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INTRODUÇÃO AO

ESTUDO DAS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS:
atores internacionais e
política externa
Prof. Luiz Gustavo Aversa Franco
Centro Universitário UDF
Brasília, 21 de outubro de 2022
SUMÁRIO
1. Atores 2. Política Externa
internacionais 2.1. Conceito
1.1. Estado e suas 2.2. Análise de política
derivações externa (APE)
1.2. Organizações 2.3. Abordagem dos
Internacionais níveis de análise
1.3. Atores não 2.4. Estudo de caso
estatais
1.1.1. Estado
• Estado:
“centro nervoso das RI”
Principal ator
• “comunidades políticas independentes
possuidoras de um governo que se preocupa com
a segurança, que afirma a sua soberania com
respeito a um espaço territorial definido por
fronteiras e que possui um segmento da
população humana”
São soberanos na medida em que determinam
os rumos de sua identidade nacional e possuem
independência de agentes externos
1.1.1. Estado
• Três condições transitórias para um Estado:
i. Estado independente
 “entidades políticas que, em última instância, são
capazes de tomar decisões sobre questões de natureza
doméstica e externa”
ii. Hegemonia
 Estados cuja potência extrapola a dos demais membros
do sistema ou cuja autoridade influencia na operação
do sistema
iii. Domínio/império
 Autoridade estatal passa a determinar a
governabilidade interna de outras comunidades
políticas
1.1.2. Sistema de Estados
• “se forma quando dois ou mais Estados têm contato
regular entre si com impacto recíproco nas suas
decisões”
Pode levar à constituição de um sistema
internacional
• Tipos predominantes de relações: cooperação,
conflito, neutralidade e indiferença recíproca
Predomínio de uma “rede de múltiplas pressões (...)
que amalgamam o sistema, induzindo alianças e
confrontos, ou constituindo padrões de amizade e
inimizade”
• Teve início com o Tratado de Vestfália (1648)
1.1.3. Sociedade de Estados
• “se forma quando um grupo de Estados, conscientes
de certos valores e interesses afins, formam
uma sociedade e passam a se considerar
ligados, no seu relacionamento, por um conjunto
comum de regras e instituições” (grifos próprios)
• Valores e interesses comuns compartilhados entre os
Estados: (i) respeito à independência (i.e. não
intervenção); (ii) vontade de honrar acordos; (iii)
necessidade de limitar o uso da força; (iv) estímulo à
cooperação e ao funcionamento das instituições
• Deve ser fundada em uma cultura e/ou uma ideia de
civilização comuns
1.1.4. Sociedade Internacional
• Formada a partir do momento em que uma
sociedade de Estados se projeta (de forma mais
ou menos organizada) para fora de sua região de
origem
Sociedade internacional cristã
Sociedade internacional europeia (séculos XV-
XVIII)
Mundialização (globalização) no século XX
Dúvidas quando à existência de uma base
cultural/civilizacional global)
1.1.4. Sociedade Internacional
• Responsabilidade das grandes potências de
preservar, “a todo o custo”, as bases da sociedade
internacional
Legitimação do uso da força armada para
proteger a sociedade internacional de entrar em
colapso
Quando o equilíbrio de poder é alterado e o
diálogo diplomático fracassa
1.2. Organizações Internacionais
• OIs ≠ organização internacional (processo)
• “molduras permanentes de consulta e decisão”
Podem perecer diante de crises e grandes
cismas internacionais
Ex: Liga das Nações
Três elementos básicos: (i) missão; (ii) objetivos;
(iii) estrutura própria
1.2. Organizações Internacionais
• Formalizadas pela assinatura de um tratado
constitutivo que lhe confere personalidade jurídica
• Adquirem identidade própria a partir do
compartilhamento de interesses e objetivos por parte
de seus Estados fundadores
• Adquirem legitimidade perante a sociedade de
Estados com base em sua capacidade de responder
aos problemas da agenda e de se adaptar às
transformações
• Podem ter escopo global (ONU), regional (OEA, UE)
ou sub-regional (MERCOSUL)
1.2. Organizações Internacionais
• OIs “são agentes ativos da mudança global” (p.
