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Relações Públicas e responsabilidade pública:


da visão sistémica à visão altruísta
Gisela Marques Pereira Gonçalves1

“Public relations is the practice reajustar continuamente (retroacção ou


of social responsibility” feedback), para acompanhar o ritmo de
Edward L. Bernays desenvolvimento tecnológico, a evolução do
mercado e as mudanças sociais, culturais e
Conceitos como responsabilidade social, até políticas.
balanço social, programas de voluntariado,
cidadania empresarial ou corporativa são “O sistema aberto pode ser compre-
comuns no actual panorama português, em endido como um conjunto de partes
que muitas empresas optam por transmitir em constante interacção (o que res-
uma postura responsável através de ligações salta a característica da interdepen-
com ONG’s ou promovendo acções de in- dência das partes), constituindo um
teresse comunitário. todo sinergético (o todo é mais que
Uma análise da ideia de responsabilidade a soma das suas partes), orientado para
social das empresas perspectivada pela teoria determinados propósitos (com um
das relações públicas pode ser considerada, comportamento teleológico orientado
à primeira vista, contraditória devido à ainda para fins) e em permanente relação
habitual má interpretação desta profissão,
de interdependência com o ambiente
reduzida a uma técnica de persuasão ou
externo (interdependência que há-de
manipulação da opinião pública e ao desco-
ser entendida como a dupla capaci-
nhecimento sobre o seu real papel nas or-
dade de influenciar o meio externo e
ganizações. Frente a este aparente paradoxo
de ser por ele influenciado)”.3
torna-se pertinente uma reflexão sobre a
verdadeira relação entre relações públicas e
a conduta socialmente responsável das orga- Esta dupla capacidade da empresa in-
nizações. fluenciar e de ser influenciada pelo ambi-
ente envolvente, além de ser um ponto
I. Breve visão sistémica das Relações nevrálgico na teoria geral dos sistemas
Públicas (teorizada por Berthalanffy), oferece um
esquema conceptual privilegiado para per-
Em Managing Public Relations, obra ceber o papel das relações públicas na
incontornável no estudo sobre a comunica- organização. Rex Harlow apresenta uma
ção organizacional, James E.Grunig e Todd definição clara desta perspectiva:
Hunt apresentam uma abordagem sistémica
das relações públicas, definindo-as como um «Relações Públicas é a função de
“subsistema administrativo de apoio” à di- gestão que ajuda a estabelecer e
recção da empresa e aos outros subsistemas manter canais mútuos de comunica-
integrantes.2 ção, a aceitação e cooperação entre
A abordagem sistémica das relações a organização e os seus públicos, que
públicas pressupõe uma visão da organiza- envolve a administração de crises ou
ção enquanto sistema aberto. Nesta perspec- controvérsias; que auxilia a adminis-
tiva, a sobrevivência de uma organização tração a manter-se informada e a
depende da relação dinâmica de intercâmbi- responder à opinião pública; que
os que desenvolve com o meio ambiente onde define e enfatiza a responsabilidade
está inserida. Como qualquer sistema aberto, da administração em servir o interes-
emite outputs para o ambiente e tem de se se público».4
408 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume II

No mesmo sentido, Grunig e Hunt atri- deste segundo modelo de relações públicas.
