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Sociologia da ação
"Sociologias da ação: um balanço”

Gabriel Peters!

Introdução: da ação à estrutura à


ação... lam a existência continuada da ordem societária às
condutas cotidianas de agentes individuais hábeis.
Comecemos pelo óbvio: mesmo se compreen- “Sociologias da ação” seriam, assim, abordagens
dida em seus significados mais delimitados, a ex- que rejeitam retratos do social como uma força au-
pressão que dá título a este capítulo recobre um tônoma que determinaria os comportamentos dos
terreno intelectual demasiado amplo para ser tra- indivíduos à revelia de sua vontade e de sua cons-
tado detalhadamente em cerca de duas dúzias de ciência (CORCUFF, 2001).
páginas. Diante da limitação de espaço, o presente
Este texto investiga algumas figuras centrais na
ensaio oferece somente um punhado de coordena- teorização sociológica sobre a ação, tais como Max
das analíticas para um estudo mais aprofundado
Weber, Alfred Schiitz, Talcort Parsons e Harold
das ditas sociologias da ação, seja o termo enten- Garfinkel, mas ele o faz sobretudo para ilustrar os
dido em seu significado lato ou restrito. Em sen- referenciais analíticos fundamentais que atraves-
tido mais abrangente, poder-se-ia dizer que toda saram o exame do tema nas sociologias clássica e
sociologia é inevitavelmente, ao menos em parte,
contemporânea. O mais básico desses referenciais
uma “sociologia da ação”, pois qualquer análise
diz respeito à relação entre a ação individual e os
da vida social é obrigada a pressupor, implícita ou
contextos sociais nos quais ela está imersa, proble-
explicitamente, alguma concepção quanto à natu-
ma que abre espaço para um continuum de res-
reza da ação humana e de seus motores subjetivos
postas situadas em algum ponto entre três visões
(ALEXANDER, 1984, p. 7). Na sua acepção mais
ideal-típicas (i. e., simplificadas e exageradas para
restrita, por sua vez, a noção de “sociologias da
fins didáticos): a) fenômenos sociais seriam efeitos
ação” se associa às perspectivas teóricas que atre-
de ações individuais, não suas causas, de modo que
a explicação sociológica deveria ir dos indivíduos
1. Agradeço a Rita de Cássia Fazzi e Jair Araújo de Lima pelo
convite a participar da presente coletânea. Um pacote de ex- (explanans) à sociedade (explanandum); b) fenô-
celentes orientações de Cynthia Hamlin, ofertadas antes mes-
menos sociais seriam causas de condutas indivi-
mo que eu encostasse no teclado, me poupou de uma série de
embaraços — quanto aos que restaram, são de minha inteira duais, não seus efeitos, uma vez que as estruturas
responsabilidade. Uma versão preliminar desse texto foi discuti-
da em uma reunião no Grupo de Estudos sobre Teoria Social e
da sociedade são forças autônomas que se impõem
Subjetividades (Getss) na Universidade Federal de Pernambuco aos indivíduos nelas imersos, quer através da coa-
(UFPE), beneficiando-se dos generosos comentários criticos de ção exterior, quer mediante a moldagem “interna”
Aloizio Barbosa, Cynthia Hamlin (uma vez mais), Filipe Cam-
pello, Rodrigo Mota e Samara Maria de Almeida. das subjetividades individuais; c) ações individuais
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ando a sério tal acento mi.


ação. Posteriormente, lev
e estruturas sociais manteriam uma relação de in- ias cognitivas
crossociológico sobre as competênc
terdeterminação que só poderia ser entendida por tam à conduta humana
em
e práticas que possibili
uma abordagem de síntese, capaz de capturar O in- eu, Habermas e outros
sociedade, Giddens, Bourdi
tercâmbio dialético entre os poderes condicionan- nto teórico” (ALEXAN-
líderes do “novo movime
tes da sociedade, de um lado, e os poderes de ação de 1970 e 1980 buscaram,
do indivíduo, de outro. DER, 1987a) dos anos
petências criati-
por seu turno, reconectar tais com
Um ângulo comum de interpretação histórica aos contextos macroes-
vas dos agentes in dividuais
da teoria social discerne, no seio desta, um movi- que as
truturais nos quais eles estão imersos. Isto por
mento pendular entre as posições “a” e “b”, mo- s rcidas por
influências restritivas e habilitadora exe
vimento frequentemente seguido de tentativas de
esses macrocontextos sobre os atores haviam sido
sintetizá-las em variantes da posição “c”. Proble- negligenciadas pelas microssociologias
largamente
mas não resolvidos em tais sínteses dariam lugar, outras palavras, tratava-se de
interpretativas. Em
mais cedo ou mais tarde, a uma nova polarização,
religar os processos de constituição da sociedade
e assim caminharia a teoria social... Nesse sentido, tuição dos
pelos indivíduos aos processos de consti
para dar um exemplo simplificadíssimo, o conflito
indivíduos (i. e., dos seus modos duráveis de agir,
entre o individualismo metodológico de Weber e
pensar e sentir) pela sociedade. Na medida em que
o holismo metodológico de Durkheim motivou, sequen-
esses esforços teóricos de síntese foram sub
na década de 1930, esforços similares de síntese
temente percebidos, no entanto, como insatisfató-
do legado da sociologia clássica nas obras de Par-
rios em diversos aspectos, a teoria social se abriu,
sons (1966 [1937]; 1991 [1951]; Parsons; Shils,
nas últimas décadas, a mais uma rodada de argu-
1962 [1951]) e Elias (1994a; 1994b [1939]), am- mentos e contra-argumentos sobre o peso explica-
bos procurando uma abordagem que desse conta
tivo da ação e da estrutura. Assim, por exemplo, o
tanto dos poderes condicionantes das estruturas
“objetivismo em última instância” da sociologia de
sociais sobre os indivíduos, de um lado, quanto
Bourdieu (ALEXANDER, 1995; PETERS, 2013)
dos poderes de ação dos indivíduos em face de
foi atacado pela sociologia pragmática de Boltanski
seus contextos societários, de outro. Contudo,
(e. g., 1990, p. 55-57) e pela teoria do ator-rede de
na medida em que a evolução tardia da influente
Bruno Latour (2005, p. 139), enquanto “realistas
obra parsoniana tendeu a privilegiar as proprieda-
críticos” fustigaram a visão giddensiana da “duali-
des sistêmicas das coletividades em detrimento da
dade da estrutura” (ARCHER, 1995; PORPORA,
ação individual, uma reação microssociológica ao
2008; VANDENBERGHE, 2010).
estrutural-funcionalismo de Parsons sobreveio com
força na década de 1960. Contrapondo-se ao re- Como o material em jogo é vasto, mas o espa-
trato parsoniano dos sistemas sociais como esferas ço curto, este capítulo se restringe a uma discussão
de funcionamento autônomo frente aos agentes in- sobre pressupostos fundamentais na análise socio-
dividuais, perspectivas como a etnometodologia de lógica da ação e, em seguida, a uma investigação do
Garfinkel defenderam que a ordem social só exis- caminho histórico-intelectual que vai de Weber via
tiria como uma realização contínua e contingente, Parsons até as microssociologias interpretativas de
levada a cabo por atores competentes (em vez de Schiitz e Garfinkel. Sem negar absurdamente o que
“idiotas culturais” [GARFINKEL, 1967, p. 68]) há de original em desenvolvimentos teóricos subse-
em uma multiplicidade de cenários locais de (inter) quentes — como a teoria da estruturação de Giddens,
FE

a teoria da prática de Bourdieu, a teoria da ação co- de Weber (2000) a Joas e Knobl (2004), passando
municativa de Habermas, a sociologia pragmática por Parsons (1966) e Alexander (19874), nenhum
de Boltanski e Thévenot, a teoria do dtor-rede dê dos defensores dessa ideia quis vetar à ciência so-
Latour ou O realismo morfogenético de Archer -,
cial o exame de macroprocessos coletivos, muito
creio que as lições analíticas legadas por aquele menos reduzir a sociologia à psicologia. Para to-
percurso teórico fincaram alicerces profundos nas dos eles, o essencial era destacar, em vez disso, que
ciências sociais, alicerces cujo reconhecimento é, de mesmo as afirmações relativas a fenômenos sociais
um modo ou de outro, inescapável para cada uma macroscópicos carregam, no seu bojo, referências
dessas abordagens mais contemporâneas. a condutas de agentes individuais dotados de sub-
O desafio primordial de textos como os da pre- jerividade. Para dar somente um exemplo, insights
sente coletânea consiste no alcance de um equilí- macrossociológicos como, digamos, “a industriali-
brio máximo entre clareza de exposição e densida- zação de países modernos tende a caminhar a par
de analítica. À forma pela qual procurei me aproxi- e passo com o aumento da instrução formal entre
mar de tal ideal - em última instância inalcançável — seus habitantes” carregam pressuposições inevitá-
foi entremeando o ensaio com quadros explicati- veis acerca da ação individual e de seus propulso-
vos, os quais contêm detalhamentos que, embora res subjetivos — no caso, certa concepção quanto às
não indispensáveis à compreensão do corpo princi- orientações de conduta e competências cognitivas
pal do texto, podem ser do interesse daqueles que necessárias à participação em uma economia indus-
pretendam aprofundar-se nas discussões propostas. trial. Nesse sentido, se uma “teoria” explícita ou
À contraparte desse arranjo textual consiste, espe- implícita da ação é pressuposto sine qua non da so-
ro, no fato de que o capítulo permanece inteligível ciologia, as diferentes perspectivas sociológicas so-
âqueles que prefiram pular os quadros explicativos bre a ação se confrontariam não na questão de sua
borrifados ao longo dele. Assumindo de saída que (in)existência no mundo social, mas, sim, em fun-
sou suspeito para opinar, creio que a leitura desses ção de acentos distintos sobre o que tomam como
quadros pode, ainda assim, ser recompensadora. os principais motores subjetivos da conduta hu-
mana (COHEN, 1996): o cálculo autointeressado
(p. ex., na teoria da escolha racional), orientações
Parte 1 — A teoria da ação como
normativas (p. ex., no estrutural-funcionalismo de
pressuposto da teoria social Parsons), disposições habituais de um “senso prá-
Os variados motores subjetivos da tico” adquirido via socialização (p. ex., na teoria
conduta humana da prática de Bourdieu), competências cognitivas
(p. ex., em certas correntes da etnometodologia),
Cientistas sociais de inclinação filosófica, por-
impulsos afetivos (p. ex., em abordagens de inspi-
tanto atentos aos pressupostos implícitos de qual-
ração psicanalítica) e assim por diante.
quer análise teórica ou empírica do mundo social,
poderiam afirmar que toda sociologia é inescapa- Tal lista indica, de maneira forçosamente sim-
velmente, no mínimo em parte, uma “sociologia da plificada e esquemática, os aspectos da ação mais
ação”. Em outras palavras, não se poderia produzir enfatizados por diferentes concepções teóricas.
Ainda que privilegiem certos motores subjetivos
qualquer retrato da vida societária sem se pressu-
por alguma concepção quanto à ação individual em detrimento de outros (digamos, as habilidades

e aos seus motores subjetivos. Entendamos bem: cognitivas em detrimento de pulsões aferivas), as

