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Refere-se ao Art. de mesmo nome, 12(2), 43-50, 2002 Rev. Bras. OPlNIAO / ATIJALJCZAÇÃO
Cresc. Des. Hum. S. Paulo, 12(1), 2002
OPINlON / CURIRENT COMENTS

BRINCADEIRAS POPULARES, MOVIMENTOS SOCIAIS E


FORMAÇ ÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA: REFLEXOES SOBRE
UMA EXPERIÊNCIA1

POPULAR PLAY, SOCIAL MOVEMENTS AND THE FORMATION


OF CRITICAL AWARENESS: REFLECTIONS ON AN EXPERIENCE

Ricardo M. F, Gorchacov 2
Raquel S. L. Guzzo 3

GORCHACOV, R. M . F.; GUZZO, R. S. L. Brincadeiras populares, movimentos sociais e


formação da consciência critica: reflexões sobre uma experiência. Rev. Bras. Cresc. Desenv.
Hum., 12(1), 2002.

Resumo: Acompanhar o desenvolvimento de crianças e adolescentes em seu contexto de vida


tem sido uma forma de trabalho do psicólogo que atua diretarnente na comunidade. As contin-
gências das sociedades contemporâneas têm incidido sobre o relacionamento das crianças em
espaços públicos: as crianças pouco brincam e com isto têm comprometidas suas capacidades
de interação e consciência critica, principalmente para o exercício da cidadania e para a busca
pela qualidade de vida. Este trabalho teve como objetivo observar como este movimento se
instalava em uma comunidade de risco com vistas à reconquista do espaço público pelas crian-
ças e às reflexões sobre a qualidade de vida deste grupo especifico. Foi desenvolvido através do
contato semanal com 30 crianças de 3 a 15 anos de idade, em três etapas de trabalho e durante
nove meses. A primeira etapa procurou chamar a atenção da população para a importância de
uma praça no bairro a ser construída com a participação da população em cooperação com a
prefeitura e a universidade; a segunda visou o chamamento geral de crianças para a manuten-
ção, sobretudo da limpeza, no bairro; a terceira destinou-se a contatos com brincadeiras coleti-
vas. As crianças demonstraram interesse na participação neste tipo de atividade aproveitando a
oportunidade para trazer elementos de sua vida pessoal. O trabalho necessita ter um acompa-
nhamento melhor e mais constante para que as crianças e a comunidade possam incorporar os
movimentos dele decorrentes no cotidiano de suas vidas. A descontinuidade de políticas públi-
cas envolvendo a proteção a crianças destas comunidades afeta diretamente a manutenção des-
tes movimentos sociais.

Palavras-chave: brincadeiras populares; movimentos sociais; comunidade; intervenção.

“Eu sonho com essa sociedade, com suas ruas e suas praças sempre cheias de gente, sempre
cheias de povo (...). eu sonho com uma sociedade reinventandose de baixo para cima, em que
as massas populares tenham, na verdade, o direito de ter a voz e não apenas o dever de
escutar. Este é um sonho que acho possivel, mas que demanda esforço fantástico de criá-lo.
Quer dizer: para isso é preciso que a gente antes já tivesse descruzado os braços para
reinventar essa sociedade” (FREIRE, citado por FERRAZ, 1997).

1 Trabalho apresentado no 28° Congresso Interamericano de Psicologia, Chile, de 29 de Julho a 3 de Agosto de 2001.
2 Aluno do curso de Psicologia da PUC-CAMPINAS.
3 Professora Titular do Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia da PUC-Campinas.
Endereço para correspondência: Raquel Souza Lobo Guzzo - Rua Santa Mônica, 136 - Casa 1 - Cep: 13094-531 - Campinas - SP,

