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No mesmo sentido, Grunig e Hunt atri- deste segundo modelo de relações públicas.
buem às relações públicas o papel que os Os modelos unidireccionais de relações
teóricos das organizações, como Katz e Kahn, públicas demonstram que a comunicação das
denominam “boundary role”. Esta caracte- organizações nem sempre foi regida pelo
rística, típica do sistema aberto, pode ser conceito de sistema aberto. Este facto é visível
descrita como uma barreira existente entre na actividade de relações públicas que se
o sistema e o ambiente, que definem não só limita à produção de informação de forma
a esfera de acção do próprio sistema, mas eficiente, mas sem ter em conta se essa
também, o seu grau de abertura (receptividade comunicação vai, de facto, ao encontro das
de inputs) em relação ao ambiente. necessidades de informação da organização
O papel “limite ou fronteira” das rela- ou de outros sistemas existentes no meio
ções públicas traduz-se no apoio a outros ambiente. Nestes casos, como sublinham
subsistemas da organização, quer na ajuda Grunig e Hunt,
à comunicação entre os vários subsistemas
internos como também, na comunicação da “O director de relações públicas de
organização com os sistemas externos (or- um sistema fechado concentra-se em
ganizações concorrentes, não concorrentes, o motivar um grupo de técnicos de
governo, ou qualquer outro público externo). comunicação para que lancem um
Neste sentido, o subsistema relações públi- produto jornalístico e em controlar a
cas funciona no limite da organização por- qualidade do seu trabalho, sem se
que, por um lado, integra os outros preocupar com a necessidade do
subsistemas internos e controla o conflito produto ou o seu impacto”.6
comunicacional entre eles, mas por outro,
também negoceia as exigências do ambiente As relações públicas praticadas segundo
e a necessidade das organizações nele sobre- o sistema fechado apenas pretendem manter
viverem e prosperarem. o status quo da organização enquanto diri-
Uma das aplicações mais interessantes da gem os seus esforços para modificar o
perspectiva sistémica à teoria das relações ambiente, no sentido que lhe for mais fa-
públicas encontra-se na sistematização desen- vorável. Esta perspectiva, ainda muito habi-
volvida por Grunig e Hunt sobre a evolução tual na prática de alguns departamentos de
das relações públicas nos EUA em quatro relações públicas advém, claramente, de
modelos teóricos: Press agentry/ publicity, ideias erróneas quanto ao verdadeiro papel
public information, two-way asymmetric e das relações públicas. Ou seja, a visão das
two-way symmetric model.5 relações públicas enquanto actividade empre-
Os dois primeiros modelos de relações sarial sem qualquer tipo de preocupação sobre
públicas situam-se historicamente no final do como influenciar as próprias organizações
séc. XIX e no início do XX, respectivamen- quanto à sua missão, filosofia de gestão ou
te, caracterizando-se por uma comunicação responsabilidade pública.
unidireccional: da organização para os pú- Também os autores de Effective Public
blicos. No modelo “Agente publicitador”, as Relations, outra obra marcante na investiga-
relações públicas têm uma função persuasiva ção sobre relações públicas, sobretudo a partir
e propagandística, e por isso, difundem da 6ª edição (com a colaboração do enfoque
informação aos seus públicos e por sistémico de Glen Broom) defendem que
consequência, à opinião pública, muitas vezes “Uma aproximação própria dos sistemas
incompleta, ou até manipulada. Já no mo- abertos modifica radicalmente a prática das
delo de “Informação pública”, a finalidade relações públicas.7 Segundo Cutlip e Center,
das relações públicas é a difusão de infor- só o modelo de sistema aberto tem a capa-
mação mas não necessariamente com inten- cidade de iniciar acções correctivas dentro
ção persuasiva, pois ao contrário do modelo das organizações (onde se desenvolvem tro-
anterior, a veracidade das mensagens é cas internas entre os seus vários subsistemas),
considerada fundamental. A máxima de Ivy através de um ajuste recíproco de output-
Ledbetter Lee «O público tem o direito de feedback que permita dirigir programas de
ser informado» é a personificação perfeita comunicação que influenciem os conhecimen-
PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS 409
este feedback influencie as estratégias da a desenvolver uma teoria ética das relações
empresa, passando a ser mais um input públicas enquadrada na filosofia de Jürgen
processado pela empresa. Neste contexto, os Habermas.