buem às relações públicas o papel que os Os modelos unidireccionais de relações
teóricos das organizações, como Katz e Kahn, públicas demonstram que a comunicação das
denominam “boundary role”. Esta caracte- organizações nem sempre foi regida pelo
rística, típica do sistema aberto, pode ser conceito de sistema aberto. Este facto é visível
descrita como uma barreira existente entre na actividade de relações públicas que se
o sistema e o ambiente, que definem não só limita à produção de informação de forma
a esfera de acção do próprio sistema, mas eficiente, mas sem ter em conta se essa
também, o seu grau de abertura (receptividade comunicação vai, de facto, ao encontro das
de inputs) em relação ao ambiente. necessidades de informação da organização
O papel “limite ou fronteira” das rela- ou de outros sistemas existentes no meio
ções públicas traduz-se no apoio a outros ambiente. Nestes casos, como sublinham
subsistemas da organização, quer na ajuda Grunig e Hunt,
à comunicação entre os vários subsistemas
internos como também, na comunicação da “O director de relações públicas de
organização com os sistemas externos (or- um sistema fechado concentra-se em
ganizações concorrentes, não concorrentes, o motivar um grupo de técnicos de
governo, ou qualquer outro público externo). comunicação para que lancem um
Neste sentido, o subsistema relações públi- produto jornalístico e em controlar a
cas funciona no limite da organização por- qualidade do seu trabalho, sem se
que, por um lado, integra os outros preocupar com a necessidade do
subsistemas internos e controla o conflito produto ou o seu impacto”.6
comunicacional entre eles, mas por outro,
também negoceia as exigências do ambiente As relações públicas praticadas segundo
e a necessidade das organizações nele sobre- o sistema fechado apenas pretendem manter
viverem e prosperarem. o status quo da organização enquanto diri-
Uma das aplicações mais interessantes da gem os seus esforços para modificar o
perspectiva sistémica à teoria das relações ambiente, no sentido que lhe for mais fa-
públicas encontra-se na sistematização desen- vorável. Esta perspectiva, ainda muito habi-
volvida por Grunig e Hunt sobre a evolução tual na prática de alguns departamentos de
das relações públicas nos EUA em quatro relações públicas advém, claramente, de
modelos teóricos: Press agentry/ publicity, ideias erróneas quanto ao verdadeiro papel
public information, two-way asymmetric e das relações públicas. Ou seja, a visão das
two-way symmetric model.5 relações públicas enquanto actividade empre-
Os dois primeiros modelos de relações sarial sem qualquer tipo de preocupação sobre
públicas situam-se historicamente no final do como influenciar as próprias organizações
séc. XIX e no início do XX, respectivamen- quanto à sua missão, filosofia de gestão ou
te, caracterizando-se por uma comunicação responsabilidade pública.
unidireccional: da organização para os pú- Também os autores de Effective Public
blicos. No modelo “Agente publicitador”, as Relations, outra obra marcante na investiga-
relações públicas têm uma função persuasiva ção sobre relações públicas, sobretudo a partir
e propagandística, e por isso, difundem da 6ª edição (com a colaboração do enfoque
informação aos seus públicos e por sistémico de Glen Broom) defendem que
consequência, à opinião pública, muitas vezes “Uma aproximação própria dos sistemas
incompleta, ou até manipulada. Já no mo- abertos modifica radicalmente a prática das
delo de “Informação pública”, a finalidade relações públicas.7 Segundo Cutlip e Center,
das relações públicas é a difusão de infor- só o modelo de sistema aberto tem a capa-
mação mas não necessariamente com inten- cidade de iniciar acções correctivas dentro
ção persuasiva, pois ao contrário do modelo das organizações (onde se desenvolvem tro-
anterior, a veracidade das mensagens é cas internas entre os seus vários subsistemas),
considerada fundamental. A máxima de Ivy através de um ajuste recíproco de output-
Ledbetter Lee «O público tem o direito de feedback que permita dirigir programas de
ser informado» é a personificação perfeita comunicação que influenciem os conhecimen-
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tos, predisposição e comportamento dos comunicação desenvolvida pelas relações


diferentes públicos. públicas, ao contrário das pressuposições das
Na mesma linha de pensamento, os teorias persuasivas, é facilitar a compreensão
autores de Managing Public Relations defen- entre os subsistemas da organização, entre
dem que um modelo ideal de relações pú- o sistema e outros sistemas presentes no meio
blicas só será alcançado através do enfoque ambiente, ou em última instância, entre as
de sistema aberto, presente nos modelos próprias pessoas. O verdadeiro interesse da
bidireccionais. A distinção entre o “Modelo perspectiva simétrica bidireccional da dou-
assimétrico bidireccional” e “Modelo simé- trina de James Grunig encontra-se, portanto,
trico bidireccional” é o ponto principal da na possibilidade de configurar uma teoria
sistematização de Grunig e Hunt. Historica- ética das relações públicas.
