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À PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

IVAN VALENTE, brasileiro, Deputado Federal pelo PSOL/SP, domiciliado


em Brasília, no gabinete 716 do anexo IV da Câmara dos Deputados, endereço
eletrônico dep.ivanvalente@camara.leg.br, vem, perante Vossa Excelência, com
fundamento no art. 127, caput e art. 129, II e VII, ambos da Constituição Federal, e
no art. 3º da Lei Complementar nº 75, de 1993, oferta a presente

REPRESENTAÇÃO

contra ato ilegal por violação à liberdade de consciência e crença praticados no


âmbito do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - MJSP, na gestão
do MINISTRO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA PÚBLICA DO BRASIL
ANDERSON GUSTAVO TORRES, que extrapola os limites impostos pela
Constituição, ante as razões de fato e de direito adiante expostas.
1) DOS FATOS

Conforme amplamente divulgado pela imprensa1, o MINISTÉRIO DA


JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - MJSP, na gestão do MINISTRO DA
JUSTIÇA E DA SEGURANÇA PÚBLICA DO BRASIL ANDERSON GUSTAVO
TORRES, firmou parceria com uma entidade religiosa denominada Ministérios Pão
Diário, a qual divulga conteúdos religiosos para profissionais da segurança pública.
O acordo foi firmado em agosto de 2021, tendo como prazo de duração previsto
para 2 (dois) anos.
Ainda em 2021, a entidade religiosa Ministérios Pão Diário foi contratada
por cerca de R$ 11,2 mil reais pelo Exército Brasileiro, sem licitação, para distribuir 2
mil livros intitulados “Pão Diário Edição Militar”. Esta obra possui como tratativa
valores religiosos.
Cumpre destacar ainda que, a serviço do Exército Brasileiro, a entidade
Ministérios Pão Diário, intermediou a entrega de materiais na Operação Acolhida2,
que versa sobre o acolhimento de imigrantes venezuelanos em Roraima.
O acordo firmado com o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA
PÚBLICA - MJSP, na gestão do MINISTRO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA
PÚBLICA DO BRASIL ANDERSON GUSTAVO TORRES, assinado ainda em
agosto de 2021, possui como objetivo central ações denominadas como
“assistência espiritual, capelania e promoção da saúde e qualidade de vida” para
profissionais da segurança pública.
Nesse sentido, o aplicativo “Pão Diário — Segurança Pública” possui uma
abordagem voltada à religião, sendo assim, afirmam possuir como missão a
promoção de conteúdos voltados ao “conhecimento de Deus”.
Entre os cursos disponíveis dentro da plataforma, encontra-se o “Quem é
Jesus” e “Os Evangelhos”, além de podcast com a nomenclatura “O Senhor é o
meu Pastor”. O aplicativo conta ainda com um plano de leitura, o qual corresponde
ao título “Deus me ouve”, dentre outros.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/ministerio-da-justica-fez-parceria-com-app-eva
ngelico-para-servidores
2
https://www.eb.mil.br/operacao-acolhida
Ainda conforme a imprensa, a entidade Ministérios Pão Diário informou
que cerca de 50 mil servidores da segurança pública tiveram acesso a esses
materiais, virtuais ou físicos, com conteúdo religioso.
Como se ainda não fosse suficiente, o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E
SEGURANÇA PÚBLICA - MJSP, recentemente, disparou mensagem ao e-mail dos
cadastrados na Rede Sinesp, contendo informe sobre o aplicativo "Pão Diário
Segurança Pública", com ênfase ao acesso a Bíblia, estudos e mensagens
consideradas como sendo abençoadas. Vejamos:

“O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio do


Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança
Pública (PRÓ-VIDA), disponibiliza o aplicativo “Pão Diário Segurança
Pública” a todos os profissionais da área interessados em reflexões diárias
positivas, planos de leitura, podcasts por temas, vídeos e notícias que
acolhem e proporcionam momentos de paz para o usuário.
No aplicativo, disponibilizado nas versões IOS e Android, também é possível
acessar a Bíblia e ouvir a rádio web 24 horas, a qual oferece música,
estudos e mensagens abençoadas que confortam aqueles que
acompanham o conteúdo gratuito.
O aplicativo bem como a edição impressa do Pão Diário Segurança Pública
integram o Acordo de Cooperação celebrado entre o MJSP e o Ministérios
Pão Diário no Brasil. São uma das ações do Projeto Assistência Espiritual
do Pró-Vida, que auxiliará nas atividades das Capelanias, além da
promoção à saúde integral e à qualidade de vida dos profissionais de
segurança pública.” - (Corpo do e-mail disparado aos cadastrados na
rede Sinesp)

