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ARTIGOS LIVRES

civis ou calamidades naturais (BOLTANSKI, 2000)). realizar, ainda que de modo sintético, uma carto-

Mídia, moralidade, alteridade: Desse modo, em paralelo às investigações focadas


na apreensão das consequências mais amplas da in-
grafia dos principais horizontes de ação desses tra-
balhos, segmentados em três linhas dirigentes: 1)

dilemas da visibilidade em uma sociedade


serção da mídia na vida cotidiana (de escopo insti- investigações que inferem sobre a moralização (ou a
tucionalista e sócio construtivista, como apontam ausência de comprometimento) da audiência toman-
Nick Couldry e Andreas Hepp (2013)), delineia-se do por base as representações da alteridade em nar-

midiatizada no horizonte outra agenda de pesquisa, tramada por


uma aproximação sensível entre a noção de visibili-
rativas midiáticas; 2) pesquisas empíricas centradas
na identificação dos repertórios morais de reação da
dade (principalmente em seu sentido midiático) e a audiência no contato com essas narrativas; 3) estu-
conquista do reconhecimento social. Conforme asse- dos de caso sobre os processos difusos de mediação
vera Dayan (2013), se em sociedades pré-modernas e sensibilização com a alteridade na vida cotidiana.
Thales Vilela Lelo a visibilidade pública era entendida como um privi-
1. Introdução légio concedido a determinados indivíduos, na atual 2. Textualidades e uma ética normativa
Doutorando em Ciências Sociais pela Universida- conjuntura de ascendente midiatização dos proces- de identificação com a alteridade
de Estadual de Campinas. Membro do Grupo de sos sociais não soa legítimo que a invisibilidade seja
Pesquisa em Jornalismo, Narrativas e Práticas Co- O sociólogo inglês Roger Silverstone (2002) dizia, naturalizada para um sem número de sujeitos, e nem Essa primeira safra de pesquisas é amparada pela
municacionais (UFOP) e do Núcleo de Estudos no alvorecer do século XXI, que estaríamos aden- que a visibilidade instantânea seja a única oportuni- prerrogativa de que as narrativas que alimentam os
em Trabalho, Saúde e Subjetividade (UNICAMP). trando em uma era marcada pela sensação de que dade para esses indivíduos galgarem atenção pública. media modernos são transpassadas por redes simbó-
as distâncias entre os sujeitos foram ultrapassadas. Na contemporaneidade, a experiência de completo licas de poder, de modo a evocar (ou negar) a visi-
Acreditou-se que o desenvolvimento das mediações anonimato adquire o status de injustiça social, e se bilidade à alteridade, propondo, no processo, que o
Resumo: Com base na constatação de que o campo dos eletrônicas provocaria não só a convergência entre encontra sujeita a averiguações de ordem crítica. espectador se envolva moralmente com o evento que
Estudos Culturais e dos estudos de mídia vivenciam na acontecimentos e grupos dispostos em regiões distin- Para os representantes dessa nova corrente de es- tragou sua atenção. Essa tradição supõe também, em
atual conjuntura os impactos de uma “virada moral” em tas do globo, mas, sobretudo, promoveria o estabele- tudos, informada por expoentes da filosofia política
suas agendas de pesquisa, principiada ao longo da década
aspecto normativo, que há modos eticamente apro-
cimento de vínculos intersubjetivos mais vibrantes e da moral (tais quais Adam Smith, Immanuel Kant,
de 1990 e popularizada a partir dos anos 2000, este artigo priados e equivocados de retratar outras pessoas e
entre os indivíduos. Para o autor essa impressão de Jacques Derrida e Emmanuel Lèvinas), a questão da
se propõe a realizar uma cartografia de um conjunto de culturas em ambiente midiatizado, e que os públi-
fundo entusiástico seria uma ingênua ilusão, consti-
118 obras e publicações recentes que se identificam com esse
visibilidade é tingida de contornos normativos, e cos endereçados pelos textos não deveriam rejeitar o
horizonte analítico, divididas em três linhas principais:
tuída pela superposição apressada entre dois tipos de se configura como uma arena de conflitos sobre os apelo que lhes é endereçado através das imagens de 119
distância: uma primeira de natureza espacial, e outra modos (apropriados ou não) de representação mi-
1) investigações que inferem sobre a moralização (ou a outrem.
