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16/04/2023, 10:35 Compliance, esse animal desconhecido - JOTA

EMPRESAS

Compliance, esse animal desconhecido


Os benefícios que um bom programa de compliance pode oferecer são muitos

SÉRGIO VARELLA BRUNA

Crédito: Pixabay

Vivemos tempos conturbados, de muita instabilidade institucional. A cada


manhã, sentimo-nos incapazes de saber como terminará o dia frente às
constantes notícias que muitas vezes nos levam à desesperança e refletimos
quanto à possibilidade de encontrarmos uma saída para a crise política e
moral que atravessamos. Embora não saibamos o que acontecerá no curto
prazo, é possível ter segurança de que o país jamais será o mesmo.

A crise tem levado inúmeras empresas a acordar para a necessidade de


adotarem políticas de conformidade visando evitar infrações à lei. No jargão,
os programas de compliance. Muito se diz, porém, pouco se sabe a respeito.

Mas, afinal o que é compliance? Genericamente, a adoção de um programa


de compliance abrange a instituição pela empresa de uma política interna
visando à prevenção de práticas contrárias à legislação. Um programa dessa
índole, portanto, não se esgota numa atitude isolada, ou numa declaração de
boas intenções da chefia aos funcionários.

Cuida-se, ao revés, da implantação de um verdadeiro “sistema”, ajustado às


características específicas de cada negócio, no qual são combinadas
diversas ferramentas de trabalho, como sessões de treinamento, materiais
gráficos de apoio, regras disciplinares, procedimentos de fiscalização,
instituição de políticas de retenção de documentos, adoção de relatórios
internos, dentre outras.

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Trata-se, desse modo, de um programa coordenado de atividades de


prevenção de condutas ilícitas, que deve começar pelas políticas internas
mais elementares. O primeiro passo, em geral, é a criação de um código de
ética.

Qualquer programa somente será eficaz se inserido dentro de um


comprometimento maior da empresa em “cumprir as leis em geral”. Por mais
poético que isso possa parecer, é comum encontrar esse comprometimento
nas grandes organizações, que muitas vezes o contemplam expressamente
em seus códigos de conduta e em suas políticas internas. Essa, aliás, é uma
regra de prudência para as grandes empresas, haja vista que seria total o
descontrole, se cada um dos funcionários se julgasse no direito de violar a lei
como bem entendesse.

Mas a abrangência desse objetivo não elimina a necessidade de se


estabelecer ênfase em algumas questões, como ocorre na maioria dos
programas. É frequente a concentração de esforços em temas como a
prevenção de violações à legislação anticorrupção, ao direito antitruste, a
negociações em conflito de interesses, aceitação e oferta de brindes e
hospitalidades, práticas indevidas no ambiente de trabalho, entre outros.

Em primeiro lugar, é requisito indispensável ao sucesso do programa não só


o envolvimento, como o comprometimento da mais alta administração da
empresa, para com a seriedade dos esforços compreendidos no seu âmbito.
Administradores devem dar sinais claros e inequívocos de que pretendem
exigir de seus subordinados o cumprimento das políticas de prevenção e de
que irão, eles mesmos, respeitá-las, já que o bom exemplo é uma ferramenta
poderosa de ensino. O respeito às leis deve tornar-se um dos valores
fundamentais da empresa.

Sem esse comprometimento, qualquer programa é um esforço inútil e um


desperdício de recursos. Pior do que isso, pode gerar o resultado inverso ao
desejado, porque a desmotivação e o descrédito podem ensejar
comportamentos exatamente opostos àquilo que um programa ridicularizado
preconiza.

É preciso deixar claro que um programa dessa espécie não se destina a


prover treinamento aos funcionários da empresa sobre como violar a
legislação sem serem apanhados. Fosse esse o propósito do programa,

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certamente acabaria ele fomentando — e não prevenindo — a prática de


delitos. De fato, seria mesmo imprudente incentivar funcionários de médio
escalão, muitas vezes remunerados proporcionalmente aos resultados
obtidos, a caminhar nos limiares da legalidade. Acidentes indesejáveis seriam
inevitáveis.

