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PREFÁCIO
O Marido
Seus deveres
O Pai
Sua importância e deveres
I - O Apóstolo
Da obrigação de ser apóstolo, demonstrada pela condenação do inútil
II- O Apóstolo
Seus deveres na sociedade moderna
_______________________________________
O MARIDO
Primeira parte
Segunda parte
Terceira parte
Quarta parte
Quinta parte
Final do Capítulo
O PAI
Primeira parte
Segunda parte
Terceira parte
Quarta parte
Quinta parte
Final do Capítulo
O APÓSTOLO I
Primeira parte
Segunda parte
Terceira parte
Quarta parte
Final
O APÓSTOLO II
Primeira parte
Parte Final
Meus senhores,
Notas:
Continuará...
Notas:
Continuará...
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Formação para os homens - parte 5
E que amor será preciso? Apelo para vós, meus senhores, que tendes amado
santamente, que tivestes o vosso ideal. Amaveis, sem medida, para a terra e para o céu, para o
tempo e para a eternidade. Amar, unicamente e para sempre, aquela que havia sabido merecer
toda a vossa estima, toda a vossa confiança, todo o vosso amor, e serdes amados por ela
unicamente e para sempre, era o vosso sonho!
Mas qual é o amor que pode ser eterno? O amor carnal não, porque dura tanto quanto
o encanto que o provocou, - uma primavera. As paixões não alimentam o amor, não; antes o
profanam e matam.
Se o amor quiser viver, que se modere e se equilibre! Saído de Deus, se quiser crescer,
que sacuda a matéria e se eleve para Deus!
O amor racional, baseado nas qualidades do espírito, do coração, da alma, sem aliás
excluir, de modo algum, os encantos físicos, pode ser durável. Mas ainda não é suficiente; é
preciso subir mais alto; é preciso chegar ao amor cristão!
O amor cristão não exclui o precedente; pelo contrário, supõe o amor racional;
completa-o, eleva-o e excede-o, libertando-o do tempo. Não é somente a alma que ele vê
através do corpo, porém Deus na alma. É uma afeição superior, de ordem divina, tal qual a
afeição de Cristo por Sua Igreja: Viri diligite uxores vestras, sicut Christus dilexit Ecclesiam1. Já
não é uma chama terrestre: é o fogo do céu; já não é o amor do homem: é o próprio amor de
Deus no coração do homem.
Se o marido não é cristão, não sente a diferença, porque não pensa nisto; ou não está
ao alcance de compreendê-la, a mulher cristã sente-a e sofre cruelmente.
Não o sabeis? Não o quereis saber; fechais os olhos para não vos incomodardes; mas
não impedireis que sofra aquela que vos ama, e que sofra tanto mais profundamente, quanto
mais vos amar.
Não é razoável, nem justo. Seria melhor pensar nisto, e vós também procurardes no
sofrimento, força para subirdes mais alto.
Só o amor cristão é verdadeiramente eterno; o outro não reflete, ou, se reflete, é muito
pouco, no além.
Só o amor cristão é verdadeiramente forte. Se o amor humano for feliz; se não tiver
tentações demasiadamente fortes, poderá ser feito, mas duma fidelidade de ocasião. Mas, se a
tempestade bramir, se a tentação se levantar, será arrebatado; ou, o que é pior, não acreditará
mais na fidelidade.
Mas o amor cristão tirou do sacramento uma força que o aperfeiçoa e santifica, e lhe dá
a mais perfeita fidelidade; a fidelidade sem mancha, a fidelidade do coração, à imagem de Jesus
Cristo para com a Sua Igreja. Está ao abrigo de todas as vicissitudes; o que Deus uniu, nada o
poderá separar: quod Deus conjunxit, homo non separet.2
Não se contenta em ser eterno, precisa crescer, porque o amor, como tudo quanto vive,
tem necessidade de desenvolver-se.
Ambos desprezam tudo o que é vil, ambos se elevam; amam tudo o que é nobre e
grande. Lêem o mesmo livro, admiram o mesmo quadro, ou a mesma paisagem; gozam do
mesmo prazer ou do mesmo repouso. Rezam juntos; preenchem os seus deveres religiosos;
praticam a caridade. Praticam junta a virtude, o bem, as boas obras. A sua vida intelectual,
moral, religiosa é realmente uma só vida; sempre os mesmos interesses de espírito, de alma e
de coração.
O seu lar não é só a sua casa, levam-no consigo como um altar doméstico. Está em toda
a parte onde estão juntos; está em seu coração, em toda a parte onde confundem, numa
intimidade sempre crescente, os seus pensamentos, as suas impressões, os seus entusiasmos,
as suas crenças, os seus esforços, as suas virtudes, a sua caridade!
Quando o coração e a razão são assim unidos; quando o amor é sobrenatural e cristão,
os anos podem vir, pode-se envelhecer que o coração não envelhece. O amor eleva-se, apura-
se e a gente aproxima-se por uma ascensão lenta, dessa maneira de amar, que é a do céu.
Se o vácuo se faz à roda dos esposos; se a morte os fere, se lhes aparecem provações,
mais se unem pelo amor que se fortifica na repetição mútua das tocantes palavras de
Andromaca a Heitor: «Tu és, agora, o meu venerado pai e a minha venerada mãe; tu és os meus
irmãos; tu és o meu esposo muito amado.»
A morte pode chegar; será uma dor viva e amarga, mas não os desunirá; após alguns
momentos, a reunião far-se-á em Deus, e, em lugar do tempo terão, para se amarem, a
eternidade.
Notas:
1) Epístola aos Efésios V, 25: "Maridos amai vossas mulheres como Cristo amou a Sua
Igreja".
2) S. Matheus XIX, 6.
Eminência 1,
Meus senhores,
Não! nada, sobre a terra, é mais nobre do que a paternidade humana, pois que nela
encontram-se, ao mesmo tempo, a comunicação da paternidade divina, a origem, o
modelo de toda a autoridade, de todo bem, de toda a grandeza, e como que uma expansão
misteriosa do próprio sacerdócio.
Sim! o pai é padre em toda a extensão do termo, e só ele o era no principio: regale
sacerdotium5. É por isso que a religião sempre reconheceu ao pai o direito e o poder de
abençoar.
Os pagãos não abençoavam. Enéas transporta, das ruínas de Tróia, o seu velho
pai, às costas; e seu pai, quando morre, não o abençoa. As palavras de Heitor a seu filho,
nos braços de Andrômaca, são heróicas, mas não o abençoa.
Priamo, o mais sublime dos pais da antiguidade, não abençoara Heitor antes do
combate.
Mas entre o povo de Deus, Abraão, Isaac, Jacob, e os patriarcas de todos os tempos
abençoaram seus filhos. Entre todos os povos cristãos, nos tempos de fé, os pais
abençoavam seus filhos em ocasiões graves e solenes, pelo menos à hora da morte; como
Deus o havia feito ao primeiro homem, e Jesus Cristo aos Seus apóstolos, quando subiu
ao céu.
Ainda hoje se vê pais abençoarem os filhos, por exemplo, na ocasião da sua
primeira comunhão, e esta bênção, emanando do coração de um pai sobre seus filhos,
volta, de novo, ao coração paterno, e torna-se, para ele mesmo, uma bênção de Deus. É
verdadeiramente um sacerdócio, em que o pai sente uma dessas emoções poderosas, que
comovem até ao mais íntimo da alma.
A emoção ainda é mais forte, para os que se sentem menos dignos de uma função
tão pura. Já se viu pais recusarem obstinadamente a bênção a seus filhos e exclamarem:
Não, não! não posso! Em seguida, cederem, e tendo dado a bênção, derramarem lágrimas,
que depois não podiam estancar.
