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1 Introdução
Tivemos na última década avanços importantes na legislação
anticorrupção, culminando com a edição da Lei Anticorrupção, em
julho de 2013. Um dos pontos de maior importância no contexto dessa
legislação é o programa de integridade, constituído de um conjunto de
regras e procedimentos implementados na estrutura corporativa com
vistas à detecção de práticas e eventos de corrupção. Esse programa,
também conhecido por compliance integridade, já vem sendo utilizado
em diversos países1 como uma ferramenta eficaz para estimular os
agentes do mercado não apenas ao exercício do autocontrole e da
autolimitação no que diz com atuações que possam expor a empresa
1
Exemplificam essa afirmação as diretrizes para elaboração de sentenças dos Estados Uni-
dos da América (United States Sentencing Commission Guidelines Manual), que disciplinam
a consideração de programas de integridade na aplicação de multas contra pessoas jurídi-
cas, prevendo expressamente a atenuação de penalidades caso reste comprovada a aplica-
ção efetiva de medidas de integridade (BRASIL. Ministério da Transparência, Fiscalização
e Controladoria-Geral da União. Manual de responsabilização administrativa de pessoa jurídica.
Brasília: CGU, 2016. p. 77. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/responsabi-
lizacao-de-empresas/manual-responsabilizacao-pj-1.pdf. Acesso em: 4 nov. 2016).
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No âmbito internacional, a OCDE possui diversas diretrizes a respeito e, inclusive, re-
comenda a adoção de programas de integridade nas compras públicas. Em 2011, aliás,
foi publicada a Avaliação do sistema de integridade da Administração Pública Federal brasileira
realizada pela OCDE, na qual foram analisadas a implementação e a coerência de instru-
mentos, processos e estruturas de salvaguarda da integridade na Administração Pública
Federal brasileira A análise baseou-se em quatro conjuntos de princípios desenvolvidos
pela OCDE: (i) Princípios para a Gestão da Ética no Serviço Público (Principles for Managing
Ethics in thePublic Service); (ii) Diretrizes sobre a Gestão de Conflitos de Interesses no Ser-
viço Público (Guidelines for Managing Conflict of Interest in thePublic Service); (iii) Princípios
para o Fortalecimento dos Contratos e das Licitações Públicas (Principles for Enhancing
Integrity in Public Procurement); e, (iv) Princípios de Transparência e Integridade nos
Processos de Intermediação de Interesses (Principles for Transparency and Integrity in
Lobbying). A Avaliação da OCDE sobre o sistema de integridade na Administração Pública Federal
brasileira pode ser consultada em OCDE. Avaliação da OCDE sobre o sistema de integridade
da Administração Pública Federal brasileira. 2011. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/
assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-ocde/arquivos/avaliacaointegridade-
brasileiraocde.pdf. Acesso em: 4 nov. 2016.
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EXIGÊNCIA DE PROGRAMA DE INTEGRIDADE NAS LICITAÇÕES
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“O texto original do art. 3º da LGL estabelecia duas finalidades essenciais: o prestígio à
isonomia (direito-garantia dos licitantes) combinado com a contratação mais vantajosa à
Administração (interesse público primário). Com a redação dada pela Lei 12.349/10 (oriunda
da MP 495/10), a norma passou a ser integrada pelo dever de promoção do desenvolvimento
nacional sustentável. Está-se diante de nova configuração do processo licitatório, a qual não
envolve apenas a inserção de outro objetivo, mas sim a compreensão mais abrangente e
integrada dos fins da licitação – isto é, o dever de ser instalada a escolha pública que traga
a promoção do desenvolvimento nacional respeitoso da sustentabilidade” (MOREIRA,
Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei Geral de
Licitações/LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC. 2. ed. rev., atual. e aum.
São Paulo: Malheiros, 2015. p. 99).
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A proposta mais vantajosa não mais pode ser tida como apenas aquela
que, respeitosa da igualdade entre os concorrentes, conjugue melhor
técnica e menor preço. Ao interior destes objetivos, a instruir a sua
compreensão e assim direcionar a escolha pública, está o dever ativo
de promoção do desenvolvimento sustentável. O legislador instalou
uma externalidade positiva a ser obrigatoriamente perseguida em todas
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“Todos os requisitos de habilitação serão demonstrados pelos licitantes segundo o princípio
de que o máximo exigível deve ser o mínimo necessário. É o que decorre do inciso XXI do
artigo 37 da Constituição brasileira. Apenas serão admitidas exigências aptas a garantir
que a execução do contrato seja minimamente segura e satisfatória – aquelas sem as quais
se sabe, de antemão, que o contrato não poderia ser executado a contento. Ou seja: a fase
de habilitação destina-se a verificar se os licitantes detêm capacitação mínima para executar
o contrato de modo satisfatório. O limitador imposto pelo texto constitucional reside na
relação existente entre a amplitude do universo de proponentes e a vantagem (econômica,
inclusive) buscada pela Administração. Quanto menos severa a exigência de habilitação,
maior será a amplitude do universo de ofertantes e mais intensa a competição entre os
interessados, fomentando-se a maior vantagem para a Administração” (MOREIRA, Egon
Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei Geral de Licitações/
LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC. 2. ed. rev., atual. e aum. São Paulo:
Malheiros, 2015. p. 294-295).
