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HAROLDO RIBEIRO DE ASSUNÇÃO, devidamente qualificado, intentou a presente Ação Popular

em desfavor do MUNICÍPIO DE CUIABÁ, do senhor PREFEITO MUNICIPAL DE CUIABÁ e do


senhor EDIVÁ PEREIRA ALVES, Secretário Municipal de Educação, alegando, em suma, que a
Prefeitura de Cuiabá trouxe para seu quadro 996 (novecentos e noventa e seis) funcionários
contratados em desacordo com os preceitos constitucionais.

Aduz o Autor que foram publicadas as contratações sem a realização de concurso público em
contrariedade ao estabelecido na Constituição Federal em seu art. 37. Que houve incentivo pela
Prefeitura, através do programa PDI – Programa de Desligamento Incentivado, para que funcionários
se desligassem do serviço municipal, expediente este que abriu vagas para as contratações. Que
referidas contratações não foram autorizadas por lei municipal.

Em razão desta circunstância, requereu a anulação dos contratos e que fosse devolvida pelos Réus
a verba ao erário público.

Em sua contestação, a Prefeitura admitiu em parte a existência de contratação nos moldes


elencados na exordial, aduzindo que havia lei municipal autorizando as contratações por prazo
determinado e que tal circunstância era prevista constitucionalmente. Expôs os motivos das
contratações.

Em impugnação às fls. 241/247, o Autor afirmou que as leis invocadas pelos Requeridos para
infirmar de legais as contratações, não servem para tê-las como legais e autorizar contratações sem
concurso. Que não houve lei que definisse qual situação emergencial existia para que fossem
autorizadas as contratações, consoante determina a Constituição Federal.

Decisão que indeferiu a antecipação da tutela, à fl. 249.

Decreto de revelia dos Réus contratados pela municipalidade à fl. 297 e nomeação de Curador à fl.
288, que contesta às fls. 289/290.

Impugnação da contestação dos Revéis às fls. 295/298.

Em manifestação às fls. 300/306, o representante do Parquet requereu o julgamento da lide pela


procedência do pedido unicamente para declarar nulas as contratações dos servidores.
Visando regularizar o procedimento, em decisão deitada à fl. 521, foi determinada a abertura de
vistas para a oferta das alegações finais, todavia, consoante se depreende da Certidão de fl. 528,
decorreu o prazo sem nenhuma manifestação.

É o relatório. Decido.

Conforme assinalado no relatório, HAROLDO RIBEIRO DE ASSUNÇÃO intentou a presente Ação


Popular em desfavor do MUNICÍPIO DE CUIABÁ, do senhor PREFEITO MUNICIPAL DE CUIABÁ e
do senhor EDIVÁ PEREIRA ALVES, Secretário Municipal de Educação, alegando, em suma, que a
Prefeitura de Cuiabá trouxe para seu quadro 996 (novecentos e noventa e seis) funcionários
contratados em desacordo com os preceitos constitucionais.

Antes de enfrentarmos o mérito da questão, mister analisarmos a preliminar aventada pelos


Requeridos à fl. 207, onde alega que o Autor é carecedor da ação, pois não tem o interesse de agir e
que não há possibilidade jurídica do pedido.

Afasto as preliminares alegadas na contestação, vez que, no caso presente, de forma abstrata, e
sem considerar as peculiaridades do caso concreto, entendo que estão presentes todas as condições
da ação, ou seja, requisitos de existência e exercício do direito de ação, direito público subjetivo
deduzido contra o Estado, buscando um provimento jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste.

Estão presentes também todos os pressupostos processuais, ou seja, requisitos necessários para a
constituição e o desenvolvimento regular do processo.

Ora, a Lei Lei 4.717/65 é clara ao definir quem pode ingressar com uma ação como a ora apreciada,
vejamos o texto do art. 1º da referida Lei:

“Art. 1º - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade
de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de
entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição art. 141, § 38), de sociedades
mútuas de seguro nas quais a União representa os segurados ausentes, de empresas públicas, de
serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro
público haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da
receita ânua de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e
dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1º. Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor
econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

§ 2º. Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o tesouro público
concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita ânua, bem como de
pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos
lesivos terão por limite a repercussão deles sobre a contribuição dos cofres públicos.

§ 3º. A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com
documento que a ele corresponda” (grifos meus).

O Autor trouxe aos Autos Certidão da Justiça Eleitoral dando conta de que o mesmo está quite com
aquela Justiça especializada. É o que basta.