ausência de comprometimento) da audiência através das
de acepção moral. Se é inegável o fato de que a rela- diática da alteridade. Entretanto, o dilema político Os trabalhos se diferenciam no tocante ao grau
representações da alteridade em narrativas midiáticas; 2) ção com a alteridade transcorre hoje fundamental- acionado pela moralização da visibilidade pública de especificidade de seu recorte analítico, que pode
pesquisas empíricas centradas na identificação dos reper- mente pela mediação de dispositivos tecnológicos, o não se esgota na identificação das falhas ou acertos variar entre uma abordagem mais genérica e impres-
tórios morais de reação da audiência no contato com essas descompasso entre essa mera aproximação física e o da representação de outrem em âmbito midiático sionista das formas de manifestação da moralidade
narrativas; 3) estudos de caso sobre os processos difusos reconhecimento de uma humanidade comum entre tendo como parâmetro uma “distância apropriada” no intercâmbio com as narrativas dos media, até in-
de mediação e sensibilização com a alteridade na vida co- o espectador e esses múltiplos outros torna evidente (SILVERSTONE, 2007) de encenação da alteridade
tidiana.
cursões amparadas por lentes metodológicas mais
que um dos principais impasses políticos da cultura nas tramas midiáticas. A presunção de agência da au-
Palavras-chave: Mídia. Moralidade. Alteridade. afinadas - com um instrumental oriundo da análise
midiatizada contemporânea diz respeito à represen- diência na negociação de significados com os media de conteúdo, da análise crítica do discurso, da análise
tação da diferença. - difundida principalmente pelos Estudos Culturais
Abstract Based on the fact that the field of Cultural Studies de enquadramentos, etc -, no ímpeto de compreen-
Trabalhos recentes (DAYAN, 2013; ONG, 2009, ingleses na segunda metade do século XX - é recu-
and media studies have been experienced in this conjunc- der, em uma sucessão de textos midiáticos particu-
2012; JOYE, 2012, 2013; ORGAD, SEU, 2014) vêm perada por esses autores na proposição de que, em
ture the impacts of a “moral turn” in their research agen- lares, ou a partir da imersão em um fenômeno social
das, begun throughout the 1990s and popularized from
identificado, no campo dos Estudos Culturais e dos face das misérias de outrem mediadas por dispositi- específico (um acontecimento marcante, a cobertura
the 2000s, this article aims to carrying out a mapping of an estudos de mídia, uma virada moral, principiada ao vos tecnológicos, a audiência deveria se engajar mo- noticiosa de um evento enredado por visões de mun-
ensemble of works and recent publications who identify longo da década de 1990 e popularizada a partir dos ralmente em seus dramas aceitando o desafio de sua do conflitantes, etc), os recursos mobilizados pelas
with this analytical horizon, divided in three main lines: anos 2000, tendo como acontecimentos catalisadores presença. Constata-se então uma profusão de obras narrativas para acionar o espectador ao construir de
1) studies that infers about the morality (or a lack of com- os atentados terroristas de 11 de setembro contra as (principalmente em contexto europeu e norte-ame- modo ético ou não a alteridade.
mitment) of the audience through the representations of Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova Ior- ricano) que têm como fio condutor: a) compreender
otherness in media narratives; 2) empirical researches fo-
A referência mais fundamental a esse eixo se tra-
que (que fomentaram a problematização acerca da as potencialidades e obstáculos para a obtenção do
cused on the identification of moral repertories of audien- ta de Luc Boltanski (2004), que aposta em uma ética
representação ética do outro geograficamente distan- reconhecimento social via visibilidade adquirida em
ce reaction in contact with these narratives; 3) case studies minimalista de engajamento emocional da audiência
te (SILVERSTONE, 2011)) e as crises da represen- narrativas que transitam pela sociedade midiatizada
about the diffuse processes of mediation and sensibility em resposta às representações do sofrimento à dis-
tação midiática da ação humanitária (intensificadas que habitamos; b) delinear os desafios que intrínse-
with otherness in everyday life. tância que lhe são oferecidas pelos media. Em sua
pelas denúncias dirigidas à exploração ilegítima das cos à consecução do engajamento moral do especta-
Keywords: Media. Morality. Otherness. obra crucial ao tema, esse autor problematiza duas
imagens de vítimas socorridas por equipes de mé- dor diante dessas narrativas. das considerações mais pessimistas sobre a impotên-
dicos instalados em países fragilizados por guerras Com base nesse diagnóstico, esse artigo pretende

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cia política do espectador, propagadas especialmen- genocídios, conflitos armados desleais, etc. A auto- as formas textualmente encarnadas de acionamento Muito embora posicionadas em lugares aparente-
te desde a publicação de A Sociedade do Espetáculo ra estabelece um nexo entre as falhas na retratação da moralidade dos públicos em face do sofrimento mente incompatíveis, para Chouliaraki (2006, 2008,
de Guy Debord (1998). A primeira delas é a de que da alteridade por parte da mídia e o bloqueio da à distância. A compensação a essa defasagem analí- 2010) nessas duas primeiras classes de notícia há um
a audiência não seria nada mais que um voyeur dos sensibilidade moral dos espectadores, que estariam tica irá transparecer mais precisamente nos investi- idêntico processo seletivo de visibilização da alteri-
dramas urbanos, pois situada em um espaço confor- emocionalmente sobrecarregados por aquilo que ela mentos empíricos de Lilie Chouliaraki (2006, 2008, dade que define por quem o espectador do Ocidente
tavelmente distinto daquele em que se encontra a al- nomeia como “fadiga da compaixão” (MOELLER, 2010), Stin Joye (2010) e Shani Orgad (2009, 2011). deve e não deve se compadecer, excluindo, em con-
teridade vítima de infortúnios de toda natureza. Ins- 2002) - um sentimento difuso de overdose que elide As coberturas noticiosas dos atentados ao World trapartida, os sofrimentos de certos humanos do ra-
pirado pela teoria dos sentimentos morais de Adam a reação moral. Trade Center em 11 de setembro de 2001, de um aci- dar de atenção pública (nas notícias de aventura), e
Smith, Boltanski irá refutar esse argumento indican- A despeito das críticas (ONG, 2014; ORGAD, dente de barco na Índia ocorrido em 31 de agosto de supervalorizando a comoção em face das notícias
do que, apesar de não poder experimentar com todas SEU; 2014) que atribuem um tom determinista ao 2002, das enchentes em Bangladesh em 23 de julho historicamente significativas ao Ocidente (notícias
suas competências sensoriais a mesma vivência da- trabalho de Moeller - por colapsar uma variedade do mesmo ano, do atirador que matou três pessoas de êxtase).