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Pensar em como a criança se desenvolve é que define um novo cotidiano no qual desapare-
pensar a influência da cultura sobre a dinâmica cem as famílias, a rua, as relações de vizinhança
deste desenvolvimento, situando-o em um coti- e o lugar como referência social.
diano de vida de uma comunidade específica, e A relação entre espaço urbano, qualidade
mais especialmente, em seu espaço público. de vida e interações sociais está cada vez mais
As brincadeiras das crianças nas ruas são evidenciada em estudos que procuram, tanto nas
formas de cultura e processos de desenvolvimen- ciências humanas quanto nas sociais, o bem estar
to que podem ser compreendidos como um movi- dos cidadãos.
mento social importante para a formação de uma Para ADORNO (1998), as intervenções
consciência crítica, baseada em relações interpes- realizadas nestes contextos e o uso mais saudável
soais espontâneas e no fortalecimento da comu- dos espaços urbanos devem fazer parte da vida
nidade. cotidiana da comunidade. Quanto mais degrada-
Atualmente, a criança deixou de ter um dos forem os espaços de convivência social, maio-
espaço social público para se relacionar. Está, cada res são as conseqüências para as relações inter-
vez mais, confinada a locais privados para se de- pessoais e estilos de vida. Neste sentido, as
senvolver. Além de excludentes por questões fi- condições urbanas diferenciadas em termos de se-
nanceiras, étnicas e interesses comuns a determi- gurança, organização e oportunidade de lazer aca-
nados grupos sociais, estes espaços, mais bam por influir na dinâmica de vida de forma de-
relacionados aos espaços de lazer e de passeio, cisiva, como é o caso dos riscos sociais (violência,
trazem uma prática pré-fixada por normas, e a tráfico de drogas e circulação de armas).
interação entre crianças é limitada ao prazer que Espaço considerado de risco em áreas ur-
este proporciona, reduzindo sua possibilidade de banas, – como é denominada a periferia, tem sido
interação social com crianças de outros grupos espaço de intervenção para a sociabilidade dos
sociais e faixas etárias. A estrutura social atual cidadãos. São caracterizados, pelo mesmo autor,
não tem permitido à criança seu desenvolvimen- como espaços que levam ao extermínio pela vio-
to em locais públicos. lência ou ao auto-extermínio pela droga, justifi-
O presente texto, fruto de uma experiência cando, assim, a necessidade de políticas sociais e
comunitária, pretende trazer para a reflexão uma de lazer que dêem oportunidade para o envolvi-
relação possível entre brincadeiras populares, mento social de seus moradores.
movimentos populares e consciência crítica com Ante essa idéia, uma praça pode assumir
o propósito de intervenções comunitárias em es- um papel importante na concretização de oportu-
paços urbanos de risco. Sem pretender concluir a nidades para a socialização e lazer (BESEN,
partir de uma experiência em andamento, discuti- 1999). De acordo com FERRAZ (1997), o lazer
remos a importância de tais atividades com o ob- satisfaz uma necessidade de ordem social, con-
jetivo de influenciar a forma de percepção da rea- vencional e de trabalho, mas também uma neces-
lidade de crianças vivendo em situação de risco. sidade biológica que é o descanso. Está relacio-
Os locais públicos vêm sendo estruturados nado ao trabalho, à família, à política, à moral, à
com grandes impactos sociais, alterando as pos- cultura, à saúde e, principalmente, ao bem estar.
sibilidades de encontro entre pessoas que convi-
vem em um bairro. O lazer, hoje em dia, passou a A organização social do espaço urbano
ser considerado um empreendimento turístico, não é uma utopia, mas é concreta, real e
como é o exemplo de grandes parques temáticos, realizável. Além disso, o que está em jogo
áreas verdes urbanas e centros comerciais não é o futuro da cidade, mas, sim, o futu-
(JACOBINI, 1998). ro do homem, seu habitante; porque existe
Ainda segundo o mesmo autor, em sua di- somente um modelo de homem, e este deve
mensão urbana, o lazer está cada vez mais circuns- ser o do homem sem contradições
crito a estes espaços, locais de encontro e de estí- (FERRAZ, 1997, p. 345).
mulo à socialização, basicamente relacionado ao
consumo. O acesso a este tipo de lazer pode ser, no Os espaços públicos, por não serem pré-
entanto, direcionado para um maior contato com a regrados, proporcionam à criança uma interação
natureza e a preservação da qualidade de vida, se com companheiros para a definição de brincadei-
puder oferecer oportunidades de estimular o uso ra, criando-se condições para a improvisação, a
dos mesmos de forma criativa e educativa. liberdade de escolha, elementos necessários para
Nestes contextos, aparece uma nova civi- a fommação da identidade e da formação crítica
lização travestida “um sistema coerente, muito (DUVEEN, 1995).
bem articulado, fundado no falso privado e no O modo de brincar em espaços públicos
falso personalizado” (RODRIGUES, 1998, p. 12), tem sido considerado como brincadeiras popula-