Ah! Meus senhores, qualquer que seja o estado de um homem, por mais baixo que
tenha descido, há alguma coisa que o eleva, e se torna, para ele mesmo, a fonte inesgotável
dos mais nobres sentimentos - a consciência de ser pai.
Tem-se visto pais recuperarem, em presença dos filhos e num instante, toda a
dignidade e respeito de si mesmos, que o mal lhes havia feito perder, e tornarem-se bons,
castos, justos, crentes e cristãos!
E se acontece - pois, na humanidade, que é livre, dá-se o contraste espantoso de
haver santos e de haver miseráveis, - se acontece, repito, que um homem calque aos pés
o seu dever de pai e volva contra seu próprio filho esse poder de amor, de proteção física
e moral, levanta-se um grito de indignação e de espanto! Este pai desnaturado, que assim
procede, é incluído, por unanimidade, na classe dos monstros... A grandeza de sua queda,
ainda mostra melhor a altura de que caiu, e qual é a nobreza o sacerdócio real do pai que
não pode recusar o seu diadema sem cair completamente e causar horror! ...
Há perdão para tudo; e a alegria do padre é apagar tais iniquidades; mas é preciso
o poder infinito do sangue redentor, para lavar tais manchas e levantar de tais quedas! ...
Notas:
Notas:
A religião não penetraria na alma das crianças, a correção não corrigiria nada, se
ambas não fossem apoiadas pelos vossos exemplos. Vós bem o reconheceis, meus
senhores; se não praticais o que exigis, não podeis exigir com força e convicção, aquilo
que não está em vosso coração. A vossa hipocrisia paralisará, queimará os vossos lábios:
achar-vos-eis sem autoridade, sem força. O orador, diziam os antigos, é o homem de bem,
que fala bem; é a definição do pai: ele só falará bem, se for homem de bem; só mandará
bem no que souber praticar.
Como escapar ao olhar, ao ouvido da criança, à sua finura, ao seu espírito de
observação? Se a vossa vida depuser contra as vossas lições, destruí las-á. A criança
lembrar-se-á dos exemplos e esquecerá as lições. «Toma cuidado, diz o Sábio, que a
tua vida não seja a causadora da morte de teu filho.» [i]
Se, pelo contrário, o exemplo confirmar a lição, a criança ficará vencida.
Dai o exemplo a vossos filhos, meus senhores. Que vos vejam rezar, ao menos
algumas vezes, é do maior alcance.
Quando a criança vê seu pai de joelhos, compreende melhor a oração parece-lhe
que há alguma coisa da majestade do próprio Deus que desce sobre a fronte de seu pai.
Respeita mais; e quer mais ao mesmo tempo, a seu pai da terra e a seu pai do Céu.
Fazei com que os vossos filhos vos vejam na missa em atitude silenciosa, de
respeito e de oração e vos vejam comungar, quando mais não seja, pela Páscoa; ou pelo
menos, que saibam que vós cumpris este sagrado preceito. A criança que não vê seu pai
comungar, que sabe que seu pai não comunga, sofrerá mais cedo ou mais tarde, em sua
consciência, assaltos terríveis, e tanto maiores quanto mais respeitar seu pai; a sua fé
ficará abalada.
Deixai que vossos filhos sejam testemunhas diárias da vossa paciência, da vossa
humildade, da vossa bondade, da vossa mortificação, da vossa caridade, das vossas boas
obras, do bem que fazeis, da paz e alegria que espalhais ao redor de vós por vossos
exemplos e vossas virtudes!
Felizes dos que encontram em seus pais, o modelo do que devem seguir, e aos
quais não se pode dar melhor conselho do que dizer-lhes: «Meus filhos, olhai para os
vossos pais e fazei como eles!»
Estes exemplos são fáceis, meus senhores, se compreenderdes a sua importância;
se penetrardes no santuário de vosso coração paterno, para nisto refletirdes; se tomardes
o costume, antes de agirdes, de pedir conselho ao berço ou ao futuro de vossos filhos.
Mas não sois os únicos a ter influência sobre vossos filhos. Outras influências há
que poderiam impedir ou destruir a vossa obra. Deveis preservá-los pela vigilância.
Preservai-os contra os perigos dos colégios e escolas, escolhendo com escrúpulo
os estabelecimentos, os mestres a quem ides confiá-los.
A vossa responsabilidade a este respeito é grande. Não podeis ir ao acaso, nem
contentar-vos com informações vagas e indeterminadas. Deveis ver vós mesmos e
assegurar-vos de que tudo é correto. Deveis seguir a criança no ensino que recebe,
sobretudo nas classes altas, e nunca abdicar do vosso direito de vigilância e de censura.
Preservai vossos filhos das conversações dos estranhos, dos amigos, dos criados.
As crianças ouvem tudo, porque escutam tudo. Uma palavra, uma observação poderá ser
o veneno lançado em sua alma. Vós deveis defendê-los e a vossa vigilância tendo sido
surpreendida, se o mal foi praticado, devereis descobri-lo e remediá-lo.
Quando a criança parecer perturbada, não receeis mandá-la repetir o que tiver
ouvido, para lhe mostrardes a sua falsidade e o perigo que daí pode advir.
Preservai os vossos filhos de leituras perigosas. A leitura tem lugar preponderante
na formação do espírito, do coração e da alma. É do vosso dever proibir-lhes leituras
perniciosas; e, se os estudos os obrigarem a fazê-las, devereis corrigir e destruir o seu
efeito.
Sois vós que deveis indicar-lhes os livros que eles devem ler, - livros úteis e bons,
fortificadores do espírito e retemperadores da alma, e em que possam aprender tudo o que
é necessário para serem felizes e agradáveis a Deus.
Afastai os vossos filhos das más companhias que, muitas vezes, começam na
infância com a imoralidade dos cuidadosmercenários, e mais tarde com os amigos
corrompidos. As más companhias ainda perdem mais a mocidade do que essas leituras
prejudiciais.
A influência que um companheiro de maus costumes ou caráter baixo pode
exercer sobre outro que é puro, ingênuo e bom, é tão extraordinária quanto perigosa.
Começa o mau por se iniciar no espírito do bom, fazendo-lhe a apologia das suas falsas
teorias ou dos seus péssimos costumes. Aquele que é bom, a princípio, resiste, depois, ou
por timidez ou por fraqueza, deixa-se arrastar para o mal, para o crime... E ei-lo perdido
para a sociedade, para a família e para Deus!
Afastai, pois, de vossos filhos, e sem piedade, os maus companheiros, e fazei por
aproximá-los dos bons que serão para eles uma proteção, um amparo, uma segurança.
Preservai-os da ociosidade. Se vos achais em posição modesta, serão, obrigados a
trabalhar, o que será uma felicidade. Se fordes ricos, ou se eles estiverem destinados a sê-
lo, será um grande perigo. A ociosidade é funesta: desideria occidunt pigrum[ii] diz a
Escritura. A ocupação útil, o trabalho, é a lei da vida para todos, tanto para os ricos como
para os pobres. Os acidentes da vida não se fazem muitas vezes esperar, obrigando todo
o mundo a trabalhar; e em quanto isto não acontece, para que vossos filhos estejam
preparados, obrigai-os ao trabalho. Se não seguirem qualquer carreira, fazei com que
empreguem bem o tempo e que pratiquem o bem.
