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“COMPLIANCE NO MERCADO IMOBILIÁRIO”

Luis Fernando Marin1

I. Introdução; II. Compliance nas Empresas Imobiliárias;


III. Compliance na Advocacia Imobiliária; IV. Conclusão.

I - INTRODUÇÃO
Não parece ser um modismo corporativo o recurso a programas de “compliance” em
empresas de todo o país. Se, por um lado, corre o risco de xenismo quem abusar do emprego do
termo em inglês, uma vez que a própria legislação brasileira preferiu consagrar a expressão
“programa de integridade2”, por outro o fato é que o estrangeirismo que define o conjunto de

1 Advogado, sócio de Marin & Advogados Associados, é Professor de Direito Civil e Imobiliário da Pós-Graduação em
Direito Imobiliário da ABADI – Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis, além de professor de Direito
Imobiliário da EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e da ESA – Escola Superior de Advocacia da
OAB/R.J.; ex professor de Direito Civil e Imobiliário a nível de graduação das Universidades Candido Mendes e
MACKENZIE-RIO; é ainda Assessor Jurídico da Presidência da ABAMI – Associação Brasileira dos Advogados do Mercado
Imobiliário e membro consultor da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/R.J.; Pós-graduado em Direito Desportivo
pela Universidade da CIDADE – R.J..
2
O Decreto 8.420/15 que regulamenta a Lei 12.846/13, define em seu art. 41 o que é um Programa de Integridade:
“Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto
de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na
aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

1
disciplinas adotadas por um determinado agente econômico que permite a tal agente prevenir os
riscos de violação à legislação aplicável à sua atividade já está hoje consagrado no meio
corporativo como valioso instrumento preventivo de duras sanções e foi, inclusive, utilizado por
órgão governamental em guia próprio destinado à defesa da livre concorrência3.
Às promessas de luta contra a catástrofe social que nós os brasileiros identificamos na
chaga da corrupção sistêmica soma-se a constatação por parte de inúmeros líderes
organizacionais e institucionais de que a ilicitude – e aqui não se limita o emprego de tal termo
apenas às violações da lei penal - não compensa. Em ambiente de crescente regulação em todas
as áreas de atuação, em todas as atividades econômicas, sobre todas as iniciativas profissionais,
a lição de Paul McNulty4 ganha proporções bíblicas: “If you think compliance is expensive, try
non-compliance5”.
O Mercado Imobiliário, neste contexto, se vê na berlinda. Incorporação, Construção,
Financiamento, Alienação, Corretagem e Administração de Imóveis, são todas estas atividades
altamente reguladas pelo Estado a demandarem dos agentes econômicos que com elas se
envolvem especial atenção a Programas de Integridade ou “Compliance”.
É bem verdade que o envolvimento de mega-construtoras com atos de corrupção no
setor público desvendados por operações como a popular “Lava-Jato” vem, de certa forma,
limitando os debates acerca dos programas de “compliance” à esfera criminal, como se o
combate à corrupção fosse a principal função dos mesmos. Contudo, em que pese até mesmo a
definição do art. 41 do Decreto 8.420/156, programas de integridade visam evitar a corrupção
dos profissionais e das corporações não apenas no sentido criminal do termo, mas em sua
conotação mais ampla possível – aquela que contempla a deterioração ética ou moral dos
envolvidos pela adesão a ilicitudes de qualquer ordem.
A presente reflexão tem por objetivo debater aspectos da crescente “onda” de
integridade e de estímulo a programas de “compliance” sobre as atividades do Mercado
Imobiliário, inclusive sobre a atuação dos advogados que atuam no referido mercado em virtude
de estipulações legais recentes e impactantes.