as
| O gees =40 Gabriel Peters

perspectivas mais influentes na teoria sociológica um “senso prático” (1990, p. 21) socialmente adqui-
reconhecem que a subjetividade do agente é palco rido em suas experiências pregressas. Por outro
de complexas combinações entre aqueles motores. lado, se o acento bourdieusiano sobre o “saber.
Norbert Elias (1994a; 1994b; 1994c), por exem- fazer”, como mais frequente motor subjetivo das
plo, produziu uma visão do agente socializado que condutas humanas em sociedade, o aproxima dos
se inspirava simultaneamente em Durkheim, Weber antigos modelos da ação habitual ou “tradicio-
e Freud, ao conceber as “estruturas de personalida- nal” no sentido weberiano (cf. abaixo), o soció-
de” (ELIAS, 1994c, p. 123-124) dos indivíduos em logo francês também se distancia desses modelos
termos de uma coexistência intrassubjetiva entre em um aspecto importante: ainda que as condutas
impulsos afetivos e “controles” sociais interioriza- governadas pelo “senso prático” não passem pela
dos. Tal coexistência seria mais ou menos tensa ou deliberação consciente, isto não significa que elas
harmoniosa em função dos “tipos psíquicos” que sejam “habituais” caso o adjetivo seja compreendi-
diferentes configurações sócio-históricas tendem a do na sua acepção de comportamento meramente
engendrar. O fato de que tipos distintos de estrutu- repetitivo, automatizado etc. Com efeito, um dos
ra social produzem, via socialização, tipos também motivos pelos quais Bourdieu escolheu o conceito
distintos de personalidade se evidenciaria, na mais de “habitus” para designar o repertório de dispo-
famosa ilustração eliasiana, no autocontrole inten- sições práticas com base no qual os agentes agem,
sificado sobre os próprios impulsos afetivos carac- em vez de recorrer ao termo de senso comum “há-
terístico de sociedades modernas (1994a; 1994b), bito”, foi para sublinhar que os produtos do senso
sobretudo quando contrastadas a configurações prático não são comportamentos repetidos, mas
sociais pré-modernas (p. ex., a Europa medieval). improvisações situadas. O habitus não é um con-
Se a abordagem eliasiana da ação exemplifica junto de atos repetidos, mas uma matriz geradora
uma concepção da subjetividade que atina simul- de condutas em situação, ou seja, um conjunto de
taneamente com impulsos afetivos e orientações disposições de conduta (ação, pensamento, senti-
normativas, a teoria da prática de Bourdieu serve, mento etc.) que permitem ao agente responder, de
por seu turno, como ilustração de um casamen- modo flexível e adaptativo, às demandas mais ou
to original entre modelos de ação estratégica e menos imprevisíveis de sua circulação pelo mun-
de ação habitual (BOURDIEU, 2009, p. 186). Tal do social. Exemplos são as disposições corpóreas e
como a teoria da escolha racional, Bourdieu enfa- mentais que nos habilitam a dirigir um carro ou a
tizou a dimensão estratégica e autointeressada das conversar com outros: tais disposições não especi-
condutas humanas em sociedade. No entanto, ele ficam, de antemão, todas as situações com as quais
criticou, no mesmo passo, a concepção irrealmen- podemos nos deparar na vida societária (p. ex.;
te intelectualista ou “escolástica” de cálculo estra- exatamente o que nossos interlocutores dirão ou O
tégico que subjaz àquela teoria (e. g., BOURDIEU, que outros motoristas farão no trânsito), mas nos
2001). Contra a ideia de que só seriam estraté- capacitam a responder a tais situações com base
gicas as ações fundadas em raciocínios explícitos em intuições práticas oriundas de nossa trajetória
ou deliberações conscientes, Bourdieu sustentou experiencial passada. Diversos outros autores po-
que as condições frequentemente “urgentes” das deriam ser elencados, para além de Elias e Bour-
práticas cotidianas no mundo social exigem dos dieu, como ilustrações dos modos pelos quais dife-
agentes que eles ajam com base nas intuições de rentes teóricos sociais tratam dos entrelaçamentos
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entre distintos móbeis subjetivos da ação humana. século inteiro (PETERS, 2015), trata-se de um
Mais adiante neste texto, tal tese abstrata ganhará guia útil na compreensão de como “sociologias
corpo histórico, quero crer, com um brevíssimo
da ação” se postam em discussões analíticas so-
inventário intelectual de alguns dos principais teó-
bre “holismo” e “individualismo” metodológicos,
ricos da ação na sociologia.
“agência e estrutura”, “determinismo e voluntaris-
2” e E ”
mo e micro e macro .
Vontades e competências
Na medida em que a ideia de “ação” diga res-
Uma análise “pressuposicional”(ALEXAN- peito à intervenção de agentes humanos no mundo,
DER, 1987a) da sociologia revela, portanto, que
o termo “sociologias da ação” tende a se aplicar a
qualquer caracterização do mundo social pressu-
teorias que não tomam as ordens sociais como rea-
põe alguma “teoria da ação” no sentido lato. Por
lidades autossubsistentes, mas salientam, ao contrá-
outro lado, a expressão “sociologias da ação” se
rio, que tais ordens são constituídas e reconstituídas
reveste comumente de uma acepção mais específica.
Grosso modo, o termo faz referência a perspectivas pelos atores individuais que povoam a vida societá-
que conferem primazia explicativa aos poderes de ria. Tais perspectivas também acentuam o caráter
ação dos indivíduos na feitura de seus contextos subjetivamente propelido das condutas pelas quais
sociais, em contraste com visões que, inversamen- os indivíduos constroem e reconstroem a sociedade,

te, atribuem primado explanatório às estruturas i. e., O fato de que suas ações são guiadas por inten-
sociais frente aos indivíduos nelas imersos. Ainda ções (p. ex., o propósito de atravessar um corredor
que esta formulação esquemática não faça jus às cheio de pessoas para chegar a uma sala de aula) e
nuanças de um debate reórico que perpassa um capacitadas por competências cognitivas e práticas

Individualismo/holismo e micro/macro

As expressões designam questões relativamente autônomas, porém frequentemente sobrepostas. Como possibili-
dades lógicas, por exemplo, diferentes perspectivas teóricas podem ser macro-holistas, micro-holistas, macroindividua-
listas ou microindividualistas. Uma ilustração de abordagem macro-holista é a clássica análise durkheimiana de taxas
estatísticas de suicídio (DURKHEIM, 2003), tomadas pelo autor como fenômenos explicáveis pelo próprio estado da so-
ciedade in toto, não como agregados das causas particulares dos suicídios considerados isoladamente (cuja existência
qua causas individuais não era negada pelo sociólogo francês). As obras de Simmel (1983), Goffman (1963), Garfinkel
(1967) ou Collins (2004) já evidenciam, por seu turno, que teorizações microssociológicas não são necessariamente
individualistas quanto ao método, uma vez que várias delas acatam um “interacionismo” ou “situacionismo” metodoló-
gico (Joseph, 2000) segundo o qual é a situação de interação a categoria analítica primordial, não o ator individual. Se
a situação interacional for tomada como um “todo” (holos) dotado de primazia explicativa sobre seus constituintes indi-
viduais, faz algum sentido considerar abordagens interacionistas como “micro-holistas”, embora a terminologia soe um
tanto forçada — o essencial, de qualquer maneira, é que se trata de abordagens microscópicas, porém enfaticamente não
individualistas do ponto de vista metodológico. Quanto à junção entre foco macroscópico e individualismo metodológico,
Elster (1989a; 2008) e Boudon (1979; 2017) servem como ilustrações de autores que se prendem a uma abordagem
macroindividualista, i. e., a um esquema “ascendente” (bottom-up) de explicação sociológica que parte do micro para
dar inteligibilidade ao macro. Finalmente, uma análise fenomenológica ao estilo de Schiútz (1967) contém — embora
certamente não se reduza a — um ângulo microindividualista, na medida em que aborda o “mundo da vida” social a partir
dos atos de consciência pelos quais o ator ordinário se orienta subjetivamente em meio aos seus múltiplos cenários.
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(p. ex., o conhecimento da língua portuguesa que postula, por exemplo, um agente com plena cons-
me permite pedir licença a outras pessoas). ciência quanto aos fins que orientam a sua condu-
No que toca aos propulsores subjetivos que ta, ainda que defensores desse modelo admitam ser
movem os agentes, teorias da ação diferem, com
este postulado uma simplificação deliberada, anali-
efeito, na concentração que emprestam quer à di- ticamente útil, da complexidade motivacional dos
atores empíricos (BOUDON, 1979, p. 232-233).
mensão volitiva (motivacional, intencional, propo-
Em contraste, correntes influenciadas pela
sitada etc.), quer à dimensão habilidosa (competen-
te, procedural, recursiva etc.) da conduta humana psicanálise de Freud afirmarão que os desejos
em sociedade. A primeira dimensão remete ao fato mais profundos dos atores humanos propelem
de que a ação humana é animada por vontades e in- as suas condutas à revelia de sua própria cons-
teresses (lato sensu): os agentes intervêm no mun- ciência, aparecendo nesta última somente sob os

do social porque desejam alguma coisa, embora os disfarces semióticos de sonhos, atos falhos e sin-

alvos das vontades humanas sejam imensamente tomas neuróticos.

variáveis de acordo com os contextos sócio-históri- Quanto à dimensão habilidosa dos motores da
cos e os próprios feirios de subjetividade individual ação, ela abrange as competências que capacitam
(p. ex., glória militar, salvação espiritual, prestígio os agentes a efetivamente deixarem suas marcas
artístico etc.). Mesmo quando dão por ponto pací- na realidade social (p. ex., competências guerrei-
fico que as condutas em sociedade são impulsiona- ras no caso do soldado, autocontrole disciplinado
das por vontades e desejos, diferentes visões teóri- no caso do devoto, inventividade estética no caso
cas discrepam em seus retratos de quão conscientes do artista etc.).
são os agentes acerca das forças volitivas que os Diante da tarefa de explicação de uma ação or-
movem. O modelo racionalista do homo oeconomicus dinária como, digamos, o envio de um documento

