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A interação simbólica
1. Introdução
A escola da interação simbólica se reporta em origem a clássicos
da sociologia do fim do século XIX tais como Charles Horton Cooley
(1864-1929), WI. Thomas (1863-1947) e George Herbert Mead (1863-
1931)6, embora o termo interacionismo simbólico tenha sido cunhado
por Herbert Blumer em 19371. Os pontos comuns aos três envolvem as
concepções da sociedade como um processo, do indivíduo e da sociedade
como estreitamente inter-relacionados e do aspecto subjetivo do com-
portamento humano como uma parte necessária no processo de forma-
ção e manutenção dinâmica do self social e do grupo social (PSATHAS,
1973: 5). Alguns de seus conceitos já se incorporaram à terminologia
sociológica como a "introspecção simpatética" de Cooley, a "definição
de situação"g de Thomas ou "o outro generalizado" de Mead. A obra de
Mead, entretanto, foi aquela que mais contribuiu para a conceptualização
da perspectiva interacionista. Por esta razão nos deteremos sobre ele para
um melhor exame dos fundamentos desta escola.
6. COOLEY, Charles H. Human Nature and the Social Order. Nova York: Schoken, 1964
[originalmente publicado em 1902]. COOLEY, Charles H. "The Roots of Social Kno-
wledge". ln: The American Journal of Sociology, vol. 32 Oul. 1926), p. 59-79. COOLEY,
Charles H. ''A Study ofthe Early Use ofSelf-Words by a Child". Psychological Review, vol.
15 (nov. 1908), p. 339-357. THOMAS, William r. On Social Organization and Social Perso-
nality: Selected Papers. Chicago: University of Chicago Press, 1966 [com uma introdução
de Morris]anowitz]. MEAD, George Herbert: nota sobre o autor, adiante.
7. CE BLUMER, H. 1969: 1, nota de rodapé.
8. Muito utilizada na literatura especializada é a frase de Thomas: "Se os homens definem
situações como reais, elas são reais nas suas consequências".
25
2.1. A sociedade
res a partir de palestras, aulas, notas e manuscritos fragmentários. Seu De acordo com Mead, toda atividade grupal se baseia no compor-
sistema de psicologia social, entretanto, é apresentado de forma completa tam~nto cooperativo. Embora algumas sociedades infra-humanas ajam
em Mind, Self and Society9, um dos mais importantes e influentes livros
conjuntamente, fazem-no levadas pelas características biológicas de seus
na área da interação simbólica, onde ~ autor explora não somente a
membr~s. O comportamento cooperativo dos insetos, por exemplo, é
complexa relação entre a sociedade e o indivíduo, como expõe a gênese
determmado fisiologicamente sem que seus padrões de associação se al-
do self, o desenvolvimento de símbolos significantes e o processo de
terem mesmo ao longo de inúmeras gerações, enquanto que a cooperação
comportamento da mente. Apesar de sua obra como um todo exibir
huma_na, com sua diversidade de padrões, atesta que os fatores fisiológi-
uma orientação filosófica, ele preocupou-se em ilustrar suas proposições
cos nao podem explicá-la. A associação humana surge somente quando:
a partir de fatos da vida cotidiana. Mead, o arquiteto por excelência do
a) cada, ~tor in~ivi~ual percebe a intenção dos atos dos outros e, então, b)
interacionismo simbólico, ensinou na Universidade de Chicago no perío-
constrol sua propna resposta baseado naquela intenção. Isto significa que,
do de 1893 a 1931, quando faleceu. Ele próprio se referia à sua teoria
par~ haver cooperação entre seres humanos, é necessário que alguns me-
em termos de "behaviorismo social"lo, entendendo por isto a descrição
camsmos estejam presentes de forma que cada ator individual: a) possa
do comportamento do nível humano cujo dado principal é o ato social
entender as linhas de ação dos outros e b) possa direcionar seu próprio
concebido não só como o comportamento "externo" observável, como
comportamento a fim de acomodar-se àquelas linhas de ação. O compor-
também a atividade "encoberta" do ato. Neste sentido, sua teoria se opõe
tamento humano não é uma questão de resposta direta às atividades dos
ao behaviorismo radical de John B. Watson, que reduz o comportamento
outros, mas envolve uma resposta às intenções dos outros, ou seja, ao fu-
humano aos mesmos mecanismos encontrados ao nível infra-humano e
turo e intencional comportamento dos outros, não somente às suas ações
onde a dimensão social é vista como uma mera influência externa sobre
presentes (MELTZER, 1972: 6). Estas intenções são transmitidas através
o indivíduo. Enquanto Watson insiste no estudo estritamente científico
de ges.tos que se tornam simbólicos, isto é, passíveis de serem interpretados.
do comportamento aparente, Mead permite uma instintiva investigação
A SOCIedade humana se funda, pois, na base do consenso, de sentidos
compreensiva de aspectos do comportamento, ausente na perspectiva
compartilhados sob a forma de compreensões e expectativas comuns.
