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Salmanticenses

adjuração
e exorcismo
Avenida Higienópolis, 174, Centro AUTOR IA
86020-908 — Londrina/PR Salmanticenses
editorapadrepio.org
CAPA
Klaus Bento
DIAGRAMAÇÃO
Eduardo de Oliveira
DIR EÇÃO DE CR IAÇÃO
Luciano Higuchi
ADJURAÇÃO E EXORCISMO
EDIÇÃO
Éverth Oliveira
© Todos os direitos desta edição
pertencem e estão reservados à R EVISÃO
Editora Padre Pio Douglas Abreu
TRADUÇÃO
Redempti ac vivificati Christi sanguine, nihil Christo Equipe Christo Nihil
præponere debemus, quia nec ille quidquam nobis præposuit. Præponere

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Salmanticenses
Adjuração e exorcismo [livro eletrônico] /
Salmanticenses ; [tradução Equipe Christo Nihil
Præponere]. – Londrina, PR : Editora Padre Pio,
2023.
PDF
Título Original: De Adiuratione
ISBN: 978-85-52993-07-0
1. Cristianismo 2. Exorcismo 3. Igreja Católica –
Doutrinas 4. Oração – Igreja Católica 5. Sacramentos
– Igreja Católica I. Título.
SUMÁRIO

PREFÁCIO .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
SOBRE OS SALMANTICENSES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

SOBRE A ADJURAÇÃO

PONTO I
DEFINIÇÃO E CLASSES DE ADJURAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

PONTO II
QUEM PODE ADJURAR? A QUEM SE PODE ADJURAR?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
§1. Quem pode adjurar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
§2. A quem se pode adjurar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

PONTO III
ESSÊNCIA E EFICÁCIA DOS EXORCISMOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
§1. Essência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
§2. Eficácia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
§3. Invocações e objetos sagrados.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
PREFÁCIO
Equipe Christo Nihil Præponere

Na plenitude dos tempos, o Filho único de Deus desceu ao


mundo e se fez homem para salvar os homens. Com sua Pai-
xão, Morte e Ressurreição, Nosso Senhor Jesus Cristo pagou
a dívida que havíamos contraído pelo pecado, e nos libertou
do poder do demônio. Sim, pelo pecado a humanidade havia
se tornado escrava do demônio: “Aquele que pratica o pecado,
é do diabo, porque o diabo é pecador desde o princípio”. E a
manifestação do Filho de Deus na história foi desde já perce-
bida pelo inferno, pois os demônios sabiam: “Para isto é que o
Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo”
(1Jo 3, 8).

Essa verdade da sujeição da espécie humana ao poder de Sata-


nás foi solenemente definida no Concílio de Trento:

Se alguém não admite que o primeiro homem Adão, tendo


transgredido no paraíso a ordem de Deus, perdeu imediata-
mente a santidade e a justiça nas quais tinha sido constituído,
e que, por este pecado de prevaricação, incorreu na ira e na
indignação de Deus e, por isso, na morte com que Deus lhe
havia ameaçado anteriormente e, com a morte, na escravidão
sob o poder daquele que depois ‘teve o domínio da morte’ (Hb
2, 14), isto é, o diabo; e que o Adão inteiro por aquele peca-
do de prevaricação mudou para pior, tanto no corpo como na
alma: seja anátema (DH 1511).

5
A D J U RAÇÃO E EXO RC I S M O

A luta contra Satanás pertence, pois, à essência da atividade


messiânica de Cristo. Por isso, na última petição do Pai-Nos-
so, Jesus nos ensinou a dizer: “Mas livrai-nos do mal” (Mt 6,
13). Ele nos ensinou a rezar pedindo a libertação do maligno,
inimigo de nossa salvação, cujo único intento é nos levar ao
pecado e depois à morte eterna. Precisamos então conhecer
melhor a batalha espiritual em que estamos metidos, as ar-
mas disponíveis, as estratégias, pois “a nossa luta não é contra
o sangue e a carne, mas contra os principados, as potestades,
os dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos
espalhados pelo espaço” (Ef 6, 12).

Com esta tradução, queremos fornecer a nossos alunos e lei-


tores uma exposição teológica sobre adjuração e exorcismo. 1

Trata-se de um trecho do Curso de Teologia Moral dos teólo-


gos de Salamanca (os Salmanticenses), onde eles explicam:
2

1.º) a definição e as classes de adjuração; 2.º) quem pode


adjurar e a quem se pode adjurar; 3.º) a essência e eficácia
dos exorcismos; 4.º) que outros objetos sagrados têm poder
contra os demônios.

A linguagem é densa e sintética, a princípio estranha ao leitor


moderno, mas o conteúdo recompensa o esforço da leitura.
Dentre outras coisas, os Salmanticenses provam que o poder

1. Em teologia, “adjuração” (do latim adiuratio, “juramento”) é o termo técnico que


designa a invocação de uma coisa sagrada, pela qual a pessoa adjurada, por império
ou súplica, é induzida a fazer ou omitir alguma coisa. Os dicionários comuns de
língua portuguesa trazem a palavra simplesmente como sinônimo de “exorcismo”.
Por ser uma terminologia tradicional, optamos por conservá-la no título desse
opúsculo, juntamente com esta última palavra, já mais popular e amplamente dis-
seminada.
2. Presente no Curso de Teologia Moral dos Salmanticenses, tomo V, tratado XXII,
capítulo único (De adiuratione, “Sobre a adjuração”), pontos I, II e III. Quanto aos
autores deste opúsculo, veja-se a seção seguinte deste livro, “Sobre os Salmanticen-
ses”, p. 9.

6
P r efác i o

de exorcizar privadamente os demônios foi concedido a todos


os fiéis cristãos, segundo a interpretação tradicional de Mc 16,
17: In nomine meo dæmonia eiicient, embora somente os mi-
nistros da Igreja tenham recebido o poder de exorcizar solene-
mente, i.e., com o poder e em nome da Igreja. Isto significa que
todos os fiéis cristãos têm o poder de adjurar privadamente o
demônio, i.e., de fazer pequenos exorcismos privados.

Portanto, para levarmos a cabo a última petição do Pai-Nosso,


temos à disposição não apenas as orações de libertação, em
que pedimos a Deus, à Virgem Maria ou aos santos que nos
libertem do maligno. Podemos utilizar verdadeiras orações de
exorcismo, que interpelem diretamente o demônio e lhe deem
ordem para se retirar, desde que o façamos privadamente (em
nome próprio) e sem as fórmulas solenes da Igreja, restritas
apenas aos ministros dotados de faculdade para tal. A oração
da Medalha de São Bento e o chamado Breve de Santo An-
3

tônio são exemplos dessa verdade. Na primeira, o fiel diz ao


4

maligno: Vade retro, Satana, “Retira-te, Satanás!” — o que é


evidentemente uma ordem dada ao demônio. Na segunda,
diz: Fugite, partes adversæ, “Fugi, potências inimigas!” — onde
também é nítido o tom imperativo.

Todos os fiéis podem recitar estas orações, tradicionalmente


chamadas de exorcismos privados, desde que o façam respei-
tando os limites de sua autoridade. Por exemplo: 1.º) qualquer
fiel pode fazer tais orações sobre si mesmo, ordenando que o

3. Crux sacra sit mihi lux, non draco sit mihi dux. Vade retro, Satana. Nunquam suade
mihi vana. Sunt mala quæ libas, ipse venena bibas. “A Cruz Sagrada seja a minha luz,
não seja o Dragão meu guia. Retira-te, Satanás. Nunca me aconselhes coisas vãs. É
mau o que tu me ofereces, bebe tu mesmo os teus venenos.”
4. Ecce crucem Domini, fugite partes adversæ. Vicit Leo de tribu Juda, radix David.
“Eis a cruz do Senhor; fugi, potências inimigas. Venceu o Leão da tribo de Judá, a
estirpe de Davi.”

7
A D J U RAÇÃO E EXO RC I S M O

demônio se afaste de sua vida, de seus bens, de sua saúde etc.;


2.º) qualquer pai ou mãe de família pode fazer estas orações
sobre seus filhos.

Contudo, é importante lembrar que, antes de combatermos o


maligno, precisamos estar revestidos da “armadura de Deus”,
segundo a expressão de São Paulo. Isso significa que precisa-
mos viver em estado de graça, longe do pecado e entregues
cada vez mais à vontade de Deus, recebendo os sacramentos e
rezando com devoção.

Esperamos que esse material esclareça nossos alunos e leitores


a respeito do ensinamento tradicional da Igreja sobre os exor-
cismos, pois é preciso ter ideias claras antes de avançar contra
tão astuto e cruel inimigo. De fato, textos como este são ne-
cessários, pois evitam excessos: quer o dos demasiadamente
audaciosos, que se metem a exorcistas sem conhecer antes a
teologia e a experiência da Igreja; quer o dos demasiadamente
medrosos, que, sem estudar o assunto, reprimem e condenam
toda prática destinada à libertação do maligno.

8
SOBRE OS SALMANTICENSES 5

Benedict Zimmerman

Salmanticenses e Complutenses designam os autores dos


Cursos de Filosofia e Teologia Escolásticas, bem como de
Teologia Moral, publicados pelos professores tanto da Escola
de Filosofia dos Carmelitas Descalços em Alcalá de Henares
quanto da Escola de Teologia de Salamanca (ambos no terri-
tório da Espanha).

Ainda que pensadas inicialmente para a instrução dos mem-


bros mais jovens da Ordem de Nossa Senhora do Carmo, es-
sas escolas, incorporadas às Universidades de Alcalá (antiga
“Compluto”) e de Salamanca, abriram suas salas de aula tam-
bém para os de fora.

Na Idade Média, em matéria de ensino da Escolástica, os car-


melitas andaram lado a lado com os dominicanos, em oposi-
ção às escolas franciscana e agostiniana (salvo algumas notá-
veis exceções). Era natural, portanto, que no século XVI eles
mantivessem sua postura de sempre. Como consequência dis-
so, eles aderiram de modo estrito ao tomismo enquanto princí-
pio fundamental, e fizeram-no com uma consistência maior do

5. Traduzido a partir de: Zimmerman, Benedict, “Salmanticenses and Complu-


tenses”. In: The Catholic Encyclopedia, v. 13. New York: Robert Appleton Company,
1912. Disponível em <http://www.newadvent.org/cathen/13401c.htm>. Acesso
em 29 jun. 2023. (Verbete adaptado passim para esta publicação.)

9
A D J U RAÇÃO E EXO RC I S M O

que, provavelmente, qualquer outro comentarista do período


neoescolástico.

Embora se registrem os nomes de diversas pessoas que contri-


buíram com os três cursos, os trabalhos dos Salmanticenses e
Complutenses não devem ser tomados como opiniões ou de-
clarações de acadêmicos individuais, mas como expressão do
ensino oficial da Ordem do Carmo, pois nenhuma questão era
resolvida sem que fosse submetida primeiro à discussão de toda
a escola, e em caso de divergência de opiniões a matéria era de-
cidida por votação. Por esses meios, chegou-se a uma uniformi-
dade e consistência tais que, era possível dizer, não havia uma
única contradição sequer em todas as suas extensas obras, ainda
que tenha decorrido praticamente um século entre a publicação
da primeira e o aparecimento de sua última parte.

No início, os professores se contentavam em escrever os seus


quaterniones (“quaterniões”, manuscritos de quatro folhas com
quatro páginas cada), muitos dos quais ainda existem. Mas, no
começo do século XVII, eles chegaram à decisão de publicar
um curso completo.
A “Lógica”, escrita por Diego de Jesus († 1621), apareceu em Madri em
1608, e foi reescrita por Miguel da Santíssima Trindade († 1661) — for-
ma na qual foi impressa com frequência na Espanha, na França e na Ale-
manha. Praticamente todos os tratados filosóficos restantes foram obra
de Antônio da Mãe de Deus. O trabalho inteiro foi então reformulado
por João da Anunciação († 1701), Superior Geral de 1694 a 1700, que
também lhe adicionou um suplemento.

Em 1670, a obra apareceu em Lion, publicada em cinco volumes sob o


título Collegii Complutensis Fratrum Discalceatorum Beatæ Mariæ Virgi-
nis de Monte Carmeli Artium Cursus ad Breviorem Formam Collectus et
Novo Ordine Atque Faciliori Stylo Dispositus (latim para “Curso de Artes
da Escola Complutense dos Frades Descalços da Bem-aventurada Vir-
gem Maria do Monte Carmelo, reduzido a [uma] forma mais breve e
posto em nova ordem e estilo mais simples”. A obra substituiu todas as

10
S o b r e o s S a l m a n t i c en s es

edições anteriores e vários suplementos, tais como a Metaphysica in tres


libros distincta (Paris, 1640), do carmelita francês Brás da Conceição.

Antônio da Mãe de Deus lançou o fundamento para a parte dogmática


dos Salmanticenses, publicando em 1630 dois volumes com os trata-
dos De Deo uno (“Sobre o Deus uno”), De Trinitate (“Sobre a Trinda-
de”) e De angelis (“Sobre os anjos”). Sucedeu-lhe Domingo de Santa
Teresa († 1654), que em 1647 escreveu De ultimo fine (“Sobre o fim
último”), De beatitudine (“Sobre a bem-aventurança”) e De peccatis
(“Sobre os pecados”).