I – COMPLIANCE NAS CORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS

Imensas, grandes, médias ou pequenas, não é errado afirmar que todas as empresas
sofrem com a corrupção, inclusive as do setor imobiliário. Conquanto sejam algozes em muitos

3
http://www.cade.gov.br/noticias/cade-apresenta-proposta-de-guia-sobre-programas-de-compliance-
concorrencial/guia-compliance-versao-preliminar.pdf
4
“Deputy Attorney General” dos Estados Unidos da América de março de 2006 a julho de 2007;
5
Em tradução livre: “Se você pensa que Programas de Integridade são caros, tente não fazer Programas de
Integridade”.
6
Veja-se a nota de rodapé nº 2.

2
casos7, são no mais das vezes vítimas. Estudo recente veiculado por empresa de auditoria e
disponível na internet8 revela que as empresas têm 5% (cinco por cento) de seu faturamento
perdido a cada ano em virtude de práticas fraudulentas ou irregulares. Leva-se, em média, 18
meses entre o início do esquema de fraude até sua detecção, quando esta última logra êxito.
Pequenas instituições, com recursos mais escassos, logo carecedoras de controles antifraude
mais eficazes em comparação com outras organizações de maior parte, são, evidentemente,
muito mais vulneráveis.
A legislação anticorrupção impôs às pessoas jurídicas aguda responsabilização
administrativa e civil9, inclusive de natureza expressamente objetiva, pela prática de atos contra
a administração pública, nacional ou estrangeira, estabelecendo, entretanto, que a “existência de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica”10 constitui elemento a ser considerado como atenuante na aplicação das sanções
previstas na referida norma.
Logo, são suas destinatárias tanto as mega construtoras citadas na Operação Lava-Jato
quanto uma pequena administradora de imóveis situada em pequeno município e que lese a
municipalidade corrompendo fiscal para a aceleração de determinado alvará que permitirá a
locatário ocupar o imóvel de um cliente, assim “agradando” este último. A legislação
anticorrupção, portanto, não pode ser desprezada pelas empresas imobiliárias qualquer que seja
o objeto de sua atuação, qualquer que seja seu porte econômico.
Além disso, não se pode ignorar que tramitam no Congresso Nacional três projetos de
lei visando a criminalização da assim chamada “corrupção no setor privado”, situação que,
somada à consagração da responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, recomenda ainda
maior atenção por parte das empresas para as fraudes perpetradas “em nome da instituição”,
ainda que o lesado não seja o patrimônio público.

7
Estimativas divulgadas por veículos de comunicação como Revista Veja e Jornal “O Globo” revelam que os escândalos
popularmente conhecidos como “Máfia dos Fiscais”, “Mensalão”, “Anões do Orçamento”, “TRT de São Paulo”, ou
desvendados por operações de nomes criativos como “Sanguessuga”, “Zelotes”, “Lava-Jato” e “Hurricane”, geraram
sangria superior a 27 bilhões de reais dos cofres públicos brasileiros. Comum a todas elas a presença de grandes
construtoras nacionais ocupando comprovadamente a figura de agentes corruptores através de seus sócios ou
executivos.
8
https://www.kpmg.com/BR/PT/Estudos_Analises/artigosepublicacoes/Documents/Advisory/pesquisa-compliance-no-
brasil.pdf
9
Lei 12.846/13:
Art. 2o As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos
previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
Art. 3o A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou
administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
§ 1o A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais
referidas no caput.
§ 2o Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.
10
Lei 12.846/13: Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
(...)
“VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; ”

