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Breve histórico sobre o desenvolvimento do

lobbying no Brasil

Andréa Cristina de Jesus Oliveira

Sumário
1. Esclarecendo conceitos. 2. A face negati-
va do lobbying. 3. O desenvolvimento do lobbying
no Brasil. 4. Considerações finais.

1. Esclarecendo conceitos
Lobbying é o processo pelo qual os gru-
pos de pressão buscam participar do pro-
cesso estatal de tomada de decisões, contri-
buindo para a elaboração das políticas pú-
blicas de cada país.
Para isso, os grupos de pressão utilizam-
se de uma cadeia multifacetada de ativida-
des que incluem coleta de informações, pro-
postas políticas, estratégias apropriadas
para dar suporte a tais demandas, confec-
ção de pesquisas e a procura por aliados. A
pressão é seu último estágio e geralmente
requer uma presença organizada no centro
de decisões de cada país. (GRAZIANO,
1994).
Em uma sociedade democrática, os to-
madores de decisão são confrontados com
uma complexa rede de interesses e se valem
das idéias e opiniões dos grupos de pressão
para subsidiarem suas decisões. Os grupos
de pressão fornecem informações confiáveis
e comprováveis aos tomadores de decisão e
os mesmos transformam esses grupos em
Andréa Cristina de Jesus Oliveira é Douto-
interlocutores, convidando-os a emitir sua
ra em Ciências Sociais (Unicamp), Mestre em
Sociologia Política (Unesp – Araraquara), Pro- opinião quando necessário.
fessora do Departamento de Ciências Jurídicas Sendo assim, podemos conceber o
da Uninove (Centro Universitário Nove de lobbying como saber especializado e repre-
Julho). sentação técnica, pois, enquanto represen-
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tam interesses especiais, os lobistas são o ganizações que não tinham motivos econô-
sustentáculo da informação de um especia- micos, as quais poderiam ser denominadas
lista técnico-político. (GRAZIANO, 1994). de entidades sociais ou idealísticas, com-
Esse tipo de saber específico ajuda os provando a validade do processo para re-
tomadores de decisão a formular propostas presentar interesses perante os agentes go-
políticas e a perceber as reações da socieda- vernamentais.
de civil perante essas propostas. O lobby se dirige aos centros de decisão,
A palavra lobby significa, em inglês, ante- não sendo nenhuma ação de marketing. Ele
sala, vestíbulo, saguão. Por extensão, o lu- não procura vender um produto ou servi-
gar onde ficavam as pessoas que procura- ços, mas sim influenciar burocratas e/ou
vam influenciar as autoridades e/ou políti- políticos para a tomada de decisões que be-
cos e que acabou por designar a ação de neficiem um grupo social ou empresarial,
profissionais ou grupos que buscavam exer- um programa econômico ou uma linha de
cer pressões, muitas vezes legais, para que atuação de determinado segmento sócio-
fossem aprovados projetos ou medidas em econômico, mediante uma legislação espe-
benefício daqueles que são por eles repre- cífica ou por meio de medidas especiais. For-
sentados. (BORIN, 1988). nece a esses burocratas e políticos informa-
O primeiro cientista político a empregar ções que supostamente eles não detêm e que
o termo lobby como a busca de influenciar são essenciais para a maior clareza sobre o
decisões políticas ou a aprovação ou rejei- tema em questão. (BORIN ,1988).
ção de leis pelo Poder Legislativo foi Arthur Desse modo, os grupos de pressão utili-
F. Bentley em The Process of Government edi- zam o lobbying para esclarecer o legislador
tado em 1908. (LEMOS, 1988). ou a autoridade pública sobre as decisões
Há duas visões sobre a origem do lobby. ou propostas que possam vir a ser encami-
A primeira é a de Freire (1986), que afirma nhadas como um mecanismo operacional
que o lobby tem como origem a prática dos de persuasão. O lobbying deve ser visto como
agricultores do Estado de Virgínia, nos EUA, informação objetiva disponível para, em
que procuravam, ainda no século XIX, in- tempo hábil, instrumentar a melhor decisão.
fluenciar as decisões sobre política agrícola Para Lemos (1988, p. 49), “o lobby preci-
por meio de seus representantes, na ante- sa ser visto como a organização e a opera-
sala do edifício do Parlamento (apud ção de ‘um eficiente canal de informações
BORIN, 1988). de mão dupla’, entre a entidade que o apro-
A segunda visão é a de Graziano (1994), pria e o setor do poder que focaliza”.
que afirma que o lobby emerge no contexto A atividade inclui a coleta de informa-
americano com a política de interesses de- ções, propostas políticas, estratégias apro-
pois das eleições de 1896, bem como em con- priadas para dar suporte a tais demandas,
seqüência da derrota do movimento operá- confecção de pesquisas e a procura por ali-
rio no fim do século, que decidiu a luta de ados. O lobbying proporciona a troca de in-
classes nos EUA. formações e de idéias entre governo e partes
Dessa perspectiva, o lobbying seria um privadas, capazes de infundir nas políticas
produto de uma “homogeneização” políti- públicas conhecimento de causa e realismo
ca, e muitas de suas estratégias e todos os consciente. Seu último estágio é a pressão,
seus procedimentos específicos seriam im- momento em que o lobista deve-se valer de
praticáveis em um mundo marcado por pro- seu poder de comunicação e persuasão.
fundas divisões ideológicas. (GRAZIANO, 1994, 1996).
O lobbying surgiu como processo de diá- Essa atividade requer uma presença or-
logo entre grupos de interesses econômicos ganizada no centro de decisões de cada país.
e o governo, tendo sido apropriado por or- Segundo Graziano (1996, p. 139),