João da Anunciação, já mencionado, contribuiu com De gratia (“Sobre


a graça”), De iustificatione et merito (“Sobre a justificação e o mérito”),
De virtutibus theologicis (“Sobre as virtudes teologais”), De Incarnatione
(“Sobre a Encarnação”), De sacramentis in communi (“Sobre os sacra-
mentos em geral”) e De Eucharistia (“Sobre a Eucaristia”). Ele deixou
em forma de manuscrito o primeiro volume de De pœnitentia (“Sobre a
penitência”), que foi revisado e continuado por Antônio de São João Ba-
tista. Este, por sua vez, falecido em 1699 em Salamanca, não conseguiu
levá-lo ao prelo. O trabalho foi completado, portanto, por Afonso dos
Anjos († 1724) e Francisco de Sant’Ana († 1707). Esse derradeiro volume,
o décimo segundo, apareceu em 1704.

Os Salmanticenses sempre foram tidos na mais alta estima,


particularmente em Roma, onde são considerados obra básica
para a Escolástica tomista.
Uma nova edição em doze volumes apareceu tardiamente em Paris, de
1870 a 1873. Um resumo (dois grandes volumes, in-fólio) para uso dos
estudantes foi publicado por Paulo da Conceição († 1734), Superior Ge-
ral de 1724 a 1730.

A Teologia Moral dos Salmanticenses foi iniciada em 1665 por


Francisco de Jesus-Maria († 1677), com tratados sobre os sa-
cramentos em geral, e sobre o Batismo, a Confirmação, a Euca-
ristia e a Extrema Unção. A quarta edição, publicada em 1709,
em Madri, passou por uma revisão considerável por conta dos
novos Decretos dos Papas Inocêncio XI e Alexandre VII e foi
incrementada com uma disquisição sobre a “Bula Cruzada” de

11
A D J U RAÇÃO E EXO RC I S M O

José de Jesús-Maria, publicada por Antônio do Santíssimo Sa-


cramento.

André da Mãe de Deus († 1674) escreveu De sacramento ordi-


nis et matrimonii (“Sobre o sacramento da Ordem e do Matri-
mônio”), De censuris (“Sobre as censuras”), De justitia (“Sobre
a justiça”) e De statu religioso (“Sobre o estado religioso”), com
todas as matérias afins.

Sebastião de São Joaquim († 1714), autor de dois volumes so-


bre os Mandamentos, não viveu para ver a sua obra no prelo.
Portanto, ela foi completada e publicada por Afonso dos Anjos,
que também arrematou o curso de Teologia Dogmática.

Santo Afonso de Ligório estimava a Teologia Moral dos Sal-


manticenses; quase sempre ele os menciona em tom de aprova-
ção e segue-lhes a orientação, ainda que em raras ocasiões ele
os considere demasiado benignos. O moralista jesuíta Augusto
Lehmkuhl queixa-se de que nem sempre eles são exatos em
suas citações.

12
SOBRE A
ADJURAÇÃO
(DE ADIURATIONE)
SALMANTICENSES
Punctum I Ponto I
QUID, ET DEFINIÇÃO E CLASSES
QUOTUPLEX SIT
ADIURATIO? DE ADJURAÇÃO

Non sumitur in præsenti adiuratio Não consideramos aqui “adjuração” [adiu- 1


prout significat adiurandum induce-
re, quia sic coincidit cum iuramen- ratio] no sentido de induzir a jurar, no qual
to; sed prout est contestatio divini coincide com “juramento”, mas como invo-
nominis ad aliquid faciendum, vel
omittendum. Quare ex D. Thoma cação do nome de Deus para que se faça ou
(II-II, q. 90, a. 1) deffinitur sic:
Adiuratio est contestatio rei sacra, per
se omita algo. Por isso, a partir de S. To-
quam adiuratus, imperio aut obsecra- más, adjuração é definida assim: Invocação
tione, inducitur ad aliquid faciendum
aut omittendum. Explicatur tradita
de uma coisa sagrada, pela qual o adjurado,
deffinitio. Dicitur primo contestatio: por império ou súplica, é induzido a fazer
quia sicut per iuramentum, Deum
veluti præsentem adducimus ad ou a omitir algo.
veritatem confirmandam, ita etiam
per adiurationem, ut eius reveren- Explicação. Diz-se primeiro invocação,
tia, amore, aut timore, adiuratus pois assim como o juramento faz a Deus
permoveatur ad id quod petimus.
Addimus rei sacra: tum ad deno-
como que presente para confirmar uma ver-
tandum quod sub his verbis non dade, assim também a adjuração, por reve-
solum comprehenditur Deus, sed rência, amor ou temor divinos, move o adju-
etiam angeli et homines sancti, per
quos fieri potest etiam adiuratio,
rado ao que é pedido.
cum plurimum apud Deum valeant;
tum ad excludendum res humanas Acrescentamos de uma coisa sagrada, a fim de
et profanas, quacumque dignitate significar que sob essas palavras compreende-se
et excellentia polleant, quia earum
contestatio nunquam erit proprie
não apenas Deus, mas também os santos anjos e
adiuratio. Reliquæ particulæ ex se os homens santos, pelos quais também se pode
constant, quare explicatione non adjurar, pois muito podem junto a Deus, e de
indigent. Sic ex D. Thoma (II-II,
q. 90, a. 1), Caietanus, et Raphael a
excluir coisas humanas e profanas, seja qual for
Torre, Sotus (lib. 8 de Iusti. et Iure, a sua dignidade e excelência, porque a invocação
q. 7, art. 1), Ledesma (2 par. tract. delas jamais será uma adjuração.
11, cap. 6 conclus. 1), Læssius (lib.
2 de Iustitia et Iure, cap. 42, dub. 13,
As demais partes são em si evidentes, portanto não
num. 67), Suarez (Tom. 2 de Reli-
gione, lib. 4 a cap. 1), Sanchez (lib. 2 precisam de explicação.

15
S O B RE A A D J U RAÇÃO

2 Logo, há múltiplas adjurações. Summæ cap. 42, num. 1), Bonacina


(disp. 4, q. 1, punct. ult., numer. 1),
Filliucio (tract. 24, cap. 8, q. 7 num.
1.º Em primeiro lugar, com base em S. To- 200), Palaus (tom. 3, tract. 13, disp.
más, divide-se em adjuração depreca- 4, punct. 1, num. 1), Trullench (lib.
1 Decalogi, cap. 10, dub. 14) et Le-
tiva e imperativa. É deprecativa quan- ander (tract. 9, disput. 15, quest. 1).
Prædicta ergo adiuratio multiplex
do se invoca alguém por deprecação, est. Nam primo dividitur ex D.
e deste gênero de adjuração se serve Thoma loco citato, in adiuratio-
nem deprecativam et imperativam.
a Igreja quando, em ladainhas e ora- Deprecativa est quando per de-
ções, invoca os méritos de Cristo e dos precationem aliquem contestamur;
et hoc adiurationis genere utitur
santos para que Deus conceda o que é Ecclesia quando in Litaniis et Ora-
pedido. Por exemplo, S. Paulo (Rm 12, tionibus contestatur merita Christi
et Sanctorum ut Deus postulata
1), quando diz: “Rogo-vos, pela mise- concedat. Et Divus Paulus (Rom.
ricórdia de Deus, que ofereçais” etc. É 12) dum ait: “Obsecro vos per
misericordiam Dei, ut exhibeatis”
imperativo quando, pela invocação do etc. Imperativa est, qua per divini
nominis contestationem subditis
poder divino, se ordena a um súdito, imperamus, sicut fecit D. Paulus ad
como fez S. Paulo (1Ts 5, 27), ao dizer: Thessalon. ultimo dicens: “Adiuro
vos per Dominum, ut legatur epi-
“Conjuro-vos, pelo Senhor, que esta stola hæc”; et Princeps Sacerdotum
carta seja lida”; o sumo sacerdote adju- Christum per Deum vivum adiura-
vit (Mt 26); et sic Ecclesia mediis
rou Cristo pelo Deus vivo (Mt 26, 63); Exorcismis dæmones adiurat.
assim também a Igreja, por meio de
exorcismos, adjura demônios.

2.º Divide-se em solene e privada. É sole- Secundo dividitur in solemnem et


ne quando feita do modo prescrito e privatam. Solemnis est quæ fit
modo ab Ecclesia tradito, et per mi-
por ministros especialmente designa- nistros ab ea specialiter designatos
et consecratos; privata vero est quæ
dos e consagrados pela Igreja; é priva- prædicta solemnitate caret.
da se carece da referida solenidade.

3.º Pode-se dividir esta adjuração em pró- Tertio dividi potest hæc adiura-
tio in propriam et impropriam:
pria e imprópria. Por aquela, invoca-se illa est qua contestamur Deum,
a Deus, ou aos santos na medida em et Sanctos prout ad Deum dicunt
relationem seu iuxta sanctitatem
que se referem a Deus ou conforme a ab eo receptam; ista vero dicitur
santidade dele recebida; por esta, in- quando Sanctos secundum se aut
secundum propria merita et excel-
vocam-se os santos em si mesmos, ou lentiam contestamur. Et ratio est
por referência à excelência e aos mé- quia prima habet summam vim ad
impetrandum, secus vero ista. Sic
ritos próprios. A razão disso é que a

16
P o n t o I : D ef i n i ção e C l a ss es d e Ad j u r ação

communiter DD. supra citati. His primeira tem virtude máxima para
ergo præmissis,
impetrar, ao contrário desta. Dito isso,

Inquires primo: An adiuratio sit pergunta-se: 1.º É a adjuração ato de al- 3


actus alicuius virtutis? Breviter ad
hanc quæstionem respondetur, di- guma virtude?
cendo adiurationem proprie sump-
tam esse actum Religionis. Et ratio Responde-se brevemente à questão que a
est quia tunc exhibetur Deo sum-
mus honor, qui est actus proprius adjuração própria é ato da virtude da reli-
Religionis, cum eius auctoritatem gião. A razão é que se presta a Deus o má-
tamquam valde apud homines po-
tentem interponimus ad postulata ximo reconhecimento, ato próprio da re-
consequenda; sed hoc fit in actu
adiurationis proprie sumptæ; ergo
ligião, quando se interpõe sua autoridade
est proprie actus Religionis. Si vero aos homens para alcançar, em razão de seu
adiuratio sit impropria, non est
actus Religionis: pertinebit tamen
poder, o que a eles se pede; ora, é isso o que
ad cultum hyperduliæ, si per B. Vir- se faz no ato de adjuração própria; logo, é
ginem fiat; et duliæ, si per ceteros
Sanctos exequatur. propriamente ato da virtude da religião. Se,
por outro lado, for imprópria, a adjuração
será, não já ato da virtude da religião, mas
parte do culto de hiperdulia, se dirigida à
bem-aventurada Virgem, ou de dulia, se
aos outros santos.
Unde patet primo, distinctio adiu- É, pois, evidente que a adjuração se distin-
rationis ab aliis Religionis actibus:
Quia per orationem, verbi gratia, gue dos outros atos da virtude da religião:
aliquid a Deo petimus; sed per pela oração, v.gr., pede-se algo a Deus, pela
adiurationem, propter Deum peti-
tur; at si aliquando cum adiuratione adjuração se pede por Deus; mas se, além de
simul a Deo aliquid petimus, tunc adjurar, se pede algo, então se unem adju-
coniungitur adiuratio cum oratio-
ne. Distinguitur etiam a iuramen- ração e oração. Distingue-se ainda do jura-
to: Quia in iuramento adducitur
Deus ut testis veritatis; in adiura-
mento: a) pois o juramento invoca a Deus
tione vero ut obiectum amoris vel como testemunha da verdade; a adjuração,
timoris eius quem adiuramus, ut
sic adducatur ad faciendum aut
como objeto de amor ou temor do adjura-
omittendum quod ab eo exigitur; do, a fim de o mover a fazer ou a omitir o
Vel quia in iuramento tibi divinam
auctoritatem interponis ad verita- que lhe é exigido; b) o juramento apela à
tem confirmandam; in adiuratione autoridade divina a fim de confirmar uma
vero non tibi, sed aliis interponis, ut
moveantur eius timore, aut amore, verdade; a adjuração a invoca para induzir

17
S O B RE A A D J U RAÇÃO

outro, por temor ou amor a Deus, a fazer o ad postulationi annuendum. Patet


etiam secundo, quod licet non de-
que se pede. tur aliquod adiurationis speciale
præceptum naturale aut divinum,
Também é evidente que, embora não haja quia quidquid per adiurationem
exoptatur, potest per orationem
um preceito específico, natural ou divino, fieri; tamen, ex obligatione proprii
muneris et officii, per accidens po-
de adjurar, pois o que se deseja por adju- test dari præceptum Ecclesiasticum
ração pode alcançar-se pela oração, toda- adiurationis, nam, supposita obsessi
necessitate, tenemur ratione officii
via, por obrigação de cargo ou ofício, pode Ecclesiæ Ministri, ei exorcismis
dar-se per accidens um preceito eclesiástico subvenire. Hucusque dicta tenent
Sanchez (num. 1, 2 et 4), Suarez
de adjurar, na medida em que, suposta a (cap. 1 e 4), Filliucius (tract. 24, cap.
necessidade do possesso, os ministros da 8, a num. 201), Palaus (num. 9 et
10) et Trullench (num. 1).
Igreja estão obrigados por ofício a socorrê-
-lo com exorcismos.