mente, como indicam estes investigadores, o
modelo assimétrico desenvolveu-se a partir II. Relações Públicas simétricas ou a
dos anos 20 do século passado, e o simétrico prática da responsabilidade pública
desde os anos 60, mas de facto, todos os
quatro modelos continuam em aplicação nos A ideia de responsabilidade social é um
nossos dias. conceito central na literatura sobre ética
A essência da bidirecionalidade empresarial. O debate oscila entre dois
comunicacional destes dois modelos é a extremos: reduzir a responsabilidade da
investigação. Mas apesar de ambos basearem empresa à obtenção de lucro (do interesse
a sua acção em pesquisas e métodos cien- dos accionistas) e sobrevivência da empresa
tíficos para melhor conhecerem os seus (do interesse dos trabalhadores) ou defender
públicos, o “Modelo assimétrico bidi- uma extensão da responsabilidade da empre-
reccional” utiliza a investigação sobre o sa a toda a comunidade. No primeiro caso,
público com o objectivo de melhor o per-
egoísmo e no segundo altruísmo empresari-
suadir, enquanto que, no “Modelo simétrico
al.
bidireccional” a organização parte da inves-
Segundo R.C. Solomon, só a teoria das
tigação para responder às “necessidades”
“partes interessadas”, consegue acoplar as
formuladas pelo próprio público (por exem-
duas perspectivas. Segundo este autor, esta
plo, reclamações ou sugestões). Ou seja, só
teoria tornou-se popular na ética empresarial
o “Modelo simétrico bidireccional” ilustra
através de um modesto jogo de palavras: em
uma relação de comunicação em que emissor
vez do accionista (stockholder), os
e receptor partilham iniciativa e interesses
beneficiários das responsabilidades sociais da
de modo mais equilibrado.
Nos modelos bidireccionais subentende- empresa são as partes interessadas
se que os subsistemas da organização se (stakeholders)8, de que os accionistas são
condicionam uns aos outros, e também, que apenas uma subclasse. Os stakeholders de
afectam e são afectados pelos sistemas do uma empresa são todos os que são afectados
ambiente. Mas, numa perspectiva de sistema e que têm direitos e expectativas legítimas
aberto, utilizar aproximações simétricas em relação às actividades da empresa, o que
bidireccionais, significa que a comunicação inclui empregados, consumidores, fornecedo-
além de ser bidireccional (comum aos dois res, assim como a comunidade envolvente
modelos) deve permitir o intercâmbio de e a sociedade no seu conjunto.9
informação que provoque modificações em A teoria das “partes interessadas” apre-
ambos os lados da relação: organização e senta uma visão sistémica da empresa com
públicos (sistema e meio ambiente). a vantagem de permitir estender o enfoque
Em última análise, e aqui reside a sua das preocupações empresarias sem perder de
importância, só o “Modelo simétrico vista o objectivo estratégico de maximização
bidireccional” consegue representar uma dos lucros. Neste sentido, enquadra-se numa
ruptura com a visão global predominante das visão utilitarista dos problemas éticos na
relações públicas enquanto via de manipu- empresa, em que a ética não pretende servir
lação dos públicos em benefício da organi- um ideal, mas simplesmente um meio para
zação. Porque a finalidade principal da atingir um determinado fim.
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Pensemos num caso concreto do merca-


do português: Delta – a primeira empresa
portuguesa a receber a certificação de res-
ponsabilidade social (segundo a norma SA
8000)10. “Um café por Timor” foi a sua acção
mais mediática: na compra de uma emba-
lagem de Café Delta Timor a empresa com-
prometia-se a enviar 50$00 para Timor,
revertendo esta quantia para a construção de
infra-estruturas de apoio à população, cons-
trução de escolas e fornecimento de equipa-
mentos e materiais escolares.
Se observarmos as campanhas publicitá-
rias da Delta (a seguir exemplificadas) alu-
sivas ao posicionamento humanitário da
empresa e ao prémio de certificação social,
somos automaticamente levados a duas in- Prémio de certificação social.
terpretações antagónicas: altruísmo comuni-
tário, ou interesse puramente comercial? À luz da abordagem utilitarista clássica,
Dever moral ou interesse próprio? em que a melhor acção é a que busca a maior
felicidade para o maior número de indiví-
duos, os comportamentos altruístas da em-
presa Delta estariam justificados pelo objec-
tivo de provocar consequências favoráveis:
por um lado, aos timorenses e por outro, aos
donos da empresa, aos trabalhadores, con-
sumidores, outras partes interessadas ou à
sociedade em geral.
