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Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas (Abrapcorp)

XIII Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas - São Paulo/SP - 06 a 09/05/2019

Conceitos De Públicos Em Ambiente Digital: Uma Triangulação Entre Usuário-Mídia,


Fã Organizacional e Ator-Rede1

Polianne Merie Espindola2


Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo/RS

Nadege Lomando3
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo/RS

Resumo

Este artigo surgiu da necessidade de delimitar e diferenciar alguns termos que os alunos
utilizam em suas pesquisas quando se referem a públicos no ambiente digital. Tem o objetivo
de discutir e apresentar interpretações sobre a utilização de conceitos de públicos no ambiente
digital. Para tanto foram explicitados termos mais frequentemente utilizados na comunicação
digital. São eles: ator-rede, fã organizacional e usuário-mídia. Corroborando neste sentido, o
termo ‘interagente’ do autor Alex Primo (2003) também aparece no texto pois o mesmo possui
aspectos convergentes com os demais termos e auxilia no entendimento do perfil, ou perfis,
do(s) público(s) no ambiente digital. Este artigo não possui metodologia pois não há pesquisa
empírica, mas, de forma humildemente experimental, este artigo discute termos que
transbordam o espaço teórico-prático-metodológico e por isso não possui objeto(s). Tem como
principal resultado a sugestão de utilização dos termos na comunicação digital baseado em suas
características, funções e usabilidades.

Palavras-chave

Interagente; Ator-Rede; Usuário-Mídia; Fã Organizacional; Públicos.

Introdução

Os entendimentos sobre a atividade de relações públicas passam, de uma forma geral,


pelo foco central do relacionamento entre organizações e seus públicos de interesse, além de

1Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho (GT) Comunicação digital, inovação e tecnologias, atividade integrante do XIII
Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas.
2 Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Professora da Escola

da Indústria Criativa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. E-mail: pmespindola@unisinos.br
3 Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Professora da Escola

da Indústria Criativa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Professora curadora do curso de Relações
Públicas na modalidade online e professora orientadora da Agexcom – Agência Experimental de Comunicação da UNISINOS.
E-mail: nadege@unisinos.br.
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levar em conta um amplo entendimento do significado de organização. Ou seja, qualquer


entidade, empresa, instituição, organização ou personalidade que mantenha laços estreitos com
públicos de interesse para execução de seus objetivos.
Uma primeira discussão que se faz necessária é sobre relacionamentos, principalmente
porque:
“... com maior acesso a informação, os relacionamentos entre as pessoas e as
organizações também se alteraram-passaram a ser baseadas em uma infinidade de
informações que empoderaram as pessoas, as quais, por sua vez, passaram a influenciar
seus pares – e, dessa forma, as organizações e instituições perderam a centralidade de
suas decisões, uma vez que todos podem influir nas trajetórias organizacionais”
(FERRARI, 2016, p.140).

A posição de Ferrari (2016) corrobora com Baldissera (2009) quando o autor explicita
que, por mais que uma organização pense, reflita e planeje sua comunicação, outros agentes
tem o poder de intervir nas suas ações, pois “... a comunicação organizacional não respeita
espaços físicos delimitados (planejados), bem como não se reduz à fala autorizada pela
organização” (BALDISSERA, 2009, p.158).
O autor justifica essa proposição ressaltando ainda que “... o poder não está localizado;
atualiza-se e exerce-se no acontecer. Isso pode significar que, em diferentes momentos,
diferentes sujeitos materializam mais poder” (BALDISSERA, 2009, p.158).
Esse pensamento de Baldissera (2009, p.159) reforça o poder do sujeito levando as
organizações a tratar esse sujeito “... como parte, construindo o todo e sofrendo suas influências;
o indivíduo construindo o coletivo”.
Outro pesquisador da área que reforça esse protagonismo dos públicos de interesse
frente a comunicação das organizações é Henriques (2004) ao abordar que “... a visão
tradicional de públicos como unidades funcionais pouco dinâmicas vai cedendo lugar a uma
noção de agrupamentos em forma de rede, essencialmente flexíveis, que precisam ser
compreendidos como complexo sistemas de relacionamento” (p.12).
Essas proposições dos autores citados não deixam dúvidas quanto a relação de poder
que existe entre esses dois agentes: organizações e públicos. Assim a tão clássica função política
desenhada por Simões (2001) é extremamente atual e necessária para a discussão dos novos
termos utilizados para remeter à públicos no ambiente digital.
Levando em consideração a conceituação de público associada a ideia de relações de
poder entre organizações e público, Steffen (2008) apresenta a classificação de Matrat ([19--])
conforme a seguir.
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Tabela 1 - Tipos de Públicos de acordo com Matrat ([19--]).