de Watson. A lógica natural do pensamento de Mead parece indicar a
Quando os gestos assumem um sentido comum, ou seja, quando eles
precedência da sociedade sobre o self e, por último, a mente, invertendo,
adquirem um elemento linguístico, podem ser designados de "símbolos
assim, a ordem do título de sua principal obra: Mind, Self and society
significantes". O componente significativo de um ato ll , que representa
(MELTZER, 1972: 5; TROYER, 1972: 321). uma atividade mental, acontece através do role-taking: o indivíduo deve
colocar-se na posição de outra pessoa, deve identificar-se com ela 12 . Para
9. As quatro obras publicadas são: Philosophy qf the Present (1932) que contém as palestras Mead a relação dos seres humanos entre si surge do desenvolvimento de
de Mead na Paul Carus Foundation, sobre filosofia da história dentro de uma perspectiva
pragmática; Mind, Seifand Society. Chicago, U niversity of Chicago Press, 1934, que, apesar
sua habilidade de responder a seus próprios gestos. Esta habilidade permi-
de ser a principal publicação de Mead, representa uma coleção de aulas ministradas no te que diferentes seres humanos respondam da mesma forma ao mesmo
curso de psicologia social na Universidade de Chicago; Movements ofThought in the 19 th
[entury. Chicago: University of Chicago Press, 1936, foram aulas proferidas sobre a his- 11. Que Mead chama "meaning".
tória das ideias e, finalmente, Philosophy of the Act. Chicago: University of Chicago Press,
12. Este
, proces so ocorre nao - somente em termos da assunção do papel de uma pessoa
1938, que representa afirmações sistemáticas, sobre a filosofia do pragmatismo (MELT-
espeCifica
. como d o pape I d e um grupo, o que Mead chamageneralized other. Além do con-
ZER, 1972: 4). ceito ~~ Taking the role qf the other Mead se refere à conversat;on qfi?estures ou "conversação de
10. Behaviorismo social, distinto do behaviorismo radical de John B. Watson, fundador gestos , no mesmo sentido.
do behaviorismo em psicologia.
27
26
gesto, possibilitando a compartilhar de experiências, a incorporação entre A ação comum, contudo, ocorre em relação a um lugar e a uma
si do comportamento. O comportamento é, pois, social e não meramente situação. Toda e qualquer unidade de ação - um indivíduo, uma família,
uma resposta aos outros. O ser humano responde a si mesmo da mesma uma escola, uma igreja, uma firma, um sindicato, um legislativo, assim
forma que outras pessoas lhe respondem e, ao fazê-lo, imaginativamente por diante a ação em si - é feita à luz de uma situação específica. Logo, a
compartilha a conduta dos outros (MELTZER, 1972: 8). De acordo com ação é construída através da interpretação da situação, consistindo a vida
a interpretação de Blumer (1969: 82), são estas as características da análise grupal de unidades de ação desenvolvendo ações para enfrentar situações
de Mead, baseada na interação simbólica l3 . Elas pressupõem: nas quais elas estão inseridas (BLUMER, 1969: 85)14.
que a sociedade humana é feita de indivíduos que têm selves
(isto é, que fazem indicações para si mesmos); que a ação 2.2. O self
individual é uma construção e não um dado, erigida pelo Ao afirmar que o ser humano possui um self, Mead quer enfatizar
indivíduo através da percepção (noting) e interpretação das que, da mesma forma que o indivíduo age socialmente com relação a
características das situações nas quais ele atua; que a ação outras pessoas, ele interage socialmente consigo mesmo. Ele pode tornar-se
grupal ou coletiva consiste do alinhamento de ações indivi- o objeto de suas próprias ações. O self, assim como outros objetos, é for-
duais trazidas pelas interpretações que os indivíduos alocam mado através das "definições" feitas por outros que servirão de referen-
às ações dos outros ou consideram em termos da ação de ciai para que ele possa ver-se a si mesmo l5 . Assim sendo, o ser humano
cada um (T. do A.). pode tornar-se objeto de suas próprias ações dentro da sociedade que, de
A sociedade humana deve ser vista como consistindo de acordo com Mead, precede a existência do self. A sociedade representa,
pessoas em ação e a vida da sociedade deve ser vista como pois, o contexto dentro do qual o self surge e se desenvolve. Este desen-
consistindo de suas ações. As unidades atuantes podem ser volvimento tem início em um estágio de imitação por parte da criança,
indivíduos separados, coletividades cujos membros agem sem qualquer componente significativo. Em seguida ela passa a "assumir
conjuntamente com vistas a uma ação (quest) comum, ou o papel de outros" em relação a si própria; exemplos destes papéis são a
organizações atuantes em benefício de uma constituência
(constituency). Respectivos exemplos são compras individu- 14. Paralelamente ao trabalho de Mead, Willian I. Thomas elaborava o conceito de "defi-
ais em um mercado, um grupo que joga ou uma banda mis- nição de situação": "preliminar a qualquer ato de comportamento autodeterminado existe
sionária, e uma cooperação de negócios ou uma associação sempre um estágio de exame e deliberação que nós podemos chamar de 'definição de
situação'. Na verdade, não apenas os atos concretos são dependentes da definição de si-
profissional nacional. Não existe nenhuma atividade empi-
tuação, mas gradualmente uma completa política de vida e a personalidade do próprio
ricamente observável em uma sociedade humana que não indivíduo seguem de uma série de tais definições". The Unadjusted Gir!. Boston: Little,
surja de alguma unidade de ação (T. do A.). Browand Company, 1931, p. 41.
