Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
pessoas ligadas a uma organização porque são activos em todos os assuntos; os públi-
elas e a organização têm consequências umas cos “selectivos” (single-issue publics) que são
sobre as outras ou, segundo Freeman, qual- activos em apenas um assunto ou num
quer indivíduo ou grupo que pode afectar ou pequeno conjunto de assuntos que dizem
ser afectado pelas acções, decisões, políticas, respeito a uma pequena parte da população;
práticas ou metas de uma organização (cf. os públicos “escaldantes” (hot-issue publics),
Grunig e Repper, 1992: pp.126). Embora os que se activam apenas em relação a assuntos
stakeholders de cada organização sejam que envolvem quase toda a população e que
particulares e diferentes dos de outras orga- recebem grande cobertura mediática; e os
nizações, é possível identificar tipos gené- públicos “apáticos” (apathetic publics) que
ricos de stakeholders como os empregados, são desatentos face a todo e qualquer assun-
os clientes, os consumidores, os media, a to, e que portanto se posicionam já no limiar
comunidade envolvente, os fornecedores, os do que poderão ser considerados públicos.
investidores, os parceiros de negócio, os Finalmente, o nível máximo de
legisladores e representantes do poder públi- segmentação é identificado como o nível dos
co, etc... Todos estes tipos genéricos de comportamentos e efeitos comunicativos
stakeholders se encontram em situações de individuais. Aceitando que nem todos os
equilíbrio dinâmico, e contêm o potencial para indivíduos se tornam públicos nas mesmas
se transformarem em públicos. ocasiões, os autores procuram explicar como
é que cada indivíduo decide quando, como,
3.2 Estado de públicos e porquê comunicar. Este fenómeno está
associado a situações específicas ou a As-
Se o estado de stakeholder envolve um suntos, entendidos como problemas políticos
certo grau de passividade, a passagem para ou sociais cuja resolução causa conflitos nos
o estado de público está associada a pessoas sistemas político ou social (cf. Grunig e
que se tornam conscientes e activas. Grunig Repper, 1992). De forma concreta, as variá-
e Repper defendem a necessidade de segmen- veis situacionais que estão envolvidas na
tar vários níveis com base num modelo passagem dos Stakeholders a Públicos inclu-
multi-camadas. No nível mínimo de em (a) o reconhecimento do problema, que
segmentação encontra-se a camada “Audi- leva a uma procura de informação, (b) o
ência de Massa” que, remetendo para a reconhecimento de constrangimentos, que
segmentação proposta por Cobb e Elder desencoraja a comunicação uma vez que as
(1983), inclui maioritariamente por indiví- pessoas não comunicam sobre assuntos em
duos passivos e não respondentes. Depois, relação aos quais sentem que não podem fazer
com a aplicação de diferentes critérios de nada, e (c) o nível de envolvimento enten-
segmentação, o modelo proposto explica dido como a percepção cognitiva de um
como podemos obter agrupamentos sociais indivíduo acerca da sua conexão com uma
cada vez mais similares no seu interior e dada situação. De acordo com esta teoria é
chegamos à camada que Grunig e Repper mais provável que um público seja activo
(1992) chamaram “Comunidade” ou “Comu- quando as pessoas que o constituem perce-
nidade de Públicos”. Trata-se de um nível bem que aquilo que uma organização faz os
intermédio de segmentação que nos dá aces- envolve (Nível de Envolvimento), que as
so a agrupamentos sociais mais homogéneos consequências do que uma organização faz
no seu interior que, no entanto, podem ser constituem um problema (Reconhecimento do
ainda segmentados em função do seu grau Problema), e que não vão ficar constrangidas
de pluralismo, sobretudo tendo em conta a se fizerem algo acerca do problema (Reco-
preocupação de potenciar os esforços de nhecimento de Constrangimentos).
comunicação junto dessa comunidade. De- A combinação destas três variáveis per-
compondo a comunidade de públicos chega- mite então explicar o processo de transfor-
mos então à camada “Público” onde os mação dos Stakeholders em públicos e
autores identificam grupos com diferentes perceber que podem existir públicos com
graus de actividade. São referidos os públi- diferentes características. Os autores falam
cos “todo-o-terreno” (all-issue publics) que em “Não Públicos” para incluir todos aque-
PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS 457
les que não reconhecem o problema, nem procurar uma perspectiva integradora do
estão envolvidos. Os “Públicos Latentes” conceito de públicos.