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“os lobistas e suas organizações são ses de um determinado grupo empresarial
portadores de um conhecimento espe- ou segmentos sociais organizados da socie-
cializado em suas áreas particulares dade, que exercem suas influências de for-
de atuação. Nenhum congressista, ou ma transparente, respondendo perante a
qualquer de seus assessores, tem, por Justiça por qualquer ato que exceda os limi-
exemplo, conhecimento do sistema de tes da atividade lobista, mesmo aqui, na qual
tributação pertinente à educação su- ele não é regulamentado. (BORIN, 1988).
perior comparável ao do especialista O que singulariza o lobbying e lhe confe-
em assuntos fiscais contratado pelas re imensa complexidade é a sua fluidez.
sociedades científicas”. Desse modo, há diversos fatores que podem
Apesar de ser encarado com desconfi- contribuir para a dificuldade no estabeleci-
ança e associado ao abuso do poder econô- mento de um padrão rígido de classifica-
mico (em função da necessidade de recur- ção. Esses fatores são: o caráter transitório
sos de monta para pessoal e infra-estrutura de alguns interesses defendidos, as alian-
envolvidos no fornecimento de informações, ças efêmeras entre setores da sociedade em
relatórios, pesquisas, elaboração de estatís- torno de interesses convergentes e o surgi-
ticas, promoção de debates e eventos espe- mento de novos interesses na sociedade.
ciais, propaganda), segundo Figueira (ARAGÃO, 1992).
(1987), o lobby desempenha destacado pa- As estratégias empregadas na atividade
pel como força social de aproximação entre de lobbying variam, qualificando diferenci-
a sociedade e o Estado. adamente os lobbies. Contudo, criar catego-
De nosso ponto de vista, o lobbying é um rias explicativas sobre o lobbying é tarefa
aspecto inerente à política democrática e ao complexa, já que a atividade se compõe de
repertório de seus instrumentos, uma vez um emaranhado de práticas justapostas ou
que, interconectadas que ocorrem simultanea-
“Originário do próprio mecanismo mente.
democrático, a essência do lobby é a Apesar de acreditarmos que o lobbying
informação direta, a visão aprofunda- desempenha destacado papel como força
da de um fato ou situação, suas ra- social de aproximação entre sociedade civil
zões, conseqüências ou implicações, e Estado ao possibilitar a participação dos
próximas ou remotas. Seu relaciona- grupos de pressão no processo de tomada
mento orgânico com a prática demo- de decisões, ele carrega um estigma de mar-
crática baseia-se no consenso univer- ginalidade que não pode ser desprezado.
sal que nega a onisciência dos agen-
tes governamentais, assim como dos 2. A face negativa do lobbying
demais partícipes da sociedade e, ao
mesmo tempo, indica ser altamente Por aproximadamente quinze anos, o
salutar o exame de todas as informa- termo lobbying foi utilizado quando a im-
ções precedentemente a qualquer to- prensa se referia à corrupção e tráfico de
mada de posição. O que faz do lobby influência, o que desgastou o termo, crian-
uma prática racional por excelência e do um estigma de marginalidade que, hoje,
obrigatoriamente responsável pelas longe de ter sido superado, ainda envolve a
conseqüências que vier a gerar”. atividade.
(LEMOS, 1988, p. 49). Bem documentado pela imprensa, o ter-
No Brasil, o lobbying é reconhecido como mo lobbying, não raro, é utilizado com im-
atividade de relações públicas, de assesso- precisão. Algumas vezes é usado como si-
res parlamentares, de jornalistas e profissi- nônimo de pressão simples, tráfico de influ-
onais liberais, identificados com os interes- ência ou corrupção. Outras vezes, é tomado

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como prática exclusiva de grandes corpora- para o encaminhamento de processos ao
ções que utilizam seu poder econômico para Ministério. Ao receber informações privile-
alcançar seus objetivos. giadas dos funcionários federais, informam
O estigma que o lobbying carrega está re- aos prefeitos e governadores quais verbas
lacionado ao fato de a atividade aparecer serão liberadas e como devem proceder para
associada a escândalos, a licitações direci- ter acesso a essas verbas.
onadas, propinas e obras superfaturadas. E Apesar de entendermos lobby como sa-
os protagonistas dessas histórias, no Brasil ber especializado e informação privilegia-
e no exterior, têm sido na maioria das vezes da, sabemos – como o estudo de Bezerra
empresas e autoridades públicas. Esses fa- (1999) mostrou, e como a imprensa noticia
tos reforçam a imagem do lobby como ilegíti- cotidianamente – que o lobbying nem sem-
mo e ilegal. pre é praticado da maneira ideal.
Hoje, a palavra lobbying carrega um sig- Além das práticas ilegais propriamente
nificado tão negativo que os próprios pro- ditas, o lobbying apresenta algumas carac-
fissionais da área preferem utilizar outros terísticas que podem ser vistas como dano-
termos para descrever sua atividade. sas a uma sociedade democrática e iguali-
Alguns autores mostraram em seus tra- tária.
balhos uma face do lobbying realizado no Em primeiro lugar, gostaríamos de res-
Brasil que se utiliza da corrupção e tráfico saltar os investimentos de monta que devem
de influência para a representação de inte- ser feitos para qualquer tipo de ação de
resses. (BORIN, 1988; FIGUEIRA, 1987; lobbying.
BEZERRA, 1995, 1999). Apesar de o lobby público no Brasil não
Bezerra (1999) mostrou a atuação dos ser forte, como Aragão (1992) afirma, ideal-
escritórios de lobby e consultoria na libera- mente, qualquer grupo de interesse ou pres-
ção de verbas dos Ministérios para prefeitu- são pode-se associar a outros de mesmo tipo
ras municipais e governos estaduais utili- e que apresentem os mesmos ideais e mon-
zando-se da intermediação de parlamenta- tar uma estratégia de lobbying no Congresso
res. O que se vê são redes de relações pesso- Nacional. Desse ponto de vista, há condi-
ais atuando sobre o trâmite dos pleitos, que ções iguais para todos, o que reforçaria o
envolvem Ministros, deputados, senadores, interesse público.
assessores parlamentares, funcionários fe- Porém, nem todos têm condições finan-
derais, técnicos, prefeitos e governadores. ceiras e estrutura para realizar a atividade
Mostra também como as grandes empreitei- de lobbying.
ras montam esquemas de influência para a O fato de que apenas alguns segmentos
liberação de verbas, utilizando-se ou não da sociedade são aptos a implementar uma
dos serviços dos escritórios de lobby e con- ação de lobbying leva a um desequilíbrio na
sultoria. esfera da representação de interesses. O ide-
Para dar agilidade aos pleitos, os funci- al seria que todos os segmentos da socieda-
onários recebem presentes e dinheiro dos de – sejam eles de trabalhadores ou de em-
assessores parlamentares e lobistas, que presários, grupos ambientalistas ou feminis-
“acompanham” os processos do interesse tas – tivessem as mesmas condições de im-
de seus clientes. plementar uma ação de lobbying. No entan-
Mas as atividades dos escritórios de to, não é o que a realidade nos mostra.
lobby não dizem respeito apenas ao “acom- Um exemplo bastante simples dessa ar-
panhamento” dos processos. Muitas vezes gumentação reside nas diferenças com rela-
esses escritórios são responsáveis pela ela- ção à estrutura que possuem a CNI e o DIAP.
boração do projeto e pelo encaminhamento A CNI dispõe de recursos financeiros mui-
das providências burocráticas necessárias tas vezes maiores que os do DIAP. E isso