Impeli-os a praticarem obras de caridade, e a cumprirem os deveres sociais. É
nisto que eles encontrarão um magnífico papel a desempenhar, e a mais útil das
influências; e, pelo que a experiência tem demonstrado, aí encontrarão o melhor
preservativo contra o mal.
O Apóstolo I - Parte I
O APÓSTOLO
Meus senhores,
É um processo que vamos instaurar esta tarde. É um acusado que se julga inocente,
e que dorme na mais profunda ilusão: o servo inútil, “Servum inutilem”, que vamos citar,
sucessivamente, perante seis tribunais, que o condenarão sem piedade: o tribunal de Deus,
do Evangelho, da razão, da sociedade, da natureza e de seus próprios interesses.
Primeiramente, é necessário precisar bem a questão, tornar conhecido o acusado,
descrevê-lo em termos nítidos e precisos. Vou tocar numa chaga viva da nossa sociedade
moderna: entristecerei alguns, darei prazer a outros. Lembrai-vos, meus senhores, que os
missionários e os apóstolos têm todos os direitos, porque falam em nome de Deus, e
porque tudo o que dizem lhes passa pelo coração, ou antes pelo coração de Deus, para
penetrar no vosso, para o bem e salvação de vossas almas.
O inútil é aquele para quem a moral tem duas partes: uma que ele aceita e outra
que rejeita. Declina a malo, et bonum[1]; eis a moral. Declina a malo, evitar o mal, não
o consegue sempre; muitas vezes, não o evita absolutamente; mas, enfim, reconhece que
faz mal, e que deveria evitá-lo.
Fac bonum, fazer o bem, não se julga obrigado a isso; não vê nisso senão um
conselho, e não uma obrigação determinada e um dever.
O inútil é aquele que se dá por justificado perante Deus, se não pratica o mal,
embora não pratique o bem. Para ele, não há pecados por pensamentos, por palavras e
obras; nem existem pecados por desmazelo ou desleixo.
O inútil é aquele que guarda os dons que recebeu de Deus sem fazê-los frutificar,
ou fazendo-os frutificar somente para ele próprio.
Poderia aplicar-se aqui a reflexão de Diderot, escrita por ele, já no fim da sua vida,
na margem dum capítulo de Seneca sobre o número dos anos perdidos: “Nunca li este
capítulo sem corar; é nele que está a minha história”.
O inútil é aquele que recebeu inteligência e que a não cultiva, ou cultiva-a somente
para si próprio, para seu prazer e satisfação. Poderia falar, escrever, fazer obras úteis,
prestar serviços, combater o erro, o mal, esclarecer os espíritos, propagar a fé nas almas,
mas não o faz!
O inútil é aquele que possui fortuna e a emprega somente em satisfação dos seus
prazeres. Poderá fazer algumas esmolas, e, às vezes, importantes, para dar na vista, ou
para acalmar a consciência; mas nunca dará o que poderia e deveria dar. Poderia fazer
muito bem, sustentar famílias inteiras, auxiliar ou criar obras meritórias, empregar, enfim,
a sua fortuna magnificamente. Mas nunca tem bastante para os seus cavalos, os seus
cachorros, as suas caçadas, as suas viagens, os seus prazeres, as suas reuniões, o seu modo
de viver, as toiletes de sua mulher... - ia a empregar o plural, mas já não seria a vida inútil,
para ser a vida culpada.
O inútil é aquele que desperdiça a sua fortuna, em vez de empregá-la em
conformidade com os sentimentos cristãos e com os desejos de Deus.
O inútil é aquele que tem tempo e não o emprega senão em prazeres. Sempre
muito ocupado! No inverno: no clube, bailes e espetáculos; no verão: nas águas, nas
viagens; no outono, na caça.
O inútil é aquele que profana a coisa sagrada, que se chama o tempo na ociosidade
e no prazer.
O inútil é aquele que tem influência ou que poderia tê-la, sobre os seus
semelhantes, na família, sobre sua mulher, seus filhos, seus criados, ao redor de si, sobre
seus amigos, parentes, no seu distrito, sua aldeia, seu cantão, seu departamento, seu país,
e que não a tem porque se não quer incomodar. Prefere despeitar-se com o seu tempo e
século - é mais cômodo -; queixar-se de que tudo vai mal, e esperar um salvador que caia
do céu, a quem pediria com mais empenho, se tal acontecesse, o aumento do aluguel dos
seus prédios ou terras, do que a restauração ou engrandecimento do país.
O inútil é aquele que se podia casar e não quer, para viver mais sossegado; que
poderia ter filhos, e não os tem, porque não quer; ou só tem um, porque não quer ter o
cuidado de muitos.
É aquele que não se interessa pela educação de seus filhos, e não lhes pede senão
que o deixem sossegado. É aquele que não procura ao pé de sua mulher, senão satisfações
e prazeres; que não lhe pede senão que seja a alegria e o encanto de sua vida, sem ocupar-
se de desenvolver, o espírito, a vontade, o coração, a alma de sua esposa, de educá-la, de
instigá-la à pratica do bem, à santificação, às boas obras, e que é capaz de impedir, até, o
bem que ela deseje fazer, porque isso mesmo incomodá-lo-ia.
O inútil, em sentido ainda mais elevado[2] é aquele que trabalha, cuja vida está
preenchida, mas que só visa a um fim: ter mais comodidades, ter mais êxito.
É aquele que pratica boas obras, mas somente por filantropia, ou por necessidade
de atividade ou de soberana.
É aquele que deseja alcançar uma situação elevada, mas para seu próprio interesse,
e não para servir o país.
É aquele que, inutilizado pela idade, ou pelo sofrimento, se revolta e murmura,
em vez de submeter-se à vontade de Deus, e transformar em apostolado a sua inação
forçada e as suas provas.
Todas estas vidas ocupadas, completas pelo sofrimento, trabalho, afazeres, que
poderiam ser muito úteis, se fossem dirigidas para Deus, tornam-se inúteis perante Deus,
porque lhes falta à intenção sobrenatural, e só é útil, no sentido cristão, o que se faz em
honra de Deus.
Como vedes, há graus e categorias na inutilidade da vida. Pode-se ser um pouco
inútil, muito, ou completamente inútil; duma ou doutra maneira; nisto ou naquilo...
Que cada um de vós, meus senhores, se examine, e medite para ver sobre o que
há de recair a condenação que vamos pronunciar.
Se a vossa vida é totalmente inútil, empenhai-vos em transformá-la.
Se houver lacunas, preenchei-as. Se a intenção for má, corrigi-a.
Se a vossa vida for boa e útil, firmai-vos no bem: compreendei melhor as razões
de nela permanecerdes; e lembrai-vos desta instrução para a repetirdes a outros, que não
estão aqui, e que teriam grande necessidade de ouvi-la.
Assim, para um de vós, meus senhores, a palavra de Deus não ecoará no deserto;
mas frutificará em vossas almas.
O Apóstolo I - Parte 2
Padre Emmanuel de Gibergues
O Apóstolo I - parte 4
Padre Emmanuel de Gibergues
Seria mais do que uma injustiça: seria um escândalo. O rico inútil torna-se egoísta,
orgulhoso, insolente. Chega a persuadir-se que há duas raças na humanidade:
Uma, feita para servir, para trabalhar, para padecer, para se gastar ao serviço da
outra; outra feita para gozar, para ser servida.
Uma, cuja mão é fina e branca, coberta de pedras preciosas, ou elegantemente
enluvada; cujo corpo é delicado, e lhe repugna sofrer; cuja vida é feita de perfumes, de
flores e prazeres; outra, cuja mão é rude e calosa, o corpo endurecido pela dor, a vida
devotada, ao trabalho e ao sofrimento.