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MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei
Geral de Licitações/LGL e o Regime Diferenciado de Contratações/RDC. 2. ed. rev., atual.
e aum. São Paulo: Malheiros, 2015.
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Em tradução livre do original: “Principle 6. Encourage close co-operation between
government and the private sector to maintain high standards of integrity, particularly in
contract management” (OCDE. OCDE Principles for integrity in public procurement. Paris:
OECD, 2009. Disponível em: http://www.oecd.org/gov/ethics/48994520.pdf. Acesso em: 4
nov. 2016).
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“Several options could be considered for taking into account integrity considerations in
the selection process. For instance, potential suppliers may make declarations of integrity
in which they testify that they have not been involved in corrupt activities in the past.
Alternatively, governments may also lead by example by using “Integrity Pacts” that
require a mutual commitment by the government and all tenderers to refrain from and
prevent all corrupt acts and submit to sanctions in case of violations. [...] It is also the
responsibility of the private sector to reinforce integrity and trust in its relationship with
government through robust contractor integrity and compliance programmes. These
programmes include codes of conduct, integrity training programmes for employees,
corporate procedures to report fraud and corruption, internal controls, certification
and audits by a third independent party. They should apply equally to contractors and
sub-contractors. Voluntary self-regulation can be undertaken by individual suppliers or
members of an industry or a sector, which pro-actively engage in the adoption of integrity
measures, in particular by committing to anti-corruption agreements. It is essential that
the information is accurate and maintained up-to-date to ensure the effectiveness of
voluntary self-regulation by the private sector” (OCDE. OCDE Principles for integrity
in public procurement. Paris: OECD, 2009. Disponível em: http://www.oecd.org/gov/
ethics/48994520.pdf. Acesso em: 4 nov. 2016).
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G20. G20 Principles for promoting integrity in public procurement. Turquia, 2015. Disponível
em: http://g20.org.tr/wp-content/uploads/2015/11/G20-PRINCIPLES-FOR-PROMOTING-
INTEGRITY-IN-PUBLIC-PROCUREMENT.pdf. Acesso em: 4 nov. 2016.
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DIRETIVA 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro
de 2014. EUR-Lex. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/
TXT/?uri=celex%3A32014L0024. Acesso em: 30 nov. 2016.
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AÇÃO 5 da Enccla discute programas de integridade em contratações públicas. Boletim
Enccla, n. 28, jul. 2016. Disponível em: http://enccla.camara.leg.br/boletim/Boletim
EncclaN28Julho.2016.pdf. Acesso em: 4 nov. 2016.
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EXIGÊNCIA DE PROGRAMA DE INTEGRIDADE NAS LICITAÇÕES
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I - habilitação jurídica;
II - qualificação técnica;
III - qualificação econômico-financeira;
IV - regularidade fiscal e trabalhista;
V - cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição
Federal.
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Ademais, no entendimento do Tribunal de Contas da União, o rol de condições de ha-
bilitação é taxativo. Veja-se: “É irregular a inabilitação ou a desclassificação de empresa
licitante por não ter indicado os seus dados bancários, pois tal informação, além de não
estar prevista no rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei 8.666/1993, que estabelecem os docu-
mentos que podem ser exigidos na fase de habilitação, pode ser obtida mediante simples
diligência” (TCU, Primeira Câmara. Acórdão nº 5.883/2016. Rel. Min. Bruno Dantas).
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Nos termos da lei, exige-se o programa de integridade das empresas que celebrarem con-
trato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a Administração
Pública direta, indireta e fundacional do estado do Rio de Janeiro, cujos limites em valor
sejam superiores ao da modalidade de licitação por concorrência, sendo R$1.500.000,00
(um milhão e quinhentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e R$650.000,00
(seiscentos e cinquenta mil reais) para compras e serviços, mesmo que na forma de pregão
eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias (art. 1º).
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O programa de integridade é obrigatório para empresas que celebrem contrato, consórcio,
convênio, concessão ou parceria público-privada com a Administração Pública do Distrito
Federal, em todas as esferas de poder, cujos limites de valor sejam iguais ou superiores aos da
licitação na modalidade tomada de preço, estimados entre R$80.000,00 e R$650.000,00, ainda
que na forma de pregão eletrônico, e o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 dias.