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ocorre porque o DIAP, além de não ser agra- fluência política e, portanto, um poder de
ciado com a contribuição sindical das transformação que nem sempre os mesmos
Federações e Sindicatos da Indústria, depen- possuem.
de da mensalidade de seus associados para A não regulamentação da atividade tam-
se manter. bém contribui para que o estigma se perpe-
Desse modo, é inegável que o lobbying tue, já que não há impedimentos legais para
apresenta um formato de articulação de in- aqueles que exercem a profissão de maneira
teresses que acentua as divisões sociais e inapropriada.
favorece os grupos que possuem maiores Existe certo desconforto com relação à
recursos financeiros. atividade, e isso é inegável. Quanto menos
Outra questão que deve ser levantada ideologizada e mais particularista nossa
está relacionada à prática dos lobistas. Ao sociedade se torna, mais necessária se faz a
defender interesses específicos e muitas ve- discussão em torno do lobbying, pois o seu
zes particularistas, o modo lobista de influ- crescimento é inevitável.
enciar decisões incide negativamente sobre Apesar de não apresentar, hoje em dia,
as possibilidades de alargamento da prote- um estigma de marginalidade tão forte quan-
ção social promovida pelo Estado, uma vez to o do lobbying brasileiro, nos EUA o
que coíbe coalizões amplas e duradouras. lobbying também é visto de maneira negati-
Todos esses fatos conjugados reforçam va. Ele não possui a mesma legitimidade da
ainda mais um grande preconceito que exis- representação eleita e, segundo Graziano
te com relação à atividade. Dependendo do (1996), muitas dúvidas e suspeitas continu-
segmento social que implementa a prática, am a rondar a atividade e seus participantes.
esse preconceito aumenta ou diminui. Na Europa, o lobbying também é visto de
Se o lobbying é realizado por um grupo maneira negativa e jamais foi regulamenta-
de pressão do setor financeiro, é um lobby do. Na França, o lobbying é visualizado
do mal e, portanto, ilegítimo. Porém, se o como uma atividade liberal e não está sujei-
lobbying é realizado por um grupo de pres- to a leis particulares. A profissão de lobista
são que congrega os interesses de trabalha- é classificada como “liberal e independen-
dores ou de uma ONG ambientalista, então te” e cursos de formação específicos, como o
o lobbying realizado é considerado do bem ministrado pelo Instituto de Estudos Políti-
e, portanto, louvável. cos de Paris, já se encontram em funciona-
Com relação ao lobbying privado, o pre- mento. Apesar da tendência à profissiona-
conceito é ainda maior, pois ele é rapida- lização da atividade, denotada pelo ofereci-
mente relacionado ao abuso de poder eco- mento de cursos de formação, o Parlamento
nômico e à defesa de interesses egoísticos Francês, diferentemente do Europeu, não
ou particularistas. No entanto, como é visto reconhece a atividade.
o lobby público? O lobbying de alguns seto- O Parlamento Francês não registra lobis-
res governamentais é particularista, porém, tas, impedindo seu acesso às salas de reu-
não é visto como tal. niões, documentos e parlamentares nos cor-
De nosso ponto de vista, isso ocorre, pois redores, o que evidencia não só que a ativi-
não se vê o próprio Estado como lobista, dade não é reconhecida, como também não
defendendo interesses particularistas em seu é bem-vinda.
próprio bojo. Se é Estado, o interesse públi- Hoje em dia, há um movimento crescen-
co vem em primeiro lugar e não há discus- te de lobbying no Parlamento Europeu em
sões sobre sua legitimidade ou não. Bruxelas. Grandes escritórios de Public
Os lobistas são os mais afetados por esse Affairs, como a Burson-Marsteller, possuem
preconceito. A sociedade os vê de maneira escritórios em Bruxelas. Estima-se que haja
negativa, pois lhes é atribuída imensa in- até três mil escritórios de consultoria e

