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Aplicação de medidas disciplinares

decorrentes de programas de
integridade das estatais: natureza e
requisitos

Bernardo Strobel Guimarães


Mestre e Doutor em Direito do Estado pela FADUSP, Professor da PUCPR, advogado.

Caio Augusto Nazario de Souza


Graduado pela PUC/PR, cursa LL.M. em Direito Empresarial pela FGV/RJ, advogado.

Resumo: Este artigo examina a natureza jurídica da aplicação de sanções aos empregados de empresas
estatais decorrentes de seus programas de integridade. Em síntese, defende a natureza privada da aplicação
dessas sanções. Sua aplicação exige a explicitação dos motivos da sanção e a garantia do direito de
participação dos investigados, de modo a se evitar abusos. Isso não significa, contudo, a instituição de
uma espécie de processo administrativo disciplinar.

Palavras-chave: Empresas estatais; programas de integridade; regras de integridade

Sumário: 1 Introdução – 2 Os programas de integridade e sua regulamentação legal – 3 Empresas estatais


e o dever de integridade – 4 Natureza das regras de integridade: normas internas, decorrentes da autonomia
empresarial – 5 Funcionalização parcial dos atos internos das estatais relativos aos seus empregados –
6 Natureza privada das sanções decorrentes do programa de integridade e suficiência do procedimento –
7 Considerações finais – Referências

1 Introdução
A Lei nº 13.303/2016 promoveu profundas alterações no modo pelo qual
se concebe a atuação das empresas estatais no Brasil. Dentre essas alterações,
destaca-se, para os fins dessa pesquisa, a exigência de submissão das estatais a
deveres especiais de integridade. A Lei busca dotar tais empresas de instrumentos de
defesa capazes de evitar, ou ao menos mitigar, os riscos de envolvimento em atos de
corrupção e fraudes. Nesse contexto, todas as empresas devem instituir programas
de integridade, sendo esse um dever que se imputa diretamente à alta administração
da empresa.

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Bernardo Strobel Guimarães, Caio Augusto Nazario de Souza

Esta novidade impacta no funcionamento das relações internas das estatais.


Em especial, porque esses programas, a par de sua faceta de prevenção, exigem que
condutas irregulares sejam efetivamente sancionadas, de modo que compreender a
natureza das sanções aplicadas e os requisitos para tanto se mostra relevante para
que se possa compreender o sentido e o alcance dos programas de integridade. Isto
é condição necessária para a correta estruturação do procedimento que culminará na
sanção do empregado. Em termos diretos, é necessário compreender o rito sancionatório
decorrente da aplicação dos códigos de conduta, pois isso é fundamental para a própria
efetividade do sistema de integridade. Este é o objetivo do presente texto: responder
qual a natureza das sanções aplicadas e o que deve ser observado pelas estatais ao
sancionar as pessoas a ela vinculadas.

2 Os programas de integridade e sua regulamentação legal


O exame das questões postas acima envolve a tensão entre o caráter empresarial
das estatais e as obrigações públicas que lhes cabem, em função de serem integrantes
da Administração Indireta. O que é natural, considerando que esse é ponto central
para o qual convergem todas as discussões acerca das empresas estatais. Definir
o suum cuique tribuere entre o público e o privado é o dilema central do estudo das
empresas estatais.
Como não poderia deixar de ser, no presente caso, é necessário destacar a
natureza do regime jurídico aplicável às estatais no que se refere à exigência de elas
possuírem programas de integridade, especialmente considerando as premissas
normativas decorrentes da Lei nº 13.303/2016. Este é o ponto de partida para
compreender a questão.
Incialmente, é preciso ter claro no que consiste um programa de integridade. A
questão assumiu contornos claros no direito brasileiro com a chamada Lei Anticorrupção
(Lei nº 12.846/2013), que institui um sistema objetivo de responsabilização de
empresas por atos de corrupção.1 Ao tratar da aplicação das penalidades, previu-se
como critério de dosimetria a existência de “mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e à aplicação efetiva
de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (art. 7º, VIII).

1 Como lembram CUÉLLAR, Leila e PINHO, Clóvis Alberto Bertolini, a criação de um sistema lastreado em tais
premissas preencheu uma lacuna em nosso ordenamento jurídico, vez que diversos compromissos assumidos
pelo Brasil exigiam a instituição de critérios de combate eficiente à corrupção (Reflexões sobre a Lei Federal
nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 12,
n. 46, p. 131-170, abr./jun. 2014).

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A Lei Anticorrupção criou evidente incentivo para que as empresas, notadamente


as que se relacionam com a Administração Pública, adotem programas de integridade,
como instrumento de prevenção e repressão à corrupção. Embora a instituição desses
programas não seja, em regra, compulsória, fato é que as empresas que os instituírem
poderão ter benefícios caso sejam envolvidas em condutas sobre as quais incide a
Lei Anticorrupção.2
Com vistas a regulamentar a Lei Anticorrupção, foi editado o Decreto nº 8.420/2015,
que define o figurino mínimo do que vem a ser considerado um programa de integridade
adequado.
Nada obstante o Decreto vise instituir critérios para fins de avaliação do programa
em caso de aplicação de sanções decorrentes da Lei, fato é que ele estabelece o
design do que pode ser compreendido como um programa de integridade adequado.
Ele constitui o estado da arte da questão, a ser levado em conta pelas empresas que
pretendam adotar programas de integridade. Adotar um programa que não se alinhe
às previsões do Decreto implica que ele não servirá de critério para reduzir a aplicação
de penalidades. Inclusive, as regras previstas no Decreto constituem a transposição
dos padrões internacionalmente aceitos sobre o tema para o direito brasileiro.3
Assim, tomando de empréstimo as definições do Decreto, tem-se que um programa
de integridade consiste no “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva
de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e
sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração
pública, nacional ou estrangeira.” (cf. art. 41 do Decreto nº 8.420/2015). Como se nota,
um programa é constituído por regras internas a cada empresa. Que devem incentivar
a comunicação de irregularidades, e, portanto, garantir o adequado tratamento de
quaisquer denúncias apresentadas, garantindo a segurança dos denunciantes. As regras
e procedimentos internos se materializam no código de conduta e nos procedimentos
necessários à sua integral observância. Tudo isso converge para o objetivo de prevenir
e reprimir quaisquer condutas que possam lesar a probidade administrativa.

2 Diz-se em regra porque há situações em que se exige a existência de programas de integridade. A título de
exemplo, mencione-se a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), que torna compulsória a existência
destes programas para aqueles que executem obras de grande vulto (cf. art. 25, §4º). No mais, a Lei cria um
incentivo à existência destes programas prevendo que sua existência é critério de desempate entre propostas
(art. 60, IV).
3 Para uma resenha do tema, consultar FORTINI, Cristiana. Programas de Integridade e a Lei Anticorrupção. In:
PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (Coord.). Compliance, gestão de riscos e
combate à corrupção: integridade para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 198-201.