15. Este aspecto foi desenvolvido concomitantemente por Charles H. Cooley através do
conceito "looking glass self": muna larga e interessante classe de casos a referência social
~oma a forma de alguma imaginação definida de como o self de alguém - isto é, qualquer
13. Ao fazer a explanação do pensamento de Mead, Blumer critica a sociologia convencio- Ideia que ele se aproprie - aparece muna mente particular, e o tipo de autossentimento
nal por acreditar que o comportamento das pessoas como membros de uma sociedade é (self:feeling) que alguém sente é determinado pela atitude dirigida a isto, atribuída por esta
uma expressão do jogo de forças societais sobre elas, como sistema social, estrutura social, outra mente. O self social deste tipo poderia ser chamado de vidro refletido ou "looking-
cultura, costume, instituição, normas, valores, etc. Blumer alega que esta abordagem ignora glass self" CE COOLEY C.H .. Looking-Glass SelE ln: MARIS J.G. & MELTZER B.N.
que as ações sociais dos indivíduos numa sociedade são construídas por eles através de um (org.), 1972. De acordo com Manford H. Kuhn (1972), Cooley representa um dos inte-
processo de interpretação. lectuais que antecederam a "teoria do papel".
28 29
"mãe", a "professora", o "bandido", o "mocinho" etc. Quando a criança tem a possibilidade de dirigir e controlar seu comportamento, ao invés de
é capaz de fazer o jogo de diferentes papéis ela já constrói ~ ~ue Mead tornar-se um agente passivo dos impulsos e estímulos.
chama de generalized other ou papel coletivo, o que ele adqumU no ~ur Neste sentido, Mead (1936: 389-390 citado por TROYER, 1972)
so de sua associação com os outros e cujas expectativas ela internahzou afirma que o organismo social
(MELTZER, 1972: 10). Meltzer, ao interpretar o pensamento ~e ~ead, [ ... ] não é um protoplasma sensitivo que está simplesmente
enfatiza que o self representa um processo social no interior do mdlVlduo recebendo estes estímulos de fora e, então, respondendo a
eles. Ele está primariamente procurando certos estímulos ...
envolvendo duas fases analíticas distintas:
O "Eu" é a tendência impulsiva do indivíduo. Ele é o aspecto ini- Qualquer coisa que estejamos fazendo determina o tipo de
cial, espontâneo e desorganizado da experiência humana. Logo, estímulo que desencadeará certas respostas que estão mera-
ele representa as tendências não direcionais do indivíduo. mente prontas para expressar-se, e é a atitude em termos de
O "Mim" representa o "outro" incorporado ao indivíduo. Logo, ele ação que nos determina que estímulo será (T. do A.).
compreende o conjunto organizado de atitudes e definições, com-
preensões e expectativas - ou simplesmente sentidos - comuns ao 2.3. A mente17
grupo. Em qualquer situação o "Mim" compreende o outro gene- Mead considera indispensável o aparato fisiológico do organismo
ralizado e, raramente, um outro particular (não grifo do A). para o desenvolvimento da mente (sistema nervoso central e córtex). É
Todo ato começa na forma de um "Eu" e geralmente termina na através dele que a gênese das mentes e dos selves se torna biologicamente
forma de um "Mim". Porque o "Eu" representa a iniciação do possível em indivíduos humanos através dos processos sociais de experiên-
ato antes dele cair sob o controle das definições e expectativas dos cia e comportamentos, dentro de uma matriz de relações sociais e intera-
outros (Mim). O "Eu", pois, o dá propulsão, enquanto o "Mim" ções. O cérebro é necessário para a emergência da mente, mas ele sozinho
dá direção ao ato. O comportamento humano, então, pode ser não faz a mente. É a sociedade-interação social que, usando os cérebros,
visto como uma série perpétua de iniciações de atos pelo "Eu" forma a mente. O comportamento humano inteligente é "essencialmente
e de ações retroativas sobre o ato (isto é, direcionarnento do ato) e fundamentalmente social" (TROYER, 1972: 324 - T. do A.).
l6
pelo "Mim". O ato é a resultante desta interação (T. doA). Como um self pode surgir somente em uma sociedade onde
A formação do self, assim como o ato humano, tem uma fun- haja comunicação, da mesma forma a mente só pode emer-
damentação social. Entretanto, nem o self nem o ato social são estáticos. gir em um self ou personalidade dentro da qual esta conver-
Eles evoluem ou se modificam de acordo com as mudanças nos padrões sação de atitudes ou participação social toma lugar. É esta
conversação, esta interação simbólica, interposta como uma
e nos conteúdos das interações que o indivíduo experiencia, não só com
os outros, como consigo mesmo. Por que o indivíduo poss~i um parte integral do ato, que constitui a mente (MEAD, 1936:
seif, é capaz de ter uma vida mental: ele pode fazer indicaç~s para SI pró- 384-385, citado por TROYER, 1972: 324 - T. do A.).