Oh! não, não, rico inútil e cego, não há duas raças na humanidade; há só uma.
Todos os homens são irmãos e devem auxiliar-se mutuamente.
Ou antes, se houvesse uma preferência no coração de Deus, no coração d'Aquele
que nos há de julgar a todos, seria pelos pobres e trabalhadores.
A vida d'Aquele que deve servir de modelo a todos nós, d'Aquele que nos,
resgatou, salvou, foi uma vida de trabalho, de pobreza, de sofrimento.
A mão d'Aquele que foi pregado na Cruz, para nos livrar do pecado e da morte
eterna, é a mão de um trabalhador!
O inútil constitui um escândalo para a sociedade, e, por isso mesmo, uma ameaça
para a sua existência, um fermento perpétuo de revolução, um perigo de morte.
Um dia, atravessando um dos nossos boulevards, tive a empolgante demonstração
de tudo isto. A alguns passos do lugar em que eu me encontrava e adiante de mim, pára
uma soberba carruagem à porta dum hotel: uma senhora, maravilhosamente vestida,
apeia-se com sua filha. Nesta ocasião, do lado oposto ao da carruagem e perto de mim,
passava, afadigadamente, uma jovem operária, que levava um embrulho debaixo do
braço. A pobre mocinha ia, penso eu, levar obra feita a alguma freguesa, e receber
algumas moedas, para o seu sustento e, talvez, o de sua família.
Vendo a senhora e sua filha descerem do carro, parou repentinamente, e o seu olhar,
tornando-se bruscamente refulgente, tomou uma expressão profunda e singular de dor e
de inveja. Olhava para aquele soberbo vestuário, para aqueles cavalos de preço, e, sem
dúvida, dizia consigo mesmo: “Com tudo isto, teria eu o bastante para alimentar minha
família, durante muitas semanas!...”
É a inveja que se apodera do coração do pobre, quando o fausto dos ricos o
deslumbra e lhe aparece como um escárnio. E, se a riqueza não se faz desculpar, perdoar,
pelos serviços prestados, pelo emprego útil da vida, pela dedicação; se, pelo contrário,
ostenta a sua inutilidade como um escândalo e uma provocação, então nasce no coração
dos que sofrem, e a quem tudo falta, uma inveja desmedida, um ciúme feroz, e que se
pode converter em ameaças.
No lugar dessa costureira, colocai um trabalhador de braços vigorosos; colocai
cem, mil, dez mil; suponde-os sem religião, sem esperanças eternas, sem o temor de Deus;
suponde que tenham a compreensão e o orgulho da sua força, do seu poder; colocai diante
deles ricos orgulhosos, egoístas, ociosos, pensando só no gozo da vida e no acumular dos
seus haveres; em uma palavra, homens inúteis: o primeiro grito de ódio e vingança que
se erguer do seio dessas multidões trabalhadoras, arrebatá-las-á todas ao assalto da
riqueza e do capital, e a sociedade afogar-se-á em sangue!
Relede a vossa história. Houve um século em que as classes elevadas haviam
abandonado as funções úteis, e desertado dos cargos sociais, para irem divertir-se e dançar
na Corte. A inutilidade tinha os seus grandes dias, e o escândalo ostentava-se mesmo no
trono. Foi o sinal! E como a religião havia sido desprezada, rebaixada, destruída por
aqueles mesmos que a deviam ter sustentado e defendido, e, não havendo já freio para as
paixões populares, deu-se uma das crises mais medonhas como a história nunca tinha
registrado.
A vida inútil é o fermento das mais violentas revoluções; a sociedade condena-a
por ser o escândalo, a desonra e a ruína da própria sociedade.
O Apóstolo I - Final
Padre Emmanuel de Gibergues
A vida inútil, meus senhores, é condenada pelos vossos próprios interesses, e,
primeiramente, pelos vossos interesses naturais.
O momento aproxima-se, em que todo mundo será obrigado a trabalhar para viver.
Os rendimentos estão diminuindo. Outrora os 5% não eram raros; agora, são uma
exceção.
As fortunas dividem-se, necessariamente, a cada transmissão. Se há mais do que
dois filhos, e, se não se encontra no matrimônio mais do que o que se traz, a situação é
precária: fica-se abaixo dos pais. Em algumas gerações, as mais belas fortunas
transformam-se em modesta abastança.
Poderá chegar um dia em que os homens tenham de aceitar moças sem dote, para
constituírem família, contando só com o produto do seu trabalho para proverem a todos
os encargos do seu estado. Neste caso, só os úteis, os trabalhadores é que poderão
experimentar o gozo da família, os encantos do lar doméstico.
Os inúteis, os ociosos ficarão de mãos gastas e de cara torta, abandonados ao seu
celibato de incorrigíveis mandriões.
A vida inútil avilta a inteligência. O espírito enferruja-se e enerva-se na inação: o
preguiçoso está sempre na indigência, diz a Escritura Sagrada: “piger semper est in
egestate”[1].
A vida inútil avilta o caráter. O hábito de não fazer nada abate a energia da vontade
e afrouxa todas as molas da alma, tornando o homem incapaz de qualquer sacrifício e de
qualquer esforço.
A vida inútil avilta o coração. A força de não pensar senão em si, torna-se
indiferente a tudo, exceto à satisfação das suas paixões. A mínima inquietação, um sono
agitado, uma digestão mal feita, um divertimento gorado, um cão ferido, um cavalo que
sofre de uma pata, a mínima contrariedade pessoal, eis as inquietações do inútil! Que lhe
importam os pobres que não têm pão, os desgraçados que sofrem fome ou frio, a pátria
humilhada, a sociedade em perigo e a Igreja perseguida? Contanto que ele se sinta bem,
que os seus negócios corram como deseja; que os prazeres abundem, e que não diminuam
os seus rendimentos, o resto pouco importa! O seu coração está fechado, endurecido,
destruído!
A vida inútil avilta o homem; tira-lhe valor, degrada-o e desonra-o. Não é mais a
vida nobre da inteligência e do coração, do espírito e da alma; é a vida do animal.
A vida inútil é uma vida fastidiosa. A felicidade que o inútil procura, foge dele
como a sua sombra; nunca consegue alcançá-la. E, tarde ou cedo, um vácuo horrível se
formará em torno dele. Nem para si mesmo, nem para os outros terá prestígio; e, não
sabendo ao que há de ater-se, passa a vida a matar o tempo e a consumir-se em inúteis
remorsos. Numa certa idade, por demasiadamente tarde, é impossível refazer a vida. É
uma vida desfeita em que se morre de aborrecimento.
A vida inútil, enfim, meus senhores, é, sobretudo, condenada pelos vossos
interesses sobrenaturais, isto é, pelos vossos melhores e mais duráveis interesses.
É uma vida sem merecimentos, sem valor aos olhos de Deus, e perdida para o céu.
O inútil poderá ter tido as mãos cheias de dinheiro, cheias de grandes acontecimentos,
repletas de prazeres; porém morrerá sem levar nada consigo; morrerá de mãos vazias.
É uma vida culpável por todos os erros que ela traz consigo, necessariamente,
como consequência inevitável da inação: “os maus desejos matam o preguiçoso”, diz a
Escritura Sagrada: desideria occidunt pigrum[2].
O inútil não é inativo senão para o bem; mas para brotarem e medrarem os maus
germens, é um terreno fertilíssimo, onde o mal rapidamente se desenvolve.
Nele, é tão fácil e pronto o desenvolvimento do pecado, quanto moroso e lento, o
da virtude: é presa fácil de todas as paixões, de todas as desordens e de todos os vícios.