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Como se percebe, o objetivo do programa de integridade é a aplicação efetiva


das normas internas orientadas a identificar e reprimir ilícitos. Este dever projeta-se
externa e internamente. O que se exige é a existência de um sistema dotado dos
meios necessários à repressão de quaisquer abusos.
Um programa de integridade adequado vincula não só aqueles que agem em nome
de uma empresa (empregados, diretores, administradores, etc.), mas também aqueles
que com ela contratam. A adoção dos padrões de governança estipulados deve ser
exigida de todos, de modo a salvaguardar a empresa da prática de atos de corrupção,
que induzem à sua responsabilização objetiva, nos termos da Lei Anticorrupção. O
objetivo último é salvaguardar a empresa de qualquer risco que possa lhe ser imputado
no que se refere à prática de atos de corrupção e fraude. Programas de integridade
efetivos são fundamentais para proteger o interesse empresarial, que não se confunde
com o dos seus sócios. A empresa tem o interesse juridicamente protegido de se ver
a salvo de atos de corrupção, ainda que os seus acionistas não queiram se portar
desse modo.
A lógica do nosso sistema é clara: as empresas como unidades econômicas
estão obrigadas a um especial dever de garantia no que se refere ao combate das
práticas caracterizadoras de corrupção. Uma das maneiras pelas quais esse dever
de garantia é observado reside, justamente, na adoção de programas efetivos de
integridade. Tanto é assim que o legislador expressamente trata de modo distinto as
empresas que possuem e as que não possuem programas de integridade para fins
de aplicação de sanções.
Por outro lado, o Decreto ressalta um aspecto importante dos programas de
integridade. Cada empresa deve elaborar suas regras, avaliando seus riscos concretos,
haja vista a diversidade do fenômeno empresarial (art. 42 do Decreto nº 8.420/2015).
Assim, não existe um modelo pronto de programa de integridade, pois cada programa
deve ser desenvolvido a partir dos riscos a que cada empresa está exposta. Esse ponto
é fundamental para que se perceba que um sistema de integridade efetivo depende
da conformação de cada uma das empresas.
A eficácia de um programa de integridade exige a avaliação de parâmetros que
demonstrem sua efetividade (art. 42 do Decreto nº 8.420/2015). Dentre esses, merecem
registro os seguintes elementos: comprometimento efetivo da alta administração da
empresa (inc. I); existência de códigos de conduta aplicáveis a todos os empregados
e administradores, sem qualquer isenção (inc. II); independência e autonomia das
áreas responsáveis pela aplicação do programa de integridade (inc. IX); aplicação de
medidas disciplinares em caso de descumprimento das regras estipuladas (inc. XI);
procedimentos efetivos que assegurem a “pronta interrupção de irregularidades”.

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Como se percebe, o Decreto estipula um quadro de referência a ser complementado


por cada empresa. A técnica utilizada é vincular objetivos e estruturas, deixando cada
empresa livre para, a partir de sua experiência concreta, instituir, em concreto, o
programa de integridade. Essa nota de autonomia é essencial à própria eficácia dos
programas de integridade.

3 Empresas estatais e o dever de integridade


Postas as coisas de uma perspectiva geral, pode se avaliar a situação específica
das estatais quanto aos programas de integridade. No que se refere a elas, nos termos
da Lei nº 13.303/2016, não há opção acerca da instituição desses programas. A Lei
das Estatais, portanto, vai além da Lei Anticorrupção: nesta, programas de integridade
são facultativos; naquela, mandatórios. Às estatais, impõe-se a adoção de controles
capazes de identificar e mitigar riscos decorrentes da má atuação de todos aqueles
que estejam a elas vinculados. Não há margem de escolha. O preceito é cogente,
determinando a adoção de programas de integridade. Ou seja, para as empresas
privadas a instituição de programas de integridade é uma opção, dado o caráter
facultativo, entretanto incentivado, previsto na Lei Anticorrupção. Por outro lado, no
Estatuto Jurídico das estatais, a disciplina é outra: obrigatoriedade de implementação
de efetivos programas de integridade.
Nesse contexto, ressalta-se que a Lei nº 13.303/2016 decorre do mandamento
constitucional (art. 173, §1º), que exige lei que institua “o estatuto jurídico da empresa
pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias”. Nos termos da
Constituição, impõe-se às estatais “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas
privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários” (inc. II), assim como exige que se estipulem critérios de controle capazes
de proteger os interesses que levaram à criação dessas empresas (inc. I).
A Lei das Estatais, portanto, dá concretude ao mandamento constitucional que
exige que as estatais sejam regidas pelo direito privado no que se refere às suas
relações de mercado. Dito de outro modo: a Lei define os contornos da atuação
privada dessas empresas, inclusive no que se refere à previsão de programas de
integridade. Tendo isso em mente, é preciso ressaltar que um dos pilares da Lei
nº 13.303/2016 é, precisamente, definir que as estatais devem se submeter aos

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princípios de governança e melhores práticas empresariais. Dentre elas, está a adoção


compulsória de programas de integridade.4
O sentido da estipulação deste dever é proteger as estatais, que agem em regime
de mercado e utilizando-se de regras de direito privado, de práticas que possam
comprometer a efetividade do interesse público associado a esses ativos. Não por
acaso, o estatuto das empresas estatais foi a resposta normativa aos diversos
escândalos de corrupção envolvendo estatais que vieram à tona no âmbito da chamada
Operação lava-jato.5
O art. 9º da Lei nº 13.303/2016 é o fundamento normativo imediato deste dever.
Diz ele que:

A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de


estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam:
I – ação dos administradores e empregados, por meio da implementação
cotidiana de práticas de controle interno;
II - área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de
gestão de riscos;
III - auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário.
§ 1º Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade,
que disponha sobre:
I – princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de
economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de
interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;
II – instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do
Código de Conduta e Integridade;
III - canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias inter-
nas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e
Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;
IV - mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação
a pessoa que utilize o canal de denúncias;
V - sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de
Conduta e Integridade;
VI - previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de
Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a polí-
tica de gestão de riscos, a administradores.
§ 2º A área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e
de gestão de riscos deverá ser vinculada ao diretor-presidente e liderada
por diretor estatutário, devendo o estatuto social prever as atribuições

4 Sobre as premissas valorativas da Lei nº 13.303/2016 consultar o prefácio do livro: GUIMARÃES, Bernardo
Strobel et al. Comentários à Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 21-38.
5 Neste sentido: ISSA, Rafael Hamze; TAFUR, Diego Jacome Valois. Governança corporativa nas empresas
estatais. In: Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 625-626.