pno _ o que constitui a própria mente. Por que ele pOSSUi uma mente, A mente é concebida por Mead como um processo que se mani-
festa sempre que o indivíduo interage consigo próprio usando símbolos
significantes. Esta significância ou sentido é também social em origem,
16. Meltzer (1972: 11, nota 3) discute a aparente semelhança existente entre os conceitos
do "Eu" e do "Mim", de Mead, e aqueles do "ID", "EGO" e "Superego" de Freud. Ele
afirma que, enquanto o Superego age de forma frustrante e repressiva sobre o "ID", o 17. Por considerarmos os aspectos propriamente fisiológicos da mente fora dos propósitos
"MIM" proporciona a direção necessária e, muitas vezes, gratificante aos Impulsos desor- da presente discussão, não nos referiremos a eles. Remetemos, entretanto, o leitor a Mead
(1936).
denados do "EU". Outras comparações menores são elaboradas.
30 31
..
de clareza e à ambiguidade de certos conceitos relacionados com a natureza
conforme já referimos anteriormente. Da mesma forma a mente é social dos "impulsos"; falta de consistência no uso dos conceitos de "sentido"
tanto em sua origem como em sua função, pois ela surge do processo e "mente"; ambiguidade nos conceitos de "Eu" e "Mim", assim como de
social de comunicação. Dentro deste processo, o organismo seleciona self, simplificação no uso do conceito de "outro generalizado"18.,ouso lm- "
aqueles estímulos que são relevantes para suas necessidades, rejeitando preciso dos conceitos de "obieto"
"J e "imagem" , e , finalment e, a am b""
19u1-
outros que considera irrelevantes. Todo comportamento implica em uma dade no uso dos conceitos de "atitude", "gesto" e "símbolo" ao tratar do
percepção seletiva de situações. A percepção não pode, assim, ser conce-
comportamento infra-humano. Outra parte da crítica de Meltzer se dirige
bida como uma mera impressão de alguma coisa do exterior no sistema
às omissões da teoria de Mead: falta de poder explicativo por negligenciar
do indivíduo. o " porqueA" da con duta e restringir-se ao "como"; sua missão quanto ao
Por outro lado, o ser animal vive em um mundo de "objetos"
papel dos elementos efetivos no surgimento do self e da interação sociaP9:
que constituem seu ambiente circundante. Entretanto, o ser humano,
omissão, também, quanto à natureza (ou até eXl"steAncl"a) d" "
o mconSCiente
diferentemente do animal irracional, é capaz de "formar" seus próprios
ou subconsciente e dos mecanismos de ajustamento. Finalmente, Meltzer
"objetos", ou seja, através de sua atividade ele estabelece seu ambiente e
chama a atenção para a ausência de uma proposta metodológica na obra
os objetos sociais que dele fazem parte. O "objeto" é destacado pela men-
de Mead - o que será retomado por Blumer e discutido mais adiante - e
te através da percepção, possibilitando ao indivíduo planejar suas ações.
da falta de evidência sistemática para seus posicionamentos.
A atividade mental necessariamente envolve sentidos que são atribuídos
Quanto às contribuições, Meltzer (1969: 21-22) relaciona a in-
aos objetos, definindo-os. "O sentido de um objeto ou evento é simples-
flu~ncia de Mead na sociologia sobre Cooley, Thomas, Park, Burgess, E.
mente uma imagem do padrão de ação que define o objeto ou o evento"
Fans e Blumer, além de outros na área da psicologia sociapo; sua ênfase
(MELTZER, 1972: 18). nos aspectos encobertos, subjetivos do comportamento; sua crença de
Finalmente, depois da apresentação sumária e, certamente, sim-
~ue o comportamento humano é comportamento em termos do que as
plificada do pensamento de George Herbert Mead, pretendemos ter
slt~ações simbolizam e de que a mente e o self são sociais ao invés de bio-
mostrado a vinculação e a unidade orgânica existentes entre os principais
logt.camente dados; a importância que ele aloca à linguagem como me-
conceitos do autor, tais como a interação simbólica, a assunção de papéis,
camsmo ~e emergência da mente e do self; sua definição de self como um
o sentido, o self e a mente que caracterizam o ato humano. agente atlvo; sua concepção de "ato" enfatizando a tendência dos indiví-
duos de construir seu comportamento no curso da atividade e descobrir
2.4. Considerações críticas ~s ~bjetos e seu ambiente circundante; sua discussão da maneira como os
A obra de Mead, embora original e coerente, apresenta algumas
md~víduos constroem seu mundo comum; e, finalmente, a forma como
deficiências e incompletudes, fruto da forma como o autor elaborou seu e.le dumina o caráter da interação social, concebendo-a como o compar-
pensamento e da não intencionalidade de publicação de seus escritos na tdhar
, de comp ortamentos, ao mves " ' de ve-
A Ios como resposta passiva a um
época. Conforme já referido anteriormente, eles representavam, na sua estímulo externo.