4 2.º Em que condições é lícito adjurar? Inquires secundo: Quæ conditiones


requirantur ut adiuratio sit licita?
Respondetur quod, cum adiuratio
Sendo a adjuração como que certa espécie sit veluti quædam iuramenti spe-
de juramento, sua honestidade deve satis- cies, ut honesta sit, requirit eosdem
tres comites quos iuramentum, de
fazer às mesmas condições que o juramen- quibus diximus (Tom. 4, tract. 17,
to: verdade, justiça e juízo. cap. 2, punct. 4), scilicet: veritatem,
iustitiam et iudicium. Quare ratione
veritatis tenetur adiurans: primo,
a) Em razão da verdade, quem adjura deve: α) procedere vero animo impetrandi
proceder com verdadeira intenção de impe- postulata; secundo, per Deum ve-
trar o que pede; — β) adjurar pelo verdadei- rum et non per falsum, ut Iovem
aut Dianam, adiurare; tertio, debet
ro Deus, e não por um falso, como Júpiter esse verum adiurationis motivum.
ou Diana; — γ) ter verdadeiro motivo para Deinde ratione iustitia exigit adiu-
adjurar. ratio, ut sit licita, quod res postulata
honesta sit; si enim turpis est, valde
Deo iniuriosum est, quia indicat
b) Em razão da justiça, a licitude da adjura- per eam res pravas Deo placere.
ção pressupõe a honestidade do pedido; do Ultimo, ratione iudicii, petit quod
contrário, será injuriosa a adjuração, pois debita reverentia et consideratione
fiat, non enim temere et passim Dei
com ela se indica que a Deus agradam coi- et Sanctorum merita contestanda
sas más. sunt.

c) Por último, em razão do juízo, cumpre que


se faça o pedido com a devida reverência e
consideração, pois os méritos de Deus e dos

18
P o n t o I : D ef i n i ção e C l a ss es d e Ad j u r ação

Qualis vero sit culpa si quis præd- santos não devem ser invocados de maneira
ictos comites non observet? Di-
cendum est: quod nisi per falsum
temerária e corriqueira.
numen adiuratio fiat, aut ad rem
graviter turpem obtinendam, reli- 3.º Que culpa tem quem as não observa?
qui defectus in comitibus adiuratio-
nis commissi, regulariter leves cul-
pæ sunt. Videantur Sanchez (num.
Deve-se dizer que, a menos que se adjure
5), Suarez (cap. 4), Palaus (num. 5), em nome de um deus falso ou para obter
Bonacina (num. 11), Leander (a q.
3), et quæ infra dicemus punct. 6, algo gravemente torpe, os demais defeitos
a num. 50. nos requisitos da adjuração são, em regra,
culpas leves.

19
Ponto II Punctum II
QUEM PODE ADJURAR? QUI POSSINT
ADIURARE; ET QUI
A QUEM SE PODE SINT ADIURANDI?
ADJURAR?

5 Tendo explicado a essência, a divisão e as Postquam essentiam, divisionem et


conditiones adiurationis tradidi-
condições da adjuração, resta-nos tratar de mus, restat ad alia dubia descende-
outras dúvidas, muitas delas compreendi- re; quorum plura sub se continet ti-
tulus propositæ quæstionis, et ideo
das no título da questão proposta, razão divisive decidenda sunt. Et circa
por que devem ser resolvidas separada- primam difficultatem propositam
levis est inter DD. controversia:
mente. omnes enim asserunt quod, si lo-
quamur de adiuratione privata, seu
non solemni, tam Deus quam om-
§1. Quem pode adjurar? nis creatura rationalis potest alios
adiurare. Et ratio est: Tum, quia
Deus per contestationem sui amo-
A primeira dificuldade é ponto quase pa- ris potest adducere creaturas ad
aliquid agendum vel omittendum;
cífico entre os doutores. Todos, com efeito, sed hoc est proprie adiuratio; ergo
declaram que Deus adiurare potest; Tum etiam,
quoniam tam Angeli boni et mali,
quam homines, possunt aliis Dei
CONCLUSÃO 1.ª nomen et Sanctorum proponere, ut
Se a adjuração é privada ou não solene, eius amore et timore moveantur aut
compellantur ad exequenda postu-
tanto Deus como a criatura racional po- lata; ergo, et alios adiurare. Si vero
dem adjurar a outros. sermo sit de adiuratione solemni,
etiam est certum quod non omnis
creatura, sed tantum Ministri ab
Explicação. Porque: 1) Deus, pela invocação Ecclesia ad id destinati, scilicet
de seu amor, pode induzir a criatura a fazer ou a exorcistæ, possunt solemniter adiu-
omitir algo, o que é propriamente uma adjuração; rare, cum ob hanc rationem talis
adiuratio solemnis dicatur.
logo, Deus pode adjurar; — 2) tanto os anjos bons
e maus quanto os homens podem interpor a ou- Quod autem utraque hæc potestas
trem o nome de Deus e dos santos para o induzir sit in Ecclesia Dei a Christo data,
patet ex pluribus sacræ Paginæ testi-
ou compelir, por amor e temor divinos, a fazer o moniis. Nam loquendo de omnibus

20
P o n t o II : Q UEM P O D E A D JURAR ? A Q UEM S E P O D E A D JURAR ?

fidelibus, dicitur Marci cap. 16 vers. que se pede; logo, também eles podem adjurar. Se,
17: “Signa autem eos, qui credide-
rint, hæc sequentur: in nomine meo
por outro lado, se trata de adjuração solene, é igual-
dæmonia eiicient”. Et cum Christi mente certo que nem toda criatura, mas somente
discipuli dicerent: “Domine, etiam os ministros da Igreja para isso deputados, i.e., os
dæmonia subiiciuntur nobis in no-
mine tuo”, ait illis Lucæ 10 vers. 19:
exorcistas, podem adjurar solenemente, já que essa
“Ecce dedi vobis potestatem calcan- é a razão de tal adjuração chamar-se solene.
di super serpentes et scorpiones, et
super omnem virtutem inimici, et Pois bem, que a Igreja de Deus tenha rece-
nihil vobis nocebit”. Ex quo testi-
monio clare constat Christum Ec- bido de Cristo ambos os poderes, consta de
clesiæ fidelibus, et specialiter eius
Ministris, concessisse virtutem ad
muitos testemunhos da Sagrada Escritura:
expellendos dæmones ab energume-
nis. Quapropter Ecclesia instituit a) De todos os fiéis é dito: “Estes são os
specialem ordinem Exorcistarum,
in quo confertur singulis potestas
sinais que acompanharão aqueles que
ad adiurandos solemniter dæmones. crerem: em meu nome expulsarão de-
Dicta tenent omnes SS. Patres et
Theologi. Videantur Thyræus (par. mônios” (Mc 16, 17);
3 De locis infestis, cap. 37), Suarez
(lib. 4, cap. 22, num. 1), Torre (II- b) E como os discípulos dissessem: “Se-
II, q. 90, a. 2, disp. 1), Palaus (tract.
14, disp. 4, punct. 3), Sanchez (lib. 2 nhor, até os demônios se submetem a
Summæ, cap. 42, num. 18), Leander nós em teu nome”, Cristo lhes disse:
(tract. 9, disp. 5, tr. 19 et 20) et Trul-
lench (In Decalog. lib. 1, cap. 10, dub. “Eis que vos dei poder de pisar serpen-
14, num. 8). tes e escorpiões, e de vencer toda a for-
ça do inimigo, e nada vos fará dano”
(Lc 10, 17ss), testemunho do qual
claramente se depreende que Cristo
concedeu aos fiéis da Igreja, especial-
mente aos ministros dela, o poder de
expulsar demônios de energúmenos. 6

Por essa razão a Igreja instituiu a or-


dem especial do exorcistado, onde a 7

6. Pessoa possuída pelo demônio ou que age como um


possesso. Etim.: Da palavra grega ἐνεργούμενος (ener-
goúmenos), que tem origem no verbo ἐνεργέω (energéō,
“influenciar”).
7. Uma das quatro ordens menores (ostiariato, leitorato,
exorcistado, acolitato) vigentes na Igreja latina até a refor-
ma litúrgica posterior ao Concílio Vaticano II, que pas-

21
S O B RE A A D J U RAÇÃO

cada um se confere o poder de adjurar


solenemente os demônios.

6 1.º É igual em todos os homens este poder? Sed rogabis primo: An hæc potestas
sit in omnibus hominibus æqualis?
Ad quod sub distinctione est re-
Resp.: Distingo. Se falamos do poder de spondendum. Quia si loquamur de
Ordem, é igual em todos, pois não se con- Ordinis potestate, hæc in omnibus
est æqualis, cum non ex virtute
fere pela virtude do conferente ou pelos conferentis aut meritis recipientis
méritos do recipiente; logo, assim como na conferatur; unde sicut in ordine
Presbyteratus æqualis omnibus con-
ordem do presbiterato se confere a todos fertur potestas ad consecrandum,
igual poder de consagrar, assim também sic etiam in ordine Exorcistatus
æqualis omnibus tribuitur potestas
na ordem do exorcistado se atribui a todos ad dæmones expellendos. Si vero
loquamur de alia potestate, quæ in-
igual poder de expulsar demônios. Se, no ter gratias gratis datas enumeratur
entanto, falamos de outro poder, enume- (1Cor. 12), experientia constat non
esse in omnibus æqualem, quia Spi-
rado entre as graças gratis datæ (1Cor 12), ritus Sanctus sua dona dividit prout
a experiência mostra não ser ele igual em vult, et ideo videmus plures maiori
et efficaciori præ aliis exorcistis pol-
todos, porque o Espírito Santo divide seus lere virtute ad arcendos ab obsessis
dons como quer. Por isso vemos em muitos dæmones. Ita Torre (II-II, q. 90, a.
2, disp. 5, num. 17).
exorcistas um poder para exorcizar posses-
sos maior e mais eficaz do que em outros.

7 2.º Para exorcizar possessos, é necessário aos Rogabis secundo: An ad eiiciendos


dæmones ab obsessis, puritas con-
exorcistas pureza de consciência? scientiæ in Exorcistis necessario
requiratur? Affirmant aliqui, quos
Afirmam-no alguns, que o Abulense refere 8
suppresso nomine refert Abulen-
sis in cap. 7 Matthæi, quæst. 33.
sem citar nomes. Em verdade, deve-se sus-
tentar como absolutamente certo que

saram a ser chamadas de ministérios. No exorcistado, o


clérigo recebia o poder de exorcizar possessos em nome
da Igreja.
8. Alonso Fernández de Madrigal, conhecido como el
Tostado ou el Abulense (c. 1410–1455) foi um clérigo,
acadêmico, escritor espanhol e bispo de Ávila de1454 a
1455).

22
P o n t o II : Q UEM P O D E A D JURAR ? A Q UEM S E P O D E A D JURAR ?

Sed verius, et ut omnino certum, CONCLUSÃO 2.ª


tenendum est, puritatem con-
scientiæ seu sanctitatem non esse A pureza de consciência ou santidade
omnino necessariam ad dæmones
expellendos. Quod probatur pri-
não é absolutamente necessária para ex-
mo: nam Matthæi 7 vers. 22, dixit pulsar demônios.
Iesus: “Multi dicent illa die: Do-
mine, Domine, nonne in nomine
tuo prophetavimus, et in nomine
prova. 1.º Em Mt 7, 22, Jesus disse: “Mui-
tuo dæmonia eiecimus, et in nomi- tos dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor,
ne tuo virtutes multas fecimus? Et
tunc confitebor illis, quia nunquam
não profetizamos nós em teu nome, e em
novi vos; discedite a me, qui opera- teu nome expulsamos demônios, e em teu
mini iniquitatem”. Ergo stat, quod
aliquis dæmonia eiiciat, et tamen nome fizemos muitos milagres?’ E então eu
in peccato existat. Idem constat ex lhes direi: ‘Nunca vos conheci! Afastai-vos
Lucæ 9 et 10, et Marci 9, necnon
Act. Apostol. 19. Quapropter dixit de mim, vós que operais a iniquidade’”;
Beatus Cyprianus (De unitate Ec- logo, está provado que se pode expulsar
clesiæ circa medium): “Prophetare,
et dæmonia excludere, et virtutes demônios, embora se esteja em pecado
magnas in terris facere, sublimis
utique et admirabilis res est; non ta-
mortal. O mesmo consta de Lc 9–10, Mc
men Regnum Cælorum consequitur 9 e At 19. Por isso disse S. Cipriano: “Pro-
quisquis in his omnibus invenitur,
nisi recti et iusti itineris observatio-
fetizar, expulsar demônios e fazer grandes
ne gradiatur”. Et Christus Dominus milagres na terra é decerto sublime e admi-
ad Apostolos ait (Lucæ 10) non esse
gloriandos ex eo quod dæmones eis rável; mas quem faz todas essas coisas não
subiicerentur, sed: “Gaudete autem alcança o Reino dos céus se não anda na
quod nomina vestra scripta sunt in
Cælis”. Secundo, probatur assertio: observância do caminho reto e justo”. Cris-
nam Cayphas (Ioannis 11) prophe- to Senhor disse aos Apóstolos que não se
tavit convenientiam mortis Christi,
et Balaam etiam futura revelavit gloriassem de que os demônios lhes fossem
(Num. 22), et tamen uterque actua-
liter erant gravissimi peccatores;
sujeitos, mas: “Alegrai-vos porque vossos
ergo et Exorcistæ possunt in pec- nomes estão inscritos nos céus”.
cato existentes dæmones expellere.
Patet consequentia, cum tam gratia
Prophetiæ, quam pellendi dæmones,
2.º Caifás profetizou a conveniência da
sint gratiæ gratis datæ; ergo si pri- morte de Cristo, e Balaão revelou coi-
ma compatitur cum peccato, etiam
secunda. Sic communiter Doctores; sas futuras, e no entanto estavam ambos
maxime Abulensis citatus (quæst. em gravíssimo pecado; logo, também os
32, 33 et 34), Sanchez (num. 16),
Trullench (num. 6), Leander (q. exorcistas em pecado podem expulsar
51), Torre (II-II, q. 90, a. 2, disp. 7), demônios. A consequência é evidente,
Thyræus (p. 3, cap. 39).
pois tanto a graça de profecia quanto a de
expulsar demônios são gratis datæ; logo,

23
S O B RE A A D J U RAÇÃO

se a primeira coexiste com o pecado, a


segunda também.