Há de se entender que as condições da ação e pressupostos processuais nada têm a haver com a
existência do direito subjetivo afirmado pelo Autor. Considera-se, como condições da ação e
pressupostos processuais, a possibilidade de apreciação pelo órgão jurisdicional acerca de
determinada demanda in abstrato, sem entrar ao seu mérito, vez que o mérito da ação será
verificado posteriormente, quando da procedência ou da improcedência do pedido.

Especificamente, está presente o interesse de agir. Sob esse prisma, entendo que a prestação
jurisdicional solicitada é necessária e adequada. Há a necessidade da tutela jurisdicional na
impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intercessão do Poder Judiciário. Por
outro lado, está configurada a adequação eis que o provimento jurisdicional é apto a corrigir o mal de
que o autor se queixa.

Outrossim, ao contrário das argumentações da parte ré, existe, in casu, plena possibilidade jurídica
do pedido. Não verifico qualquer disposição ou norma legal previstos no ordenamento jurídico que
exclua, a priori, o presente requerimento da apreciação do Poder Judiciário, de forma abstrata sem
qualquer consideração das peculiaridades do caso concreto.

Portanto, com os fundamentos acima elencados, rejeito as preliminares alegadas em contestação.

No que pertine ao mérito propriamente dito, temos que a partir da edição da Constituição Federal de
1988, a investidura em cargo ou emprego público só pode acontecer através de concurso público.

Magistralmente, JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO leciona que “A Constituição Federal de 1988
proíbe a investidura em cargo ou emprego público, de agente não submetido a prévia aprovação em
concurso público. A proibição foi tomada, como não se cansa de realçar, em prol do resguardo da
moralidade administrativa, buscando represar nosso hábito atávico de usar o serviço público para
abrigo de apadrinhados de toda sorte”.

No caso vertente, a Prefeitura Municipal promoveu contratação irregular de 996 funcionários, pois,
independentemente da vedação constitucional expressa, admitiu em seus quadros servidores sem a
realização de concurso.

A alegação de que havia uma lei que autorizava a contratação temporária e excepcional, datada de
1991, a meu vem não dava à municipalidade a autorização prevista no inciso IX, do art. 37, da
Constituição Federal, pois comungo do entendimento de que lei autorizadora deve ser específica,
atual e expressa quanto à necessidade temporária e de excepcional interesse público, o que não vejo
nestes autos. Neste sentido:

“ENTE PÚBLICO – CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDER À


NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO – ARTIGO TRINTA E
SETE, INCISO NOVE, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – NECESSIDADE DE EXPRESSA
PREVISÃO EM LEI – A regra geral, prevista no artigo trinta e sete, inciso dois, da Constituição
Federal, é que a contratação por ente público seja realizada mediante concurso público. O inciso
nove, do referido artigo trinta e sete, contém norma excepcional, que autoriza a edição de lei que
estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse público. Inexistente a aludida lei, impõe-se a declaração de
nulidade da contratação efetuada, sob pena de afronta ao artigo trinta e sete, inciso dois, da carta
constitucional. Recurso de revista parcialmente provido” (TST – RR 536144/1999 – 4ª T. – Rel. Min.
Milton de Moura França – DJU 21.05.1999 – p. 00299).

Consta nos autos a documentação dos servidores que foram contratados irregularmente após a
promulgação da Constituição Federal. A contratação nestes casos é nula, como preceitua o art. 129,
§ 2º da Carta Magna.

O Egrégio Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema nestes autos. Eis a decisão firmada pela
Terceira Câmara Cível, onde figurou como relator o saudoso Desembargador Wandyr Clait Duarte:

“REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO POPULAR - CONTRATAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS EM


DESOBEDIÊNCIA AO ARTIGO 37 E INCISOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - ATOS NULOS -
DECLARAÇÃO, TODAVIA, QUE NÃO ATINGE A TODOS OS CONTRATADOS - RESSARCIMENTO
DE VALORES A SER COBRADO EM PROCESSO DISTINTO CONTRA ORDENADOR DE
DESPESA - REEXAME PARCIALMENTE PROCEDENTE. A contratação de funcionários após a
Constituição de 1988, fora dos parâmetros recomendados pelo artigo 37 e seguintes, é ato nulo de
pleno direito e atinge a todos os contratos em tais circunstâncias, responsabilizando o ordenador de
despesa pelo ressarcimento dos valores pagos aos servidores pelos cofres públicos, em ação
apropriada, se não figura ele na ação popular onde se pleiteou a nulidade” (Diário da Justiça do dia
20/08/99).
Neste sentido temos vários arestos pretorianos da lavra de outros Tribunais pátrios, vejamos:

“CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO POPULAR – SERVIDOR PÚBLICO –


CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO: NULIDADE – CF, ART. 37, II E IX – 1. A investidura
no serviço público, seja como estatutário, seja como celetista, depende de aprovação em concurso
público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração. CF, art. 37, 2. A contratação por tempo determinado, para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público, tem como pressuposto lei que estabeleça os casos de
contratação. CF, art. 37, IX. Inexistindo essa lei, não há falar em tal contratação. 3. RE conhecido e
provido” (STF – RE 168566 – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 18.06.1999 – p. 23).