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lobbying em ação. No entanto, o formato é li- Segundo Lemos (1988), até muito recen-
geiramente diferente do lobbying americano.* temente, o setor produtivo viveu na estreita
Assim como a opinião pública tem uma dependência do governo ou “de figuras de
visão negativa acerca do lobbying, os parla- poder”.
mentares também oferecem resistência à sua Essa relação tão próxima entre o setor
prática e conseqüentemente à sua regula- produtivo e as figuras de poder gerou a com-
mentação. Existe certo preconceito com re- pra de acessos e resultados e uma série de
lação à atividade. Aragão (1992) divide os acordos escusos foram travados. A essas
tipos de resistência oferecidas pelos parla- negociatas a imprensa deu o nome de lobby.
mentares em quatro: A relação entre lobby, corrupção e tráfico de
– Ideológica: um parlamentar do PT não influência estava traçada e a mídia passou
se sente confortável com uma abordagem de a denunciar essas negociatas utilizando-se
um representante não-parlamentar da UDR. erroneamente do termo.
– Funcional: o parlamentar considera o A mídia, apesar de estar prestando um
lobista como uma espécie de concorrente, importante serviço à sociedade civil ao de-
tanto como impulsionador da atividade le- nunciar práticas escusas, ao utilizar o ter-
gislativa quanto representante de interes- mo lobby de maneira indistinta acabou por
ses econômicos/sociais concorrentes aos mistificá-lo. O termo passou por um desgas-
seus; te prematuro, já que foi utilizado como sinô-
– Profissional: o parlamentar assume o nimo de corrupção e tráfico de influência.
papel do lobista e concorre profissionalmen- De nosso ponto de vista, foi inapropria-
te com os agentes de grupos de pressão; do utilizar o termo lobby como sinônimo de
– Ética: o parlamentar teme sobre a lisu- corrupção e tráfico de influência, pois
ra e legalidade das ações dos grupos de pres- lobbying e regimes ditatoriais não se conju-
são e seus agentes na defesa de interesses. gam. Um sistema político em que as deci-
A criação do estigma de marginalidade sões são centralizadas e o Poder Legislativo
do lobbying teve início na década de 70 e é fraco não apresenta um ambiente adequa-
está intrinsecamente relacionado à estrutu- do para o desenvolvimento do lobbying. Ali-
ra do Estado brasileiro. ado ao desconhecimento sobre a atividade,
Durante a ditadura militar, o Congresso todo tipo de confusão foi propiciada sobre o
foi extremamente enfraquecido e o atendi- termo.
mento de demandas, assim como a formu- Portanto, acreditamos que lobbying e cor-
lação de políticas públicas, tornaram-se atri- rupção e lobbying e tráfico de influência são
buição do Poder Executivo. Além disso, o atividades completamente distintas que não
processo de tomada de decisões e as infor- podem ser conjugadas. Rejeitamos termos
mações que subsidiariam essas decisões eram como lobbying antiético, lobbying do mal ou
muito centralizados. É a partir desse contex- lobbying negativo.
to que surge a figura do “amigo do Rei”. Sendo assim, atividades que não se uti-
A compra de acessos e resultados era lizam de uma representação técnica, pauta-
uma constante e para isso bastava ter bons da pelo oferecimento de informações impar-
contatos, ou seja, ter acesso ao “amigo do ciais e confiáveis e que propiciem uma aber-
Rei”. Conhecer ministros influentes ou mi- tura de canais de comunicação com o go-
litares em cargos estratégicos era essencial verno, não podem ser caracterizadas como
para o sucesso do lobista. No entanto, todo o lobbying. Crimes como a corrupção e o tráfi-
processo se desenrolava na clandestinidade. co de influência, apesar de terem sido con-
*
Informações sobre o lobby europeu acessadas siderados como sinônimos de lobbying du-
pelo site: <http://td257.hospedagemweb.com.br/ rante a ditadura militar, não o são, e, por-
bastidores/bastidores11.htm>. Acesso em 05 jan. tanto, devem ser punidos.
2004.
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3. O desenvolvimento do A maioria dos trabalhos sobre políticas
lobbying no Brasil sociais foi escrita nas décadas de 70 e 80.
No entanto, isso não quer dizer que não
Pouco foi escrito sobre lobbying no Bra- havia grupos de pressão atuando no cená-
sil. Existem alguns estudos efetuados, em rio nacional antes disso.
sua grande maioria, por profissionais das Segundo Figueira (1987), no século pas-
áreas do Direito, Administração, Jornalis- sado já havia lobby no Brasil e o movimento
mo e Relações Públicas. (LODI, 1982, 1986; da abolição da escravatura é um bom exem-
FIGUEIRA, 1987; LEMOS, 1988; BORIN, plo.
1988; ARAGÃO, 1992, 1994; VIANNA, 1994, Aragão (1994), por sua vez, acredita que
1995; RODRIGUES, 1996; BEZERRA, 1999). no século XIX já se praticava lobbying n o
Bezerra (1999) e Vianna (1995) assim Brasil e cita como exemplo as práticas da
como Aragão (1992) são alguns dos poucos Associação Comercial do Rio de Janeiro, que
representantes da academia a estudar o começou a se organizar em 1808 com o obje-
lobbying no Brasil. Bezerra (1999), um an- tivo de defender e cooperar ativa e constan-
tropólogo político, ao discutir o processo de temente com relação a tudo quanto pudesse
negociação para o orçamento da União, es- concorrer para o desenvolvimento das clas-
barra nos escritórios de lobby e consultoria ses que representava.
atuantes em Brasília, fazendo uma análise O autor lembra a atuação da Associação
em que lobby e corrupção estão fortemente Comercial da Bahia, fundada em 1811, e que
ligados. Vianna (1995), com o objetivo de em vários casos atuou em defesa dos inte-
desvendar os fatores de natureza política resses de seus associados e de entidades
que dificultam a concretização do modelo coligadas, perante o Congresso Nacional
universalista de seguridade social inscrito durante a Primeira República.
na Constituição de 1988, afirma que há uma Além dos estudos acadêmicos escassos,
americanização (perversa) da seguridade eventos voltados para a discussão do tema
social no Brasil e utiliza-se do lobbying como não aconteceram em profusão.
categoria explicativa. Aragão (1992), por sua A preocupação com o fenômeno, embo-
vez, produziu um dos mais completos tra- ra não seja nova, só tem-se manifestado em
balhos sobre grupos de pressão já escritos. eventos esparsos. Um desses eventos foi a I
Uma das razões para o pequeno interes- Conferência Nacional da OAB em 1958, que
se da academia sobre o lobbying reside no incluiu o tema “Advocacia e Poder Legisla-
fato de uma insistência demasiada dos pes- tivo: Lobbying”.
quisadores em uma perspectiva estatista, A tramitação de leis – como a criação da
que Vianna (1994) chama de européia. Se- Petrobrás, o Código Brasileiro de Radiodi-
gundo a autora, além de reduzida, a produ- fusão, o Estatuto do Trabalhador Rural, to-
ção acadêmica parece sofrer de um certo das aprovadas antes do golpe militar de
preconceito, pois diversos trabalhos que 1964 – teve a decisiva participação dos
abordam a atuação de grupos sociais e/ou grupos de pressão na sua aprovação.
setores empresariais na defesa de seus inte- (ARAGÃO, 1992).
resses procuram referenciais analíticos Durante a ditadura militar, a atuação de
alheios à questão do lobismo, contribuindo grupos de pressão era restrita devido à cen-
para mantê-la num certo limbo teórico. tralização do processo de tomada de deci-
Segundo a autora, a literatura recente sões no Executivo, o que resultou na fragili-
sobre políticas sociais acentua o papel dos dade do Poder Legislativo. Essa centraliza-
interesses diversificados na situação atual ção, porém, não impedia que certos grupos
sem associá-lo ao lobbying como fenômeno pressionassem o Poder Executivo, a fim da
mais geral. obtenção de suas demandas.

