadra-se no crime em estudo.

3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo desse delito. Nada impede que ambos os
contraentes sejam coautores, se tiverem ciência do impedimento.

4. Sujeito passivo: É o Estado, bem como o outro contraente que esteja de boa-fé, isto é, desde que
desconheça o impedimento.

5. Elemento subjetivo: É o dolo direto, consubstanciado na vontade livre e consciente de contrair


matrimônio, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause nulidade.

6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes. Consuma-se no


momento em que o segundo casamento é celebrado, ou seja, com o consentimento formal dos
nubentes. Quanto a tentativa é possível quando, iniciada a celebração, o casamento é impedido.

7. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada. Nos termos do art. 1.549 Código Civil,
nada impede, que o Ministério Público proponha ação civil para obter a declaração de nulidade do
casamento, antes ou concomitantemente à propositura da ação penal.

8. Classificação do crime: O conhecimento prévio de impedimento é crime simples (ofende um único


bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com
a celebração do casamento); de dano (causa lesão à instituição familiar); de forma vinculada (o
agente deve submeter-se ao casamento, em consonância com as formalidades da lei civil); em regra
comissivo; instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se em um momento determinado, mas seus
efeitos se prolongam no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (cometido por
uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser
fracionada em diversos atos).

4. SIMULAÇÃO DE AUTORIDADE PARA CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO


Art. 238 - Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de casamento:
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Trata-se de crime subsidiário, caso não caracterize estelionato.

1. Objetividade jurídica: Visa tutelar o matrimônio,a proteção da disciplina jurídica do casamento.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo “atribuir-se”, isto é, imputar a si, falsamente


(elemento normativo do tipo), a qualidade de autoridade para celebrar casamento. O agente, então,
simula, finge ser juiz de paz (art. 98, II, CF/88), para presidir a cerimônia de matrimônio civil.

Crime subsidiário: É evidente que, na prática, a intenção do sujeito é obter a remuneração pelo
casamento; caso consiga, responderá apenas pelo crime de estelionato porque o tipo em estudo é
expressamente subsidiário. Assim, considerando que esse crime se constitui pela simples conduta de se
atribuir a condição de autoridade para celebração de casamento, estará configurado somente se,
posteriormente, não obtiver qualquer vantagem como conseqüência de tal ato.
O casamento realizado por autoridade incompetente é anulável, mas se convalida se não
for proposta a ação para a anulação no prazo de dois anos a contar da celebração (arts. 1550, VI,
e 1560, II, do Código Civil).

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa ou mesmo o funcionário público que não tenha atribuição
para celebrar casamento.
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4. Sujeito passivo: É o Estado, bem como os cônjuges de boa-fé.

5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de atribuir-se


falsamente autoridade para a celebração do casamento.
6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime formal. Consuma-se com o simples ato de o agente
atribuir-se falsa autoridade, independentemente da efetiva realização do casamento. A tentativa será
possível nas hipóteses em que o crime não se perfaz em um único ato.

7. Distinção: O crime em estudo é uma forma específica do delito de usurpação de função pública
(art. 328 CPB). É de natureza subsidiária, somente incidindo se o fato não constituir delito mais grave.
Assim, se for praticado com vistas à obtenção de vantagem, a figura penal incidente será a do art. 328,
§ único do CP, cuja pena é de reclusão, de 2 a 5 anos, portanto mais grave.

8. Ação penal. Trata-se de crime de ação pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: A simulação de autoridade para celebração de casamento é crime


simples (ofende um único bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de
consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a realização da conduta
criminosa, independentemente da superveniência do resultado naturalístico); de dano (causa lesão à
instituição familiar); de forma livre (admite qualquer meio de execução); em regra comissivo;
instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

5. SIMULAÇÃO DE CASAMENTO
Art. 239 - Simular casamento mediante engano de outra pessoa:
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

1. Objetividade jurídica: Visa tutelar a organização familiar e o regime jurídico do casamento.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo “simular”, isto é, fingir casamento. O engano


(elemento normativo do tipo) consiste no emprego de fraude e se dá quando, por exemplo, o cônjuge
contrata alguém que se atribui falsamente autoridade para celebrar o casamento, e o outro nubente
acredita que está se casando.

3. Sujeito ativo: Somente um ou ambos os contraentes podem ser autores do delito em estudo. Na
primeira hipótese, vítima é o outro cônjuge enganado. Já na hipótese em que ambos os cônjuges são
co-autores, somente haverá crime se eles necessitarem do consentimento de seus pais, tutores ou
curadores para a celebração do matrimônio, pois o tipo exige que haja o engano de outrem.
O Juiz de Paz ou o Oficial do Cartório de Registro Civil que realiza a cerimônia, mas
dolosamente engana os noivos e não registra ou não leva a registro o ato no livro respectivo, comete
falsidade ideológica, consistente em omitir declaração que devia constar em documento público.

4. Sujeito passivo: É o Estado, bem como o cônjuge ou os cônjuges enganados.

5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de simular casamento


mediante engano de outra pessoa.
Subsidiariedade expressa: Por se tratar de crime expressamente subsidiário, pode ocorrer que a
simulação do casamento seja o meio fraudulento utilizado pelo agente para obter a posse sexual da
mulher, de forma que, presente essa finalidade, o crime passa a ser outro (Violação sexual mediante
fraude - art. 215 CPB), portanto, mais grave; ou, se o fato é meio de execução para obtenção de
vantagem econômica indevida, caracterizando crime de estelionato.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se com a simulação da celebração do casamento. A tentativa é


perfeitamente admissível.
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7. Ação penal. Trata-se de crime de ação pública incondicionada.

8. Classificação doutrinária: A simulação de casamento é crime simples (ofende um único bem


jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou
de resultado cortado (consuma-se com a realização da conduta criminosa, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de dano (causa lesão à instituição familiar); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); em regra comissivo; instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual
(cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta
pode ser fracionada em diversos atos).

6. ADULTÉRIO
Art. 240 - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

Obs.: O adultério era um dos raros crimes do CP que se apurava mediante ação privada personalíssima, onde
a queixa-crime somente podia ser intentada pelo cônjuge traído, não admitindo a substituição pelos sucessores
em caso de morte ou declaração de ausência da vítima antes ou durante o decorrer da ação penal.

CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO

1. REGISTRO DE NASCIMENTO INEXISTENTE


Art. 241 - Promover no registro civil a inscrição de nascimento inexistente:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.

1. Objeto jurídico: Nesse dispositivo a lei tutela a formação da família e a fé pública nos
documentos oficiais.

2. Elementos do tipo: A conduta típica é registrar, dar causa ao registro de pessoa que não nasceu,
havendo, também, infração na conduta de registrar natimorto como se tivesse nascido vivo.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa (pai e mãe
fictícios, Oficial do Registro Civil quando ciente da falsidade etc.). Também respondem pelos crimes
os partícipes, como médicos que tenham atestado o nascimento inexistente, "testemunhas" do
nascimento etc.

4. Sujeito passivo: O Estado, bem como a pessoa que possa ser lesada pelo crime.

5. Consumação e tentativa: O crime se consuma no momento em que é feito o registro. A tentativa é


possível, como, por exemplo, quando a efetivação do registro é obstada por terceiro ou quando o
Oficial desconfia da documentação apresentada e não o lavra.
Por se tratar de crime especial, a configuração do crime em análise afasta a aplicação do
crime de falsidade ideológica.

6. Prescrição: Determina o art. 111, IV, do Código Penal que o prazo prescricional passa a correr da
data em que o fato se torna conhecido.
7. Ação Penal: É pública incondicionada.

8. Classificação doutrinária: O registro de nascimento inexistente é crime pluriofensivo (ofende


mais de um bem jurídico: o estado de filiação e a credibilidade do registro civil); comum (pode ser
praticado por qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com a produção do resultado
naturalístico, consistente na efetiva inscrição no registro civil de nascimento inexistente); de dano
(causa lesão à família); de forma livre (admite qualquer meio de execução); em regra comissivo;
instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se em um momento determinado, mas seus efeitos se
prolongam no tempo, independentemente da vontade do agente); unissubjetivo, unilateral ou de
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concurso eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos atos).

2. PARTO SUPOSTO. SUPRESSÃO OU ALTERAÇÃO DE DIREITO INERENTE AO


ESTADO CIVIL DE RECÉM-NASCIDO
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou
substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:


Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

1. Objeto jurídico: Trata-se de dispositivo que tutela o estado de filiação.

2. Condutas típicas: possui ao todo quatro condutas típicas autônomas:

a) Dar parto alheio como próprio: É um crime que só pode ser praticado por mulher, cuja ação
incriminada é a de apresentar à sociedade um recém-nascido como se fosse seu próprio filho. É
necessário que a mulher tenha a intenção específica de criar uma situação jurídica em que se
faça passar por mãe do infante, introduzindo-o em sua família. É desnecessário o registro do
menor.

Sujeitos passivos (as vítimas) são o Estado e os herdeiros da agente. A consumação ocorre no
instante em que é criada uma situação que importe alteração do estado civil do recém-nascido. A
tentativa é possível.

b) Registrar como seu o filho de outrem (chamada adoção à brasileira): Cuida-se de infração penal
em que o agente (homem ou mulher) promove a inscrição no Registro Civil de criança declarando
tratar-se de filho próprio, quando, em verdade, cuida-se de filho de outrem. Respondem também pelo
crime o Oficial do Cartório e os pais verdadeiros se, cientes da intenção dos agentes, colaboram para a
efetivação do registro. Comete ainda o crime pessoa que passa a viver maritalmente com a
gestante, ciente de que ela se encontra grávida de outro homem, e, após o nascimento, registra o
recém-nascido como sendo filho dele próprio e de sua concubina. Sujeitos passivos são o Estado e
as pessoas lesadas pela conduta. A consumação se dá no momento em que o registro é efetivado. É
possível a tentativa.
O delito em análise absorve o crime de falsidade ideológica.

c) Ocultar recém-nascido, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pratica o


crime aquele que, dolosamente, esconde o recém-nascido visando, com isso, suprimir os direitos
inerentes ao estado civil do neonato. Ex.: herança. Assim, comete também o crime quem
intencionalmente deixa de registrar o menor, ainda que continue a sustentá-lo. Ex.: para esconder
filho adúltero da mulher. O crime se consuma quando a ocultação atinge os direitos do recém-nascido,
sendo possível a tentativa. Sujeitos passivos são o Estado e o neonato prejudicado.

d) Substituir recém-nascido, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil. O crime


consiste em trocar recém-nascidos (em berçário, em creche etc.), pouco importando que um deles
seja natimorto. O crime se consuma quando a troca atinge os direitos civis do recém-nascido, não
sendo necessário o registro no Registro Civil. A tentativa é possível.

3. Crime privilegiado e perdão judicial: Estabelece o dispositivo, em seu parágrafo único, que se o
crime for praticado por motivo de reconhecida nobreza, o Juiz pode reduzir a pena para detenção de
um a dois anos (quando o normal é reclusão de 2 a 6 anos) ou deixar de aplicar a pena, concedendo o
perdão judicial. A reconhecida nobreza é evidenciada quando a conduta demonstra generosidade
ou afeto do agente que visa criar e educar a criança.

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4. Prescrição: Nos termos do art. 111, IV do Código Penal, para a modalidade de registrar como
próprio o filho de outrem, a prescrição só passa a correr da data em que o fato se torna conhecido. Nas
demais modalidades o prazo prescricional segue a regra geral, ou seja, começa a ser contado da data da
consumação (art. 111, I).

5. Classificação doutrinária: O art. 242 do Código Penal contém crimes simples (ofendem um único
bem jurídico); próprio (na modalidade “dar parto alheio como próprio”) e comuns (nas demais
condutas típicas); materiais ou causais (consumam-se com a produção do resultado naturalístico); de
dano (causam lesão à família); de forma livre (admitem qualquer meio de execução); em regra
comissivos; instantâneos (consumam-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo)
ou permanente (no núcleo “ocultar recém-nascido, no qual a consumação se protrai no tempo, por
vontade do agente); unissubjetivos, unilaterais o u de concurso eventual (cometidos por uma só
pessoa, mas admitem o concurso); e normalmente plurissubsistentes (a conduta pode ser fracionada
em diversos atos).

3. SONEGAÇÃO DE ESTADO DE FILIAÇÃO

Art. 243 - Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe
a filiação ou atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
1. Objeto jurídico: Trata-se de dispositivo que tutela o estado de filiação.
2. Elementos dos tipo: Consubstancia-se pelo verbo deixar, isto é, abandonar, largar, desamparar
filho próprio ou alheio em asilo de expostos ou outra instituição de assistência, ocultando-lhe a
filiação ou atribuindo-lhe outra.
O agente dessa forma, omite a filiação ou declara falsamente outra. Se ele abandona a
criança, deixando, porém, a indicação de sua filiação, falta um dos elementos exigidos pelo tipo,
não existindo o crime. Pela mesma razão, se ignora a filiação do menor, não pode ocultá-la. Tal ação
pode integrar outro crime.
Obs.: O agente deve realizar o abandono necessariamente nos locais indicados pelo dispositivo
legal, seja o local público ou particular, do contrário, poderá caracterizar o crime de abandono
de incapaz – art. 133 CPB ou abandono de recém-nascido – art. 134 CPB.

3. Sujeito ativo: Na modalidade deixar filho próprio, somente os pais do infante podem praticar o
crime. Já na modalidade deixar filho alheio, qualquer pessoa pode cometer o delito.

4. Sujeito passivo: É o Estado, bem como o menor que é lesado em seus direitos inerentes ao estado
civil.

5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de deixar a criança


em asilo de expostos ou outra instituição de assistência, ocultando-lhe a filiação ou atribuindo-lhe
outra. Exige-se também o chamado elemento subjetivo do tipo, consistente no fim de prejudicar
direito inerente ao estado civil do menor.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se com o abandono da criança nos locais descritos no tipo.
Trata-se de crime material, portanto a tentativa é perfeitamente possível.
7. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

8. Classificação doutrinária: A sonegação de estado de filiação é crime simples (ofende um único


bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada
ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta, prescindindo da produção do
resultado naturalístico); de dano (causa lesão à família); de forma livre (admite qualquer meio de
execução); em regra comissivo; instantâneo de efeitos permanentes (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual

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(cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta
pode ser fracionada em diversos atos).

CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Proteção constitucional: prevê o art. 229 que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade”. (NUCCI, 2014, p. 1121)

1. ABANDONO MATERIAL
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos
ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando
os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou
majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação
dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no
País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive
por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada,
fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)

1. Objeto jurídico: A lei tutela a família, no sentido de ser observada a regra do Código Civil que
estipula a necessidade de assistência material recíproca entre os parentes.

Na primeira modalidade o legislador incrimina o cônjuge, ascendente ou descendente que,


sem justa causa, deixa de prover a subsistência de seus dependentes. Assim, o sujeito passivo é o
cônjuge, o filho menor de dezoito anos ou incapacitado para o trabalho, ou, ainda, o ascendente
inválido ou maior de sessenta anos. É evidente que só existirá o crime se a vítima estiver passando
por necessidades materiais e o agente, podendo prover-lhe a subsistência, intencionalmente
deixar de fazê-lo.

Na segunda modalidade, o agente, sem justa causa, deixa de efetuar o pagamento da


pensão alimentícia acordada, fixada ou majorada em processo judicial. A existência de prisão civil
pela inadimplência do dever alimentar não exclui o crime, mas o tempo que o agente permaneceu
preso em sua conseqüência poderá ser descontado na execução penal, sendo, portanto, caso de
detração (art. 42 do CP).
Em ambas as hipóteses o crime é omissivo próprio e, assim, não admite a tentativa. Na
primeira figura a consumação se dá quando o agente, ciente de que a vítima passa por necessidades,
deixa de socorrê-la. Exige-se permanência no gesto, não havendo crime no ato transitório, em que há
ocasional omissão por parte do devedor. Na segunda figura, a consumação ocorre na data em que o
agente não paga a pensão estipulada. Nas duas figuras, o crime é permanente.
Por fim, o parágrafo único do art. 244 pune com as mesmas penas o sujeito que frustra ou ilide
de qualquer modo o pagamento de pensão alimentícia. Trata-se de punir o emprego de fraude,
tendente a afastar o encargo, como, por exemplo, deixar de trabalhar para que o valor da pensão não
seja descontado da folha de pagamento, ocultar rendimentos etc.

2. Classificação doutrinária: O abandono material é crime simples (ofende um único bem jurídico);
próprio (somente pode ser praticado pelas pessoas indicadas no tipo penal); formal, de consumação
antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa,
independentemente da produção do resultado naturalístico); de perigo concreto (exige prova da
situação de perigo ao sujeito passivo); permanente (a consumação se prolonga no tempo, durante todo
o período em que subsistir a falta dolosa e injustificada da assistência material); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); omissivo próprio ou puro (a omissão está descrita no tipo

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penal); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite
o concurso); e unissubsistente (a conduta é composta de um único ato, necessário e suficiente à
consumação).

2. ENTREGA DE FILHO MENOR A PESSOA INIDÔNEA


Art. 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o
menor fica moral ou materialmente em perigo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 1º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o
menor é enviado para o exterior.

§ 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material,
auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.

1. Objeto jurídico:
Consoante o art. 229 da Constituição Federal, “Os pais tem o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores...”. Assim, é direito dos filhos menores que os pais lhe propiciem a devida
assistência, criação e educação. Haverá infração a esses deveres se o genitor entregar o filho menor,
para criação e educação, a pessoas inidôneas.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo entregar. A entrega do filho menor de 18 anos deve
ser feita a pessoa em cuja companhia o agente saiba ou deva saber que o menor fica moral (ex.:
entregá-lo a uma prostituta, cafetão) ou materialmente em perigo (ex.: entregá-lo a um alcoólatra, a um
mendigo que não tenha condições de lhe fornecer os cuidados necessários).

3. Sujeito ativo: Somente podem praticar o crime os pais do menor. Não se inclui, portanto, o tutor.

4. Sujeito passivo: É o filho menor de 18 anos de idade.

5. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade de entregar o filho menor de 18 anos a


pessoa em cuja companhia saiba que o menor fica moral ou materialmente em perigo. Ocorre que o
tipo penal acrescenta a seguinte expressão “ou deva saber” que o menor fica moral ou materialmente
em perigo. Trata-se não de dolo eventual, mas de anômala previsão de figura culposa.

6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime instantâneo. Consuma-se com a entrega do menor a


pessoa inidônea. A tentativa é perfeitamente admissível.

7. Formas:
1. Simples: Está prevista no caput.
2. Qualificada: Está prevista no § 1° do artigo:
a) para obter lucro: Cuida-se aqui do chamado elemento subjetivo do tipo. Cite-se o exemplo do
genitor que entrega seu filho aos cuidados de um alcoólatra, para que o menor preste a este serviços
remunerados, vindo ele a se favorecer do ordenado recebido pelo ser filho, ficar com o dinheiro;
b) ou se o menor é enviado para o exterior: Essa conduta é considerada mais grave em razão do
maior perigo a que o menor está exposto.
3. Equiparada: Está prevista no § 2°. Pune-se aquele que, com intuito de lucro (elemento subjetivo do
tipo), ajuda a enviar menor para o exterior.

Este parágrafo está tacitamente revogado pelo artigo 239 do ECA:

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior
com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro:
Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

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Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: (Incluído pela Lei nº 10.764, de
12.11.2003)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

8. Ação penal. Trata-se de crime de ação pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: A entrega de filho menor a pessoa inidônea é crime simples (ofende um
único bem jurídico); próprio (somente pode ser praticado pelos pais do menor de 18 anos de idade);
material ou causal (consuma-se com a produção do resultado naturalístico, consistente na efetiva
entrega do filho menor de 18 anos a pessoa inidônea); de perigo concreto (exige prova da situação de
perigo material ou moral à criança ou adolescente); de forma livre (compatível com qualquer meio de
execução); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (cometido por
uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta pode ser
fracionada em diversos atos).

3. ABANDONO INTELECTUAL
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

O crime de abandono intelectual consiste no descumprimento, por parte dos pais, de um dos
deveres do casamento, qual seja, o de prover à instrução intelectual dos filhos menores em idade
escolar.
A instrução primária a que se refere o texto penal e, atualmente, chamada de instrução
básica (art. 208 da CF).

- Art. 208 CF: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada
inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de
1996)
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de
cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares
de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 59, de 2009)
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

A Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – complementa o tipo


penal em estudo (norma penal em branco), estabelecendo a obrigatoriedade dos pais em efetuar a
matrícula dos filhos menores, a partir dos 4 anos de idade no ensino fundamental (art. 6º), que
dura 13 anos.

- Art. 6º: É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4
(quatro) anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

54
Assim, cometem o crime os pais que não efetuam a matrícula, sem justa causa, quando a
criança atinge a idade escolar (quatro anos), bem como aqueles que permitem a evasão do ensino antes
de completado o ciclo de treze anos mencionado na Lei de Diretrizes.

1. Objeto jurídico: O dispositivo visa, portanto, tutelar a educação, a instrução dos filhos menores,
para evitar que eles se tornem pessoas analfabetas ou com parca instrução que lhes dificulte o convívio
social e o ingresso no mercado de trabalho.
O objeto jurídico é a educação e a instrução de menores de 18 anos, que o Estado tem por
finalidade preservar.