queles que sofrem diante de suas telas, o espectador enorme de possíveis respostas morais do espectador em uma viagem de turismo na Indonésia em 31 de Para a autora, o refúgio ético de retratação da alte-
pode compreender a dor alheia pelo recurso da ima- a uma estática, passiva e negativa condição de fadi- agosto, da catástrofe natural do Tsunami que assolou ridade nos media e de potencial acionamento sensível
ginação. Fabular o sofrimento sem ser vitimado por ga -, é inegável o impacto positivo produzido pelas ilhas do Oceano Índico em 26 de dezembro de 2004, dos públicos reside nas notícias de emergência que,
suas consequências mais diretas pode capacitar os discussões pioneiras levadas a cabo por ela e por Bol- dos protestos de monges em Myanmar em setembro segundo ela (CHOULIARAKI, 2006, 2008, 2010),
públicos a uma reação moral equilibrada àqueles que tanski. Os ecos de suas contribuições se farão presen- e outubro de 2007, entres outros acontecimentos de são construídas narrativamente de modo complexo,
estão envolvidos até as últimas consequências em um tes, ainda que em alguns casos de forma indireta, em relevância diversificada, nutrem em várias circuns- deslizando de um espaço-tempo radicalmente estra-
evento trágico. uma vasta gama de teorizações subsequentes. tâncias as teorizações de Chouliaraki (2006, 2008, nho ou excessivamente próximo para uma configu-
O segundo desacordo desse sociólogo francês Trilhando o mesmo solo conceitual dos pesquisa- 2010). A autora emprega a análise crítica do discurso ração mais contextualizada dos eventos, permitin-
com os discursos hegemônicos de sua época tangen- dores supracitados, Daniel Dayan (2004, 2009, 2013) como metodologia privilegiada para averiguar nes- do o vislumbre da experiência viva e da conjuntura
cia a desconfiança de que mesmo quando o especta- em publicações recentes, posteriores ao lançamento sas reportagens os modos adotados pelas narrativas histórica retratada através de gestos de humanização
dor se vê comovido pela desgraça alheia, nada pode de sua produção mais influente, centrada em com- dos media para contar histórias sobre o sofrimento da alteridade. O espectador dessas notícias não se-
fazer para mudar a condição dos que sofrem que não preender as especificidades do acontecimento midiá- humano e situar o espectador em uma relação moral ria afetado para que reagisse convocando o universo
materializar seu desconforto por meio da verborra- tico (DAYAN, KATZ, 1994), irá cruzar suas reflexões com tal consternação, incitando ou restringindo sua de valores Ocidentais rotineiros, e seu engajamento
gia. Em contraste a essa afirmação, Boltanski (2004) produzidas sobre esse tema com uma preocupação piedade pela dor de outros seres humanos. Propõe estaria aberto a uma indeterminação potencialmente
120 aprecia a fala em um sentido performativo, como de foro ético com o que ele nomeia como uma di- na sequência uma categorização dessas notícias em suscetível de aproximá-lo de uma interlocução em-
ação moral capaz de suscitar a partilha de um senso mensão “mostrativa” do discurso midiático. Em sua três níveis mais abstratos hierarquicamente discrimi- pática com o outro distante. 121
de indignação ou compaixão com outros espectado- perspectiva, os media não só constroem, pela via das nados, indicando que cada um deles proporia a seu As proposições normativas a respeito da morali-
res, incitando, coletivamente, uma reação legítima a imagens, os eventos sociais que mobilizaram seu in- modo peculiar um engajamento na cena de sofri- dade que permeia as textualidades midiáticas (e, so-
formas de injustiça que acometem determinados su- teresse, bem como são responsáveis por demarcar os mento visualizada - oferecendo um leque de possibi- bretudo, jornalísticas) derivadas dos investimentos
jeitos. Propõe então, em nível especulativo, uma ti- regimes de visibilidade que distinguem aqueles que lidades sensíveis de reação. analíticos de Chouliaraki, subsidiam também os es-
pologia dos modos de acionamento compassivo da consideramos como parte de nossa comunidade de Ocupando posições diametralmente opostas nes- tudos de caso de Joye (2010) e Orgad (2009, 2011). O
audiência, assentada em três classes: a denúncia (o pertença, daqueles que figuram na absoluta alteri- sa balança moral da cobertura dos media formulada primeiro autor, baseado na Bélgica, procurou aplicar
espectador se transmuta, discursivamente, em um dade. Dayan (2004) insinua que algumas narrativas por Chouliaraki (2006, 2008, 2010), em uma extre- os mesmos procedimentos metodológicos de Chou-
acusador, se concentrando em identificar o respon- comprometem moralmente a capacidade da audiên- midade se encontram as notícias de aventura, essen- liaraki para escrutinar a cobertura belga da epidemia