3
Quer pela via da tipificação do crime de suborno, quer pela via tipificação do crime de
corrupção privada11, parece óbvio apostar em futuro próximo na criminalização das condutas
que representam enriquecimento ilícito de pessoas físicas e jurídicas em detrimento de outras
também no ambiente das relações eminentemente privadas, a partir da constatação da oferta ou
obtenção de vantagens indevidas no curso de atividades econômicas, financeiras ou comerciais.
Além do combate à corrupção de agentes públicos ou privados e aos crimes
relacionados à lavagem de dinheiro, insiste-se aqui que a adoção de Programas de Integridade
haverá de alcançar o combate a ilicitude em todas as dimensões do Direito. Outros temas que
também podem e devem ser abraçados por Programas de Compliance no Mercado Imobiliário
se relacionam, por exemplo, às regras concorrenciais, tais como a combinação de preços e uso
de informação de competidores, violações à legislação ambiental, tolerância com atos que
configurem assédio moral ou sexual no ambiente das relações de trabalho, emprego de labor
infantil e, ainda no âmbito da Responsabilidade Civil Corporativa, visando fomentar uma
cultura organizacional de prevenção contra indenizações civis, componente importante dos
custos empresariais modernos.
Fugindo do óbvio interesse das Incorporadoras e Construtoras em programas de
Integridade pelas razões já acima expostas, dois bons exemplos de como outras empresas do
Mercado Imobiliário tem a ganhar investindo em integridade se obtém ao analisarmos a
dinâmica das relações contratuais desenvolvidas em Shopping Centers e nas Administradoras de
Imóveis para Locação Residencial.
No primeiro caso, é notório que sempre houve e provavelmente sempre haverá
desconforto de parte dos estudiosos do direito imobiliário com as chamadas “cláusulas de
raio”12, existindo estudos defendendo que tais enunciados contratuais ferem a livre
concorrência13, além de outros em sentido oposto14, considerando as “cláusulas de raio” lícitas
“cláusulas de não-concorrência”, posição com a qual até concordamos.
Tribunais Estaduais já consideraram ilícitas algumas destas cláusulas15, mas o S.T.J.
parece não ver nelas ilicitude alguma, conforme decisão recente16. Porém, um bom Programa de
Integridade desenvolvido perante um Shopping Center poderia, partindo das indagações

11
O projeto de lei 3163/2015 “define como crime a corrupção praticada no âmbito do setor privado, e dá outras
providências”. Ao mesmo estão apensados os projetos de lei 3438 do mesmo ano e 6122 de 2016, o primeiro
acrescentando dispositivo ao Código Penal para tipificar o crime de suborno e o segundo acrescendo dispositivo ao
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para criar o art. 333-A prevendo a tipificação da
"Corrupção privada".
12
“A cláusula de raio ou de exclusividade territorial é a proibição que o shopping impõe aos lojistas de
explorar o mesmo ramo de comércio por eles exercidos em uma distância circunscrita pré-determinada. ’
(Http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/80708/que-se-entende-por-clausula-de-raio).
13
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,clausula-de-raio-violacao-ao-principio-da-livre-
concorrencia,49978.html .
14
http://www.loboeibeas.com.br/archives/535 .
15
TJ-RS - Apelação Cível: AC 70053953147 RS.
16
EREsp nº 1535727 / RS (2015/0130632-3) autuado em 07/10/2016, Relator Ministro Marco Buzzi.

4
recentes do CADE no âmbito administrativo da defesa da concorrência17, se antecipar e quiçá
recomendar a exclusão de tais cláusulas dos contratos celebrados com os lojistas - ainda que
haja base jurisprudencial no âmbito da Maior Corte Civil para sua permanência - com fito de
evitar o desgaste social para a reputação de tais empreendimentos que as indigitadas cláusulas
18
geram, até confiando que a consagração da “positivação principiológica” da boa-fé objetiva
seria suficiente para coibir o lojista que, este sim, solapasse o direito concorrencial
beneficiando-se da estrutura de um shopping enquanto integra o “mix” deste último, mas
também desenvolvendo comércio competitivo contra aquele em imóvel próximo.
No que respeita às Administradoras de Imóveis, um Programa de “Compliance” poderia
evitar pesada condenação a indenizar cliente que fosse prejudicado pela inadimplência de
locatário ou insolvência de fiador. Registre-se que a tendência tanto dos doutrinadores19 quanto
dos julgadores20 é de considerar aquelas empresas responsáveis por defeitos no serviço de
checagem da solvência dos candidatos a inquilinos e fiadores. Ora, um desvio ético por parte de
funcionário de administradora – que aceite propina para ignorar certo apontamento constante em
documento de análise cadastral de um destes candidatos – com potencial de gerar pesado ônus

