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Introdução
E
ste é um trabalho que resulta de pesquisa preliminar do projeto de Dissertação de
Mestrado “A tutela de remoção dos danos aos direitos da personalidade no Código Civil
brasileiro”. Foi escolhido o Direito Italiano por causa da nítida influência que a ciência
processual desse país tem sobre o processo no Brasil.
Trata-se de um estudo que objetiva analisar a experiência legislativa estrangeira, da
Itália, e seus pontos de toque e diferenciais em relação ao ressarcimento e à inibição de danos
aos direitos da personalidade de ambos os países.
Já que existe uma relação tão próxima entre os processos civis italiano e brasileiro,
questiona-se se eles guardam essa tradicional correspondência quanto à tutela da dignidade
humana. Objetiva-se uma conclusão abstrata, e não em pormenores. Por isso, a metodologia
da pesquisa se restringiu a uma análise da legislação italiana. Ou seja, nesse estudo se fez uma
1
Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e advogado.
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Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); doutor em Direito Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES); e advogado.
nelle formazioni sociali ove si svolge la sua personalita`, e richiede l’adempimento dei doveri
inderogabili di solidarieta` politica, economica e sociale”.
Leciona, a propósito, Stea Gaetano:
Destarte, mesmo que determinado valor essencial ao indivíduo não esteja previsto
em lei, sua proteção encontra amparo na cláusula geral de tutela da dignidade humana,
expressamente objetivada na Constituição Italiana.
Em sentido semelhante, o Código Civil brasileiro, em seus artigos 11 a 21, traz um rol em
numerus apertus dos direitos da personalidade, prevendo a proteção de cinco exemplos que
servem de porta para a proteção de outros direitos: (i) ao corpo, (ii) ao nome, (iii) à honra, (iv)
à imagem e (v) à privacidade.
No entanto, embora o Código Civil Brasileiro tenha tratado de apenas alguns dos
direitos da personalidade, outros valores e direitos inerente à personalidade humana devem
ser tutelados. Neste sentido, o art. 12 do Código Civil Brasileiro prevê a proteção contra
ameaça ou lesão a “direito da personalidade” – termo que comporta diversos significados –
possibilitando, assim, a proteção de todos os direitos inerentes à pessoa, incluindo aqueles
que não estão expressamente disciplinados por lei.
Adverte, a propósito, Gustavo Tepedino:
Para a tutela dos direitos da personalidade que não estão previstos nas legislações
brasileiras, deve-se recorrer à cláusula geral de proteção da dignidade da pessoa humana,
elevada a fundamento da República Federativa do Brasil e a valor máximo do ordenamento,
nos termos do artigo 1º, III, da Constituição Federal Brasileira.
Nesta linha, sustenta Maria Celina Bodin de Moraes:
A título de exemplo, embora não haja previsão legal específica, o Superior Tribunal de
Justiça reconheceu que os transexuais têm direito à alteração do nome e do sexo no registro
civil, independentemente da realização de cirurgia de redesignação sexual, consoante se
infere do seguinte julgado:
Assim, nas Constituições e nos Códigos Civis do Brasil e da Itália, a tutela material dos
direitos da personalidade pode ser resumida da seguinte maneira:
Plano constitucional:
Plano infraconstitucional:
Destarte, conclui-se que – tanto no Brasil quanto na Itália – todos os direitos, valores,
bens e interesses relacionados à personalidade podem (e devem) ser tutelados com base nas
cláusulas gerais de proteção da dignidade humana, previstas nas Constituições de ambos os
Países, ainda que não exista expressa previsão normativa.
De acordo com José dos Santos Bedaque, tutela jurisdicional “é o conjunto de medidas
estabelecidas pelo legislador processual a fim de conferir efetividade a uma situação da vida
amparada pelo direito substancial” (BEDAQUE, 2006, p. 36).
Na mesma linha, Luiz Guilherme Marinoni afirma que “tutela não é apenas a sentença,
mas o conjunto de meios de que dispõe o direito processual para atender adequadamente às
disposições do direito substancial, ou seja, “o conjunto de medidas adequadas à proteção do
bem da vida buscado pelo jurisdicionado no processo” (MARINONI, 2015, p. 214-215).
No Brasil e na Itália, a proteção processual dos direitos da personalidade se dá por meio
de três tutelas: (i) inibitória (incluindo a cessatória), (ii) restauratória (reintegratória ou de
remoção do ilícito) e (iii) ressarcitória, abrangendo a tutela compensatória de danos morais e
a tutela indenizatória de danos patrimoniais.
A propósito, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald sintetizam as tutelas dos
direitos da personalidade:
Na Itália, a tutela inibitória também encontra previsão legal. Interpretando o art. 2058,
parágrafo 1, do Código Civil Italiano, Stea Gaetano aduz que o dispositivo em questão, do
ponto de vista processual, permite a concessão de tutela inibitória, destinada a impedir o
fato ilícito antes que ocorra ou fazer cessar os comportamentos lesivos que se prolongam no
tempo (arts. 949 e 1.079 do Código Civil) (GAETANO, 2001, p. 20).
A tutela inibitória, portanto, destina-se a evitar a ocorrência do ilícito e/ou impedir a sua
continuação ou reiteração.
sustentam Bruno Marzullo Zaroni e Paula Pessoa Pereira: “a tutela de remoção não pretende
evitar a continuação ou repetição do ilícito (objetivo da inibitória). O seu fundamento é o
ilícito de eficácia continuada” (2017. p. 254).
