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PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS 453

Que públicos para as Relações Públicas?


Mafalda Eiró-Gomes, João Duarte1

1. Origens do conceito de público comum. Mills defende que na massa existem


muitos mais receptores que emissores de
O conceito de público enquanto colec- opinião, e que os receptores se baseiam nos
tividade social emerge dos ideais iluministas media para recolher impressões (Cf. Mills,
democráticos dos finais do Séc. XVII, iní- 1959). Para além disso, as comunicações que
cios do Séc. XVIII. A sua construção enquan- prevalecem são tão organizadas que é difícil
to conceito foi feita pela comparação e ou mesmo impossível aos indivíduos dar
diferenciação face aos conceitos de Multidão resposta imediata e com algum tipo de efeito
e de Massa, que estão também associados real. A realização da opinião em acção é, por
a dois modelos de sociedade distintos. As isso, controlada por autoridades que super-
multidões como formas de agrupamento visionam e organizam os canais dessa acção
humano associadas às sociedades tradicionais, e que chegam a colocar agentes na massa
e as massas como formas de agregação que reduzem a autonomia para formar opi-
ligadas ao desenvolvimento das sociedades nião através da discussão. Blumer (1946)
modernas. refere que as especificidades das massas estão
A noção de multidão tem origem na relacionadas com o facto dos seus membros
psicologia das multidões, percursora da virem de estratos sociais diferentes sendo, por
psicologia social. Segundo Gustave Le Bon, isso, indivíduos anónimos; com o facto das
o comportamento duma multidão resulta do pessoas que compõem as massas não
anonimato dos seus membros que gera uma interagirem em virtude do seu afastamento
percepção de invencibilidade e uma falta de físico e não possuírem, portanto, uma noção
responsabilidade pessoal (Cf. Le Bon, 1895). do todo; e com o facto da massa ter uma
Além disso, a multidão apaga as capacidades organização tão escassa que não lhe permite
intelectuais e reduz o comportamento dos seus agir colectivamente.
membros a factores predominantemente
emocionais. Gabriel Tarde, outro pensador das 2. Públicos em Relações Públicas
multidões, defende que estes agrupamentos
sociais são de ordem inferior, dependem de As pesquisas sobre públicos no campo
factores ambientais e são marcados por uma das Relações Públicas têm sido mais ou
homogeneidade ao nível dos que a compõem menos orientadas por um núcleo de questões
(Cf. Tarde, 1904). Robert Park entende que centrais que Botan e Soto (Cf. Botan e Soto,
na multidão existe uma reciprocidade primá- 1998) identificam como (a) definição – o que
ria que resulta de uma atenção partilhada e são os públicos; (b) segmentação – como
exerce um controlo sobre os membros anu- diferenciar significativamente os públicos; (c)
lando a sua autonomia e as suas diferenças função – quais os papéis que diferentes
individuais. Nas multidões deve falar-se mais públicos desempenham na sociedade; (d)
em obediência do que em reflexão racional processo – como é que os públicos ganham
(Cf. Park, 1921). existência e respondem de determinada for-
Já as massas definem-se pelo isolamento ma.
interpessoal, sendo compostas por indivídu- Estas questões têm sido abordadas por
os anónimos que se envolvem em muito autores de diferentes perspectivas com evi-
pouca interacção e comunicação – as pessoas dente hegemonia da perspectiva situacional
não têm noção do todo. Uma massa é ex- introduzida por Grunig e Repper (1992). Além
tremamente heterogénea e aquilo que une as desta perspectiva, Vasquez e Maureen iden-
pessoas é um foco de atenção ou interesse tificam a Perspectiva de Massa, a Perspecti-
454 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume II

va de Construção da Agenda e a Perspectiva 2.3 Perspectiva da construção da agenda


do Homo Narrans (Cf. Vasquez e Maureen,
2001). Ligada aos trabalhos de Cobb & Elder
(1983), esta perspectiva assenta numa teoria
2.1 Perspectiva de massa democrática da participação política que vê
um público como um estado estável de
Esta perspectiva está ligada às noções envolvimento político. A principal caracte-
clássicas de democracia, e encara o público rística dos públicos seria o seu envolvimento
como o conjunto de todos os cidadãos que com os assuntos da vida política, e o estudo
têm o dever cívico de participar em todos do funcionamento dos públicos seria limita-
os assuntos da vida colectiva. O público é do ao estudo das estratégias que os públicos
aqui concebido como «(...) um estado de utilizam para tentar colocar os seus assuntos
consciência permanente e personificado que na agenda e alargar os assuntos a públicos
é motivado para a acção através de uma mais abrangentes.