sável pela dor infligida às vítimas); a sensibilidade (o cia de experimentar os dramas alheios, instaurando cialmente descritivas, com baixo grau de contextua- global de SARS em 2003 (JOYE, 2010), chegando à
sentimento predominante é o de compaixão pela dor uma diferenciação total entre “nós” e “eles”. E isso lização e consequente desumanização da alteridade conclusão de que as narrativas procuraram susten-
alheia e simpatia pelo benfeitor que a mitigou); esté- ocorre em função da configuração eticamente ina- envolvida na narrativa. Suscitam um afastamento tar uma separação sociocultural entre as vítimas da
tica (acrescenta às imagens do ofensor e do benfeitor dequada de componentes performativos inerentes moral máximo entre os personagens que ocupam es- doença de origem Ocidental (identificadas empati-
a figura do artista, capaz de mostrar o caráter subli- às narrativas midiáticas (Dayan (2013) fala em “atos sas reportagens e a audiência que supostamente deve- camente com o espectador) daquelas localizadas em
me da dor e instigar uma reflexão sobre a condição mostrativos”), tais quais: a capacidade de exibir ou ria ser emocionalmente afetada ao se defrontar com regiões afastadas do globo, territórios segregados das
humana). não algo em todas as suas tonalidades; de estimular elas. Na outra ponta dessa tipologia, estão contidas zonas hegemônicas globais. Já Orgad (2009, 2011)
Poucos anos após o lançamento de Distant Suf- o julgamento dos protagonistas de um evento midia- as notícias de êxtase, que muitas vezes se desdobram irá se debruçar nas coberturas nacionais e interna-
fering, Susan Moeller (2002) lança sua contribuição tizado; e de acionar os sentimentos morais dos es- ao vivo, em um momento tratado como efetivamente cionais da ofensiva contra a Palestina pelo exército
mais expressiva a essa discussão, sob o mesmo viés pectadores suscitando que respondam ao que lhes é histórico - que irrompe da temporalidade rotineira. israelense ao findar de 2008 e início de 2009. Após
proposito de Boltanski, mas sem estabelecer nenhu- ofertado. Aqui, a agência da alteridade é soberana, e cada su- denunciar o excesso de afinidade da produção no-
ma conexão mais rigorosa com seu trabalho. Sua Em decorrência do enfoque preferencialmente jeito é personalizado como alguém que sente, reflete ticiosa israelense com a constelação de valores que
diferença para com o sociólogo francês é que suas normativo e filosófico (que se restringe a responsa- e age sobre sua própria vida (e a vida dos demais em governaram a esfera pública nacional no decorrer
observações se dirigem, sobretudo, ao universo da bilizar o discurso dos media por se evadir de “pôr em seu entorno). O público estabelece com esse modo dos conflitos (legitimando os ataques violentos a
cobertura noticiosa, com uma tese sugestiva acerca cena” a alteridade em sua singularidade), a chave in- de encarnação mediada da alteridade uma relação de Gaza ao vitimizar demasiadamente os cidadãos de
da carência de envolvimento afetivo da audiência terpretativa de Dayan (mas também as de Boltanski identificação, se engajando profundamente em sua Israel, enquanto produzia em contraste um afasta-
quando em face de reportagens sobre epidemias, e Moeller) pode ser questionada por perder de vista agonia. mento moral considerável das imagens dos pales-

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tinos afetados pela escalada de agressões), a autora massas significa ser uma das ‘pessoas comuns’, talvez cos empregados pelos textos para cotidianamente público idealizado. Por essa razão, inaugurou-se nes-
ressalta o papel positivo da mídia interacional nessa uma média estatística, qualquer um, mas acima de desumanizar sujeitos rotulados como terroristas, se mapa de investigações um novo eixo de análises
conjuntura, responsável, em sua análise, por tomar a tudo suficientemente igual aos outros para ter uma corroborando com a profusão de uma “cultura do empíricas sobre o comportamento das audiências em
cena e desestabilizar os informativos locais, expondo vida imaginável, para habitar um mundo imaginável” conforto” que propicia uma aproximação fugaz des- resposta às narrativas que expõem a alteridade dis-
a arbitrariedade do governo israelense e a violência (FROSH, 2009, p.69-70). se ser distante (mencionado de passagem sem que se tante em situação de vulnerabilidade e sofrimento,
desmensurada exercida contra o povo palestino ao Segundo Frosh, se nossa relação atual com os torne objeto de exclusivo interesse) ao mesmo tempo abordando também os esquemas de interpretação
longo da ofensiva. Orgad (2009, 2011) abstrai dessa media simula essa permanente conexão com aquilo em que viabiliza um afastamento abismal das prová- que são acionados pelos públicos nesses contextos.
