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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Inst. de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional


Departamento de História
Disciplina: Métodos e Técnicas de Pesquisa em História
Código: CHT00199
Número de Créditos: 04
Carga horária: 60 horas/aula
Período: 2º Semestre de 2023
Prof. Leonardo Soares dos Santos

UNIDADE II

A CONTRIBUIÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS CLÁSSICAS


(KARL MARX)
INTRODUÇÃO

Um primeiro ensinamento de K. Marx em termos de Método é que o plano


metodológico está intimamente ligado ao plano da teoria. Segundo Christiane Pimentel
Silva, partindo das ponderações de José Paulo Netto, Marx

“inaugura uma nova abordagem metodológica, segundo, porque


assume determinada posição do pesquisador em relação ao
objeto, numa indissociável correspondência entre a elaboração
teórica e a formulação metodológica. Ou seja, o método
marxiano não possui forma autônoma em face da teoria, como
depreende-se a partir de Marx”.

Esta concepção da história repousa, portanto, sobre o seguinte:


desenvolver o processo efetivo de produção partindo da
produção material da vida imediata e tomar como base de toda
história a forma de intercâmbio ligada com este modo de
produção e engendrada por ele, logo a sociedade civil em seus
diversos estágios, e tanto apresentá-la em sua ação como Estado
quanto explicar a partir dela o conjunto das diversas produções
teóricas e formas da consciência, religião, filosofia moral, etc., e
seguir o seu processo de surgimento a partir dessas produções,
onde naturalmente também se poderá apresentar a coisa em sua
totalidade (e por isso também a ação destes diversos aspectos
uns sobre os outros).

Em Marx, a questão do método está diretamente ligada a sua atuação militante. Não
apenas o método como a questão teórica são inexplicáveis sem ter em conta os debates
que travava na dimensão política. Portanto, os conceitos e formulações dele devem
exaustivamente contextualizados. Faz-se necessário ter em conta detalhes de sua
trajetória pessoal.
Uma outra questão fundamental é reconhecer as influências exercidas em Marx pela
escola histórica de Friedrich Carl Von Savigny, que marcaram fundo a sua formação
durante sua passagem pelo curso de Direito na juventude.

OBJETIVOS PARTICULARES DA UNIDADE

Pontos fundamentais a serem:

 Analisar a concepção de vida material de Marx.


 Observar como Marx entendia a relação entre teoria/conceito e realidade
concreta.
 Apreender a noção de Método em Marx.
 Analisar o papel do contextualização na compreensão dos conceitos.

NOTAS DE LEITURA

Dois dos principais aspectos do método marxiano aparecem nos dois textos
selecionados como base do debate: “Teses sobre Feuerbach” e “O Método da Economia
Política”.

O primeiro é a íntima relação entre conhecimento/teoria e realidade social. Esse ponto


aparece muito bem ilustrado nesse trecho das “Teses”:

Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato,


apela ao conhecimento sensível [sinnliche Anschauung];
mas, não toma o mundo sensível como atividade humana
sensível prática.

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Feuerbach resolve a essência religiosa na essência
humana. Mas, a essência humana não é uma abstração
inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o
conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não entra
na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a
abstrair do processo histórico e fixar o sentimento
[Gemüt] religioso por si e a pressupor um indivíduo
abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso,
a essência humana só pode ser tomada como "espécie",
como generalidade interior, muda, que liga apenas
naturalmente os muitos indivíduos.

Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento


religioso" é um produto social e que o indivíduo abstrato
que analisa pertence na realidade a uma determinada
forma de sociedade.

A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios


que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua
solução racional na práxis humana e no compreender
desta práxis.

