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SEIXAS, C.S., FARINACI, J.S., ISLAS, C.A. (Orgs), em preparação.

Gestão de Recursos Naturais


de Uso Comum: Perspectivas Teóricas e Aplicadas. Proibido circulação fora da disciplina.

CAPÍTULO 15: ABORDAGENS SOBRE A GOVERNANÇA AMBIENTAL

Leopoldo Cavaleri Gerhardinger e Leandra R. Gonçalves

MENSAGENS-CHAVE

● O conceito de governança remete à diversidade de formas utilizadas pela sociedade


para pautar, nortear ou controlar as interações entre ser humano e natureza. A
governança é resultado de ações e interesses de uma grande diversidade de atores,
inclusive não-estatais.
● Diferentes correntes teóricas conceituam e operacionalizam as análises sobre a
governança de forma distinta, mas todas consideram as ações e instrumentos de
planejamento, manejo, gestão e políticas públicas como parte de um sistema de
governança.
● Avanços na governança ambiental requerem processos que envolvem atores
sociais na busca de consenso quanto à forma de enfrentar os problemas ambientais
que se multiplicam globalmente e no delineamento de ações com vista a
sustentabilidade, onde a participação descentralizada e corresponsável seja a
tônica do processo

INTRODUÇÃO
As crescentes e emergentes mudanças sociais, econômicas, tecnológicas, políticas e
ambientais que a nova Era do Antropoceno nos apresenta, desafiam a adaptação das atuais
estruturas tradicionais e usuais dos governos, bem como a criação de novas instituições. O
uso do termo “governança”, bastante discutido nas diversas áreas do conhecimento, busca
refletir sobre a diversidade de formas e ferramentas existentes para governar a sociedade. O
conceito de governança amplia o olhar para além do Governo, incorporando ações de uma
crescente diversidade de atores sociais não estatais, entre eles o setor privado, comunidades
locais e tradicionais e organizações da sociedade civil.
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Este capítulo irá apresentar as origens e as diferentes visões e conceitos da governança


e suas múltiplas dimensões, bem como seu emprego em pesquisas científicas voltadas à busca
por oportunidades e a resolução de problemas ligados aos recursos naturais de uso comum
(Veja capítulo 6). Não temos como ambição esgotar o tema, e nem mesmo criar e/ou
estabelecer um novo conceito de governança ambiental, mas sim apresentar e desenvolver os
conceitos e definições existentes, seus princípios e características, principais oportunidades
e desafios para implementação e formas práticas de aplicação. Assim, oferecemos um
panorama e pontos de entrada na literatura, para que o estudante possa escolher, de forma
consciente, a abordagem que melhor se ajuste à problematização do seu objeto de análise.
Deste modo, neste capítulo exploramos o conceito de governança reconhecendo i) a
multiplicidade de atores geralmente envolvidos no uso e conservação dos recursos naturais,
suas interdependências e objetivos compartilhados, ii) fronteiras fluidas entre público,
privado e esferas associativas, e iii) multiplicidade de formas de ação, intervenção e controle,
junto com um emaranhado de normas, regras e instituições. A governança emerge de um
processo que decorre da articulação entre os modos clássicos de autoridade e racionalidades
existentes no Estado (organização hierárquica) com aquelas características do setor privado
(direcionado pela competição do mercado) e da sociedade civil (caracterizado pela ação
voluntária, recíproca e solidária dos cidadãos em defesa dos bens comuns). A consolidação
de um discurso científico sobre governança pode ser notada particularmente na literatura das
ciências ambientais, que será o foco deste capítulo.

O conceito de Governança
A noção de que é possível conduzir e manobrar interações humanas é bastante antiga,
com suas raízes traçadas no pensamento de Platão:

“...as filosofias platônicas (A República, 360 A.C.) consideram o papel do estado em


‘manobrar’ assuntos humanos, a palavra ‘governança’ assim derivada do seu uso do verbo
Grego ‘manobrar’” (Jones et al., 2011; p. 1).

O conceito de governança trata sobre como deveríamos proceder ao “controlar”