constatação um argumento crítico que advoga em fa- que está distante, bem como a contínua disponibi- veis implicações éticas de sua presença (permitindo, Ainda que escassos e de impacto limitado, como
vor desses lampejos de “estranhamento” nos media, lidade para o contato, então o “testemunho midiáti- nesse caso, que os identificados com o terrorismo se- salienta Seu (2010), esses trabalhos mobilizaram es-
encarregados de fomentar para os públicos habituais co habitua os indivíduos à alteridade dos outros, à jam alvo de execução sumária sem que as motivações forços para preencherem lapsos que alguns autores
de determinadas narrativas uma nova percepção de estranheza do estrangeiro, e a generalidade de nossa para tal identificação sejam devidamente problema- julgaram existir entre as representações de outrem e
si mesmos, potencializando seu descolamento (ainda conexão com eles” (2009, p.68). Nos termos do autor, tizadas). sua recepção pelas audiências; e entre o ato de tomar
que parcial) da comunidade simbólica em que estão o caráter moral desse tipo de interlocução advém do Sendo assim, se é razoável se acostumar (e mes- conhecimento de uma história narrada e atender a
circunscritas, e colaborando, no processo, para que fato das narrativas midiáticas atuarem como “proces- mo se tornar desatento) diante das figuras que ha- ela imbuído de certa moralidade.
se vejam obrigados a enfrentar a alteridade de modos sos rotineiros e institucionalizados para situarem os bitualmente soam mais aterradoras (e que transitam Um exemplo pioneiro nesse segmento é o tra-
impensados até aquele momento - viabilizando uma estrangeiros no âmbito daqueles a quem podemos diariamente as páginas dos noticiários), então há na balho de Katherine Kinnick e colaboradores (1996)
nova responsabilidade em face do sofrimento à dis- reconhecer como humanos como nós, por garantir proposição de Frosh uma associação apressada en- que procurou detectar a materialização da “fadiga da
tância e uma politização dos cidadãos. que os ‘outros’ são sempre ‘outras pessoas’” (FROSH, tre a necessária tipificação daqueles que tomam parte compaixão” entre espectadores adultos norte-ame-
A sensibilização crítica do espectador com a alte- 2011, p.394). As vozes e faces desses “outros” distan- cotidianamente das narrativas midiáticas e sua mo- ricanos por meio de um survey via ligação telefôni-
ridade implica, para os trabalhos arrolados até aqui, tes que perambulam pelos noticiários sem que suas ralização primeira, para os espectadores, como agen- ca em diversos lares, focado na percepção de como
em dois fatores essenciais: a) o espectador deve apre- aparições sejam objeto de uma atenção especial ou tes que compartilham com eles um mesmo “mundo os entrevistados se relacionavam com assuntos que
sentar um envolvimento ativo (seja esse engajamen- mobilizem uma reação hostil do espectador, são o comum”. cotidianamente são veiculados nos media e que, em
to responsável ou não) em face das histórias que são pré-requisito moral para o florescimento de uma éti- função de sua gravidade, deveriam mobilizar a cons-
veiculadas nos diversos canais de expressão da mí- ca mais robusta de responsabilização pela alteridade. 3. Em busca das audiências ciência moral dos participantes. Pela análise dos re-
dia contemporânea; b) as imagens que humanizam Frosh (2009, 2011) sustenta seu argumento assi- sultados, o estudo atestou a existência de certa fadiga
122 e dotam de agência a alteridade são mais propícias a nalando que as narrativas midiáticas perpetuam sis- Apesar dos questionamentos de Paul Frosh diri- da compaixão no comportamento dos públicos, de-
produzir uma reação sensível dos públicos. Destarte, tematicamente a desumanização de determinados gidos às investigações textuais que se debruçaram corrente não de características pessoais dos respon- 123
como salienta Ong (2014), esses autores concordam estratos sociais, seja os invisibilizando – privando- em apreender, de uma via normativa, as formas ade- dentes, mas sim da natureza da cobertura midiática
tanto que uma audiência composta por sujeitos dis- -os de figurarem nas tramas, e em consequência os quadas e inapropriadas de retratação da alteridade contemporânea, que corroboraria com a exaustão
traídos corresponde a um déficit de posicionamen- impossibilitando de forjar qualquer tipo de conexão (com consequente reação moral dos públicos em face emocional da audiência, “associada com comporta-
to moral em face da encenação do outro vertida em com os públicos -, seja os “demonizando” - caracteri- dessas representações), se revelarem frágeis por não mentos de esquiva, ostensivamente como uma for-
texto; quanto que as representações do sofrimento à zando-os como entidades apartadas das fronteiras da resistirem a um exame mais atento, é imprescindí- ma de auto proteção” (KINNICK et al, 1996, p.701),
distância que não reforçam a agência dos representa- humanidade comum e absolutamente singularizadas vel levar em consideração que críticas mais incisivas diante de assuntos polêmicos.