70, grifos próprios)
• Sistema ONU
Estabeleceu um “esquema guarda-chuva de
instituições, organismos e programas” voltados
a atender a demanda por soluções
especializadas para os problemas internacionais
do pós-guerra
Ex: OIT, OMS, UNESCO, PNUD, PNUMA,
entre outros...
1.3. Atores não estatais
• Inserção de uma ampla gama de novos atores não
estatais no século XXI
Corporações transnacionais, grupos terroristas,
forças transnacionais, agências e burocracias
internas, etc...
Atores não estatais “privados”* negligenciados
pela ortodoxia das RI
*Bancos, ONGs, igrejas, organizações
criminosas, etc...
Aumento da sua importância a partir da era
da informação
1.3. Atores não estatais
• Favorecidos pela dispersão de poder1 e pela
transnacionalidade2
1) Transição de poder vs dispersão de poder
Vide NYE, Joseph (2012), O futuro do
poder
2) “processo de empoderamento ou aquisição de
poder por parte dos indivíduos, associações e
grupos sociais que passam a atuar para além
das fronteiras nacionais” (p. 71)
1.3.1. Corporações
transnacionais (CT)
• Corporação/empresa pode ser definida como
internacional, transnacional ou global
dependendo da origem, escopo de atuação e
alcance da influência
• Corporação caracterizada pela capacidade de
investir recursos no exterior, controlar bens
(móveis ou imóveis) em outro país e estabelecer
partes de sua cadeia produtiva fora de seu país
de origem
1.3.1. Corporações
transnacionais (CT)
• Internacionalização1 e transnacionalização2 de
empresas
1) Quando uma empresa passa a atuar em
alguns ramos fora de seu país de origem
2) Diversificação dos nichos de atuação no
exterior, estabelecendo um aparato
burocrático e decisório em outros países
• São, ao mesmo tempo, um novo ator na “arena
internacional” e “uma nova arena de cooperação,
conflito, complementariedade e complementação
entre Estados, OIs e outros atores não estatais”
1.3.2. Organizações não
governamentais (ONGs)
• “entidades sem fins lucrativos que atuam em campos
variados com algum tipo de recorte social”
Sinônimos: “terceiro setor”, “sociedade civil
organizada”, entre outros
Operacionalmente, projetam e implementam
projetos de desenvolvimento
Ideacionalmente, defendem e promovem causas
específicas, influenciam políticas e práticas
institucionais
Principal forma de atuação = “conformação de
redes multitemáticas”
Atuam individualmente ou por meio de coalizões
1.3.2. Organizações não
governamentais (ONGs)
• Passaram a cumprir funções cada vez mais
complexas no meio internacional
“promovem canais de cooperação que auxiliam
na conformação e no fortalecimento de regimes
internacionais, facilitando formas de
governança, além de promover interesses
alheios ao Estado”
Participação de representantes das ONGs e da
sociedade civil global em grandes conferências
internacionais
1.3.3. Outros atores não estatais
• Grupos
terroristas
Al-Qaeda, Estado Islâmico, etc...