“SERVIDOR PÚBLICO – CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO – ILEGALIDADE – OFENSA AO


ARTIGO 37, II E § 2º, DA ATUAL CARTA POLÍTICA – EFEITOS DA NULIDADE – A contratação de
servidor público, após 5-10-88, sem a prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no
artigo 37, II e § 2º, da Carta Constitucional, de forma que se revela nula de pleno direito, salvo no que
concerne à contraprestação remuneratória, o impropriamente denominado "salário" stricto sensu, dos
dias efetivos de prestação de serviços, para se evitar o locupletamento indevido de quem se
beneficiou irregularmente da força de trabalho. Recurso de embargos não conhecido” (TST – ERR
437084 – SBDI I – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 30.05.2003).

“NULIDADE DA CONTRATAÇÃO – ADMISSÃO SEM CONCURSO PÚBLICO – MUNICÍPIO – É nula


a contratação efetuada pelo Município quando o empregado admitido não foi previamente submetido
e aprovado em concurso público, conforme determina o mandamento insculpido no art. 37, inc. II, §
2º, da Constituição da República” (TRT 12ª R. – RO-V 00769-2002-027-12-00-1 –
(07653/20031566/2003) – Florianópolis – 1ª T. – Relª Juíza Licélia Ribeiro – J. 31.07.2003).

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO, POR


SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – INADMISSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO
ARTIGO 37, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 37, II E § 2º DA LEI 4.717/65 –
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO RECONHECIDA – ARTIGO 129, III, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 27 DA LEI Nº 8.625/93 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
COMUM ESTADUAL – CONTROLE JURISDICIONAL DE ATOS ADMINISTRATIVOS –
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – JULGAMENTO ANTECIPADO – CERCEAMENTO DE
DEFESA INEXISTENTE – DEVOLUÇÃO DOS SALÁRIOS RECEBIDOS PELOS NOMEADOS
INVALIDAMENTE – INADMISSIBILIDADE, NO CASO – A toda prestação laborativa corresponde
remuneração. Pretendida responsabilidade dos administradores pela reposição do valor
correspondente aos vencimentos recebidos. Inviabilidade, no caso, ante o agir sem finalidade de
infringir a norma. Inviabilidade da manutenção da indisponibilidade de bens. Recursos dos réus
providos em parte” (TJSP – AC 119.952-5 – 9ª CDPúb. – Rel. Des. Sidnei Beneti – J. 23.08.2000)
(grifos meus).

Mais a mais, afirmou o Autor à fl. 11:


“Nulas, assim, as contratações, cabe a devolução ao erário público, dos valores despendidos a título
de pagamento dos trabalhos prestados (se é que o foram, pois não se descarta a possibilidade de
contratações fantasmas”.

Ocorre que, embora tenha o Autor afirmado o acima transcrito, nada provou em relação a eventuais
funcionários fantasmas. Temos que ter em mente que houve a prestação dos serviços sim para a
educação municipal, mormente pelo fato de que não há prova ao contrário.

Ainda no que diz respeito à devolução da verba ao erário, tenho que não cabe aos contratados, eis
que trabalharam na educação municipal. Eventual devolução há de ser pelos responsáveis pelo ato
administrativo nulo, ou seja, o Administrador Público, cuja responsabilidade deve ser provada em
procedimento próprio.

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para DECLARAR NULOS os contratos
dos 996 (novecentos e noventa e seis) servidores elencados na inicial.

Remetam-se cópia desta decisão ao Ministério Público Estadual.

Tendo em vista que a presente foi julgada parcialmente procedente, com fundamento no art. 19 da
Lei 4.717/65, determino que, após o decurso do prazo do recurso voluntário, sejam os autos
encaminhados à Superior Instância, em vista do reexame necessário da sentença.

“Condeno os requeridos ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que
arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), levando-se em conta a natureza jurídica da ação e de
conformidade com o § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil.”

Notifique-se o MP.

P.R.I.C.

Cuiabá, 17 de março de 2005.

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