dos correm o risco de desabilitar quaisquer fagulhas nas imagens. foram dirigidas a essa seara de estudos, expandindo, Uma segunda referência importante nesse con-
de identificação desses indivíduos com os espectado- Mas se é admissível, acompanhando Frosh, pres- em decorrência, o campo de discussão ancorado no junto, e que conflita com as conclusões da preceden-
res, bem como, na esteira, restringir a humanidade e supor que alguns daqueles que não constam nas re- binômio mídia e moralidade. te, advém de uma sondagem empreendida por Irene
a singularidade daqueles que são visualizados pelos presentações midiáticas nem como “tipos ideais” Um parecer bastante partilhado sobre essas pes- Seu (2010) acerca dos “repertórios de negação” do
media. estão limados de fundar qualquer traço de humani- quisas (SEU, 2010; ONG, 2014, ORGAD, SEU, 2014), apelo à ação na recepção do humanitarismo. Nove
Entretanto, essas duas conjecturas são tencio- dade comum com os espectadores, por outro é difícil é o de que elas resvalariam em certo determinismo grupos focais foram constituídos e estimulados à
nadas pelas colocações de Paul Frosh (2009, 2011), assegurar que o mero fato de um conjunto de indi- ao deduzir o tipo de engajamento da audiência uni- discussão após a exibição de campanhas da Anistia
que afirma que, em um cenário onde os processos víduos serem incorporados às narrativas dos media camente a partir da análise detida das textualidades Internacional e reportagens sobre abusos graves dos
interacionais midiatizados sustentam um ambien- sem mobilizar uma atenção especial à sua presença midiáticas, simplificando e linearizando a uma dinâ- direitos humanos em diferentes partes do globo. Se
te cultural socialmente partilhado que ultrapassa as irá garantir que esses atores irão estimular um senso mica causal uma complexa relação que existe entre Kinnick et al (1996) notaram a apatia moral do pú-
ocasiões de implicação ativa dos públicos com narra- de responsabilidade por suas vidas que os vincularia as narrativas e sua recepção pública. Muito embora blico em sua tendência a tergiversar de um engaja-
tivas específicas, a ênfase analítica deveria recair nas moralmente aos públicos. Prova disso é que a “de- sejam inegáveis as contribuições desses empreen- mento mais sensível com o sofrimento à distância,
relações rotineiras com esses textos, de forma que a monização” da alteridade ou o desinteresse pela dor dimentos por inserem na agenda teórica uma pre- Seu (2010) apreende essa negação ao apelo não como
desatenção não deveria ser tomada sem maior caute- alheia pode ocorrer sem que haja uma singularização ocupação ética com os impasses que emergem dos uma simples esquiva desconsertada, mas sim como
la como uma deficiência política na instância de re- completa do corpo vertido em narrativa, como evi- processos de mediação tecnológica (tecendo consi- uma manobra discursiva sofisticada – que permite
cepção, mas sim investigada em suas potencialidades dencia Marita Sturken (2011) ao tematizar a banali- derações sobre as maneiras adequadas de lidar com ao espectador reagir sob um senso de desconfiança
morais. Da mesma maneira, salienta uma moralida- zação midiática das práticas de tortura perpetradas as representações da alteridade nos media), conside- acerca da legitimidade da causas tematizadas pelas
de mínima no contato dos públicos com formas ge- por soldados norte-americanos em zonas de guerra. ra-se insuficiente supor as respostas morais de um agências humanitárias, e inclusive sobre a condição
néricas de representação da alteridade: “ser parte das Em sua análise, a autora detecta os artifícios retóri- das vítimas retratadas nas campanhas. Desse modo,

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a audiência nega o engajamento reativo à causa se an- a uma tradição de pesquisa em comunicação ligada Muito embora o próprio Silverstone (2007) não se na mediação do sofrimento à distância (JOYE, 2013),
corando em justificações sustentadas por fundamen- a um circuito comunicacional defasado, no qual se embrenhe na concretude das práticas que teoriza, se mas alça à categoria de direito humano fundamental
tação moral. presume que as interlocuções dos públicos com os restringindo à definição filosófica de condições subs- a possibilidade de ser visto em seus próprios termos