Raymond Boudon e Jon Elster: para além da teoria da escolha racional


Um estudo das virtudes e limitações heurísticas da teoria da escolha racional na sociologia faria bem em
acom-
panhar as reflexões que Raymond Boudon e Jon Elster teceram, ao longo de suas respectivas carreiras, acerca da
racionalidade como motor subjetivo da conduta humana. De modo relativamente independente, a evolução intelectual
de ambos partiu de uma alta confiança inicial (e. g., BOUDON, 1979; ELSTER, 1989a) no modelo instrumentalist
a do
homo oeconomicus, isto é, do agente movido pela adequação calculada de meios a fins, em
direção a uma exploração
cada vez mais crítica das limitações desse modelo em face do papel motivacional de normas
e emoções. Boudon (2017,
p. 125) veio a reconhecer que uma série de condutas individuais, tais como a obediência
a normas independentemente
de promessas de recompensa ou ameaças de punição, não são explicáveis pelo cálculo autointeressado das
conse-
quências. Em vez de conceber tais ações como não racionais, entretanto, ele passou a tomá-las como
efluentes de uma
racionalidade axiológica, a qual não se reduziria à adequação de meios a fins, mas
orientaria a escolha dos próprios fins.
As formas instrumental e axiológica de racionalidade foram por ele subsumidas, por
seu turno, em um conceito ampliado
de “racionalidade cognitiva” (HAMLIN, 2002). Quanto a Elster, o percurso de
sua obra envolve exames cada vez mais
detalhados de motivações que o autor toma como irredutíveis à racionalidade
(cf. RATTON & MORAIS, 2003), como
as normas (ELSTER, 1989b) e as emoções (ELSTER, 1999) - Com bastante má vontade para com a
teoria sociológica
contemporânea, Elster (2008) compensa tal rabugice pelo magnífico uso que
faz de in sights sobre psique e sociedade
legados pela cultura humanístico-literária do Ocidente: Montaigne e La Rochefoucauld
Jane Austen e Stendhal, Flaubert
e Proust, dentre diversos outros.
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Freud e a psicanálise
Um exame de como o pai da psicanálise pensou a estrutura e a dinâmica da psique humana escapa, é óbvio, ao
escopo do presente trabalho. Os contornos fundamentais da metapsicologia de Freud são, de qualquer maneira, bem
conhecidos. a espaço interno de nossas psiques (FREUD, 1976a: 33-54) seria palco de um drama envolvendo as rela-
ções de conto E compramisso” entre três personagens: o id, o ego e o superego (ou, na tradução mais fiel ao alemão
de Freud, o isso O “eu” e o “supereu”). A primeira instância constitui o repositório de impulsos sexuais e agressivos
inconscientes, impulsos que, operando segundo o “principio do prazer”, pressionam insistentemente a psique em busca
de imediata gratificação. As pulsões selvagens do id, clamando por sua satisfação, se chocam com a oposição firme do
superego, o sitio psíquico em que as exigências e restrições que o meio social impõe aos indivíduos foram interioriza-
das, como resultado de uma socialização da subjetividade cujo momento decisivo seria a vivência edipiana no ambiente
familiar. Finalmente, o ego opera tanto como o locus da atenção e da consciência, mediante as quais o indivíduo se
adapta aos contextos práticos do mundo (ao “princípio de realidade”), quanto como o mediador que estabelece soluções
de compromisso entre os impulsos eróticos e agressivos do id, de um lado, e as demandas e proibições morais interna-
lizadas no superego, de outro Os impulsos libidinais que cobram satisfação à psique são os mesmos cuja realização,
ainda que apenas fantasiosa, provocaria uma angústia e ansiedade insuportáveis para o ego (p. ex., a relação sexual
com a mãe). Levando em consideração os ditados do superego, o ego lança mão, então, de uma série de mecanismos
de defesa dentre os quais o mais famoso é a repressão (“Verdrándung"), graças à qual aqueles impulsos são subtraídos
à consciência (FREUD, 1976b, p. 265). Não obstante, os impulsos inconscientes continuam exercendo sobre a psique
uma pressão continua, perfazendo caminhos tortuosos para escapar à vigilância egoica e encontrar uma satisfação
ao menos parcial. Para Freud, essa teoria do psiquismo humano oferece a grade de decodificação dos significados
“atentes” que se dissimulam sob a aparência “manifesta” de fenômenos psíquicos como sonhos, atos falhos e sintomas
neuróticos. Em todos os casos, temos uma “formação de compromisso” em que um desejo inconsciente é satisfeito
sob uma forma hermeneuticamente disfarçada (e. g. o bizarro “significado manifesto” de um sonho) que lhe permite
escapar parcialmente ao monitoramento do ego, no mesmo passo em que continua obscuro ao próprio indivíduo em
que aquele desejo habita. A pintura antropomórfica da operação das instâncias psíquicas apresentada por Freud não
deve ser tomada em sentido literal, é óbvio, mas como um modo didático de apresentação de processos cuja realidade
o médico vienense compreendia, passando de hermeneuta a naturalista, em termos de economia energética (p. 266).
Como a própria história da psicanálise no século XX, as apropriações do pensamento de Freud e de seus epígonos
na teoria social contemporânea foram imensamente diversas quanto a uma série de questões, tais como os graus em
que as diferentes instâncias da psique seriam moldadas pela socialização ou, ainda, o papel “destrutivo” ou “criativo”,
“conservador” ou “subversivo” do inconsciente em face da ordem social. Com base no trabalho de neofreudianos como
Erik Erikson, Giddens (2003, p. 444), por exemplo, toma o inconsciente sobretudo como movido por uma necessidade
de rotina e “segurança ontológica” (PETERS, 2017), enquanto um Marcuse ou um Castoriadis, em contraste, pensam o
inconsciente como locus radical da criação de novas formas sociais de vida.

pelo correio, uma pesquisadora “intencionalista” microatos pelos quais o agente envia o documento
pode se satisfazer com a recuperação do objetivo pelo correio (p. ex., a capacidade de reconhecer e
que guiou o agente (p. ex., a intenção do ator era entrar em uma fila, o saber corpóreo que permi-
enviar um documento para uma instituição, como te ao agente estabelecer uma distância tida como
parte da prestação de contas de uma viagem por razoável em relação à pessoa imediatamente à sua
ela financiada). Para uma analista de inspiração frente etc.). Tais ênfases diferenciadas também se
etnometodológica, por outro lado, a referência sobrepõem parcialmente, mas apenas parcialmen-
exclusiva àx intenção geral por trás do ato passa- te, a modos distintos de conceber a relação entre
ra ao largo do que é mais interessante, a saber, mente e corpo (RECKWITZ, 2002). Abordagens
as habilidades cognitivas e práticas envolvidas nos que explicam a conduta humana sobretudo a partir
+
y
1 i 1 44 Gabriel Peters
à !

de seus motores intencionais na mente tendem a jetividade operam simultaneamente em uma varie-
retratar as performances corpóreas como veículos dade de contextos de experiência. E graças a um
prático profundamente sedimenta-
não problemáticos de nossas intenções mentais. conhecimento
Por exemplo, explicar a ação em que me levanto do que posso abandonar às minhas competências
da cadeira para beber um copo d'água na cozinha corporais habituais tarefas como andar, dirigir um
significa remontar à minha sensação de sede e à carro, digitar em um teclado ou me ensaboar du-
minha intenção de aplacá-la com os meios a mim rante o banho. Esse abandono confiante de pro-
disponíveis. Por outro lado, perspectivas que bus- cedimentos corporais ao conhecimento habitual
cam recuperar o papel do corpo na ação humana “libera espaço” mental para que minha consciência
apontariam que uma parte importante da conduta reflexiva possa dedicar sua atenção a outras coi-
em jogo é simplesmente pressuposta, sem maiores sas — assim, por exemplo, posso refletir sobre um
análises, nesse tipo de explicação intencional: as dilema íntimo enquanto tomo banho ou ensaiar
disposições corporais que me permitem passar da trechos de um artigo acadêmico enquanto ando no
intenção ao ato (p. ex., o saber prático, enraizado parque. De resto, mesmo quando minha orienta-
no meu corpo, que permite ir até a cozinha [MER- ção de ação diante do mundo assume um caráter
LEAU-PONTY, 2002)). de planejamento cuidadosamente refletido (p. ex.,
Finalmente, dentre as abordagens voltadas à re- os passos necessários à publicação de um livro ou a
cuperação das motivações e competências graças às uma mudança de residência), não deixo de depen-
quais agentes individuais produzem e reproduzem der de habilidades de minha consciência prática (p.
a sociedade de que são parte, alguns intérpretes tra- ex., na medida em que minhas reflexões tomam a
çam uma distinção entre “teorias da ação” e “teorias forma de uma “conversação interior” [VANDEN-
da prática” (COHEN, 1996). Embora eu considere BERGHE, 2010, cap. 7; HAMLIN, 2014] comigo
tal distinção conceitual infeliz quando formulada mesmo, elas se ancoram em um saber prático sobre
nesses termos, ela é útil se — e, a meu ver, somente regras gramaticais e sintáticas que me habilitam a
se — servir de lembrete quanto a uma diferença de “falar” uma língua dentro de minha mente).
ênfase teórica: enquanto algumas teorias acentuam
a orientação consciente e a deliberação reflexiva do
Parte 2 — Capítulos importantes na
agente individual diante de seus cenários de ação
teoria da ação
(p. ex., uma estudante, diante da escolha de um
curso universitário, dialoga silenciosamente con- Weber: ação social, sociologia
sigo mesma sobre custos e benefícios de decisões compreensiva e individualismo
alternativas), outras acentuarão as intenções e com- metodológico
petências práticas que os atores mobilizam em suas
A formulação clássica da ideia de que a análise
condutas de modo tácito, implícito, pré-reflexivo
sociológica da ação humana depende de um aces-
(p. ex., as regras linguísticas que mobilizamos es-
so aos motores subjetivos que a animam remonta,
pontaneamente quando conversamos no cotidiano,
claro, à “sociologia compreensiva” de Max Weber”
sem termos de pensar nelas ou mesmo sermos capa-
zes de formulá-las explicitamente).
2. O esquema analítico delineado pelo autor de Economia €
Exemplos retirados de nossa lida cotidiana sociedade se entrelaça às suas intervenções críticas na “con-
trovérsia metodológica” sobre o status epistêmico das ciências
mostrarão que ambas as dimensões de nossa sub- humanas que chacoalhou a academia alemã na passagem para

—d
2 Sociologia da ação Seção | 45 |

(1982; 2000, cap. 1; 2001a; 2001b). Para Weber,


certamente negava, no entanto, a tese diltheyana
enquanto as ciências da natureza lidam com fenô-
de que a explicação pela identificação de causas,
menos e mecanismos impessoais (p. ex., a queda de
de um lado, e a compreensão pela elucidação de
um objeto como efeito de uma força gravitacional),
significados, de outro, seriam procedimentos ex-
as ciências humanas tratam de um objeto impreg-
cludentes. Ão contrário, Weber asseverou que a ex-
nado de significados subjetivos que requerem com- plicação causal e a compreensão interpretativa são,
preensão (p. ex., um aperto de mãos, sincero ou
nas ciências sociais, não apenas logicamente com-
cínico, entre dois chefes de estado). Os agentes hu-
patíveis, mas genuinamente complementares na
manos que compõem o objeto das ciências sociais intelecção do mundo sócio-histórico. À compreen-
atribuem, eles próprios, sentidos subjetivos à sua são mesma dos significados subjetivos que o agente
conduta e aos contextos sócio-históricos nos quais empresta à sua ação, embora sirva para diferenciar
transitam. Os sentidos subjetivos que tais atores as ciências humanas das ciências da natureza, de-
emprestam às suas ações são constitutivos dessas
rivaria de uma exigência metodológica comparti-
mesmas ações e, portanto, têm de ser acessados por lhada por umas e outras: a apreensão de conexões
qualquer perspectiva científica que busque atribuir causais como modo de conferir inteligibilidade ao
a elas inteligibilidade. Se uma pesquisadora procura mundo (WEBER, 2004, p. 167).
entender a cena em que Fulano atira em Sicrano em 2
E precisamente por reconhecer que as causas
uma briga de bar, por exemplo, de nada adiantaria
da conduta envolvem motores interiores que We-
obter uma descrição puramente exterior do acon-
ber toma a compreensão de tais motores como in-
tecimento (“a bala saiu do revólver de Fulano a x
dispensável às ciências humanas. Assim, a principal
quilômetros por hora, demorou 0.y segundos para
manobra de sua sociologia compreensiva foi tomar
perfurar a barriga de Sicrano etc.”). Responder à a compreensão da ação social — isto é, a captação do
pergunta “por que Fulano atirou em Sicrano?” só é significado subjetivo que ela possui para o agente
possível pelo acesso aos motores subjetivos da con- que orienta sua conduta para outros — como intrín-
duta de Fulano (p. ex., Fulano estava furioso por seca à explicação causal do “seu curso e dos seus
achar que Sicrano havia trapaceado em um jogo de efeitos” intencionais ou não intencionais (WEBER,
cartas valendo dinheiro). Tal como o jovem Dil- 2000, p. 3). Em vez do “explicar ou compreender”
they (1989 [1893]), Weber sustentava, portanto, de Dilthey, Weber foi um defensor do “compreen-
que o aspecto “compreensivo” do universo sobre o der e explicar”.
qual as ciências humanas se debruçam impõe a elas
São conhecidos os tipos ideais pelos quais We-
problemas metodológicos ausentes nas ciências na-
ber (2000, cap. 1) distingue entre ações dotadas de
turais. Como ilustra o exemplo proposto acima, ele
diferentes orientações de sentido: a) racional com
relação a fins, 1. e., baseada no cálculo autointeres-
o século de 1900. Quanto a uma série de aspectos desse de- sado dos meios mais adequados à sua consecução,
bate, a posição de Weber trilhava uma via intermediária entre
Os extremos de monismo e separatismo epistemológicos que ele cálculo que se orienta por expectativas quanto ao
encontrou nas concepções de ciências humanas, “ciências da comportamento de outros agentes e dos objetos do
cultura” (Kulturwissenschaften) e “ciências do espirito” (Geistes-
wissenschaften) propostas por seus contemporâneos, tais como
mundo externo (p. ex., investimentos financeiros
Menger, Simmel, Dilthey, Windelband e Rickert, dentre vários ou- baseados na expectativa informada de rendimen-
tros (RINGER, 1997, como apoio didático para minhas aulas em tos futuros); b) racional com relação a valores, i. e.,
um curso de “Epistemologia das Ciências Sociais”, ofereci duas
Pequeninas introduções à discussão em Peters [2018b; 2018c]). fundada na manutenção a todo custo, independen-
46 Gabriel Peters

