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Qualidades técnicas do

Diretor Espiritual
por FR. ANTONIO ROYO MARÍN, O.P.
Nunca se deve esquecer que o verdadeiro diretor…
[das] almas é o Espírito Santo, e que a missão
do sacerdote limita-se a apoiar sua ação divina,
removendo os obstáculos que surgem na marcha
e levando a alma a uma fidelidade cada vez
mais refinada aos movimentos interiores da graça.

– fr. antonio royo marín


Ciência
A ciência do diretor espiritual deve ser vasta. Além do profundo co-
nhecimento da Teologia Dogmática (sem a qual ele se expõe a errar na
própria fé ao emitir seus ditames sobre fenômenos aparentemente
sobrenaturais) e da Teologia Moral (sem a qual não pode sequer de-
sempenhar convenientemente o cargo de simples confessor), deve
conhecer a fundo a Teologia Ascética e Mística, principalmente o que
se refere aos princípios fundamentais da vida espiritual: em que con-
siste a perfeição, a quem e de que maneira ela obriga, quais são os
obstáculos que devem ser removidos, as ilusões a serem evitadas, os
elementos positivos que é preciso fomentar. Deve saber em particu-
lar tudo que está relacionado à vida de oração: seus diferentes graus
ascético-místicos, as provações que Deus costuma enviar ou permitir
em almas contemplativas (noite dos sentidos, do espírito, aridezes,
perseguições, ataques diabólicos etc.). Deve ser um bom psicólogo,
conhecer perfeitamente a teoria dos diferentes temperamentos e ca-
racteres, a influência que podem ter exercido sobre o dirigido, o am-
biente em que viveu, a educação recebida etc. Também deve conhecer
os princípios fundamentais da psicopatologia, os casos anormais, as
doenças mentais e nervosas mais frequentes. Por fim, é necessário
que possua um conhecimento profundo das regras para o discerni-
mento dos espíritos, especialmente se dirige almas nas quais apare-
cem fenômenos extraordinários e gratiae gratis datae.
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Esse conhecimento amplo e profundo nem sempre é necessário para


a direção comum das almas. Tratando-se de principiantes e até mes-
mo de almas simplesmente piedosas, geralmente bastará ao diretor
possuir a ciência habitual de um sacerdote suficientemente douto
e experimentado. Mas para a direção de almas extraordinárias ou
anormais, requer-se uma ciência superior. De qualquer forma, o
padre tem a obrigação (pelo próprio ofício de confessor) de possuir
ciência suficiente para lidar com esses casos extraordinários, que na
prática seriam muito mais numerosos se houvesse diretores compe-
tentes e cheios de espírito apostólico, que impulsionassem seus diri-
gidos às grandes alturas da perfeição cristã.

Em última análise, conhecida a própria incompetência para dirigir


uma determinada alma, o diretor tem a obrigação de recomendar-
-lhe que se coloque sob outra direção. Se não agisse assim, incorre-
ria numa grave responsabilidade diante de Deus, “intrometendo sua
mão grosseira naquilo que não entende, e não deixando que a alma
seja entendida por outrem”1.

1 São João da Cruz, Chama Viva de Amor, canção 3, n. 56.

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Discernimento
A palavra discernimento vem do verbo latino discernere, que significa
distinguir, separar, dividir. Com essa expressão queremos significar
um conjunto de qualidades que indicam principalmente a clareza e
penetração do julgamento para distinguir em cada caso o verdadei-
ro do falso, o certo do torto, o conveniente do prejudicial. É uma das
habilidades mais importantes que o diretor espiritual deve possuir.
Envolve principalmente três coisas: prudência nas decisões, clareza
nos conselhos, e firmeza e energia na exigência de conformidade.

1. Prudência nas decisões

A prudência, definida por Aristóteles como a “recta ratio agibilium”2,


é a virtude moral que direciona o entendimento para que julgue
corretamente o que deve ser feito em casos particulares. Tem gran-
de importância na vida moral, pois ela deve regular o exercício e a
prática de todas as outras virtudes3 . Deve brilhar acima de tudo nos
governantes e é absolutamente indispensável no diretor espiritual.
A verdadeira prudência é subdividida em três espécies:

2 In VI Ethic., c. 5, n. 4.
3 STh II-II 47.
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a. Natural ou adquirida. É a prudência humana que, guiada


pelas luzes da reta razão, busca os meios mais adequados
para alcançar um fim honesto. O diretor espiritual pode e
deve usá-la no que tiver de proveitoso para o direcionamen-
to das almas, fomentando-a e incrementando-a com o estu-
do das ciências psicológicas e experimentais, aliado a uma
intensa e profunda reflexão pessoal.