Um terceiro e último artigo bastante citado nes- media só acontecem nas circunstâncias em que eles tantivas para uma relação mais inclusiva e generosa e conferir visibilidade aos demais (subvertendo radi-
sa linha é o da pesquisadora sueca Birgitta Höijer se tornam “audiência” de produções veiculadas em com a diferença, outros autores se encarregaram des- calmente a lógica do sistema informacional vigente,
(2004), assentado na seguinte inquietação norteado- dispositivos sóciotécnicos. Assim, reivindicam uma sa tarefa, a exemplo das recém-publicadas investidas que distingue moralmente os seres falantes e racio-
ra: “como as pessoas reagem ao envolvimento emo- teorização mais holística dos processos de conver- empíricas de Mirca Madianou (2013a, 2013b 2015), nais (especialistas, autoridades institucionais) dos
cional que a mídia oferece se concentrando em víti- sação (e de mobilização moral) que se originam do Jonathan Ong (2015) e Madianou e colaboradores anônimos que são visualizados sem espaço para que
mas inocentes de conflitos políticos, guerra e outras contato contínuo com as diversas narrativas que se (2015). correspondam).
formas de violências?” (HÖIJER, 2004, p.513). Suas aventuram a narrar a experiência da alteridade. Em suas incursões às declarações de testemu-
incursões empíricas se organizaram em duas frentes: Um conceito recorrentemente convocado que nhas do Inquérito Leveson (MADIANOU, 2013a), 5. Considerações finais
a primeira, na Suécia, combinou entrevistas presen- sustenta essa decisão teórico-metodológica e incre- às construções de campanhas humanitárias em redes
ciais e mediadas por telefone focadas na recepção da menta o vocabulário desses pesquisadores é o de sociais (MADIANOU, 2013b) e aos usos de tecnolo- Esse artigo procurou oferecer uma sucinta revisão
violência midiatizada em coberturas noticiosas. A mediação (MADIANOU, 2013a, 2013b, ONG, 2014, gias de comunicação pelos afetados pelo supertufão literária de pesquisas que se identificam com o que
segunda foi constituída por grupos focais realizados 2015; ORGAD, SEU, 2014). Ong (2014) o apreende Hayan que atingiu as Filipinas em novembro em 2013 fora nomeado por alguns autores como uma recente
na Noruega e na Suécia, e teve como eixo condutor a segundo a definição de Sonia Livingstone (2009), (MADIANOU et al, 2015) (ONG, 2015), esses auto- “virada moral” nos estudos em Comunicação, par-
apreensão pública da Guerra do Kosovo. Os resulta- para a qual a mediação é o fenômeno em que a mídia res se revelam particularmente preocupados com a ticularmente expressiva em cenário europeu e nor-
dos dessa investigação são múltiplos e se revelaram se infiltra e modela as relações cotidianas em âmbito vocalização moral de demandas por parte de sujeitos te-americano. Importante frisar que o esforço em-
particularmente instigantes por problematizarem e intersubjetivo e social, transformando-as significa- vitimados, seja por uma exposição midiática injusta, preendido aqui só cobre uma pequena parcela desse
adensarem questões até então não debatidas no cam- tivamente e, por conseguinte, conformando de ma- seja por uma tragédia de origem natural ou humana. conjunto substantivo de investigações que, como vis-
po dos estudos de mídia e moralidade. Uma das mais neira característica o mundo contemporâneo. Para Suas imersões em campo evidenciam que os entraves to, encontram-se imersas em um momento profícuo
notáveis evidencia a significância do engajamento apreender a “circulação de significados” decorrente para que esse processo ocorra na pólis midiática con- de efervescente discussão. Sendo assim, não é impro-
moral da audiência com certas vítimas preferenciais dessa dinâmica, o ponto de partida empírico são os temporânea são de diversas ordens, e podem abar- vável que alguns dos horizontes analíticos apontados
(mulheres, crianças e idosos), contrastando com uma processos de mediação da experiência da alteridade car desde o tipo de visibilidade adquirido por grupos nessa revisão já tenham sido problematizados em
suposição muito presente nas análises textuais de que na vida cotidiana, que ultrapassam as ocasiões pon- vulneráveis, passando pela situação socioeconômica publicações ainda mais recentes do que as que foram
124 a sensibilização da audiência depende da humaniza- tuais de encontro entre o texto e as audiências. Nesse delicada das vítimas desses acontecimentos indeseja- arroladas aqui.