17
http://www.cade.gov.br/noticias/cade-discute-clausulas-de-raio-em-contratos-de-shopping-centers
18
Art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. ”
19
“Em vários pontos pode aparecer a responsabilidade das administradoras de imóveis, encarregadas da
locação, competindo-lhes a escolha ou seleção de inquilinos, aprovar ou não fiadores apresentados,
proceder a cobrança de aluguéis e encargos, receber o pagamento dos aluguéis, recolher as contribuições
devidas, e satisfazer as obrigações que decorrerem dos imóveis, sempre de acordo com a carga de
incumbências constantes dos contratos. ”
“A preocupação centra-se mais na escolha de inquilinos. Procedendo sem a necessária cautela, e
aceitando locatários de notória falta de idoneidade e capacidade econômica, devem as administradoras
arcar com o ressarcimento. É natural que aceitem inquilinos que comprovem uma renda suficiente à
satisfação do aluguel, de conduta apropriada para a residência no tipo de imóvel locado, e que não
apresentem costumes desregrados ou nocivos aos vizinhos e demais pessoas que compartilham da
moradia no prédio, especialmente em se tratando de condomínio edilício. ”
“Nessa conjunção de condições, há a responsabilidade pela escolha de pessoas inadimplentes e que
provocam prejuízos. Na falta de pagamento, e na impossibilidade de conseguir a satisfação dos créditos,
ficam com a obrigação de ressarcir ao proprietário o prejuízo acarretado. Igualmente quanto à qualidade
dos inquilinos, à conduta, aos costumes, a o destempero no uso do bem, devem sanar e ressarcir os danos
que surgirem. ”
“A má escolha de fiadores constitui outro fator importante, que pode trazer prejuízos quando da cobrança
de aluguéis devidos pelo locatário. Se não eram proprietários, quando da prestação da fiança, de
patrimônio apto e suficiente para a garantia na hipótese de cobrança por um período razoável de até um
ano, infere-se que houve má escolha. Não se dispensa, quando da aceitação, a apresentação de certidões
do registro de imóveis, não bastando a exibição de meros instrumentos de promessa de compra e venda,
ou de escrituras públicas sem o devido registro. ” (RIZZARDO, Arnaldo – “Responsabilidade Civil”,
Forense, São Paulo, 2009, p. 481)
20
“PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LOCAÇÃO. LEGITIMIDADEPASSIVA AD
CAUSAM DA ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS. INOCORRÊNCIA DAPRESCRIÇÃO. FALHA
NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APROVAÇÃO CADASTRAL DELOCATÁRIO SEM
CAPACIDADE ECONÔMICA. DÉBITOS RELATIVOS A ALUGUERES, COTAS CONDOMINIAIS
E TRIBUTOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ART. 667 C/C186 DO CC.” (RESP 1103658 – Rel.
Min. Paulo César Salomão, 04/04/2013)

5
indenizatório para a mesma poderia ser evitado com a implementação de um eficaz Programa de
Integridade.
Neste diapasão, não é exagero afirmarmos que uma cultura de ética e integridade já
começa a se formar no seio das grandes instituições, a qual há de se espraiar para as de menor
porte. Em jogo, a higidez reputacional21 das empresas, as quais muitas vezes levam cinquenta
anos para construírem um “nome” empresarial de importância e o veem solapado por dois
minutos de menção em noticiário relacionado à corrupção ou prática de ilícitos em outras áreas.
A referida cultura não há de se limitar ao mundo corporativo, sendo possível profetizar
que alcançará praticamente todas as atividades, inclusive os profissionais liberais, especialmente
os que prestam serviços às grandes empresas acima mencionadas. É provável que em futuro
próximo mesmo estes últimos se peguem cada vez mais praticando “atos de compliance”, em
exercício louvável de “autoanálise” acerca de sua integridade profissional.