maioria, apontamentos fragmentários e esquemas das aulas ou palestras
que ministrava e que foram selecionadas e editadas postumamente sem 18. Limitação
"d re me d"lad a, h" 0Je, pelos trabalhos sobre "grupo de referência" que criaram o
muita preocupação quanto à organização, justificando-se, assim, as repe- co
do"ncelto ""fi!Cantes " , aclarando a concepção de Mead de "outro generaliza-
e "outros Slgnl
(MET'T'
tições e as ideias mal-acabadas ou vagas. Meltzer (1972: 18-21) empre- LIZER, 1969: 20)"
ende uma avaliação crítica detalhada, dentro da perspectiva da psicologia 19. Problema superado por Cooley"
20 L" d "
social, do pensamento de Mead, especialmente no que diz respeito àfalta
~14;'h; ~n~'~1 T. No::omb, W con~~~JM
32 "T-lCH /U13(;
Muitas das críticas, acima referidas brevemente, têm como re- fundamental ao sentido que as coisas têm para o comportamento humano.
ferencial a psicologia social, perdendo, pois, seu impacto dentro de uma Ignorar isto sigrtifica "falsificar o comportamento em estudo" (BLUMER,
avaliação propriamente sociológica. Desta forma, não podemos perder de 1969: 3). Por outro lado, o interacionismo simbólico também se diferen-
vista que os insights de Mead foram de uma importância fu~damen~l. :~ra cia de outras abordagens quando concebe o sentido como emergindo do
o desmembramento do interacionismo simbólico em teonas SubsIdIanas processo de interação entre as pessoas, ao invés de percebê-lo seja como
tais como, entre outras 21 , o dramaturgismo de Goffman e a etnometodologia algo intrínseco ao ser, seja como uma expressão dos elementos consti-
de Harold Garfinkel que discutiremos mais adiante. tuintes da psique, da mente, ou de organização psicológica.
A utilização de sentidos, entretanto, envolve um processo inter-
2.5. A natureza da interação simbólica pretativo que acontece em duas etapas. Primeiramente o ato r indica a
Apesar da relevância dos estudos clássicos acima referidos, além si mesmo as coisas em direção das quais ele está agindo; ele aponta a si
de outros, eles não exibem uma sistemática capaz de representar com mesmo as coisas que têm sentido. Isto representa um processo social in-
clareza os pressupostos básicos da abordagem interacionista. Coube.a ternalizado no qual o ato r interage consigo mesmo de uma maneira bem
Herbert Blumer fazê-lo através de seus escritos iniciados em 1937, CUJa diversa daquela na qual interagem os elementos psicológicos - represen-
maioria está reproduzida em sua mais importante publicação, Symbolic tando a instância da pessoa engajada em um processo de comunicação
Interactionism, Perspective and Method (New Jersey: Prentice-Hall, Inc. / consigo mesma. Em seguida, em virtude deste processo, a interpreta-
Englewood Cliffs, 1969). . ção passa a significar a forma de manipulação de sentidos, ou seja, o ator
Blumer apresenta e discute os mais importantes aspectos da m- seleciona, checa, suspende, reagrupa e transforma os sentidos à luz da
teração simbólica tentando ser fiel ao pensamento de Mead, abordando situação na qual ele está colocado e da direção de sua ação. A interpreta-
sobretudo a natureza da interação simbólica, a natureza da sociedade e da ção é, pois, um processo formativo, e não uma aplicação sistemática de
vida em grupo, a natureza dos objetos, da ação humana e a ação conjun~a. sentidos já estabelecidos.
Vejamos seus pontos básicos. De acordo com este autor, são três premIS- Ao fundar-se nestas premissas, a interação simbólica é levada ne-
I
I sas básicas do interacionismo simbólico: cessariamente a desenvolver um esquema analítico da sociedade humana
I
, I
1. O ser humano age com relação às coisas na base dos sentidos que elas e da conduta humana que envolve certas ideias básicas 22 relacionadas com
têm para ele. Estas coisas incluem todos os objetos nsicos, outros seres a natureza das seguintes matérias: grupos humanos ou sociedades, inte-
humanos, categorias de seres humanos (amigos ou inimigos), institui- ração social, objetos, o ser humano como ato r, a ação humana e as inter-
ções, ideias valorizadas (honestidade), atividades dos outros e outras situ- conexões entre as linhas de ação. Em uma visão de conjunto estas ideias
ações que o indivíduo encontra na sua vida cotidiana. representam a forma como o interacionismo simbólico vê a sociedade
2. O sentido destas coisas é derivado, ou surge, da interação social que humana e a conduta.
alguém estabelece com seus companheiros. A sociedade humana ou a vida humana em grupo é vista como
3. Estes sentidos são manipulados e modificados através de um processo inter- consistindo de pessoas que interagem, ou seja, pessoas em ação que de-
pretativo usado pela pessoa ao tratar as coisas que ela encontra (grifo do A). senvolvem atividades diferenciadas que as colocam em diferentes situa-
Ao contrário das posturas encontradas em muitas abordagens das ções. O princípio fundamental é que os grupos humanos, assim como a
ciências psicológicas, o interacionismo simbólico aloca uma importância sociedade, "existem em ação" e devem ser vistos em termos de ação. É
21. Outras vertentes do interacionismo simbólico podem ser identificadas nos trabalhO'>
22 . Ou root Images,
. como prefere Blumer (1969: 6).