Mas numa interpretação mais céptica,
poderia concluir-se que apenas o interesse dos
donos da empresa é tomado em considera-
ção. Apesar de vários públicos ficarem a
ganhar com o comportamento altruísta, a
Delta é sempre quem ganha mais. Senão a
breve, pelo menos a longo prazo, com a
consolidação da imagem de “marca amiga”,
que incrementará as suas vendas. Além disso,
esta avaliação egoísta da estratégia sai ainda
mais reforçada se a própria publicitação do
prémio de empresa socialmente responsável
for interpretada como um meio para atingir
um objectivo empresarial: o lucro.
Ainda se pode colocar a questão de outra
forma. Quando uma empresa se associa a uma
causa social (neste caso Timor) não significa
que prescinda do seu objectivo natural,
vender. Pode significar apenas, que o faz
reflectindo os valores sociais da empresa. E
esses valores só podem ser o resultado de
uma troca sistémica com o ambiente onde
a empresa se insere. Se o consumidor se
Dois anúncios da campanha Delta preocupa cada vez mais em consumir pro-
“Um café por Timor”. dutos de empresas responsáveis, é lógico que
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este feedback influencie as estratégias da a desenvolver uma teoria ética das relações
empresa, passando a ser mais um input públicas enquadrada na filosofia de Jürgen
processado pela empresa. Neste contexto, os Habermas.
outputs são as acções socialmente responsá- Habermas parte do princípio que é a ideia
veis.11 de comunicação que nos constitui e que
A discussão sobre a ética empresarial encerra os critérios de validade da própria
estende-se, inevitavelmente às relações pú- comunicação e dos seus resultados. Ao falar
blicas, quando definidas como “Função de e discutir sobre questões normativas, que são
direcção que estabelece e mantém relações as que nos separam, expressamos as nossas
mutuamente benéficas entre uma organiza- posições contrárias. Mas, se dialogamos é
ção e os públicos dos quais depende o seu porque procuramos o consenso. Não o con-
êxito ou fracasso”. 12 Nesta perspectiva, senso alcançado numa acção comunicativa em
qualquer decisão sobre a responsabilidade que a relação entre os falantes não é simé-
social das empresas passa necessariamente trica mas desigual (relação de domínio de
pelo profissional de relações públicas, e por uns sobre os outros, patente num modelo
isso mesmo, torna-se pertinente estudar o que assimétrico de relações públicas) mas sim,
fundamenta e regula as suas opções de o consenso alcançado numa comunicação
assessoria. justa e simétrica – acordo que merece ser
O modelo simétrico de relações públicas qualificado de racional.
de James Grunig pode ser o ponto de partida Ron Pearson baseia-se no conceito
para este estudo sobre a responsabilidade habermasiano de “situação de comunicação
social das empresas modernas. Em Excellence ideal” para desenvolver uma teoria ética das
in Public Relations and communication relações públicas. A partir de uma premissa
management, Grunig amadurece a sua teoria base coloca dois imperativos morais:
simétrica bidireccional enquanto teoria
normativa das relações públicas, o único “Premissa básica: a questão ética nas
modelo para atingir a comunicação excelen- relações públicas não é, fundamental-
te.13 mente, sobre se é certo ou errado dizer
Grunig parte do princípio de que a re- a verdade, roubar clientes, aceitar
lação habitual entre empresa e públicos é de almoços ou subornos ou passar infor-
desequilíbrio de poder porque muitas empre- mações confidencias, etc. As relações
sas ignoram, pura e simplesmente, as con- públicas praticadas eticamente são
sequências das suas acções quando os seus sobretudo uma questão de implemen-
objectivos individuais são colocados à pro- tar e manter a comunicação entre
va. Daí afirmar que o oposto só irá acontecer sistemas inter-organizacionais, cuja
se os profissionais reagirem a um imperativo questão, discussão e validação é
de ordem moral: “Acreditamos mais que as exigida por essa ética substantiva.”