II - COMPLIANCE NA ADVOCACIA IMOBILIÁRIA

Falar em programas de integridade ou “compliance” no âmbito da advocacia imobiliária


implica em salientar que a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas determinada pela
legislação anticorrupção já impõe aguda reflexão para os advogados do mercado imobiliário que
integram bancas cuja prestação de serviços se orienta conforme tal espécie de organização
funcional e societária. Isto porque à indagação acerca da aplicação de tal responsabilização aos
Escritórios de Advocacia que se envolvam com crimes de corrupção somente pode se dar
resposta afirmativa.
Entretanto, há outra fonte de preocupação ainda maior para os advogados do mercado
imobiliário, especialmente os que se dedicam à tarefa - cada vez mais comum no complexo
mercado da compra e venda de ativos imobiliários – de “due diligence na aquisição de
imóveis22”.
É que a Lei de Lavagem de Dinheiro criou determinada obrigação para profissionais da
área imobiliária que poderia ser descrita, sem receio de erro ou de parecer-se pouco preciso e
extremamente sarcástico, como uma “obrigação de alcaguetar23”. E, conforme se concluiria de

21
Aqui se sugere brilhante estudo sobre o “Capital Reputacional e Responsabilidade Social” das
empresas, da autoria de Cláudio Antônio Pinheiro Machado Filho e Décio Zylberstajn, disponível neste
link: http://www.regeusp.com.br/arquivos/v11n2art7.pdf
22
“No âmbito imobiliário, uma due diligence consiste em um procedimento de análise de certidões,
documentos e informações relativas a um imóvel que se pretende adquirir, bem com seus proprietários e
antecessores, conforme o caso, objetivando mensurar riscos efetivos e potenciais. ”
(http://www.fortes.adv.br/pt-BR/conteudo/artigos-e-noticias/251/precaucoes-necessarias-ao-se-adquirir-
um-imovel-a-importancia-da-due-diligence-imobiliaria.aspx)
23
Das melhores definições dos melhores dicionários, “alcaguetar” significa “denunciar como culpado,
denunciar atividade ou procedimento ilícito de alguém, delatar”.

6
uma interpretação literal da referida norma, aos advogados do mercado imobiliário caberia tal
pouco nobre papel no combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Vejamos.
Com a redação dada pela Lei 12.683/2012, o art. 9º da Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de
Dinheiro) sujeitou pessoas físicas e jurídicas “que prestem mesmo que eventualmente,
serviços de assessoria, consultoria, contadoria, aconselhamento ou assistência de qualquer
natureza, em operações de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou
industriais ou participações societárias de qualquer natureza” às obrigações previstas nos
arts. 10 e 11 da mesma lei, quais sejam, as de, dentre outras, comunicar ao órgão regulador da
atividade ou ao COAF (este na ausência daquele), sem avisar seu cliente, no prazo de 24 (vinte
e quatro horas), a mera proposta ou a efetiva realização de todas as transações em moeda
nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, que “ultrapassarem
limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas”.
Se no âmbito da Corretagem de Imóveis, a natureza da atividade, tal e qual definida pelo
próprio Código Civil, autoriza considerarmos razoável que os corretores alertem as autoridades
acerca de atividades suspeitas de ilicitude no âmbito dos negócios imobiliários - e não por outro
motivo o COFECI (Conselho Federal dos Corretores de Imóveis) se apressou em produzir
Resolução com objetivo de estabelecer premissas típicas de “compliance” para os profissionais
sob sua fiscalização24, auxiliando-os na árdua tarefa de desenvolverem suas atividades sem
violarem preceitos da legislação anticorrupção e lavagem de dinheiro – no que respeita à
advocacia imobiliária tais alertas não parecem razoáveis.
Embora possa se afirmar que tanto os Contratos de Corretagem Imobiliária (privativos de
corretores) quanto os de Prestação de Serviços de Consultoria Jurídica (privativos de
advogados) apresentam funções sociais ligadas ao princípio constitucional do solidarismo e
revestidas de interesse público (nada obstante suas naturezas privadas), tampouco é inverdade
que há diferenças agudas entre um caso e outro. Enquanto o corretor de imóveis exerce uma
função de relevo público calcada na segurança da operação imobiliária para as partes25
(interesses privados) e para a segurança da sociedade (interesse público), o advogado cumpre
sua função social quando, nos limites da constituição, da lei e de seu código de ética, emprega
seus recursos na defesa dos interesses de seus clientes. Há na advocacia uma “parcialidade”
constitucional, lícita e necessária para o funcionamento pleno do Estado de Direito.
A Constituição Federal estabelece em seu art. 133 que o “advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da