b. Sobrenatural ou infusa. A prudência natural ou adquirida,


embora muito útil, não é suficiente para a direção das al-
mas; pois como se trata de uma obra estritamente sobrena-
tural, as luzes da simples razão natural não são suficientes:
requerem-se, antes de tudo, os grandes princípios da fé.
Isso é próprio da prudência sobrenatural ou infusa. Quan-
tas exigências surgem da prudência sobrenatural, que são
incompreensíveis pela simples prudência humana por ex-
cederem as luzes da simples razão natural! O diretor deve
ter isso em mente para não condenar, em nome de uma
prudência puramente natural e humana, muitas coisas que
Deus aprova e bendiz, como as grandes penitências, os sa-
crifícios heroicos, a imolação de si mesmo para a salvação
dos outros etc. Nada deve temer tanto o diretor do que in-
terromper o voo das almas nascidas para serem águias nos
caminhos do Senhor! Com isso incorreria numa gravíssi-
ma responsabilidade. Seria um cego guiando outro cego,
até que ambos caíssem no buraco (cf. Mt 15, 14).

c. O dom de conselho. Mas às vezes até a prudência infusa não


tem luz suficiente para resolver uma determinada situação,
especialmente quando se trata da direção de almas heroicas.

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O Espírito Santo, principal diretor dessas almas, às vezes tem


exigências que excedem não apenas a razão natural, mas as
próprias luzes comuns da fé. É necessária então uma docilida-
de especial para deixar-se levar por esse impulso divino, que
parece loucura diante dos homens, mas que é profunda sabe-
doria diante de Deus (cf. 1Cor 3, 19). Esse é o aspecto específico
e próprio do dom de conselho, que é um daqueles que o dire-
tor espiritual deve pedir com maior insistência e humildade
para acertar no desempenho de sua missão.

2. Clareza nos conselhos

A segunda característica que o discernimento do diretor espiritual


deve possuir é a clareza nos conselhos que dá a seus dirigidos e nas
regras de conduta que lhes indica.

Isso envolve principalmente duas coisas:

a. Transparência de pensamento, de tal maneira que livre o


dirigido de qualquer angústia ou inquietação na interpre-
tação das normas ou conselhos do diretor. Este deve evitar
uma linguagem duvidosa e indecisa em todos os momen-
tos: o “talvez”, “se lhe parece”, “a menos que prefira” etc.
Deve fornecer normas claras, fixas, muito concretas e de-
terminadas, que não admitam dúvidas ou mal-entendidos.
Deve resolver os problemas do dirigido com um sim ou um
não categóricos, ainda que seja depois de ter tomado todo o
tempo necessário para uma madura reflexão, se o caso exi-
gir. Nunca deve deixar nenhum fio solto. Se a alma dirigida

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perceber que o diretor hesita e não tem certeza do que diz,


logo perderá a confiança nele e deixará a direção, ou esta
tenderá a perder sua eficácia.

b. Total sinceridade e franqueza para dizer a verdade ao di-


rigido, sem levar em consideração respeitos ou motivos
humanos. Faltaria seriamente com seu dever o diretor que,
para não incomodar o dirigido ou para que este não o tro-
casse por outro (!), parasse de apontar suas faltas, ocultas-
se suas ilusões, seus defeitos e seus erros ou exagerasse as
virtudes que pratica. Para esse fim, um grande mestre da
vida espiritual escreve com muito acerto: “Quantas almas
parecem muito virtuosas e estão completamente vazias de
virtude, porque estão cheias de si mesmas e de amor-pró-
prio, e ainda não encontraram quem as libertasse de seu
engano dizendo-lhes que sequer aprenderam a primeira
lição da vida espiritual”4 .

Com prudência e mansidão, mas ao mesmo tempo com energia e


fortaleza, o diretor deve manifestar a seu dirigido absolutamente
toda a verdade. Não esqueça que está fazendo as vezes de Cristo5 e
que deverá prestar contas a Deus da administração de seus poderes
sacerdotais. Qualquer pessoa que não se sinta à vontade para dizer a
verdade, ainda que seja a um superior ou a uma alta autoridade ecle-
siástica ou civil, deve renunciar à posição de diretor espiritual dessa
alma em particular.

4 Pe. Ignácio G. Menéndez Reigada, De Dirección espiritual (Salamanca, 1934), p. 34.


5 “Pro Christo enim legatione fungimur” (2Cor 5, 20).

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3. Firmeza e energia para exigir conformidade

O diretor deve estar atento para, na prática, não tornar-se dirigido.


Existem almas que têm uma capacidade extraordinária de mani-
pulação para conseguir sempre que o diretor as “mande” o que elas
querem. Com gentileza e doçura, mas também com firmeza e energia
inabalável, o diretor precisa cortar esse abuso pela raiz. Uma vez que
tenha emitido sua opinião de acordo com as regras da prudência, as
súplicas e lágrimas do dirigido nunca deverão fazê-lo mudar de ideia,
a menos que as circunstâncias se alterem substancialmente. A alma
dirigida deve ter a plena persuasão de que não tem mais que dois ca-
minhos: obedecer sem resposta ou mudar de diretor. Isso é exigido
pela dignidade do diretor e pelo bem do dirigido. Essa é, por outro
lado, a única defesa que o diretor tem para manter sua autoridade,
uma vez que não possui nenhum poder de jurisdição. Na falta dis-
so, exija do seu dirigido a exata obediência e cumprimento de suas
orientações, sob pena de se recusar a continuar a direção.