preocupação com todos os assuntos cívicos» O conceito de Agenda significa aqui o
(Vasquez e Maureen, 2001: pp.142). Os “conjunto geral de áreas problemáticas e
elementos que compõem um tal público assuntos que são salientes para uma comu-
partilham uma postura crítica e uma capa- nidade política e que são comummente
cidade de produzir julgamentos bem infor- percepcionados como matérias legítimas de
mados. preocupação governamental” (Cobb & Elder,
1983: p.160). No contexto desta perspectiva,
2.2 Perspectiva situacional torna-se ainda importante clarificar distinção
entre agenda pública sistémica, que consiste
Nesta perspectiva considera-se que um na totalidade de assuntos que são alvo de
atenção e consideração por parte de uma
público resulta de um estado motivado por
sociedade num determinado momento, e
uma situação problemática e não constitui
agenda formal, definida pelo conjunto de
um estado de consciência permanente.
assuntos que são sujeitos a consideração séria
Acredita-se aqui que os públicos aparecem
e activa por parte de uma determinada ins-
como respostas a situações problemáticas
tituição governamental.
e que se auto-organizam para as resolver.
Quanto à segmentação, Cobb & Elder
Esta perspectiva apresenta um claro inte-
(1983) apontam a existência de públicos com
resse pelo nível de análise organizacional
diferentes tipos de participação nos conflitos
e concebe o papel dos públicos ao nível
políticos. Para os autores é importante dis-
das suas relações com as organizações, tinguir dois tipos de públicos específicos: os
privilegiando uma análise dos públicos em grupos de identificação (revêem-se e concor-
que as questões da eficácia da comunica- dam com os interesses de um grupo espe-
ção são centrais. Por isso mesmo, esta cífico, participam porque se preocupam com
perspectiva considera muito importante a o grupo) e os grupos atenção (participam
segmentação dos públicos através de de- como resposta a um assunto que desperta a
terminadas variáveis. sua atenção e não por uma preocupação com
As variáveis apontadas por Grunig e determinado grupo); bem como dois tipos de
Repper (1992) são as inferidas – desenvol- públicos massivos: os grupos atentos (pes-
vidas através da interacção directa com um soas geralmente informadas e interessadas que
grupo de pessoas alvo (cognições, atitudes actuam como líderes de opinião) e o público
e percepções) – e as objectivas – referem- geral (onde se incluem os estratos de pessoas
-se ao uso de fontes secundárias para iden- menos activas e menos informadas acerca dos
tificar e segmentar um público. (demográ- assuntos).
ficos, padrões de uso dos media, localização
geográfica). A operacionalização empírica 2.4 Perspectiva do homo narrans
desta linha está associada à maioria dos
estudos na área do Marketing, Publicidade Esta linha, da qual Vasquez é o principal
e Relações Públicas. mentor, concebe um público como um
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conjunto de indivíduos que desenvolvem uma situacional poderá eventualmente merecer o


consciência de grupo em torno de uma si- título de concepção dominante, sem com isto
tuação problemática e agem para a resolver. querer estabelecer qualquer nexo de valoração
Trata-se de uma perspectiva que combina teórica. De facto, a sua hegemonia deve-se
aspectos da perspectiva situacional com mais a uma popularidade dos autores que a
contributos da teoria retórica e que pretende propõem do que propriamente ao facto de
realçar a natureza dinâmica e comunicativa dar respostas mais consistentes que as
do público. A comunicação é também fun- fornecidas pelas propostas alternativas. Para
damental na medida em que é a base do a perceber melhor, refira-se que a perspec-
processo de criação, de desenvolvimento e tiva ou teoria situacional de públicos de
de sustentação de uma consciência de grupo Grunig e Repper (1992) inscreve-se num
acerca de uma situação problemática. Nas contexto mais abrangente em que os autores
palavras de Vasquez e Maureen, «(...) à procuram defender um modelo de gestão
medida que as pessoas evoluem e constroem estratégica para as Relações Públicas. A
uma visão partilhada do evento ou assunto, preocupação principal foi a de construir um
elas ordenam simbolicamente o mundo à sua quadro de referência que explicasse a evo-
volta; elas criam realidade simbólica» (2001: lução do comportamento de determinados
pp.147). agrupamentos sociais face a uma determina-
Ao contrário das outras perspectivas que da organização. Foram assim definidos três
concebiam o público como um estado de estados do desenvolvimento desses agrupa-
consciência permanente ou como um estado mentos: o Estado de Stakeholder, o Estado
de consciência motivado por um assunto, esta de Público e o Estado dos Assuntos.