Mas ainda assim não se pode negar que Sed licet hæc ita sint, tamen, nega-
ri non potest quod valde iuvat vitæ
muito ajuda a santidade de vida para ex- sanctitas ad arcendos dæmones:
8 pulsar demônios. Por isso, os que desem- quare enixe curare debent qui hoc
officio funguntur, ut nulla lethalis
penham este ofício cuidem zelosamente peccati conscientia graventur dum
para não ter a consciência agravada por dæmones adiurare tentant; alias, dif-
ficillime optata consequuntur. Quod
mancha de culpa mortal enquanto tentam quidem suaderi potest exemplis eo-
exorcizar demônios; do contrário, ser-lhes- rum, quos legimus spiritus Nequam
ab obsessis eiecisse; nam plerique
-á dificílimo conseguir o que pretendem. ex his egregia sanctitate claruerunt,
O que, de resto, pode ser corroborado ut sacras Historias sedulo evolven-
ti clare patebit. Quapropter Torre
pelo exemplo daqueles que lemos terem (II-II, q. 90, a. 2, disp. 8, a num.
11), Thyræus (cap. 40) dicunt quod
expulsado de possessos espíritos imundos; fere nunquam Exorcista hæreticus
pois muitos deles brilharam por sua emi- dæmonia eiiciet. Tum etiam quia,
experientia teste, nunquam legimus
nente santidade, como ficará claro a quem hæreticos dæmonia eiecisse, ut late
ler com cuidado as histórias sagradas. Eis probant prædicti Doctores locis
citatis exemplo Lutheri, Calvini et
por que dizem Torquemada e Thyreus que aliorum huius classis, qui frustra
um exorcista herético quase nunca expul- pluries hæc mira conati sunt opera-
ri; ergo signum est quod his scelera-
sará demônios. A experiência mesma o tis hominibus non vult Deus, ne in-
comprova, pois nunca se ouviu dizer que firmos pervertant, dictam eiiciendi
dæmones potestatem confere.
hereges tenham expulsado demônios, o
Unde iustissime hæc concludimus
que é amplamente demonstrado pelos re- dicendo: in Ministris huius excel-
feridos doutores com base no exemplo de lentis muneris plures conditiones
requiri, ut ei plene satisfaciant.
Lutero, Calvino e outros dessa laia, que em Primo, quando cum Principe huius
vão tentaram mais de uma vez operar tais Mundi, et tenebrarum harum, qui ut
fortis armatus arcis humanæ atrium
maravilhas; eis, portanto, um sinal de que custodit, Exorcista certamen inire
Deus não quer conceder a tais ímpios, para contendit, debet conscientiam scopa
Sacramenti Pænitentiæ absterge-
não perverterem os fracos, o poder de ex- re. Secundo, ferventi orationi prius
pulsar demônios. insistere. Tertio, proprium corpus
ieiunio affligere. Quarto, cum ma-
gna animi submissione hoc prælium
Escólio. Donde concluímos que, nos ministros aggredi. Quinto, ferventi divino
deste nobre ofício, se requerem muitas condições amore flagrare. Et denique sexto,
para que o cumpram plenamente. Ao descer à ba- solo divino auxilio fretus victoriam
ab eo unice expectare. His ergo
talha contra o príncipe deste mundo e das trevas, armorum præsidiis cataphractus

24
P o n t o II : Q UEM P O D E A D JURAR ? A Q UEM S E P O D E A D JURAR ?

securus signa cum veterato hoste que qual valente armado [cf. Lc 11, 21] guarda o
conferre potest.
palácio da cidadela humana, deve o exorcista

1. limpar a consciência no sacramento da Pe-


nitência;
2. aplicar-se primeiro à fervorosa oração;
3. afligir-se no corpo pelo jejum;
4. entrar na batalha com grande humildade de
espírito;
5. abrasar-se de amor fervoroso a Deus;
6. e enfim, apoiado apenas no auxílio divino,
esperar unicamente dele a vitória.

Munido destas armas, poderá carregar seguro os


estandartes contra o antigo inimigo.

§2. A quem se pode adjurar?


Circa secundam difficultatem de Acerca da segunda dificuldade, i.e., dos 9
his, scilicet, qui adiurare possunt,
inquires primo: An omnis et sola que podem ser adjurados, pergunta-se:
creatura rationalis possit licite a no-
bis adiurari. Ante decisionem quæs- 1.º Todas as criaturas racionais, e só elas,
tionis propositæ, nota ex professo
nos minime inquirere an Deus pos- podem ser licitamente adjuradas por nós?
sit adiurari, quia affirmativa pars est
certissima, et a D. Thoma (II-II, q. Explicação. Antes de resolver a questão propos-
90, a. 1 ad 3) supponitur. Et ratio est
ta, atente-se a que não perguntamos ex professo
quia sæpissime, repræsentata eius
infinita bonitate, aut Sanctorum se Deus pode ser adjurado, porque a resposta
meritis, ab eo plura beneficia peti- afirmativa é certíssima e suposta por S. Tomás.
mus; et Ecclesia quotidie, propositis
A razão é que com muita frequência recorremos
Christi meritis, Deum ad postulata
concedenda intendit movere; sed à sua infinita bondade ou aos méritos dos santos
hoc est adiuratio deprecativa; ergo para lhe pedir diversos benefícios; e a Igreja, por
hac Deus adiurari potest. Divum
intermédio dos méritos de Cristo, busca todos os
Thomam sequuntur Palaus (pun-
ct. 3, num. 3), Suarez (lib. 4, cap. dias mover a Deus a conceder o que lhe pede; ora,
2, num. 3), Sanchez (lib. 2 Summæ, isso é adjuração deprecativa; logo, pode-se adju-
cap. 42, num. 12) et alii. Quare tota
rar a Deus. Nesse sentido, toda a dificuldade versa
difficultas est circa creaturas.
sobre as criaturas.

25
S O B RE A A D J U RAÇÃO

10. objeções. Em defesa da resposta ne-


gativa:

1.ª O demônio é uma criatura racional,


10 Pars negativa suaderi potest. Primo:
mas não pode ser adjurado, pois não quia dæmon est creatura rationalis;
age por amor, ou por temor a Deus sed hic adiurari nequit, cum non
operetur ex amore, aut timore Dei,
ou aos méritos dos santos, tal como o vel meritorum Sanctorum, qualiter
requer a adjuração, senão por ódio a ad adiurationem requiritur, sed po-
tius ex Dei odio; ergo non omnis
Deus; logo, nem toda criatura racional creatura rationalis adiurari potest.
pode ser adjurada. Secundo: quia qui aliquem adiu-
rat, habet societatem cum illo; sed
non licet cum dæmone societatem
2.ª Quem adjura tem parte com o adju- habere; ergo. Tertio: Ecclesia habet
rado; ora, não é lícito ter parte com o Exorcismos contra locustam, bru-
chum, nubes, grandines, quibus ab
demônio; logo, etc. eius Ministris adiurantur; sed hæc
sunt creaturæ irrationales; ergo non
sola creatura rationalis adiurari po-
3.ª A Igreja tem exorcismos contra gafa- test. Quarto: nam praxis est apud
nhotos, pulgões, nuvens e geadas, com aliquas nationes locustas, bruchos
et alios vermiculos in iudicium
os quais as adjura por meio de seus evocare, et constitutis advocato et
ministros; ora, estas criaturas são irra- procuratore, contestataque lite ana-
thematizare, ut refert Delrius (libr.
cionais; logo, não é só a criatura racio- 3 Disq. Magic. par. 2, quæst. 4, sect.
nal a que pode ser adjurada. 8); ergo etiam licitum est creaturas
irrationales adiurare. Sic tenent
Cassaneus (consil. 1, num. 123, par.
4.ª Em algumas nações, é costume cha- 5), Sprenger in Malleo Malef icarum
mar a juízo gafanhotos, pulgões e ou- (tom. 2, q. 2, cap. 1) et Felix Malleol.
(tom. 2, lib. 6).
tros vermes, e, constituídas acusação e
defesa, e resolvida a lide, excomungar,
como refere Delrio; logo, é lícito adju-
rar criaturas irracionais.

26
P o n t o II : Q UEM P O D E A D JURAR ? A Q UEM S E P O D E A D JURAR ?

É, não obstante, de todo em todo certo que 11


Sed ut omnino certo tenendum est,
omnem et solam creaturam rationa-
lem posse licite adiurari. Et quidem CONCLUSÃO 3.ª
si sermo est de Sanctis Angelis et Qualquer criatura racional, e somente
hominibus liquet: quia omnes isti,
contestatione Dei et Sanctorum, ela, pode ser licitamente adjurada.
adduci possunt ad postulata conce-
denda; ergo, et adiurari adiuratione
saltem deprecativa.
Isso é evidente, em se tratando dos santos
anjos e dos homens, porque todos eles, pela
Quoad dæmones, in quibus videtur
esse aliqua difficultas, probatur pri-
invocação de Deus e dos santos, podem ser
mo: quia, licet illicitum sit dæmon- induzidos a conceder o que é pedido; logo,
es adiuratione deprecativa adiurare,
et petere a superiore, ut inferiorem podem ser adjurados, ao menos por adju-
expellat, quia “illo modus adiuran- ração deprecativa.
di” (ait Divus Thomas II-II, q. 90,
a. 2 in corpore) “videtur ad quam-
dam benevolentiam vel amicitiam No caso dos demônios, sobre o que parece
pertinere, qua non licet ad dæmon- haver dificuldade, prova-se primeiro por-
es uti. Nec licitum est eos adiurare
ad aliquid ab eis addiscendum, vel que, embora seja ilícito adjurar demônios
etiam ad aliquid per eos obtinen- com adjuração deprecativa, e pedir a um
dum, quia hoc pertinet ad aliquam
societatem cum ipsis habendam; superior que expulse o inferior: porque “tal
nisi forte ex speciali instinctu, vel
revelatione divina, aliqui Sancti ad
modo de adjurar”, diz S. Tomás, “parece
aliquos effectus dæmonum ope- implicar certa benevolência ou amizade, o
ratione utantur”; attamen non est
illicitum eos adiurare imperativa
que não é lícito ter com os demônios; tam-
adiuratione. Tum quia licet sint no- pouco é lícito adjurá-los a fim de aprender
bis superiores, tamen Ecclesia est
illis superior, et nobis confert vir- algo com eles ou deles, pois isso implica
tutem a Christo datam ad eos ar- ter parte com os demônios; mas excetua-
cendos et repellendos, ne nobis spi-
ritualiter aut corporaliter noceant, -se o caso em que, por instinto especial ou
ut constat ex illo Lucæ 10: “Ecce revelação divina, alguns santos se servem
dedi vobis potestatem calcandi
supra serpentes et scorpiones, et da operação dos demônios para alcançar
supra omnem virtutem inimici, et
nihil vobis nocebit”. Et Marci ul-
certos efeitos”; contudo, não é ilícito adju-
timo: “In nomine meo dæmonia rá-los com adjuração imperativa, porque,
eiicient”. Et non solum Ecclesiæ
ministris Christus hanc virtutem
sendo embora superiores a nós, a Igreja é
contulit, sed etiam omnibus Christi superior a eles e nos transmite o poder que
fidelibus, iuxta illud Marci ultimo:
“Signa autem eos, qui crediderint, Cristo lhe conferiu de os afastar e expulsar,
hæc sequentur: in nomine meo para que não nos façam mal física ou es-
dæmonia eiicient”. Sed hæc falsa
essent, nisi in nobis esset potestas, piritualmente, como consta do Evangelho:

27
S O B RE A A D J U RAÇÃO

a) de S. Lucas: “Eis que vos dei poder de pisar seu virtus ad adiurandos dæmones;
ergo licite eos adiurare adiuratione
serpentes e escorpiões, e de vencer toda a coactiva possumus, eos compellen-
força do inimigo, e nada vos fará dano” (Lc do ut ab obsessis exeant, nocereque
10, 19); desistant. Divum Thomam sequun-
tur Sanchez (lib. 2 Summæ cap. 42,
num. 15), Bellarminus (tom. 2 De
b) e de S. Marcos: “Em meu nome expulsarão Sacram. lib. 1, cap. 25), Petrus Le-
demônios” (Mc 16, 17). desma (par. 2, tract. 11, cap. 6, con-
cl. 2), Trullench (lib. 1, cap. 10, dub.
Ora, Cristo não deu esse poder somente aos 14, num. 5), Palaus (tract. 14, disp.
4, punct. 3, a num. 3), Suarez (lib.
ministros da Igreja, mas a todos os fiéis: “Es- 4, cap. 3, num. 6), Læssius (lib. 2,
tes são os sinais que acompanharão aqueles cap. 42, dub. 13, num. 70), Leander
(quest. 24, disp. 5 relatæ), Filliucius
que crerem: em meu nome expulsarão de- (tract. 24, cap. 8, num. 207), Bona-
cina (disp. 2, quæs. 1, punct. ult.,
mônios” (Mc 16, 17). Mas tudo isso seria num. 2).
falso se não houvesse em nós um poder
ou virtude para adjurar os demônios; logo,
podemos licitamente adjurá-los com adju-
ração coativa, compelindo-os a sair dos pos-
sessos e a desistir de lhes fazer mal.

