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1.5. O empoderamento como uma técnica que se aprende em cursos (ou a pedagogização e a tecnicização do
empoderamento)
A generalização do uso do conceito e da abordagem veio acompanhada com uma redução da prática social e política do
empoderamento a questões técnicas e instrumentais. Isto é, o empoderamento passou a ser considerado principalmente como
uma técnica que compreende metodologias específicas e menos como um complexo processo social e político.
Esta redução, ou tecnicização do empoderamento, veio a solucionar o problema de sua difusão. Na grande maioria dos
projetos e programas propiciados pelos bancos e agências de desenvolvimento multilaterais e bilaterais, governos e ONGs, a
componente capacitação é uma das principais. Proliferaram cursos de capacitação ministrados por consultores, agora enquanto
especialistas em metodologias participativas de empoderamento. O empoderamento passou a ser ensinado em salas de aula, em
detrimento da troca de experiências e da construção de respostas conjuntas em face de situações de dominação específicas. Isto
é, se supervalorizaram os efeitos políticos da ação pedagógica em detrimento dos efeitos pedagógicos da ação política.
1.6. A superpolitização e a atomização do empoderamento
Finalmente, gostaríamos de levantar dois riscos, opostos, que se apresentam na generalização e uso da abordagem do
empoderamento. Os riscos da superpolitização e da atomização.
Por um lado, as teorias mais antigas de empoderamento têm ignorado, e até negado, o elemento individual desse
processo, acreditando que o foco na autonomia individual implicaria na atomização e na negação dos interesses e interações de
grupo (Sen, G.: 1997). Ante esse perigo, se recomendava que a ênfase no trabalho fosse colocada nos grupos e suas
organizações.
Esta visão do empoderamento como um processo que diz respeito, basicamente, às relações de poder entre grupos
sociais e organizações veio ao encontro da orfandade paradigmática e política criada no final do século com a crise do
marxismo e o fracasso do socialismo real e das revoluções nacionais-populares. Para um grande número de intelectuais, de
agentes de desenvolvimento e de organizações populares, ou de esquerda, o discurso e a prática do empoderamento passaram a
ser uma nova esperança na construção da revolução socialista ou antiimperialista.
Esta legítima expectativa de mudança, porém, introduziu no trabalho de combate à pobreza através do empoderamento
o risco de sua superpolitização. Este risco implica na redução do empoderamento a um tipo de ação coletiva. Isto é, quando só
dizem respeito ao trabalho de empoderamento as práticas e discursos políticos contestatórios, que tenham nas organizações ou
movimentos seus atores quase exclusivos.
Num pólo oposto, as propostas de empoderamento vêm sofrendo a influência das tentativas de despolitização,
fragmentação e atomização das situações de dominação, propiciadas pelo avanço do neoliberalismo, das teorias que vaticinam
o fim das ideologias e da supervalorização da individualidade. Para enfrentar a dominação assim caracterizada, a lógica da
ação coletiva que se promove é aquela cuja racionalidade fica reduzida ao principio do interesse egoísta individual, excluindo
outros princípios fundamentais, como os de solidariedade e de valores compartilhados.
A identidade da pessoa, como um produto histórico, social e cultural, é secundarizada em função do interesse atomizado
do indivíduo, enquanto produto do mercado.
Em sua grande maioria, o empoderamento promovido pelos bancos e agências de desenvolvimento multilaterais e
bilaterais e pelos governos tem-se sustentado numa expectativa de ação racional dos atores centrada no interesse individual.
Esses interesses e preferências são vistos como propriedades dos indivíduos, não importando que seja produto da interação
grupal, da prática social e cultural. Invertem-se assim a expectativa e o caminho da mudança.
Passa-se a se investir prioritariamente na mudança dos indivíduos, ou no máximo, das instituições.
A mudança nos grupos e nas organizações seria, em última instância, um subproduto da agregação dessas mudanças
atomizadas individuais. Dá-se um descompasso entre a ênfase colocada no empoderamento individual e institucional, em
relação ao descaso no empoderamento grupal e das organizações.
Para concluir, cabe reafirmar que o questionamento da superpolitização não implica em negar que o empoderamento
através dos processos grupais pode vir a ser altamente efetivo tanto na mudança de estruturas que sustentam as situações de
dominação como nas mudanças em nível individual, em termos de maior controle sobre recursos externos ou de maior
autonomia e autoridade na tomada de decisões. Por sua vez, o questionamento da atomização não implica em desconhecer que
a mudança na consciência de dominação, ainda que catalisada em processos grupais, é profunda e intensamente pessoal e
individual. Nem também em negar a importância da autonomia individual através de lutar para fazer do pessoal algo político,
como, por exemplo, o vem promovendo e construindo o movimento de mulheres (Sen, G. 1997).
(4) As liberdades estão inter-relacionadas e podem se fortalecer umas às outras. As liberdades políticas ajudam a promover a segurança
econômica. As oportunidades sociais facilitam a participação econômica. As facilidades econômicas podem ajudar a gerar a abundância individual
além de recursos públicos para serviços sociais (Sen, 2001).
BIBLIOGRAFIA
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