perspectiva recorre a diferentes dinâmicas Os Stakeholders são entendidos como
comunicativas, que permitem segmentar todos aqueles que afectam uma organização
públicos em três classes: com as suas decisões ou são afectados pelas
• Persona Correcta (righteous persona) – decisões da organização. Na sua origem
Públicos que se preocupam com a forma etimológica, stakeholders são aqueles que
correcta de fazer as coisas independentemente possuem uma influência ou um interesse (to
de amizades pessoais ou custos financeiros; have a stake) face a uma organização. Quando
• Persona Social – Públicos que estão esses stakeholders reconhecem um problema,
vocacionados para as relações interpessoais, aumentam o seu nível de envolvimento, e
para a confiança e para a amizade; se dispõem a agir para fazer face a esse
• Persona Pragmatista – Públicos que problema, então eles passam para um estado
enfatizam a eficiência e o carácter prático de Públicos, no qual podem permanecer
das coisas. durante mais ou menos tempo. Finalmente,
Diferentes funções estão, naturalmente, caso os públicos não fiquem satisfeitos com
associadas a estes diferentes públicos. No o comportamento da organização nessa si-
entanto, no contexto da proposta Homo tuação particular, pode chegar-se ao Estado
Narrans, a função dos públicos é acima de dos Assuntos ou das polémicas.
tudo criar espaços de partilha de significados
e de construção de identidades comuns para 3.1 Estado de stakeholder
fazer face a problemas ou oportunidades.
Quanto aos processos próprios dos públicos, Assumindo a noção de stakeholder, em
eles implicam a partilha de determinadas primeira análise, como parte constituinte da
visões retóricas que evoluem para criar noção de envolvente, os autores baseiam-se
realidades simbólicas comuns (Hansford e em Pearce e Robinson para definir envolven-
Smalley, 2004: p.4). te como o «(...)somatório de todas as con-
dições e forças que afectam as opções es-
3. A concepção dominante tratégicas de um negócio, mas que estão
tipicamente fora da capacidade de controlo
Sendo claramente a proposta mais da organização» (Grunig e Repper, 1992: pp.
referenciada por autores e investigadores no 127). De modo concreto, a noção de
campo das Relações Públicas, a perspectiva stakeholder envolve todo o conjunto de
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pessoas ligadas a uma organização porque são activos em todos os assuntos; os públi-
elas e a organização têm consequências umas cos “selectivos” (single-issue publics) que são
sobre as outras ou, segundo Freeman, qual- activos em apenas um assunto ou num
quer indivíduo ou grupo que pode afectar ou pequeno conjunto de assuntos que dizem
ser afectado pelas acções, decisões, políticas, respeito a uma pequena parte da população;
práticas ou metas de uma organização (cf. os públicos “escaldantes” (hot-issue publics),
Grunig e Repper, 1992: pp.126). Embora os que se activam apenas em relação a assuntos
stakeholders de cada organização sejam que envolvem quase toda a população e que
particulares e diferentes dos de outras orga- recebem grande cobertura mediática; e os
nizações, é possível identificar tipos gené- públicos “apáticos” (apathetic publics) que
ricos de stakeholders como os empregados, são desatentos face a todo e qualquer assun-
os clientes, os consumidores, os media, a to, e que portanto se posicionam já no limiar
comunidade envolvente, os fornecedores, os do que poderão ser considerados públicos.
