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Resumo: Nosso objetivo, neste artigo, é refletir acerca das noções de visibilidade e
invisibilidade no contexto das organizações, com foco em como as dinâmicas das mídias
sociais podem manifestar/motivar tais aspectos. Apresenta, assim, uma série de
inquietações sobre ambas as perspectivas, que nos levam a questionar o quanto algumas
estratégias podem embater (ou de fato embatem) com pressupostos éticos e morais. As
discussões são desenvolvidas à luz do interacionismo simbólico (LITTLEJOHN, 1982;
BLUMER, 1980) e das contribuições de Goffman (2009), posto que as mídias sociais são
percebidas como palcos nos quais as organizações buscam bons ‘desempenhos’ e a
ratificação dos posicionamentos desejados.
Introdução
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Trabalho apresentado no GP Relações Públicas e Comunicação Organizacional, XVIII Encontro dos Grupos de
Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
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Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É docente do curso de Relações Públicas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e coordenador da Assessoria de Comunicação e
Representação Institucional da Rede Marista. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura
e Relações de Poder (GCCOP). E-mail: diego.wander@pucrs.br
3 Doutor em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Professor da
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4 A decisão por esses fundamentos revela a compreensão e o ponto de vista de que o fenômeno da comunicação se
efetiva no processo de interação simbólica, ou seja, na codificação e descodificação de signos verbais e não-verbais
entre os interlocutores.
5 Neste parágrafo, recorremos às metáforas de Goffman (2009). Ele reflete sobre as noções de “simulações”,
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6 Referimo-nos às possibilidades e limites das mídias sociais, do ponto de vista social e tecnológico (LASTA, 2017).
7 Segundo França (2008, p. 75), “Os gestos fazem parte do ato social; eles estabelecem o início do ato e constituem um
estímulo para outros organismos que dele participam”.
8 O termo é bastante comum, especialmente, nos estudos de marketing. Neste artigo, destacamos que a perspectiva que
nos orienta ao falarmos de posicionamento é a de que esse se constitui na ação de tentar projetar a “imagem-conceito”
(BALDISSERA, 2008) desejada junto aos públicos de interesse.
9 Algoritmos são critérios automáticos que determinam a entrega de conteúdo e níveis de priorização e recorrência.
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olhares sobre o fenômeno da exposição. O nosso lugar de fala se constitui pela perspectiva
das TICs e das mídias (que também apresentam novas possibilidades com o avanço das
tecnologias). Ambas têm papel fundamental no (aparente) acesso às informações. Como
nos indica Thompson (1998), elas estão diretamente relacionadas a mudanças importantes
na vida social e política. “De uma forma profunda e irreversível, o desenvolvimento da
mídia transformou a natureza da produção e do intercâmbio simbólicos no mundo
moderno” (THOMPSON, 1998, p. 19).
O desenvolvimento dos meios de comunicação, sobretudo com a disseminação da
internet, permitiu que sujeitos que não dividem um mesmo contexto espaço-temporal
tenham acesso à mesma informação. Trivinho (2010) descreve esses cenários como a
“condição glocal de massa” e a “condição glocal interactiva da vida humana”,
caracterizados ao mesmo tempo por um comportamento nômade e sedentário. Dito de
outro modo, os sujeitos conseguem transitar para além do espaço geográfico que ocupam,
ainda que estejam “parados”. Não há deslocamento físico dos corpos e isso não limita a
capacidade de alguém viajar pelo mundo.
A acessibilidade a ações e acontecimentos, portanto, deixa de estar centrada na
partilha de um mesmo espaço. “A visibilidade das pessoas, suas ações e acontecimentos
estão libertos do compartilhamento de um solo comum” (THOMPSON, 2008, p. 20). Isso
impacta, sobretudo, na organização de nossa vida social cotidiana e gera condições para
o que Thompson (2002) denomina como “quase-interações midiáticas”. A expressão
evidencia que o processo de fazer circular materiais simbólicos significa disponibilizar
algo cujo potencial de acesso é indefinido, dada a gama de receptores possíveis. Cria-se,
assim, “um certo tipo de situação social em que os indivíduos se conectam num processo
de comunicação e troca simbólica. Ela cria também diversos tipos de relacionamentos
interpessoais, vínculos sociais e intimidade” (THOMPSON, 2008, p. 19).