relações públicas devem basear-se numa “Imperativos moral básico: 1) é um
perspectiva que incorpore a ética no proces- imperativo moral estabelecer e man-
so de relações públicas do que numa posição ter relações comunicacionais com
que debata apenas a ética dos resultados todos os públicos afectados pela acção
alcançados.”14 da organização. 2) é um imperativo
As muitas páginas que Grunig dedica à moral melhorar a qualidade dessas
teoria simétrica das relações públicas são relações comunicacionais, isto é, faze-
fundamentadas na comunicação de tipo las aumentar dialogicamente. Mais
dialógico e na possibilidade de ser discutida precisamente e concretamente isto
em termos de consenso. No entanto, ao elevar significa trabalhar no sentido de iden-
o processo de colaboração que ocorre entre tificar, clarificar e modificar regras
a organização e os seus públicos ultrapassa- que possam medir a compreensão
se a noção estratégica de consenso, visto que entre a organização e os públicos, no
o consenso resulta de uma comunicação sentido de um consenso cada vez mais
aberta, sem objectivos estratégicos. Esta incrementado sobre as regras
perspectiva levou autores como Ron Pearson comunicacionais.”15
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Neste sentido, as relações públicas simé- do modelo assimétrico e simétrico, porque


tricas, ao propiciarem um fórum de diálogo compatibiliza comportamentos respeitantes a
para pessoas de diferentes interesses têm ambos (persuasão e sintonia de interesses).
como objectivo alcançar o consenso e assim Este modelo não pretende representar uma
garantir que as normas consideradas válidas ruptura com a simetria bidireccional, apenas
sejam apenas as que exprimem uma vontade pressupõe um novo enfoque, menos
geral. Logo, sempre que o diálogo seja normativo e mais de acordo com a realidade
estruturado de acordo com regras éticas de profissional. No “Modelo simétrico de
comunicação, sublinhadas pela perspectiva motivação mista”, a partir do seu papel de
simétrica, o resultado será ético. “antagonista cooperante” (servir o interesse
de ambas as partes) o relações públicas pode
III. Os “motivos mistos” da responsabi- utilizar tácticas persuasivas tanto em relação
lidade social ao concelho de direcção da organização como
com os seus públicos.
O modelo simétrico de relações públicas, O modelo de “motivos mistos”, como à
enquanto ideal não-consequencialista de partida parece sugerir, não torna a perspec-
comportamento ético tem sido alvo de muitas tiva simétrica de relações públicas irrealista.
contestações. A crítica mais comum incide Porque o raciocínio de Grunig está funda-
na visão irrealista do papel simétrico das mentado no conceito de reciprocidade, en-
relações públicas, por não traduzir uma quanto componente universal do código
realidade empírica. O próprio Grunig cita moral: não faças aos outros o que não queres
autores como M. Olasky e O. Gandy que que te façam a ti. “As organizações exce-
suportam o argumento de que “todas as lentes deram-se conta de que podem alcan-
relações públicas são não-éticas” através de çar o que querem dando aos seus públicos
variada investigação crítica.16 algo do que estes pretendem.”17 Esta posição
De facto, qualquer profissional está é explicitada no recurso ao pensamento do
condicionado pelos objectivos fortemente sociólogo funcionalista Alvin Gouldner:
económicos da empresa a que pertence, e por
isso, dividido na lealdade pela organização «As organizações que não aderirem
mas também, pelo público que possa ser a esta norma geral [reciprocidade]
afectado pelas acções da organização. Neste perdem a confiança e a credibilidade
sentido, sugerir que uma empresa (a Delta da sociedade a que pertencem. Por
por exemplo) actua de forma responsável, isso, as organizações excelentes são
motivada por um imperativo moral, de tipo as que incorporam esta norma na sua
kantiano, não só é irrealista como impossível ética organizacional ou de negócios,
de comprovar, pela natureza íntima da de- e em simultâneo na ética das suas
cisão. relações públicas. A norma da reci-
O próprio Grunig confirma que muitas procidade é a essência do que geral-
das investigações empíricas mostram que as mente se chama responsabilidade
organizações praticam vários modelos de social».18
relações públicas, tanto simétricos como
assimétricos, simultânea ou sucessivamente. Uma crítica possível de colocar a este
As empresas praticam os modelos que apre- quadro ético: a lógica da reciprocidade é
sentam as melhores soluções para elas, tendo quebrada porque não há igualdade de pode-
em vista os objectivos primários de sobre- res entre a empresa e os seus públicos. Grunig
vivência no mercado. salvaguarda a sua teoria afirmando que este
Frente a este paradoxo, Grunig em con- facto já só acontece muito dificilmente na
junto com a sua esposa Larissa e David sociedade moderna, sobretudo devido à forte
Dozier, apresenta em 1995, na obra presença de diferentes grupos de pressão
Manager’s guide to excellence in public (como os mass media ou as associações de
relations and communication management, defesa do consumidor). Para ilustrar esta
um quinto modelo: o “Modelo simétrico de simetria pode-se recorrer mais uma vez ao
motivação mista”. Este modelo é um misto caso de Timor em que os portugueses
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embargaram os produtos “made in públicos e da sociedade. As relações


Indonésia”, numa adesão a uma causa social públicas excelentes conseguem isso
nunca vista até então em Portugal. através da planificação estratégica de
No fundo, a tese mais interessante de programas simétricos de comunicação.