Por outro lado, cada empresa possui suas próprias necessidades, em razão
do que não há programas prêt-à-porter. Por isso, antes de mais nada, o
programa deve ser precedido do levantamento das peculiaridades da
empresa, especialmente no que diz respeito às áreas de maior risco. Cada
empresa possui suas próprias características e demanda um programa sob
medida, adaptado às suas necessidades específicas.

A empresa que implantar um programa de compliance deve estar disposta a


fiscalizar seu efetivo cumprimento, bem como a impor punições a todos
aqueles que faltarem com os deveres estabelecidos. Deve, portanto, ser
admitida de antemão a possibilidade de imposição de sanções, que podem
chegar à dispensa de funcionários, em razão de violações do programa.
Trata-se de mensagem que deve ser clara e inequivocamente comunicada a
todos que integrarem o programa.

As diretrizes do programa devem ser comunicadas a seus destinatários— os


funcionários da empresa — através de sessões de treinamento e de materiais
de apoio.

As sessões de treinamento devem prover aos participantes conhecimentos


básicos sobre aspectos legais dos principais riscos que tenham sido
identificados, por meio de apresentações audiovisuais, formação de grupos
de trabalho, estudos de casos, entre outros. O treinamento deve ser realizado
quando da implantação do programa e, depois disso, periodicamente, a cada
um ou dois anos, sem prejuízo de virem a ser repetidos sempre que as
circunstâncias do momento o exigirem.

Também é prudente que os novos funcionários, admitidos após a implantação


do programa, recebam treinamento quando do início dos trabalhos, para
evitar qualquer descompasso em relação ao restante do pessoal. Ademais, é
extremamente proveitoso que os mais altos administradores compareçam às
sessões de treinamento, de molde a prestigiar o programa, demonstrando a
todos os funcionários, de forma clara e inequívoca, o empenho dos líderes da
empresa quanto ao sucesso da iniciativa.

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Os programas normalmente compreendem, também, a distribuição de


materiais de apoio, especialmente manuais contendo explicações gerais
sobre as políticas adotadas, bem como sobre as rotinas a serem observadas.
É recomendável que os manuais sejam preparados apenas após a
implantação do programa e depois de realizada a primeira rodada de
treinamento, a fim de que seja possível incorporar no documento as
respostas às principais dúvidas e questões levantadas durante as sessões,
adaptando, assim, o conteúdo do manual às reais necessidades da empresa.

Finalmente, deve haver fiscalização efetiva quanto ao cumprimento das


regras preconizadas pelo programa. Auditorias periódicas e a criação de
canais para a apresentação de denúncias são instrumentos comumente
utilizados para esse fim.

Os benefícios que um bom programa de compliance pode oferecer são


muitos. Vai aqui um resumo:

A prática de violações à lei pode dar ensejo a ações judiciais para reparação
civil dos danos causados. Além disso, a empresa pode ser vir impedida de
contratar com o Poder Público, ou receber incentivos ou financiamentos
oficiais. A implantação de um programa de compliance efetivo é capaz de
reduzir o número de infrações, facilitando a defesa em da empresa contra
acusações que possa vir a enfrentar, de modo a aumentar as possibilidades
de sucesso em tais demandas.

Qualquer um que já se tenha envolvido num processo em que pesem contra


a empresa acusações de corrupção ou de prática de cartel pode atestar a
gigantesca dimensão dos esforços necessários a uma defesa bem-sucedida.
Durante o curso do processo, é frequente o profundo envolvimento da mais
alta administração nas atividades de defesa, o que resulta no afastamento de
tais executivos da gestão direta dos negócios. Presumivelmente, é esse o
tempo mais qualificado da empresa e o mais capaz de agregar valor na tarefa
de gerar lucros operacionais. Sem sombra de dúvida, trata-se de um gasto
que não se contabiliza e que também não pode ser indenizado, mesmo no
caso de a empresa vir a ser absolvida quanto à prática questionada.

