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As Agências Reguladoras no

Brasil
13 Set, 2021 ● 13 Minutos

Veja o que Alfredo Renault,


Superintendente de Pesquisa e
Desenvolvimento Tecnológico da
Agência Nacional de Petróleo – ANP,
fala sobre o assunto
As agências reguladoras têm importante papel na
regulamentação e fiscalização de setores estratégicos da
economia. Neste artigo, fazemos uma análise da atuação das
agências no Brasil, incluindo suas características,  histórico de
criação, perfil, funções, as inovações da Lei 13.848/2019. Além
disso, trazemos uma entrevista com Alfredo Renault,
Superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da
Agência Nacional de Petróleo – ANP.

Criadas no Brasil a partir da segunda metade da década de 90, as


agências reguladoras desempenham importante papel na regulação e
fiscalização de setores relevantes da economia. Sendo autarquias,
pertencem à estrutura da administração indireta do Estado, e são
dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

O Decreto-lei n° 200, de 1967, define em seu art. 5°:

“I – Autarquia: o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade


jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas
da Administração Pública, que requeira, para seu melhor
funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.”

Cumpre assinalar que regulamentação não se confunde com


regulação. Regulamentar significa elaborar normas, definir as
regras de determinada área; já regular é mais abrangente, uma vez
que inclui o poder de elaborar normas e fiscalizar o seu
cumprimento. São funções de Estado que se complementam.

Um Estado regulador deve criar mecanismos para estimular a


competição e oferecer ao mercado liberdade para escolher a melhor
forma de prestação do serviço público concedido. Além disso, a
intervenção das agências nos setores regulados deve sempre ter o
objetivo de defesa do interesse público.

Breve histórico

     No mundo

As agências reguladoras têm origem nos Estados Unidos, surgindo a


partir de 1887, quando se deu o início do período intervencionista
americano (pós-liberalismo), com a criação da Interstate Commerce
Commission (ICC), responsável pela regulamentação do transporte
ferroviário interestadual. O órgão foi criado para organizar o setor,
evitando a concorrência predatória (uma vez que já existiam empresas
privadas operando o setor), e também o desperdício de recursos,
evitando, por exemplo, a construção de mais de uma linha férrea que
serviria o mesmo percurso. Isso demonstra o pioneirismo na
criação desse tipo de órgão naquele país.

Já no período de 1930 a 1940, no âmbito do New Deal o governo


Roosevelt implementou uma série de programas estatais de caráter
intervencionista. E é justamente nesse período que as Independent
Regulatory Commissions (agências reguladoras) ganham força e se
proliferam nos Estados Unidos.
O modelo norte-americano influenciou os demais países que, aos
poucos, introduziram as agências reguladoras em suas estruturas
administrativas. Neste sentido, vale destacar registro da Prof. Maria
Sylvia Zanella di Pietro:

“Enquanto no sistema europeu-continental, em que se inspirou o


direito brasileiro, a Administração Pública tem uma organização
complexa, que compreende uma série de órgãos que integram a
Administração Direta e entidades que compõem a Administração
Indireta, nos Estados Unidos toda a organização administrativa se
resume em agências (vocábulo sinônimo de ente administrativo, em
nosso direito), a tal ponto que se afirma que “o direito
administrativo norte-americano é o direito das agências” (DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25º ed. São
Paulo: Atlas, 2011, p. 521).

Hoje, além dos Estados Unidos e Brasil, países como Inglaterra,


França e Alemanha adotam o modelo de agências reguladoras em
suas estruturas, de modo a modernizar e melhorar a qualidade dos
serviços prestados aos usuários.

     No Brasil

O termo “agência” deriva do direito americano e, no Brasil, as


agências reguladoras surgem a partir de 1995, em um contexto de
transformação do Estado, com ênfase na sua função reguladora.

À época, discutia-se a necessidade de diminuição do “tamanho do


Estado” e, neste contexto, foi elaborado o Programa Nacional de
Desestatização. Uma das premissas do Programa era a regulação
estatal de setores privatizados, em um cenário em que o liberalismo
clássico já havia sido superado e, no mundo todo, havia a concepção
de que os mercados livres teriam de ter algum meio de regulação.
Assim, as agências reguladoras surgiram no Brasil com uma
motivação totalmente distinta da motivação norte-americana. Por
lá, as “agencies” surgiram para regular setores que antes não se
submetiam a nenhum tipo de regulação. Por aqui, as agências
surgiram para regular setores que antes eram ligados ao aparelho
estatal.