24
Resolução COFECI – nº 1.336/2014
25
Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao
cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.
Parágrafo único. Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os
esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores
que possam influir nos resultados da incumbência.

7
profissão, nos limites da lei”. O chamado Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, alterada pela
Lei 11.767/08) concede aos advogados direitos como a proteção à “inviolabilidade de seu
escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua
correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao
exercício da advocacia”, ou o direito de “comunicar-se com seus clientes, pessoal e
reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou
recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados
incomunicáveis”, ou, ainda, o de ´”recusar-se a depor como testemunha em processo no
qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou
foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre
fato que constitua sigilo profissional”26.
Novo Código de Ética da Profissão, aprovado pelo Conselho Federal da OAB em outubro
de 2015 e que todo advogado deve obedecer por força do que estabelece o art. 33 da mesma Lei
8.906/94, impõe aos advogados de todo o país o dever “de guardar sigilo dos fatos de que
tome conhecimento no exercício da profissão”, qualificando o sigilo profissional como “de
ordem pública”, cedendo tal sigilo, obviamente, “em face de circunstâncias excepcionais que
configurem justa causa, como nos casos de grave ameaça ao direito à vida e à honra ou
que envolvam defesa própria”27.
A inviolabilidade dos atos do advogado pode ser afastada apenas, nos termos do parágrafo
6º do art. 7º da Lei 8.906/94, se presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime
por parte do profissional, em decisão judicial fundamentada e observando-se a formalidade ali
estabelecida.
Pois bem: uma interpretação extensiva à advocacia do art. 9º da Lei 9.613/98 (Lei de
Lavagem de Dinheiro) – isto é, considerando que os advogados que prestam consultoria do tipo
“due diligence” imobiliário também estão obrigados à obrigação de alcaguetar ali estabelecida –
parece não se sustentar quando feita de forma sistemática e em conformidade com a
Constituição Federal.
Quando se trata de advocacia, o emprego constitucional do termo “inviolabilidade” deve
se revestir de certa sacralidade. Conforme ensina o “Aurélio”, “inviolabilidade é uma palavra
de origem latina (inviolabilis) e significa que não se pode ou deve violar, juridicamente
falando significa o ´que está legalmente protegido contra qualquer violência e acima da
ação da justiça´ (FERREIRA, 2004), é uma prerrogativa que confere à certas pessoas e
lugares isenção de ação da justiça”28.

26
Art. 7º, incisos II, III e XIX da Lei 8.906/94.
27
Arts. 35, 36 e 37 do Novo Código de Ética da Advocacia (http://www.oab.org.br/arquivos/resolucao-n-
022015-ced-2030601765.pdf)
28
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio da Língua
Portuguesa. Versão 5.0. Positivo Informática, 2004. 1 CD-ROOM.