James Grunig e de outros investigadores que Se as organizações excelentes são
fundamentam as suas investigações no publicamente responsáveis, necessi-
modelo simétrico de relações públicas é que tam de relações públicas excelentes
as organizações e os públicos necessitam para as ajudar a atingir esse objec-
encontrar um equilíbrio, uma posição que tivo”19
agrade a ambas partes. A utilização de tác-
ticas assimétricas (persuasivas ou propagan- Só na procura permanente do equilíbrio
distas) só será legítima como forma de entre públicos e organizações as relações
alcançar essa posição de equilíbrio. O modelo públicas poderão desenvolver acções
de relações públicas ideal continua a ser satisfatórias para ambas partes. Fora desta
simétrico, já que essas práticas estarão vin- zona neutra, haverá desequilíbrio comunica-
culadas a uma percepção simétrica que res- tivo, podendo predominar os interesses de
peite a integridade das relações a largo prazo. uma ou outra das partes. Às relações públi-
Como enfatiza a doutrina de James Grunig: cas compete, assim, a difícil tarefa de fazer
a leitura do ambiente através de auditorias
“Um dos maiores propósitos das sociais e mediando, através de programas de
relações públicas excelentes é conse- comunicação socialmente responsáveis, as
guir equilibrar os interesses privados relações das organizações com a sociedade
da organização com os interesses dos em geral.
414 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume II

4
Bibliografia Citado por Grunig e Hunt (op. cit., p.7).
5
Em 1984, Grunig e Hunt na obra conjunta
Bowen, Shannon, “Expansion of ethics Managing Public Relations defendem a possibi-
lidade de estudar o desenvolvimento histórico das
as the tenth generic principle of public
relações públicas através de quatro modelos
relations excellence: a kantian theory and básicos (op. cit., p.21-43). Este estudo foi apli-
model for managing ethical issues”, in cado nos EUA mas devido à sua pertinência já
Journal of Public Relations Research, 16 (1), foi aplicado em muitos outros países europeus
65-92, 2004. (incluindo Portugal). Veja-se a título de exemplo
Chiavenato, Idalberto, Introdução à te- Van Ruler et al. (2004), “A first look for parameters
oria das organizações, Brasília, Ed. Pionei- of public relations in Europe”, Public Relations
ra, 1979. Research, 16 (1), 34-63.
6
Grunig e Hunt, op. cit., p. 93.
Cutlip, S. M., Center, A.H., & Broom, 7
Scott Cutlip e Allen Center, Relaciones
G.M., Relaciones Publicas Eficaces, Barce- Públicas Eficaces, New Jersey, Prentice-Hall,
lona, ediciones Gestión 2000 S.A., 2001. 2001, p. 303.
Grunig, J.E. & Hunt, T., Managing 8
A literatura anglo-saxónica opõe o conceito
public relations, New York, Holt, Rinehart shareholder (accionistas) a stakeholders (aqueles
& Winston, 1984. que “detêm algo”), um termo que aparece nos EUA
Grunig, J. E., “What is excellence in nos anos 60.
9
management?”, in J. E. Grunig (Ed.) Robert C. Solomon, “La etica de los
negocios”, in Peter Singer (ed.),”Compendio de
Excellence in Public Relations and ética, Madrid, Alianza Editorial, 1995, p. 483-498.