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res. Este modo de brincar tem se tomado, cada vimento da criança. Destaca em todas estas eta-
vez mais, escasso e comprometido pela preocu- pas a importância da presença do outro no pro-
pação com riscos sociais. Não se permite mais às cesso lúdico que assume um papel mediador do
crianças ultrapassarem os limites, proporcionan- seu crescimento como pessoa, social e crítica.
do contato com poucos espaços, além do lar e da O brincar, aqui entendido como uma ma-
escola. Há sérios limites para a espontânea e livre nifestação social, passa a ser um processo de cons-
expressão lúdica de crianças nos espaços públi- cientização da criança, na medida em que propi-
cos, que se constituem em ameaçadoras e violen- cia a sua relação com outros e com o seu mundo,
tas experiências sociais. conhecendo regras, valores, normas, sobretudo
Desde o início do século passado, políticas pelas relações interpessoais no nível da família e
de atendimento e proteção à criança em São Paulo da comunidade.
incluíam a participação de crianças maiores de três A transmissão comprometida da cultura,
anos em Parques Infantis cujos objetivos eram pro- principalmente com a participação das crianças,
porcionar oportunidades de jogos e brincadeiras tem sido uma estratégia fundamental para a for-
para que as mesmas pudessem aprender, consumir mação de uma consciência cidadã. Este processo
e construir a cultura nacional na diversidade de sua vem sendo ameaçado pelo que LOPES (1995)
participação social (FARIA, 1999). denomina a mundialização da cultura:
Ainda no final no século XIX (PASSE’l’l’l,
1999; Del PRIORE, 1999), esperava-se um regi- A problemática da cultura tem ressurgido
me político democrático com a proclamação da com força em vários estudos e comentá-
república, orientado para dar garantias ao indiví- rios públicos neste final de século, e esse
duo numa sociedade de território amplo e de natu- ressurgimento das discussões se deve ao
reza abundante. Com isto, emergiu o sonho de uma processo de globalização social. As diver-
nova nação e a esperança de uma potência interna- sas manifestações sociais, que caracteri-
cional. Mas, ao invés disto, vieram as mazelas ge- zam tal globalização, têm se configurado
radas pela desestruturação das famílias, como um campo fértil de investigação cien-
desumanização da escola, elitização do trabalho e tífica. A simultaneidade das manifestações
conseqüentes conflitos sociais. Tais dificuldades le- culturais que atingem indiferentemente
varam os pais a abandonarem cada vez mais seus países, regiões, metrópoles, instituições,
filhos e, com isso, emergir uma nova ordem de prio- grupos e indivíduos, têm nos mostrado que
ridades no atendimento social, que ultrapassou o a cultura se torna cada vez mais um fenô-
nível da filantropia privada e seus orfanatos, para meno mundial e mundializado, que se cons-
elevá-la às dimensões de problema de Estado com titui sob a influência dos meios de comu-
políticas sociais e legislação específica. Por acre- nicação de massa, como a tv e as
ditar que a delinqüência e a criminalidade eram propagandas. Cada vez mais coincidentes
frutos de uma família desestruturada, o Estado pas- e semelhantes, os ideais, as manifestações,
sou a chamar para si as tarefas de educação, saúde as instituições e os objetos culturais são
e punição para crianças e adolescentes. identificados de acordo com a sua aproxi-
Uma história da legislação de proteção à mação ou o seu distanciamento de mode-
criança e adolescente neste período como decor- los mundializados, como que caracterizan-
rência das grandes modificações sociais pode ser do aqueles que são incluídos ou excluídos
vista em PILOTTI & RIZZINI (1995) e RIZZINI da dinamica que mundializa a cultura
(1997). (LOPES, 1995, p. 12).
As brincadeiras podem funcionar como
movimentos sociais facilitadores do desenvolvi- Com esta citação, o autor chama a atenção
mento das crianças em suas capacidades de inte- para a importância de um movimento de resgate
ração, consciência crítica, de cidadania e quali- de cultura manifestada em movimentos sociais e
dade de vida. Contudo, para que este movimento que, de forma coincidente, tem se distanciado dos
tenha estes objetivos, é preciso que a comunida- modelosjámundializados. Esta cultura globalizada
de permita o seu desenvolvimento e assegure a se sobrepôs àquela que identifica as pessoas como
participação das crianças em seus espaços públi- cidadãs. A cultura popular traz a identificação
cos e na cultura de sua coinunidade (ALTMAN, popular com suas características particulares, ale-
1999). grias, crendices, folclores e brincadeiras.
ROCHA (1994) faz uma análise sobre o
brincar e o papel que este tem no desenvolvimen- Considerando a importância de brincadei-
to da criança, identificando diferentes formas de ras populares e coletivas desenvolvidas em espa-
brincar conforme interesses e etapas de desenvol- ços públicos como um mecanismo de transforma-