sobre "teoria do papel", "grupos de referência" e "teoria do self"·
34 35
a si mesmo, ou seja, o ser humano pode ser um objeto de suas próprias
através deste processo de constante atividade que estruturas e orgamza-
ações. Como outros objetos, o self surge do processo de interação social
ções são estabelecidas. Logo, a vida do grupo necessariamente pressup.õe
no qual outras pessoas estão definindo alguém para si mesmo. A fim de
a interação entre os membros do grupo ou, em outros termos, a SOCle-
tornar-se um objeto para si mesma a pessoa deve ver-se a si mesma "de fo-
dade consiste de indivíduos interagindo uns com os outros, e cujas ativi-
ra", ou seja, colocando-se no lugar ou no papel dos outros e vendo a si
dades ocorrem predominantemente em resposta de um a outro, ou em
própria ou agindo para si mesma daquela posição. Consequentemente,
relação de um a outro. Torna-se, pois, evidente que a interação não pode
nós vemos a nós mesmos através da forma como os outros nos veem
ser tratada _ embora admitida - meramente como um meio através do
ou nos definem.
qual as determinações do comportamento passam a produzir o próprio
O ser humano difere do animal porque ele é capaz de fazer "in-
comportament023 . dicações" para si mesmo. Isto significa que, ao confrontar o mundo de
Tomando um outro aspecto do pensamento de Mead, Blumer
objetos que o rodeia, ele deve "interpretá-lo" a fim de agir, construindo
discute a necessidade das partes interagentes "assumirem o papel do ou-
um "guia de ação" à luz desta interpretação e não somente "responder" aos
tro", a fim de que as indicações dirigidas à(s) outra(s) parte(s) sejam feitas
fatores que sobre ele atuam. A ação da parte do ser humano "consiste em
a partir do ponto de vista desta outra parte, de modo que sua intenção seja
tomar em consideração as várias coisas que ele nota, construindo uma li-
percebida. A mútua assunção de papéis é uma condição sine qua non da
nha de conduta na base de como ele as interpreta" (BLUMER, 1969: 15).
comunicação e da interação efetiva de símbolos. Quando uma pessoa faz
A perspectiva interacionista, pois, está em completo desacordo
indicações a outra, ela o faz indicando objetos significativos para ela, que
fazem parte de seu "mundo". Um objeto é visto, então, como qualquer com certas visões dominantes, tanto na psicologia como nas ciências so-
ciais que ignoram o processo de autointeração, através do qual o indi-
coisa que pode ser indicada ou referida.
O sentido dos objetos para uma pessoa surge fundamentalmente víduo manipula o seu mundo e constrói sua ação. Ao contrário, estas
da maneira como eles lhe são definidos por outras pessoas que com ela visões concebem a ação como originando-se de ou combinando-se com
interagem, consistindo o meio circundante de qualquer pessoa, unicamen- (motivos, atitudes, complexos inconscientes, configuração de estímulos,
te dos objetos que esta pessoa reconhece. Assim, para que se compreenda demandas de status ou de situação, etc.). Sumariando o processo de for-
a ação das pessoas, é necessário que se identifique seu mundo de objetos. mação da ação, Blumer (1969: 16) enfatiza:
Os objetos _ em termos de seus sentidos - são criações sociais, ou seja, são Nós devemos reconhecer que as atividades dos seres hu-
formados a partir do processo de definição e interpretação através da manos consistem no enfrentamento de uma sequência
interação humana. A vida de um grupo humano dentro da perspecti- de situações nas quais eles devem agir, e que suas ações são
va interacionista representa um vasto processo de formação, sustentação construídas à base do que eles notam, de como eles avaliam
e transformação de objetos, na medida em que seus sentidos se modifi- e interpretam o que eles notam, e do tipo de linhas de ação
38
&1
empírico. Esta concepção de metodologia implica em tr~s i~portant~s a busca de dados, a tentativa de relacioná-los, assim como a interpretaião dos
pontos: 1) a metodologia compreende a inteira busca cIentIfica e nao resultados.
apenas alguns aspectos selecionados desta busca; 2) cada par~e da busca Com referência ao segundo aspecto de sua concepção de meto-
científica, assim como o ato científico completo em si, deve ajustar-se ao dologia - de que cada parte da busca científica, assim como do ato cien-
caráter persistente do mundo empírico sob estudo; logo, os métodos de tífico como um todo, deve moldar-se ao caráter persistente do mundo
estudo estão subservientes a este mundo e devem ser testados por ele; 3) empírico sob estudo e de que, consequentemente, os métodos de estu-
o mundo empírico sob estudo, e não os modelos da investigação cientí- do devem submeter-se a este mundo devendo também ser testados por
fica, provê a última e decisiva resposta a este teste (BL~MER., 196~: 24). ele -, Blumer critica a metodologia convencional por utilizar meios de
Percebe-se que esta concepção de metodologIa se dIstancIa da- estabelecer a validade empírica de certos estudos através de esquemas
quelas comumente usadas pelas escolas quantitat~vis.tas para quem a me- inadequados para captar o caráter específico do objeto de estudo. Estes
todologia se resume na discussão de métodos e tecmcas. . . meios seriam: a) a aceitação do protocolo científico; b) o desenvolvimen-
Blumer (1969: 24-26) identifica os 6 pontos maIS Importantes to de estudos baseados em réplicas; c) a crença no teste de hipóteses; d)
da investigação científica que são indispensáveis à ciência empírica e que o emprego de procedimentos operacionais. A utilização deste processo,
merecem ser conhecidas na sua inteireza: diz ele, não oferece qualquer segurança de que as premissas, os dados, as
a) A possessão e o uso de uma visão prévia ou esquema do mundo e~ relações, os conceitos e as interpretações sejam empiricamente válidos.