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da área, bem como estabelecer mecanismos que assegurem atuação


independente.
§ 3º A auditoria interna deverá:
I - ser vinculada ao Conselho de Administração, diretamente ou por meio
do Comitê de Auditoria Estatutário;
II - ser responsável por aferir a adequação do controle interno, a efetivi-
dade do gerenciamento dos riscos e dos processos de governança e a
confiabilidade do processo de coleta, mensuração, classificação, acumu-
lação, registro e divulgação de eventos e transações, visando ao preparo
de demonstrações financeiras.
§ 4º O estatuto social deverá prever, ainda, a possibilidade de que a área
de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em
situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em
irregularidades ou quando este se furtar à obrigação de adotar medidas
necessárias em relação à situação a ele relatada.

Como se percebe da leitura do dispositivo, a Lei das Estatais criou a exigência


da implementação de estruturas e programas de gestão de riscos que considerem a
atuação dos administradores e empregados dessas empresas. Muito embora “(…)
possa se criar temperamentos para empresas de menor porte (…)”,6 fato inegável é
que a Lei estipula o dever de que se criem em todas as estatais padrões de conduta
internos que se orientem à prevenção e repressão de atos de corrupção e fraude”.
Não só isto. Previu-se na Lei o figurino dos órgãos encarregados de implementar,
monitorar e dar efetividade aos programas de integridade, assim como os instrumentos
necessários à efetivação dessas diretrizes.
Neste contexto, assume especial relevância o Código de Conduta e Integridade
(art. 9º, §1º), que consolida os elementos necessários à efetiva implementação dos
controles internos. Neste documento, devem estar contempladas: normas que visam
prevenir conflitos de interesse e reprimir atos de corrupção e fraude (inc. I) e as
instâncias necessárias pela aplicação do Código de Conduta (inc. II). A Lei exige ainda
a existência de canais de denúncia anônimos (inc. III), e mecanismos que assegurem
a impossibilidade de retaliações contra aqueles que denunciem irregularidades (inc.
IV). Por fim, compete ao Código de Conduta estipular as sanções aplicáveis àqueles
que descumprirem as normas de conduta.
Esse corpo de exigências demonstra a importância dada pela Lei das Estatais
ao tema da gestão de riscos e integridade no contexto destas empresas. As normas
mencionadas dão substância à previsão geral do art. 6º da Lei das Estatais, no sentido

6 GUIMARÃES, Bernardo Strobel et al. Comentários à Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). Belo Horizonte:
Fórum, 2019, p. 76.

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de que os atos constitutivos destas empresas observem regras de “gestão de riscos


e controle interno”. Como se infere, todos os regulamentos das estatais devem conter
tais previsões. As disposições relativas ao controle de riscos, inclusive, deverão ser
continuamente aprimoradas, de modo a refletir a todo instante a proteção adequada
dos bens jurídicos em questão (cf. art. 12, II).
Ademais, para além do controle de riscos, a adoção de um programa de integridade
é importante também para garantir maior segurança jurídica aos atos praticados pela
estatal. Como bem anota Carolina Dolabela, o controle interno das empresas estatais,
para além de possibilitar uma redução na incerteza quanto ao controle externo sobre
seus atos, seja ele realizado por quaisquer dos Poderes da República, “(…) acaba
fornecendo subsídios importantes para que seja possível a aferição de todas as partes
interessadas, tanto no que se refere aos objetivos empresariais quanto no que se
refere aos objetivos públicos a que a empresa está vinculada”.7
Não sem motivo, a Lei das Estatais, no seu art. 18, II cria o especial dever de
o Conselho de Administração destas empresas “implementar e supervisionar os
sistemas de gestão de riscos e de controle interno estabelecidos para a prevenção e
mitigação dos principais riscos a que está exposta a empresa pública ou a sociedade
de economia mista, inclusive os riscos relacionados à integridade das informações
contábeis e financeiras e os relacionados à ocorrência de corrupção e fraude”.
Ou seja, nos termos da Lei, zelar pela integridade do sistema de repressão
aos atos de corrupção e fraude é de responsabilidade do Conselho de Administração.
A inobservância desse dever pode, inclusive, servir de fundamento de responsabilidade
daqueles que menoscabarem a instituição de uma política adequada de controle de
riscos. Os administradores e diretores das estatais estão vinculados à promoção
destes valores, não podendo se omitir na sua efetiva implementação. Nas palavras
de Alessandro Octaviani e Irene Patrícia Nohara.

O comprometimento da alta gestão (na qual se incluem Presidente e


Diretores Executivos) é imprescindível para que o programa de inte-
gridade atinja credibilidade. Os integrantes da alta direção, líderes da
organização, possuem um papel essencial e devem propiciar engaja-
mento, orientação e apoio na eficiência das atividades de integridade da
empresa. Também os dirigentes devem se preocupar se os seus com-
portamentos conferem uma interpretação dúbia e não compatível com o

7 DOLABELA, Carolina. Empresas estatais: a relação entre os interesses público e econômico sob o enfoque da
Lei nº 13.306/2016. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 134.

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que gostariam de ver espelhado na organização, dado que as pessoas


acabam mimetizando o comportamento dos líderes.8

Todos os elementos mencionados confluem para uma premissa importante para o


exame das questões postas à apreciação aqui: por dever legal, compete às estatais não
só ter programas de integridade, mas também assegurar que eles sejam efetivamente
capazes de identificar e reprimir riscos, notadamente os relativos à corrupção e fraudes.
O que a Lei exige não é a previsão abstrata de programas de integridade. O que se
tem em mira é a instalação de uma verdadeira política interna de controle, que visa
mitigar o risco de que essas empresas se envolvam em atos reprováveis.
A lógica da Lei nº 13.303/2016 é obrigar que todas as sociedades estatais
possuam programas de integridade como forma de combater atos de corrupção e
fraude. A existência destes instrumentos constitui linha de defesa contra eventual
atuação desviada de todos os que representam a empresa, independentemente do
seu grau hierárquico. A inexistência ou insuficiência de programas de integridade é
hipótese que não se põe.
Toda e qualquer análise que se faça sobre o tema deve partir desse vetor
interpretativo. Qualquer interpretação que possa comprometer a eficácia dos objetivos
dos programas de integridade é inadequada, por violar as premissas normativas
impostas às estatais.

4 Natureza das regras de integridade: normas internas,


decorrentes da autonomia empresarial
Como visto acima, dando cumprimento à Constituição, a Lei das Estatais impôs
que essas empresas implementem regras relativas a programas de integridade,
indicando qual é o seu figurino mínimo.9
Diante dessa previsão legal, compete a cada empresa, atenta às suas peculiari-
dades (porte econômico, área de atuação, etc.) criar os instrumentos necessários ao
atingimento dos objetivos previstos em Lei. Neste sentido, o art. 27, §2º da Lei das
Estatais indica que as estatais devem adotar padrões de responsabilidade corporativa
(o que abrange a ideia de integridade) compatíveis com o mercado em que atuam. Ou
seja, os padrões de controle devem ser adequados às peculiaridades de cada empresa,
usando-se as práticas de mercado como baliza de referência.