Idade escolar: é o período de vida que abrange a pessoa dos quatro aos dezessete anos completos.
Dispõe a Constituição Federal ser dever do Estado promover a educação básica, obrigatória e gratuita,
para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito
constitui Direito Público subjetivo (art. 208, I e § 1.º). Em razão da modificação trazida pela Emenda
Constitucional 59/2009, considera-se a idade escolar dos quatro aos dezessete anos.

2. Conduta típica: Consiste em deixarem os pais de prover à instrução dos filhos em idade escolar,
sem que haja justa causa para isso.

3. Elemento normativo do tipo: sem justa causa significa algo ilícito, não amparado por lei. Logo, é
um elemento de antijuridicidade colocado dentro do tipo penal. É natural que situações extremadas,
como a pobreza ou miserabilidade dos pais e mesmo a falta de instrução destes, podem servir de
justificativa para o não preenchimento do tipo penal. O mesmo se pode dizer da falta de vagas em
escolas públicas, uma vez que cabe ao Estado proporcionar educação a todos os brasileiros,
especialmente aos menos favorecidos economicamente.

A jurisprudência entende como justa causa, hábil a desconfigurar o delito, a ausência de vagas
em escolas públicas, penúria da família etc.

Deixar de prover significa não mais providenciar alguma coisa. No caso deste tipo penal, é a
instrução primária do filho menor.

4. Elemento subjetivo do tipo: é o dolo. Não existe a forma culposa, nem se exige elemento subjetivo
do tipo específico.
Para que exista crime, é necessário que haja dolo na conduta dos genitores, no sentido de privar
os filhos menores da educação de primeiro grau.

5. Sujeito ativo: Só os pais podem ser sujeitos ativos e é irrelevante se vivem ou não em companhia de
seus filhos. Assim, ainda que não convivam com seus filhos, são obrigados a lhes prover à instrução.
Trata-se de crime próprio, que, entretanto, não abrange os meros tutores ou curadores do
menor.

- Art. 55 do Estatuto da Criança e Adolescente – Lei nº 8.069/90: “Os pais ou responsável têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

6. Sujeitos passivos: Os filhos menores em idade escolar.

7. Consumação: O crime se consuma no momento em que, após os cinco anos de idade do filho, os
genitores revelam inequivocamente a vontade de não cumprir com o dever paterno de lhe propiciar
instrução primária.

8. Tentativa: Trata-se de crime omissivo que não admite a tentativa. É também crime permanente, pois
sua consumação perdura enquanto o menor não for enviado à escola.

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9. A questão do homeschooling:
Discute-se se os pais, seja por questões de segurança, seja pela baixa qualidade da educação
ofertada pelo Estado, podem oferecer o chamado “ensino domiciliar” aos seus filhos menores de idade,
prática conhecida como homeschooling na Europa e nos Estados Unidos.

Para Damásio E. de Jesus, o fato seria atípico, uma vez que haveria a educação domiciliar da
criança ou do adolescente e restaria ausente a lesividade da conduta.

De outro lado, há entendimentos no sentido de que a legislação brasileira não prevê o ensino
domiciliar, de modo que não se estaria a resguardar os interesses do filho menor de idade caso se
permitisse aos pais propiciar a educação dos filhos da maneira que bem entenderem. Como já decidido
pelo Superior Tribunal de Justiça: “Inexiste previsão constitucional e legal, como reconhecido pelos
impetrantes, que autorizem os pais a ministrarem aos filhos as disciplinas do ensino fundamental, no
recesso do lar, sem controle do poder público mormente quanto à frequência no estabelecimento de
ensino e ao total de horas letivas indispensáveis à aprovação do aluno”.

Embora proferida no âmbito cível, o julgado revela a posição do Superior Tribunal de Justiça
no tocante à impossibilidade do homeschooling, enquanto não houver disciplina legal sobre o assunto.
Os fundamentos são simples: (a) não há fiscalização do Poder Público quanto à frequência da criança
ou adolescente às aulas; e (b) o Estado não tem como avaliar o desempenho do aluno, para o fim de
constatar se a educação domiciliar está sendo suficiente e adequada. Logo, transportando o raciocínio
jurisprudencial para o campo penal, faltaria justa causa no comportamento dos pais que optarem por
ensinar os filhos em sua residência, acarretando a configuração do crime tipificado no art. 246 do
Código Penal. (MASSON, 2014, p. 258)

10. Classificação doutrinária: trata-se de crime próprio (aquele que demanda sujeito ativo
qualificado ou especial); formal (delito que não exige resultado naturalístico, consistente na efetiva
falta de instrução da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo
agente); omissivo (“deixar” implica em omissão); permanente (aquele cuja consumação se prolonga no
tempo, enquanto estiver o menor em idade escolar, sem qualquer instrução); unissubjetivo (que pode
ser praticado por um só agente); unissubsistente (crime que pode ser cometido por um ato); não admite
tentativa.

4. ABANDONO MORAL
Art. 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou
vigilância:
I - freqüente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;
II - freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual
natureza;
III - resida ou trabalhe em casa de prostituição;
IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a educação, a formação moral do menor de 18 anos de idade, como
forma de prevenir a delinquência juvenil.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo permitir, isto é, consentir, tolerar que menor de 18
anos, pratique uma das ações previstas nos incisos epigrafados:

a) I - frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida: A


primeira parte do inciso exige habitualidade e refere-se, por exemplo, aos cassinos, casas de jogo do
bicho, bar, bordel, casa de massagem etc. A segunda parte da figura penal faz menção à pessoa viciosa,
como viciados em entorpecentes, alcóolicas etc., bem como a de má vida, como o rufião, o traficante
etc.;
56
b) II - frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de
representação de igual natureza: Perverter quer dizer corromper o menor. O espetáculo deve, pois,
ser capaz de causar a depravação moral do menor, por exemplo, espetáculos pornográficos. Pune-se
também, a conduta de permitir que o menor participe de representação de igual natureza.

Quanto àquele que produz ou dirige representação teatral, televisiva, cinematográfica,


fotográfica ou qualquer outro meio visual, utilizando-se de criança ou adolescente em cena
pornográfica, de sexo explícito ou vexatória, o crime será o previsto no art. 240 da Lei nº 8.069/90
(ECA):
”Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo
explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e
multa. §1o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia
a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses
contracena. § 2o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: I – no exercício de cargo ou
função pública ou a pretexto de exercê-la; II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade; ou III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou
por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha
autoridade sobre ela, ou com seu consentimento”.Artigo alterado pela Lei nº 11.829, de 25/11/2008.

c) III - resida ou trabalhe em casa de prostituição: Com base nesse inciso, o filho da meretriz não
pode com ela morar no local ou casa em que exerce comércio carnal. Da mesma forma o menor de 18
anos não pode lá trabalhar, por exemplo, como garçom, atendente, faxineiro etc.

d) IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública: Pune-se aqui a conduta
daquele que permite que menor de 18 anos mendigue, isto é, passe a pedir esmolas. O pai, ao permitir
que seu filho menor mendigue ou ao “cedê-lo” ou “alugá-lo” a terceiro para que o utilize em atos de
mendicância, comete o crime em estudo. Aquele que mendiga em companhia de menor de 18 anos
praticava a contravenção do art. 60, parágrafo único, “c” do Decreto-Lei nº 3.688/41, mas tal
dispositivo foi revogado pela Lei nº 11.983/2009.

Comiseração pública é provocar a compaixão, piedade alheia.

3. Sujeito ativo: É aquele que tem o menor de 18 anos sujeito a seu poder (pai, mãe, tutor) ou
confiado a sua guarda ou vigilância (ex.: diretor de colégio).

4. Sujeitos passivos: É o menor de 18 anos que se encontra sob o poder ou confiado à guarda ou
vigilância de outrem.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: O crime se consuma no momento em que o agente, tomando


conhecimento do comportamento irregular do menor, mesmo assim concorda, tolera ou não impede a
frequência ou a conduta. Tratando-se de crime omissivo próprio, a tentativa é inadmissível.

7. Distinção com o art. 245: Trata, referido art. 245, também de modalidade de abandono moral.
Contudo, na correta distinção de Noronha, o primeiro é forma ativa, ou seja, o agente entrega o
menor, e o segundo é forma passiva, pois o agente apenas permite. Ex.: se um pai entrega o filho a
uma prostituta para aí ficar durante certo tempo, comete o delito do art. 245; se, todavia, o menor está
morando com ela e o genitor não age, não se opõe, pratica o do presente artigo.

8. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: O abandono moral é crime simples (ofende um único bem jurídico);
próprio (somente pode ser praticado pelo titular do poder familiar ou pessoa a quem tenha sido
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confiada a guarda ou vigilância de menor de 18 anos de idade); formal, de consumação antecipada
ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo concreto (exige comprovação do perigo
proporcionado à integridade moral do menor); de forma livre (admite qualquer meio de execução);
comissivo ou omissivo próprio ou puro; habitual (nas modalidades “frequentar casa de jogo ou mal-
afamada” e “frequentar espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor”), permanente (nas
espécies “conviver com pessoa viciosa ou de má vida” e “residir ou trabalhar em casa de prostituição”)
ou instantâneo (nas modalidades “participar de representação capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o
pudor” ou “mendigar ou servir a mendigo para excitar a comiseração pública”); unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
unissubsistente (quando omissivo) ou plurissubsistente (se comissivo).

CAPÍTULO IV
DOS CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA CURATELA

1. INDUZIMENTO A FUGA, ENTREGA ARBITRÁRIA OU SONEGAÇÃO DE INCAPAZES

Art. 248 - Induzir menor de dezoito anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação de
quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem sem ordem do pai,
do tutor ou do curador algum menor de dezoito anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a
quem legitimamente o reclame:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

1. Objeto jurídico: Tutela-se os direitos dos genitores, tutores ou curadores sobre os incapazes,
bem como os interesses destes.

É importante mencionar que com o advento do novo Código Civil, o termo “pátrio poder” foi
substituído por “poder familiar” (arts. 1.630 a 1.638), competindo, pois, a ambos os genitores o
exercício dos direitos e deveres relativos à prole. A tutela encontra-se prevista nos arts. 1.728 a 1.766 e
a curatela nos arts. 1.767 a 1.783 do novo diploma civil.
2. Elementos do tipo: O tipo penal prevê três modalidades de condutas típicas:

a) Induzir menor de dezoito anos, ou interdito, a fugir do lugar em que se acha por determinação
de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial: Nessa modalidade, o
agente convence, persuade, aconselha o menor, ou interdito, a fugir, isto é, a se afastar, sumir do local
em que se encontrava por determinação de seu genitor, tutor ou curador, como por exemplo, da casa
dos pais ou representantes legais. Não basta o induzimento, é necessário que o menor efetivamente
realize a fuga por tempo razoável. Neste crime, o agente não acompanha o menor em sua fuga, pois, se
o fizesse, haveria crime de subtração de incapaz – art. 249 CP.

b) Confiar a outrem, sem ordem do pai, do tutor ou do curador algum menor de dezoito anos ou
interdito: Nessa figura o agente, por exemplo, o diretor de colégio ou asilo, sem autorização do
responsável, entrega o menor ou interdito a outrem. Aquele que o recebe ciente de que a entrega é
arbitrária também responderá pelo crime em tela. Caso desconheça essa circunstância e se recuse a
devolver o menor ou interdito, responderá pelo crime de sonegação de incapaz.

c) Ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame: Pune-se a conduta
daquele que, detendo ou possuindo o menor, ou o interdito, recuse a devolvê-lo, sem justo motivo, a
quem de direito. Trata-se aqui do chamado sonegação de incapaz.

3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticar o delito em tela. Na modalidade sonegação de
incapazes, o pai, tutor ou curador do menor ou do interdito que tenha sido destituído ou
temporariamente privado do pátrio poder (poder familiar), tutela ou curatela, caso venha a se recusar a
entregar o incapaz, comete o crime de desobediência (art. 359 CP), cuja pena é mais grave.
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4. Sujeitos passivos: É o pai, a mãe, o tutor ou o curador.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa:
a) induzir a fugir: consuma-se com a efetiva fuga do menor ou interdito. A tentativa ocorrerá na
hipótese em que o incapaz é impedido de fugir;
b) confiar a outrem: consuma-se quando o menor ou interdito é entregue a outrem. É possível a
tentativa;
c) deixar de entregar: consuma-se no momento da recusa do agente, sem justa causa, em devolver o
incapaz. Trata-se de crime permanente. Por se tratar de crime omissivo puro, a tentativa não é possível,
pois ou o agente se recusa, e o crime está consumado, ou não há recusa, e o crime não se configura.

7. Distinção: A figura criminal em estudo, na modalidade induzir o menor ou interdito à fuga, difere
do crime de subtração de incapazes. No induzimento, a ação acha-se ligada à idéia de fazer o menor
sair do lugar em que se encontra colocado pelo responsável (asilo, colégio etc.); se o agente induz o
menor a segui-lo haverá subtração, que é crime mais grave.

Na subtração, o menor é tirado do poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de
ordem judicial; ao passo que, no induzimento, ele é levado a sair do local onde foi posto. Como se vê,
não é fácil diferenciar uma figura criminal de outra.

8. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: Os crimes são simples (ofendem um único bem jurídico); comuns
(podem ser cometidos por qualquer pessoa); formais (induzimento à fuga, com divergência
doutrinária, e sonegação de incapazes) ou material (entrega arbitrária); de forma livre (admitem
qualquer meio de execução); em regra comissivos (induzimento à fuga e entrega arbitrária) ou
omissivo próprio ou puro (sonegação de incapazes); instantâneos (consumam-se em momentos
determinados, sem continuidade no tempo); unissubjetivos, unilaterais ou de concurso eventual
(cometidos por uma só pessoa, mas admitem o concurso); e plurissubsistentes (induzimento à fuga e
entrega arbitrária) ou unissubsistente (sonegação de incapazes).

2. SUBTRAÇÃO DE INCAPAZES
Art. 249 - Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei
ou de ordem judicial:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não constitui elemento de outro crime.
§ 1º - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o exime de pena, se destituído
ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode
deixar de aplicar pena.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a guarda da pessoa menor de 18 anos.

2. Conduta típica: Consiste em retirar o menor de dezoito anos ou o interdito da esfera de vigilância
de quem exerce o poder familiar, tutela, curatela ou guarda. Para a caracterização do delito, não
importa se houve consentimento do menor, uma vez que tal consentimento é totalmente inválido.

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, inclusive os pais, tutores ou curadores do menor ou
interdito, desde que destituídos ou afastados temporariamente do direito de guarda (§ 1º).

4. Sujeitos passivos: Os titulares do direito, bem como o menor ou interdito subtraídos.


59
A lei não exige qualquer intenção específica de agir por parte do sujeito. Assim, há crime
ainda que a intenção seja dar um futuro melhor ao menor ou afastá-lo da convivência da mãe que
passou a viver em união estável com outro homem etc.

5. Consumação: O crime se consuma com a subtração efetivada contra a vontade do titular do direito
de guarda do menor ou interdito. Trata-se de crime permanente.

6. Tentativa. É possível.

Prevê o § 2º uma hipótese de perdão judicial quando o agente restitui o menor ou interdito,
sem tê-lo submetido a maus tratos ou privações de qualquer ordem.

7. Subsidiariedade expressa: O delito é expressamente subsidiário, pois o art. 249 determina sua
aplicação apenas quando o fato não constitui crime mais grave, como, por exemplo, sequestro ou
extorsão mediante sequestro.

O crime ficará também absorvido quando a intenção do agente é colocar o menor subtraído em
família substituta, uma vez que o art. 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90)
pune com reclusão, de dois a seis anos, e multa, quem subtrai criança ou adolescente ao poder de quem
o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial com o fim de colocação em lar substituto.

8. Classificação doutrinária: A subtração de incapazes é crime simples (ofende um único bem


jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); material ou causal (consuma-se com a
produção do resultado naturalístico, consistente na efetiva retirada do menor de 18 anos ou interdito do
poder de quem detém sua guarda); de dano (causa lesão à instituição familiar); de forma livre (admite
qualquer meio de execução); em regra comissivo; instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual
(cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta
pode ser fracionada em diversos atos).
TÍTULO VIII
DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

CAPÍTULO I
DOS CRIMES DE PERIGO COMUM

1. INCÊNDIO
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.

Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;

II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.

Incêndio culposo
§ 2º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de seis meses a dois anos.
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1. Objeto jurídico: Os crimes descritos neste título visam proteger a incolumidade pública, ou seja, a
tranquilidade na vida em sociedade, evitando que a integridade corporal ou os bens das pessoas
sejam expostos a risco. Incolumidade é o estado de preservação ou segurança de pessoas ou de coisas
em relação a possíveis eventos lesivos. (MASSON, 2014, p. 275).

2. Tipo objetivo:
No crime de incêndio, o agente provoca intencionalmente a combustão de algum material no
qual o fogo se propaga, fogo este que, em face de suas proporções, causa uma situação de risco efetivo
(concreto) para número elevado e indeterminado de pessoas ou coisas. A situação de risco pode
também decorrer de pânico provocado pelo incêndio (em um cinema, teatro, edifício etc.).

Obs.: A provocação de incêndio em uma casa afastada não coloca em risco a coletividade e,
assim, não caracteriza o crime de incêndio, mas crime de dano qualificado.

O crime pode ser praticado por ação ou por omissão, como por ex. por parte de quem tem o
dever jurídico de evitar o resultado porque causou acidentalmente o incêndio, e, mesmo podendo
fazê-lo, resolve se omitir e deixar o fogo tomar grandes proporções. Não se exige a utilização de
substância inflamável, podendo o fogo ter sido provocado diretamente em papéis, tecidos etc.

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, inclusive o proprietário do local incendiado.

4. Sujeitos passivos: O Estado e as pessoas expostas a risco em relação à sua integridade.

5. Consumação e tentativa: O crime se consuma com a criação do perigo, sendo possível a tentativa.
Se a intenção do agente era matar alguém, responde por crime de homicídio (consumado ou
tentado, conforme o resultado), qualificado pelo emprego de fogo. O homicídio absorve o crime de
incêndio.
Por outro lado, a caracterização do crime de incêndio absorve o crime de dano qualificado
pelo uso de substância inflamável (art. 163, parágrafo único, II, do CP). Este crime só se
caracteriza quando o fogo não causa perigo comum, aplicando-se, portanto, a situações de menor
gravidade.
O § 1º determina a elevação da pena em um terço quando o crime é cometido com intenção de
obter alguma vantagem (ainda que o agente não consiga obtê-la) e quando o fato ocorre em
determinados locais, elencados na lei, nos quais existe uma situação mais grave de risco.

Obs.: O ato de provocar incêndio em mata ou floresta constitui crime previsto no art. 41 da lei nº
9.605/98 (Crimes Contra o Meio Ambiente). Esse crime tem pena menor – reclusão, de dois a quatro
anos, e multa -, pois se configura quando referido incêndio não provoca perigo concreto a diversas
pessoas. Se o causar, o crime é o de incêndio com a pena majorada.

6. Causas de aumento de pena decorrentes do resultado:


Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de
liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta
lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio
culposo, aumentada de um terço.
Essas hipóteses são exclusivamente preterdolosas, ou seja, pressupõem dolo em conduta
inicial (crime de perigo comum) e culpa no resultado agravador (lesão corporal ou morte). Dessa
forma, existindo dolo em relação à morte, o agente responde por homicídio doloso qualificado pelo
emprego de fogo (art. 121, § 2º, III, do CP), em concurso formal com o delito de incêndio.

7. Ação penal: É pública incondicionada

8. Classificação doutrinária: O incêndio é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa);
material ou causal e de perigo concreto (a consumação reclama a superveniência do resultado
61
naturalístico, consistente no efetivo perigo à vida, à integridade física ou ao patrimônio de pessoas
indeterminadas); vago (tem como sujeito passivo a coletividade, ente destituído de personalidade
jurídica); de forma livre (admite qualquer meio de execução); instantâneo (consuma-se em um
momento determinado, sem continuidade no tempo); não transeunte (deixa vestígios materiais);
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas
admite o concurso); em regra comissivo; e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode
ser fracionada em diversos atos).

1.2. INCÊNDIO CULPOSO


§ 2°- Se culposo o incêndio, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos.

Trata-se de crime que ocorre quando alguém não toma os cuidados necessários em determinada
situação e, por conseqüência, provoca um incêndio que expõe a perigo a incolumidade física ou
patrimônio de número indeterminado de pessoas. Ex.: atirar ponta de cigarro em local onde pode
ocorrer combustão, não tomar as cautelas devidas em relação a fios elétricos desencapados etc.
As causas de aumento de pena do § 1º não se aplicam ao crime de incêndio culposo.
Nos termos da 2ª parte do art. 258, a pena será aumentada se gerar lesão corporal ou morte.

2. EXPLOSÃO
Art. 251 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso
ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.

§ 1º - Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:


Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, I, do artigo
anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no nº II do mesmo parágrafo.

Modalidade culposa
§ 3º - No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é de detenção, de
seis meses a dois anos; nos demais casos, é de detenção, de três meses a um ano.

1. Objeto jurídico: A incolumidade pública, ou seja, a tranquilidade na vida em sociedade,


evitando que a integridade corporal ou os bens das pessoas sejam expostos a risco.