Públicos que tem o poder de tomar decisões sobre as atividades da organização,
Decisão por exemplo, o Governo que tem o poder de liberar ou não o funcionamento da
organização.
Grupos cuja atuação podem, ou não, favorecer o cumprimento dos objetivos
Comportamento organizacionais, como exemplo, os funcionários, clientes e fornecedores dessas
organizações.
Públicos com poder em influências sobre as decisões das organizações,
Opinião principalmente por meio de manifestações, mesmo sem um vínculo direto com
essas organizações como por exemplo os líderes de opinião, a imprensa e na era
digital, os influenciadores.
Reúne aqueles grupos que são ouvidos pelas organizações antes da tomada de
Consulta decisões. Aqui pode-se citar, sindicatos, associações de classe, conselhos
consultivos, etc.
Fonte: Elaborado pelas autoras, inspirado em Matrat ([19--] apud Steffen, 2008).

Uma outra classificação trazida pela mesma autora ‘sob o critério de comportamento’
dentro da mesma perspectiva de relação de poder é o de Hirschmann (1970 apud STEFFEN,
2008) que aponta três categorias:

Tabela 2 - Classificação de Público de acordo com Hirschmann (1970)


São públicos que se mantém no sistema organização-públicos com intenção de
VOZ intervir nas decisões da organização, denominados pelo autor, como “públicos
com influência”.
Caracteriza aqueles que saem do sistema, “caso não legitimem as decisões da
SAÍDA organização” (Steffen, p.63, 2008). Para o autor esse “pode ser o último recurso,
caso a opção Voz não tenha êxito. O autor também ressalta que esta categoria
pode ser revertida, alternado com a classificação VOZ.
Esses são os públicos que se mantém na relação organização e público,
LEALDADE colaborando na execução da missão organizacional sem intervir nas decisões da
organização.
Fonte: Elaborado pelas autoras, inspirado em Hirschmann (1970 apud STEFFEN, 2008).

Pode-se perceber nessas duas categorias de públicos certas semelhanças, principalmente


no que tange à influência, ou não, das decisões organizacionais.
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E, após ter apresentado o constructo de poder como sendo o fio condutor da relação
entre público e organização, partiremos para a discussão dos termos recentes que atualizam o
conceito de público.

Teoria do Ator-Rede (TAR)

Sendo o mais antigo dos termos no paradigma da comunicação revisitados neste artigo,
A Teoria Ator-Rede “... pode ser definida como uma "sociologia das associações”, ou uma
“associologia” (...) possível através da identificação das associações de atores, chamados de
actantes” (HOLANDA e LEMOS, 2013, p.02). De acordo com Holanda e Lemos (2013, p.02)
inspirados em Greimas (1974):
Actantes são agentes, humanos ou não, mobilizados para a composição
de redes temporárias engajadas em programas de ação. (...) Os actantes
buscam, com muito esforço, estabilizar essas redes em “caixas-pretas”,
instituições, normas, hábitos, estruturas. Essas “pontualizações” não
podem ser tomadas como categorias de explicação a priori das
associações, mas como consequência temporária de uma rede de
distribuição e de estabilização de agências (grifo do autor).

Neste sentido, conforme Latour (1991 e 1994) abordado em Holanda e Lemos (2013,
p.03), “O ator-rede é transiente e só persiste enquanto mantem-se as associações entre os
diversos actantes mobilizados”. A mediação – ou os rastros – é que devem ser analisados.
“Nesse sentido, existem diversos graus de atuação. Ora um elemento da rede é mero
intermediário, que transmite informação sem modificar a ação, ora é mediador, modificando
substancialmente o resultado da ação” (HOLANDA e LEMOS, 2013, p.04).
Neste sentido discutiremos o ator-rede na perspectiva de algumas das sete contribuições
da TAR, de acordo com Holanda e Lemos (2013). Sendo elas:
1. Contra a pureza dos fatos;
2. As redes atravessam fronteiras;
3. Mediação é sempre deslocamento e transformação;
4. A credibilidade é estabilização temporária da composição;
5. Jamais abandonar o empírico em favor de estruturas;
6. Do paradigma aos cosmogramas;
7. Identificar e abrir caixas-pretas.