caracterizam-se por reconhecerem a existên- A. Na medida em que se propõe realizar
cia de um problema, mas sofrem de falta de avanços face à perspectiva ou teoria
envolvimento, que pode ser devida à percep- situacional dos públicos, a proposta Homo
ção de constrangimentos. Quando o seu Narrans de Vasquez é em si mesma uma
envolvimento aumenta, mas ainda não co- crítica específica à concepção dominante. No
meçaram a comunicar sobre o problema, os entanto, como já aqui foi apresentada nos seus
públicos são chamados de “Conscientes”. pontos essenciais, interessa-nos agora
Estes registam ainda uma elevada percepção aprofundar uma proposta de crítica que tem
de constrangimentos e à medida que os origem nos trabalhos de Vasquez mas que
constrangimentos desaparecem, eles podem vai um pouco mais longe. Trata-se da crítica
dar origem aos “Públicos Activos”, que avançada por Botan e Soto que procuram criar
incluem pessoas que reconhecem o proble- uma conceptualização de públicos centrada
ma, estão muito envolvidas e percepcionam na linguagem e que reforce o papel de
poucos constrangimentos. responsabilidade social das organizações (Cf.
Botan e Soto, 1998). A teoria situacional é
3.3 Estado dos assuntos criticada por estes autores na medida em que
define e segmenta os públicos com base em
Para Grunig e Repper (1992), o modelo critérios centrados na organização e, portan-
de Gestão Estratégica das Relações Públicas to, não pensa os públicos para além da relação
deve permitir resolver os problemas antes que que estes mantêm com a organização. Além
estes se transformem em Assuntos ou polé- disso, Botan e Soto (1998) criticam o pres-
micas. Está aqui implícita a ideia de que os suposto de que os públicos só aparecem como
públicos criam assuntos a partir de proble- resposta a uma situação problemática, uma
mas não resolvidos e que as organizações não vez que isso negligencia o estudo do fun-
devem esperar pela fase dos assuntos. Fa- cionamento interno e pró-activo do público
zendo referência à Teoria Retórica, os au- bem como o estudo do papel da comunica-
tores explicam que um assunto é criado ção nesse processo.
quando um ou mais agentes humanos atri- B. Uma segunda crítica, muito próxima
buem significado a uma situação ou proble- da anterior, defende que a relação dos pú-
ma percebido (cf. Grunig e Repper, 1992). blicos com a organização não é situacional
Neste estado, estão envolvidas questões sobre e motivada por um problema, mas sim
a evolução dos assuntos, as estratégias dos contínua e motivada pelo processamento de
públicos para promover os seus assuntos e tudo aquilo que a organização projecta para
o papel dos media em todo o processo. o exterior (Cf. Moffit, 1994). A autora desta
crítica chama a atenção para a necessidade
4. Críticas à concepção dominante de articular o conceito de público e o con-
ceito de imagem e entende que um público
Embora seja possível afirmar-se que a é acima de tudo um conjunto de pessoas que
perspectiva ou teoria situacional tem sido, de partilham conhecimentos, atitudes ou com-
longe, a corrente dominante na área das portamentos face à organização e que detêm
Relações Públicas, tal não significa contudo uma imagem semelhante da organização.
que deva ser tomada como a última palavra C. Um dos trabalhos mais interessantes
sobre esta temática. De facto, nos últimos na tentativa de superar as limitações da teoria
anos assistiu-se mesmo a um questionamento situacional pertence a Chay-Nemeth que
sobre alguns dos pressupostos base de tal procura demonstrar como os públicos não são
teoria. As críticas principais, que agora apenas situacionais, mas devem ser vistos
passamos a expor de forma sintética, centram- como efeitos históricos e políticos (Cf. Chay-
-se essencialmente na necessidade de Nemeth, 2001). A principal crítica é a de que
autonomização da noção de público face à a teoria situacional deixa de fora o aspecto
organização e aos problemas organizacionais político e não se preocupa com o funciona-
e devem ser levadas em conta se quisermos mento dos públicos. Para superar estas limita-
458 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume II
ções, a autora propõe que se entenda público também alguns aspectos a levar em conta para
como «(...) um espaço ou local (site) político uma proposta integradora sobre esta temática
específico no qual diferentes declarações e dos públicos.
recursos materiais são trocados, produzidos A perspectiva de massa encara o público
e reproduzidos por diferentes indivíduos e como um tipo de estado mental permanente,
grupos para efectuar transformações sociais, como o somatório de pessoas que têm o dever
políticas ou económicas – ou para manter o cívico de participar em todos os assuntos.