A segunda faz parte de postura crucial nas análises de Marx: a forma como ele opera os
conceitos. Eles fazem parte da análise, são desenvolvidos junto a ela, estão presentes no
início e no fim da investigação. Fazem parte inclusive da argumentação. Em Marx, os
conceitos não prepara uma pesquisa, eles caminham juntos. O trecho inicial do
“Método” é didático:
Ao considerar a economia política de um dado país,
começamos por sua população, sua divisão em classes,
distribuída pela cidade, campo e mar; os diversos ramos
da produção, a exportação e a importação, a produção
anual e o consumo anual, os preços das mercadorias etc.
É que parece correto começar pelo real e pelo concreto,
pela pressuposição efetivamente real e, assim, em
economia, por exemplo, pela população: fundamento e
sujeito do ato todo da produção social. A uma
consideração mais precisa, contudo, isto se revela falso. A
população, por exemplo, se omito as classes que a
constituem, é uma mera abstração. Estas últimas, por sua
vez, são uma expressão vazia se não conheço os
elementos sobre que repousam, a saber, o trabalho
assalariado, o capital etc. E esses pressupõem a troca, a
divisão do trabalho, os preços etc., de sorte que o capital,
por exemplo, nada é, sem o valor, o dinheiro, o preço etc.
Se começasse pela população, haveria de início uma
representação caótica do todo, e só através de
determinação mais precisa eu chegaria analiticamente,
cada vez mais, a conceitos mais simples. Partindo do
concreto representado, chegaria a abstratos sempre mais
tênues, até alcançar, por fim, as determinações mais
simples. Dali, a viagem recomeçaria pelo caminho de
volta, até que reencontrasse finalmente a população, não
já como a representação caótica de um todo, e sim como
uma rica totalidade de muitas determinações e relações.
O primeiro caminho é aquele que a Economia percorreu
em sua gênese histórica. Exemplo: os economistas do
século XVII que sempre começam por um todo vivo –
população, nação, Estado, vários estados etc. –, mas
sempre terminam por algumas relações gerais, abstratas,
determinantes – divisão do trabalho, dinheiro, valor etc. –
que eles descobriram por análise. Tão logo esses aspectos
individuais isolados achavam-se mais ou menos
abstraídos e fixados, os sistemas econômicos começavam
a elevar-se a partir dos elementos simples – o trabalho, a
divisão do trabalho, as necessidades, o valor de troca, até
o Estado, o intercâmbio entre as nações e o mercado
mundial. É manifesto que este último caminho é o método
cientificamente correto. O concreto é concreto por ser
uma síntese de muitas determinações, logo, uma unidade
do múltiplo. Eis a razão por que aparece no pensamento
como processo de concentração (síntese), como um
resultado e não como um ponto de partida, embora ele
seja o ponto de partida efetivamente real e, assim,
também, o ponto de partida da intuição e da
representação. No primeiro caminho, toda a
representação se desvanece em determinação abstrata, ao
passo que, no segundo, as determinações abstratas
conduzem à reprodução do concreto no plano do
pensamento.

QUESTÕES SUGERIDAS

 Defina o conceito de práxis?


 O que Marx queria dizer com “concreto pensado”?
 Qual a opinião de Marx sobre a “doutrina materialista”?
 O que era para ele a Dialética?
 Analisar a relação entre realidade concreta e ideal na visão de Marx.
 O que era mais determinante para Marx: a matéria ou as idéias?
 Qual o papel dos conceitos no trabalho de investigação histórica para Marx?
 Qual a relação entre conceitos e realidade material?

LEITURAS SUGERIDAS

Carlos Marx, El Capital, Libro III, Volumen VI, Capítulo III, Ed. Siglo XXI, México,
CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo,
2009.

COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. 2. ed. São Paulo:


Expressão Popular, 2010.

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2. ed., 6. reimpr. Tradução Célia Neves e


Alderico Toríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

LUKÁCS, Georg. Introdução a uma estética marxista. 2. ed. Tradução Carlos Nelson
Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

______. Marxismo e teoria da literatura. Tradução Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. São
Paulo: Expressão Popular, 2010.

MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. Tradução Carlos Eduardo Silveira Matos,


Regis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
(Os economistas).

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Tradução Florestan


Fernandes. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

______. Glosas marginales al “Tratado de economía política” de Adolph Wagner. In:


DOBB, Maurice et al. Estudios sobre El Capital. Tradução José Aricó, Ofelia Castillo,
Juan José Real. 2. ed. Madri: Siglo Veintiuno, 1976. p. 169-184.

______. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução Jesus Ranieri. São Paulo:


Boitempo, 2009.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. In: FERNANDES, Florestan


(Org.). Marx e Engels: história. 3. ed. São Paulo: Ática, 1989a. p. 182-214. (Coleção
Grandes Cientistas Sociais 36).

______. O método da economia política. In: FERNANDES, Florestan (Orgs.). Marx e


Engels: história. 3. ed. São Paulo: Ática, 1989b. p. 409-417. (Coleção Grandes
Cientistas Sociais 36).

NETTO, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.
SANTANA, Joana V.; FERREIRA, Benedito de Jesus P. Teoria social e compreensão
da realidade social para uma práxis revolucionária. Textos e Contextos, Porto Alegre, v.
15, n. 2, p. 275-292, ago./dez. 2016.

WOOD, Ellen M. O que é a agenda “pós-moderna”? In: WOOD, Ellen M.; FOSTER,
John Bellamy (Orgs.). Em defesa da história: marxismo e pós-modernismo. Tradução
Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 7-22.

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