12 Quanto à segunda parte, ou seja, que so-


Quoad aliam partem, scilicet, quod
mente a criatura racional, e não a irracio- sola creatura rationalis, non vero
nal (como gafanhotos, pulgões etc.), pode irrationalis, ut locusta, bruchus, pul-
gón etc. possit directe adiurari, patet
ser diretamente adjurada, é evidente a con- nostra conclusio. Nam incapax est
adiurationis, qui adiurantis verba
clusão. Com efeito, é incapaz de ser adju- et Exorcismos Ecclesiæ percipere
rado o que não pode apreender as palavras nequit, cum adiuratio sit opus ra-
tionis practicæ; sed creaturæ irratio-
de quem adjura e os exorcismos da Igreja, nales verba adiurantis, et Ecclesiæ
visto ser a adjuração obra da razão práti- Exorcismos percipere nequeunt, ut
constat; ergo incapaces sunt adiu-
ca; ora, as criaturas irracionais não podem rationis. Tunc sic: sed gravis irre-
apreender as palavras de quem adjura nem verentia est, Exorcismos Ecclesiæ
applicare vane et inutiliter, et rei
os exorcismos da Igreja, como é sabido; omnino incapaci; ergo illicitum est
logo, são incapazes de ser adjuradas. Assim creaturas irrationales adiurare, et
consequenter sola creatura rationa-
sendo, <argumentamos>: ora, é grave irre- lis licite adiurari valet. Hæc tenent,
præter supra relatos, Sotus (lib. 5 De
verência aplicar os exorcismos da Igreja em Iustitia et Iure, q. 12, art. 2), Delri-
vão e inutilmente e contra coisas de todo us (Disq. Magic., par. 2, q. 4, sec. 8),
Torre (II-II, q. 90, a. 3, disp. unica,
inaptas; logo, é ilícito adjurar criaturas ir- num. 7), Navarrus (lib. 5 Consil.,
titulo de Sententia Excommunicatio-

28
P o n t o II : Q UEM P O D E A D JURAR ? A Q UEM S E P O D E A D JURAR ?

nis, cons. 2), Turreblanca (lib. 9 Iuris racionais e, por consequência, somente é
Spirt. cap. 13), Læssius (lib. 2, cap.
42, dub. 13, num. 72). lícito adjurar criaturas racionais.

resposta. Ad 1.am Embora não se peça ao 13


Ad primum argumentum respon-
detur ex Sanchez (num. 15) cui demônio que saia do corpo do possesso ou
adhærent Palaus (num. 3), Trullen- que deixe de lhe fazer mal em razão da gló-
ch (num. 5), Leander (quæs. 42),
quod quamvis a dæmone non pe- ria e por reverência ao nome de Deus, tal
tatur ut exeat a corpore obsessi, vel como o exige a essência da adjuração (pois
desinat nocere ob Dei gloriam, et
ob eius nominis reverentiam, quod o pedido seria vão, já que, obstinado no
essentia adiurationis exigit, quia
frustra hoc ab eo peteretur, cum ob
mal, o demônio tudo faz por ódio a Deus
propriam in malo obstinationem e aos homens), é não obstante adequado
omnia ex odio Dei et hominum
agat, nihilominus optime dicitur
dizer que ele é adjurado pelo exorcismo.
per Exorcismos adiurari: quia sicut Com efeito, assim como os homens, adju-
dum homines adiuramus per conte-
stationem rei sacræ, eos inducimus rados pela invocação de algo sagrado, são
ut eius reverentia, amore aut timore, induzidos por reverência, amor ou temor
aliquid faciant aut omittant, ita per
eamdem contestationem dæmones a Deus a fazer ou a omitir algo, assim tam-
compellimus, ut ab obsessis rece- bém, por igual invocação, os demônios são
dant, hominibusque nocere, et sic ex
odio, omittant; et ob hanc similitu- compelidos a sair dos possessos e a deixar
dinem recte dicuntur adiurari, etsi
nihil agant ob Dei reverentiam.
de fazer mal aos homens, e isso por ódio;
ora, à luz de tal semelhança, é correto dizer
que os demônios são adjurados, ainda que
nada façam por reverência a Deus.

Ad 2.am Quando ordena ao demônio pela


Ad secundum dicimus quod adiu-
rans dæmonem imperando per con-
invocação de algo sagrado, quem adju-
testationem rei sacræ, nihil ab eo ra nada lhe pede nem lhe implora auxílio
petit, nec ab eo implorat auxilium
ad aliquid agendum aut cognoscen-
para fazer ou conhecer algo, o que seria
dum, hoc enim esset adiurare adiu- adjurar com adjuração deprecativa e, con-
ratione deprecativa, et consequenter
societatem cum dæmone habere; sequentemente, ter parte com o demônio;
sed adiurat adiuratione coactiva, ao contrário, adjura-o com adjuração coa-
quod potius est, ait Divus Thomas a.
2 ad 3: “ab eius societate recedere”, tiva, o que em verdade, como diz S. Tomás,
cum compellat agere id quod dæm- é “afastar-se da comunhão do demônio”,
on odit et execrat.
forçando-o a fazer o que odeia e abomina.

29
S O B RE A A D J U RAÇÃO

14 Ad 3.am Concedemos que a Igreja tenha


Ad tertium argumentum, concedi-
exorcismos contra gafanhotos, pulgões, mus Ecclesiam habere Exorcismos
nuvens e outros animais irracionais, mas contra locustam, bruchum, nubes
etc. aliaque animalia irrationabilia,
negamos que tais exorcismos se dirijam sed negamus hos Exorcismos im-
mediate contra ea procedere: nam
imediatamente a estas criaturas. Com cum hæc animalia, Deo sic per-
efeito, Deus pode permitir que os demô- mittente, ad nocendum moveantur
a dæmonibus, non dirigir Ecclesia
nios movam animais para nos fazer mal; Exorcismos, ut eos legenti patebit,
por isso, quem ler os exorcismos da Igreja ad adiuranda animalia irrationabi-
lia, sed ad invisibiles eorum moto-
verá que ela não os emprega para adjurar res, qui sunt dæmones. Quapropter
animais irracionais, mas aos seus motores nihil contra nostram assertionem
ex hoc convincitur. Videatur Divus
invisíveis que são os demônios. Por isso, Thomas (II-II, q. 90, a. 3 in cor-
pore).
[a objeção] não prova nada contra a nossa
proposição.

Ad 4.am Tal prática é não só ilícita como


Ad quartum dicimus, prædictam
gravemente pecaminosa, pois é supersti- praxim esse illicitam: immo ut ait
cioso crer que uma sentença de excomu- Palaus (num. 6) graviter pecca-
minosam, cum superstitiosum sit
nhão proferida contra entes irracionais credere, sententiam excommunica-
possa ter contra eles qualquer força; logo, tionis contra irrationabilia latam,
posse contra ea vim aliquam habere.
se estes animais às vezes lhe obedecem, Unde, si aliquando dicta animalia
tal se dá não por virtude da sentença, mas prædictæ sententiæ obediunt, hoc
non accidit ob eius virtutem, sed
porque o demônio que os controla faz isso quia dæmon, qui ea regit, hæc agit,
ut efficacius hanc superstitionem
para mais eficazmente persuadir os ho- hominibus suadeat, fortiusque in ea
mens desta superstição, mais fortemente os implicatos relinquat, et facilius ad
tartara detrudat.
manter nela e mais facilmente os arrastar
ao Inferno.

30
Punctum III Ponto III
DE EXORCISMORUM
ESSENTIA, ET
ESSÊNCIA E EFICÁCIA
EFFICACITATE DOS EXORCISMOS
AD FUGANDOS
DÆMONES

Quia inter modos dæmones adiu- Pois que entre os modos de adjurar de- 15
randi præcipuus est Exorcismorum
usus, ideo ante omnia de eius es-
mônios o principal é o uso de exorcismos,
sentia, existentia, origine et efficacia cumpre antes de tudo tratar de sua essên-
agendum est, et simul transeunter
nonnulla de aliis exorcizandi for- cia, existência, origem e eficácia, e ao mes-
mulis, seu modis dæmones pellendi, mo tempo, de passagem, diremos algo so-
dicemus.
bre outras formas de exorcizar, i.e., outros
modos de expulsar demônios.

§1. Essência
Exorcismus ergo nihil aliud est Pois bem, o exorcismo nada mais é do que
quam illa ratio, qua dæmones per
Deum adiurantur, et ab obsessis a razão pela qual os demônios são adjura-
exire coguntur. Quæ quidem pro dos em nome de Deus e forçados a sair dos
diversitate temporum diversas sor-
titus est formulas. Nam alius exor- possessos, o que assumiu diferentes formas
cizandi dæmones modus fuit in lege
antiqua, et alius in Evangelica. Si-
segundo a diversidade dos tempos. Pois
quidem in lege antiqua, ait Sanctus um foi o modo de exorcizar demônios no
Epiphanius (Contra Ebionæos cap.
3), iudæos, adhibito nomine Dei
Antigo Testamento, outro na Lei do Evan-
TETRAGRAMMATON, dæm- gelho. Com efeito, na Lei antiga — diz S.
ones adiurasse. Et Iosephus (lib. 4
Antiquit. cap. 4) refert Salomonem Epifânio —, os judeus adjuravam os de-
Exorcismos contra dæmones in- mônios usando o tetragrama do nome de
stituisse, quod non improbat Div.
Thom. q. 6 de Potest. art. 10 ad 3, Deus. [Flávio] Josefo afirma que Salomão
referendus ad numer. 32. Et non le- instituíra exorcismos contra os demônios,
viter indicat Christus Dominus, ubi
calumniantibus iudæis in potestate o que S. Tomás não nega. O mesmo, indi-
Beelzebub eiecisse dæmonia, sic re-
spondet (Lucæ 11): “Si ego in Be-
cou-o Cristo Senhor, quando respondeu
elzebub eiicio dæmonia, filii vestri aos judeus que o caluniavam dizendo que

31
S O B RE A A D J U RAÇÃO

expulsava demônios pelo poder de Belze- in quo eiiciunt?”. In quibus verbis


supponit iudæos in lege veteri ha-
bu: “Se é por Belzebu que expulso demô- buisse formam adiurandi dæmones,
nios, vossos filhos expulsam por virtude de et potestatem eos a corporibus ar-
cendi. Immo Torre (II-II, q. 90, a.
quem?” (Lc 11, 19). Com tais palavras in- 2, disp. 2, num. 7) et Gregor. (lib. 16
Syntagmatum iuris, cap. 5, num. 3),
dica que os judeus, no Antigo Testamento, docent: in omni legis statu, sive na-
tinham uma forma de adjurar demônios e turæ, sive scriptæ, sive gratiæ, fuisse
potestatem abigendi dæmones et
o poder de os expulsar dos corpos. Aliás, eos a corporibus expellendi, quæ
ensinam Torquemada e Gregório que em utique diversa a nostra esset.

todos os estados da lei, seja natural, escri-


ta ou da graça, houve o poder de repelir
demônios e expulsá-los dos corpos, ainda
que de modos diferentes do nosso.

16 E mesmo na Lei do Evangelho, não foi ne- Et adhuc in lege Evangelica non
vana apud omnes adiurandi fuit ra-
gligenciada a forma de adjurar: pois Cristo tio: nam alia usus est Christus, alia
utilizou uma, os Apóstolos outra, e os su- Apostoli, et alia Apostolorum suc-
cessores. Christus enim aliquando
cessores dos Apóstolos outra. Com efeito, simplici verbo dæmonia expulit;
Cristo expulsou demônios às vezes só por aliquando diversas orationes et
verba adhibuit: nam cum sanaturus
palavra, às vezes por diversas orações e esset dæmoniacum illum surdum
palavras. Ao curar o possesso surdo-mu- et mutum (de quo Matthæi 9 vers.
32, et Marci 7 vers. 32), primo
do, v.gr., primeiro o tomou à parte dentre ipsum apprehendit et de turba
abduxit, deinde misit digitos suos
a multidão; depois de lhe meter os dedos in auriculam, et expuens tetigit
nos ouvidos, tocou-lhe a língua com saliva; linguam eius, et postea suspi-
ciens in cælum ingemuit, et ait illi
em seguida, levantando os olhos aos céus, EPHPHETHA “quod est adaperi-
deu um suspiro e disse-lhe: “Ephphata, que re; et statim apertæ sunt aures eius,
et solutum est vinculum linguæ
quer dizer abre-te; e imediatamente se lhe eius, et loquebatur recte”. Apostoli
abriram os ouvidos, se lhe soltou a prisão vero in nomine Christi expellebant
dæmonia, brevique formula ad hoc
da língua, e falava claramente”. utebantur, veluti hac: “In nomine
Iesu Christi præcipio tibi dæmon,
Os Apóstolos expulsavam demônios em ut ab hoc homine exeas”. Unde
similis formula usus fuit D. Pau-
nome de Cristo usando fórmulas breves lus, quando condolens de puella
como esta: “Em nome de Jesus Cristo, eu habente spiritum pythonem, dixit
(Actorum 16 vers. 18): “Præcipio
te ordeno, espírito imundo, que saias deste tibi in nomine Iesu Christi exire
ab ea; et exiit eadem hora”.
homem”. S. Paulo usou fórmula semelhante