status quo» (Chay-Nemeth, 2001: pp.129). Esta visão obriga, necessariamente, a esta-
D. Cozier e Witmer criticam a teoria belecer binómio redutores entre públicos
situacional pela “assunção de que uma orga- ignorantes ou desinformados e públicos
nização e os públicos são entidades discretas” racionais ou informados. Além disso, esta
(Cozier e Witmer, 2001: pp.617). Segundo as visão relega para segundo plano os proces-
autoras esta assunção leva à crença de que sos e dinâmicas subjacentes ao comportamen-
os públicos são possuídos pelas organizações to do público. Quanto à forma de
e que a sua relação é apenas pontual. Do seu conceptualizar o indivíduo, a perspectiva de
ponto de vista esta crença é errada uma vez massa tende a excluir fontes de motivação
que a relação dos públicos com as organiza- para o comportamento dos públicos que não
ções é permanente e recursiva. Outra das sejam a resolução de problemas conhecidos.
limitações identificadas na teoria situacional Isto acontece na medida em que ela
é a tendência para sobrevalorizar a visão de conceptualiza os indivíduos como cidadãos
que um público está centrado em problemas que devem estar informados e ser activos em
ou assuntos, já que assim se excluem os casos todos os assuntos. No que se refere ao papel
em que os públicos se formam por partilha- da comunicação, a principal dificuldade da
rem experiências comuns. perspectiva de massa é o facto dela não levar
E. O facto da teoria situacional relegar em conta a comunicação no interior do
para segundo plano os chamados “não pú- público e deste com outros grupos. O prin-
blicos” ou “públicos inactivos” é criticado cipal contributo desta perspectiva passa,
por Hallahan (Cf. Hallahan, 2000). Este autor assim, pela inovação histórica a que está
acredita que nem todas as relações das associada (na passagem das sociedades tra-
organizações com os públicos são necessa- dicionais para sociedades modernas) e ao
riamente problemáticas e que, por isso, muitas próprio desenvolvimento do conceitos rela-
relações organização-público podem funcio- cionados com o conceito de público. De facto,
nar a níveis de troca mais baixos que sa- e apoiando-se ela na distinção clássica entre
tisfaçam ambas as partes. Decorrente desta multidão, massa e público, a perspectiva de
observação, Hallahan decompõe os públicos massa desperta-nos para a existência de
Latentes de Grunig e Repper em “públicos diferentes colectividades sociais. Nesse qua-
inactivos” (com baixo nível de conhecimen- dro, os públicos são associados a uma postura
to e envolvimento) e “públicos motivados” obrigatoriamente mais crítica, activa e
(com baixo nível de conhecimento e alto nível esclarecida face aos acontecimentos sociais,
de envolvimento), referindo-se aos públicos e só através deles poderá ser explicada uma
inactivos como pessoas que podem ou não mobilização social mais abrangente. Veja-se
reconhecer as consequências da organização o recente exemplo das manifestações contra
e que podem exigir muito pouco da relação o encerramento da empresa Bombardier que
com a organização. congregaram muitas pessoas para além dos
próprios trabalhadores e que despertaram uma
5. Contributos das outras perspectivas solidariedade nacional e um questionar ge-
neralizado do poder das empresas
As perspectivas apresentadas diferenciam- mutinacionais nos estados.
-se em função do tipo de estado mental a A perspectiva da construção da agenda,
que associam os públicos, da visão do ao associar os públicos com determinados
Homem que pressupõem e mesmo em fun- estados de envolvimento com os assuntos
ção do papel que atribuem à comunicação. políticos, coloca toda a sua ênfase analítica
Apesar das suas limitações, elas apontam nas estratégias de construção das agendas
PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS 459
pública e formal (política). A conceptua- assuntos uma vez que o grau de consenso
lização do indivíduo continua a ser algo em relação aos assuntos pode facilitar a acção
limitada e relacionada exclusivamente com conjunta do público.
o seu papel no grupo tendo em conta o
objectivo de ganhar a atenção por parte dos 6. Para uma proposta integradora do
decisores, sendo a comunicação o instrumento conceito
para conseguir captar essa atenção de forma
mais ou menos eficaz. Esta perspectiva Pensar uma proposta integradora do
chama, no entanto, a nossa atenção para os conceito de públicos implica pensar nas
conceitos de agenda e para a noção de que limitações das propostas existentes, mas
diferentes públicos podem adoptar diferentes também apontar um caminho a percorrer.