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O regime autoritário levou a cabo a mo- relações públicas. Nessa época, profissio-
dernização econômica do Brasil. Criou in- nais de relações públicas defendiam uma
teresses, ao mesmo tempo em que impedia espécie de reserva de mercado no exercício
ou fragmentava suas vias de expressão, das atividades profissionais como lobistas.
mudando assim a relação tradicional entre Esteve presente também o Senador Marco
o Estado e a sociedade civil. (VIANNA, Maciel, que posteriormente, em 1984, foi o
1995). primeiro parlamentar a tomar a iniciativa
Deu-se então a interrupção de um vigo- de propor uma lei que regulamentasse a ati-
roso processo associativo que tendia a se vidade.
fortalecer na medida em que a prática de- Outro evento organizado na mesma oca-
mocrática continuava a ser exercida pela sião foi um seminário, promovido pela Uni-
sociedade. Segundo Schmitter (1971 apud versidade de Brasília, intitulado: “Lobby e
ARAGÃO, 1992), não existia no Brasil pré- Grupos de Pressão”. Professores, profissio-
64 um genuíno pluralismo na organização nais e parlamentares avaliaram a legitimi-
dos interesses no país. dade do lobbying.
No entanto, o golpe militar teve ampla Para Aragão (1994), um reflexo da im-
sustentação por parte de setores organiza- portância dessa nova realidade é o fato de
dos da sociedade civil, revelando a interfe- algumas entidades empresariais buscarem
rência dos grupos no sistema político do o Congresso para a defesa de seus interes-
país. ses. Seguem alguns exemplos:
Durante sua vigência, há um grau bas- 1) Disputa de 1978 a 1980 entre distri-
tante alto de interferência por parte do Esta- buidores de veículos e montadoras, que ter-
do na vida brasileira. Calcula-se que, ao fim minou com um acordo de paz intermediado
do regime militar, existiam mais de 150 mil pelo Palácio do Planalto.
normas, entre leis, decretos-lei, decretos, 2) Disputa entre plantadores de frutas,
atos, portarias e circulares, regulando pra- notadamente de cítricos, e produtores de
ticamente todas as atividades no país, prin- refrigerante, em 1975. Os plantadores que-
cipalmente a econômica. riam estabelecer um percentual de suco de
Uma reportagem da revista Visão, pu- frutas nos refrigerantes.
blicada em 12/11/1973, chama a atenção 3) No fim dos anos 70 e início dos 80,
para a atuação dos grupos de pressão no uma disputa entre transportadores de car-
Congresso. Tinha como título: Lobby à Bra- gas, nacionais e multinacionais, encerrou-
sileira. (ARAGÃO, 1994; VIANNA, 1995). se com o veto presidencial ao projeto de lei
A Gazeta Mercantil, em 2/7/1980, pu- que permitia a entrada de empresas multi-
blica a matéria intitulada: Lobby: no Brasil, nacionais no setor.
uma instituição tão antiga quanto Brasília. 4) A indústria da comunicação mobili-
Seu autor narra casos de lobismo explícito. zou-se entre 1978 e 1984 para impedir a
Em 1982, a questão dos lobbies motivou a aprovação de projeto que bania a propagan-
publicação de mais de cinqüenta matérias e da de cigarros na televisão (ARAGÃO,
artigos na imprensa. (VIANNA, 1995). 1992).
Além do grande número de matérias e Segundo Aragão (1992), do ponto de vis-
artigos na imprensa, 1982 foi um ano propí- ta econômico, o pacto entre o alto empresa-
cio à realização de eventos sobre o lobbying. riado e o regime militar havia chegado ao
O VII Congresso Brasileiro de Relações fim, agravado pelos choques do petróleo nos
Públicas trouxe especialistas americanos, anos 70 e a redução dos empréstimos exter-
entre eles, Phillip Kotler, um proeminente nos, determinando o encerramento do ciclo
autor da área, que ressaltou o aspecto pro- desenvolvimentista conhecido como o mi-
fissional do lobbying para o profissional de lagre brasileiro.

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Apesar da excessiva intervenção e regu- sores em favor de seus interesses, o que ga-
lamentação do Estado na economia, o regi- nhou visibilidade no período de atuação da
me militar perdeu a capacidade de arbitrar Assembléia Nacional Constituinte.
o conflito entre diversos grupos empresari- Em um regime democrático, a atuação
ais e os conflitos entre capital e trabalho e o dos grupos de pressão é essencial, uma vez
aumento da pressão política e econômica que garante e defende efetivamente os inte-
dos sindicatos de trabalhadores a partir de resses de minorias que o regime representa-
1978 aliado a outros fatores como o início tivo não tem condições de abarcar.
de um ciclo de crise econômica com o au- O fortalecimento do Congresso Nacional
mento da inflação, a perda do poder aquisi- como esfera decisória foi vital para esse pro-
tivo da população e a ocorrência de choques cesso. Segundo declaração do lobista
econômicos com os sucessivos planos hete- Alexandre Paes dos Santos à revista Senhor
rodoxos com congelamento de preços e ele- de 31/8/1983, o lobby tende a se expandir
vação de tarifas públicas contribuíram para com o fortalecimento da influência dos re-
o início do período de abertura política: len- presentantes eleitos. Segundo ele, “há 20
ta, gradual e irrestrita. (ARAGÃO, 1992). anos, não há lobby no Congresso. Agora, como
Nos anos que antecederam a Constitu- a oposição fortaleceu-se, o lobby começou a
inte, de fato, as condições propiciadoras do tornar-se importante. E os amadores estão
lobbying se consolidaram. Podemos ressal- perdendo terreno”. (SANTOS, 1983, p. 49).
tar dois fatores: a) diversificação de instru- A democracia trouxe novos atores à are-
mentos e canais de comunicação entre seg- na decisória e os aspectos processuais da
mentos, principalmente empresariais e o tomada de decisão foram muito alterados.
Congresso; b) fragmentação crescente des- Dessa forma, o Congresso passa a ter um
sa representação. (VIANNA, 1995). poder sem precedentes na formulação de
Em 1982, os grupos de pressão possuí- políticas.
am mais visibilidade no Congresso Nacio- Segundo Aragão (1992), foi a partir das
nal, principalmente os grupos empresariais, eleições de 1982 que o empresariado passa
pois, com a vitória do PMDB nas eleições a se preocupar com a oposição no Congres-
para a Câmara dos Deputados e as vitórias so, porém, antes, algumas entidades já rea-
oposicionistas no Rio de Janeiro, São Paulo lizavam serviços regulares de monitoramen-
e Minas Gerais, o empresariado temia a as- to legislativo. Destacavam-se as seguintes
censão das oposições ao poder. entidades: CNI (Confederação Nacional da
Em 1983, era possível perceber uma li- Indústria), CNC (Confederação Nacional do
geira diferença com relação ao processo ado- Comércio), CNA (Confederação da Agricul-
tado na representação de interesses. Embo- tura e Pecuária do Brasil), CACB (Confede-
ra o Congresso Nacional ainda fosse frágil, ração das Associações Comerciais e Empre-
os representantes ali alocados possuíam sariais do Brasil), ABERT (Associação Bra-
alguma influência. sileira de Emissoras de Rádio e Televisão),
“Conhecer os ministros é bom, mas já Federação do Comércio de São Paulo e FI-
não resolve tudo. O apoio de um parlamen- ESP (Federação das Indústrias do Estado de
tar é muito importante”, afirmou o lobista São Paulo).
José Pereira Graça Couto à revista Senhor Essa nova situação, além de motivar uma
de 31/8/1983. aproximação entre os grupos e o Congresso
Com a democratização, uma série de Nacional, leva-os a montar departamentos
agentes, pouco acostumados com o novo de assessoria parlamentar e a contratar con-
modelo de participação e carentes de canais sultores externos.
de representação política, aderiram ao O aumento da importância das assesso-
lobbying como forma de pressionar os deci- rias parlamentares e a contratação de con-