A causalidade nas ciências humanas


ao estudo da
Como mostrou Ringer (1997), vários dos autores que rejeitaram a aplicabilidade da ideia de “causa”
natural”. Pensado nesse sentido,
atividade humana assimilaram erroneamente aquela ideia à noção de “necessidade
humanos não seriam ontologicame nte
o pressuposto de que as conexões causais envolvidas na história dos seres
para os defensores de um saber
distintas daquelas que regulam, digamos, o choque entre duas bolas de bilhar soava,
humaniístico, não apenas como um erro ontológico, mas também como uma afronta à dignidade moral do ANRRDOE.
es
No entanto, ao sustentar, na esteira de Rickert, que “o princípio da causalidade” se encontra entre às pressuposiçõ
epistemológicas... indispensáveis à história” (RICKERT, 1986, p. 202), Weber cuidou de diferenciar as conexões causais
entre fenômenos socioculturais particulares, de um lado, das conexões necessárias, dedutiveis de leis invariantes, es-

tabelecidas por certos setores das ciências da natureza, de outro. A explicação causal nas ciências humanas não seria
dedução de eventos particulares com base em leis gerais e, portanto, não teria um caráter “necessitarista”. Na medida
em que tais disciplinas se dirigem a recortes selecionados de uma realidade merentemente inesgotável, enunciados
sobre vínculos causais no mundo sócio-histórico serão sempre parciais, jamais exaustivos. Assim, para nos atermos à
ilustração mais famosa, o papel causal importante que Weber conferiu à ética da vocação do “protestantismo ascético”
na formação histórica do capitalismo moderno não levou o sociólogo alemão quer a deixar de notar a influência reciproca
do segundo sobre a primeira, quer a não reconhecer uma multiplicidade de outros influxos causais “que plasmafrajm a
cultura moderna” (WEBER, 2004, p. 167).

Compreensão e empatia
Qual seria a metodologia mais adequada a tal esforço de compreensão? Diversos autores, a começar pelo jovem
Dilthey (1989 [1893]), propuseram que a compreensão dos feitos humanos se ancoraria na capacidade do cientista
social em “reviver” imaginativamente, na sua própria psique, as vivências subjetivas que animaram os agentes cuja
conduta ele estuda, seja ela o misticismo hindu, o politeísmo dos antigos gregos ou a sensibilidade visual dos artistas
da Renascença. Sublinhando a unidade da experiência vivida (Erlebnis), Dilthey argumentou que a compreensão de tal
experiência não poderia se circunscrever a uma apreensão estritamente cognitiva do seu significado. Se aquelas vivên-
cias engajam a subjetividade inteira dos agentes humanos, sua compreensão pelos praticantes das ciências humanas
dependeria também de atributos de sensibilidade, intuição e imaginação que iriam além do intelecto puro e simples
(p. 89). Sem negar a presença de tais atributos nas ciências humanas, Weber ponderou que condicionar a compreensão
da conduta humana a estas propriedades inefáveis de grandes espíritos significava abraçar um “intuicionismo” de feitio
impressionista, pouco ou nada apropriado a uma disciplina voltada à cientificidade e, portanto, à testabilidade empírica
e intersubjetivamente averiguável de suas proposições. Weber concede a Dilthey e outros que a identificação empática
com a conduta a ser explicada pode ser útil à sua compreensão (p. ex., podemos compreender mais facilmente a expe-
riência intima de um fiel de cuja religião partilhamos). Ele acrescenta, entretanto, que a empatia não é nem uma condição
incontornável nem o caminho exclusivo para a apreensão sociocientífica dos sentidos subjetivos da ação social: “Não é
preciso ser César para compreender César” (WEBER, 2000, p. 4). No mais das vezes, é a partir do entrecruzamento de
informações acerca das condições e efeitos contextuais da conduta investigada que a pesquisadora se torna apta, por
meio de um raciocínio inferencial, a imputara tal conduta um sentido “provável” (palavra típica dos escrúpulos epistemo-
lógicos de Weber (p. 139). Como veremos, Weber propôs um método para facilitar tal tarefa, calcado na atribuição inicial
de uma orientação racional-com-respeito-a-fins aos atores em mira. Seja como for, a “imputação de sentido” mediante
a análise da ação em seu contexto sócio-histórico também tem a vantagem de tornar intersubjetivamente testáveis as
hipóteses da ciência social compreensiva. Como conviria a qualquer ciência digna desse nome, essas hipóteses inter-
pretativas estariam abertas, assim, à verificação empírica e à crítica dos pares, em contraste com um modo de com-
preensão condicionado à capacidade desigual de identificar-se com os agentes estudados.
2 Sociologia da ação Seção | 47

temente de considerações quanto às consequências,


de que o voto não transcorreu assim, a cientista so-
da integridade de certos compromissos valorativos
cial vai então à caça de fatores capazes de explicar
(p. ex., no caso do pacifista que prefere se deixar
o “desvio” em relação ao comportamento espera-
matar a responder à violência com violência); c)
do — tais como a identificação afetiva com outro
tradicional, 1. e., calcada no hábito arraigado, como
candidato mais carismático, o apego a uma tradi-
quando se reconhece a autoridade de certos agentes
ção familiar de votar sempre em certo partido ou
(p. ex.; os anciãos da aldeia) simplesmente porque
o compromisso moral com uma filosofia política
ela é tomada como natural e autoevidente, já que
antiestatista, mesmo quando ela vai na contramão
oriunda do ontem eterno (“as coisas sempre foram
dos seus supostos interesses particulares.
assim...”); d) e afetiva, i. e., derivada de emoções,
O postulado da racionalidade dos atores como
como quando um indivíduo soca o rosto de outro
princípio heurístico poderia dar a impressão errô-
em um acesso descontrolado de raiva.
nea de que Weber menospreza outras formas de
É da própria natureza de conceitos típico-ideais
ação, tal qual aquela movida por disposições ha-
que eles jamais apareçam empiricamente em sua
bituais (1. e., ação tradicional), ao defini-las como
forma pura, já que modalidades concretas de ação
situadas na “fronteira da ação com sentido” (WE-
misturam traços desses diferentes sentidos subje-
BER, 2000, p. 4). No entanto, ele mesmo afirma
tivos. Weber defendeu, no entanto, que postular que, qual tipo ideal, o modelo da ação racional
inicialmente que o agente atua de modo racional- exagera propositadamente o grau em que os moto-
“Instrumental (1. e., com relação a fins), segundo os res subjetivos da conduta são claros e explícitos na
critérios hipotéticos de racionalidade do próprio consciência do agente:
pesquisador, oferecia um artifício heurístico útil à --«a construção de uma ação orientada pelo
compreensão de ações sociais empíricas: partiría- fim de maneira estritamente racional serve...
mos da premissa de que, em princípio, os agentes à Sociologia como tipo (“tipo ideal”). Per-
mite compreender a ação real, influenciada
se conduzem de modo racional-instrumental, daí
por irracionalidades de toda espécie (afetos,
compararíamos um modelo idealizado de condu- erros), como “desvio” do desenrolar a ser
ta racional-instrumental com sua conduta tal qual esperado no caso de um comportamento pu-
ramente racional. Nessa medida, e somente
efetivamente discernida pela análise empírica (i. e.,
por motivo de conveniência metodológica, o
em que medida a última se aproxima ou se afasta método da Sociologia Compreensiva é “ra-
da primeira). Em uma investigação sociológica so- cionalista” (p. 5).
bre a conduta eleitoral, por exemplo, a cientista À citação ajuda a dar sentido ao fato, estranho
social parte da hipótese de que usuários frequentes à primeira vista, de que a ação tradicional, tipo “si-
de sistemas públicos de saúde e educação tenderão tuado na fronteira da ação significativa”, é a forma
a votar em um candidato que defenda não a disso- que mais se aproxima da maior parte das condu-
lução, mas o fortalecimento de tais sistemas — no- tas humanas ao longo da história. Ademais, como
te-se que não se trata de um posicionamento ético- lembrou Camic (1996), mesmo ao identificar a ex-
-político, mas de uma hipótese heurística, baseada pansão do domínio da ação racional-instrumental
no modelo da pesquisadora do que significaria, na nas mais diversas esferas de vida como a tendên-
Situação em mira, um voto segundo os interesses cia histórica fundamental da Modernidade, Weber
do próprio agente. Diante da informação empírica notou que condutas racional-instrumentais para
48 Gabriel Peters

todos os propósitos práticos não raro se tornam cia de padrões societários, mas, sim, a apreender
habituais (pensemos, p. ex., nas técnicas emprega- tais padrões em termos de formas ideal-rípicas de
das cotidianamente pela contadora experiente ou conduta dotada de sentido (p. ex., o desempenho
na repetição ad nauseam de certos procedimentos profissional do burocrata ou a atividade empresa-
pelo burocrata). rial do protestante ascético).
Quanto ao modo como a sociologia compreen- A ideia de que qualquer fenômeno social que
siva de Weber se entrelaça ao seu “individualismo pareça existir independentemente dos indivíduos
metodológico”, trata-se, até hoje, de tema con- não passa, em última instância, de uma combina-
troverso entre weberológos. Por um lado, é pon- ção de condutas individuais é vista por alguns in-
to pacífico que, segundo a perspectiva weberiana, térpretes de Weber (BOUDON, 1995, p. 29) como
o agente individual é a unidade básica da análise um ideal regulativo — 1. e., um desiderato nem
sociológica, já que somente ele seria capaz de atri- sempre alcançável, mas que vale a pena perseguir
buir significado(s) subjetivo(s) à própria conduta e tanto quanto possível. Desde que tal ressalva in-
às condutas dos demais agentes de seus contextos dividualista fosse mantida em mente, contudo, o
sociais de ação (COHN, 2003; SELL, 2013). We- autor alemão não se opunha ao uso sociológico de
ber também espinafrou abordagens que tratavam conceitos referentes a coletivos, como “estado” ou
de entidades coletivas como se estas fossem agentes “mercado”, por simples conveniência metodológi-
concretos dotados de vontade e consciência (p. ex., ca. Para formular o argumento do modo como só
nas referências de membros da “escola histórica-ju- Weber era capaz, uma noção “coletivista” poderia
rídica alemã”, como Knies, a ideias como a de “es- ser validamente utilizada como “um conceito re-
pírito de um povo” [Volkgeist] [WEBER, 2001a, p. lacional para captar... provisoriamente uma diver-
7). Ao mesmo tempo, seu individualismo meto- sidade... de fenômenos individuais que ainda não
dológico certamente não redundava em um “ato- obtiveram devida elaboração lógica” (2001, p. 7).
mismo” segundo o qual os indivíduos operariam A relevância de conceitos coletivos como os cita-
em um vácuo sócio-histórico. Muitíssimo ao con- dos derivaria também do fato de que os próprios
trário: ele se mostrou particularmente sensível ao agentes no mundo social orientam frequentemente
fato de que diferentes cenários socioculturais en- sua conduta com base neles. Por exemplo, mesmo
gendram distintas formas de subjetividade ou, para que uma entidade coletiva (digamos, a nação ale-
usar os seus próprios termos, diferentes “tipos de mã) não exista como uma realidade autônoma e
homem” (WEBER, 2004, p. 149). Como mostrou independente de condutas individuais, o mero fato
Kalberg (1994, p. 203), o enraizamento da explica- de que os agentes individuais creiam na sua exis-
ção sociológica na ação social subjetivamente pro- tência e orientem suas condutas de acordo com
pelida também não levou Weber a negar a existên- esta crença a torna parte das causas que movem
suas ações e, por conseguinte, a vida social”.
3. Em correspondência com Robert Liefmann, Weber afirmou
que muito de sua motivação para se “transformar em sociólogo”
derivava de sua vontade de “pôr um fim a todo esse negócio... 4. Como diz Weber acerca do estado: “um estado moderno exis-
de trabalhar com conceitos coletivos” à maneira de criaturas au- te em grande medida dessa maneira — como complexo de es-
tônomas dotadas de vontade e consciência (p. ex, “o “espirito pecificas ações conjuntas de pessoas — porque determinadas
de um povo”), perspectiva contra a qual o autor alemão opunha pessoas orientam suas ações pela ideia de que existe ou deve
uma sociologia orientada por “um método estritamente “indivi- existir dessa forma, isto é, de que estão em vigor regulamenta-
dualista” (WEBER, 2012, p. 410). ções com aquele caráter juridicamente orientado" (2000, p. 9).
2 Sociologia da ação Seção | 49