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ção social que pode ter um impacto na qualidade ciando com 30 crianças variando em idade de 3
de vida de uma comunidade social, este texto des- anos a 15 anos, idade média de 10 anos, e igual-
creve uma intervenção comunitária em um bairro mente distribuídos por sexo masculino e femini-
de risco, com o objetivo de observar como este no, o projeto terminou com 12 crianças.
movimento se instalou na comunidade, com vis- A intervenção pelas “Brincadeiras Popu-
tas à reconquista do espaço público e às reflexões lares” destinou-se a contatos mais dirigidos aos
sobre a qualidade de vida deste grupo específico. grupos de crianças, com trabalhos livres em uma
Como parte de uma atuação de integração uni- sala do centro comunitário, além de conversas e
versidade-comunidade, a intervenção aqui comen- planejamento conjunto de atividades para os pró-
tada buscou uma aproximaçao com as crianças e ximos encontros, tais como gincana, danças, fes-
o bairro, ao mesmo tempo propiciando uma orga- tas, marionetes, que poderiam ocorrer tanto na sala
nização espontânea das mesmas para trabalhar designada para os encontros do grupo quanto na
suas relações no grupo e sua consciência sobre a rua ou na praça do bairro.
vida naquele espaço. Os encontros realizados foram registrados,
de forma a apresentar um relato de todas as ativi-
dades desenvolvidas no dia, com a participação
MÉTODO E RESULTADOS das crianças e seus comentários sobre sua vida
no bairro e expectativas sobre o futuro, sempre
Utilizou-se de uma metodologia especial- conversados ao término das brincadeiras. Ao fi-
mente delineada para este fim, tal como apresen- nal do período de intervenção, estes relatórios fo-
ta CAMPOS (1996), em que, por diferentes for- ram analisados para que se pudesse chegar a um
mas de interaçao, busca-se o processo de significado capaz de explicar se as crianças esta-
conscientização. O trabalho com o grupo de crian- vam sendo capazes de conversar mais esponta-
ças – como nos grupos populares –, visou a que neamente sobre as suas vidas, buscavam explica-
assumam progressivamente o seu papel de sujei- ções para ela e entendiam o que acontecia com
tos de sua própria história, conscientes dos deter- elas em seu cotidiano.
minantes sócio-políticos de sua situação e ativos Sobre a participação das crianças, pode-se
na busca de soluções para os problemas enfrenta- dizer que elas assumiram os encontros com com-
dos. A busca da consciência crítica, da ética, da promisso e, muitas vezes, traziam uma idéia ou