No entanto, neste artigo, vamos nos deter na perspectiva das redes atravessarem
fronteiras. Posto que o conceito de rede ainda é utilizado da mesma forma, mantendo sua
ambiguidade entre conexões ‘técnicas’ e/ou associações entre pessoas. “... todas as redes de
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atores, incluindo aí a comunicação, atravessam livremente quaisquer fronteiras artificiais entre


natureza, sociedade e discurso” (HOLANDA e LEMOS, 2013, p.05).
Esta não limitação aos laços humanos é essencial na lógica de públicos pois as relações
de poder na comunicação digital são entre coisas e/ou pessoas. A mediação é tão importante
quanto o emissor e/ou receptor.
Outra perspectiva importante aqui é justamente sobre a mediação que é sempre
deslocamento e transformação.
“… a mediação é sempre tradução e, portanto, um deslocamento do
sentido. Quando não se considera a mediação como característica
central do trabalho da mídia, esta termina sendo criticada ora por deixar
passar o discurso do poder, revelando-se um mero intermediário, ora
pela razão oposta, por tornar explícita a sua interferência
(infidelidade)” (HOLANDA e LEMOS, 2013, p.09).

Não há isenção neste processo, há uma retroalimentação da produção de sentido


apoiada nas experiências, ruídos, perspectivas e lógicas das mediações. É um processo
em constante transformação.
Nesta lógica esta proposição nos leva a próxima perspectiva: A credibilidade é
estabilização temporária da composição. Nela, a credibilidade do discurso e a relação
de poder entre público(s) e organização é constituída por uma rede de referências que
levam a uma única ideia de verdade (HOLANDA e LEMOS, 2013). No entanto, fica
aqui a provocação desta contribuição da TAR posto que tanto a credibilidade quanto a
verdade pode ser colocada em xeque e a mesma ser deslocada para outra rede de
mediações. Refutações, hipóteses, argumentos e questionamentos são sempre pontos de
tensão nesta relação de poder no público digital onde não deveria se assumir uma
verdade absoluta.
Além destas contribuições é importante lembrar que, no sentido da comunicação
digital atual, a mediação, relação de poder, credibilidade e “fronteiras” ainda se dá na
lógica da caixa preta.
Caixa-preta é, neste contexto, uma expressão que Bruno Latour toma
de empréstimo da cibernética e significa um ocultamento dos
mecanismos internos de um sistema, isto é, o resultado de uma atitude
de tornar opacos os processos funcionais que transformam um dado em
outro (CARDOSO, 2015, p.80).

Neste sentido o que está posto nesta caixa preta se estabilizou como verdade absoluta.
Assume-se aqui que independentemente das relações de poder entre públicos e organização,
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neste cabo de guerra a organização tem o poder sempre de vencer pois alguns aspectos são
ocultados do público em geral. Seja por que refuta ou põe em xeque sua verdade absoluta, seja
por que a lógica do ‘sempre foi assim’ prevalece ou um senso comum de que,
independentemente do que seja feito por parte dos públicos, há uma foça maior que impede que
o mesmo possa realmente ganhar nesta relação de poder.
Pode-se refletir nesta perspectiva observando a hashtag #GoldenShower no Twitter, por
exemplo. Tudo se iniciou após post do atual presidente da república do Brasil.

Imagem 1 – Bolsonaro no Twitter

Disponível em: https://twitter.com/hashtag/goldenshower?f=tweets&vertical=default&src=hash.


Acesso em: 08 mar 2019

As imagens a seguir, retiradas do Twitter, apresentam visões contra e a favor da


publicação e a interpretação realizada neste artigo é que há um tencionamento das relações de
poder, mas que se observa a soberania de um presidente frente ao que foi postado e não gerando
nada além do que tweets. Aqui há várias verdades e várias visões, mas a relação de poder
invalida o posicionamento a favor ou contra, posto que, ao contrário do que sinaliza Matrat
([19--]) explicitado em Steffen (2008), o público nem sempre tem o poder de tomar decisões
sobre as atividades da organização. Ou de acordo com Matrat ([19--] apud STEFFEN, 2008) e
Hirschmann (1970 apud STEFFEN, 2008) tem poder de influência sobre as decisões das
organizações. Isso depende da esfera onde está localizada esta organização e o momento social,
ou político, ou histórico, econômico ou cultural da mesma.

