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TERCEIRO SETOR:
SENTIDOS DE
COMUNICAÇÃO,
TRABALHO E
EDUCAÇÃO
EM ONGs DE
COMUNICAÇÃO
IV SICCAL
[ R ES U MO AB STR AC T RESUME N ]
This article presents part of the research entitled “The communication of the “third
sector” as an expression of neoliberalism: the discursive practices and the meanings
of work in Communication NGOs”, in which we aimed to investigate how the
relations of communication and labor are expressed in non-profit organizations
that selected communication as their main tool in defense of a social cause. To do
this, we selected three social organizations named here “Communication NGOs”,
located in the city of São Paulo and active during the period of study - 2016-2018,
in which we deepened in their institutional communication and the workers’
experience based on their own statements. This article will contemplate the
analysis topic about the meanings of communication, work and education that
circulate in their practices and their discourses.
Keywords: Communication. Labor. Education. Neoliberalism. Ideology of the third sector.
DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2019.153911
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[ Tabela 1 ]
Descrição das organizações selecionadas
Acadêmicos e
Perfil dos fundadores Membros da comunidade
profissionais
Empresariado
Empresários e
Perfil do conselho Ex-educandos Profissionais da área
figuras públicas
1) Prestação de
serviços na área de 1) Doação de empresas
1) Prestação de serviços desenvolvimento de (leis de incentivo e
Financiamento
no ramo do audiovisual pesquisas e formação investimento direto
socioeducativa de recursos)
2) Doações
Optamos por realizar a pesquisa de assim como analisar as falas dos entrevis-
maneira confidencial, visando propiciar tados sem gerar comprometimentos para
maior liberdade para descrever os processos os mesmos. O interessante desta proposta
é que ela não personaliza o estudo, ao con-
trário, estabelece parâmetros para a com-
3 Texto extraído e adaptado da comunicação insti-
preensão de um cenário maior que situa
tucional apresentada nos websites das organizações. as organizações como representações
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[ Tabela 2 ]
Sentidos de comunicação, educação e trabalho nas organizações
Parte de um projeto
pedagógico de formação Instrumento de
Metodologia de formação
EDUCAÇÃO de lideranças locais e desenvolvimento pessoal
do público atendido
educadores para os temas e capacitação técnica
dos direitos fundamentais
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1. Uma janela de experimentação em 4 O Brasil vive a ascensão de uma crise das insti-
que reconhecemos os jovens como tuições políticas, tendo como principais aspectos a
Operação Lava Jato, o processo de impeachment da
produtores, artistas e com baga- presidente Dilma Rousseff em 2016 e a prisão do pre-
gem técnica. Propomos encontros sidente Lula em 2018.
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Uma diferença crucial nos senti- que a forma como as organizações sociais
dos atribuídos à atividade profissionali- tratam o tema é parte representativa de
zante entre a ONG Comunitária e a ONG suas crenças e da ideologia às quais estão
Empresarial encontra-se no fato de que a subsumidas; e, apesar da questão trabalho
concepção de capacitação técnica surge para carregar fortemente o sentido político-
a primeira atrelada à ideia de geração de -econômico-ideológico, é nítido também
renda, enquanto para a segunda, cujo viés a sua transição para ser tratado apenas
corporativo é forte, é a noção de inserção como questão técnico-operativa nas orga-
no mercado que adquire destaque. nizações que atuam com a capacitação
profissional.
4. Uma educação que fortalece propósi-
tos, não profissões (Manifesto – ONG É interessante notar como a comuni-
COMUNITÁRIA) cação é materializada na forma de instru-
mento que viabiliza este processo a partir
Na oração retirada do manifesto do uso da educação para o desenvolvi-
institucional (4), busca-se exprimir um mento de habilidades comunicacionais,
sentido de valorização do indivíduo como altamente requisitadas pelo mercado na
crença prioritária em detrimento da con- contemporaneidade.