A ideia de que fenômenos sociais são


explicá- A teoria normativista da ação em Parsons
veis como combinações de ações intencionais
tam-
bém não implica, da parte de Weber, um Dentre os autores posteriores à geração de
a superes-
timação do papel das intenções human as na pro- Durkheim e Weber, o alemão Norbert Elias (1897-
dução da história. Como ilustrado pelo argumento 1990), o austríaco Alfred Schiitz (1859-1959) e o
de À ética protestante e o espírito do capitalismo estadunidense Talcott Parsons (1902-1979) estão
sobre a “afinidade eletiva” entre o protest antismo
entre os mais influenciados pelo sábio de Heidel-
ascético e o capitalismo moderno (2004), o soció- berg. Parsons e Schiitz diferem de Elias pelo enfren-
logo germânico bem sabia que a combinação
ou tamento mais direto de questões epistemológicas,
entrechoque de ações intencionais engendra, com particularmente no que toca às implicações do “ca-
marcada frequência histórica, resultados não inten- ráter subjetivamente dotado de sentido” da ação so-
cionados por quaisquer agentes. A concepção we- cial para aqueles que pretendam estudá-la cientifi-
beriana quanto às consequências não intencionais camente. Elias e Parsons estão mais próximos entre
da ação intencional é mais nítida nos seus escritos si do que de Schiitz, por outro lado, no seu esforço
histórico-sociológicos substantivos do que nos seus em articular Weber a Durkheim e Freud para de-
textos teórico-metodológicos mais gerais — por sembocar em um retrato da relação indivíduo/socie-
exemplo, na discussão sobre “conceitos sociológi- dade que empresta centralidade à interiorização de
cos fundamentais” no pórtico de Economia e So- orientações normativas na personalidade via socia-
ciedade (2000). O mesmo ocorre com a visão de lização. Ainda que Parsons e Elias se assemelhem no
Weber sobre os graus em que contextos sociais coa- modo como atribuem papel de proa, na produção
gem as condutas dos agentes individuais. Longe de da ordem social, à internalização de orientações e
inflacionar analiticamente a liberdade de iniciativa “controles” (ELIAS, 1994b: 269-273) na personali-
dade individual, eles discrepam um do outro no que
dos indivíduos em face das tendências estruturais
toca às proporções em que combinam teorização e
das sociedades modernas, seu diagnóstico “crítico-
registro histórico, com as abstrações estratosféricas
-resignado” (COHN, 2003) da Modernidade pinta
da teoria parsoniana contrastando com a proximi-
agentes cuja liberdade é crescentemente sufocada
dade de Elias ao domínio do concreto. Finalmente,
pela “prisão de ferro” (na tradução antiga [WE-
embora Schiitz fosse um pouco mais velho do que
BER, 1967, p. 131]) ou “rija crosta de aço” (na
tradução nova [WEBER, 2004, p. 165]) da racio-
kes (1977, p. 186): se, sem que seja preciso abandonar o alerta
nalização instrumental que avança implacável nas contra a falaciosa hipóstase dos coletivos, acatarmos as três
suas diversas esferas. Em suma, se Weber cra um ressalvas feitas acima, vale a pena continuar a falar em indi-
vidualismo metodológico? Não causaria isto mais confusão do
individualista metodológico inegavelmente oposto que esclarecimento, considerando-se a ladainha de lembretes
à reificação de coletivos, ele certamente também que sempre precisamos atrelar à expressão? Seja como for, no
que respeita à obra de Weber em particular, um das pinimbas
notava que: os agentes individuais não operam em mais prementes entre seus intérpretes versa justamente sobre a
um vácuo sócio-histórico; suas liberdades de ação (injcoerência entre seu programa analítico geral para uma “so-
ciologia compreensiva”, de um lado, e os seus retratos substan-
não são ilimitadas, mas condicionadas pelo con-
tivos de fenômenos sociais particulares, de outro. Argumentos
texto social; suas condutas intencionais produzem brilhantes em prol da tese da coerência encontram-se em Ga-

frequentemente consequências não intencionais”. briel Cohn (2003), José Guilherme Merquior (1980) e Fritz Rin-
ger (1997). Argumentos igualmente brilhantes em favor da tese
da Incoerência encontram-se em Jeffrey Alexander (1983), Luís
5. Diante do exposto, alguns poderiam dirigir ao esquema ana- de Gusmão (2000) e Frédéric Vandenberghe (2009). Quanto à
lítico de Weber uma questão similar âquela a que chegou Lu- minha opinião, só sei que nada sei.
ALLE oueé MAE

50 Gabriel Peters

Parsons, sua fenomenologia social sc fez sentir so- cia entre os agentes quanto aos fins legitimamente
bretudo através da influência por ela exercida em desejáveis de suas condutas em sociedade. Ainda
abordagens microinterpretativas posteriores, como na esteira de Durkheim, Parsons defendeu que ta]
a etnometodologia de Garfinkel. Não à toa, tais concordância só poderia ser estabelecida na base de
abordagens apontavam um déficit de tratamento normas e valores partilhados aos quais as ações in-
da dimensão cognitiva da conduta em sociedade na dividuais estariam submetidas. Diferentemente do
teoria parsoniana, ou seja, do fato de que a condu- jovem Durkheim de As regras do método sociológi-
ta social não se reduz à obediência à normas, mas co ([1895] 1999), no entanto, Parsons se pôs mais
é fundamentalmente dependente de “estoques de próximo ao autor maduro de As formas elemen-
conhecimento” (Schiitz), “etnométodos” (Gar- tares da vida religiosa ([1911] 1986), ao acentuar
finkel) e fórmulas para “saber prosseguir” (Witt- que normas coletivas influenciam a conduta indi-
genstein) empregadas pelos agentes nos contextos vidual menos pela imposição exterior apoiada por
rotineiros da vida societária. Vejamos a coisa toda
sanções do que pela transmutação de ideais sociais
mais de perto. em anseios individuais (LUKES, 1973, p. 20-21;
No caminho que vai de A estrutura da ação so- GIDDENS, 2000, cap. 5). Em O sistema social, o
cial [1937] até O sistema social [195 1], Talcott Par- autor também articulou Durkheim a uma leitura de
sons desenvolveu um sofisticado retrato analítico do Freud para delinear uma solução “normativista” ou
vínculo entre a ação individual intencional, de um “freudodurkheimiana” ao problema da ordem: os
lado, e as propriedades sistêmicas das sociedades valores culturais e as expectativas normativas ins-
humanas, de outro. Ainda que não possamos entrar titucionalizados na sociedade não existem somente
nos intrincados detalhes técnicos da teoria parsonia- fora dos indivíduos, mas são interiorizados em suas
na, vale atentar à sua resposta ao que chamou, na personalidades através da socialização. Um exem-
esteira de Hobbes, de “problema da ordem” ([1937] plo: instituições como o casamento monogâmico e
1966, p. 89-94): o problema de saber como a socie- a família nuclear obtêm sua continuidade históri-
dade é possível, i. e., como uma multiplicidade de ca menos por uma imposição externa do que pelo
ações individuais não degenera no caos puro e sim- sucesso de uma socialização que, através de meios
ples ou na hobbesiana “guerra de todos contra to- diversos (da profusão de exemplos entre os mais
dos” (p. 236), mas em configurações duravelmente velhos até narrativas românticas ficcionais), ca-
organizadas. À pintura parsoniana do vínculo entre naliza a energia sexual difusa da libido para alvos
ação individual e ordem social pode ser lida também socialmente valorizados. Assim, os indivíduos vêm
como um desafio posto pela teoria sociológica ao a desejar como anseios íntimos aquilo mesmo que
mainstream da economia neoclássica, cujo modelo corresponde às expectativas sociais neles deposita-
de conduta baseada no cálculo autointeressado não das quanto a relações familiares e erótico-afetivas.
daria conta satisfatoriamente, segundo o sociólogo
Como notaram Rocher (1976) e Alexander
estadunidense (p. 87), dos atributos de ordem, inte-
(1987b: 37-51), Parsons se apropriou de Freud
ligibilidade, organização e previsibilidade discerní- a
partir de seu próprio interesse em elaborar
veis em qualquer sociedade humana. uma
concepção normativista da relação entre
ação hu-
Como Durkheim antes dele, Parsons afirmou mana e ordem social, o que explica, dentr
e ou-
que a ordem social tem, entre as suas condições de tras coisas, 0 privilégio por ele conferido
possibilidade, um significativo grau de concordân-
ao papel
normatizador do “superego” em detrimento dos
2 Sociologia da ação Seção | 51