8 OCTAVIANI, Alessandro; NOHARA, Irene Patrícia. Estatais. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021,
p. 183.
9 Nesse sentido: ANTUNES, Gustavo Amorim. Estatuto Jurídico das Empresas Estatais, Lei 13.303/2016
comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 166-168.

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A Lei nº 13.303/2016 não define no que consiste o programa de integridade,


mas estipula critérios gerais que devem ser conformados caso a caso pelos estatutos
de cada empresa. Em termos estritos, a técnica utilizada pela Lei das Estatais foi
atribuir a cada empresa autonomia para implementar e aprimorar de modo constante
programas de integridade de acordo com as exigências da Lei. Cada estatal deve,
atentando aos seus procedimentos internos e demais peculiaridades de sua atuação,
criar programas capazes de atender aos standards fixados na Lei. E isso, como visto
acima, é essencial à própria efetividade desses programas.
Em especial, a autonomia para definir os Códigos de Conduta é denotativa desse
espaço de construção. Destaque-se quanto a este ponto que nem sequer as sanções
foram definidas em Lei, o que demonstra que, segundo a Lei, há um amplo espaço
de conformação empresarial a ser exercido pelas estatais.
O sentido e o alcance da técnica legislativa utilizada devem ser destacados. Cui-
da-se aqui da atribuição à própria estatal da competência empresarial para implementar
todos os aspectos necessários à efetividade dos programas de integridade. O que a
Lei faz é reconhecer a autonomia de cada uma das estatais para, nos termos dos seus
estatutos, implementar em concreto seus programas de governança e integridade,
havendo autonomia empresarial para definir todos os aspectos necessários a tanto.
E nem poderia ser diferente, pois como destacado acima, não existe programa de
integridade prêt-à-porter.
Naquilo que não foi pré-determinado pela Lei, competirá a cada estatal definir,
atenta à sua lei de instituição, estatutos sociais, procedimentos internos e melhores
práticas, como concretizará o dever legal que lhes impõe o art. 9º da Lei das Estatais.
O ponto a ser encarecido é que as estatais têm, como qualquer outra empresa privada,
autonomia para definir as regras adequadas para implementação de seus programas
de integridade, observadas as exigências da Lei nº 13.303/2017.
O programa de integridade como sistema de controle é resultado da autonomia
empresarial de cada estatal, constituindo-se ato interno seu. É por essa razão que
pode haver programas de integridade com feições radicalmente distintas, pois cada
um deles foi produzido de maneira individualizada a partir de peculiaridades próprias
de cada empresa. Ter clareza sobre esse ponto é duplamente importante.
Em primeiro lugar, para rejeitar interpretações que imponham às estatais requisitos
diferentes daqueles que decorrem dos seus atos internos e da Lei. Neste contexto,
buscar trazer requisitos alheios àqueles que derivam diretamente da Lei é desconsiderar
a autonomia empresarial das estatais, substituindo o que foi definido internamente pela
concepção do intérprete, o que é manifestamente equivocado. Embora não seja próprio
falar de discricionariedade aqui, mas sim de autonomia empresarial, a consequência é

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similar. Não se pode invadir esse espaço de conformação, impondo requisitos alheios
aos definidos pela empresa, sob pena de comprometer suas escolhas de modo indevido.
Em segundo lugar, a “fonte” das obrigações derivadas do programa de integridade
é privada. A Lei estipula o dever de instituir o programa, mas não define seu conteúdo.
As sanções previstas, as condutas esperadas, o procedimento de aplicação etc.,
tudo isso é definido por atos privados, de natureza empresarial. Logo, ao analisar
temas correlatos à aplicação de sanções no âmbito dos programas de integridade, é
fundamental ter isso em mente. Não se está diante da aplicação de atos de autoridade
ou império, mas sim de atos praticados com base na capacidade de as estatais, como
entes de direito privado, definirem seu próprio funcionamento, o que alcança, desde
a Lei nº 13.303/2016, os programas de integridade.

5 Funcionalização parcial dos atos internos das estatais


relativos aos seus empregados
Empresas estatais são entidades de direito privado que integram a administração
indireta do Estado. Elas podem ser empresas públicas ou sociedades de economia
mista. Trata-se de entidades da Administração Pública, sujeitas à aplicação de normas
e princípios de direito público. Por isso, sujeitam-se à aplicação de normas de direito
público e de direito privado. Se por um lado os princípios elementares do direito
administrativo aplicam-se a toda a Administração (cf. art. 37), também é verdade
que a Constituição define que estatais são empresas e que atuam segundo o direito
privado (cf. art. 173).
O justo equilíbrio entre essas duas dimensões é fundamental para compreender
o regime a que se sujeitam tais empresas. Em especial, é preciso destacar que as
estatais são empresas e que, nessa medida, o direito que lhes é próprio é, naturalmente,
o privado. Somente nos pontos em que houver clara derrogação do direito privado é
que se pode impor às estatais a metodologia típica do direito público.10
Dentre as limitações impostas pela Constituição às estatais está a contratação
de empregados mediante concurso público, aliada à observância ao teto remuneratório
constitucional. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, estas restrições
têm por objetivo o atendimento de princípios do direito público como a isonomia,
impessoalidade e moralidade e não conferem aos empregados das empresas estatais
o mesmo regime dos servidores públicos. Isto é, tais preceitos não desnaturam o

10 Essa é a lição de DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O Direito Privado na Administração Pública. São Paulo: Atlas,
1989, p. 110.

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Bernardo Strobel Guimarães, Caio Augusto Nazario de Souza

caráter privado da relação de emprego nas estatais, apenas exigem um procedimento


que objetive a decisão empresarial acerca da demissão de empregados, haja vista o
enquadramento constitucional a que as estatais estão sujeitas.
Para além de outras peculiaridades, diferentemente dos empregados públicos, os
servidores estatutários possuem estabilidade, atributo que não alcança os empregados
das estatais. Respeitados os limites legais (art. 41 da CF), suas carreiras são regidas
por lei especial e sua exoneração deve respeitar o devido processo administrativo.
Já os empregados de estatais, não. Quanto ao tema, o Supremo Tribunal Federal há
tempos firmou entendimento nos seguintes termos:

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EMPREGADO. ESTABILIDADE. A


decisão agravada está em conformidade com entendimento firmado
por ambas as Turmas desta Corte, no sentido de que não se aplica a
empregado de sociedade de economia mista, regido pela CLT, o dis-
posto no art. 41 da Constituição federal, o qual somente disciplina a
estabilidade dos servidores públicos civis. Ademais, não há ofensa aos
princípios de direito administrativo previstos no art. 37 da Carta Magna,
porquanto a pretendida estabilidade não encontra respaldo na legislação
pertinente, em face do art. 173, § 1º, da Constituição, que estabelece
que os empregados de sociedade de economia mista estão sujeitos ao
regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obri-
gações trabalhistas. Agravo regimental a que se nega provimento (STF.
Agravo de Instrumento nº 465.780, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJe
23.11.2004).