É uma vida culpada em si mesmo, dissemo-lo, porque foi condenada por Deus e
Jesus Cristo, e porque a inação, a ociosidade, a inutilidade são um verdadeiro pecado.
Não fazer o bem, basta para desagradar a Deus, para carregar-se das mais graves
responsabilidades, e incorrer nos mais horríveis castigos.
Conheceis a parábola do Evangelho:
“Um homem rico, vestido de púrpura e linho, fazia todos os dias festins
esplêndidos. Havia à sua porta, estendido por terra, um mendigo, chamado Lázaro todo
coberto de úlceras que desejaria alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico;
mas ninguém lh'as dava. Os cães vinham lamber as suas úlceras.
“Aconteceu morrer o mendigo levado pelos anjos ao seio de Abraão. O rico
também morreu, e foi sepultado no inferno.
“Então, do meio de seus tormentos, erguendo os olhos, viu Abraão ao longe e
Lázaro em seu seio, e pôs-se a gritar: Abraão, meu pai, tem piedade de mim, e manda-me
Lázaro; que molhe o dedo n'agua, para refrigerar-me a língua, pois estou mortificado
nesta chama.
“Abraão respondeu-lhe: Meu filho, lembra-te que, durante a tua vida, não
recebeste senão bens, e que Lázaro não recebeu senão males. Agora, está consolado e tu
estás mortificado. Em todas as coisas, entre nós e vós, há um imenso e eterno abismo, que
é impossível transpôr a uns e a outros”[3].
Pensastes, sem dúvida, meus senhores, que se tratava daquele que foi rico em bens
deste mundo, e fez deles mau uso, guardando-os para si, sem dividi-los com os pobres; e
não vos enganastes.
Mas há outra riqueza maior do que a dos bens perecíveis deste mundo, e que não
é menos apontada pela parábola do Evangelho: é a riqueza da inteligência, do coração, da
vontade; são todos os tesouros de uma natureza bem dotada, capaz de compreender, de
amar, de dedicar-se, de fazer conhecer a verdade e amar o bem.
Há uma riqueza ainda mais nobre: é a dos bens sobrenaturais da graca e os méritos
de Jesus Cristo; é a riqueza de uma alma que vive da fé, da esperança e da caridade; que
vive da própria vida de Deus. O rico que faz festins esplendidos, é o cristão que se ajoelha
à mesa sagrada, para alimentar-se da Carne e do Sangue de seu Deus.
Quanto maior é a riqueza, a muito mais obriga; quanto mais tendes, tanto mais
deveis dar aos pobres, aos desgraçados, aos famintos, aos incrédulos, aos pecadores e a
Deus.
Se não dais nada, se guardais tudo para vós, se sois o inútil, sois o mau
rico. sepultus est in inferno[4]
E para ficardes mais bem avisados, meus senhores; para não poderdes pretextar
nem ignorância, nem boa fé, Jesus Cristo, no Santo Evangelho, quis dar-vos
antecipadamente a própria sentença e a causa formal da condenação dos réprobos, nas
palavras que eles ouvirão no juízo final.
Voltando-se para eles, o Soberano Juiz dir-lhes-á: “Retirai-vos de mim, malditos;
ide para o fogo eterno, porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me
destes de beber...” E, como os réprobos se admirarão, Jesus Cristo continuará: “Em
verdade vô-lo digo, o que não fizestes por um dos mais pequenos, foi por mim que o não
fizestes”.
A única causa que Jesus Cristo põe em evidência, o único motivo que alega para
a condenação dos réprobos, é que não praticaram o bem, a caridade; a caridade material,
sem dúvida, mas também a caridade espiritual, que sobrepuja à primeira, tanto quanto a
alma sobrepuja ao corpo, e a eternidade ao tempo.
É só o inútil que é apontado no primeiro artigo; só ele é que é apontado. Parece
haver perdão para todos, menos para ele; parece que Jesus Cristo no dia do juízo,
esquecerá todos os pecados, para se não lembrar senão daquele.
A quem tiver exercido a caridade material e moral, por dedicação ao próximo, a
misericórdia parece dever ser imensa, e tudo dever ser perdoado: caritas operit
multitudinem peccatorum[5].
Mas para o egoísta e o inútil, para aquele que só tiver vivido para si mesmo, não
haverá senão castigos e maldições.
Entre ele e o Deus de amor e de caridade, o Cristo que se imolou para a salvação
de Seus irmãos, não poderia haver nada de comum; é irrevogável e para sempre: Discedit
a me maledicti in ignem aeternum[6].
Ó inútil, eis o teu processo! Eis-te condenado pelo céu e pela terra; pelos homens
e por Deus. Que vais fazer? Aonde te vais refugiar contra a cólera celeste: Quo a facie
tua fugiam?[7]
Nada mais tens que fazer do que condenar-te a ti mesmo, condenar a tua vida,
mudá-la, torná-la tão nobre, útil, caritativa e dedicada, quanto tiver sido baixa, egoísta e
estéril, para que possas merecer ouvir no último dia a sentença da eterna felicidade:
“Vinde, benditos de meu Pai, tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de
beber... possui o reino que vos foi preparado, desde a origem do mundo!”[8]
Meus senhores,
Que um católico tenha deveres fora da família; deveres para com a sociedade, a
Igreja e a pátria; que tenha para ele, ao lado do dever do marido e do pai, o dever do
cidadão, do cristão, do homem para com os seus semelhantes; ao lado do dever familiar,
o dever apostólico e social, é a própria evidência.
O católico não é, segundo um velho prejuízo, restabelecido por Bacon, um
“emigrado para o seu íntimo”, cuidando somente da sua salvação e dos seus interesses
espirituais. Tem encargos de corpo e alma para com os seus semelhantes, e,
especialmente, para com os que fazem parte da mesma cidade, da mesma pátria; nada do
que lhes diz respeito e interessa lhe deve ser estranho; os deveres apostólicos e sociais
obrigam-no em consciência; temo-lo demonstrado.
São os grandes deveres da hora atual. Sobre os destroços da sociedade antiga,
forma-se, organiza-se uma sociedade nova.
Todos os espíritos estão alarmados, levantam-se todas as cobiças. De todos os
lados surge uma luta aberta; todos querem apoderar-se da sociedade, para tomarem a sua
direção e governo. Os maus encarniçam-se, têm a dianteira. Os bons ficarão na
retaguarda, de braços cruzados? Não! Os bons nunca cessaram de agir; os seus esforços
multiplicam-se todos os anos; vê-se chegar o momento, onde, sob a pressão dos
acontecimentos, eles avançarão todos. Há alguns anos, que era preciso convencê-los da
necessidade de agirem, abalá-los, empurrá-los; agora, está dada a impulsão; começou o
movimento, não parará. Os inúteis, os egoístas, tornar-se-ão cada vez mais raros; a
vergonha, o medo, o despertar também, esperemo-lo, dos sentimentos nobres forçá-los-
ão à ação, por sua vez.
Pregar o apostolado será sempre necessário, para despertar os adormecidos, e
estimular os bons; mas o mais urgente, neste momento, é determinar as suas condições,
regular a sua marcha e marcar o papel que os homens têm a desempenhar, será todo o fim
desta construção.
Há, meus senhores, para o dever social e o apostolado dos católicos, condições
gerais e permanentes, condições especiais e transitórias. As primeiras são os mesmos
princípios do apostolado, que não podem variar, que se encontram em todos os séculos.
Os segundos são as formas que devem tomar esses princípios, para se adaptarem às
sociedades modernas e às necessidades da hora presente.