Imagem 2 – Compilação de imagens em resposta à postagem


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Disponível em: https://twitter.com/hashtag/goldenshower?f=tweets&vertical=default&src=hash.


Acesso em: 08 mar 2019

Explorando mais uma vez as relações de poder, observa-se que o tencionamento entre
público(s) e organização(ões) pode sim sofrer alteração de seus objetivos por interferência do(s)
público(s). Vale salientar que não necessariamente este tencionamento necessita ser situado nas
redes sociais.
Exemplo disso vem de outro post trazido neste artigo que aborda a problemática dos
canudinhos plásticos que está gradativamente sendo retirado de circulação. Um dos
motivadores aqui no Brasil foi o vídeo, de 2015, icônico de uma tartaruga com um canudo
plástico sendo retirado de uma das narinas. O mesmo levou a uma discussão ambiental que
culminou em práticas efetivas em nível nacional dois, três anos depois. Vale lembrar que, como
discutimos aqui, isso se deve a questões históricas, sociais, econômicas e políticas. No caso do
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canudinho plástico há uma onda crescente de cuidado com o meio ambiente e discussão de
preservação da fauna e flora.

Imagem 3 – Equipe de pesquisa retira canudo plástico de nariz de tartaruga

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MU2Fvt3xW5s Acesso em: 08 mar


2019.
Ainda que o problema não seja apenas os canudos plásticos, a discussão abriu
precedente para a conscientização do uso de descartáveis de forma desenfreada.

Imagem 4 - #canudinhos no Twitter

Disponível em: https://twitter.com/hashtag/canudinhos Acesso em: 08 mar 2019.


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Neste sentido, o que leva então o público digital a obter efeitos a favor ou contrários a
hashtag, tuitaços e demais manifestações no dito ativismo digital4? Esta pergunta vai ter que
esperar pois é necessário antes discutir outros conceitos de públicos no conceito digital.

Usuário-mídia

É difícil analisar os termos, como propomos neste texto, pois há bastante particularidade
entre eles. No entanto, há uma confusão ainda por parte de quem utiliza-os sem uma definição
aprofundada ou entendimento dos mesmos. Assim, vamos trazer à luz o conceito de usuário-
mídia, também utilizado como sinônimo de público no ambiente organizacional.
Define-se usuário-mídia “... um ente produtor de sentidos, que não funciona fora da
interação” (MAIA e TERRA, 2014, p.270). E este usuário situa-se no contexto da presença da
circulação das mensagens entre o emissor, o receptor e entre os próprios receptores.
Neste sentido Maia e Terra (2014, p.274) discutem que “... é preciso pensar o receptor
como consumidor não somente de produtos tangíveis, mas um consumidor-produtor de
mensagens, de sentidos”.
Assim usuário-mídia aproxima-se do conceito de interagente do Primo (2003, p.08) “...
que emana a ideia de interação, ou seja, a ação (ou relação) que acontece entre os participantes.
Interagente, pois, é aquele que age com outro”.
Até agora o que se pode identificar é que tanto o ator-rede, quanto o interagente ou
usuário-mídia pode ser produtor e/ou receptor de conteúdo. Esta é a essência do público no
ambiente digital.
“... a natureza de um usuário que se torna mídia parece se dar
necessariamente nas relações (relações mediadas pela comunicação)
promovidas por estes usuários com os demais usuários, com as
organizações, com as marcas do universo de consumo. E mais, com os
próprios algoritmos desenvolvidos” (MAIA e TERRA, 2014, p.278).

O receptor, consumidor, público, é agora uma mídia. Assim, o usuário-mídia:

4
O ativismo nas redes sociais inclui um amplo espectro de ações que, somadas, compõem repertório
diverso, contemplando assinatura de e-petições, postagem e compartilhamento orientado de conteúdo,
participação de discussão online em grupos, entre outros. Entretanto nem sempre há correspondência
dessa performance “ativa” em rede na “vida real”; essa participação virtualizada, por assim dizer, se
tornou conhecida como "clictivism", "slactivism", "ativismo de poltrona", ou "ativismo feelgood"
(VIEIRA, 2012, p.26). Disponível em: http://www.compolitica.org/home/wp-
content/uploads/2013/05/GT-05-Comunicacao-e-Sociedade-Civil-Frederico-Vieira.pdf Acesso em: 26
fev 2019.
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“... conecta outros por meio dos canais e ferramentas on-line e que se
expressa e afeta decisões de compra em função deles. Trata-se de um
usuário que vai além da comunicação tradicional para se informar. Ele
analisa opiniões de outros em sites de mídia social, acompanha
rankings e conteúdos de pessoas desconhecidas e tem expectativas
superiores em relação ao meio on-line. É aquele responsável por curar
informações a respeito de um dado tema e acaba influenciando outros
usuários dada a sua posição social dentro das redes” (MAIA e TERRA,
2014, p.285).