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sultores externos é um reflexo dessa nova tes, trazendo a necessidade da maior gene-
realidade. Não só as empresas e entidades ralização do discurso em detrimento de es-
de classe tratam de adquirir melhores recur- pecificidade e segmentação;
sos humanos, como o fazem também depu- 4) Existe a crença de determinados
tados e senadores que passam a depender setores do empresariado de que as lideran-
cada vez mais de assessores qualificados, ças de grandes confederações e federações
que podem interpor certas barreiras ao as- estavam “envelhecidas”, “defasadas” ou
sédio lobista, ou participar do jogo. Sendo o excessivamente condescendentes com os
lobbying uma via de mão-dupla, da mesma poderes públicos;
maneira que os lobistas pressionam os par- 5) Há a constatação de que múltiplos
lamentares, os parlamentares pressionam os canais reverberando a mesma posição são
governadores para que mobilizem suas ban- mais eficientes do que um único canal de
cadas. Nesse sentido, o papel do assessor defesa de interesses.
técnico é o de alavancar lobbies. (VIANNA, O retorno dos grupos de pressão ao Con-
1995). gresso Nacional, a partir do fim da década
No entanto, o processo de fragmentação de 70, foi facilitado pela “abertura política”
das entidades representativas não cessou. e pela real perspectiva de que as oposições
A criação do PNBE (Pensamento Nacional poderiam assumir o poder. (ARAGÃO,
das Bases Empresariais) e do IEDI (Instituto 1992).
de Estudos para o Desenvolvimento Indus- Em adendo a isso, está a luta pela rede-
trial) resultam do descontentamento de am- mocratização, com a anistia política, a reor-
plos segmentos da classe empresarial para ganização partidária, as diretas para Go-
com as entidades já existentes, como a vernador em 1982, a campanha eleitoral de
FIESP. Segundo Vianna (1995, p. 189), uma Tancredo Neves e o Colégio Eleitoral em
reportagem da revista Isto É de 14/9/1994 1985 e a Assembléia Nacional Constituinte
exemplifica esse fato. “Racha do setor eletro- entre 1987 e 1988.
eletrônico provoca a debandada de empresas O resultado do processo de redemocrati-
da ABINEE para uma nova entidade”. zação foi o fortalecimento do Congresso
Lado a lado com as entidades “guarda- Nacional como poder político e, conseqüen-
chuvas”, como a CNI e a CNC, dezenas de temente, dos grupos de pressão, que reto-
agrupamentos setoriais e lobistas de empre- maram seu lugar no processo democrático,
sas ganharam status (formal ou informal) de fazendo pressão e tentando influenciar os
representantes de interesses empresariais. legisladores.
(VIANNA, 1995). Nesse contexto, renasceu o interesse so-
Segundo Aragão (1992), após 1983, de- bre o papel institucional dos grupos de pres-
zenas de entidades empresariais de setores são, notadamente no Poder Legislativo.
específicos passaram a atuar no Congresso. Em 1988, diante da evidente atuação dos
Isso ocorreu porque: lobbies durante o funcionamento da Assem-
1) Existe uma incapacidade natural bléia Nacional Constituinte, o Instituto
das grandes entidades para tratarem, com Tancredo Neves e a Fundação Friedrich
eficiência, temas específicos de determina- Naumann realizaram um debate acerca
do setor; do tema.
2) Há necessidade de maior aproxima- Nesse período, alguns grupos de pres-
ção com o mundo político, independente- são de natureza diversa passam a atuar for-
mente dos canais de acesso das lideranças temente. Entre eles, estão alguns grupos in-
das grandes confederações; digenistas que já aparecem registrados na
3) Ocorre a existência de conflitos in- Câmara dos Deputados desde 1983. Outro
ternos, específicos de entidades abrangen- grupo interessante é o “lobby do batom”,

38 Revista de Informação Legislativa


grupo que defende as causas feministas e para a participação dos grupos de pressão
que já atuava desde os anos 70, quando os no processo decisório.
primeiros grupos feministas se registraram Diversos projetos de lei discutidos e apro-
como entidades legais. Seu trabalho foi mais vados ao longo dos anos 80 tiveram a parti-
intenso, sobretudo, durante a Constituinte. cipação decisiva dos grupos de pressão,
Questões como licença-maternidade, abor- como o caso da revenda de veículos auto-
to, pátrio-poder e muitas outras ali se motores em 1980; o aumento da contribui-
encaminhariam de forma decisiva e, portan- ção previdenciária e taxas sobre supérfluos
to, o acompanhamento era necessário. em 1981; a reserva de mercado na informá-
(VIANNA, 1995). tica em 1984; o estatuto da microempresa
A trajetória dos aposentados é similar. em 1984; proibição da demissão imotivada
Apesar de conhecidos do público pouco do trabalhador em 1983/1985; código de
antes da Constituinte, foi durante os traba- defesa do consumidor em 1990; regulamen-
lhos da Comissão Afonso Arinos que foram tação do novo salário-mínimo em 1991.
percebidos como um grupo que tinha de ser (ARAGÃO, 1992).
ouvido. Apesar do florescimento da atuação dos
O panorama apresentado denota que são grupos de pressão após o processo de rede-
os grupos de pressão empresariais que prin- mocratização, há uma questão que nos in-
cipalmente atentam para a necessidade de quieta: como países que não possuíam uma
influenciar as decisões governamentais. A democracia consolidada poderiam apresen-
questão que se coloca, no entanto, está rela- tar as condições ideais para o desenvolvi-
cionada aos meios utilizados para chegar a mento do lobbying?
esse intento. Essa questão é interessante, pois, a par-
A centralização das decisões no Poder tir de nossas investigações, vimos que o
Executivo limitou muito a chegada de desenvolvimento do lobbying no Brasil
qualquer interesse que não fosse empresari- data da década de 70 e, nesse período,
al, uma vez que tanto o Estado quanto os vivíamos sob a égide de uma ditadura
empresários não são alheios ao tratamento militar.
privilegiado que estes sempre receberam. Sendo assim, como entender a atuação
Os grupos de pressão da sociedade ci- dos grupos de pressão em um momento de
vil, em sua grande maioria, ficaram à mar- cerceamento das práticas associativas?
gem desse processo. Isso ocorreu, pois, para Segundo Lodi (1982, p. 48),
se influenciar o poder naquele período, era “durante os anos de autoritarismo, o
necessário saber quem deveria ser acessa- empresário percebeu que era mais rá-
do. A falta de transparência das informa- pido e eficaz ativar uma autoridade
ções e do processo de tomada de decisões e superior ou ‘amigo do rei’, recorren-
a centralização de poder no Executivo con- do ao sistema hierárquico, de cima
tribuíam para que apenas um pequeno gru- para baixo, do que trabalhar o setor
po de notáveis pudesse efetivamente ter al- legislativo ou as autoridades de bai-
guma influência sobre o processo de toma- xo para cima ...”
da de decisões. A afirmação de Lodi (1982) ressalta dois
Entretanto, com a redemocratização, pontos que já abordamos, ou seja, a centra-
pudemos perceber que os grupos de pres- lização do poder no Executivo e a diminui-
são afetaram o processo legislativo. Sem ção de poder do Legislativo.
maioria no Congresso e sem condições de Alguns aspectos contribuíram para a
impor suas decisões, o regime militar e as volta dos grupos de pressão ao cenário po-
oposições tiveram que negociar o andamen- lítico, e, quando nos referimos à volta des-
to de projeto de lei abrindo maior espaço ses grupos, estamo-nos referindo aos gru-