De tal modo, os empregados de empresas estatais seguem a regra geral da


Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, de acordo com o comando do art. 173, §1º,
II da CF, o que, como dito antes, não elimina por completo a aplicação dos princípios
da Constituição aplicáveis à Administração
Especificadamente no tocante ao desligamento de empregados de estatais, a
doutrina converge para a linha de que sua legalidade e validade encontra limite na
imposição da motivação desses atos.11
Mesmo inexistindo estabilidade, a demissão de empregado não é livre, pois
exige a aferição de um motivo idôneo. Isso decorre do fato de que a autonomia das
estatais não equivale à dos sujeitos privados. O cerne da questão é que as estatais
têm o ônus de fundamentar procedimentalmente sua decisão, permitindo o controle
de eventuais arbítrios que possam ser cometidos. Em termos simples, não é que
as estatais não possam demitir seus empregados, apenas exige-se objetivamente a
demonstração de que existem razões para tanto, de modo a evitar arbítrios e caprichos.

11 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 97.

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Aplicação de medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais...

Respeitosamente, isso não equivale, contudo, a conferir aos empregados públicos


uma espécie de estabilidade.
Em se tratando da dispensa de empregados, o dever de motivar tem por razão de
ser evitar a violação à isonomia e à impessoalidade, haja vista se exigir o ingresso nos
quadros de empregados mediante concurso público. Sobre o tema, o STF registra que:

EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO


IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE
DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO.
I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art.
41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC
nº 19/1998. Precedentes.
II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia,
que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado
de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam
serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais
princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também
respeitados por ocasião da dispensa.
III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empre-
gado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte
do agente estatal investido do poder de demitir.
IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplica-
ção, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para
legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. (STF. Recurso
Extraordinário nº 589.998, Relator Min. Ricardo Lewandowski. DJe
21.03.2013).12

Para além de inexistir diploma legal que suporte eventual identidade nas formas de
desligamento de servidores e empregados de estatais, fato é que exigir a instauração
de processo administrativo para a demissão de empregados de estatais tornaria letra
morta a regra constitucional que diz que o vínculo das estatais com seus empregados
é de natureza privada. E isso deve ser interpretado da forma que mais prestigie o
espírito da Constituição.
Nesses termos, a empresa estatal possui o dever de motivar suas decisões de
desligamento de funcionários admitidos mediante concurso público; entretanto não
está obrigada a instaurar processo administrativo para tanto. O dever de fundamentar

12 A leitura do julgado indica que há uma correlação entre o dever de justificar a demissão e a natureza da
atividade exercida pela estatal (se prestadora de serviço público ou não). Embora haja essa associação com
a atividade da estatal, crê-se que a ideia é aplicável a todas as estatais, na exata medida em que a exigência
de um procedimento de justificação do ato de demissão deriva do fato de a contratação se dar por meio
de concurso, formalidade que se impõe a todas as estatais. Se o dever de motivar deriva da exigência de
concurso, fato é que essa obrigação se espraia a todas as estatais.

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Bernardo Strobel Guimarães, Caio Augusto Nazario de Souza

não desnatura o caráter privado do vínculo de emprego. De acordo com os princípios


do Direito Administrativo e o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, a
motivação capaz de excluir o arbítrio é o que se exige. Esse dever de motivar é reflexo
do critério de escolha objetivo que se impõe às estatais.
A isto, repita-se, não transforma tais atos em atos administrativos em sentido
estrito, nem induz ao dever de observar todas as dimensões do direito de defesa
previstas para servidores estatutários. Pensar de modo diverso seria imputar às
estatais requisitos que não se afinam com a Constituição, que é explícita ao destacar
o caráter privado da relação de emprego no âmbito das estatais. Tratar coisas distintas
da mesma maneira é ir contra a inteligência da Constituição.

6 Natureza privada das sanções decorrentes do programa de


integridade e suficiência do procedimento
Até o presente instante destacou-se que: (i) a Lei das Estatais estabelece o
dever de essas empresas, dentre outros controles, possuírem controle de integridade
eficazes; (ii) tal dever é implementado por meio de deliberações internas, a cargo
de cada estatal, no âmbito de sua autonomia empresarial; (iii) impõe-se às estatais
motivar os atos de demissão de seus funcionários, sem que isso implique ofertar em
favor deles as mesmas garantias aplicáveis aos servidores estáveis.
Uma vez examinados esses temas, pode-se atacar o ponto central deste artigo:
qual a natureza das normas que preveem sanções e quais os requisitos para aplicá-las.
Em suma: face à aplicação de medidas disciplinares decorrentes do bom emprego
do programa de integridade, qual é a extensão do direito de defesa do colaborador
da empresa? Em termos estritos, essa resposta depende de saber qual é a fonte do
direito de defesa neste caso: se pública ou privada.
Duas visões antagônicas podem existir sobre o tema. A primeira vê na aplicação
dessas sanções a manifestação de um ato de autoridade pública, que se sujeitaria ao
atendimento integral da cláusula do devido processo legal, cuja fonte seriam regras
de natureza pública.
A segunda, a que vê nisso a aplicação de atos de natureza privada, que escapam à
aplicação integral do due process of law, devendo respeitar o mínimo de processualidade
que se presta a garantir que a decisão não seja arbitrária, nos termos impostos às
estatais, haja vista elas contratarem por meio de concurso público.
Com respeito, a primeira posição não só é equivocada, mas vai na contramão das
próprias exigências da Lei das Estatais, comprometendo as premissas que informam
a existência de programas de integridade nessas empresas.

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Aplicação de medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais...

