Você está na página 1de 7

Disciplina: JUR 1445 – Papel Do Estado No Domínio Econômico 2021.

1
Aluno: Gabriel Guimarães Viana
Professor(a): Cynthia Leite Marques

Avaliação G2 - QUESTÕES

1) A partir do que vimos em nossas aulas e em textos inseridos no


moodle, elabore um sucinto parecer sobre o papel regulador da ANVISA
e sua importância neste momento pandêmico de emergência sanitária
causada pelo COVID-19.

Analise no seu parecer:


- a função das Agências Reguladoras no Brasil;
- as características de uma entidade reguladora;
- a finalidade institucional da ANVISA;
- a atuação da ANVISA na liberação das vacinas para a COVID no Brasil.

Para fins de uma completa análise, transcreva total ou parcialmente alguma


decisão judicial sobre a questão - vacinas e ANVISA – manifestando então sua
concordância ou discordância frente ao decidido. (5,0)

Resposta:

Cuida-se de solicitação de parecer jurídico acerca do papel regulador da


Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA no contexto pandêmico, bem
como a natureza jurígena das Agências Reguladoras no ordenamento brasileiro e
sua importância como ente garantidor da eficiência das atividades econômicas na
ordem capitalista dos séculos XX e XXI.
No Brasil, verifica-se que a década 1990 representou um marco para o direito
regulatório econômico ou direito administrativo econômico, neste período as ideias
político-econômicas da Escola de Chicago1 e do Consenso de Washington 2
aterrizaram em solo nacional com força, representando um movimento político
calcado na redução da atuação do Estado no domínio econômico, por meio do
Plano Nacional de Desestatização (PND)3 .
Nesse momento, o PND tinha o intuito de reduzir o intervencionismo estatal.
É o período de “boom” das desestatizações, com quebra de monopólios em
atividades que não demandam integralmente o Estado. Todavia, a entrada da
iniciativa privada com o fim da atuação direta do Estado vem acompanhada da
tutela regulatória da Administração Pública. Dessa forma, o Estado passa a ser mais
Subsidiário – transfere-se o protagonismo da atividade – que é diferente de Estado
Mínimo. O Estado deixa de ser protagonista e passa a ser regulador.
A partir deste contexto se desenvolve-se de maneira mais robusta o conceito
de função regulatória, que passa a ser encarada no bojo das expressões (funções)
da atividade administrativa, consistindo em: (i) discricionariedade; (ii) normatividade;
e (iii) sancionatória. Destaca-se, da mesma forma, o Poder de Polícia, amplamente
trabalhado por Gustavo Binenbojm 4, que representa melhor a atuação do Estado
regulador na ordem econômica.
Assim, dentro da divisão funcional das atribuições do Estado a atividade
reguladora decorre da necessidade de individualizar o direito ao caso concreto,
afastando-se da função meramente normativa – que cria normas abstratas e

1ANDERSON, Perry et al. Balanço do neoliberalismo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o


Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 9-23, 1995.

2 Ibid., p.8

3DE OLIVEIRA FILHO, LUIZ CHRYSOSTOMO. UMA HOMENAGEM A NELSON EIZIRIK: OS


DESAFIOS DO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO-1990/1992. 2019.

4 BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-


jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Editora Fórum, 2016.
despidas de especialização.5 Pelo contrário, a função reguladora apresenta uma
dinâmica individualizada e técnica da lei em face do administrado, buscando a
implementação eficiente das normas em aberto e o efetivo funcionamento dos
mercados regulados.
Cumpre salientar que o modelo das Agências Reguladoras foi concebido e
adotado com mais robustez no ordenamento norte-americano, onde a partir do
período do New Deal6, o Estado passou a exercer maior influência na dinâmica
econômica dos mercados. Paradoxalmente, o Brasil importou o regime das
agências em momento diverso, representado pela redução da influência direta do
Estado na economia e necessidade de tutela do “mercado” e dos princípios da
ordem econômica capitalista (livre iniciativa – art. 170 da CRFB e livre concorrência
art.17, VI da CRFB), além de outros núcleos de interesses7 envolvidos nas
atividades, exempli gratia: consumidores; meio ambiente; e a própria Administração
Pública.
Contudo, a formatação jurídica pensada pelo legislador no direito brasileiro
se encaminhou pela via autárquica para regular a atividade subsidiária do Estado.
Os autores administrativistas compreendem que esse não seria o modelo perfeito,
visto que cada autarquia possui seu regime jurídico especial. Desse modo, com o
objetivo de diferenciar as autarquias das agências reguladoras, o legislador
disciplinou a necessidade de submissão à regime especial, criada por lei (exempli
gratia: art.8 da Lei 9472/97). 8 Sendo assim, o regime especial de autonomia
reforçada das Agências Reguladoras é o que diferencia as autarquias das agências.