2. Condutas típicas: São distintas:


a) Provocar explosão: Significa provocar o estouro de substância, com a produção de estrondo e
violento deslocamento de ar pela brusca expansão das substâncias que a compõem.

b) Arremessando explosivo: É lançamento feito a distância, com as mãos ou aparelhos. Para a


configuração da situação de risco, basta o arremesso, sendo desnecessária a efetiva explosão.
c) Colocação de explosivos: Significa armar o explosivo em determinado local, como, por exemplo,
colocar minas explosivas em um terreno. A situação de risco existe, ainda que não haja a efetiva
explosão.
O objeto material nesses crimes é a dinamite ou substância de efeitos análogos (caput) ou
qualquer outra substância explosiva de menor potencial ofensivo (forma privilegiada do § 1º).
3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, inclusive o proprietário do local onde ocorreu a explosão.

4. Sujeito passivo: O Estado e as pessoas expostas a risco em relação à sua integridade ou patrimônio.

5. Consumação: Dá-se com a provocação da situação de perigo a número indeterminado de pessoas.

6. Tentativa: É possível.

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7. Distinção:
O crime de explosão fica absorvido pelo homicídio qualificado se a intenção do agente era
matar alguém. Por outro lado, a configuração do crime de explosão absorve o crime de dano
qualificado pelo uso de substância explosiva (art. 163, parágrafo único, III, do CP).

Veja-se, por fim, que o art. 16, parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do
Desarmamento) pune com reclusão, de três a seis anos, e multa, quem possui, detém, fabrica ou
emprega artefato explosivo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
No crime do art. 251 é necessário que a explosão crie perigo concreto, o que não ocorre no crime
do Estatuto.

8. Causas de aumento de pena:


§ 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, I, do artigo
anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no nº II do mesmo parágrafo.
Aplica-se o aumento de um terço da pena se o agente visa obter vantagem ou se o crime é
praticado em um dos locais mencionados no artigo anterior.

Há ainda a causa de aumento de pena do art. 258 CP se gerar lesão corporal ou morte.

9. MODALIDADE CULPOSA
§ 3º - No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é de detenção, de
seis meses a dois anos; nos demais casos, é de detenção, de três meses a um ano.

Valem aqui as observações feitas em relação ao crime de incêndio culposo. Ex.: colocação de
tambores de gás para utilização como combustível em veículo sem as cautelas necessárias; estocagem
de fogos de artifício ou pólvora em condições perigosas, que vem a causar explosões etc.

Ressalte-se que também na explosão culposa existe diferenciação na pena se há o uso de


dinamite ou apenas explosivo de menor potencial lesivo.

10. Ação penal: É pública incondicionada, de competência do Juizado Especial Criminal, exceto
quando resulta lesão corporal ou morte em decorrência do uso de dinamite ou explosivo similar.

11. Classificação doutrinária: O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); material
ou causal (depende da produção do resultado naturalístico, isto é, a efetiva exposição a perigo da vida,
da integridade física ou do patrimônio de pessoas indeterminadas); de perigo comum e concreto; de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito um ente destituído de
personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode
ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra comissivo; e normalmente
plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

3. USO DE GÁS TÓXICO OU ASFIXIANTE


Art. 252 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou
asfixiante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Modalidade Culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de três meses a um ano.

1. Objeto jurídico: Protege-se a incolumidade pública.

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2. Elementos do tipo: Consiste em expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de
outrem. O meio de execução é que difere dos demais crimes de perigo comum, pois o agente se utiliza
de gás tóxico ou asfixiante. Gás tóxico é o que atua por envenenamento, ainda que não mortal,
enquanto gás asfixiante é o que afeta de modo puramente mecânico, as vias respiratórias,
determinando a sufocação. Trata-se de crime de perigo comum e concreto.
Ex.: quem faz uso irregular de bomba de gás lacrimogêneo, ou quem libera gás tóxico dentro de boate
fazendo com que os mesmos sejam intoxicados ou que tenham mal estar etc.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo.

4. Sujeitos passivos: Por se tratar de crime de perigo comum, é a coletividade em geral.

5. Elemento subjetivo: É o dolo. Pune-se também a conduta culposa.


Caso o agente queira matar ou lesionar alguém mediante o emprego de tais gases, poderá
configurar-se o concurso formal entre o crime de uso de gás tóxico ou asfixiante e um dos delitos
contra a vida (art. 121, § 2º, III CPB ou art. 129, §1º, c/c art. 61, II, “d”, CPB). Caso tais resultados
mais graves não sejam queridos pelo agente, mas sobrevenham culposamente, teremos a hipótese do
crime de uso de gás tóxico ou asfixiante qualificado pelo resultado (art. 258 CPB).

6. Consumação e tentativa: O crime se consuma com o uso do gás tóxico ou asfixiante, desde que
provoque uma situação de perigo concreto para a coletividade. A tentativa é possível.

7. Distinções:
a) O art. 54 da Lei nº 9.605/98 (Crime Ambiental) prescreve: “Causar poluição de qualquer natureza em
níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de
animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º Se o crime é
culposo: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. § 2º Se o crime: V - ocorrer por lançamento de
resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as
exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: Pena - reclusão, de um a cinco anos”.
b) O art. 56 da Lei nº 9.605/98 (Crime Ambiental) prescreve: “Produzir, processar, embalar, importar,
exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou
substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”.
c) Se o agente usar gás tóxico ou asfixiante com o fim de expor a perigo a vida ou saúde de pessoa
determinada, configura-se o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem – art. 132 CPB.
8. Ação penal: Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.
9. Classificação doutrinária: O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); material
ou causal (depende da produção do resultado naturalístico, consistente na exposição a perigo da vida,
da integridade física ou do patrimônio de pessoas indeterminadas); de perigo concreto; vago (tem
como sujeito passivo a coletividade, ente destituído de personalidade jurídica); de forma vinculada (o
tipo penal aponta os meios de execução: uso de gás tóxico ou asfixiante); instantâneo (consuma-se em
um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

4. FABRICO, FORNECIMENTO, AQUISIÇÃO, POSSE OU TRANSPORTE DE


EXPLOSIVOS OU GÁS TÓXICO, OU ASFIXIANTE
Art. 253 - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância
ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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1. A questão da derrogação do art. 253 do CPB pela Lei nº 10.826/2003:
O art. 16, parágrafo único, III da Lei nº 10.826/03, prevê figura semelhante:
“art. 16: Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: III – possuir, detiver, fabricar ou
empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”;
Do art. 253 do estatuto penal faltaram as condutas fornecer, adquirir ou transportar. À
primeira vista, elas não se enquadrariam na nova figura típica, permanecendo redigidas pelos
dispositivos do Código Penal.
Entretanto, na prática, todos os comportamentos, inclusive esses três, acabaram absorvidos
pela Lei nº 10.826/03. É que, para fornecer ou transportar, é necessário, antes, deter ou pelo menos
possuir o objeto, ainda que momentaneamente.
No que tange à aquisição, não resta dúvida de que quem adquire possui, e quem tenta adquirir
tenta possuir. Diante do exposto, todas as figuras do art. 253 CPB foram alcançadas pela nova lei.
Assim, fabricar, possuir (adquirir, fornecer e transportar), deter ou empregar artefato explosivo
não configura mais crime previsto no Código Penal, mas na Lei nº 10.826/03, com pena de 3 a 6
anos de reclusão, mais multa. Estamos diante de uma novatio legis in pejus, não podendo retroagir
para prejudicar o réu, na medida em que a sanção penal cominada é mais severa.
Para Capez (2014, p. 239) o art. 253 foi apenas derrogado pela Lei de Arma de Fogo
(10.826/03), pois o fabrico, o fornecimento, a aquisição, a posse ou o transporte de gás tóxico ou
asfixiante sem autorização da autoridade competente continua a ser por ele incriminado.
1. Objeto jurídico: Protege-se a incolumidade pública.
2. Elementos do tipo: Trata-se de crime de ação múltipla ou conteúdo variado, pois se o agente
praticar qualquer das condutas típicas, haverá delito único. As ações nucleares consubstanciam-se nos
verbos fabricar (produzir), fornecer (entregar a título oneroso ou gratuito), adquirir (obter a título
oneroso ou gratuito), possuir (ter sob a guarda ou disposição) ou transportar (levar, remover), sem
licença da autoridade, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação.
É necessário que as condutas típicas sejam praticadas sem autorização da autoridade. É o
chamado elemento normativo do tipo. Presente a autorização, o fato é atípico.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo.

4. Sujeitos passivos: Por se tratar de crime de perigo comum, é a coletividade em geral.

5. Elemento subjetivo: É o dolo. Não há previsão da modalidade culposa.

6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato, isto é, há presunção legal da


ocorrência de perigo comum com a tão-só prática de uma das ações típicas. Não é necessário
comprovar no caso concreto o risco à coletividade por elas provocado. A tentativa é inadmissível.

7. Ação penal: Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.

8. Classificação doutrinária: O fabrico, fornecimento, aquisição, posse ou transporte de explosivos


ou gás tóxico, ou asfixiante é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de
consumação antecipada ou de resultado cortado e de perigo comum e abstrato (consuma-se com a
prática da conduta criminosa, independentemente da comprovação da situação perigosa a pessoas
determinadas, presumida pela lei); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem
como sujeito um ente destituído de personalidade jurídico, qual seja, a coletividade); instantâneo
(consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo;
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas

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admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em
diversos atos).

5. INUNDAÇÃO
Art. 254 - Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa, no caso de dolo, ou detenção, de seis meses a dois anos, no caso
de culpa.

1. Objeto jurídico: A incolumidade pública.

2. Elementos do tipo: Consiste em causar inundação significa provocar o alagamento de um local de


grande extensão, pelo desvio das águas de seus limites naturais ou artificiais, de forma que não
seja possível controlar a força da corrente. O crime pode ser praticado por ação (rompimento de um
dique, represamento) ou por omissão (alguém involuntariamente abre uma brecha em um dique e não
a repara ou não busca tapá-la).

É indiferente que a inundação seja violenta (abertura total de comporta, rompimento de um


dique, p. ex.) ou lenta (represamento, p. ex.), bastando que tenha o potencial de expor a perigo a
coletividade. Assim, o delito se consuma com a situação efetiva de perigo (concreto) para número
indeterminado de pessoas. A tentativa é possível.
É crime de perigo concreto, isto é, o risco à coletividade deve ser provado caso a caso. Por ser
crime mais grave, o delito de inundação absorve o crime de usurpação ou desvio de águas (art. 161,
§ 1º, do CP).

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo, inclusive o proprietário
do imóvel inundado.

4. Sujeitos passivos: É a coletividade em geral.

5. Elemento subjetivo: O crime de inundação pode ser praticado dolosa ou culposamente, sendo que,
no último caso, o fato resulta da não observância de um cuidado necessário (no sentido de evitar a
inundação), e a pena evidentemente é mais branda.
Se o agente quiser matar alguém por meio de inundação, poderá configurar-se o concurso
formal entre o crime de inundação e o delito de homicídio (art. 121, § 2º, III, CPB). Caso o
resultado mais grave (morte ou lesão corporal grave) não seja querido pelo agente, mas sobrevenha
culposamente, teremos a hipótese do crime de inundação qualificada pelo resultado (art. 258 CPB).

6. Consumação e tentativa: Consuma-se com a efetiva inundação, isto é, no momento em que as


águas expandam em quantidade tal que provoquem uma situação de perigo concreto para a
coletividade. A tentativa é perfeitamente possível.

7. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

8. Classificação doutrinária: A inundação é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa);
material ou causal e de perigo comum e concreto (a consumação reclama a superveniência do
resultado naturalístico, consistente na efetiva exposição a perigo da vida, da integridade física ou do
patrimônio de pessoas indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago
(tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade);
instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra
comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa,
mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa é suscetível de
fracionamento em diversos atos).

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4. PERIGO DE INUNDAÇÃO
Art. 255 - Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a perigo a vida, a integridade
física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou obra destinada a impedir inundação:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Esse crime se caracteriza pela não-ocorrência da inundação, uma vez que a existência desta
tipifica o crime previsto no artigo anterior. A conduta incriminada no delito em tela consiste apenas em
tirar, eliminar ou tornar ineficaz algum obstáculo (margem, p. ex.) ou obra (barragem, dique,
comporta etc.) cuja finalidade é evitar a inundação.
Não se confunde o crime de tentativa de inundação (art. 254), em que o agente quer, mas não
consegue provocá-la, com o crime de perigo de inundação, em que o agente efetivamente não quer
provocá-la.

1. Objeto jurídico: A incolumidade pública.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se nos verbos remover (deslocar), destruir (fazer desaparecer)
ou inutilizar (tornar imprestável, inservível), obstáculo natural ou obra destinada a impedir inundação.
Ao contrário do crime anterior, em que o perigo advém da efetiva inundação, aqui basta o perigo da
inundação com a prática das ações elencadas no tipo penal. Trata-se de crime de perigo concreto.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo, inclusive o proprietário
do prédio em que se encontra o obstáculo natural ou a obra destinada a impedir a inundação.

4. Sujeitos passivos: É a coletividade em geral.

5. Elemento subjetivo: Trata-se de crime doloso, em que o agente objetiva provocar uma situação
de risco à coletividade pela simples remoção do obstáculo, não visando a efetiva ocorrência da
inundação. Assim, o crime se consuma com a situação de perigo decorrente de sua conduta. A
tentativa é possível quando o agente, por exemplo, não consegue remover o obstáculo.
6. Consumação e tentativa: Consuma-se com a prática de uma das ações previstas no tipo penal,
desde que surja a efetiva situação de perigo de inundação. A tentativa é inadmissível.

7. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

8. Classificação doutrinária: O perigo de inundação é crime comum (pode ser cometido por qualquer
pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da
conduta legalmente descrita, independentemente da efetiva inundação); de perigo comum e concreto
(reclama a comprovação do perigo à vida, à integridade física ou ao patrimônio de pessoas
indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo
um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); obstáculo (o legislador previu
como crime autônomo atos que representam a preparação do delito de inundação); instantâneo
(consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo;
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas
admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta fracionada em diversos atos).

5. DESABAMENTO OU DESMORONAMENTO
Art. 256- Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

1. Objeto jurídico: A incolumidade pública.

2. Condutas típicas
a) Causar desabamento. Significa provocar a queda de obras construídas pelo homem (edifícios,
pontes ou quaisquer outras construções).
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b) Causar desmoronamento: Significa provocar a queda de parte do solo (barrancos, morros,
pedreiras etc.).

3. Consumação e tentativa: O crime se consuma com a provocação de perigo concreto à integridade


física ou ao patrimônio de número indeterminado de pessoas. A tentativa é possível.

4. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, inclusive o dono do imóvel atingido.

5.1. MODALIDADE CULPOSA


Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano.

É bastante comum a ocorrência da modalidade culposa do crime de desabamento ou


desmoronamento. É o que ocorre, por exemplo, quando não são observadas as regras próprias na
edificação de casas ou prédios, quando são construídas valas próximas a edificações, quando é retirada
terra ou desmatada área que impede a queda de barrancos etc.

Também na figura culposa exige-se que o desabamento tenha colocado em situação de risco
concreto número indeterminado de pessoas. A conduta de provocar desabamento de construção ou, por
erro no projeto ou na execução, dar-lhe causa, sem, todavia, gerar perigo comum, constitui a
contravenção penal do art. 29 da LCP. Nesse sentido: “Havendo erro na execução de projeto de
demolição de edifício, ocorrendo desabamento sem danos pessoais, caracteriza-se a contravenção do
art. 29, e não o delito de desabamento ou desmoronamento culposo” (STF – RT 612/419).

6. Classificação doutrinária: O desabamento e o desmoronamento são crimes comuns (podem ser


cometidos por qualquer pessoa); materiais ou causais e de perigo concreto (consumam-se com a
produção do resultado naturalístico, daí decorrendo a efetiva situação de perigo a pessoas
indeterminadas); de forma livre (admitem qualquer meio de execução); vagos (têm como sujeito
passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneos
(consumam-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivos;
unissubjetivos, unilaterais ou de concurso eventual (podem ser praticados por uma só pessoa, mas
admitem o concurso); e normalmente plurissubsistentes (a conduta criminosa pode ser fracionada em
diversos atos).

6. SUBTRAÇÃO, OCULTAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE MATERIAL DE SALVAMENTO


Art. 257 - Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou
calamidade, aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou
salvamento; ou impedir ou dificultar serviço de tal natureza:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a incolumidade pública.

2. Elemento do tipo: A figura penal contém as seguintes condutas: a) subtrair (apoderar-se, tira o
bem do local), b) ocultar (esconder) ou c) inutilizar (destrói ou torna inservível ao fim a que se
destina), por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou calamidade, aparelho,
material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento.
Ex.: extintor de incêndio, escada, mala de primeiros socorros, bote salva-vidas, ambulância etc; ou d)
impedir (obstar, frustrar), e) dificultar (criar embaraços) serviço de tal natureza, isto é, combate ao
fogo, socorro ou salvamento. A conduta pode se dar por ação ou por omissão, por exemplo, deixar
de retirar um veículo que impede a chegada do socorro.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo, inclusive o proprietário
do aparelho.

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4. Sujeito passivo: É a coletividade em geral.

5. Consumação e tentativa: Consuma-se com a realização do verbo do tipo na primeira figura, ou


com o impedimento ou embaraço de tais serviços na segunda figura.

6. Concurso de crimes: Caso o agente provoque o desastre ou calamidade, ex.: inundação, e em


seguida pratique uma das ações constantes no tipo penal, por ex.: esconde o salva-vidas, haverá
concurso material de crimes. O mesmo ocorre se o agente danificar, furtar etc., material ou aparelho
alheio, responderá por concurso material.

7. Classificação doutrinária: A subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento é


crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática de qualquer das condutas legalmente descritas,
independentemente da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei
presume o perigo a pessoas indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução);
vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a
coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo);
em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma
só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser
fracionada em diversos atos).

7. FORMAS QUALIFICADAS DE CRIME DE PERIGO COMUM


Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de
liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta
lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio
culposo, aumentada de um terço.

Esse dispositivo possui duas partes:


1) Nos crimes de perigo comum dolosos:
a) se resulta lesão corporal de natureza grave, a pena será aumentada de metade;
b) se resulta morte, a pena será aplicada em dobro.

Essas hipóteses são exclusivamente preterdolosas, ou seja, há dolo na conduta inicial (crime
de perigo comum) e culpa no resultado agravador (lesão corporal grave ou morte). Dessa forma,
como já mencionado anteriormente, existindo dolo em relação à morte, o agente responde apenas por
homicídio doloso, que é crime mais grave, e, se há dolo de causar as lesões, haverá crime de lesões
corporais em concurso com o crime simples de perigo comum.

2) Nos crimes de perigo comum culposos:


a) se resulta lesão corporal (qualquer que seja sua natureza, inclusive leve), a pena será aumentada
de metade;
b) se resulta morte, a pena será a do homicídio culposo (detenção de 1 a 3 anos), aumentada de 1/3.

8. DIFUSÃO DE DOENÇA OU PRAGA


Art. 259 - Difundir doença ou praga que possa causar dano a floresta, plantação ou animais de utilidade
econômica:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a seis meses, ou multa.
Esse artigo encontra-se tacitamente derrogado pelo art. 61 da Lei dos Crimes Ambientais
(lei nº 9.605/98), cujo teor é: “Art. 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à
agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”.

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Importante: A modalidade culposa ainda se encontra em vigor por não haver figura semelhante
na lei ambiental. Pressupõe que, por falta de cuidado, o agente dê causa à difusão de doenças ou
pragas potencialmente perigosas a florestas, plantações ou animais de utilidade doméstica.

CAPÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E
TRANSPORTE E OUTROS SERVIÇOS PÚBLICOS

1. PERIGO DE DESASTRE FERROVIÁRIO


Art. 260 - Impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro:
I - destruindo, danificando ou desarranjando, total ou parcialmente, linha férrea, material rodante ou de
tração, obra-de-arte ou instalação;
II - colocando obstáculo na linha;
III - transmitindo falso aviso acerca do movimento dos veículos ou interrompendo ou embaraçando o
funcionamento de telégrafo, telefone ou radiotelegrafia;
IV - praticando outro ato de que possa resultar desastre:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Desastre ferroviário
§ 1º - Se do fato resulta desastre:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos e multa.
§ 2º - No caso de culpa, ocorrendo desastre:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 3º - Para os efeitos deste artigo, entende-se por estrada de ferro qualquer via de comunicação em que
circulem veículos de tração mecânica, em trilhos ou por meio de cabo aéreo.
1. Objeto jurídico: Tutela-se a incolumidade pública.
2. Elementos do tipo: A conduta típica consiste em impedir (obstruir, fazer com que pare o serviço
ferroviário) ou perturbar (atrapalhar, desorganizar etc.) serviço de estrada de ferro (conforme o §3º,
compreende qualquer via de comunicação em que circulem veículos de tração mecânica, em trilhos ou
por meio de cabo aéreo. Citem-se como exemplos o trem ferroviário, metrôs, bondes e o bondinho do
Pão-de-Açúcar). Trata-se necessariamente de transporte coletivo, isto é, de serviço destinado a
conduzir um número indeterminado de pessoas, pois estamos diante de um crime de perigo
comum.
Vejamos os diversos modos pelos quais esse delito pode ser praticado:
I - destruindo, danificando ou desarranjando, total ou parcialmente, linha férrea (trilho, dormentes),
material rodante (vagões) ou de tração (locomotivas, carros-motores), obra-de-arte (túneis, pontes)
ou instalação (cabines, chaves de desvio, aparelhos de sinalização etc.);
II - colocando obstáculo na linha (ex.: tronco de árvore, pedras);
III - transmitindo falso aviso acerca do movimento dos veículos ou interrompendo ou embaraçando o
funcionamento de telégrafo, telefone ou radiotelegrafia;
Nessa hipótese, a prática de tais ações pode provocar o choque entre trens, ou então o
maquinista pode acabar por não ser cientificado da presença de algum obstáculo em decorrência da
interrupção dos serviços de comunicação. Neste último caso, o crime de perigo de desastre absorve o
delito do art. 266.
IV - praticando outro ato de que possa resultar desastre. Trata-se de fórmula genérica, pois engloba
outros meios provocadores do perigo de desastre que não os elencados expressamente no tipo penal.
Abrange até mesmo omissões por parte de ferroviários que possam provocar risco.