O equívoco do qual parece partir essa concepção é não atentar à natureza privada
do programa de integridade, passando a exigir requisitos alheios aos previstos nos
atos internos, o que depõe contra sua efetividade.
Como destacado acima, os programas de integridade são impostos às estatais
por Lei, cabendo a cada uma delas efetivar seus programas atentando às suas pecu-
liaridades. Isso, contudo, não desnatura o fato de que tais imposições são colocadas
às estatais por elas serem empresas. Os controles decorrentes da implementação de
programas de integridade constituem expressões da faceta empresarial das estatais
e é isso que deve ser levado em consideração na sua aplicação. Como visto, a única
peculiaridade é que esse dever é imposto a todas as estatais, ao passo que a sua
adoção é facultativa para as empresas privadas. Isso, contudo, não altera a natureza
das coisas.
Neste contexto, a companhia aplica tais penalidades porque é uma empresa; não
porque é integrante da Administração Pública indireta. A razão de ser disto é que as
estatais precisam desses mecanismos, exatamente por serem empresas que atuam
em regime de direito privado. É por serem empresas que elas devem contar com
programas de integridade. A obrigatoriedade de que tenham tais controles configura
decisão do legislador no sentido de proteger em maior medida o Estado na qualidade
de acionista. Em termos simples, o Estado não poderia ficar desprotegido no que se
refere à proteção das suas empresas contra atos de corrupção.
Dois ângulos distintos de análise convergem para sustentar essa conclusão. Para
tanto, basta que se avalie como se dá o combate à corrupção em ambientes públicos
e privados, de modo a comparar os pressupostos em cada uma destas hipóteses.
Esta comparação visa demonstrar a distinção ontológica entre os dois regimes, que
não podem ser equiparados, sob pena de gerarem-se resultados manifestamente
inadequados, equiparando coisas que juridicamente são diferentes.
Neste contexto, cumpre lembrar que o regime disciplinar que se aplica aos
servidores tem fundamento legal e a relação que tais indivíduos têm com a Administração
possui natureza estatutária. A aplicação de penalidades aos servidores se dá por
meio de procedimento disciplinar, cujo figurino elementar decorre da Lei, devendo
observar todos os requisitos previstos nos estatutos pertinentes (cf. art. 41, §1º, II da
Constituição). Já a aplicação de medidas decorrentes do descumprimento de normas
previstas em Código de Conduta em nada se assemelha com a hipótese anterior.
Primeiro, sua fonte imediata são atos privados praticados pelas empresas, que
estipulam as regras de integridade a serem observadas, cujo alcance se limita aos
seus funcionários e demais colaboradores. Além disto, as normas relativas ao dever
de integridade não possuem natureza estatutária, mas sim contratual. Elas decorrem

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do vínculo específico que une os colaboradores à empresa (contrato de trabalho ou


nomeação), somada à expressa aceitação da vinculação de cada um deles às regras
de integridade. O termo de aceitação do programa, usualmente previsto, é ato que
se reveste de conteúdo jurídico, não se tratando de mera formalidade despida de
consequências. O ato de concordar com o programa e declarar que cumprirá suas
regras garante a possibilidade de a empresa exigir o cumprimento das suas normas
de cada um dos seus colaboradores.
O estatuto que se impõe aos servidores públicos deriva da Lei, que estipula
diretamente deveres, sanções e procedimentos. Cuida-se nesses casos da incidência de
sanções para as quais se aplica reserva de lei e cuja aplicação depende de procedimento
administrativo disciplinar em que a estrutura é prevista legalmente. Os servidores não
aderem a essas normas, mas se sujeitam a elas por força de sua investidura.
A situação dos servidores é substancialmente distinta da que se evidencia na
aplicação de medidas disciplinares aos empregados (e demais colaboradores) das
estatais em face do descumprimento de regras de integridade, que têm origem em
deliberações societárias promovidas por cada uma das estatais. Neste caso, a fonte
dessas obrigações não é legal, mas sim deriva das deliberações societárias que
implementam o programa de integridade em cada uma das estatais e da sua aceitação
por cada um desses stakeholders.
Ambas as situações não podem ser equiparadas para fins de aplicação das
sanções decorrentes do descumprimento das normas previstas no programa de
integridade. Respeitosamente, é impróprio tentar equiparar o procedimento de aplicação
de medidas no âmbito do programa de integridade com a uma espécie de processo
disciplinar privado. Cuidam-se de coisas juridicamente diferentes, sujeitas a regimes
que não podem ser equiparados.
Tratar ambas as coisas de modo igual implicaria ignorar dois comandos constitu-
cionais: o art. 41, §1º, II que estabelece para o servidor estável a garantia do processo
administrativo disciplinar e o art. 173, §1º, II que prevê para as estatais “a sujeição
ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”.
A situação das estatais é, em verdade, no que se refere à aplicação de sanções
decorrentes dos programas de integridade, análoga à das empresas privadas que
possuem programas de integridade. Tanto é assim que a Lei Anticorrupção não
promove nenhuma distinção quanto a esse fim, no que é acompanhada pelo Decreto
nº 8.420/2015.
No que se refere às empresas privadas, é evidente que a aplicação de medidas
que visam corrigir riscos de integridade é uma atribuição privada, que é exercida sem

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Aplicação de medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais...

qualquer necessidade de se instituir uma espécie de “processo administrativo disciplinar”


privado. O próprio figurino do Decreto nº 8.420/2015 permite essa conclusão ao chamar
as sanções aplicáveis de “medidas disciplinares”, de “instância interna responsável”,
o órgão societário encarregado de aplicar as sanções, etc.
Nesses casos, as “medidas disciplinares” são aplicadas com base nos atos
internos destas empresas, aos quais seus colaboradores se sujeitam por força de
vínculo privado. Como dito, a fonte dessas obrigações é privada e o procedimento para
sua aplicação é o definido pela própria empresa.
O que se exige para fins das medidas disciplinares é que haja um procedimento
racional para prevenir e reprimir atos que possam caracterizar fraude ou corrupção.
Isso, certamente, não impõe a observância de uma espécie de processo disciplinar
privado. O poder diretivo do empregador não equivale à autoridade exercida pelo Estado,
ainda que decorrente de vínculo de sujeição especial.
Impõe-se, no que se refere aos programas de integridade (sejam eles das
empresas privadas ou estatais), que haja a aplicação isenta das regras. Contudo,
não se pode perder de mira que um programa de integridade exige “procedimentos
que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a
tempestiva remediação dos danos gerados” (cf. art. 42, XII do Decreto nº 8.420/2015).
Em suma, quanto à tutela da integridade, a situação das estatais não é em
nada diferente das demais empresas privadas no que se refere à aplicação de regras
derivadas dos seus programas de integridade. Está-se aqui diante de situações que
se equiparam do ponto de vista jurídico.
As estatais devem adotar programas de integridade de modo similar às empresas
privadas. Nos dois casos, os programas são expressão de funcionalização da atuação
privada das empresas no combate à corrupção.
Essa especial posição de garantia decorre das prescrições da Lei Anticorrupção,
atingindo todas as manifestações empresariais, independentemente de elas serem
privadas ou públicas. Aliás, não é devido ao acaso que mesmo “sociedades de fato”
são alcançadas pela referida Lei (art. 1º, Par. Único). Isto ocorre exatamente porque,
nos termos da Legislação, onde houver atuação econômica, surge o especial dever de
as empresas atuarem de modo a coibir a corrupção. O dever não discrimina a natureza
das empresas, impondo-se a todas elas, inclusive as estatais.
Nessa linha, destaca-se que exigir das estatais mais do que das outras empresas
seria admitir que os programas de integridade privados seriam mais efetivos do que
aqueles instalados pelas empresas do Estado, que estariam sujeitas a observar
requisitos que não se colocariam às demais, comprometendo capacidade daquelas
em prevenir e remediar atos de corrupção.