Communication Management, Hillsdale NJ, 10
A SA 8000 é um padrão ético desenvolvido
Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992. para promover o negócio social responsável,
Grunig, J.E. & Grunig, L.A, “Models enunciando os requisitos que uma empresa deve
of public relations and communication”, in adoptar para desenvolver, manter e executar
J. E. Grunig (Ed.), Excellence in Public políticas e procedimentos éticos e de responsa-
Relations and Communication Management, bilidade social. Tem como objectivo melhorar as
condições de trabalho através de uma política de
Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum Associates,
responsabilidade social, apoio técnico e
Inc., 1992. consciencialização. Trata-se da primeira norma
Grunig, J.E. & White, J., “The effect of internacional que realiza auditorias que digam
worldviews on public relations theory and respeito aos direitos dos trabalhadores, proporci-
practice”, in J. E. Grunig (Ed.), Excellence onando parâmetros e definições que garantem o
in Public Relations and Communication respeito dos direitos dos trabalhadores.
11
Management, Hillsdale NJ, Lawrence O primeiro estudo que analisa a importân-
cia dos critérios éticos no acto de compra foi
Erlbaum Associates, Inc., 1992.
realizado em 2000, pela MORI - Market and
Habermas, Jürgen, Théorie de l’Agir Opinion Research International envolvendo toda
Communicationnel, Paris, Fayard, 1986. a Europa (12 mil consumidores espalhados por
White, J., & Dozier, D., “Public relations 12 países europeus: Finlândia, Grã-Bretanha, Itália,
and management decision making”, in J. E. Suíça, Espanha, França, Bélgica, Alemanha,
Grunig (Ed.), Excellence in Public Relations Suécia, Dinamarca, Holanda e Portugal). Este
and Communication Management, Hillsdale estudo demonstra que dois terços dos cidadãos
NJ, Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992. europeus defendem a visão de que «a responsa-
bilidade para dirigir os assuntos sociais é detida
Solomon, Robert C., “La etica de los
cada vez mais tanto pelas grandes empresas, como
negocios”, in Peter Singer (ed.), Compendio pelo Estado». Nos doze países incluídos neste
de ética, Madrid, Alianza Editorial, 1995. estudo, mais de metade da população acredita que
o empenho da empresa em ser socialmente
responsável é um factor extremamente importan-
_______________________________ te no processo de compra. Em sete países (Por-
1
Universidade da Beira Interior. tugal não é um deles) um número substancial
2
James E. Grunig e Todd Hunt, Managing dos consumidores afirma estar disposto a pagar
Public Relations, New York, Holt, Rinehart & mais por produtos que sejam socialmente res-
Winston, 1984, p. 8-9. ponsáveis. (dados do estudo compiladas de
3
Idalberto Chiavenato, Introdução à teoria das Marketeer nº 79, Fevereiro 2003 e Sair da Casca:
organizações, Brasília, Ed. Pioneira, 1979, 781. www.sairdacasca.pt)
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12
Cutlip e Center, op. cit., 37. 16
James Grunig e L.A. Grunig, “Models of
13
As 600 páginas desta obra são resultado public relations and communication”, in J. E.
de uma extensa investigação encomendada pela Grunig (Ed.), Excellence in Public Relations and
Research Foundation of International Association Communication Management, Hillsdale NJ,
of Businees Comunicators (IABC) e custou mais Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992, p. 308.
de 400 mil dólares. Neste estudo liderado por 17
James Grunig e Jon White, “The effect of
James E. Grunig participam vários investigadores
worldviews on public relations theory and
americanos, canadianos e europeus.
14 practice”, in J.E. Grunig (Ed.), Excellence in
James Grunig e J. White in “What is
Public Relations and Communication
excellence in management?”, J. E. Grunig (Ed.),
Excellence in Public Relations and Communication Management, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum
Management, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992, p.46.
18
Associates, Inc., 1992, p. 57. Grunig e White, op.cit., p. 47.
19
15
Citado por James Grunig e J. White in James Grunig, “What is excellence in
“What is excellence in management?”, J. E. Grunig management?”, in J. E. Grunig (Ed.) Excellence
(Ed.), Excellence in Public Relations and in Public Relations and Communication
Communication Management, Hillsdale NJ, Management, Hillsdale NJ, Lawrence Erlbaum
Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1992, p. 60. Associates, Inc., 1992, p. 241.

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