Neste sentido as organizações precisam estar conscientes das diferentes possibilidades


de entendimento e interpretação da sua comunicação e das relações de poder que envolve seus
públicos. Mas não apenas cientes, mas tomar cuidado com a sua linguagem e entender que para
além do consumo de produtos e/ou serviços o público possui práticas conscientes de
preocupação com o meio ambiente, com as consequências do consumo, com os entremeios e
interstícios das organizações para além da imagem e reputação.

Por configurar-se como um fenômeno extremamente complexo, a


comunicação deve ser agora pensada em um âmbito macro. Isto
significa que a comunicação deve considerar os cenários político,
cultural e as constantes reelaborações de sentidos que configuram as
práticas sociais, por sua vez atreladas às práticas de consumo em meio
aos signos do contexto, que legitimam grupos de consumidores
culturalmente formados em torno de arranjos simbólicos (MAIA e
TERRA, 2014, p.287).

Apesar do contexto reducionista, essência de um artigo, pode-se explicitar que o


usuário-mídia pressupõe aspectos como: produção de sentido, interação, circulação,
participação, mediação, produção de conteúdo, colaboração, curadoria – recomendação e
influência – e reputação.

Fãs organizacionais

De acordo com o Parada (2015) “... todos podem ser fãs organizacionais” (p.175). Para
o autor a cultura participativa propiciou trocas simbólicas entre públicos e organização, e entre
públicos e públicos.
Conforme cultura de fãs a assiduidade é um dos motes do fã, no entanto, Parada (2015,
p.157) atualiza este conceito em sua tese ao refletir que o fã organizacional não necessariamente
possui:
“... uma postura permanente, assídua por parte dos públicos, que se
reúnem em espaços colaborativos para a troca de informações, (...).
Uma pessoa, em uma única participação, (...) pode carregar, em sua
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conversa, elementos comportamentais expressivos de um fã


organizacional”.

Pois, para o autor, a intensidade é um fator primordial para um fã organizacional mas


não necessariamente a assiduidade. Aliás, o termo fã organizacional cunhado por Parada (2015)
não confere, necessariamente, todos os pressupostos dos fãs na cultura de fãs, no atual contexto
da cultura da convergência e cultura da internet.
Na reflexão de Mitche, Agle e Wood (1997) levantada por Parada (2015) o fã
influenciam e são influenciados pelos objetivos da organização sendo compreendidos por “...
stakeholders com poder, legitimidade e urgência” (PARADA, 2015, p.159).
Um dos elementos que Parada (2015) destaca do comportamento do fã organizacional
é a socialização entre os pares, bem como acontece na cultura de fãs, pois é através da
socialização que acontece a produção de sentido.
A relação de poder do público que é descrito como fã organizacional está presente no
imaginário do público posto que o engajamento, a reciprocidade, colaboração, o laço social e o
capital social gerado neste processo confere ao fã organizacional certo poder sobre o contexto
organizacional no qual houve manifestação por parte do público (PARADA, 2015).
Neste sentido o autor apresenta alguns aspectos do comportamento de fãs
organizacionais para delimitar seu campo. “Interativo, crítico, social, produtor, consumidor,
(...) predisposição em narrar a organização por meio da própria bagagem de conhecimentos (...)
reescrever e até recriar a própria organização, (...) referencialidade mítica” (PARADA, 2015,
p. 162-163). Referencialidade mítica é quando o público se insere na história ou tem referências
pessoais com algo do produto e/ou serviço da organização. “... a convergência de lembranças,
fatos, sensações, sentimentos e, principalmente, de eventos resgatados” (PARADA, 2015,
p.163). O fã organizacional, pressupõe-se, então, a identificação com a organização.
Mas é importante lembrar que esta identificação e o compartilhamento de conteúdos de
uma determinada organização não significa necessariamente pertencimento.