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3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticá-lo. Trata-se de crime comum.
4. Sujeito passivo: É a coletividade em geral.
5. Elemento subjetivo: É o dolo. Trata-se de crime de perigo e não de dano, pois o agente não quer
causar o desastre, mas apenas criar a situação de perigo.
6. Consumação e tentativa: Consuma-se no momento em que o agente cria a situação de perigo de
desastre. A tentativa é possível.
7. Concurso de crimes:
a) Se há o fim político, o art. 15 da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), pune a prática de
sabotagem contra meios e vias de transporte.
b) Caso o agente se utilize de espécies da fauna silvestre para impedir ou perturbar o serviço de estrada
de ferro, responderá o agente também pelo crime contra a Fauna do art. 29 da Lei dos Crimes
Ambientais (Lei nº 9.605/98).
8. Classificação doutrinária: O perigo de desastre ferroviário é crime comum (pode ser cometido por
qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a
prática de qualquer das condutas legalmente descritas, independentemente da superveniência do
desastre); de perigo comum e concreto (exige a comprovação da situação perigosa a pessoas
indeterminadas); de forma vinculada (somente admite os meios de execução expressamente indicados
em lei); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a
coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo);
em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma
só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser
fracionada em diversos atos).

2. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE TRANSPORTE MARÍTIMO, FLUVIAL OU


AÉREO
Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a
impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo
§ 1º - Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de
aeronave:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Prática do crime com o fim de lucro
§ 2º - Aplica-se, também, a pena de multa, se o agente pratica o crime com intuito de obter vantagem
econômica, para si ou para outrem.
Modalidade culposa
§ 3º - No caso de culpa, se ocorre o sinistro:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a incolumidade pública, visando manter a segurança nos meios de
transportes descritos.
2. Elementos do tipo: O tipo penal compõe-se de duas modalidades de conduta:
a) Expor a perigo embarcação (navio, lancha, barco ou qualquer outra construção destinada à
navegação, que vise o transporte coletivo) ou aeronave (avião, helicóptero, balão etc., que também
vise o transporte coletivo), própria ou alheia. Trata-se de crime de ação livre, uma vez que pode ser
praticado por diversos modos, ou,
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b) praticar qualquer ato tendente a impedir (obstruir, atravancar) ou dificultar (tornar mais difícil)
navegação marítima, fluvial (que diz respeito aos rios) ou aérea.
Ex.: o responsável por rádio pirata que, ciente do risco, atrapalha com a transmissão a conversa entre o
piloto e a torre de comando, caneta de laser que atrapalha a visão do piloto, danos que tornem precárias
as condições de navegabilidade, subtração de peças necessárias ao governo do veículo, abalroamento
ou colisão, remoção de sinais de tráfego, colocação de falsos faróis, etc..
Obs.: Itens prejudiciais à navegação aérea: o Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica
(RBHA) n. 121, aprovado pela Portaria 483/DGAC, de 20 de março de 2003, publicado no DOU 76,
de 22 de abril de 2003, constitui complemento a este tipo penal, estipulando os critérios e os aparelhos
permitidos e proibidos na navegação aérea. São liberados em todas as fases do voo: máquinas
fotográficas, flashes, câmaras filmadoras, gravadores de som, aparelhos de marca-passo, relógios
eletrônicos, aparelhos auditivos, equipamentos médico-eletrônicos indispensáveis. São aparelhos
proibidos durante o voo de cruzeiro: telefones celulares, controles remotos, toca-discos CD, scanners
de computador, rádio-transmissores, jogos eletrônicos, microfones sem fio, aparelhos GPS, SABNAV,
GNPS e similares. São liberados: computadores (notebook, laptop etc.), agendas eletrônicas, toca-fita
cassete, rádio-receptor, calculadoras, barbeadores elétricos e eletrônicos, equipamentos eletrônicos de
até 3 volts. São proibidos todos os aparelhos durante o pouso e a decolagem. O objetivo é proteger a
aeronave e seus instrumentos de navegação das interferências eletromagnéticas. (NUCCI, 2014, p.
1153).

3. Sujeito ativo: Qualquer pessoa pode praticá-lo, inclusive o proprietário da embarcação ou da


aeronave. Trata-se de crime comum.
4. Sujeito passivo: É a coletividade em geral.
5. Elemento subjetivo: É o dolo. É sempre necessária a ciência do agente quanto à provocação do
perigo comum.
6. Consumação e tentativa: Consuma-se com a prática dos atos que exponham efetivamente a perigo
embarcação ou aeronave, própria ou alheia. A tentativa é possível.
7. Prática do crime com intenção de lucro
§ 2º - Aplica-se, também, a pena de multa, se o agente pratica o crime com intuito de obter vantagem
econômica, para si ou para outrem.
É o que ocorre com piloto de aeronave que, por aposta, efetua acrobacia, ou que recebe
dinheiro de empresa concorrente para dificultar a prestação de serviço daquela em que trabalha etc.
8. Modalidade culposa
§ 3º - No caso de culpa, se ocorre o sinistro:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

É o que ocorre, por exemplo, quando o sujeito dá causa ao evento pela falta de manutenção no
equipamento, provocando o sinistro.
9. Distinção:
a) Caso a destruição da embarcação ou aeronave ocorra por meio de incêndio ou explosão, o crime
passará a ser o do art. 250, § 1º, II, “c”, ou art. 251, § 2º.
b) Caso haja motivação política, o crime poderá ser o previsto no art. 15 da Lei de Segurança
Nacional (Lei nº 7.170/83).
c) Para Fernando Capez caso o agente se entregue, na prática de aviação, a acrobacias ou a vôos
baixos, fora da zona em que a lei o permite, ou faça descer aeronave fora dos lugares destinados a esse
fim, haverá a contravenção penal de abuso na prática da aviação, prevista no art. 35 da Lei das
Contravenções Penais: “Art. 35. Entregar-se na prática da aviação, a acrobacias ou a vôos baixos, fora da zona em
que a lei o permite, ou fazer descer a aeronave fora dos lugares destinados a esse fim: Pena – prisão simples, de quinze

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dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis ”. Para Victor Eduardo Rios Gonçalves o
agente responde pelo crime em tela do art. 261 CP.

10. Classificação doutrinária: O atentado contra a segurança de outro meio de transporte é crime
comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática de qualquer das condutas legalmente descritas,
independentemente da superveniência do sinistro); de perigo comum e concreto (exige a
comprovação da situação perigosa a pessoas indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio
de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja,
a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo);
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas
admite o concurso); em regra comissivo; e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode
ser fracionada em diversos atos).

3. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE OUTRO MEIO DE TRANSPORTE


Art. 262 - Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento:
Pena - detenção, de um a dois anos.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a incolumidade pública.


2. Elementos do tipo: É a mesma prevista no artigo anterior, no entanto, as condutas aqui praticadas
visam qualquer outro meio de transporte público, por exemplo, ônibus, táxis, lotações, embarcações
lacustres (lagos) etc. Deve o transporte ser necessariamente coletivo, ainda que pertencente a
particular.
3. Sujeito ativo e passivo: O sujeito ativo trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode praticá-lo,
inclusive o proprietário do transporte público. Sujeito passivo é a coletividade em geral.
4. Elemento subjetivo: É o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de expor a perigo o
transporte coletivo, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar seu funcionamento. É
sempre necessária a ciência do agente quanto à provocação do perigo comum.
5. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo concreto. Consuma-se com a prática dos
atos que exponham efetivamente a perigo a coletividade. A tentativa é possível.
6. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Desastre: Está prevista no § 1º do artigo: “Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a
cinco anos”. Trata-se de modalidade preterdolosa. O agente quer causar uma situação de perigo, no
entanto acaba por provocar o resultado mais grave (desastre), o qual lhe é imputado a título de
culpa.
c) Culposa: Prevista no § 2º do artigo: “§ 2º - No caso de culpa, se ocorre desastre: Pena - detenção, de três
meses a um ano”. Admite-se somente a modalidade culposa quando efetivamente ocorrer o
desastre e não quando apenas houver o perigo de desastre.

7. Distinção:
a) Poderá configurar-se o crime previsto no art. 15 da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) se
o crime tiver motivação política;
b) O ato de impedir ou dificultar o funcionamento de instalação nuclear ou o transporte de material
nuclear configurará o crime previsto no art. 27 da Lei nº 6.358/78, que dispõe sobre a
responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados
com atividades nucleares.

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8. Classificação doutrinária: O atentado contra a segurança de outro meio de transporte é crime
comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, independentemente da
superveniência do desastre); de perigo comum e concreto (exige a comprovação da situação perigosa
a pessoas indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como
sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo
(consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral
ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); em regra
comissivo; e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos
atos).
4. FORMA QUALIFICADA
Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão
corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258.
Ver comentários ao crime de incêndio.

5. ARREMESSO DE PROJETIL
Art. 264 -Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por
água ou pelo ar:
Pena - detenção, de um a seis meses.

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos; se resulta
morte, a pena é a do art. 121, § 3º aumentada de um terço.

1. Objeto jurídico: Nesse dispositivo a lei protege a incolumidade pública, no que se refere à
segurança nos meios de transporte coletivos.

2. Conduta típica: Consiste em arremessar, que significa atirar, jogar um projétil. Este é um objeto
sólido capaz de ferir ou causar dano em coisas ou pessoas. Não são, portanto, só os projéteis de
armas de fogo, compreendendo, também, pedras, pedaços de pau etc. Não estão abrangidos pelo
conceito, entretanto, os corpos líquidos e gasosos. Além disso, o disparo de arma de fogo, atualmente,
configura crime mais grave previsto no art. 15 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).

Para que exista crime é necessário que o projétil seja lançado contra veículo em
movimento por terra, mar ou ar. Exige-se também que o veículo seja destinado a transporte
coletivo (ônibus, navios, aviões etc.). Assim, o arremesso de projétil contra veículo de uso
particular ou de transporte público que esteja parado pode caracterizar apenas outro crime
(lesões corporais, dano etc.).

Para Nucci (2014, p. 1156), que tal expressão não pode ter seu significado restringido, pois o
veículo parado num congestionamento está em movimentação, levando pessoas de um local a outro,
embora, momentaneamente, não esteja em marcha. Assim, somente não se configura o tipo penal do
art. 264 quando o veículo estiver estacionado.

3. Consumação: O crime se consuma com o arremesso, ainda que não atinja o alvo. Trata-se de
crime de perigo abstrato, cuja configuração independe da efetiva demonstração da situação de risco.
O perigo, portanto, é presumido.

4. Tentativa: É possível quando o agente movimenta o braço para lançar o projétil e é detido por
alguém.
Nos termos do parágrafo único, se do fato resulta lesão, ainda que leve, a pena é aumentada
para seis meses a dois anos de detenção e, se resulta morte, a pena é a do homicídio culposo,
aumentada de um terço. Essas qualificadoras são exclusivamente preterdolosas, pois, se o agente
quer provocar a morte, responde por crime de homicídio doloso, que absorve o delito de arremesso de
projétil.
74
5. Ação penal: É pública incondicionada.

6. Classificação doutrinária: O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de
consumação antecipada ou de resultado cortado (independe da produção do resultado naturalístico,
qual seja, a efetiva existência de dano ou perigo concreto a terceiros); doloso; de forma livre (admite
qualquer meio de execução); em regra plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada em diversos
atos); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser cometido por uma só pessoa, mas
admite o concurso); instantâneo (a consumação se verifica em um momento determinado, sem
continuidade no tempo); e de perigo comum e abstrato (não se exige a efetiva comprovação da
ocorrência da situação de perigo a pessoas indeterminadas).

6. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE SERVIÇO DE UTILIZADE PÚBLICA


Art. 265 - Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer
outro de utilidade pública:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
1. Objeto jurídico: Nesse dispositivo a lei tutela a incolumidade pública no sentido da
manutenção dos serviços de utilidade pública.

2. Conduta típica: Consiste em atentar (colocar em risco, torná-lo inseguro, perigoso) contra a
segurança ou o funcionamento dos serviços públicos (serviços de água, luz, força ou calor, gás,
limpeza). O agente, com sua conduta, coloca em risco a prestação do serviço público. Ex.: deixar
desencapadas fios de alta tensão em postes públicos, danificar reservatório de água ou postes de luz,
cortar os cabos elétricos fazendo faltar luz em uma região. Se o agente empregar fogo ou explosivo, o
crime será os arts. 250 ou 251 do CPB.

3. Sujeito ativo e passivo: Trata-se de crime comum, qualquer pessoa pode praticá-lo. Sujeito passivo
é a coletividade em geral.
4. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato, isto é presumido. Consuma-se
com o atentado contra a segurança ou o funcionamento do serviço público. Não é necessário que haja
a efetiva paralisação do serviço. Em tese, a tentativa é possível.

5. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Causa de aumento de pena: Está prevista no parágrafo único: “Parágrafo único - Aumentar-se-á a
pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao
funcionamento dos serviços”.Cuida-se aqui do furto de peças, fios elétricos, maquinários etc.,
essenciais ao funcionamento do serviço.
6. Distinção:
a) Poderá configurar-se o crime previsto no art. 15 da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) se
o crime tiver motivação política;
b) O ato de impedir ou dificultar o funcionamento de instalação nuclear ou o transporte de material
nuclear configurará o crime previsto no art. 27 da Lei nº 6.358/78, que dispõe sobre a
responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com
atividades nucleares.

7. Classificação doutrinária: O atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública é crime


comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta legalmente descrita, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume o perigo a
pessoas indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito

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passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-
se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

7. INTERRUPÇÃO OU PERTURBAÇÃO DE SERVIÇO TELEGRÁFICO, TELEFÔNICO,


INFORMÁTICO, TELEMÁTICO OU DE INFORMAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
(Redação dada pela Lei nº 12.737, de 2012)
Art. 266 - Interromper ou perturbar serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, impedir ou dificultar-lhe
o restabelecimento:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

§ 1o Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou
impede ou dificulta-lhe o restabelecimento. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

§ 2o Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública. (Incluído pela
Lei nº 12.737, de 2012)

1. Objeto jurídico: É a incolumidade pública. Apesar de nem sempre a interrupção ou perturbação de


serviço telegráfico ou telefônico causar perigo comum, o Código Penal ainda assim optou por tutelar
“o interesse coletivo na regularidade e normalidade dos serviços de telecomunicações, cuja
interrupção ou perturbação pode causar perigo comum”.

Serviço telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico é o desempenho de atividades ligadas aos


sistemas de transmissão de mensagens entre pontos diversos, através do envio de sinais (telegrafia), de
telegrama sem fio, por ondas eletromagnéticas (radiotelegrafia) e de transmissão da palavra falada a
certa distância (telefonia).

Serviço telemático é a transmissão de informes por meio de computador combinado com


outros meios de telecomunicação, por exemplo, modem, banda larga, cabo etc., ou serviço de
informação de utilidade pública é hipótese genérica, sem especificação apropriada, visto poder se
dar em qualquer linha de transmissão.

2. Conduta típica: Consubstancia-se nos verbos: a) interromper (paralisar, fazer cessar o serviço) ou
perturbar (desorganizar, atrapalhar) serviço telegráfico, radioelétrico ou telefônico; ou b) impedir
(não permitir) ou dificultar-lhe (tornar difícil, colocar obstáculo) o restabelecimento. O rol é taxativo,
de forma que não podem ser abrangidos outros serviços que não os expressamente elencados no tipo
penal. Não se admite, portanto, a analogia.
É imprescindível que a prática das ações típicas (interromper, perturbar, impedir, dificultar)
possa vir a causar perigo a todo o sistema de telecomunicação, pois se trata de crime de perigo comum.
Caso haja o impedimento de comunicação ou conversação entre duas pessoas, o crime será do
art. 151, § 1º, III do CPB (violação de comunicação telefônica).

3. Sujeito ativo e passivo: Trata-se de crime comum, qualquer pessoa pode praticá-lo. Sujeito passivo
é a coletividade em geral, a sociedade.

4. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato, isto é presumido. Consuma-se


com a prática dos atos que interrompam, perturbem o serviço ou que impeçam ou dificultem seu
restabelecimento. A tentativa é possível.
5. Formas:
a) Simples: Previstas no caput e § 1º do artigo.
b) Majorada: Está prevista no § 2º: “Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por
ocasião de calamidade pública”.

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É que a interrupção ou perturbação do serviço provocada pelo agente por ocasião do incêndio,
inundação, deslizamentos ou outra catástrofe acarreta maior perigo para a coletividade, já que nestas situações,
os serviços mencionados são essenciais.
6. Classificação doutrinária: A interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico é
crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta legalmente descrita, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume o perigo a
pessoas indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito
passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-
se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

Obs.: Rádio pirata (Lei nº 9472/97, Art. 183: “Desenvolver clandestinamente atividades de
telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a
terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem,
direta ou indiretamente, concorrer para o crime”).

CAPÍTULO III
DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
1. EPIDEMIA
Art. 267 - Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena - reclusão, de dez a quinze anos.
§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
§ 2º - No caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos.

1. Objetividade jurídica: A saúde pública, ou seja, a proteção das condições saudáveis de


subsistência de toda a coletividade.

2. Conduta típica: Propagar germes patogênicos, que implica difundir, espalhar vírus, bactérias,
bacilos ou protozoários, capazes de produzir moléstias infecciosas, doenças. Ex.: meningite,
difteria, sarampo, gripe, febre amarela etc. O crime é de ação livre, pode ser praticado por qualquer
meio, contaminação do ar, da água, transmissão direta etc.
É necessário, também, que a conduta provoque epidemia, ou seja, surto de uma doença que
atinja grande número de pessoas em determinado local ou região.

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, não apenas os que já estejam contaminados.

4. Sujeito passivo: A coletividade e as pessoas contaminadas.

5. Consumação: O crime se consuma quando se verifica a epidemia, vale dizer, com a ocorrência de
inúmeros casos da doença. Trata-se de crime de perigo concreto embora haja entendimento que é de
perigo abstrato (NUCCI, 2014, p. 1611-1162).

6. Elementos subjetivo: é o dolo, consubstanciado na vontade livre de propagar os germes


patogênicos de forma a causar epidemia. Se a intenção do agente for a de contaminar pessoa
determinada, o crime será outro: o do art. 131 do CP (perigo de contágio de moléstia grave).

7. Tentativa: É possível na hipótese de o agente propagar os germes patogênicos, mas não provocar a
epidemia que visava. Haverá tentativa se a autoridade sanitária tiver conhecimento de que alguém está
infectado e tomar prontamente medidas para debelar a doença, impedindo sua transmissão para outras
pessoas. (CAPEZ, 2015, p. 258)

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8. Causa de aumento de pena:
§ 1º: A pena é aplicada em dobro se resulta morte. Quanto ao resultado agravador, é possível que se
tenha verificado dolosa ou culposamente, tendo em vista o quantum final da pena (que fica entre 20 e
30 anos). Para que se verifique a qualificadora, basta a ocorrência de uma única morte.

Obs.: O crime de epidemia qualificada pela morte é considerado crime hediondo pelo art. 1º,
VII, da Lei nº 8.072/90.

8. Modalidade culposa:
§ 2º: Se a provocação da epidemia for culposa, aplica-se a pena de detenção de um a dois anos e, se
dela resulta morte, de dois a quatro anos.

9. AÇÃO PENAL. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS


a) Ação penal: é crime de ação penal pública incondicionada, portanto independe de representação do
ofendido ou de seu representante legal.

b) Lei dos Juizados Especiais Criminais: em face da pena máxima prevista (detenção, de 1 a 2 anos),
a modalidade culposa (§ 2º, 1º parte) constitui infração de menor potencial ofensivo, estando sujeita às
disposições da Lei n. 9.099/95, sendo, inclusive, cabível a suspensão condicional do processo (art. 89
da lei), em face da pena mínima prevista.

10. Classificação doutrinária: A epidemia é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa);
material ou causal (consuma-se com a produção do resultado naturalístico, ou seja, com a provocação
da epidemia); de perigo comum e concreto (depende da comprovação da situação de perigo a pessoas
indeterminadas); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo
um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em
um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

2. INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA


Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a
profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Conduta típica: Consubstancia-se no verbo infringir, isto é, violar, transgredir determinação do


Poder Público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.

Trata-se de norma penal em branco, pois seu complemento se encontra em determinação


do Poder Público. A determinação consiste em medida consubstanciada em lei, decreto, portaria,
regulamento, provinda da autoridade pública competente (federal, estadual ou municipal), destinada a
evitar os surtos epidêmicos (a Lei nº 7.649/88, estabelece a obrigatoriedade do cadastramento dos
doadores de sangue, bem como a realização de exames laboratoriais no sangue coletado, visando
prevenir a propagação de doenças). Ex.: não deixar lavar o carro nas fronteiras entre estados.
No ano de 2009, o Ministério da Saúde publicou recomendação no sentido de que se deveria
evitar viagens a países em que a gripe A (H1N1) já se encontrava disseminada, por exemplo, no Chile
e na Argentina. O descumprimento a essa recomendação não constituiu crime.