ção e do resgate da agência daqueles que são retra- terreno, a ser vislumbrado por lentes etnográficas, dos, e mesmo pelas assimetrias no acesso às tecnolo- Importante ter em mente que apesar das diferen- 125
tados como vítimas de uma tragédia. Outro esforço supõe-se que os públicos identificam as narrativas gias de comunicação. Desse modo, as conclusões des- ciações entre as correntes de estudo, não é razoável
meritório da autora foi o de tentar classificar os “re- que encontram em seu percurso habitual, por vezes sas pesquisas sinalizam que a projeção de uma ética supor que elas são irrevogavelmente incompatíveis.
gimes de compaixão” (HÖIJER, 2004) que emergem se engajando moralmente com elas e adentrando em da hospitalidade e da responsabilidade incondicional A depender do objeto de pesquisa, é inclusive sau-
do contato com o sofrimento à distância, tais quais: o uma arena comum onde julgamentos morais con- teorizada por Silverstone (2007), pode servir de pa- dável ao campo que cruzamentos inesperados entre
compadecimento, a culpa, a vergonha e a impotência. trastantes colidem. râmetro para uma crítica incorporada as situações perspectivas aparentemente díspares sejam tramados
Por fim, uma última observação memorável desse es- Essa abordagem também é endossada, de um pris- concretas que acentuam o silenciamento integral - evidenciando complementaridades entre linhas de
tudo de caso múltiplo foi a de que as reações morais ma eminentemente normativo, pela obra póstuma de das vozes daqueles que já experimentam uma sensa- ação até então avaliadas inconciliáveis.
do espectador são ancoradas por divisões de gênero: Roger Silverstone (2007), Media and Morality. Nela, ção ampla de desconexão pública, com subsequente Feitas as devidas ressalvas, e com o interes-
enquanto as mulheres soam mais dispostas a expres- o sociólogo inglês também insiste nessa leitura da “perda de poder revelado na falta de entusiasmo para se único de sistematizar visualmente os vários eixos
sar a compaixão na interlocução com a dor alheia, os moralidade arraigada ao dia a dia, e avança ao me- estabelecer meios de comunicação comunitários que teórico-metodológicos apresentados ao longo desse
homens exprimiam insensibilidade no contato com ditar as consequências da mediação em uma pólis poderiam fazer suas vozes serem ouvidas” (MADIA- texto, é possível esboçar um quadro no qual os traba-
as mesmas narrativas, “protegendo a si mesmos ao midiática globalizada, na qual se tramam relações NOU, 2013a, p.194). lhos citados são dispostos em função de sua diretriz
olhar para as imagens sem demonstrar quaisquer si- entre nós, ocidentais, e a alteridade. Espaço de apa- A associação entre visibilidade e reconhecimento, de pesquisa (ética normativa ou abordagem empíri-
nais exteriores de emoção” (HÖIJER, 2004, p.527). rências arendtiano onde interlocutores se expõem conceituada principalmente por Dayan (2013), torna ca) e de seu enfoque (textualidades, recepção, media-
uns aos outros (moralmente e dramaturgicamente), evidente que aqueles que galgam a visibilidade me- ções).
4. Moralidade e mediação na vida cotidiana a pólis midiática é também o campo em que ocorre a diada para apontar as injúrias cometidas contra sua Apesar desta revisão ratificar a pluralidade de
inclusão ou a exclusão simbólica, a comunicação ou imagem indevidamente apropriada pelos media, ou investimentos no binômio mídia e moralidade, não é
Sob influência decisiva de estudos europeus con- a falha na comunicação entre seres humanos. E sen- ainda para denunciar a influência das hierarquias de inviável, a título de conclusão, delinear três tendên-
temporâneos1 que se voltaram à compreensão da pre- do as mediações responsáveis por definir a superfície classe na produção de disparidades na obtenção de cias gerais sinalizadas em uma parcela substancial
sença ubíqua da mídia na vida cotidiana através de em que ocorre esse movimento permanente de mú- ajuda humanitária em um contexto de calamidade das produções listadas: a) uma predileção pela excur-
processos sociais midiatizados, Ong (2014) e Orgad tua exibição (cenário por excelência da vida política pública, não anseiam somente obtê-la a qualquer cus- são empírica, considerada de suma importância para
e Seu (2014) irão tecer críticas aos estudos de audiên- contemporânea, nos termos de Silverstone (2007)), to. Desta feita, um modelo performativo (DAYAN, tencionar as proposições de escopo normativo pro-
cia mencionados na seção precedente por se fiarem a conclusão desse autor é a de que é imprescindível 2013) de estudos sobre a interlocução moral e coti- duzidas na alvorada da “virada moral” nos estudos
1 Nick Couldry e Andreas Hepp (2013) oferecem questionar sobre como os públicos são posicionados diana com a alteridade não se detém na detecção da em Comunicação; b) um empenho por rescindir o
um bom panorama desses estudos. em tais contextos concretos. reprodução discursiva de desigualdades simbólicas

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