investidores, os parceiros de negócio, os Finalmente, o nível máximo de
legisladores e representantes do poder públi- segmentação é identificado como o nível dos
co, etc... Todos estes tipos genéricos de comportamentos e efeitos comunicativos
stakeholders se encontram em situações de individuais. Aceitando que nem todos os
equilíbrio dinâmico, e contêm o potencial para indivíduos se tornam públicos nas mesmas
se transformarem em públicos. ocasiões, os autores procuram explicar como
é que cada indivíduo decide quando, como,
3.2 Estado de públicos e porquê comunicar. Este fenómeno está
associado a situações específicas ou a As-
Se o estado de stakeholder envolve um suntos, entendidos como problemas políticos
certo grau de passividade, a passagem para ou sociais cuja resolução causa conflitos nos
o estado de público está associada a pessoas sistemas político ou social (cf. Grunig e
que se tornam conscientes e activas. Grunig Repper, 1992). De forma concreta, as variá-
e Repper defendem a necessidade de segmen- veis situacionais que estão envolvidas na
tar vários níveis com base num modelo passagem dos Stakeholders a Públicos inclu-
multi-camadas. No nível mínimo de em (a) o reconhecimento do problema, que
segmentação encontra-se a camada “Audi- leva a uma procura de informação, (b) o
ência de Massa” que, remetendo para a reconhecimento de constrangimentos, que
segmentação proposta por Cobb e Elder desencoraja a comunicação uma vez que as
(1983), inclui maioritariamente por indiví- pessoas não comunicam sobre assuntos em
duos passivos e não respondentes. Depois, relação aos quais sentem que não podem fazer
com a aplicação de diferentes critérios de nada, e (c) o nível de envolvimento enten-
segmentação, o modelo proposto explica dido como a percepção cognitiva de um
como podemos obter agrupamentos sociais indivíduo acerca da sua conexão com uma
cada vez mais similares no seu interior e dada situação. De acordo com esta teoria é
chegamos à camada que Grunig e Repper mais provável que um público seja activo
(1992) chamaram “Comunidade” ou “Comu- quando as pessoas que o constituem perce-
nidade de Públicos”. Trata-se de um nível bem que aquilo que uma organização faz os
intermédio de segmentação que nos dá aces- envolve (Nível de Envolvimento), que as
so a agrupamentos sociais mais homogéneos consequências do que uma organização faz
no seu interior que, no entanto, podem ser constituem um problema (Reconhecimento do
ainda segmentados em função do seu grau Problema), e que não vão ficar constrangidas
de pluralismo, sobretudo tendo em conta a se fizerem algo acerca do problema (Reco-
preocupação de potenciar os esforços de nhecimento de Constrangimentos).
comunicação junto dessa comunidade. De- A combinação destas três variáveis per-
compondo a comunidade de públicos chega- mite então explicar o processo de transfor-
mos então à camada “Público” onde os mação dos Stakeholders em públicos e
autores identificam grupos com diferentes perceber que podem existir públicos com
graus de actividade. São referidos os públi- diferentes características. Os autores falam
cos “todo-o-terreno” (all-issue publics) que em “Não Públicos” para incluir todos aque-
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les que não reconhecem o problema, nem procurar uma perspectiva integradora do
estão envolvidos. Os “Públicos Latentes” conceito de públicos.
caracterizam-se por reconhecerem a existên- A. Na medida em que se propõe realizar
cia de um problema, mas sofrem de falta de avanços face à perspectiva ou teoria
envolvimento, que pode ser devida à percep- situacional dos públicos, a proposta Homo
ção de constrangimentos. Quando o seu Narrans de Vasquez é em si mesma uma
envolvimento aumenta, mas ainda não co- crítica específica à concepção dominante. No
meçaram a comunicar sobre o problema, os entanto, como já aqui foi apresentada nos seus
públicos são chamados de “Conscientes”. pontos essenciais, interessa-nos agora
Estes registam ainda uma elevada percepção aprofundar uma proposta de crítica que tem
de constrangimentos e à medida que os origem nos trabalhos de Vasquez mas que
constrangimentos desaparecem, eles podem vai um pouco mais longe. Trata-se da crítica
dar origem aos “Públicos Activos”, que avançada por Botan e Soto que procuram criar
incluem pessoas que reconhecem o proble- uma conceptualização de públicos centrada
ma, estão muito envolvidas e percepcionam na linguagem e que reforce o papel de
poucos constrangimentos. responsabilidade social das organizações (Cf.