3. Sujeito ativo: Sujeito ativo trata-se de crime comum, qualquer pessoa pode praticá-lo.
78
4. Sujeito passivo é a coletividade, bem como as pessoas que vierem a ser atingidas pela doença
contagiosa.

5. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato, isto é presumido. Consuma-se


com a mera infração da determinação do Poder Público, não sendo necessário que ocorra a propagação
da doença contagiosa. A tentativa é possível.

6. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Causa de aumento de pena: Está prevista no parágrafo único: “Parágrafo único - A pena é
aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico,
farmacêutico, dentista ou enfermeiro”. Essa majorante tem em vista a infração de dever especial decorrente
do exercício de cargo ou profissão.
c) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos nesta Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.

7. AÇÃO PENAL. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS a) Ação penal: é crime de
ação penal pública incondicionada; independe, portanto, de representação do ofendido ou de seu
representante legal. b) Lei dos Juizados Especiais Criminais: a forma simples do crime (caput),
ainda que incida a causa de aumento de pena (parágrafo único), constitui infração de menor potencial
ofensivo, estando sujeita às disposições da Lei n. 9.099/95, sendo, inclusive, cabível a suspensão
condicional do processo (art. 89 da lei), em face da pena mínima prevista.

8. Classificação doutrinária: A infração de medida sanitária preventiva é crime comum (pode ser
cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
(consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado
naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído
de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

3. OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO DE DOENÇA


Art. 269 - Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

O dispositivo em tela constitui norma penal em branco, pois incumbe à lei ou ato
administrativo complementá-la, cuja existência pressupõe que o médico desrespeite a obrigação de
comunicar doença cuja notificação é compulsória, como cólera, febre amarela, varíola, difteria etc.,
obrigação essa decorrente de lei, decreto ou regulamento administrativo. Assim, por exemplo,
podemos encontrar a Lei nº 6.259/75 que trata da questão da notificação compulsória de doenças, a
qual é complementada pela Portaria nº 1.100/96 do Ministério de Estado da Saúde que estabelece um
elenco de doenças que são de notificação compulsória.
A propósito, o art. 7.º da Lei 6.259/1975, regulamentado pela Portaria 1.100/1996, expedida
pelo Ministério da Saúde, elenca diversas doenças de notificação compulsória, seja em todo o território
nacional (exemplos: cólera, dengue, difteria, hanseníase, rubéola, tuberculose, hepatite etc.), seja em
áreas específicas (exemplos: esquistossomose, filariose e malária).
A expressão “autoridade pública” relaciona-se com as autoridades sanitárias, a exemplo do
Ministério da Saúde, no âmbito da União, e da Vigilância Sanitária, no campo dos municípios.
O médico que denuncia tais doenças à autoridade pública não comete o crime previsto no art.
154 (violação de segredo profissional), uma vez que age com justa causa, pois há o dever de
79
notificação imposto pela lei, o que exclui a tipicidade penal.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Sujeito ativo: Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por médico.

3. Sujeito passivo: A coletividade, que pode ser prejudicada pela não-comunicação da doença, de
forma a dificultar ou retardar o combate à sua difusão.

4. Consumação e tentativa: Cuida-se de crime omissivo próprio, que se consuma no momento em


que o médico deixa de observar o prazo previsto em lei, decreto ou regulamento para a efetivação da
comunicação. A tentativa é inadmissível, já que se trata de crime omissivo puro.

5. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos nesta Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.
6. AÇÃO PENAL. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS a) Ação penal: é crime de
ação penal pública incondicionada, que portanto independe de representação do ofendido ou de seu
representante legal. b) Lei dos Juizados Especiais Criminais: em face da pena máxima prevista
(detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa), a modalidade simples (caput) constitui infração de menor
potencial ofensivo, sujeita às disposições da Lei n. 9.099/95. É cabível a suspensão condicional do
processo (art. 89 da lei), em virtude da pena mínima prevista.

7. Classificação doutrinária: A omissão de notificação de doença é crime próprio (somente pode ser
cometido pelo médico); de mera conduta ou de simples atividade (consuma-se com a prática da
conduta criminosa, e o tipo não prevê resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei
presume a situação de perigo à saúde pública); de forma vinculada (somente pode ser executado pela
forma descrita na lei penal); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade
jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem
continuidade no tempo); omissivo próprio ou puro (o tipo penal descreve uma conduta omissiva);
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas
admite o concurso); e unissubsistente (a conduta criminosa é composta de um único ato).

3. ENVENENAMENTO DE ÁGUA POTÁVEL OU DE SUBSTÂNCIA ALIMENTÍCIA OU


MEDICINAL
Art. 270 - Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou medicinal
destinada a consumo:
Pena - reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)

§ 1º - Está sujeito à mesma pena quem entrega a consumo ou tem em depósito, para o fim de ser distribuída, a
água ou a substância envenenada.

Modalidade culposa
§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Conduta típica: Colocar, misturar veneno em água potável, de uso comum ou particular, ou
substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo.

Veneno é a substância química ou orgânica que, introduzida no organismo, tem o poder de


causar a morte ou sérios distúrbios na saúde da vítima.
80
Para que haja o crime, o agente deve querer a contaminação de água potável, de uso
comum ou particular. Na realidade, como se cuida de delito de perigo comum, só haverá crime se
a água se destina ao consumo de toda a coletividade ou ao consumo particular de pessoas
indeterminadas (hóspedes de um hotel, detentos de uma prisão, funcionários de uma repartição
etc.). Assim, o envenenamento da água contida numa garrafa ou num copo que se sabe será
ingerida por pessoa determinada caracteriza crime de lesões corporais ou homicídio.
Há crime, também, se o envenenamento recai em alimentos ou em remédios que se destinam a
distribuição a pessoas indeterminadas (que estejam em depósito para distribuição, em prateleira de
supermercado etc.).

Segundo Noronha, envenenar é “tornar tóxicas a água ou as substâncias mencionadas. Pouco


importa seja seu efeito imediato ou mediato, mortal ou não. Também não conta o modo por que se dá o
envenenamento”.

Três são os objetos materiais desse crime: a) água potável, de uso comum ou particular.
Conceitua-se como aquela usada para a alimentação. Se imprópria para esse fim (por exemplo: água
contaminada por substâncias químicas), não pode ser considerada potável. Por se tratar de crime de
perigo comum, deve o envenenamento ocorrer em água, ainda que particular, destinada ao uso de
pessoas indeterminadas, pois, se determinadas, o crime poderá ser outro: homicídio tentado ou
consumado; b) substância alimentícia destinada a consumo. Constitui-se como a substância sólida
ou líquida também destinada ao consumo de um número indeterminado de pessoas, por exemplo, aves,
peixes, pães, cereais, farinha, refrigerante, vinhos etc.; c) substância medicinal destinada a consumo.
É também a substância sólida ou líquida destinada à prevenção, melhora ou cura de doenças, por
exemplo, comprimidos, xaropes, ervas medicinais etc.

3. Sujeitos ativo e passivo: Sujeito ativo é qualquer pessoa. Sujeito passivo é a coletividade.

4. Consumação e tentativa: O crime se consuma quando a substância envenenada é colocada em


situação na qual possa ser consumida por número indeterminado de pessoas. A tentativa é possível.

5. Formas
5.1 Figuras equiparadas: O § 1º prevê duas figuras equiparadas, para as quais aplica-se a mesma
pena do caput, incriminando quem:
a) Entrega a consumo a água ou substância envenenada por outrem: É evidente que por se tratar
de figura equiparada, a punição se dá a título de dolo.

b) Tem em depósito, para o fim de ser distribuída, a água ou substância envenenada por outrem:
Essa figura consuma-se com o ato de ter a água ou substância em depósito, ainda que o agente não
consiga atingir sua finalidade de distribuí-la. Trata-se, portanto, de crime formal. O crime é também
permanente, sendo possível a prisão em flagrante enquanto a água ou substância estiver em depósito.

5.2 Modalidade culposa


§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

5.3 Qualificada pelo resultado: A modalidade culposa aplica-se tanto à figura do envenenamento
descrita no caput como às formas equiparadas do § 1º. Para a forma culposa existem também
qualificadoras no art. 285 do Código Penal.

6. Classificação doutrinária: O envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou


medicinal é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação
antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-
se da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a
situação de perigo à saúde pública); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem
81
como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja a coletividade);
instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra
comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa,
mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada
em diversos atos).

4. CORRUPÇÃO OU POLUIÇÃO DE ÁGUA POTÁVEL


Art. 271 - Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo
ou nociva à saúde:
Pena - reclusão, de dois a cinco anos.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se nos verbos: a) corromper: apodrecer, estragar; b) poluir:


sujar, conspurcar, no caso, água potável, de uso comum ou particular. Água potável é aquela
destinada ao consumo, ao uso alimentar de um número indeterminado de pessoas (ingestão,
banho etc.) A água deve tornar-se imprópria para o consumo, isto é, não potável, ou nociva à saúde,
isto é, passível de causar dano à saúde. Ex.: gosto, cor, cheiro desagradável.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa.

4. Sujeito passivo: A coletividade.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.


6. Consumação e tentativa: Consuma-se com a efetiva corrupção ou poluição da água que a torne
imprópria ao consumo ou nociva à saúde, independentemente da ocorrência de danos às pessoas.
Trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido. A tentativa é admissível. Ex.: o agente inicia o
lançamento de uma substância química na água potável e, sem que consiga torná-la imprópria para
consumo ou nociva à saúde, é interrompido em sua ação por terceiros.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Culposa: Prevista no parágrafo único: “Parágrafo único - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de dois
meses a um ano”.
c) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.

8. Distinção:
Caso a poluição hídrica torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de
uma comunidade, o crime será o previsto no art. 54 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):
“Art. 54: Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em
danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da
flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”.

9. Classificação doutrinária: A corrupção ou poluição de água potável é crime comum (pode ser
cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
(consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado
naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído
82
de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

5. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE SUBSTANCIA


OU PRODUTOS ALIMENTÍCIOS
Art. 272 - Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo,
tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º-A - Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para
vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado,
corrompido ou adulterado. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

§ 1º - Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou
sem teor alcoólico. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Modalidade culposa
§ 2º - Se o crime é culposo: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

1. Objetividade jurídica: A saúde pública.

2. Condutas típicas. O dispositivo, com a redação dada pela Lei nº 9.677/98, pune as seguintes
condutas:
a) corromper: sinônimo de estragar, tornar podre, desnaturar. Ex.: Segundo Nelson Hungria preparar
queijo com leite mungido de animais doentes;
b) falsificar: empregar substâncias diferentes das que entram na composição de um alimento, ou seja,
o agente, no momento em que fabrica, produz o alimento, utiliza substância diversa da que devia. Ex.:
adiciona corante a um vinho para que suponha de melhor qualidade;
c) adulterar ou alterar: modificar para pior a substância alimentícia anteriormente fabricada ou
produzida. Ex.: adicionar alúmen à farinha.

Para a existência do crime a lei exige que, com a conduta, o alimento ou substância
alimentícia tornem-se nocivos à saúde ou tenham seu valor nutritivo diminuído. No primeiro
caso, é necessária a demonstração de que, com a ingestão do alimento, haverá conseqüências
maléficas para a saúde do consumidor (uso de água poluída ou de leite estragado na produção de
alimento etc.). Na segunda hipótese, deve-se demonstrar que a conduta do agente reduziu a perfeição
calórica, protéica etc. (adição de água pura em leite, adição de carne de segunda em salsichas ou
lingüiças).

Trata-se de crime de perigo concreto, que exige prova de que o produto se tornou nocivo à
saúde ou da redução de seu valor nutritivo.

3. Objeto material: É a substância alimentícia (qualquer substância que entre na produção do


alimento) ou o próprio alimento destinado a consumo, ou seja, a serem utilizados, consumidos, por
número indeterminado de pessoas, pela população em geral. É, pois, crime de perigo comum.

4. Consumação: No exato instante em que o agente corrompe, adultera, falsifica ou altera a coisa. Por
se tratar de crime de perigo, não se exige o efetivo malefício às vítimas. Se da ação resultar lesão
grave ou morte, o crime será considerado qualificado, aplicando-se as regras contidas no art. 258
(remissão feita pelo art. 285).

5. Tentativa: Apesar de difícil a constatação, é admissível, já que o iter criminis pode ser cindido.
83
6. Figuras equiparadas:
a) Nos termos do § 1º- A, "incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda,
importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a
substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado".

A venda ou exposição à venda de alimento com data de validade vencida, se não


demonstrada sua efetiva nocividade à saúde, constitui crime do art. 7º, IX da Lei nº 8.137/90
(crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo). O art. 18, § 6º, I
da Lei 8.078/90 complementa esse dispositivo estabelecendo que, para ser considerado impróprio
para o consumo, basta que o produto esteja com data de validade vencida.

b) O § 1º, por sua vez, esclarece que "está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas
neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico" (cerveja, uísque, guaranás, sucos etc.).

7. Substância destinada à falsificação: O art. 277 do Código Penal pune quem vende, expõe à venda,
tem em depósito ou cede substância destinada à falsificação de produtos alimentícios (bromato de
potássio). A pena é de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

8. Classificação doutrinária: A falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou


produtos alimentícios é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de
consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa,
prescindindo-se da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e concreto (exige-se
a comprovação da nocividade do produto à saúde pública ou da redução do seu valor nutritivo); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído
de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

4.1. MODALIDADE CULPOSA


§ 2°- Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de um a dois anos, e multa.

Pune o agente que por imprudência, negligência ou imperícia dá causa à adulteração, corrupção etc.

5. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO


DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de dez a quinze anos, e multa.

1. Introdução: Em razão do imenso número de notícias dando conta da falsificação e venda


disseminada de medicamentos falsos, foram aprovadas e promulgadas duas leis a respeito do tema.
A primeira delas, Lei nº 9.677/98, modificou o tipo penal antes existente e aumentou a pena para
reclusão, de dez a quinze anos, e multa. A segunda, Lei nº 9.695/98, incluiu esse delito no rol dos
crimes hediondos, passando a constar no art. 1º, VII-B, da Lei nº 8.072/90.

Importante: Observe-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento no


HC 239.363/PR, reconheceu a inconstitucionalidade do preceito secundário (pena em abstrato)
do art. 273 do Código Penal, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade
porque o legislador teria sido açodado na modificação legislativa ao estabelecer penas tão altas.
Como consequência, determinou que, por analogia in bonam partem, devem ser aplicadas a este crime
as penas do delito de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006): reclusão, de cinco a
quinze anos. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, não afastou a natureza hedionda da infração
penal.
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2. Objetividade jurídica: A saúde pública.

3. Condutas típicas: São as mesmas do delito anterior, que, entretanto, devem recair sobre produto
destinado a fim terapêutico ou medicinal (objeto material). Abrange os medicamentos destinados à
cura, melhora, controle ou prevenção de doenças de número indeterminado de pessoas ou a serem
utilizados em tratamentos médicos (moderadores de apetite, anabolizantes, anestésicos, analgésicos
etc.). Abrange os medicamentos alopáticos e homeopáticos.
Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas,
os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico (§ 1º-A):
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os
insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de
2.7.1998)

Como a antiga redação exigia que a conduta tornasse o produto nocivo à saúde, requisito não
repetido na atual legislação, pode-se concluir que o delito atualmente é de perigo presumido. É
evidente, entretanto, que essa faceta é questionada pela doutrina em face do princípio da lesividade
quando se trata, por exemplo, de mera falsificação de frasco de vitamina C ou aspirina.

3. Consumação: No instante em que o agente corrompe, falsifica, adultera ou altera o produto,


independentemente de qualquer resultado ou do efetivo consumo por qualquer pessoa. Como já
mencionado, trata-se de crime de perigo.

Se em virtude de eventual nocividade do medicamento ou da ausência de seus efeitos no doente


sobrevém lesão grave ou morte (ou a aceleração desses resultados), serão aplicadas as qualificadoras
do art. 258 (com a remissão do art. 285), desde que a lesão grave ou morte sejam culposas (delito
preterdoloso). À toda evidência, porém, o resultado agravador em geral decorrerá de dolo (ao menos
eventual), hipótese em que haverá concurso material entre o homicídio doloso e o delito em estudo.

4. Tentativa: É admissível.

5. Figuras equiparadas: A lei pune com as mesmas penas quem importa, vende, expõe à venda, tem
em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo produto falsificado,
corrompido, adulterado ou alterado, bem como pratica tais ações previstas em relação a produtos em
qualquer das seguintes condições (§ 1º-B):

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em
qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;


II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

A propósito do inciso I: ”Crime de exposição à venda de produto sem registro no Ministério


da Saúde. Art. 273, § 1º, alínea b, inc. I, do Código Penal. Cacau/chocolate. Produtos dietéticos,
listados no anexo II da resolução nº 23 da Anvisa. Obrigatoriedade do registro”.

6. Substância destinada à falsificação: O art. 277 do Código Penal pune quem vende, expõe à venda,
tem em depósito ou cede substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou
medicinais. A pena é de reclusão, de um a cinco anos, e multa.

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7. Classificação doutrinária: A falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado
a fins terapêuticos ou medicinais é crime comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de
consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa,
prescindindo-se da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei
presume o risco à saúde de um número indeterminado de pessoas); de forma livre (admite qualquer
meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual
seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no
tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado
por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa
pode ser fracionada em diversos atos).

5.1. MODALIDADE CULPOSA


§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

6. Crime hediondo: a Lei 9.677/98 alterou substancialmente as penas deste delito, passando as de um
a três anos, e multa, para dez a quinze anos, mantendo-se a multa. Houve, ainda, a criação de novas
condutas típicas, tanto no caput quanto nos parágrafos. Em seguida, a Lei 9.695/98 classificou este
delito como hediondo, ao incluí-lo no rol do art. 1.º da Lei 8.072/90.

7. Pena desproporcional: noticiou-se uma onda de eventos, trazendo à tona alguns problemas
relativos à falsificação e adulteração de remédios, em particular, no contexto das pílulas
anticoncepcionais. Por conta disso, em função da explosiva carga da mídia, o Legislativo, mais uma
vez, editou lei penal, alterando o tipo penal do art. 273, bem como sua faixa de penas. Para um delito
de perigo abstrato, criou-se a impressionante cominação de 10 a 15 anos de reclusão, algo equivalente
a um homicídio qualificado. Há condutas tipificáveis nesse artigo, que são nitidamente pobres em
ofensividade, razão pela qual jamais poderiam atingir tais reprimendas. O outro oposto seria considerar
bagatela a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de remédios e similares, bem como outras
condutas previstas nos §§ do art. 273. Exagero, por certo. Há relevância jurídica em punir tais atitudes,
mas o ponto fulcral é a absurda penalidade inventada pelo legislador, sem qualquer critério. Diante
disso, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, muitos julgados têm optado por soluções
alternativas: alguns absolvem, alegando falta de provas (quando elas, na verdade, estão presentes);
outros preferem usar a analogia in bonam partem, aplicando a pena do tráfico de drogas – o que me
parece a mais sensata; terceiros, ainda, simplesmente, ignoram a pena e punem tal como prevê a lei. O
choque de ideias é evidente, nascendo da confusa atividade legislativa, que, há tempos, domina o
cenário brasileiro. Como mencionado, optamos pelo meio termo: entre a abusiva pena do art. 273 e a
absolvição, por qualquer causa, quando presentes as provas suficientes, o ideal é o uso da analogia,
com aplicação da pena do tráfico de drogas (art. 33, Lei 11.343/06). Conferir: TRF-4.ª Reg.: “Quem
introduz clandestinamente em solo nacional produto de origem estrangeira destinado a fins
terapêuticos ou medicinais, sem registro, de procedência ignorada e adquirido de estabelecimento sem
licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, pratica o delito capitulado no art. 273, § 1.º-B,
incisos I, V e VI, do CP. A pena do delito previsto no art. 273 do CP – com a redação que lhe deu a
Lei n. 9.677, de 02 de julho de 1998 – deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir
apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a ‘enormes danos’
(exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha
gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu,
recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de
uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade” (Ap. Crim. 0000949-
84.2006.404.7010-PR, 8.ª T., rel. Luiz Fernando Wowk Penteado, 15.12.2010, v.u.; foi aplicada a pena
do art. 12, da Lei 6.368/76 – antiga Lei de Drogas, convertida em restritivas de direitos).

TJSP: “A simples posse, ainda que para fins de distribuição, de medicamentos de procedência
ignorada e adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente não basta,
à luz do disposto pelo § 1.º do art. 273 do Código Penal, à configuração do crime, exigindo-se, para

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tanto, que o produto tenha sido falsificado, adulterado ou alterado” (Ap. 471.211-3/5, 5.ª C., rel.
Donegá Morandini, 30.09.2004, v. u., JUBI 105/05).