solidariedade e de práticas autônomas seria atin- planejamento para as atividades semanais, de-
gida pela análise dos problemas cotidianos da co- monstrando interesse em atividades que divergiam
munidade, decorrentes das diferentes formas de do seu cotidiano e permitiam uma expressão mais
brincar. A pesquisa participante, tal como define criativa e individual. As crianças demonstraram
THIOLLENT (1985), foi o meio utilizado para o maior abertura para receber companheiros que não
contato do pesquisados com a comunidade e o faziam parte do bairro, apresentando uma maior
desenvolvimento das atividades da proposta. socialização do que os adultos em atividades que
O trabalho ocorreu em uma comunidade, envolviam um grupo maior de pessoas. A partici-
construída especialmente para abrigar 312 famí- pação das crianças foi, com o tempo, caracteri-
lias de baixa renda, ex-moradoras de áreas de ris- zando-se por uma maior abertura aos assuntos
co e favelas na região de Campinas. O bairro for- pessoais e familiares, fornecendo indicadores de
mado contava com recursos sociais tais como: dois que este tipo de atividade e de expressão pessoal
centros de saúde, três escolas de 1° e 2° graus, devem ser considerados em trabalhos com esta
dois núcleos comunitários para atendimento de comunidade.
crianças e adolescentes de 7 a 14 anos e um Cen- Sobre o conteúdo das conversas com as
tro Municipal de Educação Infantil atendendo crianças, falou-se muito sobre a violência do bair-
crianças a partir de 5 anos. ro, que impedia uma maior liberdade e perma-
Foram realizadas atividades com crianças nência das mesmas nas ruas. Além disso, outro
do bairro em encontros semanais, sempre aos do- conteúdo freqüente foi o das dificuldades encon-
mingos, com duração aproximada de 4 horas, tradas nas relações familiares e na escola, e sobre
durante nove meses, de fevereiro a outubro. Es- os relacionamentos individuais. No início, houve
tes encontros foram iniciados com atividades li- manifestação de estranheza, as crianças falavam
vres sem um planejamento prévio e incluíram brin- pouco sobre o que viviam, e mostravam-se retraí-
cadeiras de rua, tais como queimadas, jogar bola, das com o tipo de intervenção realizada demons-
dinâmica de apresentação, coleta de lixo nas ruas trando, claramente, que este tipo de interação adul-
do bairro, dentre outras. to-criança não fazia parte do seu cotidiano. Aos
O número de crianças participantes das ati- poucos, demonstraram maior familiaridade com
vidades foi instável e mais reduzido ao final. Ini- este tipo de interação, maior confiança com o