5 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Saraiva: São Paulo, 1984. p. 11-13

6OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. O modelo norte-americano de agências reguladoras


e sua recepção pelo direito brasileiro. Revista da EMERJ, v. 12, n. 47, p. 160, 2009.
7 BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. A Vedação da Sobreposição de Direitos da Propriedade
Intelectual na Ordenação Brasileira. Rio de Janeiro: Revista da ABPI volume 162, p 65. 2019.
8“Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração
Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das
Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito
Federal, podendo estabelecer unidades regionais.”
Nesse contexto, considera-se como características das agências reguladoras
os seguintes aspectos legais: (i) regime especial de autonomia reforçada
outrossim, que a tutela jurídica do meio ambiente artificial pode ser observada; (ii)
poder normativo técnico, exemplo – art. 7º, inciso III e IV da Lei da ANVISA; (iii)
Autonomia decisória – art. 19 XVII e XVIII da Lei da Anatel; (iv) independência
político-administrativa (nomeação de dirigentes, mandato a termo fixo, não
coincidência dos mandatos e quarentena); e (v) Autonomia econômico-financeira.
Em relação à ANVISA, compreende-se tratar-se de uma Agência Reguladora
instituída pela Lei nº 9.782/99 que tem como objetivo institucional a regulação
sanitária das atividades relacionadas aos mais variados segmentos da atividade
econômica. A agência regula a conformidade dos particulares em assuntos
relacionados à segurança alimentar, medicamentos e drogas, além de produtos e
serviços submetidos ao controle sanitário.
Dentro de suas atribuições estão as seguintes atividades; (i) controlar e
fiscalizar produtos, tais como medicamentos, alimentos e cosméticos, e serviços
que envolvam risco à saúde; (ii) estabelecer normas e padrões sobre limites de
produtos contaminantes, tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que podem
causar danos à saúde; (iii) conceder registros a produtos; (iv) proibir a fabricação,
distribuição e armazenamento de produtos que possam causar danos à saúde; (v)
interditar locais que oferecem risco iminente à saúde; (vi) cancelar a autorização de
funcionamento de locais que violem a legislação ou ofereçam risco à saúde; (vii)
monitorar a mudança dos preços de medicamentos, equipamentos, insumos,
componentes e serviços de saúde.
A atuação da agência ficou em total evidência no período pandêmico, tendo
em vista a necessidade de combater a crise sanitária causada pelo novo
coronavírus. Coube à agência estabelecer os protocolos e diretrizes de segurança
sanitária para evitar o contágio do vírus e a concessão de licenças e registros para
imunizantes e medicamentos capazes de combater os quadros mais graves da
doença.
Impende destacar que a atuação da Autarquia foi contestada por diversos
agentes políticos e privados que ignoraram a competência técnica da ANVISA para
aprovar e conceder registros de uso/compra/importação de imunizantes. O atuação
técnica da ANVISA foi defendida no controle judicial dos atos administrativos,
ressaltando a importância da atividade reguladora da agência no contexto de crise
sanitária e na concessão de registros de importação de vacinas. Confira-se:

“Não se apresenta, assim, com a licença de posicionamento diverso, como


juridicamente admissível ao Poder Judiciário que, como regra geral, ao exercitar
o controle jurisdicional das políticas públicas, possa interferir, decisivamente, na
sua formulação, execução e/ou gestão, quando inexistentes seguros elementos
de convicção aptos a configurar a ilegalidade ou inconstitucionalidade na
atuação do Poder Executivo”
(TRF1 - Proc. 1014039- 67.2021.4.01.3400 e 1010857-88.2021.4.01.0000 -
Suspensão de Liminar de Sentença. Desembargador Presidente: I’TALO
FIORAVANTI SABO MENDES. Data de publicação 07/04/2021)

Dessa forma, ao decidir a questão, o TRF1 entendeu que o Judiciário não


pode interferir na política pública realizada pelo Poder Executivo, e a competência
da ANVISA não pode ser ignorada, sob pena de corromper a ordem constitucional
estabelecida na separação funcional dos poderes e o poder normativo técnico da
Agência Reguladora.