No ordenamento brasileiro, a tutela restauratória (reintegratória ou de remoção do
ilícito), está disciplinada na parte final do parágrafo único do art. 497 do Código de Processo
Civil, que visa à remoção ou à eliminação dos efeitos do ato ilícito praticado, incluindo os
danos à personalidade humana.
Como exemplos de tutela restauratória, podem ser citados: (i) o direito de resposta –
previsto no artigo 5º, V, da Constituição CRFB – ou de retificação do ofendido em matéria
divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social, cujo exercício deve se
dar nos moldes da Lei n. 13.188/15, e (ii) a retratação pública ou privada.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça3 admite a tutela reintegratória como meio
de reparação de danos a direitos personalíssimos, com a concessão do direito de resposta:
3
STJ, REsp. nº. 1.440.721/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 11/10/2016
Analisando o ordenamento italiano, Stea Gaetano afirma que a tutela ressarcitória não
permite que o titular do direito lesado consiga a mesma utilidade que a lei ou o contrato
garantem, mas apenas a utilidade equivalente (função compensatória ou reparatória)
(GAETANO, 2001, p. 18).
Havendo danos patrimoniais, a vítima tem direito a uma soma em dinheiro correspondente
à perda econômica sofrida, incluindo tanto a diminuição do patrimônio (dano emergente)
quanto aquelas eventuais faltas de ganhos consequentes do fato lesivo (lucros cessantes),
com base no art. 1.223 do Código Civil, que prevê o princípio da reparação integral do dano
(GAETANO, 2001, p. 18):
Em relação aos danos extrapatrimoniais, Stea Gaetano escreve que a tutela ressarcitória
dos direitos da personalidade encontra um importante limite na histórica exclusão da
ressarcibilidade prevista no art. 2.059, já que não se pode falar em função compensatória do
ressarcimento deste dano, especificamente porque ele não pode ser medido pelo critério da
equivalência com a perda econômica sofrida pela vítima (GAETANO, 2001, p. 18):
Segundo Stea Gaetano, parte da doutrina italiana defende uma interpretação restrittiva
do sistema de responsabilidade pelos fatos ilícitos, baseada no art. 2.059, considerando os
danos não patrimoniais ressarcíveis apenas quando o ilícito constitua um delito. Assim, a
norma civil é integrada com uma remissão direta ao art. 185 do Código Penal, de modo que
se fala em “tipicidade do dano não patrimonial” (GAETANO, 2001, p. 18):
Cada delito, que tenha causado um dano patrimonial ou não patrimonial, obriga ao
ressarcimento o culpado e as pessoas que, de acordo com as leis civis, devem responder por
seus atos.
Diversamente, outra parte da doutrina italiana amplia o âmbito reparatório do dano
extrapatrimonial, sustentando a aplicação do art. 2.043 cumulado com o disposto na norma
constitucional que reconhece e garante os direitos fundamentais da pessoa, de forma que,
para esta corrente doutrinária, a tutela ressarcitória do dano moral deve ser desvinculada do
art. 2.059, ou seja, ampliada (GAETANO, 2001, p. 19).
Conclusão
A pesquisa realizada com base na legislação de ambos os países revelou que o sistema
processual brasileiro de defesa da personalidade – seja pela via da tutela indenizatória, seja
pela da tutela específica – é muito mais adequado aos conflitos que envolvem a personalidade
em uma sociedade de risco como a que se verifica em todos os países.
Pôde-se observar que na Itália ainda existe uma corrente doutrinária mais “conservadora”
em relação ao ressarcimento de danos não patrimoniais por causa de uma interpretação
restrita do art. 2.059 do Código Civil, que diz serem ressarcíveis somente aqueles danos
previstos na lei. Por outro lado, uma outra corrente doutrinária vai dizer que o art. 2.059 se
restringe aos danos morais subjetivos. A propósito, esta é a linha da Corte Constitucional
Italiana, conforme se verifica nas sentenças 87-88/1979, 184/1986 e 372/1994. Foi necessária
uma interpretação sistemática com a Constituição Italiana para se reconhecer como possível
a indenização de quaisquer danos não patrimoniais para a proteção da pessoa, para além
daqueles tipificados como delitos no Código Penal (art. 185).
Por outro lado, de há muito o Brasil apresenta uma legislação mais completa que afasta
qualquer discussão em torno da questão, conforme é pacificado pelo art. 186 do Código Civil.
Quanto à tutela específica, ficou claro que o Brasil se inspira em fontes italianas, cuja
previsão de tutela inibitória e cessatória preexiste aos Códigos de Processo Civil brasileiros
de 1973 e 2015.
É importante ressaltar que tanto aqui, quanto lá, vivencia-se um momento de insuficiência
da indenização como mecanismo de prevenção de danos. Coibir os danos é uma medida que
se revela muito mais eficaz para a pacificação social.
Referências
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. 4ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte especial (arts. 121 ao 361). Volume
único. 8ª Ed. Salvador: JusPodvim, 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 18ª Ed. Salvador: JusPodvim, 2016.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada
e Tutela Provisória. Vol. 2. 11ª Ed. Salvador: JusPodvim, 2016.
__________; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria
de. Curso de Direito Processual Civil. Execução. Vol. 5. 7ª Ed. Salvador: JusPodvim, 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de; e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Parte Geral e LINDB.
Vol. 1. 15ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2017.