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pos de trabalhadores e aos grupos da socie- Bem-Estar, não se estabeleceram no
dade civil, que faziam lobby público. Brasil. Ao contrário, (...) a prática par-
O primeiro dos aspectos observados é o ticularizante do lobismo se impôs”.
próprio processo de redemocratização, que Para Vianna (1995), o lobbying é uma al-
faz com que todos se adaptem a uma nova ternativa ao neocorporativismo como forma-
realidade, tanto o Estado quanto a socieda- to de articulação de interesses; alternativa
de civil. O segundo aspecto é o fortalecimen- que já parece arraigada na sociedade brasi-
to do Congresso Nacional e a instalação da leira.
Assembléia Nacional Constituinte, que já Os aspectos do nosso sistema político,
foram discutidos anteriormente. ressaltados pela autora, leva-nos a concor-
No entanto, esses dois aspectos não são dar com a mesma quando afirma que o de-
suficientes para abarcar toda a realidade da senvolvimento do lobbying no Brasil se deu
representação de interesses, que é conse- a partir de uma “americanização” de nossa
qüência do período da redemocratização. política.
Podemos afirmar que a Constituição de A “americanização” da política consis-
1988 foi escrita a partir de um modelo de te na conjugação de determinadas caracte-
Estado do Bem-Estar Social, que é uma rísticas, entre elas: ambiente em que interes-
corrente européia e estatizante, e não sob a ses fragmentados e múltiplos competem por
ótica do Estado Liberal, corrente norte- maior influência sobre os processos decisó-
americana, baseada na competição dos inte- rios; predominância de demandas particu-
resses. larizadas; diminuição da atuação de gran-
Desse modo, por que se fortalece o lobbying des organizações representativas dos dife-
diante de outros modelos de representação, rentes interesses sociais e aumento da atua-
como o modelo neocorporativo, por exem- ção dos lobbies como intermediadores de rei-
plo? vindicações tópicas e a predominância da
Ao discutir as razões do desenvolvimen- competição em torno de issues pontuais.
to do lobbying no Brasil após o período de Como já afirmado, a organização do Es-
redemocratização, Vianna (1995, p. 174) tado brasileiro contribuiu para o desenvol-
elenca algumas características de nosso sis- vimento do lobbying, uma vez que: apresen-
tema político, as quais, em sua opinião, con- ta extrema permeabilidade ao particularis-
tribuíram para o desenvolvimento do mo; tem pouco poder de enforcement; possui
lobbying. A autora afirma que partidos políticos fracos; demonstra um des-
“No Brasil, nunca houve partido com virtuamento das funções legislativa e judi-
as características (e as raízes) das agre- ciária, que leva a uma certa confusão entre o
miações social-democratas européias; que é público e o que é privado (privatiza-
políticas keynesianas não foram pro- ção do público); e, por último, um mercado
priamente o forte das experiências de de trabalho muito heterogêneo, segmenta-
planejamento econômico no país; e, do e excludente. Todas essas questões con-
sobretudo, no campo das relações de jugadas levariam os grupos de pressão e/
trabalho e do movimento sindical, o ou interesses a aderir à prática do lobbying,
arbítrio e a segmentação corporativa negando assim a construção de pactos neo-
sempre predominaram, impedindo corporativos. (VIANNA, 1995).
que qualquer idéia de ‘pacto’ vingas- Exemplos dessa argumentação podem
se. Desse modo, os formatos neocor- ser buscados na atuação dos grupos de pres-
porativos e concertacionais de orga- são dos trabalhadores e empresários. A atu-
nização dos interesses e de influência ação do movimento sindical brasileiro apre-
sobre os processos decisórios, decisi- senta um padrão de demanda pulverizado
vos para a consolidação do Estado de e insulado, e o empresariado sofreu com a