pírico sob estudo. Representa um pré-requisito inevitável,já que é est~ vtsa.o Estes procedimentos mostram, a priori, que as premissas estabelecidas so-
que orientará aformulaião de problemas, a escolha dos tipos de dados, e a tdentl- bre a natureza do mundo empírico realmente o refletem, sem que um
ficai ão das premissas que caracterizam o mundo em estudo. _ exame acurado destas premissas seja empreendido. A tarefa do estudo
b) A elaboração de questões do mundo empírico e a conversao das científico, ao contrário, deveria se limitar a "levantar o véu" que cobre a
questões em problemas. Este é o passo que caracteriza propriamente o ato da área ou a vida do grupo que alguém se propõe a estudar. Isto só pode ser
investigaião , pois são os tipos de questões e os tipos de problemas colocados que efetuado mediante uma aproximação com a área e de uma "escavação"
nortearão o desenrolar da pesquisa. profunda através de um estudo cuidadoso. Esquemas metodológicos, que
c) A determinação dos dados a serem coletados e os meios que serão encorajam ou permitem aquele tipo de procedimento, traem o princípio
utilizados para fazê-los. É óbvio que é o problema que diftne o tipo de dados cardeal de respeito à natureza do mundo empírico.
a serem coletados, e que os meios usados dependem da natureza dos dados. Blumer (1969: 40) tenta fundamentar sua opinião perguntando:
d) A determinação das relações entre os dados. Pode-se chegar a isto seja Como pode alguém aproximar-se da área e escavá-la? Isto
através de um processo de niflexão acurada sobre as conexões existentes entre os não é uma questão simples de aproximar-se de determinada
vários tipos de dados, seja através de procedimentos estatísticos mecânicos como a área e olhar para ela. É um trabalho exaustivo que requer
análise de fator ou um esquema de correlaião . uma ordem elevada de (probing) tentativa cuidadosa e ho-
e) A interpretação dos resultados. É nesta fase final que o pesquisador ex- nesta, imaginação criativa e disciplinada, recursos e flexi-
trapola o âmbito dos resultados empíricos propriamente ditos e se debruia sobre bilidade no estudo, uma ponderação dos resultados e uma
o riferencial teórico ou sobre concepções que transcendem o âmbito de um estudo. constante disposição para testar e reorganizar as visões e
atentando para ofato de que se o riferencial teórico for falso ou não comprovado. imagens da área.
suas interpretações também o serão. Este processo não é específico das ciências sociais, mas também
f) O uso de conceitos. Os conceitos são fundamentais para o ato de investigação
das ciências naturais, como atestam os trabalhos de Darwin. Suas partes
e devem ser diftnidos a partir da colocação dos problemas. São eles que guiarão
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Até o momento, tratamos das subteorias que exibem limi-
acreditar que a realidade social não pode ser percebida através de "con- tes muito ambíguos. O mesmo é certamente verdadeiro
ceitos definitivos", mas sim através de "conceitos sensibilizantes" que são sobre a teoria do selJ com a qual tenho identificado minhas
mais capazes de expressar o caráter processual da realidade. próprias pesquisas. Era minha intenção em 1946 ou 1947
Nos dizeres de Meltzer e Petras (1972: 49): empregar um termo que não divergisse muito de um ponto
Enquanto a imagem de Blumer sobre o homem levou-o a
de vista emergente das ideias mais ou menos ortodoxas da
uma metodologia particular, as predileções metodológicas
interação simbólica e pudesse, por outro lado, possibilitar
de Kuhn levaram-no a uma imagem particular do homem.
uma distinção entre um corpo de orientação conjectural e
Estas diferentes perspectivas nos encaminham para a segunda
dedutivo como representado por Cooley, Dewey e Mead - e
diferença entre as duas escolas. Trata-se da questão sobre a natureza do
um conjunto de generalizações derivado, mas em desen-
comportamento humano em termos de liberdade ou determinação, ou,
volvimento, testado pela pesquisa empírica. Achei, mais ou
em outras palavras, sobre a questão: é o comportamento humano de-
menos na mesma época, que Carl Rogers havia denomina-
terminado ou indeterminado? Obviamente, a compreensão de Blumer
do suas noções na clássica psicológica como teoria do selJ
a respeito do caráter processual da interação leva-o a conceber este com-
tratando as várias discrepâncias entre o selJ real ou percebido
portamento como imprevisível e indeterminado. Em contraste, a Escola
e o selJideal. Desde então, o termo tem sido usado de forma
de Iowa rejeita não só o indeterminismo da conduta humana como a
variada, muitas vezes como nome guarda-chuva, para co-
explicação da inovação social baseada nos elementos emergentes e criati-
vos da ação humana. Consequentemente, o comportamento é visto como brir várias ou todas as subteorias consideradas aqui. , !