32
P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

Sed nunc iam Exorcistæ, ex appro- quando, compadecido da jovem que tinha
batione Ecclesiæ, ampliori Exor-
cismorum forma utuntur: nam in um espírito pitônico, disse: “‘Ordeno-te, em
eis miscent plures orationes, aliqua
Evangelia, Sanctorum Litanias,
nome de Jesus Cristo, que saias dela’; e ele
contactum Crucis, aut alicuius re- saiu na mesma hora” (At 16, 18).
liquiæ, et aquam benedictam, ut
constat ex Rituali Romano. Effica-
ciam horum Exorcismorum suadent
Mas, hoje em dia, os exorcistas, com a
clamores, voces, gemitus et eiulatus, aprovação da Igreja, utilizam uma forma
quos in obsessis hominibus sæpiss-
ime dæmones dederunt; et innu-
de exorcismos mais ampla, à qual se acres-
mera exempla eorum, qui nunc a centam muitas orações, alguns evangelhos
dæmonum cruciatibus ipsorum vi
sunt liberati. Et licet veteres Patres e ladainhas dos santos, o contato da Cruz
paucioribus precibus et ritibus in ou de alguma relíquia, e a água benta,
suis exorcismis usi fuerint, ut videri
potest apud Thyræum (par. 3, cap. como se vê no Ritual Romano. A eficácia
46), tamen, ab aliquot sæculis hanc destes exorcismos é corroborada pelos gri-
ampliorem exorcismorum formam,
pietas suasit, eruditio digessit, mi- tos, vozes, gemidos e uivos que os demô-
rabilia comprobant, effectus confir-
mant, et denique Ecclesiæ tolerantia
nios têm produzido muitíssimas vezes nos
corroborat. Unde floci habenda est homens possessos, e pelos inúmeros exem-
hæreticorum censura, quæ nostram
Exorcismorum formam præ antiqua
plos dos que hoje se veem livres da vexa-
carpiunt, cum nihil in ea fit, quod ção demoníaca por força dos exorcismos.
superstitionem redolere possit; quin
potius omnia sunt sancta, pia et ad E conquanto os antigos Padres usassem de
finem intentum satis commoda; et poucas orações e ritos em seus exorcismos,
fere omnia ex Scriptura et Sanctis
Patribus selecta. Unde his omissis, há alguns séculos a piedade tem sugerido;
a erudição, gerado; os prodígios, compro-
vado; os efeitos, confirmado; e a tolerância
da Igreja, corroborado a forma mais ampla
de exorcismos. É, pois, ridícula a censura
dos hereges à nossa forma de exorcizar em
favor da antiga, pois nada há nela que pos-
sa aparentar superstição; antes, pelo con-
trário, tudo é santo, piedoso e adequado ao
fim pretendido; quase tudo, enfim, tirado
da Escritura e dos Santos Padres.

33
S O B RE A A D J U RAÇÃO

§2. Eficácia
17 dificuldade. Têm os exorcismos virtude Inquires primo: An Exorcismi ha-
beant virtutem ex opere operato ad
ex opere operato para expulsar demônios e dæmones expellendos, nocivaque
coibir animais nocivos? animalia arcenda? Ante resolutio-
nem supponendum est, hic non
loqui de virtute physica, quia, etsi
Antes da resolução, supomos não tratar-se hanc non repugnet adesse in exorci-
de virtude física, porque, ainda que não re- smis ad dæmones abigendos, ut late
probat Torre (II-II, q. 90, disp. 15),
pugne terem-na os exorcismos para repelir cum videmus ignem inferni, etsi
demônios (pois vemos o fogo do Inferno, corporalis sit, agere physice instru-
mentaliter in spiritus; tamen nec
apesar de corpóreo, agir físico-instrumen- nobis necessaria ad finem intentum
talmente sobre os espíritos), ela não nos é est, nec adest urgens motivum ad
eam stabiliendam; quapropter so-
necessária para alcançar o fim tencionado, lum in præsentiarum nobis sermo
est de virtute morali per modum
nem há motivo urgente para demonstrá-la; impetrationis.
por essas razões, falaremos aqui somente
Quo supposito ad difficultatem
da virtude moral por modo de impetração. propositam respondetur affirma-
tive. Primo, quia Divus Thomas
Solução. Suposto isso, responde-se afir- (III, q. 71, a. 3), inquirens “An ea
quæ aguntur in Exorcismo, aliquid
mativamente à dificuldade proposta. efficiant?” sic in corpore articuli re-
spondet: “Dicendum, quod quidam
1.º Porque S. Tomás, ao perguntar-se “se dixerunt ea quæ in exorcismo agun-
tur, nihil efficere, sed solum signifi-
o realizado no exorcismo produz algum care; sed hoc patet esse falsum per
efeito”, assim responde no corpo do arti- hoc quod Ecclesia in Exorcismis,
imperativis verbis utitur ad expel-
go: “Alguns disseram que as coisas reali- lendam dæmonis potestatem: puta,
zadas no exorcismo nada produzem, mas cum dicit ‘ergo maledicte diabole
exi ab eo’ etc.; et ideo dicendum
somente significam; mas é evidente que est, quod aliquem effectum habent,
differenter tamen ab ipso baptismo”.
isso é falso, pois que a Igreja, nos exor- Idem dicit in 4, distinc. 6, q. 2, a. 3,
cismos, usa de palavras imperativas para quæstiunc. 2. Et deinde explicans
quem effectum efficiant, ait quod
repelir o poder do demônio (por exemplo, per Exorcismos excluditur duplex
quando diz: ‘Portanto, maldito diabo, sai impedimentum salutaris gratiæ
percipiendæ, quorum primum est
dele’ etc.); e por isso se deve dizer que al- extrinsecum, in quantum dæmones
gum efeito têm, mas de modo diferente do extrinsece impediunt nobis con-
sequi gratiam baptismi; secundum
batismo”. vero est intrinsecum, scilicet, in
quantum homo ex labe originalis
Diz o mesmo no Comentário às Sentenças. peccati habet sensus præclusos ad
percipienda salutis mysteria. Unde
E depois, ao explicar que efeito produzem, concludit quod prædicti Exorcismi

34
P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

non præcise significant, sed etiam diz que pelos exorcismos se remove um
aliquid efficiunt, a Deo impetrando
ablationem prædicti duplicis impe- duplo impedimento à recepção da graça
dimenti, quo dæmon salutem animæ
impedire nobis conatur. Tunc sic:
salvífica, o primeiro dos quais é extrínse-
sed eiusdem rationis sunt Exorcismi co, enquanto os demônios nos impedem
quibus adiuratur puer baptizandus,
ac energumenus liberandus; ergo, si
extrinsecamente de alcançar a graça do
ex Divi Thomæ mente Exorcismus batismo; o segundo é intrínseco, enquanto
in baptismo semper aliquod ope-
ratur in ordine ad dæmonis expul- o homem, pela mancha do pecado origi-
sionem, idem dicendum est de aliis nal, tem os sentidos preclusos à intelecção
energumenorum exorcismis.
dos mistérios da salvação. Donde conclui
que tais exorcismos não só significam, mas
também algo produzem impetrando de
Deus a remoção desse duplo impedimento,
com o qual o demônio tenta impedir a sal-
vação de nossa alma.

Assim sendo, <argumentamos>: ora, são


da mesma natureza os exorcismos com
que se adjura, de um lado, a criança a ser
batizada e, de outro, o energúmeno a ser
liberto; logo, se para S. Tomás o exorcismo
no batismo sempre opera algo em ordem
à expulsão do demônio, o mesmo se deve
dizer dos exorcismos de energúmenos.

Secundo eadem assertio ostenditur: 2.º Prova-se a mesma asserção. Com efei- 18
nam, ut diximus (tract. 6, cap. 5,
punct. 3, num. 50) et NN. Salmant. to, os sacramentais, embora não tenham ex
Scholastic. (Tom. 11, tract. 32, dispt. opere operato o <poder de causar> imedia-
10, dub. 2, nu. 19) sacramentalia,
licet ex opere operato non habeant tamente a remissão dos [pecados] veniais,
causare immediate remissionem produzem-no ao menos mediatamente,
venialium, tamen saltem mediate
eam efficiunt, impetrando auxilia ad impetrando auxílios para os atos pelos
actus, per quos immediate et forma-
liter venialia remittuntur (et hæc est
quais imediata e formalmente são perdoa-
mens nostra dicto loco stabilita, ut dos os veniais. Logo, os exorcismos, embo-
attente consideranti constabit; et iam
notarunt NN. Salmant. numer. 22 in
ra não tenham ex opere operato o <poder
fine, licet alicui diversa videatur). de> causar a expulsão total do demônio,

35
S O B RE A A D J U RAÇÃO

sempre causam ex opere operato algum Ergo Exorcismi, licet ex opere ope-
rato non habeant causare dæmonis
efeito pertinente e conducente à expulsão expulsionem totalem, tamen semper
do demônio. ex opere operato causant aliquem ef-
fectum pertinentem et conducentem
ad dæmonis expulsionem.
É patente a consequência. Com efeito,
Patet consequentia; nam ideo sacra-
os sacramentais, segundo a opinião mais mentalia iuxta nostram, et certiorem
certa, seguida por nós e pelos doutores, Doctorum opinionem, semper ex
opere operato producunt aliquem ef-
sempre produzem ex opere operato algum fectum in ordine ad venialium remis-
efeito em ordem à remissão dos veniais: sionem: quia, cum Ecclesia habeat
sufficientem virtutem ad consequen-
porque a Igreja, tendo suficiente virtude dum prædictum effectum a Deo, per
para alcançar de Deus esse efeito, pedin- modum impetrationis illam exoptan-
do; et alias, instituantur prædicta sa-
do-o por modo de impetração, e instituí- cramentalia ad prædictum effectum,
dos os sacramentais para isso, <a mesma potest eis prædictam virtutem com-
municare. Sed Ecclesia habet vim
Igreja> lhes pode comunicar tal virtude. ad impetrandum a Deo expulsionem
dæmonis, et quidquid ad hoc con-
Ora, a Igreja tem o poder de impetrar de ducere potest; et alias, instituit ad
Deus a expulsão do demônio e quanto hoc prædictos Exorcismos. Ergo, si
ob hanc rationem sacramentalia ex
pode conduzir a isso; e, além disso, insti- opere operato causant, saltem me-
tuiu os exorcismos para tal fim. Logo, se, diate, venialium remissionem, etiam
exorcismi habent ex opere operato
por esta razão, os sacramentais causam ex causare, aut dæmonis expulsionem,
opere operato, ao menos mediatamente, a aut saltem aliquem effectum ad eam
immediate conducentem.
remissão dos pecados veniais, também os
exorcismos têm o <poder de> causar ex
opere operato a expulsão do demônio, ou
pelo menos algum efeito a ela imediata-
mente conducente.

3.º Por último, os sacramentais têm força Ultimo: Sacramentalia, ut docent


NN. Salmanticens. (loco citato, num.
ex opere operato para expulsar demônios, 9) habent vim ex opere operato ad
expellendos dæmones, vel per mo-
seja por modo de impetração ou império, dum impetrationis aut imperii, vel
seja por certa oposição quase conatural per oppositionem quasi connaturalem
inter dæmones et aliqua Sacramenta-
entre os demônios e alguns sacramentais, lia, puta signum Crucis et invocatio-
nem dulcissimi nominis Iesu. Ergo
como o sinal da Cruz e a invocação do idem potiori titulo dicendum est de
Exorcismis, cum hi, ut videre est in
dulcíssimo nome de Jesus; logo, o mesmo Rituali Romano, et complectantur si-
se deve dizer a fortiori dos exorcismos, gnum Crucis, invocationem nominis
Iesu, aspersionem aquæ benedictæ,
pois estes, como se vê no Ritual Romano, et simul alias res, et verba sacra ad
prædictam expulsionem ordinata, tam

36
P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

per modum impetrationis aut imperii,


quam per quasi connaturalem oppo-
incluem o sinal da Cruz, a invocação do
sitionem cum dæmone. Dicta tenent nome de Jesus, a aspersão de água benta e
Sanchez (lib. 2 Summæ, cap. 42, num.
16), Sotus (in 4., dist. 6, q. 2, art. 3), ainda outras coisas e palavras sagradas or-
Palaus (tom. 3, tract. 14, disp. 4, punc.
4, num. 19), Thyræus (par. 3, cap. 47), denadas à expulsão do demônio, tanto por
Trullench (lib. 1 In Decalog. cap. 10,
dub. 14, num. 6), Leander (tract. 9,
modo de impetração ou império quanto
disp. 5, q. 56), Caietanus (in cap. ul- por certa oposição quase conatural com o
timum Marci), Valentia (II-II, disp. 6,
q. 7, punct. 2, q. 2). demônio.

Sed dices: Si Exorcismi haberent Objeção. Se os exorcismos tivessem virtude ex 19


virtutem ex opere operato ad expel-
lendos dæmones ab obsessis, semper opere operato para expulsar os demônios dos pos-
et infallibiliter prædictum effectum sessos, surtiriam efeito sempre e infalivelmente, à
consequerentur, sicut Sacramenta,
quæ, quia ex opere operato causant semelhança dos sacramentos, que, por causarem
gratiam, quantum est ex se semper ex opere operato a graça, sempre a causam no que
causant gratiam, si ex parte subiecti
obex non sit; sed Exorcismi prædic- deles depende, i.e., se não se lhes põe óbice; ora,
tum effectum infallibiliter non con- os exorcismos não surtem efeito infalivelmente,
sequuntur, ut tenent Torre (II-II, q.
90, a. 2, disp. 16), Thyræus, Sanchez et o que é evidente quer por experiência cotidiana,
alii ex supra allegatis. Et constat: Tum pois vemos muitos energúmenos, após longas
experientia quotidiana, qua videmus
plures energumenos post diuturnam sessões de exorcismos, continuarem a sofrer de
exorcizationem, adhuc torqueri dira possessão demoníaca, quer pela da S. Escritura,
dæmonum possessione; Tum sacræ
Paginæ, ubi Matthæi 17 dicitur Apo- na qual se diz que os Apóstolos não puderam li-
stolos puerum quemdam dæmoniac- bertar um jovem possesso (cf. Mt 17, 16); logo, os
um liberare non potuisse; ergo Exor-
cismi non habent ex opere operato exorcismos não têm virtude ex opere operato para
virtutem ad dæmones expellendos. expulsar demônios.