estratégias. Ela deixa em aberto a possibi- Tendo este artigo procurado até agora atingir
lidade de se desenvolver o conceito de essencialmente o primeiro objectivo,
“agenda do público” como o conjunto de propomo-nos ainda abordar, de forma neces-
assuntos em discussão no interior de um sariamente sintética, os traços gerais de uma
público que as Relações Públicas devem tal proposta. Para isso partimos dos quatro
conhecer e analisar. Deste modo, esta pers- grandes núcleos de questões que, segundo
pectiva permite também às Relações Públi- Botan e Soto (1998) têm sido tratadas em
cas adaptar esquemas de análise que ajudem toda a produção académica sobre o conceito
a antecipar as estratégias que podem ser de público. Defendemos assim que uma
utilizadas pelos públicos para passar assun- proposta integradora sobre o conceito de
tos da sua agenda para a agenda pública e públicos nas Relações Públicas deverá incluir
logo para a agenda formal. aspectos relativos à definição do conceito,
A perspectiva homo-narrans deixa de à segmentação dos públicos, à identificação
falar do público como um estado de cons- das suas funções e também dos seus proces-
ciência para o identificar com diferentes sos de funcionamento.
dinâmicas comunicacionais que incluem (a) definição – o que são os públicos:
motivações mais abrangentes do que a mera Públicos são colectividades sociais que não
resolução de um problema. Essas motivações, se confundem nem com multidões nem com
que podem estar mais ligadas à tentativa de massas, e uma proposta integradora deverá
agir de forma correcta ou mais ligadas à clarificar essas diferenças. Públicos serão
procura da eficiência nas coisas práticas, agrupamentos de pessoas com interesses e
chamam a nossa atenção para a necessidade vontades variadas, com preocupações acerca
de olhar os públicos também de um ponto da sua envolvente e com a capacidade de
de vista ético e para a realidade de que podem definir a sua própria agenda de assuntos,
subsistir frequentemente públicos não éticos. independentemente de uma qualquer organi-
Na perspectiva homo-narrans, a comunica- zação e do desejo de resolver um qualquer
ção é posicionada como o processo de pro- problema com ela relacionado. A natureza
dução de conhecimento e de realidade que desses assuntos é por definição variada e
subjaz ao público. Esta perspectiva falha ao parte, isso sim, dos interesses do público
não integrar na sua explicação a noção de podendo afectar diferentes organismos, pes-
que os públicos interagem com o seu exte- soas, instituições e grupos. As pessoas que
rior e são influenciados por interpretações de fazem parte do público envolvem-se em
outros grupos e até por limitações de recur- comportamentos e discussões sobre esses
sos no que toca à imposição da sua pers- assuntos utilizando a sua razão e sofrendo
pectiva sobre os acontecimentos. Ao colocar pressões internas e externas para alcançar uma
a ênfase nos processos e nas dinâmicas dos “opinião do público” acerca de um determi-
públicos, esta perspectiva fornece outro nado assunto.
contributo importante alertando para a exis- (b) segmentação – como diferenciar sig-
tência de diversos graus de compreensão nificativamente os públicos: Um modelo
partilhada acerca dos assuntos. As Relações integrador de públicos deverá criar uma
Públicas devem assim procurar perceber qual taxonomia de públicos que inclua diversos
o estado da opinião do público face a esses níveis que permitam diferentes patamares de
460 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume II
análise. No patamar mais abrangente não deve mas também para uma sociedade mais justa.
estar a tradicional distinção, reforçada pela Uma proposta integradora deverá levar em
proposta dominante, entre públicos informa- conta a existência de públicos inovadores e
dos ou ignorantes mas sim uma distinção independentes mas também de públicos
atitudinal que permita identificar públicos instrumentalizados e dependentes; públicos
positivos (aqueles que concordam e apoiam que procuram o consenso e a estabilidade,
a posição de uma organização), negativos, mas também públicos disruptivos e causa-
neutros e mesmo desinteressados. No pata- dores de divergências; públicos de acção e
mar mais específico deverá encontrar-se uma de comunicação mas também públicos que
análise interna do grau de consenso do procuram atingir interesses próprios através
público face a um determinado assunto e a da retórica comunicacional.
consequente percepção da pluralidade inter- (d) processo – como é que os públicos
na. ganham existência e respondem de determi-
(c) função – quais os papéis que dife- nada forma. O nível de análise processual deve
rentes públicos desempenham na sociedade: apoiar-se na taxonomia e na compreensão das
Acreditamos que a existência de públicos diversas funções dos públicos para procurar
críticos, informados e éticos é um garante compreender as estratégias que os públicos
não só para um espaço público mais forte utilizam para atingir os seus fins.
PUBLICIDADE E RELAÇÕES PÚBLICAS 461