6. EMPREGO DE PROCESSO PROIBIDO OU DE SUBSTÂNCIA NÃO PERMITIDA


Art. 274 - Empregar, no fabrico de produto destinado a consumo, revestimento, gaseificação artificial, matéria
corante, substância aromática, anti-séptica, conservadora ou qualquer outra não expressamente permitida pela
legislação sanitária:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo empregar, isto é, utilizar no fabrico de produto


destinado a consumo (objeto material) de um número indeterminado de pessoas, revestimento (é o
revestimento que cobre o produto), gaseificação artificial (é o presente nos refrigerantes), matéria
corante (destina-se a tingir, colorar), substância aromática (destinado a perfumar ou melhorar o
paladar), antisséptica (destina-se a evitar ou dificultar a fermentação da matéria orgânica),
conservadora (é a destinada a evitar ou retardar a deterioração) ou qualquer outra não expressamente
permitida pela legislação sanitária. Trata-se de norma penal em branco, pois seu complemento depende
das disposições sanitárias (leis, decretos, regulamentos).

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa.

4. Sujeito passivo: A coletividade.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido, isto é, presume-se o


perigo à coletividade com a prática da ação típica. Assim, consuma-se o crime com a realização do
verbo do tipo. É considerado crime instantâneo. A tentativa é admissível.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.

8. Classificação doutrinária: O emprego de processo proibido ou de substância não permitida é crime


comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de
resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de
perigo à saúde pública); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito
passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-
se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

7. INVÓLUCRO OU RECIPIENTE COM FALSA INDICAÇÃO


Art. 275 - Inculcar, em invólucro ou recipiente de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais, a
existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele existe em quantidade menor que a
mencionada: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Consubstancia-se no verbo inculcar, isto é, inserir, indicar, falsamente, em


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invólucro (rótulo, bula) ou recipiente (lata, frasco etc.) de produtos alimentícios, terapêuticos ou
medicinais (objeto material), a existência de substância que não se encontra em seu conteúdo ou que
nele existe em quantidade menor que a mencionada. O crime é, portanto, praticado mediante o
emprego de fraude.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa.

4. Sujeito passivo: A coletividade, pois se trata de crime de perigo comum.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido, isto é, presume-se o


perigo à coletividade com a prática da ação típica. Assim, consuma-se o crime com a indicação falsa
no invólucro ou recipiente. A tentativa é admissível.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.

8. Classificação doutrinária: O invólucro ou recipiente com falsa indicação é crime comum (pode
ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
(consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado
naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído
de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

8. PRODUTO OU SUBSTÂNCIA NAS CONDIÇÕES DOS DOIS ARTIGOS ANTERIORES


Art. 276 - Vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo
produto nas condições dos arts. 274 e 275.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Trata-se de crime de ação múltipla, pois várias são as ações nucleares previstas:
vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo produto
nas condições dos arts. 274 e 275 (objeto material). Pune-se aqui a conduta daquele que, sem praticar
as ações típicas previstas nos artigos precedentes, comercializa os produtos nas condições indicadas
pelos referidos dispositivos.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, e não próprio, pois pode ser praticado por qualquer
pessoa, não necessitando ser comerciante. Exclui-se, no entanto, o agente que praticou as ações
delitivas previstas nos arts. 274 e 275, é que a comercialização posterior dos produtos constitui post
factum impunível.

4. Sujeito passivo: A coletividade, pois se trata de crime de perigo comum.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: Trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido, isto é, presume-se o


perigo à coletividade com a prática da ação típica. Consuma-se o crime com a prática de uma das
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ações nucleares. O crime é instantâneo nas modalidades vender e entregar a consumo; já nas
modalidades expor à venda e ter em depósito para vender, o delito é permanente.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.

8. Classificação doutrinária: O crime tipificado no art. 276 do Código Penal é comum (pode ser
cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
(consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado
naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído
de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); remetido (a definição típica se reporta aos arts.
274 e 275 do Código Penal); instantâneo (nas modalidades “vender” e “entregar a consumo”) ou
permanente (nas variantes “expor à venda” e “ter em depósito para vender”); em regra comissivo;
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas
admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em
diversos atos).

9. SUBSTÂNCIA DESTINADA À FALSIFICAÇÃO


Art. 277 - Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos
alimentícios, terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Trata-se de crime de ação múltipla, pois várias são as ações nucleares previstas:
vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder (transferir a outrem). O objeto material do crime é a
substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais. Ex.: configura
o crime em apreço a manutenção em depósito de sulfito de sódio, substância comumente usada na
falsificação e adulteração de carne, com o fim de mascarar estado de putrefação já iniciado, cuja
adição ao produto in natura é expressamente vedada pela legislação vigente do Ministério da Saúde.

3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa.

4. Sujeito passivo: A coletividade, pois se trata de crime de perigo comum.

5. Elemento subjetivo: É o dolo. É necessário que o agente tenha ciência de que a substância se
destine à falsificação.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se o crime com a venda, exposição à venda, depósito ou cessão
da substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais. Nas
modalidades expor à venda e ter em depósito o delito é permanente. A tentativa é possível.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.

8. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: O crime de substância destinada à falsificação é comum (pode ser


cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
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(consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado
naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de
forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído
de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); obstáculo (o legislador incriminou
autonomamente atos preparatórios de outros delitos); instantâneo (nas modalidades “vender” e
“ceder”) ou permanente (nas variantes “expor à venda” e “ter em depósito”); em regra comissivo;
unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas
admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em
diversos atos).

10. OUTRAS SUBSTÂNCIAS NOCIVAS À SAÚDE PÚBLICA


Art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a
consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Trata-se de crime de ação múltipla, pois várias são as ações nucleares previstas:
fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a
consumo.
O objeto material do crime é a coisa ou substância nociva à saúde., ainda que não
destinada à alimentação ou a fim medicinal. Ex.: pomada, inseticida, veneno para rato, cigarro,
chupeta, talheres, cola, tinta, isto é, tudo aquilo que seja destinado ao consumo de um número
indeterminado de pessoas e que por algum motivo seja nocivo à saúde daqueles que venham a utilizá-
lo.
Exclui-se a substância alimentícia ou medicinal, pois ambas se encontram abrangidas pelos
crimes nos arts. 272 e 273 CPB.
Victor Eduardo Rios Gonçalves entende que, se houver relação de consumo, por ser o
adquirente o destinatário final do produto (art. 2º da Lei 8.078/90), estará tipificado o crime do art. 7º,
IX da Lei nº 8.137/90), que pune com detenção, de dois a cinco anos, ou multa, quem vende, tem em
depósito para vender ou expõe à venda, ou de qualquer forma, entrega matéria prima ou mercadoria
em condições impróprias para o consumo. É que o art. 18, § 6º, II da Lei 8.078/90 define que todo
produto nocivo ao consumidor é impróprio para o consumo.
3. Sujeito ativo: Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa.

4. Sujeito passivo: A coletividade, pois se trata de crime de perigo comum.

5. Elemento subjetivo: É o dolo. Na conduta de ter em depósito para vender há o chamado elemento
subjetivo do tipo consistente na finalidade de venda.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se o crime com a prática de uma das ações típicas. Não é
necessário, contudo, o efetivo consumo da coisa ou substância nociva. A tentativa é possível.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.
c) Culposa: Prevista no parágrafo único: “Se o crime é culposo: Pena – detenção, de 2 meses a 1 ano”.

8. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.


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9. Classificação doutrinária: O crime de outras substâncias nocivas à saúde é comum (pode ser
cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
(consuma-se com a prática de qualquer das condutas criminosas, prescindindo-se da superveniência do
resultado naturalístico); de perigo comum e concreto (depende da comprovação da situação de risco à
saúde pública); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo
um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (nas modalidades
“fabricar”, “vender” e “entregar a consumo”) ou permanente (nas variantes “expor à venda” e “ter em
depósito”); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser
praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta
criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

11. SUBSTÂNCIA AVARIADA


Art. 279 - Revogado pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990 – Crimes Contra a Ordem Tributária e as Relações de
Consumo.

12. MEDICAMENTO EM DESACORDO COM RECEITA MÉDICA


Art. 280 - Fornecer substância medicinal em desacordo com receita médica:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: A ação nuclear típica consubstancia-se no verbo fornecer, isto é, entregar,
vender, no caso, substância medicinal (objeto material) que esteja em desacordo com a receita médica
(elemento normativo do tipo). Esta não compreende a receita prescrita por dentista, pois não se
admite analogia em norma incriminadora, ou seja, o fato é atípico.
Como o tipo penal contém a elementar “receita médica”, não há crime no fornecimento de
substância medicinal em desacordo com receitas emitidas por outros profissionais da área de saúde, a
exemplo dos dentistas e das parteiras, em face da vedação da analogia in malam partem no Direito
Penal.
Entretanto, embora se reconheça a incompatibilidade com o art. 280 do Código Penal, convém
ressaltar a existência de hipóteses excepcionais, previstas nos arts. 30 e 37, d, do Decreto
20.931/1932, nas quais é autorizada a prescrição de medicamentos por dentistas e parteiras:

Art. 30. O cirurgião-dentista somente poderá prescrever agentes anestésicos de uso tópico e medicamento de
uso externo para os casos restritos de sua especialidade.
(…)
Art. 37. É vedado às parteiras:
(…)
d) prescrever medicações, salvo a que for urgentemente reclamada pela necessidade de evitar ou combater
acidentes graves que comprometam a vida da parturiente, do feto ou recém-nascido.

Há, assim, a substituição do medicamento prescrito pelo médico por outro de qualidade,
espécie e quantidade diversa. Ainda que benéfica essa substituição, há crime, pois visa a lei justamente
evitar arbitrariedades no fornecimento de medicamentos pelos farmacêuticos. Não há crime,
entretanto, quando o princípio ativo é o mesmo, tratando-se de medicamento genérico.

3. Sujeito ativo: A doutrina diverge quanto às pessoas que podem praticar esse delito: a) qualquer
pessoa, não se exigindo qualidade especial, como farmacêutico, balconista, atendente etc; b) trata-se de
crime próprio, pois somente o farmacêutico pode praticá-lo.

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4. Sujeito passivo: A coletividade, pois se trata de crime de perigo comum, bem o eventual usuário
do medicamento.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: Consuma-se o crime no momento da entrega da substância medicinal que


esteja em desacordo com a prescrição médica. Trata-se de crime de perigo presumido. A tentativa é
perfeitamente possível.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.
c) Culposa: Prevista no parágrafo único: “Se o crime é culposo: Pena – detenção, de 2 meses a 1 ano”.

8. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.

9. Classificação doutrinária: O medicamento em desacordo com receita médica é crime comum


(pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado
cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do
resultado naturalístico); de perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde
pública); de forma livre (admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um
ente destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um
momento determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral
ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

13. COMÉRCIO, POSSE OU USO DE ENTORPECENTE OU SUBSTÂNCIA QUE


DETERMINE DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA. (Revogado pela Lei nº 6.368, 1976)
Art. 281: Revogado pela Lei nº 6.368, 1976. Em 24 de agosto de 2006, foi publicado a nova Lei de Drogas nº
11.343/06.

14. EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA, ARTE DENTÁRIA OU FARMACÊUTICA


Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização
legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.
O exercício de determinadas profissões exige conhecimento técnico e teórico bastante
aprofundado; por isso são fiscalizados pelo Poder Público. É o que ocorre com a medicina, a
odontologia e a farmácia, em que o exercício da profissão por pessoa não capacitada pode gerar danos
à saúde pública. Por esse motivo incriminou o legislador o exercício ilegal dessas profissões.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública.

2. Elementos do tipo: Prevê o dispositivo duas condutas típicas:

a) Exercer a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal:


Trata-se de crime comum, que pode ser cometido por qualquer pessoa que não possua diploma
universitário registrado no Departamento Nacional da Saúde.
Assim, comete o crime aquele que, sem possuir tal registro, mantém consultório para atender
clientes, expede receitas, ministra tratamento, realiza cirurgia etc.
Nos termos da lei, o crime existe ainda que o fato ocorra a título gratuito, mas, se o agente visa
a lucro, será aplicada também a pena de multa, nos termos do parágrafo único.
92
O crime não se confunde com o delito de curandeirismo. Neste, o agente se dedica à cura
de moléstias por meios extravagantes, sendo pessoa sem qualquer conhecimento técnico. Naquele, o
sujeito ativo é pessoa com alguma aptidão e conhecimento técnico em relação à profissão
(enfermeiros, práticos, estudantes de medicina etc.).

b) Exercera profissão de médico, dentista ou farmacêutico, excedendo-lhe os limites (norma


penal em branco):
Cuida-se de crime próprio que somente pode ser cometido por quem é médico, dentista ou
farmacêutico e, no exercício de sua profissão, extrapola os seus limites. Os limites a que se refere o
artigo são aqueles previstos nas leis que regulam especificamente as profissões. É o que ocorre, por
exemplo, quando um dentista faz cirurgia no tórax da vítima, quando um farmacêutico passa a atender
clientes e expedir receitas, quando um médico passa a clinicar fora de sua especialidade etc.

2. Sujeito ativo: Na primeira modalidade o crime é comum, pois pode ser praticado por qualquer
pessoa, ao passo que na segunda, o crime é próprio, pois somente o médico, farmacêutico ou dentista
pode cometê-lo.

3. Sujeito passivo: A coletividade, pois se trata de crime de perigo comum, bem como a pessoa que
venha a ser tratada pelo profissional.

4. Elemento subjetivo: É o dolo. Se houver a finalidade de lucro, incorrerá o agente também na pena
de multa prevista no parágrafo único do artigo. Não é necessário que ele efetivamente obtenha a
vantagem econômica.

6. Consumação e tentativa: Os crimes se consumam com a habitualidade, ou seja, com a reiteração


de condutas, sendo, portanto, inadmissível a tentativa (ou existe a reiteração de atos, e o crime está
consumado, ou não existe, e o fato é atípico). O crime é de perigo abstrato ou presumido, de forma
que, se o paciente vier a ser curado ou obtiver melhoras com o tratamento, o crime ainda assim se
configurará.

7. Formas:
a) Simples: Prevista no caput do artigo.
b) Qualificada: Prevista no parágrafo único: “Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se
também multa”.
c) Qualificada pelo resultado: Prevista no art. 285: “Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes
previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267”.
8. Ação penal: É crime de ação penal pública incondicionada.
9. Distinção:
a) Veja-se, por fim, que o exercício ilegal de qualquer outra profissão configura a contravenção
penal descrita no art. 47 Lei Contravenções Penais. “Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica
ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena –
prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis”.

b) Caso o agente continue a desempenhar a profissão de médico, farmacêutico ou dentista,


desobedecendo decisão judicial que o havia privado ou suspenso de seu exercício, o crime será de
desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito – art. 359 CPB.

10. Classificação doutrinária: O exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica é crime
comum (na conduta de exercer profissão sem autorização legal) ou próprio (na modalidade de exercer
a profissão excedendo-lhe os limites); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado
(consuma-se com a prática da conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado
naturalístico); habitual (reclama a reiteração de atos indicativos do estilo de vida ilícito do agente); de
perigo comum e abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de forma livre
(admite qualquer meio de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de
93
personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento
determinado, sem continuidade no tempo); em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de
concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente
plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

15. CHARLATANISMO
Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Charlatão é o estelionatário da medicina que ilude a boa-fé dos doentes, inculcando (apregoar,
dar a entender) ou anunciando (divulgar) cura por meio secreto ou infalível, ciente de que a afirmação
é falsa. Normalmente o agente toma essa atitude visando a obtenção de lucro. Tal intento, entretanto,
não é pressuposto do delito.

Charlatanismo vem do italiano ciarlare = falar muito, tagarelar, palrar etc. É o crime do “conversa
fiada”, do que, com lábia, ilude os incautos, fazendo-os crer em curas maravilhosas, em processos
infalíveis etc.

1. Objeto jurídico: Tutela-se a saúde pública. Em que pese tratar-se de verdadeiro estelionato, pois
presente a fraude e, por vezes, a vantagem patrimonial, o legislador optou por considerá-lo crime
contra a saúde pública, na medida em que a falsa cura anunciada pode fazer com que os incautos
retardem ou deixem de procurar o tratamento convencional da doença, o que acarretaria riscos
para a vida ou saúde dessas pessoas.

2. Elementos do tipo: Trata-se de crime de ação múltipla, consubstanciando-se nos verbos inculcar
(sugerir, aconselhar, propor) ou anunciar (rádio, panfletos, cartazes, televisão) cura por meio secreto
ou infalível. O charlatão, dessa forma, propõe ou divulga a cura de doenças mediante o uso de
remédios ou processo de que somente ele tem conhecimento ou então que se diz infalível, por
exemplo, anunciar a cura da AIDS.

3. Sujeito ativo: Pode o crime ser praticado por qualquer pessoa, inclusive médico, desde que esteja
de má-fé e anuncie a cura por meio secreto ou infalível.

4. Elemento subjetivo: É o dolo.

5. Consumação: O crime se consuma no momento em que o agente inculca (afirma, recomenda) ou


anuncia (divulga, propaga) o método secreto ou infalível de cura.

6. Tentativa: É possível.

7. Distinção:
a) O charlatanismo não se confunde com o exercício ilegal da medicina, uma vez que, neste, o agente
crê no tratamento recomendado, enquanto, naquele, o agente não crê na cura que anuncia.

b) Não se confunde também com o curandeirismo, que, por sua vez, é crime mais grave e pressupõe
que o agente prescreva, ministre ou aplique medicamento.

c) Estelionato e charlatanismo: Caso o charlatão obtenha vantagem econômica em prejuízo da


vítima, por meio de cobrança de consulta, haverá concurso de crimes, charlatanismo e estelionato,
pois há ofensa a dois bens jurídicos distintos: o patrimônio individual e a saúde pública.

8. Classificação doutrinária: O charlatanismo é crime comum (pode ser cometido por qualquer
pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da
conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e
abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de forma livre (admite qualquer meio
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de execução); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica, qual seja,
a coletividade); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo);
em regra comissivo; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma
só pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser
fracionada em diversos atos).

16. CURANDEIRISMO
Art. 284 - Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III -fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.

1. Objeto jurídico: É a saúde pública da coletividade exposta a perigo.

2. Elementos do tipo: O curandeiro é a pessoa sem conhecimentos técnicos e científicos e que


deixa isso claro às pessoas, mas que as faz acreditar que pode curar por meio de rezas, passes,
ervas, essências, benzeduras, intervenções espirituais etc.
Curandeirismo é crime contra a saúde pública que se classifica como delito de ação vinculada,
uma vez que o legislador descreve de forma pormenorizada as condutas típicas que o configuram:

a) Prescrever, ministrar ou aplicar, habitualmente, qualquer substância:


Prescrever é receitar. Ministrar é entregar algo para que seja consumido. Aplicar é injetar,
administrar. O objeto da conduta, nos termos da lei, pode ser qualquer substância (de origem animal,
vegetal ou mineral, inócua ou não). É necessário, ainda, que o agente prescreva, ministre ou aplique a
substância a pretexto de cura ou de prevenção de doença. Trata-se, entretanto, de crime mais grave que
o charlatanismo, no qual o agente se limita a anunciar, afirmar, a existência de cura secreta ou infalível.

b) Usar gestos, palavras ou qualquer outro meio, como método de cura:


Gestos são os passes. Palavras são as rezas, benzeduras. Além disso, a lei se utiliza de uma
fórmula genérica, punindo quem, por qualquer outro meio, exerce práticas inócuas e fantasiosas no
sentido de curar alguém (magias, simpatias etc.).

c) Fazer diagnósticos: ou seja, afirmar a existência de uma doença com base nos sintomas
apresentados pelo paciente. O diagnóstico somente pode ser feito por médicos, e, por isso, responde
por curandeirismo o agente que realiza a conduta.
3. Sujeito ativo: O sujeito ativo do curandeirismo pode ser qualquer pessoa, desde que não dotada de
conhecimentos técnicos de medicina, pois, conforme já mencionado, responde por exercício ilegal
dessa profissão aquele que possui tais conhecimentos, mas não tem registro que o habilite a exercê-la.

4. Sujeito passivo: A coletividade. Eventualmente, a pessoa submetida ao crivo do curandeiro.


O curandeirismo é crime de perigo abstrato cuja existência dispensa prova de que pessoa
determinada foi exposta a perigo efetivo. A lei presume que a prática dos atos descritos no dispositivo
colocam em risco a saúde pública.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: Apesar de só haver menção expressa em relação à habitualidade na


hipótese do inciso I, é pacífico que se exige tal requisito em todas as formas do delito (incisos I, II e
III). Trata-se, assim, de crime habitual, que somente se consuma com a reiteração de condutas. A
tentativa, portanto, é inadmissível.
Por fim, dispõe o parágrafo único que, se o crime é cometido com intuito de lucro, será
aplicada também pena de multa.
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7. Passes e rituais de religiões e cultos: a Constituição Federal assegura a inviolabilidade de
consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5.º, VI). Assim, não se
pode considerar curandeirismo a conduta daqueles que, crendo na ação de espíritos, fazem gestos com
as mãos, nomeados passes, para a cura de males físicos ou psíquicos de alguém, que, por sua vez,
acredita no mesmo. Assim, ambas as partes envolvidas estão vinculadas a uma religião, no caso o
espiritismo, bem como a um culto (práticas consagradas para a exteriorização de uma religião ou
crença). No mesmo patamar estão outras religiões que empregam gestos, palavras e outros meios para
curar os males dos seus adeptos, invocando o nome de espíritos ou de ícones da sua crença, como
Jesus Cristo, a fim de exercitarem e colocarem em prática a sua liturgia.