Segundo Lasta (2015, p. 56), a “[...] visibilidade midiática transforma o domínio
público em fluxos de informações que concorrem pela ‘atenção’”. Desse modo, alcançar
patamares de visibilidade está relacionado a ocupar o centro da cena no âmbito público e
ao êxito nas disputas que se estabelecem nesses espaços na busca pelos holofotes, entre
os diversos sujeitos enunciadores. Trivinho (2010) define esse desejo como uma
necessidade compulsiva de aparecer, um “imperativo da presença mediática” que se
estabelece como um “capital social compulsório”, de modo que os esforços se voltem à
projeção de si-próprio.
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10 Segundo Baldissera (2008, p. 198), “imagem-conceito” pode ser definida como “[...] um constructo simbólico,
complexo e sintetizante, de caráter juridicativo/caracterizante e provisório realizada pela alteridade (recepção) mediante
permanentes tensões dialógicas, dialéticas e recursivas, intra e entre uma diversidade de elementos-força, tais como as
informações e as percepções sobre a entidade (algo/alguém), o repertório individual/social, as competências, a cultura,
o imaginário, o paradigma, a psique, a história e o contexto estruturado”.
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A perspectiva da invisibilidade
11Partimos do pressuposto de que um acontecimento não visibilizado sequer se constitui em um escândalo, mas a
problemática aqui é de que as mídias, dentre elas a internet, fornecem oportunidades que redimensionam o alcance e a
escala dos impactos.
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12 Assumimos estratégia como prática social (PÉREZ, 2012), posto que se dá nas condições de imprevisibilidade da
ação humana, das interações sociais.
13 Conforme Baldissera (2009, p. 118), a expressão se refere aos processos de comunicação “[...] formais e, até,
disciplinadores, da fala autorizada; àquilo que a organização seleciona de sua identidade e, por meio de processos
comunicacionais (estratégicos ou não), dá visibilidade objetivando retornos de imagem-conceito, legitimidade, capital
simbólico (e reconhecimento, vendas, lucros, votos etc).”
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Por vezes, podemos esquecer que, na medida em que alguém ocupa o centro da
cena, que é o foco da luz, outros são escurecidos, ofuscados. E isso passa, podemos dizer,
por estratégias de composição, condução e montagem. Quem está nos bastidores? Quais
os impactos de um figurinista que, naquele dia, não executou bem o seu trabalho ou de
uma pessoa que, infiltrada no público, deixa o celular propositalmente ligado para
atrapalhar a cena? Quais as interferências desses outros sinais na nossa leitura e retenção
do que pretendia ser dito?
Outro ponto: o nosso assento é lateral, o que permite, na sequência, que vejamos
as coxias e os bastidores com atores aguardando o seu momento de entrar em cena.
Nossos olhares possivelmente são diferentes daqueles que estão ao centro ou do outro
lado do teatro. Ou seja, o ponto de vista, nesse caso geográfico, impacta diretamente no
conjunto da experiência e da compressão dos textos e contextos. É provável que nossa
localização específica nos conduza a sentidos e leituras também específicos. A partir de
onde estamos posicionados, as luzes e as sombras assumem perspectivas diferentes. E
assim há outras tantas nuances que podem direcionar a nossa visibilidade ou mesmo
‘invisibilizar’ algo.
Considerando-se que as organizações, à luz do interacionismo simbólico
(LITTLEJOHN, 1982), também podem ser compreendidas como atores – afinal, elas
adotam um conjunto de discursos, posturas e práticas em perspectiva dos sentidos que
desejam despertar, disputar, construir e ver internalizados por seus públicos –, entrar e
sair de cena constituem passos cautelosamente definidos a partir do modo como esperam
ser percebidas e significadas, o que implica não apenas gestos de visibilidade, mas
também de invisibilidade. Assim, as organizações podem atuar nos bastidores para dar
visibilidade a outros atores, temáticas ou roteiros. Podem estar infiltradas na plateia,
disfarçadas de espectadoras, buscando não compor a cena. Podem ser figurantes. Podem
assumir o centro da cena. Podem estar no palco, mas com a luz direcionada a outro ponto.