outputs são as acções socialmente responsá- Habermas parte do princípio que é a ideia
veis.11 de comunicação que nos constitui e que
A discussão sobre a ética empresarial encerra os critérios de validade da própria
estende-se, inevitavelmente às relações pú- comunicação e dos seus resultados. Ao falar
blicas, quando definidas como “Função de e discutir sobre questões normativas, que são
direcção que estabelece e mantém relações as que nos separam, expressamos as nossas
mutuamente benéficas entre uma organiza- posições contrárias. Mas, se dialogamos é
ção e os públicos dos quais depende o seu porque procuramos o consenso. Não o con-
êxito ou fracasso”. 12 Nesta perspectiva, senso alcançado numa acção comunicativa em
qualquer decisão sobre a responsabilidade que a relação entre os falantes não é simé-
social das empresas passa necessariamente trica mas desigual (relação de domínio de
pelo profissional de relações públicas, e por uns sobre os outros, patente num modelo
isso mesmo, torna-se pertinente estudar o que assimétrico de relações públicas) mas sim,
fundamenta e regula as suas opções de o consenso alcançado numa comunicação
assessoria. justa e simétrica – acordo que merece ser
O modelo simétrico de relações públicas qualificado de racional.
de James Grunig pode ser o ponto de partida Ron Pearson baseia-se no conceito
para este estudo sobre a responsabilidade habermasiano de “situação de comunicação
social das empresas modernas. Em Excellence ideal” para desenvolver uma teoria ética das
in Public Relations and communication relações públicas. A partir de uma premissa
management, Grunig amadurece a sua teoria base coloca dois imperativos morais:
simétrica bidireccional enquanto teoria
normativa das relações públicas, o único “Premissa básica: a questão ética nas
modelo para atingir a comunicação excelen- relações públicas não é, fundamental-
te.13 mente, sobre se é certo ou errado dizer
Grunig parte do princípio de que a re- a verdade, roubar clientes, aceitar
lação habitual entre empresa e públicos é de almoços ou subornos ou passar infor-
desequilíbrio de poder porque muitas empre- mações confidencias, etc. As relações
sas ignoram, pura e simplesmente, as con- públicas praticadas eticamente são
sequências das suas acções quando os seus sobretudo uma questão de implemen-
objectivos individuais são colocados à pro- tar e manter a comunicação entre
va. Daí afirmar que o oposto só irá acontecer sistemas inter-organizacionais, cuja
se os profissionais reagirem a um imperativo questão, discussão e validação é
de ordem moral: “Acreditamos mais que as exigida por essa ética substantiva.”
relações públicas devem basear-se numa “Imperativos moral básico: 1) é um
perspectiva que incorpore a ética no proces- imperativo moral estabelecer e man-
so de relações públicas do que numa posição ter relações comunicacionais com
que debata apenas a ética dos resultados todos os públicos afectados pela acção
alcançados.”14 da organização. 2) é um imperativo
As muitas páginas que Grunig dedica à moral melhorar a qualidade dessas
teoria simétrica das relações públicas são relações comunicacionais, isto é, faze-
fundamentadas na comunicação de tipo las aumentar dialogicamente. Mais
dialógico e na possibilidade de ser discutida precisamente e concretamente isto
em termos de consenso. No entanto, ao elevar significa trabalhar no sentido de iden-
o processo de colaboração que ocorre entre tificar, clarificar e modificar regras
a organização e os seus públicos ultrapassa- que possam medir a compreensão
se a noção estratégica de consenso, visto que entre a organização e os públicos, no
o consenso resulta de uma comunicação sentido de um consenso cada vez mais
aberta, sem objectivos estratégicos. Esta incrementado sobre as regras
perspectiva levou autores como Ron Pearson comunicacionais.”15
412 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume II
4
Bibliografia Citado por Grunig e Hunt (op. cit., p.7).
5
Em 1984, Grunig e Hunt na obra conjunta
Bowen, Shannon, “Expansion of ethics Managing Public Relations defendem a possibi-
lidade de estudar o desenvolvimento histórico das
as the tenth generic principle of public
relações públicas através de quatro modelos
relations excellence: a kantian theory and básicos (op. cit., p.21-43). Este estudo foi apli-
model for managing ethical issues”, in cado nos EUA mas devido à sua pertinência já
Journal of Public Relations Research, 16 (1), foi aplicado em muitos outros países europeus
65-92, 2004. (incluindo Portugal). Veja-se a título de exemplo
Chiavenato, Idalberto, Introdução à te- Van Ruler et al. (2004), “A first look for parameters
oria das organizações, Brasília, Ed. Pionei- of public relations in Europe”, Public Relations
ra, 1979. Research, 16 (1), 34-63.
6
Grunig e Hunt, op. cit., p. 93.
Cutlip, S. M., Center, A.H., & Broom, 7
Scott Cutlip e Allen Center, Relaciones
G.M., Relaciones Publicas Eficaces, Barce- Públicas Eficaces, New Jersey, Prentice-Hall,
lona, ediciones Gestión 2000 S.A., 2001. 2001, p. 303.