(Imagem veiculada ao corpo do e-mail disparado aos cadastrados na


rede Sinesp)
Trata-se de situação absolutamente incompatível com o ordenamento
pátrio, frente à inobservância aos limites impostos pela Constituição, o que torna
imperativa a instauração de procedimento para apuração da ilegalidade frente à
violação da garantia constitucional da laicidade do Estado e à liberdade de
consciência e crença.

2) DO DIREITO

Evidencia-se a inobservância aos limites impostos pela Constituição com


a violação da laicidade do Estado e à liberdade de consciência e crença. Não
compete ao MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - MJSP a
representação de interesses absolutamente estranhos ao interesse público,
tampouco religiosos. A parceria firmada entre a entidade religiosa “Ministérios Pão
Diário” e o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA lança mão do interesse público e fomenta a
violação à liberdade de crença em nosso Estado laico.

O Brasil é regido pela laicidade, onde figura, portanto, a separação entre


Estado e Igreja, ocasião em que os princípios ordenadores de laicidade revelam que
os interesses religiosos não podem interferir em ações ou até mesmo em decisões
governamentais.

O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - MJSP, em


hipótese alguma, deve priorizar uma religião em detrimento de outra, ou seja,
independentemente de polarização religiosa, deve ser priorizada a igualdade. O
Estado deve garantir liberdade de escolha religiosa.

A parceria firmada pelo referido órgão com a entidade religiosa


“Ministérios Pão Diário”, viola de forma direta e frontal à Constituição Federal,
conforme preceitua o Art. 5º, VI. Vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
..........................................................................................................................
.

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo


assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
........................................................................................................(Grifamos)

Ainda nesse sentido o decreto nº 119-a, de 7 de janeiro de 1890, proíbe a


intervenção da autoridade federal e dos Estados Federados em matéria religiosa,
consagrando a plena liberdade de cultos, extinguindo o padroado e estabelecendo
outras providências.

Art. 1º É proibido à autoridade federal, assim como aos estados


federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos,
estabelecendo alguma religião, ou vedando- a, e criar diferenças entre
os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do
orçamento, por motivo de crenças, opiniões filosóficas ou religiosas.

........................................................................................................(Grifamos)

Cumpre destacar que o Brasil é um Estado laico, sendo assim, não deve
haver vinculação entre o poder público e determinada igreja ou religião, conforme
preconiza o artigo 5º da nossa Constituição Federal; portanto a laicidade deve ser
regra em nosso país, sem polarização religiosa.

Diante disso, é imprescindível a instauração de procedimento para apurar


a grave violação à liberdade de consciência e crença praticado no âmbito do
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - MJSP, extrapolando os
limites impostos pela Constituição.

3) DOS PEDIDOS

Nossa Carta Magna dispõe, em seu artigo 127, sobre a atuação precípua
e essencial do Ministério Público, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica e do
Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, compete ao Ministério Público investigar e representar tais
interesses, solicitando ao Judiciário a adoção das medidas necessárias à sua
preservação.

Assim, requer-se a instauração dos procedimentos para apurar a prática


de ato ilegal por violação à laicidade do Estado, à liberdade de consciência e crença
praticados no âmbito do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA -
MJSP, na gestão do MINISTRO DA JUSTIÇA E DA SEGURANÇA PÚBLICA DO
BRASIL ANDERSON GUSTAVO TORRES, que extrapola os limites impostos pela
Constituição, com o consequente ressarcimento dos recursos públicos despendidos
na ação mencionada.

Nestes termos, espera que seja recebida esta representação. 

Brasília-DF, 21 de janeiro de 2022.

IVAN VALENTE

Deputado Federal PSOL/SP

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