cepção de profissionalização, indicando que
a comunicação é vista primeiro em seu Mesmo assim, remetendo à tradi-
sentido relacional. A instituição apresenta ção do campo das organizações sociais,
um enunciado que sugere que a capaci- a visão de comunicação destas organi-
tação técnica é um resultado secundário zações ainda está fortemente pautada
de um processo que é, primeiramente, de nos sentidos amplamente discutidos no
formação pessoal. campo teórico da comunicação comuni-
tária e popular, em especial no caso da
Para Montaño, o conceito de “ter- ONG Comunitária – a única situada na
ceiro setor” opera uma transferência de periferia; e, em menor medida, mas ainda
sentidos – “o que ocorre é uma verdadeira presente, nas outras duas.
transformação de uma questão político-
-econômico-ideológica numa questão Assim sendo, a comunicação comunitária
meramente técnico-operativa” (2002, 185), diz respeito a um processo comunicativo
ao retirar o significado crítico da pauta que requer o envolvimento das pessoas
social e inseri-lo na dinâmica do mercado, de uma “comunidade”, não apenas como
lidando com as problemáticas resultantes receptoras de mensagens, mas como
da disputa de classes como mercadoria na protagonistas dos conteúdos e da gestão
qual a desigualdade torna-se ‘produto’ a dos meios de comunicação (PERUZZO;
ser negociado no mercado. ALMEIDA, 2003, p. 246).
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pessoal do jovem parece estar sempre atre- trabalho. Nesse sentido, entendemos que
lada à perspectiva de profissionalização e sustentar seu enunciado oficial em torno
inserção no mercado, como fica explicitado da temática dos direitos dos trabalhado-
nas sequências (6) e (7). res, e assumindo um caráter de classe, a
organização se insere em um universo
6.
B usca transformar a habilidade semântico vinculado a uma visão mais
criativa natural dos jovens em ativo crítica de sociedade – fator expressivo em
econômico e estimula modelos ino- todo o discurso oficial, no qual expressões
vadores para a produção audiovisual. mais próximas do discurso liberal ou de
(Relatório anual de atividades 2017 – mercado estão inexistentes.
ONG EMPRESARIAL)
8. Foi fundada [...] com o objetivo de
7. Promover o desenvolvimento profis- fomentar a reflexão e ação sobre as
sional, sociocultural e pessoal de jovens diversas situações de injustiça presen-
por meio do audiovisual. (Comunicação tes em nossa sociedade, tanto nos casos
institucional no website – ONG de flagrante desrespeito aos direitos
EMPRESARIAL) humanos, como nas condições sociais
e estruturais sub-humanas de vida.
O discurso da criatividade volta a (Comunicação institucional no website –
aparecer (6) associado à concepção de ONG Acadêmica)
essência “natural dos jovens”. A instituição
coloca-se como a responsável por promo- O uso de termos como mobilização,
ver a transformação desta criatividade em lideranças sociais, respeito aos direitos huma-
“ativo econômico”, em um claro sentido de nos, igualitário, democrático, injustiça atesta
educação para a empregabilidade e, acima um posicionamento institucional crítico e
de tudo, para a otimização dos processos remete ao discurso historicamente asso-
produtivos – expresso na sentença: “esti- ciado aos movimentos sociais.
mula modelos inovadores para a produ-
ção audiovisual”. O jovem, moldado para
tornar-se um funcionário capacitado –
e uma mão de obra mais barata, por ter
formação técnica e não superior – com Considerações
boas habilidades profissionais e também
relacionais (desenvolvimento sociocultural
e pessoal), simboliza um produto a ser Para se constituir enquanto uma
ofertado para o mercado com o discurso ideologia, o conceito de “terceiro setor”
de venda da inovação. e seu respectivo sistema de valores se
vale de uma série de concepções teóri-
A ONG Acadêmica parece ter mais cas que reafirmam seu local enquanto
distanciamento da ideologia do “terceiro “sociedade civil organizada” pacificadora
setor” ao colocar-se discursivamente e articuladora de parcerias. Em princí-
como uma força antagônica aos interesses pio, o conceito de ação social que apa-
dominantes, em especial na temática do rece tradicionalmente em seu discurso
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remete àquele explanado por Weber, que Estado democrático de âmbito redu-
assume a ação orientada por respostas ou zido ao essencial, que não se enqua-
reações de outros indivíduos (WEBER, dra na esfera de ação dos dois outros
1969, p. 5 apud MONTAÑO, 2014, p. 39), setores: economia de mercado, globa-
mas que descola o conceito social de seu lizada o mais possível, e um Terceiro
sentido coletivo e histórico. Outro con- Setor forte, eticamente estruturado,
ceito advém de Habermas e sua proposta abrangente mediante a participação
da razão comunicativa, que batalha em do maior número possível de cidadãos
direção ao consenso, assim como os dis- – essa parece ser a fórmula capaz de
cursos recorrentemente encontrados no permitir ao século XXI escapar das
“terceiro setor” que trazem fortemente a mazelas daquele que passou entre tan-
noção de parceria à ação social. Para inte- tos desastres e tragédias (ANDRADE,
grar estes sentidos, a concepção de sujeito [1997] 2005, p. 77-78).