potenciais anômicos e disruptivos do “id”. Ainda


captura a orientação subjetiva do agente quanto às
que os esforços parsonianos tenham se direciona-
normas de tal ou qual cenário social, mas não os de-
do inicialmente para apreender a relação entre as
sempenhos práticos pelos quais tais normas são (ou
orientações subjetivas do agente humano, de um
não) efetivadas (e de tais ou quais formas). Como
lado, e as propriedades sistêmicas de seus contex-
afirma Mouzelis em mais um turno de uma críti-
tos sociais, de outro, as últimas fases do seu labor ca feita diversas vezes: “os atores de Parsons estão
intelectual tenderam a magnificar a importância sempre ensaiando seus papéis, mas a própria peça
das últimas em detrimento das primeiras. Com nunca começa; as cortinas do teatro nunca sobem.
efeito, mesmo intérpretes simpáticos como Jef- Há mais orientação para regras do que “instancia-
frey Alexander (1987a; 1987b, p. 22-110) e Nicos ção” de regras” (2008, p. 14). Como mostraria a etno-
Mouzelis (2008), os quais costumam sublinhar a metodologia de Garfinkel, em parte desenvolvida
densidade analítica da obra de Parsons contra crí- como uma crítica imanente do esquema parsoniano
ticas superficiais, concordam quanto à tese de que (HERITAGE, 1984), recuperar a ação social como
o enfoque sistêmico da fase tardia da sua carreira desempenho prático envolve conferir uma atenção
intelectual tende a eclipsar suas preocupações an- bem maior a todo o repertório de habilidades
teriores com a “teoria voluntarista da ação” (PAR- (*etnométodos”) pelas quais os agentes organizam
SONS, 1966, p. 127). suas (inter)ações. Antes de Garfinkel, no entanto,
A despeito de referências à autonomia relati- um contemporâneo de Parsons já tinha dado início
à análise dos estoques de conhecimento que capaci-
va e à interdependência dos sistemas cultural, so-
tam a conduta ordinária em sociedade: o filósofo e
cial e de personalidade (ALEXANDER, 1987b), a
sociólogo vienense Alfred Schiitz.
ordem dessa lista corresponde, no fim das contas,
ao sentido em que atuariam influências determinan-
tes segundo o autor: os valores centrais ao sistema Sociologias interpretativas: da
cultural se traduzem nas expectativas normativas de fenomenologia de Schiitz à
papel institucionalizadas no sistema social, expecta-
etnometodologia de Garfinkel
tivas que, por seu turno, são interiorizadas no sis- Utilizando a expressão em sentido ecumênico,
tema de personalidade sob a forma de orientações poder-se-ia incluir dentre as “sociologias interpre-
subjetivas ou “necessidades-disposições” ([1951] tativas” abordagens como o “interacionismo sim-
1991, p. 49-56). Parsons também reconhecia que o bólico” de Blumer (inspirado em Mead), a feno-
seu esquema analítico não pressupunha dogmatica- menologia social de Schitz, a sociologia da “ordem
mente que os agentes sempre obedecem aos requisi- da interação” de Goffman, a ernometodologia de
tos normativos de seus papéis sociais, mas, sim, que Garfinkel e as filosofias neowittgensteinianas da
situações empíricas de não conformidade poderiam ação social (p. ex., o trabalho de Peter Winch). Nos
ser analisadas em termos de seus maiores ou me- termos anteriormente apresentados de modo críti-
nores “desvios” quanto ao seu modelo teórico. O co, as lições analíticas legadas por essas tradições
que é certo, entretanto, é que o autor estaduniden- de pensamento para a teoria sociológica levam não
se deixou subteorizada a questão de como, mesmo tanto à substituição da teoria da ação por uma teo-
nos cenários em que os agentes obedecem às expec- ria da prática, mas a uma concepção da ação como
tativas de papel, tais expectativas são efetivamente prática. Tal concepção se traduz em pelo menos
atualizadas na prática. A análise parsoniana da ação três princípios analíticos: a) a ordem social não é
Gabriel Peters
REFRESA

52

ipal
um dado estático ou um resultado mecânico, mas 1979, p. 1IO-I15; 2011, p. 93-136). O princ
agente
um produto contínuo e contingente das condutas procedimento cognitivo mediante o qual o

de agentes habilidosos; b) a riqueza e a variedade atribui significado aos cenários de seu “mundo da
(1976,
das habilidades empregadas nas práticas cotidia- vida” partilhado com outros é a tipificação
já in-
nas, atributos muitos vezes não evidentes a um pri- p. 37-56; 1979, p. | [5-120). Como o termo
situações
meiro olhar, indicam que a compreensão da ação dica, a interpretação dos atores, objetos €
seu
social depende não apenas do exame de impulsos particulares com os quais o agente se depara em
em ti-
afetivos e orientações normativas, mas também de universo social envolve seu enquadramento
uma análise da dimensão cognitiva da conduta hu- pos abstratos (p. ex., “cobrador”, “guarda de trân-
mana em sociedade: c) a conexão entre cognição sito” e “caixa de banco” para categorias de agentes
e prática se exprime no fato de que boa parte dos ou “aula”, “missa” e “compra” para categorias de
“estoques de conhecimento” (SCHUTZ, 1979, p. situações sociais). A manutenção cotidiana da or-
74), “ernométodos” (GARFINKEL, 1967) e fór- dem social se ancora no caráter intersubjetivamente
mulas para “saber prosseguir” (WITTGENSTEIN, compartilhado de tais tipificações, graças às quais
1958, $ 151, 154, 155) na vida social cotidiana os indivíduos podem coordenar suas ações de mo-
não passam pelo raciocínio explícito ou pela deli- dos reciprocamente inteligíveis.
beração consciente, mas assumem a forma de um A própria reprodução da ordem social através
“saber-fazer” tácito. Nesse sentido, parte do traba- de condutas cotidianas depende, nesse sentido, dos
lho de elucidação do mundo social oferecido por “estoques de conhecimento” pelos quais os agen-
abordagens interpretativas é justamente a explici- tes, segundo a formulação clássica de William Tho-
tação de orientações e competências subjetivas que mas, “definem situações” de interação. “Definições
os agentes mobilizam de modo implícito ou táci- de situação” partilhadas como “festa”, “aula” ou
to — como no caso das minuciosas descrições de “funeral”, digamos, não são meras descrições de
Goffman acerca dos “rituais de interação” que já contextos interacionais, mas, ao contrário, fatores
praticamos espontaneamente no mundo social (p. fundamentais para a produção das condutas em
ex., as exibições de estranhamento polido ou “de- tais contextos (p. ex., dos modos apropriados de se
satenção civil” diante de estranhos com quem par- portar em uma situação grave como um funeral, os
tilhamos um elevador [GOFFMAN, 1963, p. 83]). quais obviamente diferem daqueles próprios a uma
Segundo a fenomenologia social de Alfred situação lúdica como uma festa). A tese de que tais
Schiútz (1962; 1970; 1972; 1976; 1979; 1996; definições são intersubjetivamente partilhadas não
2011), a conduta social é habilitada por estoques deve ser entendida no sentido de que cada agente
de conhecimento “à mão” graças aos quais os agen- envolvido em uma interação a vivencia exatamente
tes humanos podem atribuir inteligibilidade às si- do mesmo modo. Ela significa, sim, que aquelas
tuações que encontram no mundo (1962, p. 7-19; definições são suficientemente similares para todos
1972, p. 83-86; 2011, p. 136-151). Os saberes apli- os propósitos práticos (p. ex., dois estudantes, um
cados pelos atores em sua experiência do mundo entusiasmado e outro entediado, concordam, ain-
societário são eminentemente pragmáticos, 1. e., da assim, tanto ao fato de que estão em uma aula
subordinados aos interesses e propósitos que im- quanto ao papel social que ali desempenham etc.).
pulsionam suas ações cotidianas — o que Schiitz des- A reflexão de Schiitz sobre a multiplicidade
creve como “sistema de relevâncias” (1962, p. 284; de situações sociais nas quais os agentes circulam
2 Sociologia da ação Seção | 53

transborda para uma fenomenologia do que ele reprodução da ordem social. Ainda que sua apa-
chama, na esteira do conceito jamesiano de “su- rição na cena sociológica tenha sido marcada por
buniversos”, de “realidades múltiplas” (SCHUT
Z, incompreensões e controvérsias (COSER, 1975;
1962, p. 207-259; 1979, p. 241-260). Conquanto
GELLNER, 1979), para as quais a peculiaríssima
seu foco se dirija ao domínio subjetivo
de “estilos prosa de Garfinkel contribuiu um bocado, a etno-
cognitivos”, “sistemas de relevância” e
“tensões de metodologia se revelou um fecundo programa de
consciência”, mais do que ao âmbito público de
in- pesquisa (RAWLS, 2003). Graças aos esforços de
terações e práticas, a abordagem schiitziana já é um
autores como Anthony Giddens, Jeffrey Alexan-
bocado sensível à pluralidade interna à subjetivida-
der (1987), Richard Hilbert (1992), Anne Rawls
de do ator humano. O próprio autor, com
sua du- (2003) e John Heritage (1984), várias lições etno-
pla jornada biográfica de bancário diurno e filósofo
metodológicas foram aproveitadas em abordagens
noturno (BARBER, 2004), estava bem aparelhado que, em vez de tomar a etnometodologia como um
para captar a associação de diferentes cenários
so- corpo estranho à teoria social, a integraram ao eixo
ciais com diferentes “atmosferas” (inter)subjetivas
central da reflexão teórica no século XX. O pró-
de experiência. As orientações e competências sub-
prio Garfinkel dera deixas de seu diálogo com a
jetivas do indivíduo que interage ludicamente com
teoria social “ortodoxa” ao partir de uma espécie
seus filhos são significativamente distintas daquelas
de crítica imanente da resposta ao “problema da
ativadas pelo mesmo indivíduo na sua situação de
ordem” oferecida pelo seu ex-orientador Talcott
trabalho, no almoço descontraído com os amigos,
Parsons (HERITAGE, 1984, p. 7-36). Ao acessar
no mergulho experiencial em uma narrativa ficcio-
sobretudo a dimensão volitiva ou motivacional dos
nal no cinema, nas devotas orações que ele realiza
motores subjetivos da conduta humana, Parsons
antes de dormir e, finalmente, no sonho em que tratou muito insuficientemente do seu aspecto pro-
ele imerge após cair no sono. A continuidade de tal
cedural, isto é, do fato de que as ações no mun-
tema do “ator plural” na teoria sociológica se evi- do social são desempenhos cognitivos e práticos
dencia contemporaneamente em perspectivas como competentes (GIDDENS, 1979, p. 253-254). Em
o disposicionalismo pós-bourdieusiano de Bernard diálogo com a visão schutziana do papel dos “esto-
Lahire (2002). Incidentalmente, a sociologia dispo- ques de conhecimento” para a realização da mais
sicional de Lahire também sinaliza uma transição ordinária das interações sociais, Garfinkel mostrou
do “mentalismo” (RECKWITZ, 2002, p. 247) de que um volume substancial desses saberes possui
Schiitz para um acento mais radical sobre a ação um caráter “metodológico”, fornecendo instruções
como práxis de um ator corpóreo em interação com genéricas que os atores têm de adaptar às deman-
outros atores, objetos e práticas em seu mundo so- das particulares de seus contextos locais de ação.
cial. Uma das figuras centrais para esta inflexão Na medida em que os estoques de conhecimento
“praxiológica” na teoria da ação foi Harold Gar- dos agentes não podem especificar exatamente o
finkel (1917-2011), fundador da ernometodologia. que eles encontrarão na vida societária, seus usos
Tal como a fenomenologia de Schiitz, a ermome- sempre envolvem uma adaptação às exigências de
todologia de Garfinkel (1963; 1967; 1988; 2002) cenários singulares, uma realização dependente de
pode ser elencada entre as abordagens teóricas que ajustes contínuos, próprios ao que Garfinkel de-
apontaram a centralidade das competências cog- nomina “método documental de interpretação”
nitivas dos agentes humanos para a produção e a (1967, p. 77). A própria ordem social, portanto,
Gabriel Peters