É ao apóstolo por excelência, ao modelo perfeito de todo o dever social e
apostólico, a Jesus Cristo, que pediremos os princípios do apostolado. Hoc est
praeceptum meum ut diligatis invicem, sicut dilexi vos. É a nós que compete precisar as
aplicações modernas deste preceito.
Ora, Jesus Cristo entregou-Se inteiramente ao dever do apostolado. Com a Sua
inteligência, a Sua vontade e atividade, o Seu coração, o Seu ser e a Sua vida dedicou-Se-
lhe por completo. Também nós devemos entregar-nos inteiramente a ele; é a Sua ordem
“sicut dilexi vos”. Devemos amar e consumi-los tanto como Ele, mas devemos fazê-lo,
segundo as leis da sociedade moderna, e como convém à nossa época: é o que vamos ver.
Continuará...
Meus senhores,
Que um católico tenha deveres fora da família; deveres para com a sociedade, a
Igreja e a pátria; que tenha para ele, ao lado do dever do marido e do pai, o dever do
cidadão, do cristão, do homem para com os seus semelhantes; ao lado do dever familiar,
o dever apostólico e social, é a própria evidência.
O católico não é, segundo um velho prejuízo, restabelecido por Bacon, um
“emigrado para o seu íntimo”, cuidando somente da sua salvação e dos seus interesses
espirituais. Tem encargos de corpo e alma para com os seus semelhantes, e,
especialmente, para com os que fazem parte da mesma cidade, da mesma pátria; nada do
que lhes diz respeito e interessa lhe deve ser estranho; os deveres apostólicos e sociais
obrigam-no em consciência; temo-lo demonstrado.
São os grandes deveres da hora atual. Sobre os destroços da sociedade antiga,
forma-se, organiza-se uma sociedade nova.
Todos os espíritos estão alarmados, levantam-se todas as cobiças. De todos os
lados surge uma luta aberta; todos querem apoderar-se da sociedade, para tomarem a sua
direção e governo. Os maus encarniçam-se, têm a dianteira. Os bons ficarão na
retaguarda, de braços cruzados? Não! Os bons nunca cessaram de agir; os seus esforços
multiplicam-se todos os anos; vê-se chegar o momento, onde, sob a pressão dos
acontecimentos, eles avançarão todos. Há alguns anos, que era preciso convencê-los da
necessidade de agirem, abalá-los, empurrá-los; agora, está dada a impulsão; começou o
movimento, não parará. Os inúteis, os egoístas, tornar-se-ão cada vez mais raros; a
vergonha, o medo, o despertar também, esperemo-lo, dos sentimentos nobres forçá-los-
ão à ação, por sua vez.
Pregar o apostolado será sempre necessário, para despertar os adormecidos, e
estimular os bons; mas o mais urgente, neste momento, é determinar as suas condições,
regular a sua marcha e marcar o papel que os homens têm a desempenhar, será todo o fim
desta construção.
Há, meus senhores, para o dever social e o apostolado dos católicos, condições
gerais e permanentes, condições especiais e transitórias. As primeiras são os mesmos
princípios do apostolado, que não podem variar, que se encontram em todos os séculos.
Os segundos são as formas que devem tomar esses princípios, para se adaptarem às
sociedades modernas e às necessidades da hora presente.
É ao apóstolo por excelência, ao modelo perfeito de todo o dever social e
apostólico, a Jesus Cristo, que pediremos os princípios do apostolado. Hoc est
praeceptum meum ut diligatis invicem, sicut dilexi vos. É a nós que compete precisar as
aplicações modernas deste preceito.
Ora, Jesus Cristo entregou-Se inteiramente ao dever do apostolado. Com a Sua
inteligência, a Sua vontade e atividade, o Seu coração, o Seu ser e a Sua vida dedicou-Se-
lhe por completo. Também nós devemos entregar-nos inteiramente a ele; é a Sua ordem
“sicut dilexi vos”. Devemos amar e consumi-los tanto como Ele, mas devemos fazê-lo,
segundo as leis da sociedade moderna, e como convém à nossa época: é o que vamos ver.
Continuará...
Jesus Cristo não fez só obra de inteligência e de luz; mas fez obra de vontade e de
atividade. Não veio só em testemunho da verdade, mas como salvador das almas. Venit
Filius hominis quaerere et salvum facere quod perierat.[1] E, para ter mais poder sobre
nós, começou por fazer antes de dizer: capit facere et docere.[2] Deu-nos o exemplo,
antes do preceito: Exemplum dedi vobis.[3]
Os apóstolos fizeram como Ele. Lembrando-se que eram o sol da terra, foram até
aos confins da terra. A sua atividade não conheceu limites; dirigiram-se aos Gentios,
como aos Judeus, aos Gregos, aos Romanos, aos Bárbaros; trabalharam, lutaram,
sofreram, pagaram com a sua pessoa, e teriam podido dizer todos como um
deles: Imitatores mei estote, sicut et ego Christi.[4]
O apóstolo moderno não deve ser só uma testemunha da verdade, um homem de
luz e convicção, um homem desinteressado, mas um homem de ação e de vontade, um
salvador em toda a extensão do termo, e não somente um discursista.
Discursistas temos de sobra.
Discursistas, os turbulentos e inúteis que levam vida alegre, que fazem
demonstrações ruidosas, acompanhadas de reuniões alegres, que finalizam por banquetes,
onde se proclamam os princípios libertadores; e que, no momento do perigo, não são
salvadores, senão de si mesmos!
Discursistas, são aqueles que se contentam em fazer ostentação nos salões e nos
clubes, em declamar, julgar e aconselhar!
Discursistas, são todos aqueles que falam em vez de agirem, ou para se
dispensarem e se justificarem de o não fazerem!
Discursistas, são os rapazes que falam com muito acerto, mas praticam o
contrário, e que fariam corar de vergonha os avós, se eles voltassem do outro a este
mundo, pois que não querem compreender que não é o nome que dá honra, mas o uso que
se faz dele, e que o nome é um encargo a mais; os rapazes que herdam de seus
antepassados, mas que se deserdam, por sua própria vontade, da única herança digna de
nome; a do dever, da virtude e da dedicação.
Discursistas, são os hipócritas, os ambiciosos, os vendidos, os fariseus do século
vinte, que não crêem nem em uma só palavra do que dizem, que não falam senão com o
fim de alcançarem uma popularidade desleal, feita de mentira e astúcia que os encubra e
abrigue.
Discursistas temos em demasia!
Mas salvadores, são os homens de convicção e de ação útil, que fazem correr as
suas idéias durante a vida, em prol do bem e da salvação de seus irmãos!
Salvadores, são os que sabem pagar com a sua pessoa, e compreender que não são
as instituições que fazem bem, mas os homens!
Salvadores, são os rapazes que se apartam das inutilidades de tantos outros, da
ociosidade, de todas as seduções da mocidade, das distrações fáceis e dos prazeres
elegantes, e, na febre do trabalho, de exame, de posição a conseguir, arranjam ainda
tempo, para os padroados, as reuniões apostólicas, as obras pias!
Salvadores, são os pais de família que, desempenhando funções honrosas, embora
apertados pelos deveres dos seus cargos e da sua posição, vão levar aos trabalhadores, aos
pobres, aos humildes, alguma coisa de seu tempo, de sua inteligência, de sua dedicação;
vão falar-lhes do que lhes diz respeito, interessar-se pelos seus trabalhos e por suas vidas!