Grunig, J.E. & Hunt, T., Managing 8
A literatura anglo-saxónica opõe o conceito
public relations, New York, Holt, Rinehart shareholder (accionistas) a stakeholders (aqueles
& Winston, 1984. que “detêm algo”), um termo que aparece nos EUA
Grunig, J. E., “What is excellence in nos anos 60.
9
management?”, in J. E. Grunig (Ed.) Robert C. Solomon, “La etica de los
negocios”, in Peter Singer (ed.),”Compendio de
Excellence in Public Relations and ética, Madrid, Alianza Editorial, 1995, p. 483-498.
Communication Management, Hillsdale NJ, 10
A SA 8000 é um padrão ético desenvolvido
Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992. para promover o negócio social responsável,
Grunig, J.E. & Grunig, L.A, “Models enunciando os requisitos que uma empresa deve
of public relations and communication”, in adoptar para desenvolver, manter e executar
J. E. Grunig (Ed.), Excellence in Public políticas e procedimentos éticos e de responsa-
Relations and Communication Management, bilidade social. Tem como objectivo melhorar as
condições de trabalho através de uma política de
Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum Associates,
responsabilidade social, apoio técnico e
Inc., 1992. consciencialização. Trata-se da primeira norma
Grunig, J.E. & White, J., “The effect of internacional que realiza auditorias que digam
worldviews on public relations theory and respeito aos direitos dos trabalhadores, proporci-
practice”, in J. E. Grunig (Ed.), Excellence onando parâmetros e definições que garantem o
in Public Relations and Communication respeito dos direitos dos trabalhadores.
11
Management, Hillsdale NJ, Lawrence O primeiro estudo que analisa a importân-
cia dos critérios éticos no acto de compra foi
Erlbaum Associates, Inc., 1992.
realizado em 2000, pela MORI - Market and
Habermas, Jürgen, Théorie de l’Agir Opinion Research International envolvendo toda
Communicationnel, Paris, Fayard, 1986. a Europa (12 mil consumidores espalhados por
White, J., & Dozier, D., “Public relations 12 países europeus: Finlândia, Grã-Bretanha, Itália,
and management decision making”, in J. E. Suíça, Espanha, França, Bélgica, Alemanha,
Grunig (Ed.), Excellence in Public Relations Suécia, Dinamarca, Holanda e Portugal). Este
and Communication Management, Hillsdale estudo demonstra que dois terços dos cidadãos
NJ, Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992. europeus defendem a visão de que «a responsa-
bilidade para dirigir os assuntos sociais é detida
Solomon, Robert C., “La etica de los
cada vez mais tanto pelas grandes empresas, como
negocios”, in Peter Singer (ed.), Compendio pelo Estado». Nos doze países incluídos neste
de ética, Madrid, Alianza Editorial, 1995. estudo, mais de metade da população acredita que
o empenho da empresa em ser socialmente
responsável é um factor extremamente importan-
_______________________________ te no processo de compra. Em sete países (Por-
1
Universidade da Beira Interior. tugal não é um deles) um número substancial
2
James E. Grunig e Todd Hunt, Managing dos consumidores afirma estar disposto a pagar
Public Relations, New York, Holt, Rinehart & mais por produtos que sejam socialmente res-
Winston, 1984, p. 8-9. ponsáveis. (dados do estudo compiladas de
3
Idalberto Chiavenato, Introdução à teoria das Marketeer nº 79, Fevereiro 2003 e Sair da Casca:
organizações, Brasília, Ed. Pioneira, 1979, 781. www.sairdacasca.pt)
PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS 415
12
Cutlip e Center, op. cit., 37. 16
James Grunig e L.A. Grunig, “Models of
13
As 600 páginas desta obra são resultado public relations and communication”, in J. E.
de uma extensa investigação encomendada pela Grunig (Ed.), Excellence in Public Relations and
Research Foundation of International Association Communication Management, Hillsdale NJ,
of Businees Comunicators (IABC) e custou mais Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992, p. 308.
de 400 mil dólares. Neste estudo liderado por 17
James Grunig e Jon White, “The effect of
James E. Grunig participam vários investigadores
worldviews on public relations theory and
americanos, canadianos e europeus.
14 practice”, in J.E. Grunig (Ed.), Excellence in
James Grunig e J. White in “What is
Public Relations and Communication
excellence in management?”, J. E. Grunig (Ed.),
Excellence in Public Relations and Communication Management, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum
Management, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992, p.46.
18
Associates, Inc., 1992, p. 57. Grunig e White, op.cit., p. 47.
19
15
Citado por James Grunig e J. White in James Grunig, “What is excellence in
“What is excellence in management?”, J. E. Grunig management?”, in J. E. Grunig (Ed.) Excellence
(Ed.), Excellence in Public Relations and in Public Relations and Communication
Communication Management, Hillsdale NJ, Management, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum
Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992, p. 60. Associates, Inc., 1992, p. 241.