8
Saliente-se que muito mais importante do que a violação de escritórios, correspondências
físicas e eletrônicas ou conversas entre advogados e clientes, o preceito constitucional que
assegura a inviolabilidade dos atos de advocacia se destina a preservar o que há de mais sagrado
na profissão – a confiança que deve o constituinte depositar em seu advogado no sentido de que
não será tal profissional o revelador de seus deslizes, o divulgador de seus ilícitos, o propagador
dos seus pecados29.
Uma interpretação extensiva à advocacia do art. 9º da Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de
Dinheiro) conduziria a uma situação absurda de conflito entre normas penais, pois o advogado
que divulgasse operação imobiliária de cliente poderia se encontrar praticando o crime de
violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal Brasileiro: “Revelar a
alguém, sem justa causa, segredo, de quem tem ciência em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.
Ainda que se afirme que o interesse público em se combater a corrupção e a lavagem de
dinheiro poderia configurar a “justa causa” mencionada no susocitado dispositivo do C.P., um
exemplo simples subtraído do cotidiano da advocacia imobiliária revela quão absurdo seria tal
entendimento. Imagine-se situação na qual o cliente procura o advogado visando que este o
oriente para adquirir certo imóvel. Conhecedor da condição socioeconômica do cliente, o
advogado “desconfia” de que o imóvel que este último intenciona adquirir não é “compatível”
com a mesma. Obedecendo ao comando da norma criticada, o advogado alcagueta o cliente, que
passa a ser investigado pelo COAF, sendo notificado pelo mesmo para prestar esclarecimentos.
Decerto o cliente precisará constituir um advogado para defender seus interesses no âmbito
daquela investigação. Pena que a confiança naquele “seu” advogado que comunicou o COAF se
esvaiu por completo, não sendo exagero afirmarmos que se esvaiu, talvez, a confiança daquele
cliente em todo e qualquer profissional da advocacia...
Portanto, nos parece que a interpretação razoável e que atende ao princípio hermenêutico
da “interpretação conforme a constituição” da regra da Lei de Lavagem de Dinheiro que cria a
obrigação de comunicação ao órgão fiscalizador da profissão ou ao COAF (na inexistência
daqueles) de “operações imobiliárias suspeitas” é aquela que subtrai dos advogados tal dever
legal ante o princípio também constitucional da inviolabilidade dos atos dos mesmos. A conduta

29
Aliás, uma das definições do termo “violar” é a que o conecta à ideia de “desrespeito à santidade ou
profanação de templos”. Há na advocacia uma sacralidade intrínseca – os advogados são ajudadores
também e precipuamente de quem se encontra em dificuldades com a lei. Não por outro motivo, o mais
nobre dos advogados da História é aquele mencionado pelo Apóstolo João em sua primeira Carta Bíblica:
“Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado
para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo”. (1 João 2:1).

9
de orientar clientes na aquisição de ativos imobiliários (ou mesmo de outras espécies, também
albergadas pela norma em comento) é inviolável, não sendo aceitável que se torne objeto de
desconfiança por parte do cliente o sigilo profissional por parte do advogado, sob pena de
estarmos patrocinando o desenvolvimento de um sistema diabólico e antidemocrático de
desconfiança dos cidadãos brasileiros na advocacia imobiliária que nem mesmo a regra prevista
no parágrafo segundo do art. 11 da Lei de Lavagem de Dinheiro poderá amenizar30.
Evidente que a própria advocacia contém seus instrumentos de imposição de limites à
atividade, visando a prevenção de ilícitos, impondo aos profissionais deveres éticos seríssimos.
Caberá àqueles que atuam no mercado imobiliário, como mencionado alhures, em atividade de
“compliance” interna em seus próprios escritórios ou, quando atuando de forma independente,
com recursos escassos para tanto, auxiliados por instrumentos a serem ofertados pela Ordem
dos Advogados31, a cautela para não praticarem atos que desaguem na influência indevida, na
vinculação de seu nome a empreendimentos escusos ou no auxílio àqueles que atentem contra a
ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana32, dentre outros vedados pelos
instrumentos normativos de regulação da profissão.
Um programa de “Compliance” eficaz no âmbito da Advocacia Imobiliária também
poderia evitar que constrangimentos ao exercício da leal concorrência na área se perpetuassem.
Recentemente, o Tribunal de Ética da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil
decidiu que assistência jurídica prestada por meio das Administradoras de Imóveis configura
exercício ilegal da profissão. Segundo tal decisão33, a advogada, “que é proprietária de
imobiliária, não pode prestar serviços jurídicos aos clientes desta, sob pena de se
configurar exercício irregular da profissão pelos demais sócios da imobiliária e infração
ética da advogada”.
Não é raro que advogados vinculados a Administradoras de Imóveis e Corretoras,
aproveitando-se das estruturas empresariais destas últimas, apresentem valores de honorários
advocatícios inferiores aos previstos nas Tabelas de Honorários da OAB, o que conseguem
justamente por incidirem em custos de escritório menores do que seus colegas de profissão que
não estão vinculados a tais empresas. Infelizmente, não há como se fingir que esta prática não
configura atentado ao Código de Ética34 e ao Estatuto da Advocacia, até mesmo tangenciando