8. Excessos da atividade religiosa: em face da proteção constitucional, há, com certeza, abusos de
toda ordem por parte de pessoas que exercem autêntico curandeirismo, mas sob a veste de atividade
religiosa. O Estado nada pode fazer para impedir a prática desses rituais, às vezes envolvendo a cura
de males físicos através do emprego de “cirurgias espirituais”, porque está envolvida a crença do
paciente. Enquanto não se ultrapassar o limite do disponível, funciona o consentimento da vítima para
afastar qualquer ilicitude. Entretanto, se o ofendido morrer ou sofrer lesão grave, como
lamentavelmente já aconteceu por conta disso, o agente da “operação espiritual” deve ser
responsabilizado pelo que causou à vítima, tendo em vista que a vida e a integridade corporal em
determinados graus são consideradas bens indisponíveis, ainda que se tenha de afastar a aplicação da
inviolabilidade de crença, pois nenhum direito é absoluto.

9. Classificação doutrinária: O curandeirismo é crime comum (pode ser cometido por qualquer
pessoa); formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da
conduta criminosa, prescindindo-se da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum e
abstrato (a lei presume a situação de perigo à saúde pública); de forma vinculada (somente pode ser
praticado pelos meios de execução indicados no tipo penal); vago (tem como sujeito passivo um ente
destituído de personalidade jurídica, qual seja, a coletividade); habitual (a consumação reclama a
reiteração de atos indicativos do estilo de vida ilícito do agente); em regra comissivo; unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
normalmente plurissubsistente (a conduta criminosa pode ser fracionada em diversos atos).

17. FORMA QUALIFICADA

Art. 285 - Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art.
267.

As qualificadoras descritas no art. 258 podem ser de duas espécies:


1) Nos crimes contra a saúde pública dolosos:
a) se resulta lesão corporal de natureza grave, a pena será aumentada de metade;
b) se resulta morte, a pena será aplicada em dobro.
Essas hipóteses são exclusivamente preterdolosas, ou seja, há dolo na conduta inicial (crime
contra a saúde pública) e culpa no resultado agravador (lesão corporal grave ou morte). Dessa
forma, como já mencionado anteriormente, existindo dolo em relação à morte, o agente responde
apenas por homicídio doloso, que é crime mais grave, e, se há dolo de causar as lesões, haverá crime
de lesões corporais em concurso com o crime simples contra a saúde pública.

2) Nos crimes contra a saúde pública culposos:


a) se resulta lesão corporal (qualquer que seja sua natureza, inclusive leve), a pena será aumentada de
metade;
b) se resulta morte a pena será a do homicídio culposo (detenção de 1 a 3 anos), aumentada de um
terço. Essas qualificadoras não se aplicam ao crime de epidemia, para o qual existem qualificadoras
específicas (§§ 1º e 2º do art. 267).

96
TÍTULO IX
DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

No Título IX, procurou o legislador contemplar todas as condutas criminosas que atentam
especificamente contra o sentimento de paz e tranquilidade que deve imperar no seio social.
Conforme E. Magalhães Noronha, “são quase todos esses crimes autênticos atos preparatórios
e a razão de puni-los está ou no relevo que o legislador dá ao bem ameaçado ou porque sua
frequência está a indicar a necessidade da repressão, em qualquer caso, em nome da paz social”.
(Direito penal.São Paulo, Saraiva, v. 4, p. 77-78).
Exceção do art. 31 do CP:

- Art. 31 CP: O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não
são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

1. INCITAÇÃO AO CRIME
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

1. Objeto jurídico: É a paz pública, isto é, o sentimento de segurança e proteção necessária ao


convívio social.
O legislador não exige que o crime incitado seja efetivamente praticado. Contenta-se com o
estímulo, de forma pública, à prática do delito. Pune-se, portanto, a instigação de crime que nem
mesmo chega a ser tentado. É que nesse momento a paz pública já se encontra em perigo.

2. Elemento do tipo: Consubstancia-se pelo verbo incitar, isto é, induzir, excitar, provocar, estimular
a realização de crime de qualquer natureza. Trata-se de crime de ação livre, pois pode ser praticado por
qualquer meio: palavras, gestos ou atitudes, panfletos, cartazes, discursos, gritos, e-mails, sites de
internet, entrevista em rádio, jornal televisão etc.
Comete o delito, por exemplo, quem mantém site na internet dizendo que todo marido traído
deve espancar ou matar a esposa; quem aconselha a fazer ligação clandestina de água, luz, TV a cabo;
jornalista do SBT Rachel Sheherazade que defendeu na TV a atitude das pessoas que espancaram,
cortaram a orelha e amarraram ao poste um bandido que havia praticado furto etc.

O tipo penal pune o incitamento à prática, imediata ou futura, de crime. Exclui-se, portanto, a
contravenção penal.

3. Sujeito passivo: Todos os crimes previstos neste título visam a resguardar a paz pública, e, por esse
motivo, o sujeito passivo é sempre a coletividade.

4. Sujeito ativo. O delito de incitação ao crime, que pode ser levado a efeito por qualquer pessoa,
sendo, portanto, crime comum, consiste em instigar, provocar ou estimular a realização de crime de
qualquer natureza (previsto no CP ou em outras leis).

Importante: Exige-se que a conduta seja praticada em público, ou seja, na presença de número
elevado de pessoas, uma vez que a conduta de induzir pessoa certa e determinada à prática de
um crime constitui participação no delito efetivamente cometido. É necessário, ainda, que o agente
estimule grande número de pessoas a cometer determinada espécie de delito, pois a conduta de
estimular genericamente o ingresso de pessoas à delinquência não constitui crime.

Nos termos da lei, a incitação pública à prática de ato contravencional não constitui
crime.
Também não caracteriza o delito a simples opinião no sentido de ser legalizada certa
conduta (porte de entorpecente, aborto etc.).
A incitação ao crime pode ser exercitada por qualquer meio: panfletos, cartazes, discursos,
gritos em público etc. Após o Supremo Tribunal Federal julgar que a Lei de Imprensa não foi
97
recepcionada pela CF/88, o crime em análise pode também ser cometido por meio de rádio, jornal,
televisão, revistas etc., na medida em que não é mais aplicável o crime previsto no art. 19 da Lei de
Imprensa.

5. Elemento subjetivo: É o dolo.

6. Consumação e tentativa: O crime se consuma com a simples incitação pública, ou seja, quando
número indeterminado de pessoas toma conhecimento dela. Trata-se de crime formal, cuja
caracterização dispensa a efetiva prática de crime por parte dos que receberam a mensagem. Noronha
entende que se trata de crime de mera conduta.
A tentativa somente é admitida na forma escrita, quando, por exemplo, extraviam-se os
panfletos que seriam distribuídos, quando o agente é impedido de entregá-los às pessoas etc. Na forma
oral é inadmissível.

7. DISTINÇÕES:

a) Incitação ao Pedido de intervenção militar ou a qualquer crime contra a Segurança Nacional


(Lei nº 7.170/1983)

- Art. 23 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983: Incitar:


I - à subversão da ordem política ou social;
II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
III - à luta com violência entre as classes sociais;
IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

b) se houver incitação, direta e pública, à prática de crime de genocídio: art. 3º da Lei n. 2.889/56;

c) se houver incitação à prática de suicídio: art. 122 do Código Penal;


d) se houver incitação à satisfação da lascívia alheia ou à prática da prostituição ou outra forma de
exploração sexual: arts. 227 e 228 do Código Penal;
e) se houver induzimento ou incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional: art. 20 da Lei n. 7.716/89 (preconceito de raça ou cor).

8. Classificação doutrinária: A incitação ao crime classifica-se como crime simples (ofende um


único bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação
antecipada ou de resultado cortado (consuma-se com a realização da conduta criminosa,
independentemente da superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum (coloca em risco
uma pluralidade de pessoas) e abstrato (presumido pela lei), embora existam posições no sentido de
tratar-se de crime de perigo concreto; vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de
personalidade jurídica); de forma livre (admite qualquer meio de execução); em regra comissivo;
instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo,
unilateral ou de concurso eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e
unissubsistente ou plurissubsistente, dependendo da situação concreta.

2. APOLOGIA DE CRIME OU CRIMINOSO


Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

1. Objeto jurídico: A paz pública.

2. Elementos do tipo: Na definição de Heleno C. Fragoso, "fazer apologia, no sentido em que a ação
é prevista na lei penal, é defender, justificar, exaltar, aprovar ou elogiar de maneira perigosa, isto
é, de forma que constitua incentivo indireto ou implícito à repetição da ação delituosa. Não será
bastante, portanto, a simples manifestação de solidariedade, defesa ou apreciação favorável, ainda que
98
veemente, não sendo punível a mera opinião" (Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, v. 3, p.
752).
Comete o crime, dessa forma, quem enaltece, elogia fato criminoso (previsto no CP ou
outras leis) ou o próprio autor do crime em função do delito que cometeu. Comete o crime, por
exemplo, quem, em entrevista, elogia um empresário por ter, comprovadamente, sonegado
milhões em tributos, ou um assassino porque matou determinada pessoa, ou um estuprador por
ter escolhido uma vítima bonita.

A apologia a fato contravencional não se amolda ao tipo penal.

Diferencia da incitação porque se refere a fato pretérito, ou seja, fato criminoso já ocorrido.

É também requisito desse crime que a apologia seja feita em público, isto é, que atinja
número indeterminado de pessoas. Pode o delito ser cometido por qualquer meio: discurso,
panfletos, cartazes etc.
Após o Supremo Tribunal Federal julgar que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela
CF/88, o crime em análise pode também ser cometido por meio de rádio, jornal, televisão, revistas etc.,
na medida em que não é mais aplicável o crime previsto no art. 19, § 2º, da Lei de Imprensa (Lei nº
5.250/67).

3. Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa, é crime comum.

4. Sujeito passivo: É a coletividade. Trata-se de crime vago.

5. Consumação: Ocorre com a exaltação feita em público, independentemente de qualquer outro


resultado. Cuida-se de crime de mera conduta.

6. Tentativa: É possível, como, por exemplo, na forma escrita.

7. Marchas, protestos, passeatas e outras manifestações: para Nucci (2014, p. 1193), o objeto
jurídico tutelado pelos crimes previstos pelos arts. 286 a 288 é a paz pública. Não se quer a associação
criminosa de pessoas porque, a qualquer momento, podem perturbar a paz pública, cometendo delitos
de dano. Igualmente, não se deseja o incentivo público à prática de crime, nem o elogio de delito ou
delinquente, para que não haja o cometimento de novas infrações penais, perturbando, com
efetividade, a ordem pública. Situação bem diversa é o direito de se expressar do indivíduo e a
liberdade de reunião pacífica, garantidos pela Constituição Federal (art. 5.º, incisos IV, IX e XVI).
Portanto, organizar uma marcha ou protesto contra a criminalização de determinada conduta ou
em favor da liberação de certas proibições constitui direito fundamental, típico do Estado Democrático
de Direito. Em época recente, assistimos manifestações e passeatas em prol da legalização do uso da
maconha. Em contraposição, lamentavelmente, alguns setores do Judiciário resolveram proibir tais
eventos, a pedido do Executivo-polícia, sob o argumento de incentivar a prática de crime ou fazer
apologia de fato criminoso. Ora, o objetivo das marchas era pela liberação oficial, dentro dos
parâmetros legais, do uso de determinada droga; não havia nenhuma bandeira de instigação ao uso
ilegal de maconha. Se as pessoas não puderem se expressar, favorável ou contrariamente a algum
delito, como o Parlamento poderá sensibilizar-se a alterar a lei? O crime, materialmente considerado,
configura-se pela vontade popular de que determinada conduta sofra sanção penal.
Formalmente, o Legislativo transforma tal anseio em tipo incriminador. O caminho inverso
pode dar-se, buscando-se a legalização de algo e, consequentemente, a revogação do tipo incriminador.
Nada demais, afinal, o próprio legislador, em 2006, retirou toda e qualquer punição, com pena
privativa de liberdade, ao usuário de drogas (art. 28, Lei 11.343/2006). A política criminal do Estado
pode variar de tempos em tempos, constituindo direito do cidadão participar dessas movimentações
ideológicas.
Fez-se justiça na questão da marcha pela liberação das drogas, pois o STF considerou-a direito
individual – e não apologia ou incentivo a crime. O mesmo pode ocorrer, no futuro, se outras passeatas

99
forem organizadas, em prol de outras liberações, como, por exemplo, do aborto – outra matéria
controversa, que conta com diversas opiniões. Em suma, não há dolo de perturbar a paz pública nos
eventos organizados para protestar contra alguma lei incriminadora ou fato criminoso.

MARCHA DA MACONHA - Capez: Convém mencionar que o Supremo Tribunal Federal, na


Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) n. 187, em decisão unânime, excluiu do campo de
incidência da norma do art. 287 as manifestações em favor da descriminalização de substâncias
psicotrópicas, em especial a denominada “marcha da maconha”, por estar acobertada pelos direitos
constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento. Afirma o Ministro Celso de Mello, em
seu voto, que o “princípio da liberdade de expressão repudia a instauração de órgãos censórios pelo
poder público e a adoção de políticas discriminatórias contra determinados pontos de vista. Os delitos
de opinião têm um viés profundamente suspeito, se analisados sob essa perspectiva, já que impedem a
emissão livre de ideias. A possibilidade de questionar políticas públicas ou leis consideradas injustas é
essencial à sobrevivência e ao aperfeiçoamento da democracia”.

MARCHA DA MACONHA - ADPF 187 / DF - DISTRITO FEDERAL

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 15/06/2011 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO
DJe-102 DIVULG 28-05-2014 PUBLIC 29-05-2014
Parte(s)
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS SOCIAIS DO USO DE PSICOATIVOS -
ABESUP
ADV.(A/S) : MAURO MACHADO CHAIBEN E OUTRO(A/S)
AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM
ADV.(A/S) : MARTA CRISTINA CURY SAAD GIMENES E OUTRO(A/S)

Ementa

E M E N T A: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL -


ADMISSIBILIDADE – (...) - CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL RELEVANTE MOTIVADA
PELA EXISTÊNCIA DE MÚLTIPLAS EXPRESSÕES SEMIOLÓGICAS PROPICIADAS PELO
CARÁTER POLISSÊMICO DO ATO ESTATAL IMPUGNADO (CP, art. 287) - MAGISTÉRIO DA
DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ADPF CONHECIDA.

MÉRITO: “MARCHA DA MACONHA” - MANIFESTAÇÃO LEGÍTIMA, POR CIDADÃOS DA


REPÚBLICA, DE DUAS LIBERDADES INDIVIDUAIS REVESTIDAS DE CARÁTER
FUNDAMENTAL: O DIREITO DE REUNIÃO (LIBERDADE-MEIO) E O DIREITO À LIVRE
EXPRESSÃO DO PENSAMENTO (LIBERDADE-FIM)

8. Classificação doutrinária: A apologia de crime ou criminoso é delito simples (ofende um único


bem jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada
ou de resultado cortado (consuma-se com a realização da conduta criminosa, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum (coloca em risco uma pluralidade de
pessoas); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de personalidade jurídica); de forma
livre (admite qualquer meio de execução); em regra comissivo; instantâneo (consuma-se em um
momento determinado, sem continuidade no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso
eventual (cometido por uma só pessoa, mas admite o concurso); e unissubsistente ou
plurissubsistente, dependendo do caso concreto.

100
Proibidão de Funk não é apologia ao crime, diz Juiz ao rejeitar denúncia do Ministério

Público/RJ (06/07/2015)
A ação penal Processo nº 0002438-06.2014.8.19.0001 - 37a VARA CRIMINAL DA COMARCA DA
CAPITAL, proposta em face de um sujeito que foi apreendido pela polícia porque estava ouvindo
“funk proibidão” foi rejeitada pelo Juiz Marcos Peixoto, da 37a, Vara Criminal da comarca do Rio de
Janeiro. Invocando a liberdade de expressão e a censura de tipos penais como apologia ao crime, o
magistrado rejeitou a criminalização.

Disponível em: http://emporiododireito.com.br/proibidao-de-funk-nao-e-apologia-ao-crime-diz-juiz-


ao-rejeitar-denuncia-do-ministerio-publico-do-rj/

3. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela
Lei nº 12.850, de 2013)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de
criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Redação antiga:
Quadrilha ou bando
Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

1. Objeto jurídico: A paz pública.

2. Elementos do tipo: associar-se significa reunir-se em sociedade, unir-se, com a finalidade de


cometimento de crimes. Assim, associação criminosa é a associação estável de pelo menos três
pessoas com o fim de cometer reiteradamente crimes. Pressupõe, portanto, um acordo de vontades
dos integrantes, no sentido de juntarem seus esforços no cometimento dos crimes. Estamos diante de
um concurso necessário de condutas paralelas.

Por outro lado, o objetivo do grupo associado é o cometimento de delitos, embora não se exija
a consecução deles para a concretização da associação criminosa. O perigo abstrato para a paz pública
é evidente e não precisa ser provado, afinal, o Estado não quer a existência de agrupamentos
organizados e estáveis, prontos a delinqüir a qualquer momento.

- Associação estável ou permanente: O crime de associação criminosa distingue-se do concurso de


pessoas (coautoria ou participação comuns) pelo seu caráter de durabilidade e permanência,
elementos indispensáveis para a caracterização do crime previsto neste tipo. Na associação
criminosa as pessoas reúnem-se de forma estável, enquanto no concurso elas se associam de
forma momentânea. Além disso, na associação os agentes visam cometer número indeterminado
de infrações; já no concurso, visam a prática de um crime determinado.

TJSP: “É uma certa permanência ou estabilidade o que distingue o crime de quadrilha ou bando
(hoje associação criminosa) da simples participação criminosa (societas sceleris ou societas in
crimine). Se os agentes não se unem para delinqüir de modo indeterminado e permanente, mas em
caráter transitório, ocorre, na realidade, ocasional concurso de agentes” (RT 744/560)

101
STJ: “A estrutura central deste crime reside na consciência e vontade de os agentes organizarem-se
em bando ou quadrilha [hoje, com a denominação de associação criminosa] com a finalidade de
cometer crimes. Trata-se de crime autônomo, de perigo abstrato, permanente e de concurso
necessário, inconfundível com o simples concurso eventual de pessoas” (Denun na APn 549-SP, C.E.,
rel. Felix Fischer, 21.10.2009, v.u.).

TRF - 1.ª Reg.: “Demonstrada a reunião de pessoas para a realização de apenas um assalto, embora
de grande porte, impõe-se a absolvição quanto ao crime de quadrilha ou bando [hoje, associação
criminosa]” (ApCrim 2001.38.02.001572-0-MG, 4.ª T., rel. p/ Ac. Des. Mário César Ribeiro,
05.05.2009, m.v.).

- composta de três ou mais pessoas: Trata-se de crime de concurso necessário de condutas


paralelas, pois sua existência depende da união de ao menos três pessoas. O fato de um dos
envolvidos ser menor de idade, ter morrido ou não ter sido identificado no caso concreto não
afasta o delito. É necessário que o Ministério Público descreva na denúncia o envolvimento
mínimo de três pessoas na associação, ainda que não seja possível mencionar o nome completo de
todos eles. É o que se denomina de “concurso impróprio”, que é o concurso entre maiores e
menores. O grande problema é quando estamos diante de um crime multitudinário.

STJ: “Para o reconhecimento do crime de formação de quadrilha [hoje, associação criminosa], basta
a comprovação da existência de associação estável de mais de três pessoas [atualmente, bastam três],
com a intenção de praticar crimes diversos, sendo, pois, prescindível a identificação efetiva de todos
os membros da quadrilha ou bando. Precedentes” (HC 160290-MS, 5.ª T., rel. Laurita Vaz,
14.02.2012, v.u.).

TJSP: “O fato de não terem alguns componentes do bando sido identificados, não descaracteriza o
delito, máxime quando a denúncia menciona que agiam juntos os três acusados e mais dois indivíduos
não identificados sem prejuízo da participação dos outros mais” (HC 367.064.4)

“Concurso Impróprio”: para a corrente majoritária (Mirabete, Delmanto, Damásio, Noronha),


admite-se o concurso entre maiores e menores de idade. Conforme alerta Nucci (2014, p. 1195), deve-
se argumentar sobre a idade dos menores, uma vez que não teria cabimento quando os mesmos não
têm a menor noção do que estão fazendo, não sendo possível assim incluí-los na associação, por
exemplo, dois maiores valem-se de uma criança de nove anos para o cometimento de furtos, não
podendo assim ser considerado uma associação criminosa, pois a criança não tem a menor
compreensão do que está fazendo. Seria uma hipótese de autoria mediata, ou seja, os maiores usam o
menor para fins escusos. Caso diferente é quando envolve um adolescente de 15 anos.

- A intenção dos associados, no crime de associação criminosa é a prática de crimes: Não se exige
a consecução deles para a caracterização da associação criminosa. O perigo abstrato para a paz pública
é evidente e não precisa ser provado; afinal, o Estado não quer a existência de agrupamentos
organizados e estáveis, prontos a delinquir a qualquer momento.
Se a reunião for para o cometimento de crimes determinados, haverá apenas coautoria ou
participação nas infrações praticadas. Deve-se analisar se não se trata de um concurso eventual ou
concurso permanente de agentes, igual na associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06).

Quando o intenção for cometer reiteradamente contravenções penais em grupo (ex.: jogo
do bicho), não se tipifica o delito em estudo.

Para Nucci (2014, p. 1196), acrescentem-se, ainda, serem fatos atípicos o agrupamento de
pessoas com outras finalidades especiais, sem o objetivo de conturbar a paz pública, mas, sim, com a
meta de chamar a atenção para a solução de algum problema.