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monitor e começaram a compartilhar assuntos Em relação aos objetivos do trabalho ob-


pessoais, tanto individualmente quanto no grupo. servar como o movimento das brincadeiras popu-
Mesmo após um curto período de tempo, lares se instalava na comunidade visando à re-
ficou evidente que a criança responde a um con- conquista do espaço público e as reflexões sobre
tato constante, seguro e afetivo para se manifes- a qualidade de vida – pode-se verificar que uma
tar sobre aspectos de sua vida, assim como, com iniciativa deste porte tem resposta na comunida-
a confiança adquirida, passa a desfrutar mais es- de e é sempre bem vinda. No entanto, é preciso
pontaneamente de brincadeiras com o grupo ou que outras condições possam ser também ofere-
sozinha, em uma situação mais livre. cidas, tais como um espaço público compatível
com a permanência de crianças, seguro e adequa-
ção às suas necessidades. Aos poucos uma inicia-
CONCLUSÕES, CONSIDERAÇÕES tiva como esta passa a ser incorporada no cotidia-
E SUGESTÕES no da comunidade que, ao valorizar este tipo de
atividade, passa a assumir uma responsabilidade
As conclusões deste trabalho evidenciaram maior na estrutura e avaliação da vida de sua po-
a importância da psicologia em intervenções nes- pulação. Um processo de instauração de um mo-
tes contextos para o estabelecimento de subsídios vimento social a partir de um pequeno grupo é
para uma ação social que organize o grupo e fa- um desafio que demanda tempo e envolvimento
voreça a possibilidade de reflexão crítica sobre a da comunidade.
vida e sobre os problemas sociais vividos tanto Este trabalho, além de deixar claro sua di-
pela comunidade como pelas crianças. Parece nâmica processual e de longo prazo, encaminha
importante que se possa delinear um conjunto de para uma reflexão sobre o perfil do profissional
ações com o propósito de proporcionar o aflo- mais adequado para este tipo de intervenção. Re-
ramento da consciência nesta população, amadu- flexões, a partir desta experiência, identificam
recida pela participação em grupos. Este tipo de necessidades – e problemas em caso negativo –
intervenção, mesmo como uma experiência ini- de uma formação profissional que se traduza em
cial e introdutória, tem sido proposta no Brasil conteúdos e oportunidades de experiências com
como uma possibilidade de favorecer a transfor- esta temática e realidade.
mação de realidades grupais. Entender o que se passa em uma comuni-
Propostas de intervenção deste tipo foram dade, como vivem seus cidadãos, como se orga-
relatadas por LANE (1996) em um histórico da nizam os grupos sociais, quais as redes de rela-
Psicologia Comunitária no Brasil, datando da dé- ções interpessoais e como elas interferem na vida
cada de setenta. A autora chama a atenção para a dos indivíduos, é o primeiro passo para uma for-
necessidade de uma sistematização teórica e prá- mação diferenciada, capaz de atuar de forma efi-
tica que dê conta de um maior impacto desta in- caz na realidade brasileira (GÓIS, 1998).
tervenção no cotidiano destas comunidades. Este Para ARENDT (1997), há ainda que se
trabalho suscitou a necessidade de um aprofun- conhecer o “sentido psicológico” das comunida-
damento tanto nos aspectos teóricos quanto des, que ele traduz em termos das redes políticas,
metodológicos capazes de aprimorar a formação sociais, culturais e filosóficas que moldam a vida
profissional para dar conta desta realidade. do dia a dia e relacionam uns aos outros.
Para se avaliar o impacto, no entanto, é pre- Esta compreensão deve envolver a relação
ciso propiciar um sistema de registro mais contro- entre a origem das comunidades e seus movimen-
lado e um acompanhamento da intervenção por um tos sociais. Para BONFIM (1989), o psicólogo
período maior de tempo. A avaliação desta inter- deve possuir uma formação capaz de transitar na
venção foi realizada em função de quanto as crian- prática comunitária. Entender as necessidades
ças participaram das atividades e de seus relatos, comunitárias e individuais é um processo que
tanto em conversas individuais quanto no grupo. necessita uma amplitude de fundamentos teóri-
Isto chama a atenção para a necessidade de um cos, uma formação consistente e direcionada por
maior planejamento de estratégias de trabalho, tanto princípios de desenvolvimento dos indivíduos e
com as crianças como com as suas famílias. De grupos sociais (ANDERY, 1989; GOMES, 1999).
acordo com a metodologia da pesquisa participan- O trabalho isolado com os indivíduos não
te, deve ser desenvolvida uma maior freqüência, parece facilitar este processo (ARENDT, 1997).
para que a comunidade possa incorporar os resul- Da mesma forma, torna-se necessário o desenvol-
tados em suas rotinas de vida e, ao mesmo tempo, vimento de uma forma diferente de atuação que
haver um sistema de registro que permita a avalia- se distancie da postura assistencialista.
ção de mudanças de atitude nas crianças e adoles- Para CAMPOS (1996), são centrais, nesta
centes participantes e de suas famílias. área de estudo, conceitos que favoreçam a contri-