Botan e Soto, 1998). A teoria situacional é
3.3 Estado dos assuntos criticada por estes autores na medida em que
define e segmenta os públicos com base em
Para Grunig e Repper (1992), o modelo critérios centrados na organização e, portan-
de Gestão Estratégica das Relações Públicas to, não pensa os públicos para além da relação
deve permitir resolver os problemas antes que que estes mantêm com a organização. Além
estes se transformem em Assuntos ou polé- disso, Botan e Soto (1998) criticam o pres-
micas. Está aqui implícita a ideia de que os suposto de que os públicos só aparecem como
públicos criam assuntos a partir de proble- resposta a uma situação problemática, uma
mas não resolvidos e que as organizações não vez que isso negligencia o estudo do fun-
devem esperar pela fase dos assuntos. Fa- cionamento interno e pró-activo do público
zendo referência à Teoria Retórica, os au- bem como o estudo do papel da comunica-
tores explicam que um assunto é criado ção nesse processo.
quando um ou mais agentes humanos atri- B. Uma segunda crítica, muito próxima
buem significado a uma situação ou proble- da anterior, defende que a relação dos pú-
ma percebido (cf. Grunig e Repper, 1992). blicos com a organização não é situacional
Neste estado, estão envolvidas questões sobre e motivada por um problema, mas sim
a evolução dos assuntos, as estratégias dos contínua e motivada pelo processamento de
públicos para promover os seus assuntos e tudo aquilo que a organização projecta para
o papel dos media em todo o processo. o exterior (Cf. Moffit, 1994). A autora desta
crítica chama a atenção para a necessidade
4. Críticas à concepção dominante de articular o conceito de público e o con-
ceito de imagem e entende que um público
Embora seja possível afirmar-se que a é acima de tudo um conjunto de pessoas que
perspectiva ou teoria situacional tem sido, de partilham conhecimentos, atitudes ou com-
longe, a corrente dominante na área das portamentos face à organização e que detêm
Relações Públicas, tal não significa contudo uma imagem semelhante da organização.
que deva ser tomada como a última palavra C. Um dos trabalhos mais interessantes
sobre esta temática. De facto, nos últimos na tentativa de superar as limitações da teoria
anos assistiu-se mesmo a um questionamento situacional pertence a Chay-Nemeth que
sobre alguns dos pressupostos base de tal procura demonstrar como os públicos não são
teoria. As críticas principais, que agora apenas situacionais, mas devem ser vistos
passamos a expor de forma sintética, centram- como efeitos históricos e políticos (Cf. Chay-
-se essencialmente na necessidade de Nemeth, 2001). A principal crítica é a de que
autonomização da noção de público face à a teoria situacional deixa de fora o aspecto
organização e aos problemas organizacionais político e não se preocupa com o funciona-
e devem ser levadas em conta se quisermos mento dos públicos. Para superar estas limita-
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ções, a autora propõe que se entenda público também alguns aspectos a levar em conta para
como «(...) um espaço ou local (site) político uma proposta integradora sobre esta temática
específico no qual diferentes declarações e dos públicos.
recursos materiais são trocados, produzidos A perspectiva de massa encara o público
e reproduzidos por diferentes indivíduos e como um tipo de estado mental permanente,
grupos para efectuar transformações sociais, como o somatório de pessoas que têm o dever
políticas ou económicas – ou para manter o cívico de participar em todos os assuntos.
status quo» (Chay-Nemeth, 2001: pp.129). Esta visão obriga, necessariamente, a esta-
D. Cozier e Witmer criticam a teoria belecer binómio redutores entre públicos
situacional pela “assunção de que uma orga- ignorantes ou desinformados e públicos
nização e os públicos são entidades discretas” racionais ou informados. Além disso, esta
(Cozier e Witmer, 2001: pp.617). Segundo as visão relega para segundo plano os proces-
autoras esta assunção leva à crença de que sos e dinâmicas subjacentes ao comportamen-
os públicos são possuídos pelas organizações to do público. Quanto à forma de
e que a sua relação é apenas pontual. Do seu conceptualizar o indivíduo, a perspectiva de
ponto de vista esta crença é errada uma vez massa tende a excluir fontes de motivação
que a relação dos públicos com as organiza- para o comportamento dos públicos que não
ções é permanente e recursiva. Outra das sejam a resolução de problemas conhecidos.