A experiência atual de nosso país é eloquente quanto ao especial interesse


da imprensa em processos envolvendo corrupção, cartéis ou fraudes à
licitação. Cuida-se, normalmente, de questões envolvendo grandes
empresas, que atraem a opinião pública e que, por isso são objeto de ampla
cobertura jornalística. Mesmo que absolvida num rumoroso processo, a

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empresa acusada sofre terrivelmente com a publicidade negativa, o que


acaba lhe causando outras dificuldades com seus consumidores, clientes e
fornecedores, que se podem tornar propensos a reações agressivas. A
expectativa de condenação atrai o interesse dos acionistas e investidores,
colocando os principais administradores na mira de seus superiores
hierárquicos e também na de analistas financeiros, o que os obriga, a todo
tempo, a prestar esclarecimentos, quer em contatos privados, quer por
intermédio da imprensa, quanto aos possíveis impactos de uma decisão
desfavorável sobre os negócios. Mesmo vencendo o processo, isso não
reparará os danos à imagem da empresa.

Embora seja possível, por meio da implantação de programas de compliance,


reduzir a probabilidade da ocorrência de infrações, pode não ser factível
evitar a violação da lei em todos os casos. Nessas ocasiões, o programa
serve para atenuar a pena aplicável, reduzindo as multas impostas em razão
da conduta ilícita. Um programa de compliance, “sério” e “efetivo” é
inequivocamente um fator que demonstra a boa-fé do empresário,
representando um esforço válido para evitar a prática de infrações legais e,
como tal, deve ser considerado como um fator atenuante na aplicação de
sanções.

Foi-se o tempo que administradores de empresas, envolvidos em infrações à


lei penal, podiam almejar absolvição certa, no caminhar tortuoso dos
processos criminais. O exemplo atual mostra que o rigor dos juízes tem sido
até maior com réus provenientes das classes mais favorecidas. Esse tipo de
risco é um importante fator de estímulo para o engajamento da alta
administração da empresa na implantação do programa, tendo em vista seu
interesse pessoal em evitar tal sorte de responsabilidade, especialmente
diante da possibilidade de virem a ter de responder por atos de seus
subordinados, cuja existência podem até mesmo ignorar. Não obstante, esse
é também um incentivo desde a perspectiva da empresa, que responde pelos
atos de seus administradores perante terceiros. Trata-se de mais um fator de
redução das contingências apontadas no item anterior.

Um programa de compliance bem-sucedido, em muitos casos, permitirá à


empresa ser a primeira a identificar a prática de uma infração legal. Essa
pode ser uma valiosa oportunidade para pleitear-se a celebração de um
acordo de leniência com as autoridades competentes. Casos há em que
acordos da espécie somente podem ser celebrados com a “primeira empresa”
que se dirija à autoridade pública para formular comunicação da infração.
Mesmo quando disponíveis para candidatos subsequentes, os benefícios

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tendem a ser decrescentes, quanto mais demorar a empresa a comunicar a


infração e a prontificar-se a colaborar com as investigações.

Sem prejuízo dos benefícios privados antes mencionados, há benefícios


públicos a justificar o empenho das autoridades em prestigiar e incentivar a
implantação desses programas. Isso porque a disseminação dos programas
de compliance pode gerar um estado de atenção generalizada às normas
legais, capaz de aumentar a sensação de eficácia social do sistema jurídico,
provocando um efeito verdadeiramente profilático, no que diz respeito ao
combate a comportamentos antissociais. Por meio de tais programas, o
Direito faz-se presente no dia-a-dia das empresas, aumentando o nível de
alerta dos agentes privados não só para os eventuais atos ilegais praticados
no seio da própria empresa, mas também para aqueles que venham a ser
praticados por terceiros, o que possibilita levá-los ao conhecimento das
autoridades competentes, na defesa dos interesses daquele que os identifica.
E o melhor é que tudo isso pode ser feito sem o dispêndio de recursos
públicos, já que os programas de compliance devem ser custeados pelas
próprias empresas que os implantam.

Essas rápidas pinceladas oferecem um apertado resumo do que é e de como


dever ser organizado um programa de compliance. Como dito de início,
prepare-se! Haja o que houver no curto prazo, o país jamais será o mesmo e
os programas de compliance estão vindo para ficar.

SÉRGIO VARELLA BRUNA – Doutor em Direito pela FDUSP. Sócio de Lobo de Rizzo Advogados.

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