• Crime
organizado transnacional
Vide UNODC (2008), The Globalization of
Crime
• Hackers
e hacktivistas
Wikileaks, Anonymous, etc…
2.1. Conceito
• Análise de Política Externa (APE): estudo do
gerenciamento das relações e atividades externas
dos Estados-nacionais de forma distinta de suas
políticas domésticas
Envolve os objetivos, estratégias, medidas,
métodos, diretrizes, entendimentos, acordos,
etc de condução das relações internacionais
pelos governos nacionais entre si, bem como com
OIs e atores não estatais
Política externa é uma atividade obrigatória de
todos os Estados e governos nacionais
2.1. Conceito
• Política externa: metas e medidas que guiam
decisões e ações governamentais em relação aos
assuntos externos, especialmente as relações com
outros países
Chefes de Estado (monarcas, presidentes,
primeiros-ministros, etc) e altos funcionários
(ministros de Estado, assessores especiais, etc)
como principais formuladores
Conceito instrumental (1) e prescritivo (2)
1) Determina o problema/objetivo e as
soluções/abordagens viáveis
2) Determina as medidas a serem tomadas
2.2. Análise de política externa
(APE)
• Envolve o escrutínio das políticas externas dos
Estados e sua inserção em um contexto mais amplo
de conhecimento acadêmico
Contexto acadêmico geralmente definido por
teorias e abordagens
Relação teoria-política não necessariamente leva a
uma opção clara de política
Várias opções diferentes na maioria dos casos
Escolha da teoria provavelmente afeta a escolha da
política
Teorias diferentes enfatizam valores diferentes
2.2.1. Abordagens de APE
• Abordagens específicas de APE além das teorias
gerais de RI:
i. Abordagem tradicional
ii. Política externa comparada
iii. Processos e estruturas burocráticas
iv. Psicologia e processos cognitivos
v. Abordagem multinível/multidimensional
vi. Abordagem construtivista
2.2.1.1. Abordagem tradicional
• Busca informar sobre as políticas externas de um
governo
Aquisição de conhecimento sobre a atividade dos
formuladores de política externa
Experiência própria ou escrutínio das políticas
passadas e presentes
• Domínio tradicional de estudiosos da história
diplomática e comentaristas políticos
• Origem no sistema de Estados modernos da Europa
(sec.XVII-XX)
• Apelo permanente junto a estudiosos da Escola
Inglesa e do Realismo clássico
2.2.1.2. Política externa
comparada
• Inspiração na Ciência Política behaviorista e na
“pré-teoria” de Rosenau
• Busca construir teorias e explicações sistêmicas
sobre o processo geral de política externa
Uso de grandes quantidades de dados brutos e
de análise das políticas externas de vários
países
• Uso da “pré-teoria” em vários estudos empíricos
2.2.1.3. Processos e estruturas
burocráticas
• Ênfase no contexto organizacional de tomada de
decisão, condicionado pelos ditames e demandas
das burocracias
• Vista como uma forma superior de conhecer
política externa
Força do empiricismo
• Busca explicar o que aconteceu e porque
• GrahamAllison (1971), The Essence of Decision
Análise da crise dos mísseis de Cuba (1962)
2.2.1.4. Psicologia e processos
cognitivos
• Foco no tomador de decisão individual e nos
aspectos psicológicos da tomada de decisão
• RobertJervis (1968; 1976): estudo da percepção
equivocada
• Margaret Herman (1984): estudo das
características de personalidade de 54 líderes de
governo
Fatores que devem ser levados em conta na
compreensão do seu comportamento em política
externa
2.2.1.5. Abordagem
multinível/multidimensional
• Abordagem desenvolvida nas últimas décadas
devido à impossibilidade de se desenvolver uma
única teoria geral de APE
• Estudo de aspectos particulares de política
externa usando ás várias teorias de RI
• Ex:
Thomas Schelling
Realismo estratégico
Aplicação da teoria dos jogos a política externa
2.2.1.6. Abordagem construtivista
• Caracterizada pela ênfase no papel das ideias, do
discurso e da identidade
Política externa como um “mundo
intersubjetivo”
Discursos e ideias podem ser examinados de
forma minuciosa para se obter um
entendimento teórico melhor acerca de sua
construção
Rastreamento da influência das ideias e dos
discursos dos formuladores de política nos
processos e resultados dessas políticas
2.3. Abordagem dos níveis de
análise
• Abordagem introduzida por Kenneth Waltz (2004
[1959]) – O Homem, o Estado e a Guerra – em
busca das causas da guerra em três níveis de análise
Indivíduo
Seres humanos agressivos por natureza?