Salvadores, são os instrutores da mocidade, os Irmãos e Irmãs da caridade, os
padres e religiosos que renunciaram às doçuras do lar, às alegrias da família, a tudo, para
consagrarem a sua vida ao bem e à felicidade dos outros, a elevar os espíritos, a aliviar os
corpos, a fortalecer as almas, a distribuir, por todos os que sofrem, os benefícios de uma
dedicação, que é inesgotável, porque vem do Infinito, e volta para ele!
Eis ao que se dá o nome de salvadores! Já os temos; que Deus os multiplique! ...
Como deverá praticar o católico para ser salvador? Deverá exortar os católicos, e
os que o não são, ou que só o são de nome.
Aos católicos, pregará a união e a vida. Far-lhes-á sentir a vacuidade das
discussões apaixonadas, das polêmicas violentas, o mal que fazem aos que ofendem e
afastam, o mal que fazem aqueles que a empregam, o tempo que se perde nisso e que se
rouba à ação, ao bem, ao país. Far-se-á o eixo das exortações constantes do Soberano
Pontífice, à conciliação, à paz, à concordância e à união.
Deixando de parte as antigas brigas, as palavras agressivas, irritantes,
provocadoras, os epítetos que dividem ou causam desconfiança, mostrará que a união não
se pode fazer, senão desfazendo-se de tudo o que é pessoal, humano, terrestre, e, por
consequência, frágil e perecedouro, e elevando-se a tudo o que é necessário, divino: in
necessariis unitas.[5]
Mas a união, o necessário, o divino não são a imobilidade e a morte. Pregarão a
vida, a avançada, o progresso, a ação eficaz, sob todas as suas formas, com a prudência
da serpente, mas também com a simplicidade, a elevação, a rapidez da pomba.
Aos indiferentes, aos hostis, aos não católicos, falarão em toda oportunidade, e
em todo o encontro, em toda a parte aonde os encontrem, no quartel, nas escolas, na
sociedade. Quantos erros poderão destruir, quantos preconceitos poderão fazer
desaparecer, se forem seriamente instruídos, se tiverem o sincero desejo de esclarecer e
não de polemicar! Aqueles que atacam a religião, conhecem-na tão pouco e tão mal, que
bastará, muitas vezes, reconduzi-los à integridade do ensinamento católico, para
confundi-los, ou, antes, reconciliá-los, se forem de boa fé.
Os católicos não esperarão que venham junto deles. Eles irão ter com os que não
os procurarem e com os que não podem vir ter com eles, sem que os vão procurar o povo,
os camponeses e os operários.
O camponês não entende de teorias; é desconfiado; não compreende mais do que
o conselho imediato e prático. É difícil tocá-lo profundamente, se não se viver,
ordinariamente, no campo.
Para ele, nada há como a conversação individual a um canto da lareira, na curva
dum caminho ou à borda dum campo. Falai-lhe das suas terras, de seus interesses, das
suas despesas; ganhei a sua confiança por meio de entrevistas privadas, ou, pelo menos,
por conferências periódicas. Então, podereis entrar em questões mais elevadas.
Nos operários rurais, há uma aptidão especial, para compreenderem as teorias e
raciocínios; possuem a lucidez do espírito em subido grau. Exercem continuamente sobre
os camponeses, seus vizinhos, uma influência extraordinária. São eles que fazem, na
maior parte, as eleições. Por meio deles, é que se pode propagar um apostolado. Por meio
deles, conferências bem organizadas seriam úteis, e poderiam renovar todo o espírito
rural. Veem, em multidão, às missões e não deixariam de vir a conferências leigas.
O mesmo se daria com os trabalhadores das cidades. Mas é a estes que não se
devem impôr idéias. Do seu espírito crítico, censurador e liberal, resultaria um insucesso.
É preciso lançar mão dos seus defeitos, criticando o que se quer destruir, procedendo por
via de pesquisa, e como que procurando a descoberta do que se quer estabelecer. É por
este motivo que as conferências dialogadas têm, entre eles, o maior sucesso. Quantas
vezes os ouvimos nos dizerem: “Foi isso que me converteu”.
Mas todas as vossas conferências, todas as vossas conversações nada farão, se os
princípios que aplicardes não forem os vossos, meus senhores; se a vossa vida não for a
confirmação das vossas palavras e da vossa ação social.
O que é o desinteresse para a idéia, é o exemplo para a ação. É o desinteresse que
faz aceitar a idéia; é o exemplo que confirma a ação e lhe dá uma força invencível, assim
como o exemplo contrário produz a sua negação e destruição.
Sêde ordenados em vossos costumes, casai-vos, e casai os vossos filhos e as
vossas filhas cristãmente; não façais deles caçadores de dotes; não receeis ter filhos;
edificai os vossos criados com os vossos discursos, e sãos exemplos. Abandonai o luxo
ruidoso, as festas escandalosas; renunciai a ociosidade insolente e provocadora; amai a
vida familiar; honrai o pastor da vossa aldeia, sem o absorverdes em vosso proveito, isto
é, sem o familiarizardes; frequentai a Igreja e os ofício divinos; sustentai as escolas, as
obras pias, as associações, sem as fazerdes vossas, mas, pelo contrário, tornando-vos
delas.
Esta conduta modesta, digna, dedicada, desinteressada, em uma palavra, cristã,
dará às vossas palavras e ações um poder irresistível.
Bem percebeis, meus senhores, que tudo isto se não pode fazer sem amor. A razão
do apostolado do Salvador, a sua força é o Seu amor: “Sicut dilexi vos”. Pôs nele todo o
Seu coração. O Seu amor agiu duplamente em favor de Seu apostolado. Agiu sobre ele e
sobre nós; sobre ele, para sustentá-lo, sobre nós, para nos conquistar.
O amor será também o móvel do nosso apostolado. Ele, e só ele o poderá produzir.
Só ele nos tornará capazes de falarmos e agirmos. Só ele sacudirá o fundo de indiferença,
de apatia e de egoísmo que se encontra no fundo de todo coração humano. É o fermento
que fará levedar toda a massa; que fará desaparecer as repugnâncias naturais que temos,
quando se trata de agir e trabalhar para os outros. Jesus Cristo no-lo ordena: hoc est
praeceptum meum ut diligatis invicem. E, sabendo como o amor precisa ser grande para
uma tal tarefa, é o Seu que nos propõe para modelo: Sicut dilexi vos.
O amor natural, a simpatia natural, de homem para homem, não são suficientes.
Ai! infelizmente, é antes a antipatias e o ódio, que os homens têm uns aos outros;
e os grandes, os ricos, os felizes, não são, naturalmente, levados a gozar, a reter tudo, a
desdenhar e a desprezar os pequenos?
Só o amor cristão, que vê a Deus no próximo, terá bastante força para fazer de vós
verdadeiros apóstolos. Só ele será a fonte inesgotável da caridade, da dedicação ao povo,
do nobre cuidado da sua inteligência, da sua vida, da sua alma e do seu corpo.
Também, só o amor cristão saberá conquistar os espíritos, os corações, as almas.
A justiça é necessária: é preciso reclamá-la francamente. Sem adular o povo, sem
assoprar-lhe a revolta e o ódio dos ricos, sejamos os primeiros a pedir, para ele, a justiça;
o soberano Pontífice deu-nos o exemplo.
Mas a justiça não basta; nunca será suficiente; será sempre impotente, incompleta
sem a caridade, sem o amor cristão. A justiça não estabelecerá senão um equilíbrio
instável, que a menor injustiça, quer parta dos grandes, quer dos pequenos, romperá.
Só a caridade, compensando, pelo sacrifício voluntário, as injustiças, cometidas,
assegurará a estabilidade e a paz social. Só ela unirá os corações, as almas, o país, dando
aos poderosos a dedicação e o socorro efetivo; e concedendo aos fracos a resignação, o
perdão e a paciência.