determinado pelas definições do autor, inclusive suas autodefinições que, O trabalho empreendido pelos estudiosos da interação sim- .1.\,
I
por sua vez, podem ser previstas na base das expectativas internalizadas. bólica na Universidade Estadual de Iowa seguiu em muitos
A terceira divergência diz respeito ao aspecto mais amplo da con- aspectos as proposições programáticas do sumário monográ-
cepção do self e a da sociedade, como processo ou como estrutura. Aqui fico em psicologia social dos anos 30 por Leonard CottreU
também é evidente a predileção de Blumer pela concepção dinâmica tan- e Ruth GaUaglier e do discurso presidencial de CottreU na
to do self como da sociedade, enquanto que, para Kuhn, os dois represen- Sociedade Americana de Sociologia; isto é, tem havido uma
tam estruturas cujos padrões são estáveis e previsíveis. atenção considerável com relação ao "selJ em si", e ao "role
Finalmente, Blumer e Kuhn diferem quanto aos níveis da intera- taking" (tomar o papel do outro) (p. 65-66).
ção humana. Blumer, fiel a Mead, admite a existência da interação simbó- No mesmo artigo, Kuhn critica o modelo dramatúrgico de
lica, característica dos humanos e da interação não simbólica, ou "conversa- Goffman por não permitir "generalizações testáveis" (p. 67).
ção de gestos", de caráter essencialmente baseado em estímulo-resposta, Pelo exposto até o presente, é evidente a existência de uma zona
característica tanto dos infra-humanos como dos humanos. A Escola de de interação significativa entre os trabalhos desenvolvidos sob a ótica da
Iowa ignora este último tipo de interação, tratando apenas dos aspectos psicologia social e aquela do interacionismo simbólico, especialmente
cognitivos e não afetivos do comportamento humano. aquelas que tratam da formação do self, dos papéis sociais, da linguagem
Reconhecendo a magnitude destas divergências, Kuhn decide dar e, até certo ponto, dos grupos de referência. Percebe-se assim a fluidez e
um outro nome à sua orientação, no sentido de distingui-lo do interacio- a artificialidade dos limites entre certas disciplinas ou áreas de conheci-
nismo simbólico, passando a chamá-lo de "teoria do self"· Ao analisar as mento, ao mesmo tempo em que se é chamado a refletir sobre a neces-
principais tendências do interacionismo simbólico, Kuhn (1972: 57-76) sidade de evitar certos chavões na sociologia como "psicologismo" ou
esclarece:
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"reducionismo psicológico" ao se tratar do comportamento humano ou
ação social que não pode prescindir do aparato psicológico do ser huma- 2.
no e, como tal, deve ser levado em consideração. A etnometodología
1. origem e objeto
O termo etnometodologia foi cunhado por Harold Garfinkel
na década de quarenta quando empreendia um estudo sobre ')urados" na
Universidade de Chicago. Durante dois anos ele e Saul Mendlowitz
examinaram o material coletado sobre "o que os jurados sabiam sobre o
que eles estavam fazendo quando executavam seu trabalho de jurados"
(GARFINKEL, 1974: 16). A forma como estes descreviam suas ativida-
eles levava a crer que eles as definiam não em termos de "senso comum",
tampouco, em termos de "ciência", mas como algo ambíguo entre os
dois. Eles se preocupavam com a descrição "adequada" e em prover evi-
dência "adequada" para suas decisões; queriam desenvolver um trabalho
honesto, desejavam agir dentro da lei, serem legais; por outro lado, ti-
nham dificuldade de definir o que significa "ser legal". É certo que eles se
submetiam a uma metodologia peculiar que dificilmente se enquadrava
nos parâmetros definidos para a ciência convencional.
Ao descobrir a existência de termos como etnobotânica, etnofi-
siologia e etnofísica, Garfinkel entendeu que "etno" referia-se de alguma
forma à maneira como um membro de uma comunidade baseada em
conhecimentos de senso comum desenvolve estes conhecimentos sobre
seu mundo circundante. Seria a maneira peculiar de buscar, de dissecar,
de sentir, de ver, finalmente, certa realidade, porém, não somente ver,
mas "ver-relatando", porque a fala é uma parte constituinte do mesmo
ambiente sobre o qual se fala. A etnometodologia referir-se-ia, pois, a
"um estudo sobre a organização do conhecimento de um membro sobre
suas atividades ordinárias; sobre seu próprio empreendimento organiza-
do, onde o conhecimento é tratado por nós como parte do mesmo am-
biente que ele também organiza" (p. 18).
Naquele momento, etnometodologia significava mais um objeto
de estudo que um aparato científico. Entretanto, com os estudos desen-
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