102
TJSP: “Não caracterização de quadrilha ou bando [hoje, associação criminosa] – Movimento dos
Sem Terra – Associação para a prática de crimes não comprovada – Invasão de propriedades com a
finalidade de pressionar autoridades – Expediente que, apesar de perturbar a ordem pública, importa
ilícito civil – Absolvição mantida” (Ap. 272.550-3-Andradina, 5.ª C., rel. Dante Busana, 26.10.2000, v.
u., JUBI 54/01).

3. Sujeitos ativo e passivo: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Existe a cautela de se exigir,
pelo menos, três pessoas. Sujeito passivo é a coletividade, a sociedade.

A figura do partícipe na associação criminosa: é controversa a aceitação do concurso de pessoas, na


espécie participação, no contexto do crime de associação criminosa (plurissubjetivo). Há quem
sustente a impossibilidade, pois a pessoa que dá algum tipo de auxílio para uma associação deve ser
considerada integrante desta, isto é, coautor necessário. Assim não pensamos, pois cremos admissível
supor que um sujeito, conhecedor da existência de uma determinada associação criminosa, resolva, por
uma só vez, auxiliar a sua organização, cedendo aos integrantes do grupo um local para o encontro.
Tornou-se partícipe, sem integrar o grupo. É o que sustentam ANTOLISEI, CICOLA, PANNAIM e
ESTHER FIGUEIREDO FERRAZ, que faz a citação dos primeiros (A codelinquência no direito penal
brasileiro, p. 134). (NUCCI, 2014, p. 1197).

Associação e crime continuado: existem duas posições:


a) nada impede que uma associação criminosa estável e permanente pratique pluralidade de crimes
que, pelas semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, configure a continuidade
delitiva, ex., pessoas que se associam para praticar vários furtos em continuidade delitiva – Corrente
majoritária seguida por Nucci, Damásio, Paulo José da Costa Jr.;

b) a associação para a prática de um crime continuado não basta para a tipificação do art. 288 –
Delmanto, Hungria.

4. Consumação. O delito se consuma no momento em que se verifica a efetiva associação,


independentemente da prática de qualquer crime. Trata-se de crime formal.

Importante: Delito autônomo – concurso material: Além disso, é necessário ressaltar que o crime
de associação criminosa é autônomo em relação aos delitos que efetivamente venham a ser
cometidos por seus integrantes, uma vez que a lei visa punir a simples situação de perigo decorrente
da associação.

Dessa forma, haverá concurso material entre o crime de associação criminosa e as demais
infrações efetivamente praticadas. Ex.: grupos de pessoas que se unem para exterminar pessoas
(grupos de extermínio); integrantes de torcida organizada que agem em bando sempre que há jogo para
agredir torcedores do outro time; grupo de hackers que se unem para criar falsos sites e obter os
números das contas correntes (furtos); associação criminosa para roubar cargas; empresários que se
juntam a advogados e contadores para montar esquema a fim de sonegar reiteradamente tributos etc.

Concurso do crime de associação criminosa com outro delito qualificado pela mesma
circunstância:
Quando os delitos cometidos forem furtos, roubos ou extorsão mediante sequestro, que já
possuem qualificadora ou causa de aumento de pena pelo envolvimento de pelo menos duas
pessoas, há divergência, na doutrina e jurisprudência, quanto ao correto enquadramento, caso tais
crimes sejam praticados por três ou mais membros de uma quadrilha.

Existem duas posições:

a) Para alguns, os agentes respondem por associação criminosa em concurso material com furto
ou roubo simples porque a aplicação da qualificadora ou causa de aumento seria bis in idem;

103
b) Para outros, como Nucci (2014, p. 1197), é possível, não se configurando bis in idem, no qual os
agentes respondem por associação criminosa e pelos crimes qualificados porque a associação é
um crime de perigo contra a paz da coletividade decorrente da mera associação, enquanto a
qualificadora decorre da maior gravidade da conduta contra a vítima do caso concreto.
Este é a posição atual adotada pelo STF e STJ. Há, na atualidade, uma tendência no
sentido de que o crime qualificado pode ser cumulado com o crime de associação criminosa
porque os bens jurídicos tutelados são distintos.

STF: “Cumulação da qualificadora do crime de roubo (uso de arma) com a qualificadora de


quadrilha armada. O crime de quadrilha (associação criminosa) é um crime autônomo, que independe
dos demais crimes que vierem a ser cometidos pelo bando. É, também, um crime permanente que se
consuma com o fato da associação e cuja unidade perdura, não obstante os diversos crimes-fim
cometidos pelos integrantes do grupo criminoso”. (HC 75.349-3).

STF – “ROUBO QUALIFICADO POR CONCURSO DE PESSOAS E USO DE ARMA E FORMAÇÃO


DE QUADRILHA ARMADA. INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. FIXAÇÃO DA PENA.
CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS DE CO-RÉUS NÃO APROVEITAM AOS DEMAIS. EXCESSO NA
DOSIMETRIA DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA ÀS
INSTÂNCIAS INFERIORES. PEDIDO DE HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE E
DEFERIDO QUANTO À DOSIMETRIA DA PENA”. (HC 84669/SP)

STJ: “É perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha ou bando


(associação criminosa) e o de roubo qualificado pelo uso de arma e pelo concurso de agentes,
porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos”. (REsp 1.287.467-MG).

STJ: “CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE


AGENTES. FORMAÇAO DE QUADRILHA. CAUSA DE AUMENTO EXCLUÍDA PELO TRIBUNAL A
QUO . IMPROPRIEDADE. INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM . RECURSO PROVIDO. Hipótese na
qual o Tribunal a quo deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelos réus para
excluir a incidência do inc. II, do 2.º, do art. 157, do CP, por entender que a condenação pela prática
de roubo em concurso de pessoas e pelo crime de formação de quadrilha representaria bis in idem. Bis
in idem que não se caracteriza, na condenação por crime de quadrilha armada e roubo qualificado
pelo uso de armas e concurso de pessoas, tendo em vista a autonomia e independência dos delitos.
Precedentes do STJ e do STF. Recurso que merece ser provido para determinar o restabelecimento da
decisão monocrática quanto à aplicação da causa de aumento. Recurso conhecido e provido”.

O crime de associação criminosa tem natureza permanente, pois, enquanto não


desmantelada pelas autoridades ou desfeita por seus integrantes, subsiste a intenção de cometer crimes
que levou os membros à associação, estando a paz pública ameaçada a todo momento.

5. Tentativa: É inadmissível, em razão da estabilidade e permanência requeridas (ou estão presentes e


o crime está consumado ou estão ausentes, sendo um fato penalmente irrelevante).

6. Causa de aumento:
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de
criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Apesar das divergências, prevalece o entendimento, inclusive o de Nucci, de que basta um dos
integrantes da associação estar armado, desde que isso guarde relação com os fins criminosos do
grupo, e que todos saibam e concordem com isto. O dispositivo alcança a utilização de armas
próprias (fabricadas para servir como instrumento de ataque ou defesa) ou impróprias (feitas com
outra finalidade, mas que também podem matar ou ferir - facas, navalhas, estiletes etc.).

104
STF: “A utilização de arma por qualquer membro da quadrilha constitui elemento evidenciador da
maior periculosidade do bando, expondo todos que o integram à causa de aumento de pena prevista
no art. 288, p.u. do Código Penal” (HC 72.992)

Outra hipótese para o aumento de pena é a participação de criança ou adolescente. Nesse caso,
pouco importa se o menor de 18 anos é usado como mero instrumento ou se participa ativamente
da associação (no caso de ser adolescente).

Merece crítica a previsão de aumento indefinida quanto ao mínimo. Determina-se o aumento de


até metade. Ora, inexistindo previsão para o mínimo, deve-se entender cabível apenas um dia (art. 11,
CP). Mas, se o julgador aplicar o aumento de somente um dia, estaria tergiversando e contornando a
intenção legal, voltada a uma pena realmente mais elevada para tais situações. Parece-nos plausível
adotar o aumento mínimo de um sexto, que é a menor causa de aumento prevista no Código Penal.

7. Figura qualificada: O art. 8º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) dispõe:

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de
crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha,
possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

Trata-se de qualificadora que se aplica, portanto, quando a associação criminosa é formada para
a prática desses crimes de maior gravidade. Nessas hipóteses, haverá concurso material entre o
crime de associação qualificada e os crimes efetivamente cometidos.

Obs.: Esse art. 8º também menciona a associação para a prática de tráfico de drogas, porém,
atualmente, a união de duas ou mais pessoas para a prática de tráfico, de forma reiterada ou não,
constitui crime do art. 35, caput, da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), punido com reclusão de três a
dez anos, e multa. Além disso, o art. 35, parágrafo único, da mesma lei, pune com as mesmas penas a
associação de duas ou mais pessoas para o financiamento reiterado do tráfico.

Terrorismo: Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016 (Regulamenta o disposto no inciso XLIII do art.
5o da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e
processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as Leis nº 7.960, de 21 de
dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013)

Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões
de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de
provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade
pública.

§ 1o São atos de terrorismo:

I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos,
conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em
massa;
II – (VETADO);
III - (VETADO);
IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de
mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação
ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas,
estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de
geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de
petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
105
§ 2o O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações
políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por
propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de
defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

8. Delação premiada: A Lei dos Crimes Hediondos, em seu art. 8º, parágrafo único, trouxe outra
inovação, ao dispor que o participante ou associado que denunciar à autoridade (juiz, promotor,
delegado, policial militar) a associação criminosa, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena
reduzida de um a dois terços.
Esse instituto foi chamado por Damásio E. de Jesus de traição benéfica, pois implica redução
da pena como conseqüência da delação de comparsas. Veja-se que, nos termos da lei, só haverá a
diminuição da pena se a delação implicar o efetivo desmantelamento da associação.

No caso do concurso material entre o crime de associação criminosa e outros delitos


praticados por seus integrantes, a redução da pena atingirá apenas o primeiro (associação criminosa).

Nucci entende ainda, entendemos cabível a causa de diminuição de pena somente quando se
tratar de crimes hediondos e equiparados (tortura, tráfico e terrorismo), pois é previsão feita no
parágrafo único do art. 8.º da lei específica, não podendo ser generalizado para todos os casos do art.
288. (2014, p. 1198).

9. Ação penal: Pública incondicionada.

10. Quadrilha ou bando: eram os termos utilizados para o Título do crime do art. 288. Quadrilha ou
bando era a associação estável de pelo menos quatro pessoas com o fim de cometer
reiteradamente crimes. As palavras "quadrilha" e "bando" eram sinônimas.

11. Diferença entre associação criminosa e organização criminosa: a Lei nº 12.850/2013 estabelece
o crime de organização criminosa: “Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a
investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a
ser aplicado. § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de
obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas
penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

12. Classificação doutrinária: A associação criminosa é crime simples (ofende um único bem
jurídico); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada ou
de resultado cortado (consuma-se com a realização da conduta criminosa, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum (coloca em risco uma pluralidade de
pessoas) e abstrato (presumido pela lei), malgrado existam opiniões em contrário, no sentido de
constituir-se em crime de perigo concreto; vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de
personalidade jurídica); de forma livre (admite qualquer meio de execução); comissivo; permanente
(a consumação se prolonga no tempo, por vontade dos agentes); plurissubjetivo, plurilateral ou de
concurso necessário (o tipo penal reclama a presença de pelo menos três pessoas) e de condutas
paralelas (as condutas se unem em torno de um fim comum); obstáculo (o legislador antecipou a
tutela penal, a fim incriminar de forma autônoma atos representativos da preparação de outros delitos);
e plurissubsistente.

4. CONSTITUIÇÃO DE MILÍCIA PRIVADA (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)

Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo
ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: (Incluído dada pela Lei
nº 12.720, de 2012)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)
106
1. Objeto jurídico: Similarmente ao crime de associação criminosa são tuteladas a paz e a segurança
públicas.

2. Elementos do tipo: O crime do artigo 288–A, CP é de ação múltipla, conteúdo variado ou tipo
misto alternativo, sendo dotado de vários núcleos ou verbos:

- Constituir = tem o significado de formar, criar ou compor o grupo criminoso.


- Organizar = é ordenar o grupo, estabelecer bases para algo, de forma mais eficaz para sua atuação.
- Integrar = é compor ou fazer parte, participar do grupo criminoso.
- Manter = significa sustentar, promover a coesão do grupo e seu funcionamento, inclusive mediante
fornecimento de materiais bélicos e de outras espécies, logística, abrigos, meios de comunicação,
transporte etc.
- Custear = tem o sentido de cobrir os custos, financiar com dinheiro ou materiais e recursos em geral.

Crime único e concurso de crimes: A prática por determinada pessoa, em um mesmo contexto, de
mais de um dos verbos ou núcleos do tipo não implica em concurso de crimes. Por exemplo, se um
indivíduo “integra” e “organiza” um grupo não responde por dois crimes, mas apenas por um. É claro
que se os contextos divergem, há pluralidade criminosa.

Se, por exemplo, um sujeito integra um grupo de extermínio na Baixada Santista e está
constituindo outro grupo, distinto do primeiro, na Capital do Estado, então está cometendo duas
infrações ao artigo 288–A, CP.

Como bem destaca Rogério Sanches Cunha, o legislador, ao arrolar os grupos enfocados no
dispositivo infringiu a regra de hermenêutica de que na lei não existem palavras inúteis, pois que foi
repetitivo, usando expressões sinônimas como “grupo de extermínio” ou “esquadrão”.

Organização paramilitar = se refere a grupos armados civis que se estruturam de forma similar às
corporações militares oficiais.

Milícia particular ou Milícia privada = conforme referida no novo § 6º, do artigo 121, CP, pode ser
conceituada como um grupo armado de pessoas que tem por finalidade prestar serviços de segurança
em comunidades carentes, supostamente criando uma situação de pacificação, aproveitando-se da
omissão do Poder Público.

- art. 121, § 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia
privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº
12.720, de 2012)

Esses grupos ocupam, por meio de coação e violência, certos espaços territoriais, prestando os
serviços de segurança e ignorando o monopólio estatal do controle social.

Grupos de extermínio ou esquadrões da morte = podem ser definidos como a reunião de indivíduos
na qualidade de “justiceiros” e/ou matadores, os quais também atuam nas brechas deixadas pela
omissão estatal no campo da segurança pública. Atuam perpetrando matanças generalizadas ou mesmo
individualizadas e chacinas de pessoas indicadas como marginais, perigosas ou infratoras.
Normalmente esses grupos atuam mediante pagamento da população local e de comerciantes e/ou
industriais de determinada região.

3. Sujeito Ativo: Trata-se de crime comum, podendo ser perpetrado por qualquer pessoa civil ou
militar.

Número mínimo de integrantes: Também neste crime haverá a discussão acerca do número mínimo
de integrantes a configurarem organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão.
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A verdade é que a lei é silente. O ideal seria que o legislador houvesse se manifestado
expressamente, conferindo maior segurança jurídica. No entanto, em seu silêncio, já se podem
vislumbrar ao menos três entendimentos defensáveis:

a) O número mínimo de duas pessoas, pois o tipo não fixa número algum. Entendimento de Nucci
(2014, p. 1199).

b) O número mínimo seria de três pessoas, utilizando-se de uma interpretação sistemática com o
crime de associação criminosa, previsto no artigo 288 do CP, já que não se pode cogitar de um grupo
de uma ou duas pessoas. Entendimento de Capez (2014, p. 339), Rogério Sanches Cunha e Luiz
Vicente Cernicchiaro que afirma que o número mínimo seria de 3 pessoas.

c) O número mínimo seria de quatro pessoas, utilizando-se o conceito de organização criminosa da


Lei nº 12.850/2013, no art. 1º, § 1º.

Entende-se que, no silêncio do legislador, a tendência é que a interpretação seja pelo mínimo de
3 pessoas, tal como já ocorreu no delito de Rixa (artigo 137,CP) onde também não há determinação de
número mínimo, sendo a marca de 3 pessoas aceita de forma pacífica pela doutrina e jurisprudência.
Mas, o que é induvidoso é que esse tipo penal tem a característica de infração plurissubjetiva ou de
concurso necessário.

4. Sujeito Passivo: O crime é vago, pois tem como sujeito passivo toda a coletividade, inclusive pelo
fato de tutelar bens jurídicos de natureza difusa ou coletiva.

5. Tipo subjetivo e Tipo objetivo: O crime é doloso, não havendo previsão de figura culposa. Esse
dolo é específico, pois que a lei estabelece a finalidade de formação dos grupos que é a de praticar
crimes previstos no Código Penal.

Legislação especial: Neste ponto é interessante notar que houve um cochilo do legislador, pois que se
tais grupamentos forem criados com o intento de praticar crimes previstos em legislação esparsa (v.g.
Lei de Drogas, Lei de Tortura etc.) não haverá adequação típica.
Seria bem melhor que houvesse o legislador optado pela redação similar ao crime de associação
criminosa, apenas se referindo a “crimes”, sem especificar o diploma legal de onde devem se originar.
Devido a essa falha, se a formação do grupo for para a prática de crimes fora do Código Penal,
somente restará a figura da associação criminosa (artigo 288, CP ou eventualmente artigo 288, CP c/c
artigo 8º., da Lei 8.072/90). Mas, para isso será imprescindível que haja no mínimo 3 participantes.

Observe-se que se trata de denominado “crime de empreitada ou empreendimento”, no qual a


mera reunião das pessoas com o fito de cometer crimes já configura infração penal. Praticamente se
trata de uma situação de antecipação da tutela penal para a fase de cogitação. Desse modo, não importa
se o grupo efetivamente vem a perpetrar os crimes intencionados. Se isso ocorre, haverá concurso de
infrações penais (material). Mas, se não se chega a praticar os crimes pretendidos, mesmo assim estará
perfeito o artigo 288 – A, CP. Portanto, para o artigo 288-A, CP, o cometimento efetivo de infrações
pretendidas já constitui fase de exaurimento no “iter criminis”, muito embora não se trate de “post
factum não punível”, já que os crimes efetivamente cometidos serão punidos em concurso material
com a infração de “Constituição de Milícia Privada”.

Associação criminosa estável ou permanente: É também importante ter em mente que para a
configuração desse ilícito sob comento há necessidade de que a associação criminosa seja estável ou
permanente, visando a prática de “crimes” (no plural). Ou seja, a mera reunião de um grupo para a
prática isolada de um crime, ainda que configurando grupo, esquadrão, organização paramilitar ou
milícia particular, não é suficiente para a tipificação do artigo 288 – A, CP. Observe-se, porém, que
principalmente nos casos de “organização paramilitar” e “milícia particular”, será muito difícil
inexistir tal liame de permanência ou estabilidade, o qual é inerente a essa espécie de grupamento.

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6. Consumação e Tentativa: A consumação se dá com a efetiva constituição, organização, integração,
manutenção ou custeio dos grupamentos arrolados no dispositivo. Como já frisado, é desnecessária a
prática efetiva de crimes. Basta a formação do grupamento com esse intuito.

A tentativa não é possível, vez que se trata de crime formal, tal qual ocorre com a associação
criminosa.

7. Ação Penal e Competência: A ação penal é pública incondicionada e a competência para o


julgamento é do Juiz Singular.

8. Direito intertemporal: A crime ora previsto pela Lei 12.720/12 é irretroativo, pois que se trata de
“novatio legis incriminadora”.

9. Diferença entre constituição de milícia privada e organização criminosa: a Lei nº 12.850/2013


estabelece o crime de organização criminosa: “Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre
a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal
a ser aplicado. § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de
obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas
penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Difere da associação criminosa pelos seguintes motivos: a) é mais restrito quanto à finalidade,
pois se circunscreve a grupo armado, semelhante ao militar, para cometer crimes previstos no Código
Penal – não valendo para outros delitos, dispostos em legislação especial; b) não demanda o número
mínimo de três pessoas; aliás, não fixa número algum. Assim sendo, pode constituir-se uma milícia ou
grupo com apenas duas pessoas. O crime demanda estabilidade e durabilidade, nos mesmos moldes
que a associação criminosa, pois é a forma indicada para distingui-lo do mero concurso de agentes
para o cometimento de um só delito. Deveria ter sido incluída esta figura típica no rol dos crimes
hediondos (art. 1.º, Lei 8.072/90), mas tal medida não se deu.

10. Classificação doutrinária: A constituição de milícia privada é crime simples (ofende um único
bem jurídico); comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação antecipada
ou de resultado cortado (consuma-se com a prática da conduta criminosa, independentemente da
superveniência do resultado naturalístico); de perigo comum (coloca em risco uma pluralidade de
pessoas) e abstrato (presumido pela lei); vago (tem como sujeito passivo um ente destituído de
personalidade jurídica); de forma livre (admite qualquer meio de execução); comissivo; permanente
(a consumação se prolonga no tempo, por vontade dos agentes); plurissubjetivo, plurilateral ou de
concurso necessário (o tipo penal reclama a presença de pelo menos quatro pessoas) e de condutas
paralelas (os agentes buscam o mesmo fim); e obstáculo (o legislador incriminou, autonomamente,
atos que representariam a fase de preparação de outros delitos).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, vol. 3
HUNGRIA, Nélson; LACERDA, Romão Côrtes de. Comentários ao Código Penal. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1954. v. 8
______. Comentários ao Código Penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. v. 8.
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 6.ª ed. rev. e atual – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2014. vol. 2 e vol. 3
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: dos crimes contra a propriedade imaterial. 26 ed. São
Paulo, Saraiva, 1994. v. 3.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense,
2014.
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SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
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