nunca é dada de antemão ou de uma vez por todas, significa torná-la inteligível em termos socialmen-
mas constitui um resultado contínuo e contingente te acessíveis aos “membros” de um dado coletivo,
de práticas habilidosas em contextos locais. A lin- assim como justificável segundo as normas parti-
guagem utilizada na conversação cotidiana serve de lhadas pelos mesmos membros. À inteligibilidade e
exemplo do princípio: como um saber que nos ha- a justificabilidade de uma prática são construídas
bilita a participar do mundo social, um idioma nati- de modo a torná-la inerentemente “relatável” a
vo não é uma coleção de frases soltas, mas uma ca- outros. A ideia de “relatos” (Saccounts”) embuti-
pacidade improvisativa de se engajar em interações da no conceito de “accountability” aponta para o
linguísticas que não podemos prever com exatidão. influxo da pragmática filosófica do segundo Wit-
Na maior parte dessas interações, não temos como tgenstein na obra de Garfinkel, sobretudo no que
saber com precisão absoluta o que nossos interlocu- toca à concepção da linguagem como instrumento
tores dirão, mas nossa competência linguística nos prático pelo qual se produz efeitos na vida social.
oferece “métodos” para respondermos apropriada- Como instrumentos para definir situações, as des-
mente às enunciações mais ou menos (im)previsí- crições linguísticas realizadas pelos agentes não são
veis das pessoas com quem conversamos. externas ao transcurso de tais situações, mas com-
Garfinkel deu a tais saberes mundanos a alcu- ponentes fundamentais de sua própria constituição
nha de “ernométodos”. O prefixo “etno” refere-se (p. ex., quando um juiz declara o início de um jul-
simplesmente aos “membros” de um contexto so- gamento ou quando um assaltante grita “isto é um
cial particular, enquanto o caráter “metodológico” assalto”, seus enunciados são intervenções práticas
do conhecimento se manifesta em “fórmulas” ge- que contribuem para constituir a situação como tal,
néricas que sempre têm de ser criativamente adap- não meras descrições exteriores).
tadas pelos agentes às demandas específicas de um As múltiplas dimensões do conceito de “accoun-
contexto de ação. Conquanto seja devedora da ên- tability” exploram o vasto domínio dos pressupos-
fase schiitziana sobre a dimensão cognitiva da ação, tos implícitos partilhados que possibilitam as inte-
a etnometodologia se afasta decididamente de qual- rações mais rotineiras. Aquelas dimensões também
quer “mentalismo” ao tomar os contextos práticos ajudam a compreender o frequente recurso a justi-
de interação, não os processos interiores à subje- ficações discursivas da própria conduta, por parte
tividade, como sua unidade analítica fundamental dos atores, nos momentos problemáticos em que
(GARFINKEL, 1963, p. 190). Embora a perspecti- expectativas habituais são frustradas na interação.
va delineada por Garfinkel se apresente mais como A expectativa socialmente partilhada de que os
um programa de investigações do que como uma atores têm motivos compreensíveis e justificáveis
teoria, ela certamente se ancora em uma proposição para agir como agem, quando perturbada, torna-se
substantiva sobre o mundo social: os procedimen- exigência de uma “prestação de contas” explícita.
tos pelos quais os agentes organizam suas práticas, Por exemplo, a expectativa do cobrador quanto ao
nos cenários da vida cotidiana, são os mesmos pelos comportamento do usuário de ônibus é momenta-
quais eles tornam tais práticas cognitivamente in- neamente frustrada quando o segundo entrega ao
teligíveis e normativamente justificáveis - em uma primeiro sua carteira de identidade. A demanda do
palavra, accountable. A noção de “accountability”, cobrador por uma “prestação de contas” toma a
na acepção técnica de que é revestida por Garfin- forma não verbal, mas inequívoca, de um olhar de
kel, condensa em si uma série de dimensões analí- interrogação perplexa, ao qual o usuário respon-
ticas. Garantir que uma prática seja “accountable” de com uma justificativa apaziguadora: “opa, des-
2 Sociologia da ação Seção | 55

Linguagem, ação e sociedade


Sobretudo a partir do meio do século XX, contribuições importantes
à teoria da ação advieram não somente de
correntes microssociológicas, mas também de autores que submeteram o conceito de
ação humana e diversas noções
a ele correlatas, tais como “intenções” e “razões”, a exames minuciosos conduzido
s no estilo da filosofia analítica (cf.
Giddens (1993, cap. 2), para um exame crítico). No que toca às concepções sociológic
as da conduta humana em socie-
dade, a tese mais influente legada por essas abordagens filosóficas consistiu, com
efeito, no destaque à conexão entre
linguagem e ação. Segundo as perspectivas de Austin e do segundo Wittgenste
in, a linguagem não é apenas — nem
primordialmente - um meio de figuração do real, mas sobretudo uma ferramenta prática
das atividades pelas quais o
mundo social é produzido e reproduzido pelos atores humanos. Do mais ordinário pedido de
licença em um corredor
apertado até uma sentença pronunciada no tribunal pelo juiz de direito, as palavras vêm a lume como
instrumentos que
nos habilitam a “fazer coisas” (AUSTIN, 1965) no mundo social. O vínculo entre linguagem e práxis social
também opera
no sentido reverso: é através de seus usos pragmáticos em contextos sociais particulares que
categorias linguísticas são
investidas e reinvestidas com significados. Os contextos sociais específicos em que a linguagem é utilizada para tais ou
quais propósitos pragmáticos são componentes fundamentais do seu significado. A depender dos seus cenários
prag-
máticos de uso, uma sentença como “estou me sentindo muito bem" será revestida de sentidos muito distintos
caso seja
dita, por exemplo, como resposta sincera de um filho recém-saído da cirurgia à sua mãe ou como comentário sarcástico
de um cônjuge insatisfeito com o programa sugerido pelo outro. Com base na sua concepção radicalmente contextual
,
processual e localista da organização e da inteligibilidade da vida social, Garfinkel (1988) generaliza para o conjunto da
linguagem o que linguistas como Bar-Hillel haviam chamado de indexicalidade, isto é, a inerente dependência significa-
tiva do uso contextual de palavras como “eu” e “você”, “hoje” e “ontem” ou “aqui” e “ali”. Para uma discussão mais apro-
fundada das contribuições de Schitz e Garfinkel ao debate sobre agência e estrutura na teoria social, cf. Peters (2011).

culpa, estava com a cabeça nas nuvens... deve ser vimento teórico” dos anos de 1970 e 1980 busca-
|?
o cansaço... aqui está o dinheiro!” Essa passagem ram reintegrar o exame da dimensão microscópica
do “concerto das ações” — baseado em disposições da vida social à análise de sua esfera macroscó-
habituais — para o “conserto das ações” — median- pica — por exemplo, mostrando o peso de influên-
te a justificação pública baseada em “vocabulários cias “transituacionais” (como “imperativos sistê-
de motivos” (Mills) socialmente disponíveis — con- micos” (Habermas) ou “posições objetivas de classe”
tinua a ser tema central na teoria sociológica da [Bourdieu]) sobre cenários de microinteração.
ação. Ela está na base da análise das “ordens de jus- De modo mais ou menos radical, cada um destes
tificação” levada a efeito por Boltanski e Thévenot teóricos também se esforçou por reintroduzir um
(1991) e, de modo mais geral, de toda uma socio- veio agonístico e conflitual na visão das relações
logia pragmática calcada no estudo de “momentos societárias difundida pela microssociologia — por
críticos” e “situações problemáticas” — uma socio- exemplo, no caso de Bourdieu, mostrando como
logia de feitio pós-bourdieusiano, mas já prefigura- interações simbolicamente mediadas não são inter-
da, em diversos aspectos, nas concepções de ação, câmbios comunicativos puros, mas domínios afe-
interação e subjetividade formuladas no pragmatis- tados por assimetrias de poder e relações de domi-
mo estadunidense de Mead e Dewey (VANDEN- nação. Isto dito, nenhum deles abandonou aquelas
BERGHE, 2010, cap. 2; CORRÊA, 2014; VAN- premissas legadas pelas microssociologias interpre-
DENBERGHE & VÉRAN, 2016). tativas, a saber, uma visão radicalmente processual
Jirgen Habermas, Anthony Giddens, Pierre da ordem societária, o acento na dependência on-
Bourdieu e outras figuras associadas ao “novo mo- tológica que essa ordem tem de ações cotidianas e
56 Gabriel Peters

A teoria da ação comunicativa de Júrgen Habermas


1984;
No percurso intelectual que leva à “Suma Sociológica” de Habermas. Teoria da ação comunicativa ([1981)
1987), o autor alemão reformula sua antiga distinção antropológico-f ilosófica entre trabalho e interação em termos
de uma diferenciação entre ação instrumental e ação comunicativa, a primeira orientada pela adequação de meios
a fins, a segunda voltada ao entendimento intersubjetivo. À sua própria maneira e com uma terminologia um tanto
distinta, Habermas buscou superar, como Giddens e Bourdieu, o Impasse entre modos objetivistas e subjetivistas de
conhecimento do social — no seu caso, o confronto entre, de um lado, teorias que assumem à atitude cognitiva de obje-
tivação “exterior”, tomando as sociedades como sistemas autorregulados, e, de outro lado. visões segundo as quais
o mundo social só poderia ser elucidado pela via “interna” da interpretação, uma vez que consiste em um cenário de
ações simbolicamente coordenadas Trazendo o debate para o diagnóstico sociológico da Modernidade. o filósofo
germânico afirma que o caráter "bidimensional" desse tipo de sociedade justifica ambos os estilos de análise, desde
que circunscritos às suas esferas sociais adequadas. O “Sistema” formado pelos subsistemas econômico e burocrá-
tico-administrativo, nos quais impera a ação instrumental orientada pelos mecanismos regulativos do “dinheiro” e do
“poder” respectivamente, autorizaria, pelo seu próprio modo de operação, uma perspectiva objetivista como aquela
desenvolvida nas teorias sistêmicas de um Parsons ou de um Luhmann. O “Mundo da vida”, por seu turno, pelo me-
nos na medida em que não seja patologicamente invadido e “colonizado” por imperativos sistêmicos, é palco da ação
comunicativa diante da qual o próprio cientista social deveria assumir não uma postura de objetivação distanciada,
mas de “participação dialógica”. Isto dito, cabe ressaltar que cada elemento dessa caracterização sumária é, na obra
do Habermaster, objeto de considerações extraordinariamente complexas, impossíveis de resumir em uma notinha de
rodapé. Para uma boa introdução, cf. Freitag (1995).

A teoria da estruturação de Anthony Giddens

Giddens pensa a conexão entre ação e estrutura no mundo social mediante uma reformulação crítica da relação
entre “lingua” e “fala” tal como postulada pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure. Segundo o “pai” da linguística
estrutural, as falas situadas de quaisquer agentes só podem ser compreendidas por outros, caso tanto enunciadores
quanto ouvintes compartilhem a mesma língua, i. e., uma totalidade estruturada de associações entre sons e sentidos
(“significantes” e “significados”) que nenhum deles inventou, mas que enconiraram estabelecidas no seu contexto
social. A referência compartilhada à lingua é uma das condições de possibilidade da fala inteligível, mas Giddens
também sublinha que é graças a uma multiplicidade de falas que a própria língua continua, por sua vez, a existir his-
toricamente. De resto, o recurso às estruturas da lingua pelos falantes particulares não consiste em usos mecânicos,
mas em realizações criativas por meio das quais aquelas estruturas também se transformam gradualmente ao longo
da história (p. ex., as pequenas modificações que falantes ordinários introduzem na língua engendram significativas
transformações cumulativas). Segundo o teórico britânico, a inter-relação entre língua e fala é somente um exemplo
da dualidade entre ação e estrutura, i. e., do princípio conforme o qual “as estruturas sociais são tanto constituídas
pela agência humana quanto, ao mesmo tempo, o próprio meio dessa constituição” (1993, p. 129). A relação entre
“economia capitalista” e “transação monetária” também poderia valer de ilustração. Por um lado, a possibilidade de
que um estranho tome o pedaço de papel que a ele ofereço como dotado de valor monetário (i. e., dinheiro) depende
de nossa referência compartilhada a uma macroestrutura econômica que condiciona e, ao mesmo tempo, transcende
nossa microssituação de troca. Ao mesmo tempo, é graças a uma variedade de microtransações que a “economia ca-
pitalista” é “atualizada” ou “instanciada” no tempo-espaço, passando de realidade “virtual” a realidade “efetiva” — assim
como, digamos, os significados da tinta impressa em um livro são reais, mas somente in potentia, já que necessitam
de leitores que os atualizem ao colocá-los em ação na leitura. Uma introdução mais detalhada à teoria da estruturação
de Giddens está em Peters (2017). Para exposições condensadas de tal teoria pelo seu próprio progenitor, cf. Giddens
(1979, cap. 2; 2003, cap. 1).
2 Sociologia da ação Seção | 57