A primeira agência reguladora instituída no Brasil foi a Agência


Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, criada pela Lei n°
9.427/1996, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção,
transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no
país.Aos poucos, foram criadas agências voltadas para a regulação e
fiscalização de setores estratégicos da economia brasileira
e, atualmente, existem 11 (onze) agências reguladoras de âmbito
nacional em atividade no país (cada uma criada por lei específica),
quais sejam
Perfil e ação reguladora

Como já dito, as agências reguladoras foram criadas no Brasil


para regular e fiscalizar a prestação de serviços públicos prestados
por particulares, com o objetivo de promover equilíbrio nas relações
entre os usuários e os prestadores. Os serviços públicos são
delegados a particulares por meio de concessão, permissão ou
autorização.

Foram estabelecidas como autarquias “especiais” por possuírem,


como entes autônomos, características peculiares, sendo elas:

a) poder regulador (normativo ou regulamentador, fiscalizador, poder


de polícia e mediador);

 b) independência política dos seus dirigentes, investidos de


mandatos e estáveis no cargo por determinado prazo;

c) independência decisória (suas decisões não são passíveis de


recursos hierárquicos);

d) ausência de subordinação hierárquica (não são subordinadas a


Ministérios);

e) função de poder concedente, por delegação, nos processos de


outorgas de concessão, autorização e permissão, no caso das
agências que atuam nos setores de infraestrutura.

Sobre a importância do poder regulador na economia, destacamos


lição de Floriano de Azevedo Marques:

“(...) é essencial à noção de moderna regulação que o ente


regulador estatal dialogue e interaja com os agentes sujeitos à
atividade regulatória buscando não apenas legitimar a sua atividade,
como tornar a regulação mais qualificada, porquanto mais aderente às
necessidade e perspectivas da sociedade. Fruto da própria dificuldade
do Estado, hoje, de impor unilateralmente seus desideratos sobre a
sociedade, mormente no domínio econômico, faz-se necessário que a
atuação estatal seja pautada pela negociação, transparência e
permeabilidade aos interesses e necessidades dos regulados.
Portanto, o caráter de imposição da vontade da autoridade estatal
(que impõe o interesse público selecionado pelo governante) dá
lugar, na moderna regulação, à noção de mediação de interesses,
no qual o Estado exerce sua autoridade não de forma impositiva,
mas arbitrando interesses e tutelando hipossuficiências.”
(MARQUES, Floriano de Azevedo. Agências Reguladoras –
Instrumentos do Fortalecimento do Estado. São Paulo: ABAR, 2003.)

A ação reguladora deve buscar o equilíbrio entre os interesses


privados e os objetivos de interesse público.

Para os usuários dos serviços regulados, a atuação das agências


deve estar voltada prioritariamente para:

1. defesa de preços justos;


2. implementação de políticas e garantias que beneficiem os usuários e
ampliem o alcance dos serviços;
3. melhoria da qualidade do serviço prestado aos usuários.

Já para os prestadores (ou concessionários), as agências devem atuar


de forma a promover:

1. estabilidade, através de fixação de regras claras;


2. remuneração adequada de seus investimentos;
3. cumprimento dos contratos e dos regulamentos, sempre visando o
interesse público e a qualidade de atendimento aos usuários.

Como se vê, a função reguladora, se bem empregada, tem papel


fundamental no aprimoramento de serviços, no desenvolvimento
de setores que regula, e na promoção do bem-estar e interesse
público. Por este motivo, a atualização de normas que regem as
agências é de suma importância para que as mesmas possam
desenvolver adequadamente suas funções, alcançando os objetivos a
que se propõem.

A nova lei das agências

Em 26 de junho de 2019, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei


n° 13.848, que é a nova lei das agências reguladoras. Esta lei tem
como objetivo suprir uma carência do setor por uma
padronização/uniformização de regras gerais que sejam aplicáveis a
todas as agências.

Alguns destaques da nova lei:

- Estabelece a implementação de gestão de riscos e controles


internos (art. 2°, § 3°);

- Estabelece a criação de um Programa de integridade, como


importante mecanismo de prevenção e punição de fraudes e atos de
corrupção (art. 2°, § 3°);

 - Institui a Análise de Impacto Regulatório (AIR), como mecanismo


de avaliação/validação de propostas de alteração de atos normativos
de interesse geral dos agentes econômicos (art. 6°);

- Prevê realização de consultas e audiências públicas voltadas para


minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse
geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos
serviços prestados - foco na participação externa,
proporcionando transparência e publicidade aos atos (art. 9°).