Os fãs estão conectados, eles consomem os produtos com os quais se


relacionam, eles sentem-se confortáveis para criticar as organizações,
estão dispostos a socializar com os pares e, sobretudo, de efetuar trocas
simbólicas, representadas pelas suas referências míticas, expressas em
narrativas que enfatizam a produção de conteúdo por parte deles
(PARADA, 2015, p.172).

Os fãs organizacionais, então, podem ser considerados fãs em relação com


organizações, situadas em contextos de relação de poder nem sempre convergentes com a
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cultura de fãs. No entanto estes fãs também estão apropriados dentro de uma lógica da
inteligência coletiva, colaboração, interação social, reputação, memória, trocas simbólicas,
socialização, engajamento, pertencimento – mas nem sempre, assim como na cultura de fãs este
aspecto está diretamente ligado ao estabelecimento de laços sociais, capital social, visibilidade,
reputação, popularidade e autoridade –, recirculação de conteúdo, convergência, hiperlinks e
economia afetiva.

Considerações

Respeitando a complexidade dos termos e a redução dos mesmos neste artigo, antes de
tudo colocaremos nos holofotes características, funções e/ou usabilidades dos termos fãs
organizacionais, usuário-mídia e ator-rede para entender as similaridades e particularidades dos
termos.

Tabela 1 – Convergências e divergências entre os termos em discussão

Mediação
Discurso
Agentes humanos ou não (actantes)
Ator-rede Mobilização
(Re)produção de sentido
Rede de referências
Caixa preta
Produção de sentido
Interação
Circulação
Participação
Usuário-mídia Mediação
Produção de conteúdo
Colaboração
Curadoria - recomendação e influência
Reputação
inteligência coletiva
Colaboração
Interação
Reputação
Memória
Intensidade
Trocas simbólicas
Poder
Liderança
Fã organizacional
Convencimento
Socialização
Engajamento
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Pertencimento
Recirculação de conteúdo
Convergência
Hiperlinks
Economia afetiva
Fonte: Elaborado pelas autoras

Estes termos foram retirados de livros, teses e artigos dos autores referenciados aqui e
que trabalham ou cunharam os termos explicitados na tabela 1 e não apenas em referências
bibliográficas deste artigo pois os mesmos não deram conta à complexidade dos temas.
No entanto, na totalidade do que foi aqui exposto, sugere-se que o termo Ator-Rede
seja utilizado na comunicação digital, especificamente no que tange a relação de poder entre
público e organização em Relações Públicas e/ou na Comunicação Organizacional quando o
discurso for mediado entre agentes humanos e não-humanos. Quando a discussão envolver bots,
AI (Inteligência Artificial), georastros5, rastros provenientes da usabilidade do usuário em
ambiente digital, nós (conexões) da rede, algoritmos ou quando actantes (agentes humanos e
não humanos) interferirem ou influenciarem o comportamento um do outro.
Já o termo usuário-mídia sugerimos utilização nos textos e pesquisas quando a questão
da circulação e mediação dos conteúdos for elementos primordiais da pesquisa. Além disso, é
importante salientar que o público, conceituado como usuário-mídia, pressupõe interferência
no planejamento de comunicação e da reputação das organizações. Assim, o público poderá ser
chamado de usuário-mídia quando interferir no planejamento ou reputação organizacional.
Fã organizacional, então, tem sentido mais amplo e não necessariamente é um público
que interfere nas decisões organizacionais ou no seu planejamento, não reduz a fala oficinal da
organização, compreende a complexidade das redes flexíveis dentro da lógica digital e
pressupõe a memória organizacional como sendo fator intrínseco a sua construção de sentido.

Referências

BALDISSERA. Rudimar. A teoria da complexidade e novas perspectivas para os estudos da


comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida M. Krohling (org.). Comunicação
Organizacional volume 1. São Paulo: Saraiva, 2009.

5
“... informação fixada em locais, gerada a partir de sistemas sociais de geolocalização” (OLIVEIRA, 2012).
Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4501. Acesso em: 08 mar 2019.
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CARDOSO, Tarcísio de Sá. A epistemologia da mediação em Bruno Latour. Tese de doutorado


apresentado no Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital, PUCSP. Disponível em:
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/18191/1/Tarcisio%20de%20Sa%20Cardoso.pdf. Acesso
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HENRIQUES. Mário Simeone. Comunicação e estratégias de mobilização social. Belo Horizonte:


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