30
“§ 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão
responsabilidade civil ou administrativa”. Trata-se de dispositivo que este autor, jocosamente, invocando
as figuras íntimas ao mesmo (que é professor de Direito Civil e Imobiliário) do possuidor e contratante de
boa-fé, se permite criticar por criar a figura do “alcaguete ou delator de boa-fé”.
31
Ou, quem sabe, pela ABAMI – Associação de Advogados do Mercado Imobiliário – que este autor tem
a honra de integrar.
32
Novo Código de Ética da Advocacia, art. 2º, par. Único, VIII, alíneas “a”, “b” e “c”.
33
http://www.conjur.com.br/2016-jun-09/oab-condena-advogada-prestar-assistencia-juridica-imobiliaria
34
Novo Código de Ética da Advocacia, art. 48, § 6º: “Deverá o advogado observar o valor mínimo da
Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço,
inclusive aquele referente às diligências, sob pena de caracterizar-se aviltamento de honorários”. Já o art.

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de forma perigosa a captação de causas qualificada como infração disciplinar pelo art. 34, IV,
deste último.

IV – CONCLUSÃO
O presente estudo teve como móvel apresentar, mais do que conclusões, provocações e
reflexões derivadas da crescente conscientização da importância do combate à corrupção e às
ilicitudes de outras naturezas sob a perspectiva de algumas das profissões do mercado
imobiliário.
Indubitavelmente, inúmeras são as possibilidades que se abrem e inúmeras as críticas
que as reflexões acima suscitarão. Muito mais importante do que a adesão às mesmas nos parece
a citada conscientização acerca da importância de Programas de Integridade ou “Compliance”
quer a nível corporativo, quer a nível associativo (no âmbito das entidades de fiscalização dos e
amparo aos profissionais do mercado), quer da perspectiva da introjeção por parte de cada
profissional de tão áureos valores: profissionalização, empenho e ética.

BIBLIOGRAFIA

1) ANTONIK, Luís Roberto – “Compliance, Ética, Responsabilidade Social e Empresarial:


Uma Visão Prática”, Alta Books, 2016;

2) AVVAD, Pedro Elias – “Direito Imobiliário – Teoria Geral e Negócios Imobiliários”,


Forense, 2012;

3) BARROSO, Luís Roberto – “Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma


dogmática constitucional transformadora”, Saraiva, 2003;

4) BENEDETTI, Carla Rahal – “Criminal Compliance: Instrumento de Prevenção Criminal


Corporativa e Transferência de Responsabilidade Penal”, Quartier Latin, 2014;

5) CALLEGARI, André Luís e WEBER, Ariel Barazetti – “Lavagem de Dinheiro”, Atlas, 2014;

6) FIÚZA, César – “Direito Civil, Curso Completo”, Ed. Del Rey, 6ª Ed.;

7) GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, “Novo Curso de Direito Civil –
vol. IV, tomo I, Ed. Saraiva, 2005;

8) RIZZARDO, Arnaldo – “Responsabilidade Civil”, Forense, São Paulo, 2009;

2º, § único, VIII, alínea “f” determina que o advogado deve se abster de “contratar honorários
advocatícios em valores aviltantes”. Relembrando, o art. 33 da Lei 9.906/94 impõe aos advogados a
observância de seu Código de Ética.

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9) TEPEDINO, Gustavo e outros – “Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da
República”, Vol. II, Ed. Renovar, 2005;

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