2) Analise, sob o enfoque do Direito Antitruste, a crise econômica do


Coronavírus e a possibilidade de infrações anticoncorrenciais
oportunistas, especialmente motivadas pela evolução rápida do
comércio eletrônico na pandemia.Importante demonstrar o
entendimento da matéria dada em aula e nos debates realizados, além
da leitura dos seguintes artigos encaminhados pela professora, já
inseridos no sistema moodle.

Resposta:
O recrudescimento da crise sanitária do novo coronavírus apresentou uma
nova realidade para humanidade, repentinamente as pessoas foram obrigadas a
permanecerem em isolamento social e utilizar cada vez mais os meios telemáticos
para interagir com outros indivíduos e realizar as tarefas pertinentes ao dia-a-dia.
Nesse contexto de isolamento social, o comércio digital se consolidou como
tendência inexorável, correspondendo à maior fatia das vendas do varejo no ano de
2020. Dessa forma, a migração para o comércio digital apresentou considerável
ganho de satisfação e bem-estar para os consumidores, assim como a redução dos
custos de transação dos empresários.
Nada obstante, nota-se que os agentes econômicos incumbentes
aumentaram seu poder de mercado e influência sobre os aspectos comerciais e
informacionais que compõem a dinâmica empresarial calcada na integração cada
vez mais viceral com a internet. Não é difícil identificar que o crescimento
demasiado de grandes conglomerados de empresas digitais enseja uma série de
condutas concorrencialmente ilícitas, como por exemplo: a utilização indevida de
dados pessoais para “target advertising”; concentração vertical; aumento de preços;
prática de condutas anticoncorrenciais e aumento das barreiras de entrada.
Observada tal desequilíbrio na organização eficiente dos mercados, faz-se
necessário recorrer ao direito Antitruste, com objetivo de mitigar os efeitos nocivos
do acúmulo e abuso do poder de mercado pelos gigantes digitais. Nesse passo,
cumpre pontuar que as normas regulatórias de defesa da concorrência, vide a Lei nº
12.529/11 - LDC, têm como titulares dos bens jurídicos protegidos: a coletividade e
a ordem econômica.
Isto é, o arcabouço normativo ali consubstanciado não visa tutelar o
concorrente (função das normas de vedação a concorrência desleal), tampouco o
sujeito de direito do consumidor (atribuição da Lei nº 8.078/1990 - Lei de Defesa do
Consumidor), mas sim o conjunto de núcleos de interesse que orbitam a relação
jurídica complexa da concorrência.
Ocorre, todavia, que no decorrer das últimas décadas, sob influência do
referencial neoclássico/ortodoxo, os objetivos centrais da regulação antitruste foram
substituídos gradativamente pelos conceitos vagos de “eficiência” e “bem-estar do
consumidor”, cujos impactos provocaram o subdimensionamento dos efeitos da
concentração de poder de mercado no âmbito da coletividade.
Diante do processo de desregulação e flexibilização do enforcement das
normas antitruste presenciou-se o crescimento de (i) agentes econômicos
monopolistas; (ii) aumento da interação vertical entre setores da economia; (iii)
expansão de condutas anticompetitivas; (iv) e criação de barreiras artificiais à
entrada.
Dentre as consequências deste processo, insta destacar o aumento de
práticas de abuso de poder econômico e a redução de competidores que possam
contestar a supremacia dos “Gigantes Digitais”: Amazon, Facebook, Google e Appel,
que em diversas jurisdições já enfrentam ações judicias antitruste, com o objetivo de
limitar o avanço da concentração de poder de mercado e o tratamento de dados
pessoais com o intuito de auferir vantagens comerciais estratégicas.

Você também pode gostar