Por vezes, podem tomar um lugar ou um papel que não desejam, de modo que precisem
rearticular suas práticas na tentativa de retornar ao lugar desejado. Em alguns dias são
aplaudidas, em outros, vaiadas, o que impacta diretamente no anseio de serem percebidas
e de controlarem essa percepção.
Essas tantas possibilidades revelam que é oportuno pensar a comunicação para
além das práticas que buscam exposição, embora esse seja o discurso predominante nos
estudos que discutem as práticas de comunicação digital. Referimo-nos aos casos em que
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14O conceito de accountability está relacionado a um valor da chamada boa governança. Envolve a prestação de contas
pautada pelos padrões éticos exigidos internacionalmente, de acordo com Rossetti e Andrade (2014).
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Uma problemática apontada por Henriques e Silva (2014) está na lentidão dos
avanços jurídicos que coíbem esses acontecimentos. Também destacamos a prática de
astroturfing16, que nos permite pensar sobre o arsenal estratégico e simbólico que pode
ser deslocado na tentativa de produzir sentidos e influenciar percepções. O conceito surge
no contexto político americano, na década de 1980, e evidencia a recorrência a grupos de
pessoas que expressam opiniões aparentemente genuínas, mas que decorrem de
motivações de outra ordem (HOGGAN, 2006). Os sentidos potencializados – postos em
circulação – tendem a impactar outros sujeitos, de modo sistemático e em cadeia. “É uma
prática cercada por diversas ambiguidades éticas, algo que trabalha com esforços para
15A metáfora está endossada pela expressão inglesa watchdog, que tem essa tradução literal.
16 Silva (2013) recupera publicação veiculada pela revista inglesa Newsweek, que trata sobre a dificuldade de
diferenciação entre grassroots e astroturfing. O primeiro conceito é compreendido como uma iniciativa que se origina
de grupos sociais de forma espontânea, o que se contrapõe ao segundo termo.
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enganar pessoas, fazê-las acreditar em aspectos falsos de uma realidade e ocultar, assim,
interesses privados” (SILVA, 2013, p. 10).
Henriques e Silva (2014, p. 3) também destacam possibilidades de execução de
crimes corporativos, termo que, segundo eles, “[...] designa a infringência de dispositivos
legais que variam em cada lugar, abarcando ações ou omissões de empresas e corporações
que são tipificadas como crime” – o que vai de práticas efetivamente ilegais até a
irresponsabilidade causada por omissão e negligência. A (in)visibilidade, nesses casos,
pode estar diretamente relacionada ao desejo de corromper a opinião dos públicos, e não
apenas de evitar os questionamentos sobre o cumprimento, ou não, das leis. Nesse sentido,
a preservação da “imagem-conceito” e da reputação das organizações encontra-se
intimamente ligada ao desejo e às estratégias de restrição da visibilidade.
A internet também constitui/abriga espaços oportunos para práticas com essas
características. Silva (2013) afirma que a relação entre astroturfing e internet, pelo que se
tem conhecimento, data de 1994. Com o passar dos anos, manifestações em fóruns de
debates e salas de bate-papo, especialmente em períodos eleitorais, tornaram-se
costumeiramente associadas a essas práticas. Inclusive, Henriques e Silva (2014, p. 7)
asseguram que “nas últimas duas décadas, as principais agências de RP do mundo foram
alvo de denúncias sobre a utilização” dessa técnica em ações estratégicas para diversas
organizações.
Algumas considerações
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Referências
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et al. (Orgs). Comunicação e Interações. Livro da Compós 2008. Porto Alegre: Editora Sulina,
2008. pp. 71-92.
HENRIQUES, Márcio Simeone. SILVA, Daniel Reis. Vulnerabilidade dos públicos frente a
práticas abusivas de comunicação empregadas por organizações: limitações para o
monitoramento civil. Comunicação e Sociedade, v.26, 2014. pp. 162-176.
PÉREZ, R. A. Pensar la estrategia: otra perspectiva. 1a.ed. Buenos Aires: La Crujía, 2012.
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THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Trad. Wagner
Oliveira Brandão. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
WOOD JR., Thomas. Organizações espetaculares. Rio de Janeiro: FGV, 2001. 228 p.
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