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crescente fragmentação de suas entidades Com a consolidação da democracia no
representativas. A criação do PNBE e do Brasil e uma maior transparência das infor-
IEDI é resultado dessa fragmentação e da mações, sobretudo por parte do Poder Le-
pulverização de entidades de representação gislativo, a sociedade civil tem percebido as
de interesses do empresariado. As discor- vantagens de apresentar propostas e ofere-
dâncias entre a CUT (Central Única dos Tra- cer sua opinião aos tomadores de decisão
balhadores), a CGT (Confederação Geral dos com o intuito de contribuir com o processo
Trabalhadores) e a Força Sindical também de elaboração de políticas públicas no país.
podem ser apontadas. Esse fato tem criado um nicho de mercado
Os anos 2000 trazem uma perspectiva em expansão e, em conseqüência disso, o
bastante animadora para o lobbying no Bra- número de escritórios de consultoria e
sil. Parece-nos que a sociedade civil como lobbying tem crescido, seu número de funci-
um todo e não mais apenas o capital indus- onários também, assim como sua estrutura
trial e financeiro perceberam que é impor- física.
tante ter seus interesses representados de Além dos pontos levantados, não pode-
forma profissional. mos deixar de ressaltar a constatação do ele-
Hoje, existem centenas de profissionais vado nível de qualificação da mão-de-obra
trabalhando na esfera de representação de dos escritórios de consultoria e lobbying, que,
interesses no Brasil e esse número tem cres- em geral, é composta por recém-formados
cido consideravelmente. em Ciência Política, Sociologia, Jornalismo,
Aragão (1992, p. 86) afirma que “a pro- Relações Públicas, Economia, Administra-
fissionalização dos esforços de defesa de ção de Empresas e Relações Internacionais
interesses no Congresso Nacional é fenôme- pela UnB. Não raro, esses recém-formados,
no recente, ocorrido com maior vigor após a antes de comporem os quadros funcionais
derrubada do regime militar em 1985”. dos escritórios de lobbying e consultoria, fo-
Contudo, ainda que recente, não pode- ram estagiários em algum órgão público fe-
mos deixar de notar alguns pontos que, se deral, como a Câmara dos Deputados, o Se-
considerados conjuntamente, apontam-nos nado Federal e até a Presidência da Repú-
uma forte tendência de profissionalização blica.
da atividade no Brasil. Esses jovens lobistas, que aliam forma-
Uma das questões mais importantes e ção acadêmica e conhecimento prático da
que nos chamaram a atenção no curso de profissão, são um novo dado que não pode
nossa investigação foi o crescente número ser desprezado.
de lobistas que haviam procurado maior Porém, sem a regulamentação da ativi-
aporte acadêmico, procurando realizar cur- dade, que criaria limites éticos e contribui-
sos de pós-graduação em nível de especiali- ria com a transparência necessária para ar-
zação e até mestrado. A UnB oferece um cur- refecer o estigma de marginalidade do
so de especialização em Assessoria Parla- lobbying, sua profissionalização estará sem-
mentar e vários lobistas entrevistados, as- pre comprometida.
sim como seus funcionários, haviam reali-
zado esse curso. 4. Considerações finais
Além da grande procura pelos cursos de
especialização em Assessoria Parlamentar, A atividade de lobbying, independente-
já se pode encontrar na Internet páginas dos mente do formato que assuma, é essencial
escritórios de consultoria e lobbying – que em sociedades democráticas. Isso porque os
anteriormente não constavam sequer da lis- tomadores de decisão são confrontados com
ta telefônica –, anunciando como agem e uma complexa rede de interesses e a infor-
quais são as estratégias de ação utilizadas. mação técnica que os lobistas levam a eles é

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bastante importante, pois subsidia sua aná- tadas de acordo com a profundidade do
lise sobre o melhor caminho a seguir. O pro- debate travado.
cesso de lobbying transforma-se assim em Ao defender um interesse no Congresso
uma via de mão dupla, pois, ao fornecer in- Nacional, os grupos de pressão têm grande
formações imparciais, confiáveis e compro- chance de vê-lo se transformando em leis,
váveis aos tomadores de decisão, os grupos que podem regulamentar todo um setor pro-
de pressão estão construindo um importan- dutivo, criando oportunidades ou evitar ris-
te canal de interlocução com o Estado, que, cos para comunidades inteiras. O resultado
por sua vez, por intermédio de seus agen- do lobbying, dessa maneira, é seguro e dura-
tes, quando considerar oportuno, demanda- douro, além de legítimo.
rá informações dos grupos de pressão e os De nosso ponto de vista, foi inapropria-
convidarão a participar do processo de to- do utilizar o termo lobby como sinônimo de
mada de decisão. corrupção e tráfico de influência, pois
Envolto por um forte estigma de margi- lobbying e regimes ditatoriais não se conju-
nalidade, o lobbying no Brasil é comumente gam. Um sistema político em que as deci-
confundido com corrupção e tráfico de in- sões são centralizadas e o Poder Legislativo
fluência, como ressaltamos várias vezes ao é fraco não apresenta um ambiente adequa-
longo do texto. No entanto, não apresenta do para o desenvolvimento do lobbying. Ali-
nenhuma semelhança com esse tipo de prá- ado ao desconhecimento sobre a atividade,
tica ilícita. todo tipo de confusão foi propiciada sobre o
Um dos argumentos mais fortes sobre termo.
essa diferença está centrado na possibilida- Portanto, acreditamos que lobbying e cor-
de da obtenção de resultados duradouros rupção e lobbying e tráfico de influência são
que a utilização do lobbying garante. atividades completamente distintas que não
Ao grupo de pressão cabe escolher qual podem ser conjugadas. Rejeitamos termos
o melhor caminho a ser trilhado. Se esco- como lobbying antiético, lobbying do mal ou
lher o caminho da corrupção e tráfico de lobbying negativo.
influência, além dos altos custos financei- Com a consolidação do lobbying no sis-
ros, o grupo de pressão deve ter consciência tema político brasileiro, sobretudo após o
de que, toda vez que o assunto voltar a apre- período de redemocratização do país, cria-
sentar riscos ou oportunidades, relações se um nicho de mercado para os lobistas.
espúrias deverão ser retomadas e mais di- No entanto, enquanto a opinião pública
nheiro será gasto. Portanto, o uso da cor- não for informada sobre o significado real
rupção e tráfico de influência, apesar de tra- da atividade de lobbying no Brasil, ele nun-
zer resultados mais imediatos, a longo pra- ca poderá ser encarado como deveria, ou
zo se torna incerto e perigoso. seja, como um instrumento essencial para a
Se escolher o caminho do lobbying, além elaboração de políticas públicas no Brasil.
de ser informado rotineiramente sobre a tra-
mitação dos assuntos de seu interesse, po-
derá formular propostas e oferecer seu pon- Referências
to de vista, criando um canal de comunica-
ção com o governo. Além de estar bem infor- ARAGÃO, Murillo. Grupos de pressão no Congresso
Nacional: como a sociedade pode defender licita-
mado e se transformar em um interlocutor
mente seus direitos no poder legislativo. São Paulo:
do governo em seu setor produtivo ou área Maltese, 1994.
de interesse, o grupo de pressão despende-
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rém, em pouca quantidade, a fim de ver suas seus procedimentos e legislação pertinente. Brasília,
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