Estado
Há Estados mais propensos ao conflito?
Sistema
O sistema internacional leva os Estados à guerra?
2.3. Abordagem dos níveis de
análise
• APE pode ser desenvolvida pela mesma
abordagem:
Sistema
Distribuição de poder entre os Estados;
interdependência política e econômica...
Estado
Tipo de governo; relação Estado-sociedade;
composição do aparato estatal...
Indivíduo
Modo de pensar, crenças básicas e prioridades
pessoais do(a) tomador(a) de decisão...
2.3.1. Nível sistêmico
• Primeiro, definem as condições prevalecentes no
sistema internacional; depois estabelecem
alguma conexão plausível entre tais condições e
as políticas externas reais dos Estados
Diferentes “imagens” levam a ideias diferentes
de comportamento estatal
Realismo vs Liberalismo vs Construtivismo
Realismo defensivo vs Realismo ofensivo
2.3.2. Nível do Estado
• Observação da relação entre o aparato Estatal e
a sociedade doméstica
Avalia a capacidade do governo de mobilizar e
gerenciar os recursos de poder do país
Papel desempenhado por indivíduos, grupos e
organizações na sociedade
Podem influenciar ou frustrar os esforços
governamentais e conduzir “políticas
externas” próprias
Visões Realistas (centradas no Estado) vs
Liberais (centradas na sociedade)
2.3.2. Nível do Estado
• Processos de tomada de decisão dentro do aparato
estatal
Modelo do Ator Racional (MAR)
Estados capazes de identificar corretamente
desafios de PE e tomar as melhores decisões
possíveis em termos de custo-benefício e levando
em conta os objetivos e valores do Estado
Abordagem da “política burocrática”
Tomada de decisão é um processo em que
indivíduos competem por poder e posições
pessoais
2.3.2. Nível do Estado
Abordagem do “pensamento de grupo” (Irving
Janis)
Quando ocorre, grupo falha em considerar
alternativas para alcançar o melhor resultado
possível
Resultados deficientes
Possibilidade de desenvolver remédios para as
consequências negativas e aprimorar a
capacidade dos grupos de tomar decisões
melhores
2.3.3. Nível do tomador de
decisão individual
• Capacidades limitadas (“constrangimentos cognitivos”)
dos tomadores de decisão individuais na condução de uma
tomada de decisão racional e objetiva
Ligadas à recepção e processamento de informações
pelos indivíduos
• Importância da cognição e das crenças dos formuladores
de política
Ceticismo quanto à premissa da racionalidade
individual em APE
 Substituição pela cognição leva a uma agenda de
pesquisa extremamente grande e complexa,
consumindo muito tempo com coleta e análise de
informações
2.4. Estudo de caso
• Guerra do Golfo (08/1990 – 02/1991)
• Reação dos EUA (e aliados) à invasão do Kuwait pelo
Iraque
• Explicação por meio da combinação de três
perspectivas teóricas diferentes (YETIV, 2004): (i)
MAR; (ii) modelo de “pensamento de grupos”; e (iii) e
modelo cognitivo.
• Paralelo com os três níveis de análise
• Base no MAR (EUA como ator unitário guiado por
interesses nacionais)
2.4. Estudo de caso
• Estudo cognitivo do presidente George H.W. Bush
Analogias históricas
• Elementos de “pensamento de grupo” presentes
Levaram a descartar alternativas à guerra
• Conclusão dos autores: muitas das ações e decisões de PE
são tomadas em circunstâncias de incerteza e com informação
imperfeita
PE mais propensa e exposta a incerteza, instabilidade e
conflito que a política doméstica
Questões e problemas dinâmicos
Impossibilidade de se determinar a PE “correta” ou
“incorreta” no momento
 Conhecimento adquirido em perspectiva

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