Ad hoc argumentum respondent Soluções. 1.ª A este argumento respondem alguns 20


aliqui DD. quod, licet Exorcismi
Ecclesiæ habeant ex opere opera-
doutores que, embora os exorcismos da Igreja
to dæmones expellere, tamen hunc tenham virtude ex opere operato para expulsar
effectum infallibiliter non conse-
quuntur sicut Sacramenta in non
demônios, não surtem efeito infalivelmente (ao
ponentibus obicem, sed tantum id contrário dos sacramentos nos que não põem óbi-
assequuntur ex congruitate qua-
dam, et prout divinæ providentiæ
ce), mas por certa congruência e na medida que
conveniens visum fuerit. Sic Lean- à divina Providência parece conveniente. Assim
der (quæst. 57) et alii apud ipsum.
Unde dicunt, quod locus ille Divi
argumentam Leander e outros que o seguem. Daí
Marci cap. ultimo: “In nomine meo dizerem que a passagem: “Em meu nome expulsa-
dæmonia eiicient” non fundat pro
omnibus divinam promissionem,
rão demônios” (Mc 16, 17) não contém uma pro-
sed pro aliquibus, quando Ecclesiæ messa divina universal [pro omnibus], mas parti-
necessitas id expostulaverit, et di-
cular [pro aliquibus], i.e., quando a necessidade da
vinæ providentiæ leges decreverint.
Igreja o reclamar e o decretarem as leis da divina
Providência.

37
S O B RE A A D J U RAÇÃO

2.ª Para outros, os exorcismos não expulsam o Alii vero dicunt, quod non causant ita
infallibiliter ex opere operato expulsio-
demônio infalivelmente ex opere operato assim nem dæmonis, sicut Sacramenta con-
como os sacramentos conferem a graça, e a tal ferunt gratiam; et quod hæc diversitas,
diversidade assinalam uma tríplice causa: a) por ex triplici capite oritur. Primo, ex parte
Exorcismorum, quia ex institutione
parte do próprio exorcismo, que, por instituição divina non sunt adeo efficacia, sicut
divina, não é tão eficaz como os sacramentos; Sacramenta. Secundo, ex parte Exorci-
starum, quia ad hoc munus negligenter
b) por parte do exorcista, quando não se prepa- præparantur. Tertio, ex parte obsesso-
ra adequadamente para o ofício; c) por parte do rum, vel quia in peccatis existunt, aut
possesso, quer por estar ou ter estado em pecado, extiterunt, vel quia eis non expedit ut
cito curentur, ne graviora peccata com-
quer por não lhe convir uma cura tão rápido, de mittant, vel forte id evenit ob aliorum
modo a não cometer pecados mais graves, ou tal- peccata, aut utilitatem, aut quia ad glo-
vez por pecados de outrem, ou porque é útil, ou riam Dei valde conducit. Sic Thyræus
citatus (cap. 47), Torre (num. 4) et Le-
porque concorre para a glória de Deus. ander (q. 58).

21 Mas a primeira solução não parece fazer senti- Sed primam solutionem non ca-
do. Com efeito, se os exorcismos têm virtude ex pimus: nam si Exorcismi ex opere
operato habent virtutem ad dæm-
opere operato para expulsar demônios, tal virtude ones expellendos, eius virtus debet
há de ser infalível quando não há óbice por parte esse infallibilis, ubi obex ex parte
do energúmeno, pois o que tem virtude ex opere energumeni non adest, cum virtus,
quæ est talis ex opere operato, non
operato não depende das disposições do operante dependeat in effectum producendo,
para surtir efeito. É o caso dos sacramentos, que, a dispositione operantis; ut patet
por causarem ex opere operato a graça no sujeito in Sacramentis, quæ, quia ex opere
operato causant gratiam in subiecto
não indisposto, pelo simples fato de serem recebi- non indisposito, hoc ipso quod a su-
dos num sujeito disposto conferem infalivelmente biecto disposito recipiantur, etsi mi-
a graça, sem embargo da indisposição do minis- nister sit indispositus, infallibiliter
gratiam conferunt. Et similiter: quia
tro. Por semelhança, aplica-se o mesmo: dado que per sacramentalia ex opere operato
os pecados veniais são perdoados mediatamente mediate remittuntur venialia, ideo
e ex opere operato pelos sacramentais, somos for- cogimur ad assignandum infallibi-
liter prædictum effectum, hoc est,
çados a deduzir infalivelmente tal efeito, i.e., que quod infallibiliter impetrent auxilia
infalivelmente impetram auxílios que movem aos moventia ad actus, per quos venia-
atos com que são formalmente perdoados os pe- lia formaliter remittuntur; etiam
si, qui recipit prædicta auxilia, non
cados veniais, mesmo se quem recebe tais auxílios eis utatur ad eliciendos actus, qui-
não os utilize para produzir os atos com que são bus venialia formaliter remittuntur.
formalmente perdoados. Logo, se os exorcismos Ergo, si Exorcismi habent ex ope-
re operato virtutem ad dæmones
têm virtude ex opere operato para expulsar demô- expellendos, necesse est quod eis
nios, é necessário atribuir-lhes algum efeito por assignemus aliquem effectum, quem
eles produzido infalivelmente em ordem à predita infallibiliter in ordine ad prædictam
expulsionem producant.
expulsão.

38
P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

Secundam sententiam etiam non Tampouco entendemos a segunda, porque não


intelligimus: quia non dat aliam
efficacitatem Exorcismis, quam
atribui aos exorcismos nenhuma eficácia distinta
eam, quam habent aliæ quælibet da que tem qualquer outra oração.
orationes.

Quapropter dicimus cum communi Por esta razão, dizemos com a sentença co- 22
sententia: Exorcismos habere virtu-
tem ex opere operato ad expellen-
mum que
dos dæmones; ac proinde addimus,
infallibiliter semper hunc effectum
causare. Sed pro huius solutionis CONCLUSÃO 4.ª
intelligentia, nota quod hæc dæm-
onum expulsio considerari potest
Os exorcismos têm virtude ex opere ope-
dupliciter: primo, complete et per- rato para expulsar demônios,
fecte; secundo, incomplete et im-
perfecte, seu vialiter. Primo modo
dicit expulsionem totalem dæmonis
e por isso acrescentamos que sempre cau-
a corpore obsessi, ita ut nullo modo sam infalivelmente este efeito.
in eo remaneat; secundo modo non
dicit hanc expulsionem totalem, sed
vialem, seu inchoatam, in quantum Para compreender esta solução, note-se
potestas et virtus dæmonis in ordine que a expulsão dos demônios pode ser
ad torquendum obsessum (de qua
infra n. 44, punct. 5) aliquomodo considerada de dois modos: primeiro,
per eos minuuntur et attenuantur, completa e perfeitamente; segundo, in-
taliter quod deinceps non ita acriter
obsessum torqueat, et ad mala pro- completa e imperfeitamente, ou transito-
vocet; et hæc dicitur expulsio vialis,
et inchoata, quia est via et princi-
riamente [vialiter]. O primeiro significa
pium qua pervenitur ad ultimam et expulsão total do corpo do possesso, a
perfectam dæmonis expulsionem.
ponto de não permanecer nele de modo
algum; o segundo não significa expulsão
total, mas vial ou incoada, na medida em
que, pelos exorcismos, se diminuem e ate-
nuam de algum modo o poder e a força
do demônio para atormentar o possesso,
de forma que já não o possa atormentar
tão cruelmente nem provocá-lo ao mal, e
chama-se expulsão transitória [vialis] ou
incoada, porque é a via e o começo pelo
qual se chega à expulsão última e perfeita
do demônio.

39
S O B RE A A D J U RAÇÃO

23 Feita essa observação, respondemos que Hoc ergo sic notato, respondemus:
quod Exorcismi ex opere operato
os exorcismos têm virtude ex opere opera- habent virtutem ad expellendos
to para expulsar demônios com expulsão dæmones, vel expulsione perfecta
et completa, vel saltem expulsione
perfeita e completa, ou pelo menos com imperfecta et viali; ac proinde in-
fallibiliter semper aliquem ex his
expulsão imperfeita e transitória; logo, effectibus consequuntur: nam vel
produzem sempre infalivelmente algum causant expulsionem totalem et
perfectam, si Deo placet, vel saltem
destes efeitos, pois causam ou expulsão to- expulsionem vialem et imperfectam,
tal e perfeita, se a Deus aprouver, ou pelo vires adversarii attenuando.

menos expulsão transitória e imperfeita, Et ad ita discurrendum movemur:


atenuando as forças do adversário. Tum auctoritate Divi Thomæ supra
allegata, ubi concedit Exorcismo,
fieri in Baptismo solito, aliquem in-
Somos levados a pensar assim: fallibilem effectum, scilicet abiectio-
nem dæmonis, ne impediat Sacra-
1.º Pela doutrina de S. Tomás supracitada, que menti susceptionem et eius fructum,
admite para o exorcismo feito habitualmente ut concedunt Sotus et Torre; quæ
ratio etiam militat in aliis Exor-
no batismo algum efeito infalível, qual seja, cismis, cum eiusdem generis sint,
o afastamento do demônio, para que não ab eademque Ecclesiæ auctoritate
impeça a recepção do sacramento e de seu dimanent. Tum etiam, quia inintel-
ligibile est quod Exorcismi habeant
fruto, razão que milita em favor também de virtutem ex opere operato ad dæm-
outros exorcismos, por serem do mesmo gê- ones expellendos, et nihil circa eos
nero e procederem da mesma autoridade da agant, ut supra demonstravimus.
Tum denique, quia sic componitur
Igreja. quod utraque communis sententia
docet, nimirum, quod Exorcismi
2.º Porque, como demonstramos acima, não faz habeant virtutem ex opere operato
sentido que os exorcismos tenham virtude ad dæmones abigendos, et nihilomi-
nus, quod non semper dæmones per
ex opere operato para expulsar demônios, e Exorcismos expellantur; cum iam
nada façam contra eles. eis aliquem infallibilem expulsionis
effectum assignemus, quin dicamus
3.º Porque assim se harmoniza o que ensinam quod semper a corporibus obsessis
dæmones expellant; sed potius asse-
as duas opiniões dominantes, i.e., que os
rimus, quod hæc totalis expulsio re-
exorcismos tenham virtude ex opere ope- linquitur voluntati divinæ, denique
rato para repelir demônios, apesar de nem inscrutabilibus iudiciis, quin per hoc
efficacitas Exorcismorum ex opere
sempre os expulsarem, porque se lhes atri-
operato impugnetur.
buímos um efeito infalível de expulsão, não
dizemos que sempre os expulsam dos corpos Et per hoc patet ad instantiam, et
Apostolorum exemplum. Optime
possessos, senão que afirmamos que a ex-
enim componitur, quod Apostoli
pulsão total depende da vontade divina e de non potuerint curare dæmoniacum
seus inescrutáveis juízos, sem que por isso a illum, et quod Exorcismi habeant
virtutem ex opere operato: quia pri-
eficácia dos exorcismos ex opere operato seja
ma, seu totalis expulsio pendet ex
impugnada.

40
P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

divina voluntate, et beneplacito Dei, E assim se esclarece a objeção e o exem-


qui hanc virtutem, cum sit ex gratiis
gratis datis, confert cui et quando plo dos Apóstolos. De fato, harmoniza-se
vult, aut sibi expedire videtur.
perfeitamente o não terem os Apóstolos
podido curar aquele endemoniado com o
terem os exorcismos virtude ex opere ope-
rato, já que a primeira, i.e., a expulsão total,
depende da vontade divina e do beneplá-
cito de Deus, o qual confere essa virtude a
quem e quando quer ou lhe parece conve-
niente, por ser uma das graças gratis datæ.