A teoria da prática de Pierre Bourdieu


Ão apresentar sua teoria da prática como um modo de conhecimento praxiológico da vida social, Bourdieu sublinhou
que sua caracterização das práticas sociais significava, ao mesmo tempo, um retrato do social como cenário de práticas —
em outros termos, um retrato da “prática” como o modo fundamental de existência do social. Central na leitura bourdieusia-
na é a concepção da “prática” como o locus no qual se encontram as dimensões da conduta humana e da vida societária
que as ciências sociais tendem a tratar de modo dicotômico: objetividade e subjetividade, material e simbólico, mente e
corpo e tutt quanti. Não por acaso, a praxiologia de Bourdieu floresce de uma síntese critica entre modos objetivistas e
subjetivistas de conhecimento do mundo social Tal como os objetivistas, o sociólogo francês sustenta que todo agente indi-
vidual se encontra objetivamente posicionado em ambientes socioestruturais. Tais ambientes socioestruturais fornecem as
condições de existência nas quais o indivíduo é socializado e atua — por exemplo, uma posição objetiva de classe se traduz
em todo um conjunto de condições de vida, ou seja, oportunidades e restrições, facilidades e obstáculos de cunho material,
educacional etc. Contra o objetivismo, no entanto, Bourdieu (1983, p. 47) defende que a apreensão desses ambientes es-
truturais nos quais os agentes estão posicionados é um “momento” necessário, mas não suficiente, da análise sociológica.
As estruturas sociais não são dados da natureza ou princípios estáticos, mas realidades em movimento, cuja existência
histórica depende das práticas dos agentes que nelas estão enredados Dado que essas práticas não são desempenhos
mecânicos, mas condutas inventivas animadas por interesses (p. ex., o interesse em “jogar o jogo" do campo científico) e
capacitadas por competências (p. ex., o conhecimento necessário para participar das disputas por autoridade científica), a
análise sociológica deve ser complementada um “momento subjetivista” que acesse os motores subjetivos com base nos
quais os agentes mantêm o mundo social em movimento. Ao propor que as disposições subjetivas dos agentes são relati-
vamente inventivas, Bourdieu se posta ao lado das microssociologias interpretativas contra as visões objetivistas do agente
como mero “fantoche” de forças estruturais (1990, p. 19). Por outro lado, faltara àquelas microssociologias o reconheci-
mento de que os próprios interesses e habilidades que movem os agentes resultam da interiorização de suas condições
objetivas de socialização sob a forma de um repertório de disposições subjetivas, isto é, de um habitus. Assim, a praxiologia
de Bourdieu vê a história das sociedades humanas como um processo em que agentes individuais são socializados em
estruturas objetivas e, ao agirem com base nas disposições adquiridas nessa socialização, influenciam, por sua vez, O
próprio ambiente estrutural objetivo em que estão imersos. Nesse sentido, a sociedade não existe exclusivamente como
uma entidade exterior aos indivíduos ou como uma representação interna mantida por estes, mas como uma dialética entre
o exterior e o interior, um “duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade” (BOURDIEU,
1983, p. 47). Como uma “subjetividade socializada” (BOURDIEU & WACQUANT, 1992, p. 126), o habitus é a mediação de
tal dialética: por um lado, trata-se da marca do social na subjetividade individual, já que ele deriva do processo no qual as
condições de socialização do agente são “sedimentadas” ou “depositadas” nas suas disposições mentais e corpóreas, ou
seja, em seus modos de agir, pensar, sentir, perceber, classificar, avaliar etc.; por outro lado, graças ao habitus, o resultado
da socialização não é uma matéria passiva, mas um agente dinâmico cujos interesses e habilidades o animam a intervir no
mundo social e, assim, a contribuir para reproduzir ou transformar os cenários estruturais nos quais ele opera. Para uma
discussão introdutória sobre Bourdieu, cf. Peters (2018).

o vasto estoque de saberes práticos sem os quais bém identificou a noção de “ação” à conduta in-
tais ações não ocorreriam. dividual humana movida por um “sentido subjeti-
vo”, para falar como Weber. Conduta individual,
pois uma reflexão sobre as diferentes teorias da
Conclusão
“ação coletiva” nas ciências sociais reclamaria ou-
O montante das coisas às quais renunciamos é tro capítulo. Quanto à atribuição exclusiva de ação
sempre — e tristemente — maior do que o estoque a atores humanos, por sua vez, parte da história
das que escolhemos. O presente ensaio se centrou das concepções de “ação” na filosofia e na teoria
não somente sobre alguns autores e perspectivas social consiste, com efeito, no debate entre suas
fundamentais na “sociologia da ação”, mas tam- acepções estritas (a ação como conduta intencional
9 Gabriel Peters

humana) e suas acepções abrangentes (a ação como quer distinções conceituais importantes entre con-
qualquer influência produzida no mundo por um dutas intencionais e não intencionais, mas somente
ente corpóreo — animado ou inanimado, humano vincar a tese de que influenciar ou “fazer uma di-
ou não humano). Na sua fonte weberiana, a ação ferença” na geração de um estado de coisas já seria
humana difere do “comportamento simplesmen- ipso facto agir. O foco primacial da teoria da es-
te reativo” (WEBER, 2000, p. 4) precisamente na truturação é a ação humana, embora seu autor te-
medida em que é imbuída de significado subjetivo nha notado que desvencilhar o conceito de ação da
pelo agente - p. ex., um “mesmo” movimento físi- noção de intencionalidade abria espaço para uma
co do braço é uma ação quando constitui um aceno reflexão sobre o papel de atores não humanos na
intencional para outra pessoa e um mero “compor- compreensão do mundo social. No primeiro ensaio
tamento reativo” quando resulta de algum meca- da sua teoria da estruturação, com efeito, Giddens
nismo neuromotor involuntário. De modo similar,
definiu “ação” como “o fluxo de... intervenções
para expoentes da filosofia analítica da ação na tra-
causais de seres corpóreos no processo contínuo de
dição de Donald Davidson, um indivíduo humano
eventos-no-mundo” (1993, p. 82 — grifos meus).
só age “quando aquilo que faz pode ser descrito
Tal como está, a definição é suficientemente lar-
como intencional” (BRUNKHORST, 1996, p. 3).
ga para aplicar-se a quaisquer entidades corpóreas
Tal concepção davidsoniana encontrou um compa-
que produzam consequências nos mundos social
nheiro (dos mais estranhos) na filosofia continen-
e natural: os micro-organismos responsáveis pela
tal, o Sartre de O ser e o nada, que ilustrou seu
doença de uma pessoa, o gato que arranha a cara
conceito de ação com um exemplo explosivo:
de outra, o caderno de notas no qual “exteriorizo”
...uma ação é por princípio intencional. O
fumante desastrado que, por negligência, fez minha memória, o telefone celular que me informa
explodir uma fábrica de pólvora não agiu. o caminho para a festa etc.
Ao contrário, o operário que, encarregado
Ainda que as reflexões sociológicas tenham re-
de dinamitar uma pedreira, obedeceu às or-
dens dadas, agiu quando provocou a explosão conhecido o papel central de artefatos técnicos na
prevista; sabia, com efeito, o que fazia, ou, se vida sócio-histórica do anthropos no mínimo desde
preferirmos, realizava intencionalmente um Marx e Engels (1974), os quais já atinavam com
projeto consciente (SARTRE, 1997, p. 536).
o processo dialético no qual as tecnologias criadas
Em contraste com as perspectivas de Sartre e pelos seres humanos recriam por sua vez seus cria-
Davidson, autores como Giddens (1979; 2003) dores, a discussão sobre a “ação”, a “agência” ou a
ponderam que um ator “age” sempre que “faz uma “actância” dos objetos retornou com força à teoria
diferença” no fluxo causal de eventos do mundo, social nas últimas décadas, em larga medida devido
ou seja, sempre que produz efeitos na realidade, à influência de abordagens neodeleuzianas como a
independentemente de tais efeitos corresponderem teoria do ator-rede de Bruno Latour (2005). Ata-
ou não às suas intenções. No que toca ao exemplo cando o pendor “humanista” pelo qual a sociolo-
sartreano, nesse sentido, o autor britânico certa- gia teria reduzido as “relações sociais” a relações
mente tomaria a explosão provocada pelo fuman- intersubjetivas, o teórico da “interobjetividade”
te desastrado como uma ação, já que ela não teria defendeu que a vida social dos humanos é incom-
ocorrido não fosse pela intervenção — habilidosa preensível se se faz abstração de suas relações com
ou desastrada, intencional ou não intencional — do os objetos, nossos “camaradas, colegas, parceiros,
agente. Não é intenção de Giddens rechaçar quais- cúmplices ou associados na tessitura da vida social”
2 Sociologia da ação Seção | 59

Quem mexeu na minha mente?


Imagine que eu lhe peça para multiplicar 235 por 23 de cabeça. Preguiça, eu sei. Suponha,
então, que eu lhe solicite
que faça a mesma operação com o auxílio de lápis e papel. Nesse último
caso, as etapas de sua operação cognitiva
serão um bocado distintas da situação em que seu recurso é exclusivam
ente sua própria caixola. Em termos não só de
procedimento como de esforço intelectual, a diferença será ainda
mais gritante caso comparemos a conta feita de cabe-
ça ao uso tranquilo de uma calculadora. Pois bem: segundo algumas
correntes contemporâneas na filosofia e na teoria
social, a diferença entre os casos citados é tamanha que, nas situações
em que minha multiplicação foi feita com auxílios
técnicos, eu não poderia afirmar, a rigor, que “fui eu” quem realizou tal
operação. A operação resultou da colaboração
entre minhas faculdades cognitivas “intracranianas” e os artefatos de
que me vali para facilitar minha vida algébrica. Ao
juntar-se ao lápis e ao papel, de um lado, ou à calculadora, de outro, minha
mente formaria um “sistema cognitivo” ou
“associação sociotécnica” que seria a verdadeira responsável pela multiplicação. O
mesmo aconteceria, por exemplo,
nos cenários em que um Programa de computador corrige minha ortografia ou me
sugere um sinônimo elegante para tal
ou qual palavra. Em sentido estrito, diria um partidário de teses sobre “cognição
distribuída”, “mente estendida”, “inte-
robjetividade” e coisas que tais, o texto resultante não seria uma criação
somente minha, mas uma coprodução da minha
mente com a máquina. Que tais realizações cognitivas derivam de alguma colaboraçã
o entre a inteligência humana e
artefatos técnicos, ninguém nega. O mesmo pode ser dito quanto ao fato de que os processos
mentais “intracranianos”
se transformam conforme os seres humanos passam a se valer de apoios tecnológicos. Com uma tecnologia
como o
GPS, por exemplo, saber utilizar os recursos do programa se torna uma competência cognitiva mais importante,
pelo
menos na maior parte do tempo, do que a posse de uma avantajada memória espacial no próprio cérebro.
Isto dito, as
implicações desses fatos para nossas concepções da “mente” são tema de controvérsias encarniçadas. Se, ao copiar
no meu caderno os comentários de meu professor durante a aula, estou estocando informação
fora do meu crânio para
acessá-la posteriormente, não faria sentido dizer que minha memória “está” no meu caderno?
Se as competências que
me levam a chegar em certo endereço são partilhadas entre mim e meu telefone celular, poderia
eu afirmar que minha
mente também “está” no meu aparelho?

(LATOUR, 1996, p. 235). Segundo Latour, com que vão além dos propósitos a eles delegados pelos
efeito, mesmo as perspectivas centradas sobre a re- seres humanos (p. 237).
lação transformadora dos seres humanos com ins-
Como tudo mais na teoria social, propos-
trumentos e ferramentas, como a fenomenologia
existencial de um Heidegger ou a fenomenologia tas como a latouriana não passaram sem desafios
carnal de um Merleau-Ponty, teriam ignorado os (VANDENBERGHE, 2010, cap. 4 e 6), mas estes e
objetos como entidades capazes de produzir efeitos outros temas terão de ficar para a próxima.

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