que aparece no pensamento pós-moderno
é utilizada aqui para amarrar os conceitos Para o autor, o Brasil deve inspirar-se
apresentados e tratar de uma ação social no modelo norte-americano de estrutura-
que é cidadã, propositiva e individual. ção do setor, desconsiderando inclusive as
distintas trajetórias históricas de cada um
considerados os indivíduos como “pro- destes países.
tagonistas” (e responsáveis) por suas
condições de vida e suas soluções, a A partir disso, buscamos demonstrar
“emancipação social” (vista como uma que os discursos circulantes nas organi-
emancipação individual) jamais será zações do “terceiro setor” não necessa-
resultado de lutas estruturadas contra riamente representam uma ruptura às
o sistema capitalista, mas o conjunto de práticas dominantes, ao contrário, podem
ações desarticuladas entre si, que supe- revelar-se favoráveis à sua sustentação. No
rariam as diversas formas de “exclusão caso específico das ONGs de comunicação,
social”, mediante processos de motiva- refletimos sobre como tal hegemonia pode
ção, “empoderamento”, autoajuda, solida- se perpetuar nas práticas que envolvem,
riedade dos pares, capacitação, inclusão em especial, o mundo do trabalho. A orga-
social e as chamadas “ações afirmativas” nização de base comunitária e a organi-
(MONTAÑO, op. cit., p. 40). zação de base empresarial convergem ao
abordar a temática da empregabilidade
A ideologia do “terceiro setor” como forma de emancipação do indivíduo,
assume a fragmentação e setorialização enquanto a organização de base acadêmica
da realidade social, desvinculando as expressa um contraponto ao propor criti-
dimensões econômicas e políticas e cla- camente uma reflexão acerca das práticas
ramente associando a dimensão social às de opressão endêmicas do sistema.
dimensões culturais e comunicacionais,
que exaltam a vivência do indivíduo e Essa explanação não busca deslegi-
o responsabilizam pela sua condição de timar as ações sociais destas instituições,
vida. Com uma proposta teórica de viés mas sim apontar a contradição existente
neoliberal, Roberto Andrade: neste tripé instituído entre organizações
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[ CA M IL A ACOSTA CA M A RG O ]
É mestre em Ciências da Comunicação pela
ECA-USP e bacharel em Relações Públicas pela
mesma instituição. É professora do curso de
Relações Públicas no FMU FIAM-FAAM Centro
Universitário. Integra o Centro de Pesquisa em
Comunicação e Trabalho (CPCT/ECA-USP). Atua
profissionalmente com foco em comunicação para
projetos sociais em ONGs e é sócia-fundadora da
consultoria especializada Eixo Social.
E-mail: camila.acosta.camargo@usp.br
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Referências
GOHN, M. G. Mídia, terceiro setor e MST: impacto sobre o futuro das cidades e do campo.
Petrópolis, Vozes, 2000.
MONTAÑO, C. O canto da sereia: crítica à ideologia e aos projetos do “terceiro setor” (org).
São Paulo: Cortez, 2014.
PERUZZO, C.; ALMEIDA, F. Comunicação para cidadania. São Paulo: Intercom, Salvador:
Uneb, 2003.
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