- Prevê a elaboração de plano estratégico, plano de gestão anual e


agenda regulatória (art. 17 e segs.);

- Obrigatoriedade de implantação de ouvidorias (art. 22);


- Dirigentes são indicados diretamente pelo presidente da
República (art. 38 e segs).

Como se vê, a Lei 13.848/19 busca conferir às agências


maior transparência de seus atos, além de fortalecer a
comunicação entre o público e o ente regulador.

Ainda que cada setor regulado possua suas particularidades, uma lei
que uniformize procedimentos pode conferir maior segurança jurídica
às relações, constituindo importante ferramenta anticorrupção. Desta
forma, espera-se que, com a nova lei das agências, os setores
regulados sejam fortalecidos e seus usuários possam, cada vez mais,
confiar na qualidade dos serviços prestados. 
A seguir, leia entrevista exclusiva com Alfredo Renault,
Superintendente da Agência Nacional do Petróleo, em que fala
sobre as agências reguladoras, sua experiência na ANP e
expectativas para o setor de Oil& Gas.

1 – Qual o balanço que você faz da atuação das agências


reguladoras desde sua implantação no Brasil?

O modelo de atuação do Estado por meio de agências reguladoras


significou uma importante alteração na relação do Estado com a
Sociedade, em meio a um processo de mudança do papel do Estado,
atuando mais no fomento, articulação e fiscalização e menos na
execução. Sem dúvida um passo importante na modernização do
Estado. Elas surgiram, no Brasil, em meio ao processo de reforma do
Estado. As agências apresentam também a perspectiva da facilitação
de se estruturar políticas de Estado em lugar de políticas de Governo. 

2 – Na sua opinião, quais serão os impactos da Lei 13.848/19, que


institui o novo marco legal das agências reguladoras?

A Lei unifica o regramento das Agências Reguladoras o que confere


mais segurança ao sistema regulatório. Além disso, são incorporados
novos elementos de transparência e interlocução com a sociedade e
entes regulados. No geral, a nova Lei fortalece o modelo de gestão
por Agências Reguladoras.

 3 – Quais as perspectivas da ANP para o setor de Oil & Gas, mais


especificamente no que diz respeito ao pré-sal?

O setor petróleo e gás no Brasil tem excelentes perspectivas. A


retomada dos leilões para áreas de exploração e produção e as
mudanças na regulação com o objetivo de atrair investimento
começam a apresentar resultados com maior diversificação
de players e aumento dos investimentos no setor.Certamente o setor
petróleo será um dos propulsores da retomada do crescimento
econômico do País. 
4 – Os contratos da ANP possuem uma cláusula específica de
estímulo à pesquisa, que é a Cláusula de PD&I (Cláusula de
Investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação). Como a
ANP acompanha e fiscaliza os recursos oriundos desta Cláusula,
e quais os benefícios gerados para o setor?

Desde a primeira rodada de licitação de áreas para exploração e


produção de petróleo foi introduzida uma cláusula no contrato com
obrigações de P&D no Brasil. São 20 anos de abertura do mercado de
petróleo e em todos os contratos esta Cláusula esteve presente.  Isso
possibilitou a estruturação de um conjunto relevante de projetos de
P&D em Universidades, empresas fornecedoras e nos Centros de
Pesquisas próprios da empresa, como o CENPES da Petrobras. O
papel da ANP é garantir que os recursos previstos estejam sendo
investidos conforme a exigência contratual, ou seja com financiamento
de projetos a serem realizados no Brasil.

Alfredo Renault é engenheiro químico formado pela UFRJ.


Atualmente, é Superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento
Tecnológico da Agência Nacional de Petróleo – ANP. Autor de artigos
em revistas especializadas e jornais e palestrante em eventos no
Brasil e no Exterior, tem forte reconhecimento na área de Oil & Gas,
tendo, entre outros, atuado como:  Superintendente da Organização
Nacional da Indústria do Petróleo – ONIP;  Membro do encontro
Interministerial Brasil – Londres, Inglaterra;  Consultor do Banco
Mundial; Professor do Departamento de Economia da PUC-RJ;
Membro do Comitê Organizador do 17° Congresso Mundial do
Petróleo;  Superintendente de Ensino Superior da Secretaria de
Ciência e Tecnologia do Estado Rio

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