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Nos termos da Lei, um dos pilares de qualquer programa de integridade é a


aplicação célere da reprimenda adequada. Isso é fundamental para que os objetivos de
um programa de integridade sejam atingidos, especialmente tendo em consideração o
seu papel preventivo. A ideia de qualquer programa de integridade é evitar que danos
aconteçam, atuando de modo profilático.
Com o respeito das opiniões diversas, assim como seria sem sentido exigir que
empresas privadas instituíssem uma espécie de procedimento disciplinar público para dar
execução aos seus programas de integridade, seria descabido exigir isto das estatais.
Nos dois casos, os requisitos são da mesma ordem, ressalvadas as exceções postas
de modo inequívoco pela Constituição em que se exige das estatais a observância de
normas de direito público. Isso, entretanto, não pode servir de cavalo de Troia para
que se passem a exigir das estatais procedimentos alheios à natureza privada dos
programas de integridade, que depõem contra a efetividade deles.
Buscar publicizar o procedimento de aplicação de medidas disciplinares tornando-o
uma espécie de processo público só por ser levado a cabo por empresas estatais
parece ser equivocado do ponto de vista metodológico. Tal resultado, a par de ignorar
que o regime das estatais é para estes fins análogo ao privado, implica grave subversão
do mandado legal que impõe que estas empresas sejam dotadas de programas de
integridade.
Ora, se é mandatório que as estatais tenham programas de integridade, sendo
eles em regra facultativos para as empresas privadas, é porque se reconhece que tais
empresas, por contarem com recursos públicos, devem possuir sistemas de integridade
ainda mais efetivos dos que os privados. O fato de o legislador ter determinado a
adoção de controles de integridade para as estatais significa que elas devem ser ainda
mais efetivas nesse aspecto do que as empresas privadas.
Se para um privado pode haver a opção de não assumir um compromisso ativo de
combate à corrupção, essa opção não se coloca para as estatais. Elas estão obrigadas
a combater de modo ativo quaisquer atos de corrupção, sejam eles praticados por seus
empregados, diretores, contratados ou qualquer um que com elas se relacionem. E
para que assim possam fazer, dependem de seus programas de integridade.
Nessa perspectiva, o “direito de defesa” a que os colaboradores têm direito é
o previsto nos atos internos, e não qualquer outro criado por interpretações alheias
ao que foi definido em atenção aos riscos inerentes a cada uma das estatais.
Como se advertiu acima, impor requisitos alheios aos previstos nas regras internas
constitui desconsideração da natureza privada do programa de integridade, assim
como menoscaba a autonomia empresarial que as estatais possuem para definir seus
protocolos internos.

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Aplicação de medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais...

Mais do que isto. Tudo aquilo que for além do expressamente previsto nos atos
internos que organizam os programas de integridade serve apenas para depor contra
a efetividade destes programas e não deve ser prestigiado por aqueles responsáveis
pela efetividade dos controles da empresa. Nalguma medida agir para além das regras
internas é uma forma oblíqua de minar a eficácia do programa de integridade.
Desprezar o caráter privado das fontes que instituem regras de conduta derivadas
de programas de integridade é atentar contra a sua efetividade. Em tese, a ampliação
do sentido do direito de defesa, tal como disposto nos próprios atos que instituem o
programa, retarda a adoção das medidas cabíveis, indo na contramão do que a Lei nº
13.303/2016 exige. Quando menos a exigência de resposta efetiva e imediata estaria
sendo comprometida nesses casos.
Ir por esse caminho levará a resultados manifestamente paradoxais. Por exemplo,
se houvesse aqui de fato um exercício de uma prerrogativa pública, seria necessário
que as condutas e penalidades fossem previstas em Lei, e não em Código de Conduta.
Seria ainda cabível falar em justa causa para investigar atos denunciados, indo além
da simples denúncia anônima. Haveria duplo grau de jurisdição. Enfim, haveria a
incidência de uma série de providências que não têm sentido em se considerando a
fonte privada do programa de integridade.
Há em alguns casos, inclusive, manifesta oposição entre os regimes em disputa.
Isso acontece por exemplo no que se refere à proteção daqueles que tomam parte
das denúncias que dificilmente poderia ser compatibilizada com algumas garantias
processuais. Um dos pilares de qualquer programa de integridade é assegurar
que aqueles que comunicam irregularidades não serão retaliados pelos eventuais
denunciados. Daí o dever de ter canais de denúncia indevassáveis. Essa premissa,
contudo, dificilmente pode ser harmonizada com todas as garantias inerentes ao devido
processo legal de direito público.13
Formule-se um exemplo para ilustrar esse ponto. Determinado funcionário é
denunciado pela prática de assédio sexual. Em sua defesa, invocando o devido processo
legal, ele pretende aduzir que a denúncia foi formulada por inimigo capital seu e que
toda a relação de investigação é nula por causa disto, carecendo o processo de justa
causa.
Respeitosamente, no que se refere a um programa de integridade, essa sorte de
discussão é inadmissível, exatamente por conta do fato de que deve se garantir que todos
aqueles que apresentem denúncias não sejam retaliados, de modo que o anonimato

13 No âmbito estadual, inclusive, essa previsão se coloca à própria Administração Direta, garantindo o anonimato
a aqueles que denunciem atos de corrupção como se vê no Decreto nº 7.791/2021.

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se constitui em garantia. Um programa de integridade só é efetivo se der as garantias


necessárias para que condutas reprováveis venham à tona. Nesse contexto, e é esse o
ponto, buscar tornar “processual” a aplicação de medidas disciplinares é depor contra
os próprios fundamentos que estão na base de um programa de integridade efetivo.
Por outro lado, é de se notar que a Lei nº 13.303/2016 não estabeleceu regras
relativas ao processo de aplicação de sanções. Esse silêncio é eloquente. O Decreto
nº 8.420/2015 também não fixa tal exigência. Não há aqui qualquer lacuna, mas sim
o reconhecimento que o procedimento de aplicação das sanções deve ser definido
internamente, por cada estatal. Em termos diretos, o direito de defesa contemplado
no Código de Conduta é o que deve ser observado, e não outro procedimento que se
fundamente na lógica do direito administrativo sancionador.
Aqui não se pode deixar de destacar que o caráter de adesão voluntária às
regras do programa de integridade tem um importante papel na compreensão das
questões examinadas. Isto implica, em primeiro lugar, que a fonte das obrigações
é inequivocamente privada. Acaso se tratasse de poderes de autoridade, a adesão
seria desnecessária, pois a vinculação decorreria diretamente de lei, sem qualquer
necessidade de outro requisito. A existência de termo de consentimento denota,
exatamente, o que se defendeu acerca da natureza privada das obrigações decorrentes
dos programas de integridade.
A par disto, a adesão implica que todos os que assinaram o termo de vinculação
concordaram em se sujeitar às regras de compliance, não podendo pretender se
desvincular delas quando flagrados praticando atos reprováveis à luz do programa de
integridade. Esta nota de adesão voluntária impede que se invoquem regras distintas
das estabelecidas pela empresa, como forma de buscar se elidir a aplicação das
medidas previstas. Isso seria prestigiar inadmissível comportamento contraditório por
parte daqueles que devem se sujeitar às regras de integridade.
As ideias aqui expostas, nalguma medida, ecoam na nossa jurisprudência.
Nesse sentido vale mencionar julgado do TRF da 2ª Região14 que analisou questão
similar à presente. Naquele caso, uma empresa questionou em Juízo o fato de não
poder contratar com a Petrobras por ter sido classificada como sendo de alto risco
sua contratação, de acordo com as regras de integridade adotadas por aquela estatal.
O cerne da insurgência daquela empresa era, precisamente, alegar que ela não
poderia ser proibida de contratar com base no programa de integridade sem que fosse
a ela ofertado o devido processo legal.