§3. Invocações e objetos sagrados


Præter Exorcismos ab Ecclesia in- Além dos exorcismos instituídos pela Igre- 24
stitutos inveniuntur aliæ res, quas
licet Exorcismi sub se complectan- ja, há coisas que, apesar de contidas nos
tur, tamen ipsæ secundo se seorsim exorcismos, parecem ter por si mesmas, to-
acceptæ, videntur habere virtutem
ad dæmones abigendos, de quibus madas separadamente, a virtude de repelir
breviter agendum est. demônios. Delas trataremos brevemente.
Prima ex his rebus, quæ ad arcen-
dos dæmones virtutem ex se habe- 1. A primeira destas coisas que parecem ter
re videntur, est invocatio nominis
Iesu. Quod patet, primo ex eo quod
por si sós a virtude de repelir demônios é
Christus Dominus, dando Apostolis a invocação do nome de Jesus. O que é evi-
hanc potestatem, dixit (Marc. 16):
“In nomine meo dæmonia eiicient”.
dente, em primeiro lugar,
Et Apostoli gratulabantur (Lucæ
10) quod in nomine Christi, ipsis a) pelo fato de Cristo Senhor, ao dar esse poder
dæmonia subiicerentur. Et Divus aos Apóstolos, ter dito: “Em meu nome ex-
Paulus (Act. 16) de ventre puel-
læ divinantis, expulit Pythonem
pulsarão os demônios” (Mc 16, 17);
dicens: “Præcipio tibi in nomine
IESU CHRISTI exire ab ea; et b) os Apóstolos se alegravam porque, em nome
exiit eadem hora”. Et Lucæ 9, dixe- de Cristo, os demônios se lhes submetiam
runt discipuli: “Præceptor, vidimus
(Lc 10, 17);
quemdam in nomine tuo eiicientem
dæmonia, et prohibuimus eum, quia
non sequitur nobiscum”. Et Act. 19 c) S. Paulo expulsou o espírito pitônico do ven-
quidam iudæi non credentes adiura- tre da jovem adivinha, dizendo: “Ordeno-te,
bant dæmones in nomine Iesu quem em nome de Jesus Cristo, que saias dela; e ele
Paulus prædicabat. Ergo prædicta
saiu na mesma hora” (At 16, 18);

41
S O B RE A A D J U RAÇÃO

d) em Lc 9, 49, disseram os discípulos: “Mestre, nominis Iesu invocatio habet virtu-


tem ad dæmones fugandos.
nós vimos um que expelia os demônios em
teu nome, e lho proibimos, porque não anda
conosco”;

e) em At 19, 13 certos judeus incrédulos ad-


juravam os demônios em nome de Jesus, a
quem Paulo pregava.

Logo, a invocação do nome de Jesus tem a


virtude de expulsar demônios.

25 2. A segunda coisa que expulsa demônios Secunda, quæ dæmones expellit, est
Crux Christi, quæ dupliciter abigere
é a Cruz de Cristo, a qual os pode repelir potest dæmones. Primo, tamquam
duplamente: a) primeiro, como causa ins- causa instrumentalis, qua Deus uti-
tur ad eos arcendos, eo modo, quo
trumental usada por Deus para os repri- in Historiis Ecclesiasticis legimus,
mir. Como lemos nas crônicas da Igreja, media cruce ut instrumento, plura
miracula edita fuisse: tam sanitatem
por intermédio da Cruz como instrumen- conferendo, morbos profligando,
venenum innoxie bibendo; quam
to, muitos milagres foram feitos, quer resti- dracones enecando, fluctus maris
tuindo-se a saúde, eliminando-se doenças, reprimendo, ignem extinguendo
aut innoxie calcando, ut satis veri-
bebendo-se veneno sem dano, quer matan- simile docent Thyræus (part. 3, cap.
do-se monstros, reprimindo-se as ondas 42, num. 18) et Torre citatus (disp.
14, num. 8). Secundo, ut obiectum
do mar, extinguindo-se fogo ou pisando-o contristans, et horrorem dæmonibus
sem dano, o que Thyreus e Torquemada en- incutiens, eo quod in eo Christus
eos devicit, ut ait Apostolus ad Co-
sinam ser bastante verossímil. b) Segundo, loss. 2; ac proinde malunt, potius
como objeto que os contrista e aterroriza, cum dedecore obsessum incolumen
deserere, quam cum molestia cru-
por ter sido nele que foram derrotados por cem substinere. Quocirca sicut canis
Cristo, como diz o Apóstolo (cf. Cl 2, 15), e odit baculum quo percussus est, ita
et diabolus Crucem detestatur et
por isso preferem a vergonha de deixar in- fugit. Unde Origenes (Homil. 6 in
cap. 5 Exodi) ait: “Timor, et tremor
cólume um possesso a suportar a moléstia cadunt super dæmones, cum signum
da Cruz. Nesse sentido, assim como o cão in nobis viderint Crucis fideliter
fixum”. Et hic modus fugandi dæm-
odeia o bastão que o feriu, também o diabo ones nobis probabilior videtur, sicut
detesta a Cruz e foge dela. Daí dizer Oríge- et visus iam est NN. Salmanticensi-
bus Scholasticis (tom. 11, trac. 22,
nes: “Temor e tremor abatem-se sobre os disp. 10, dub. 1, num. 9).
demônios, ao verem sobre nós o sinal da

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P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

Cruz fielmente fincado”. E tal modo de os


afugentar parece-nos o mais aconselhável.

Tertia res quæ dæmones abigit, est 3. A terceira coisa que afasta demônios é 26
usus Reliquiarum Sanctorum: quod
plurimis exemplis omissis, constat
o uso de relíquias dos santos, o que, afora
ex Actibus Apostolorum cap. 19 ver. muitos outros exemplos, consta dos Atos
12, ubi de Apostolo Paulo dicitur:
“Virtutesque non quaslibet facie- dos Apóstolos, quando se diz do Apósto-
bat Deus per manum Pauli; ita ne lo Paulo: “Deus fazia milagres não vulga-
etiam super languidos deferrentur
a corpore eius sudaria, vel semicin- res por mão de Paulo, de tal modo que até,
ctia, et recedebant ab eis languores, sendo aplicados aos enfermos os lenços e
et spiritus nequam egrediebantur”.
Modus autem huius fugæ operandæ aventais que tinham tocado no seu corpo,
est, quia, cum dæmones odio et in-
vidia in Sanctos, dum in hoc mun-
não só saíam deles as doenças, mas tam-
do degerunt, tabescerent, tum quia bém os espíritos malignos se retiravam”
cognoscebant occupatores sedium
quas ipsi in cælo possederant, tum
(19, 11s). O modo por que se opera esta
quia ab ipsis sæpissime Dei gratia fuga é que, como os demônios se consu-
confortatis superantur; nunc eorum
reliquiis visis, horrescunt et contri- miam de ódio e inveja aos santos em vida,
stantur, ac proinde earum præsent- já por saberem que seus tronos no Céu se-
iam non valentes ex odio et metu
substinere, fugiunt et ab obsessis riam ocupados por eles, já por terem sido
recedunt. Ita Thyræus (cap. 43) et derrotados muitíssimas vezes por eles,
Torre (disp. 14, citata, num. 4).
fortalecidos pela graça de Deus, agora, ao
verem suas relíquias, se aterrorizam e se
entristecem, e por isso, não podendo, por
ódio e medo, suportar a presença delas, fo-
gem e se afastam dos possessos.

Denique dæmones expellunt res 4. Por último, expulsam demônios os obje- 27


sacratæ et benedictæ, ad hoc specia-
liter ab Ecclesia institutæ. Quales tos sagrados e bentos instituídos pela Igre-
sunt primo, agni cerei, quos Agnus ja especialmente para isso, o primeiro dos
Dei vocamus, de quibus supra egi-
quais são: a) os cordeiros de cera que cha-

43
S O B RE A A D J U RAÇÃO

mamos Agnus Dei, tratados acima quando


9
mus, eos inter sacras Reliquias com-
putantes.
os enumeramos entre as sagradas relíquias.

b) O segundo deste gênero é a água lustral Secundo huius generis est aqua lu-
stralis, seu ab Ecclesia benedicta,
ou benta pela Igreja, que a destina espe- quam specialiter Ecclesia ordinat ad
cialmente para afugentar demônios e repe- dæmones fugandos et morbos pel-
lendos, ut constat ex oratione qua
lir doenças, como consta da oração usada ab Ecclesia benedicitur, ubi a Deo
para abençoá-la, na qual se pede a Deus exoratur ut: “Creatura tua” (scilicet
aqua) “mysteriis tuis serviens ad
que “esta tua criatura”, i.e., a água, “ser- abigendos dæmones, morbosque
pellendos divina gratia summat ef-
vindo aos teus mistérios, receba da graça fectum” etc.

9. “O nome Agnus Dei refere-se a certos discos de cera


impressos com a figura de um cordeiro e abençoados
em épocas determinadas pelo Papa. Eles são às vezes
redondos, às vezes ovais. O cordeiro geralmente carrega
uma cruz ou bandeira, enquanto figuras de santos ou o
nome e o brasão de armas do Papa também são comu-
mente impressos atrás. Esses Agnus Dei podem ser usa-
dos ​​pendurados ao pescoço, ou guardados como objetos
de devoção. Em virtude da consagração que recebem,
são considerados (como a água benta, os ramos bentos
etc.) como ‘sacramentais’. O simbolismo do Agnus Dei é
melhor deduzido das orações usadas em várias épocas
para abençoá-lo. Como no círio pascal, a cera tipifica a
carne virginal de Cristo; a cruz associada ao cordeiro su-
gere a ideia de uma vítima oferecida em sacrifício; e assim
como o sangue do cordeiro pascal antigamente protegia
do anjo da morte cada família, assim o propósito desses
medalhões consagrados é proteger aqueles que os usam,
ou os possuem, de todas as influências malignas. Nas
orações de bênção, faz-se especial menção aos perigos
de tempestade e peste, de incêndio e inundação, e tam-
bém aos perigos a que as mulheres estão expostas no
parto. Antigamente era costume em Roma acompanhar
o presente de um Agnus Dei com um folheto impresso
descrevendo suas muitas virtudes” (Herbert Thurston,
“Agnus Dei”. In: The Catholic Encyclopedia. New York:
Robert Appleton Company, 1907. Acessado em 13 jun.
2023. Disponível em <http://www.newadvent.org/ca-
then/01220a.htm>).

44
P o n t o III : ES S ÊNCIA E EFICÁCIA D O S EXORCI S MO S

divina eficácia para expulsar os demônios,


repelir as doenças” etc.
Sed quid loquar de huius aquæ Mas que diremos do poder que tem esta
virtute ad dæmones expellendos?
Sed melius est, ut pro me loquatur água para expulsar demônios? É melhor
Seraphica Virgo et Mater nostra que fale por nós a seráfica virgem e madre
Diva Theresia, quæ in libro eius
Vitæ (cap. 31) sic eius virtutem nossa, S. Teresa, que no Livro da Vida as-
laudibus extollit: “De muchas veces
tengo experiencia, que no ay cosa
sim lhe exalta e louva o poder:
con que huyan más (loquitur de
dæmonibus) para no tornar. De la
A partir de muitos fatos, obtive a expe-
cruz también huyen, mas vuelven
luego. Debe ser grande la virtud de riência de que não há coisa de que os de-
la agua bendita; para mi es particu- mônios fujam mais, para não voltar, do
lar y muy conocida consolación que
siente mi alma cuando la tomo… que da água benta. Eles também fogem
Considero yo qué gran cosa es todo da Cruz, mas retornam. Deve ser gran-
lo que está ordenado por la Iglesia;
y regálame mucho ver que tengan de a virtude da água benta. Minha alma
tanta fuerza aquellas palabras que sente particular e manifesta consolação
ansí la pongan en el agua, para que
sea tan grande la diferencia que
quando a toma. […] Penso em quão
hace a lo que no es bendito. Pues importante é tudo o que a Igreja orde-
como no cesaba el tormento, dije:
na, e alegra-me muito ver que tenham
si no se riesen, pediría agua bendi-
ta. Trajéronmelo y echáronmelo a tanta força as palavras que comunica à
mí, y no aprovechava; echélo hacia água para que esta fique tão diferente
donde estava, y en un punto se fue
y se me quitó todo el mal”. Hucu- da comum. Como, pois, não cessasse o
sque illuminata Doctrix; et infra tormento, eu disse às pessoas que, se não
idem sibi accidisse repetit.
fossem rir, eu pediria água benta. Trou-
Ex quibus constat, quanta est aquæ xeram-na e me aspergiram com ela, mas
benedictæ contra dæmones virtus,
cum ad præsentiam Crucis licet
não adiantou; lancei-a na direção onde
fugiant dæmones, tamen iterum estava o demônio, e ele se foi de imedia-
solent apparere; at dum aqua be-
to, e o mal desapareceu por inteiro (c. 31,
nedicta asperguntur, taliter fugiunt,
ut numquam pro tunc redeant. nn. 4-5, em: Escritos de Teresa de Ávila.
Quapropter merito dixit Torre (II- São Paulo: Loyola, 2001, p. 204s).
II, q. 9, a. 2, disp. 14, num. 9): “In
usu aqua benedicta reor esse vim
instrumentalem ad dæmones pel-
lendos, plusquam in reliquiis San-
Até aqui a iluminada Doutora, que mais
ctorum aut Crucis effigie, eo quod abaixo narra outro caso semelhante que
reliquia et Crux suum per se ha-
beant usum distinctum a profliga-
lhe aconteceu.
tione dæmonum. Reliquiæ pignora
Sanctorum sunt; quas, quia organa Donde se vê quão grande é a virtude da
fuere ad opera egregia, valde hono-
água benta contra os demônios: embora

45
S O B RE A A D J U RAÇÃO

fujam na presença da Cruz, costumam apa- rat Deus. Crux imago Christi pro
nobis in Cruce pendentis. Et si
recer de novo; mas quando se lhes asperge ab aqua benedicta tollas effectum
água benta, fogem de modo tal, que já não præfatum, aqua sola est, quia ex vi
suæ consecrationis ad illud institu-
voltam. Por isso, com razão diz Torquema- ta est”.
da: “No uso da água benta creio haver mais
força instrumental para expulsar demônios
do que nas relíquias dos santos ou na ima-
gem da Cruz, pois que a relíquia e a Cruz
têm por si um uso distinto da expulsão de
demônios. As relíquias são penhores dos
santos; às quais Deus tem em grande conta,
por terem sido órgãos de obras eminentes.
O crucifixo é imagem de Cristo pendente
da Cruz por nós. Mas se da água benta tira-
res o referido efeito, é somente água, já que,
por força de sua consagração, foi instituída
para tal efeito”.

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