Mas que espécie de amor às classes elevadas deverão ter pelas classes laboriosas?
Não um amor aristocrático, um amor condescendente; a palavra traduz bem o meu
pensamento; não um amor que desce, que parece descer indo até ao povo.
Estaria longe de ser suficiente. O povo não tolera que o humilhem e desprezem.
São inúteis as recriminações a este respeito; é assim, e, em seu lugar, seriam os,
provavelmente, como ele. O povo não pede que a gente se humilhe diante dele, mas não
suporta a insolência e o desprezo; quer que se lhe fale como de homem para homem e
com respeito, que o estimem como igual, que creiam nele, que tenham confiança nele,
que o tenham em alguma conta.
Não está nisto o amor cristão? Jesus não disse aos Seus apóstolos: “Não vos
chamarei servos, mas chamar-vos-ei meus amigos.” [6] Não devemos nós falar, agir
sentir, amar, como ele?: Sicut dilexi vos.
É um amor de amigo e de irmão que se nos pede.
O amor cristão vai mais longe. Jesus lançou-Se aos pés dos Seus apóstolos e disse:
“Vim para o meio de vós como quem serve.” [7] “Que aquele que quer ser o maior, se
faça o menor.”[8] Acrescentou: “O que fizerdes ao menor de meus irmãos, é a mim que
o fareis.[9]
O cristão, dirigindo-se aos pequenos, aos humildes, não crê rebaixar-se, mas antes
elevar-se; porque a sua fé representa-lhe o pobre como que sobre um trono de glória,
aonde ele saúda, honra, ama e serve a Jesus Cristo em sua pessoa.
E ao mesmo tempo que o cristão vê Deus no pobre, faz ver Deus ao pobre; faz-
lh'o, de certo modo, tocar, porque o pobre sabe bem que é em nome de Deus que é
socorrido, e que só Deus pode inspirar tanta caridade e desinteresse.
Assim compreendido, o amor cristão, a caridade, como seu verdadeiro nome, que
é a união do amor de Deus e do amor do próximo, produzirá prodígios: prodígios de
apostolado e de zelo, naquele que o praticarem; prodígios de transformação e conquista,
sobre aqueles que forem o seu objeto. “Dai-me um ponto de apoio e uma alavanca, dizia
um sábio, e levantarei o mundo”.
No mundo moral o ponto de apoio é Deus, a alavanca é a caridade!
O amor conduzir-nos-á à ultima virtude do apóstolo: a dedicação.
Dedicar-se é mais do que amar, é ir até os confins do amor, como Jesus, cujo
Evangelho nos diz: In finem dilexit. [10]
Dedicar-se é mais do que dar a inteligência, a atividade, o coração; é dar-se
completamente: o corpo, a alma ser e a vida.
Foi assim que Jesus Cristo se deu, foi assim que se tornou o nosso Redentor.
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por aqueles que ama,[11] e
eu dou-a: ninguém m'a tira, dou-a livremente.”[12] Eis o Redentor.
Toma sobre Si os pecados dos outros, faz-Se vítima, e, em lugar deles, é imolado.
Foi o que fez Jesus Cristo: foi sobre a Cruz que nos resgatou.
Seguindo o Seu exemplo, os apóstolos tornaram-se de todos; gastaram tudo e
gastaram-se a si mesmos. Foram os mártires do seu apostolado e os redentores do mundo.
Até aí, meus senhores, devemos ir.
As meias dedicações, na família e na sociedade, não são suficientes; é preciso dedicar-
vos como Jesus Cristo, até ao fim, sem vos deixardes embaraçar pelas oposições, os
desprezos, os desdéns, as contradições.
Riram do Salvador, caçoaram d’Ele, trataram-no de louco, de possesso; os Seus
próprios discípulos abandonaram-nO, renegaram-nO, atraiçoaram-nO; e, quando Ele
morreu sobre a cruz, podia-se julgar que a Sua obra estava destruída para sempre. Foi a
hora de Seu desabrochamento e do Seu triunfo.
Dedicai-vos como Jesus Cristo, sicut dilexi vos. Como Ele, oferecei as vossas
preces, os vossos sofrimentos, as vossas provações, as vossas fadigas, a vossa própria
vida pela salvação de vossos irmãos; dedicai-vos até ao martírio! pois “ser mártir,
exclama Ozanam, é coisa possível a todos os cristãos; é dar a sua vida em sacrifício, que
o sacrifício seja consumado de vez como o holocausto, ou que se efetue lentamente e
arda, noite e dia, sobre o altar; ser mártir, é dar ao céu o que se tem recebido dele, o corpo,
o sangue, a alma inteira”. É dedicar-se na família e para fora, para com os seus e os outros,
para com a pátria e a humanidade. É dedicar-se na humildade, no sacrifício
na oração, no dever, pelo triunfo de tudo o que é justo e santo, de tudo o que é, nobre e
bom. É dedicar-se ao bem dos homens e à glória de Deus, sicut dilexi vos!
Não digais: é impossível. Houve quem fizesse nos séculos passados; há quem faça
no nosso século: Ozanam, Montalembert, de Melun... para não citar senão estes. Há quem
o faça todos os dias à nossa vista; não se nomeiam os vivos, olha-se para eles, admiramo-
los, imitamo-los; vós os conheceis. Dedicai-vos como eles. Jesus Cristo vo-lo ordena, e
as necessidades dos tempos em que estamos vos fazem disso uma obrigação urgente.
Quando um exército atravessa um país assolado pelo inimigo, redobrar de
disciplina e coragem, de padecimento e audácia, unir-se em volta da bandeira, e dedicar-
se até à morte, é o dever sagrado do soldado, como será o triunfo, ou, pelo menos, a honra
da pátria!
Tal é o mundo aonde estais, meus senhores. Invadido pelo erro, o cepticismo e
todas as doutrinas falsas, arrasado pelos esforços dos maus, é um campo de batalha aonde
tudo se vai decidir. Não! não! já não é permitido, já não é possível ficar indiferente. É ao
redor da cruz que nos devemos agrupar todos! É, após Jesus Cristo, o nosso chefe, que
devemos marchar! É, sob o Seu olhar que devemos combater, os combates da inteligência
e da verdade, os combates da vontade e da atividade, os combates do exemplo e do
desinteresse, os combates do amor e da dedicação! É, sob o Seu olhar, que devemos
vencer ou morrer, porque se trata da justiça e do bem, da virtude e da verdade; trata-se,
verdadeiramente, da vida ou da morte, da vida ou da morte das almas, da vida ou morte
do mundo! Para o levantamento da pátria, para a salvação das almas e a glória de Deus,
sêde, pois, os soldados e os apóstolos do dever e da dedicação; sêde os seus heróis, e, se
preciso for, os seus mártires! Hoe est praeceptum meum ut diligatis invicem sicut dilexi
vos.
AMÉM!
[1] S. Lucas, XIX, 10. “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que havia
perecido.”
[2] Atos dos Apóstolos, I, 1.
[3] São João, XIII, 15.
[4] I.ª Epístola aos Coríntios, XI. “Sede os meus imitadores, como eu sou o imitador
de Cristo”.
[5] S. Agostinho. “Nas coisas necessárias, unidade”.
[6] São João, XV, 15.
[7] São Lucas, XXII, 27.
[8] São Lucas, XXII, 26.
[9] São Matheus, XXV, 40.
[10] São João, XIII, 1.
[11] São João, XV, 13.
[12] São João, X, 18.