limitações identificadas na teoria situacional Isto acontece na medida em que ela
é a tendência para sobrevalorizar a visão de conceptualiza os indivíduos como cidadãos
que um público está centrado em problemas que devem estar informados e ser activos em
ou assuntos, já que assim se excluem os casos todos os assuntos. No que se refere ao papel
em que os públicos se formam por partilha- da comunicação, a principal dificuldade da
rem experiências comuns. perspectiva de massa é o facto dela não levar
E. O facto da teoria situacional relegar em conta a comunicação no interior do
para segundo plano os chamados “não pú- público e deste com outros grupos. O prin-
blicos” ou “públicos inactivos” é criticado cipal contributo desta perspectiva passa,
por Hallahan (Cf. Hallahan, 2000). Este autor assim, pela inovação histórica a que está
acredita que nem todas as relações das associada (na passagem das sociedades tra-
organizações com os públicos são necessa- dicionais para sociedades modernas) e ao
riamente problemáticas e que, por isso, muitas próprio desenvolvimento do conceitos rela-
relações organização-público podem funcio- cionados com o conceito de público. De facto,
nar a níveis de troca mais baixos que sa- e apoiando-se ela na distinção clássica entre
tisfaçam ambas as partes. Decorrente desta multidão, massa e público, a perspectiva de
observação, Hallahan decompõe os públicos massa desperta-nos para a existência de
Latentes de Grunig e Repper em “públicos diferentes colectividades sociais. Nesse qua-
inactivos” (com baixo nível de conhecimen- dro, os públicos são associados a uma postura
to e envolvimento) e “públicos motivados” obrigatoriamente mais crítica, activa e
(com baixo nível de conhecimento e alto nível esclarecida face aos acontecimentos sociais,
de envolvimento), referindo-se aos públicos e só através deles poderá ser explicada uma
inactivos como pessoas que podem ou não mobilização social mais abrangente. Veja-se
reconhecer as consequências da organização o recente exemplo das manifestações contra
e que podem exigir muito pouco da relação o encerramento da empresa Bombardier que
com a organização. congregaram muitas pessoas para além dos
próprios trabalhadores e que despertaram uma
5. Contributos das outras perspectivas solidariedade nacional e um questionar ge-
neralizado do poder das empresas
As perspectivas apresentadas diferenciam- mutinacionais nos estados.
-se em função do tipo de estado mental a A perspectiva da construção da agenda,
que associam os públicos, da visão do ao associar os públicos com determinados
Homem que pressupõem e mesmo em fun- estados de envolvimento com os assuntos
ção do papel que atribuem à comunicação. políticos, coloca toda a sua ênfase analítica
Apesar das suas limitações, elas apontam nas estratégias de construção das agendas
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pública e formal (política). A conceptua- assuntos uma vez que o grau de consenso
lização do indivíduo continua a ser algo em relação aos assuntos pode facilitar a acção
limitada e relacionada exclusivamente com conjunta do público.
o seu papel no grupo tendo em conta o
objectivo de ganhar a atenção por parte dos 6. Para uma proposta integradora do
decisores, sendo a comunicação o instrumento conceito
para conseguir captar essa atenção de forma
mais ou menos eficaz. Esta perspectiva Pensar uma proposta integradora do
chama, no entanto, a nossa atenção para os conceito de públicos implica pensar nas
conceitos de agenda e para a noção de que limitações das propostas existentes, mas
diferentes públicos podem adoptar diferentes também apontar um caminho a percorrer.