14 Apelação Cível nº 0215918-95.2017.4.02.5101 (2017.51.01.215918-7), Relatora Desembargadora Federal


VERA LÚCIA LIMA, Oitava Turma Especializada do TRF da 2ª Região, DJe 25.6.2019.

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Aplicação de medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais...

Contudo, ao contrário do que defendia a empresa, o Judiciário reputou absoluta-


mente regular a implementação da regra prevista no programa de integridade. O fez
alegando que se trataria da aplicação de uma medida que protege a empresa, tendo
natureza de cautelar, e que para tanto não é necessário observar o devido processo
nos termos estipulados pela Lei Federal de Processo Administrativo. Mais do que isso,
a existência de critérios objetivos e impessoais, de conhecimento dos envolvidos,
serve de fundamentação idônea para aplicar as medidas previstas nos programas de
integridade.
Consta da ementa do referido julgado a seguinte passagem, que ilustra o mesmo
raciocínio que se coloca aqui:

Nesse contexto, é de se concluir que a Lei 13.303/16, em conformidade


com a Lei Anticorrupção (12.846/13), autoriza e embasa as medidas
adotadas pela Petrobrás através de seu programa de controle de inte-
gridade das empresas contratantes, em especial o Due Diligence de
Integridade (DDI), que diz respeito ao estabelecimento de políticas inter-
nas da companhia destinadas à mitigação e enfrentamento de desvios
de conduta dos seus agentes e colaboradores no desenvolvimento das
respectivas atividades, cumprindo a finalidade do disposto no art. 41 do
Decreto 8.420/15, que regulamenta a lei que dispõe sobre a responsabi-
lização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
Administração Pública. Diante das considerações acima, não se verifica
ilegalidade no ato administrativo ora impugnado, tratando-se de concre-
tização dos comandos previstos na legislação para o efetivo combate à
corrupção, estabelecendo procedimentos de conformidade (compliance),
o que, por seu turno, inviabiliza a concessão da segurança a fim de que
se altere o grau de risco de integridade da impetrante.

Em suma, e para arrematar, a adoção de programas de integridade implica a


capacidade de as empresas atuarem de modo eficiente para detectar, prevenir e
sancionar condutas irregulares, notadamente as que envolvem corrupção e fraude.
Não à toa, as diretrizes da CGU indicam que:

A detecção de indícios da ocorrência de atos lesivos à administração


pública, nacional ou estrangeira, deve levar a empresa a iniciar uma
investigação interna, que servirá como base para que sejam tomadas as
providências cabíveis. Normas internas devem tratar de aspectos procedi-
mentais a serem adotados nas investigações como: prazos, responsáveis
pela apuração das denúncias, identificação da instância ou da autoridade
para a qual os resultados das investigações deverão ser reportados.
Uma vez que a investigação confirme a ocorrência de ato lesivo envol-
vendo a empresa, devem ser tomadas providências para assegurar a
imediata interrupção das irregularidades, providenciar soluções e reparar
efeitos causados. A empresa pode, por exemplo, aprimorar o programa,
de forma a evitar a reincidência do problema e ocorrência de novas falhas.

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Bernardo Strobel Guimarães, Caio Augusto Nazario de Souza

Pode, ainda, aplicar sanções disciplinares aos envolvidos. É interessante


que a adoção dessas medidas seja divulgada para funcionários e tercei-
ros, a fim de reforçar publicamente a não tolerância da empresa com a
prática de ilícitos.15

Nesse contexto, as estatais devem contar com programas de integridade tão ou


mais efetivos do que os que as empresas privadas possuem.

7 Considerações finais
As principais conclusões necessárias à resposta das questões trazidas à reflexão
no presente artigo podem ser sintetizadas do seguinte modo:
1. A legislação impõe a adoção de programas de integridade às estatais. Ao
contrário do que ocorre com as empresas privadas, que possuem a faculdade de
instituir ou não programas de integridade, às estatais tais salvaguardas são obrigatórias.
2. A Lei nº 13.303/2016 cria o figurino elementar para os programas de integridade.
A implementação do programa se dá por meio de atos internos a cada estatal, em
atenção às suas peculiaridades e riscos.
3. Os dirigentes das estatais são responsáveis pela instituição de programas
capazes de prevenir e coibir atos de corrupção e fraude.
4. A fonte das normas previstas nos códigos de conduta é privada. As estatais
os instituem por deliberações internas, que são comunicadas a todos os sujeitos
vinculados ao programa de integridade (integrante ou não da estrutura), que declaram
conhecer e cumprir essas normas.
5. As estatais têm o dever de motivar suas decisões no que se refere ao
desligamento de seus empregados, de modo a evitar atos arbitrários. Isso, contudo,
não configura qualquer estabilidade dos seus empregados. O que se exige é uma
decisão fundamentada, e não uma decisão que decorra de processo administrativo
disciplinar, como se exige para os servidores estáveis.
6. O “devido processo” em matéria de medidas disciplinares é o previsto nos
atos internos de cada companhia, sendo inadequado criar requisitos alheios àqueles
instituídos interna corporis, sob pena de se comprometer a efetividade dos programas
de integridade. Um dos objetivos de qualquer programa de integridade é dar respostas
efetivas aos atos que possam lesar a companhia, sendo esse o valor a ser prestigiado
no que se refere às normas de combate à corrupção.

15 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas. 2015, p. 22-
23. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/.
Acesso em: 02 jul. 2021.

30 R. de Contratos Públicos – RCP | Belo Horizonte, ano 11, n. 20, p. 9-31, set. 2021/fev. 2022
Aplicação de medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais...

Abstract: This article examines the legal nature of the application of sanctions to employees of state-owned
companies derived from their integrity programs. In short, it defends the private nature of the application of
these sanctions. Its application requires the explanation of the reasons for the sanction and the guarantee
of the right of participation of those investigated, in order to avoid abuses. This does not mean, however,
the institution of a kind of disciplinary administrative process.

Keywords: State-owned companies; integrity programs; integrity rules

Referências
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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação


Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazario de. Aplicação de


medidas disciplinares decorrentes de programas de integridade das estatais:
natureza e requisitos. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano
11, n. 20, p. 9-31, set. 2021/fev. 2022.

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