O diretor, todavia, não deve esquecer que nunca deve exigir do dirigi-
do algo desproporcional aos seus deveres e obrigações, às suas forças
e disposições atuais nem à sua condição e temperamento. Também
não deve esquecer que uma é a condição dos principiantes, outra a
dos avançados e outra muito diferente a dos perfeitos. O rigor ex-
cessivo pode assustar as almas e fazê-las desistir de seus desejos de
perfeição. Mas, dentro das possibilidades atuais da alma dirigida, re-
guladas pela prudência e pela caridade, deve ser inflexível ao exigir a
mais absoluta obediência e submissão.

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Experiência
É uma das qualidades mais preciosas que o diretor espiritual deve
possuir. Essa experiência deve ser de dois tipos: própria e alheia.

1. Experiência própria

Para a direção das almas comuns não é necessária uma experiência


maior da vida espiritual do que a geralmente possuída por qualquer
sacerdote que desempenhe dignamente seu ministério sagrado. Mas
para a direção das almas escolhidas, que já entraram plenamente na
vida mística, torna-se quase indispensável que o diretor tenha algu-
ma experiência própria desses caminhos de Deus. É verdade que a
prudência refinada, juntamente com a ciência competente dos esta-
dos místicos pode ser suficiente (na maioria dos casos) para dirigir
com acerto essas almas; mas não é menos verdade que, sem alguma
experiência pessoal, o diretor ver-se-á desorientado e perplexo em
várias circunstâncias e ocasiões. Quando os dons do Espírito Santo
começam a atuar intensamente numa alma, ocorre uma mudança
tão completa e profunda em seu panorama espiritual, alteram-se e
modificam-se de tal modo até mesmo as ideias e pontos de vista do
dirigido, que o diretor que não conhece por si mesmo algo daquelas
profundas transformações que o Espírito Santo geralmente opera
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nas almas, ficará desconcertado e sem saber que resolução tomar.


Santa Teresa já dizia, falando dos diretores, que “se não têm oração,
pouco se aproveitam as letras”6 . E São João da Cruz adverte, como
já vimos, que para guiar essas almas, o diretor, “além de ser sábio
e prudente, é mister que seja experimentado; porque para guiar o
espírito, ainda que o fundamento seja o saber e a prudência, se não
houver experiência do que é puro e verdadeiro espírito, não será
possível atinar e encaminhar a alma nele quando Deus lhe dá, nem
mesmo o entenderá”7.

O que o diretor deve fazer quando percebe que não tem espírito su-
ficiente para guiar uma dessas almas extraordinárias? Se puder colo-
cá-la facilmente em outras mãos mais autorizadas que as suas, faça-o
imediatamente com toda simplicidade e generosidade. Caso contrá-
rio se exporia facilmente a desorientar uma grande alma e a frustrar
talvez uma verdadeira santidade, incorrendo assim numa responsa-
bilidade gravíssima perante Deus. Não esqueçamos que a completa
santificação de uma alma glorifica a Deus muito mais do que a con-
versão de mil pecadores!

Mas, se por um conjunto de circunstâncias especiais a alma não pu-


der encontrar facilmente em outro lugar uma direção apropriada,
humilhe-se o diretor diante de Deus, peça insistentemente suas luzes
e graças, estude, reflita, intensifique sua vida de oração ao máximo e
confie na Divina Providência, que não deixará de ajudá-lo nesse for-
midável trabalho.

6 Vida 13, 16.


7 Chama Viva de Amor, canção 3, n. 30.

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2. Experiência alheia

Mas a experiência própria também não é suficiente para formar um


diretor espiritual perfeito. Porque, sendo muitos e tão diferentes os
caminhos pelos quais o Espírito Santo leva as almas ao cume da san-
tidade, é necessário contrastar a própria experiência com a de muitas
outras almas, a fim de aprender a respeitar em cada uma delas os cami-
nhos especiais por onde Deus quer conduzi-las. Gravíssima imprudên-
cia seria cometida pelo diretor que pretendesse guiar todas as almas
pelo mesmo caminho e impusesse de modo indistinto seus pontos de
vista pessoais, por verdadeiros e melhores que fossem. Nunca se deve
esquecer que o verdadeiro diretor dessas almas é o Espírito Santo, e
que a missão do sacerdote limita-se a apoiar sua ação divina, removen-
do os obstáculos que surgem na marcha e levando a alma a uma fideli-
dade cada vez mais refinada aos movimentos interiores da graça. Para
isso, ajudará muito o trato profundo e reflexivo com as almas.

Trecho extraído e traduzido da obra “Teología de la Perfección Cristia-


na” (n. 676-679), de Antonio Royo Marín (Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 2015, pp. 813-818).

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