estratégias. Ela deixa em aberto a possibi- Tendo este artigo procurado até agora atingir
lidade de se desenvolver o conceito de essencialmente o primeiro objectivo,
“agenda do público” como o conjunto de propomo-nos ainda abordar, de forma neces-
assuntos em discussão no interior de um sariamente sintética, os traços gerais de uma
público que as Relações Públicas devem tal proposta. Para isso partimos dos quatro
conhecer e analisar. Deste modo, esta pers- grandes núcleos de questões que, segundo
pectiva permite também às Relações Públi- Botan e Soto (1998) têm sido tratadas em
cas adaptar esquemas de análise que ajudem toda a produção académica sobre o conceito
a antecipar as estratégias que podem ser de público. Defendemos assim que uma
utilizadas pelos públicos para passar assun- proposta integradora sobre o conceito de
tos da sua agenda para a agenda pública e públicos nas Relações Públicas deverá incluir
logo para a agenda formal. aspectos relativos à definição do conceito,
A perspectiva homo-narrans deixa de à segmentação dos públicos, à identificação
falar do público como um estado de cons- das suas funções e também dos seus proces-
ciência para o identificar com diferentes sos de funcionamento.
dinâmicas comunicacionais que incluem (a) definição – o que são os públicos:
motivações mais abrangentes do que a mera Públicos são colectividades sociais que não
resolução de um problema. Essas motivações, se confundem nem com multidões nem com
que podem estar mais ligadas à tentativa de massas, e uma proposta integradora deverá
agir de forma correcta ou mais ligadas à clarificar essas diferenças. Públicos serão
procura da eficiência nas coisas práticas, agrupamentos de pessoas com interesses e
chamam a nossa atenção para a necessidade vontades variadas, com preocupações acerca
de olhar os públicos também de um ponto da sua envolvente e com a capacidade de
de vista ético e para a realidade de que podem definir a sua própria agenda de assuntos,
subsistir frequentemente públicos não éticos. independentemente de uma qualquer organi-
Na perspectiva homo-narrans, a comunica- zação e do desejo de resolver um qualquer
ção é posicionada como o processo de pro- problema com ela relacionado. A natureza
dução de conhecimento e de realidade que desses assuntos é por definição variada e
subjaz ao público. Esta perspectiva falha ao parte, isso sim, dos interesses do público
não integrar na sua explicação a noção de podendo afectar diferentes organismos, pes-
que os públicos interagem com o seu exte- soas, instituições e grupos. As pessoas que
rior e são influenciados por interpretações de fazem parte do público envolvem-se em
outros grupos e até por limitações de recur- comportamentos e discussões sobre esses
sos no que toca à imposição da sua pers- assuntos utilizando a sua razão e sofrendo
pectiva sobre os acontecimentos. Ao colocar pressões internas e externas para alcançar uma
a ênfase nos processos e nas dinâmicas dos “opinião do público” acerca de um determi-
públicos, esta perspectiva fornece outro nado assunto.
contributo importante alertando para a exis- (b) segmentação – como diferenciar sig-
tência de diversos graus de compreensão nificativamente os públicos: Um modelo
partilhada acerca dos assuntos. As Relações integrador de públicos deverá criar uma
Públicas devem assim procurar perceber qual taxonomia de públicos que inclua diversos
o estado da opinião do público face a esses níveis que permitam diferentes patamares de
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análise. No patamar mais abrangente não deve mas também para uma sociedade mais justa.
estar a tradicional distinção, reforçada pela Uma proposta integradora deverá levar em
proposta dominante, entre públicos informa- conta a existência de públicos inovadores e
dos ou ignorantes mas sim uma distinção independentes mas também de públicos
atitudinal que permita identificar públicos instrumentalizados e dependentes; públicos
positivos (aqueles que concordam e apoiam que procuram o consenso e a estabilidade,
a posição de uma organização), negativos, mas também públicos disruptivos e causa-
neutros e mesmo desinteressados. No pata- dores de divergências; públicos de acção e
mar mais específico deverá encontrar-se uma de comunicação mas também públicos que
análise interna do grau de consenso do procuram atingir interesses próprios através
público face a um determinado assunto e a da retórica comunicacional.
consequente percepção da pluralidade inter- (d) processo – como é que os públicos
na. ganham existência e respondem de determi-
(c) função – quais os papéis que dife- nada forma. O nível de análise processual deve
rentes públicos desempenham na sociedade: apoiar-se na taxonomia e na compreensão das
Acreditamos que a existência de públicos diversas funções dos públicos para procurar
críticos, informados e éticos é um garante compreender as estratégias que os públicos
não só para um espaço público mais forte utilizam para atingir os seus fins.
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