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buição do sujeito social, produto e produtor da capaz de responder às injustiças sociais por meio
cultura, e de como se desenvolve sua consciência do desenvolvimento de uma consciência crítica,
Linguagem, representações e relações gru- cuja conseqüência seria a mudança das pessoas
pais, emoções e afetos próprios da subjetividade em suas relações com o seu ambiente. Este pro-
são tópicos importantes para esta formação. LANE cesso se inicia pelo fortalecimento das estruturas
(1996) acrescenta o estudo das condições internas sociais capazes de transformar o cotidiano, estru-
e externas que impedem ou favorecem a condição turas estas que se estabelecem pelos movimentos
do homem de ser sujeito em suas comunidades. E sociais.
a realidade concreta passa a ser refletida por seus A conscientização histórica permite a emer-
membros, em um processo gradativo, na medida gência de novos carminhos. Por mais trágica e
em que assume sentido para a melhoria de vida da conflituosa que a realidade possa ser, há que se rom-
populaçao (CAMARGO, 1993; CARNEIRO, per com o estado de alienação, a que a população
1988; GOIS,1998; BONFIM, 1989). está submetida. Não há como planejar um futuro a
Trabalhar a relação individualidade e cole- partir do esquecimento e da alienação (MARTIN-
tividade é o grande desafio (SAWAIA, 1996). O BARÓ, 1998). Este rompimento se dá pela cons-
desenvolvimento da consciência crítica, o cientização, um processo dialético,
favorecimento de uma convivência humana e soli- pessoal e comunitário, do homem frente à sua reali-
dária, o tornar as pessoas mais amadas, estimadas dade histórica. A constituição humana surge destas
e benquistas são propostas básicas para melhorar o reflexões e, com ela, a formaçao das comunidades.
cotidiano das comunidades e a formação da cida- Seja pelas crianças, por meio de suas brin-
dania (FREITAS,1996; GUARESCHI, 1996) cadeiras, seja pelos adultos – homens e mulheres
MARTIN-BARÓ (1998), assim como com responsabilidades sociais, o caminho esta tra-
FREIRE (1980,1992), propõem uma intervenção çado, basta percorrê-lo com compromisso.

Abstract: To follow the development of children and adolescents in their context of life has been
a practice ofthepsychologistwho works directly in communities. The difficulties of contemporary
societies have negatively affected the relationship between children in public spaces. They have
played less and because of that they have damaged their interaction abilities and critical awareness,
mainly regarding citizenship and quality of life. The main goal of this article was to observe how
this social movement could be installed in a risk community searching for the return ofthe children
to the public space, and also to reflect on the quality of life ofthis specific group. It was developed
through weekly contacts for nine months with 30 children in three work phases: the first one
intended to draw the population’s attention to the importance of having a square in the
neighborhood, to be built by the population, with the cooperation of the university and the city
hall; the second was to raise the children’s awareness about the trash; and the third was to generate
an opportunity for collective and popular play with children. The children’s participationbrought
flashes oftheir life, showing that an intervention in this direction must be constantly developed,
so that the results of this work can be incorporated in the children’s and the community’s daily
life. The discontinuity of public policies involving the protection of children in those communities
affects directly the maintenance of these social movements.

Key-words: popular games; social movements; community; interventions.

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Recebido em 10/09/2001
Modificado em 03/12/2001
Aprovado em 15/12/2001

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