sistemas humanos e sociais, econômicos, políticos e burocráticos. Como discutimos no
Capítulo 4, o argumento de que podemos controlar padrões da natureza humana e ambiental
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faz parte de um debate clássico nas ciências, que perdeu forças com o advento do
“pensamento sistêmico” na segunda metade do século XX. As décadas intermediárias do
século XX (1940-1960) são marcadas pelo desenvolvimento e crescimento econômico,
combinado com a industrialização e crescente globalização. Este período é o mais crítico
sinal da virada para o Antropoceno, também chamado de “A Grande Aceleração”. Se por um
lado é senso comum pensar que o ser humano pode controlar a natureza a partir da rotina dos
assuntos políticos governamentais; por outro lado alguns expoentes do pensamento científico
já apontavam os riscos e “patologias” que este comportamento significa para a própria
condição humana na Terra.
Nos anos 1970, a palavra “governança” ainda era frequentemente equiparada a
“governar”, e considerada quase como um sinônimo de controle social pelo governo
(atualmente seria considerado um tipo de governança monocêntrica). Com a irrupção do
modelo neoliberal na década de 1980, nota-se uma forte corrente que busca o enxugamento
do estado e aumento da privatização na sociedade. Hoje, a noção de governança como um
processo que engaja múltiplos atores e interesses já está bem estabelecida nas ciências
políticas e sociais. Assim, o termo é usado para indicar a existência de diferentes modos de
se governar, diferindo dos modelos de entendimento hierárquicos tradicionais, nos quais as
autoridades de estado exercem controle soberano sobre as pessoas e grupos da sociedade
civil. Assim, nota-se uma transição do discurso sobre a coordenação social que enfatizava a
ideia de governo para um que enfatiza a de governança.
O termo governança aparece como conceito que integra de maneira mais ampla as
ações de planejamento, manejo, gestão e políticas públicas, entre outros (Fig 1). Contudo,
diferentes correntes teóricas conceituam governança de forma variada (Quadro 1), não
havendo consenso sobre o significado do termo.
A permeabilidade dos assuntos relativos à governança na vida humana implica que o
debate em torno da governança está se disseminando para várias áreas do conhecimento.
Alguns autores entendem a governança de modos não hierárquicos de governo, onde atores
não-estatais, e diversos segmentos da sociedade participam na formulação e implementação
de políticas públicas. Outros compartilham uma visão mais abrangente, reconhecendo que
diferentes modos de governança (às vezes em combinação e/ou tensionamento) estão
presentes em diferentes sistemas (modos hierárquicos, colaborativos e/ou autônomos).
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Independente da perspectiva, o conceito de governança já assume posição central nas ideias


científicas sobre como devemos conduzir os sistemas socioecológicos complexos (ver
Capítulo 5) desde níveis locais a globais. Para Lemos e Agrawal (2006) a governança
ambiental é um "...conjunto de processos regulatórios, mecanismos e organizações por meio
dos quais os atores políticos influenciam as ações e resultados ambientais. Inclui as ações
do Estado e, além disso, engloba atores como comunidades, empresas e ONGs". Nesse
sentido, a chave para as diferentes formas de governança ambiental são as relações político-
econômicas que as instituições incorporam e como essas relações moldam identidades, ações
e resultados.

Figura 1: Diversidade semântica que envolve o conceito de governança, de acordo com termos comumente
associados na literatura das ciências ambientais.

Quadro 1: Algumas formulações conceituais de governança.


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Governança é “…o envolvimento de um amplo conjunto de instituições e


atores na produção de resultados políticos... envolvendo a coordenação através de
redes e parcerias” (Johnston et al., 2000)

“Por governança queremos dizer as condições para regras ordenadas e


ação coletiva ou instituições para a coordenação social. Governança são as
estruturas e processos pelos quais pessoas nas sociedades tomam decisões e dividem
o poder” (Folke et al., 2005; pg.444)

“Governança é o todo das interações públicas e também privadas tomadas


para resolver problemas e buscar oportunidades na sociedade. Inclui a formulação e
aplicação de princípios norteando estas interações bem como cuidado pelas
instituições que as facilitam” (Kooiman e Bavinck, 2005; pg. 17).

Governança é “...o interrelacionado e crescentemente integrado sistema


formal e informal de regras e redes de atores em todos os níveis da sociedade humana
(do local ao global) que são estabelecidos para influenciar a coevolução entre
sistemas humanos e naturais de maneira que assegure o desenvolvimento sustentável
da sociedade humana” (Biermann, 2008; pg. 281).

Governança é... “Manobra do comportamento humano através da


combinação de incentivos a pessoas, estado e mercados para alcançar objetivos
estratégicos” (Jones et al., 2011; pg. vii).

Governança é “...processo pelo qual o repertório de regras, normas e


estratégias que norteiam comportamento dentro de uma realidade de interações
políticas são formadas, aplicadas, interpretadas e reformadas... governança
determina quem pode e o que pode fazer para quem, e sob quais autoridades”
(McGinnis, 2011; pg. 171).

Principais conceitos associados ao termo “governança” nas ciências ambientais

Atualmente várias estratégias híbridas de governança ambiental estão sendo


implementadas e cada vez mais se consolida uma visão sobre a importância de que estratégias
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de governança baseadas no mercado, no estado ou na sociedade civil dependem do apoio das


demais interações sociais para aprimorar sua eficácia (Lemos e Agrawal, 2006; Paterlow et
al., 2020).
O termo governança é frequentemente acompanhado de termos e conceitos
complementares associados, que agregam significados e privilegiam alguma semântica
particular de análise (Fig 1). Como veremos, cada vertente conceitual apresentada a seguir
evoca uma linguagem própria, muitas vezes tratando de aspectos similares de maneira
diferenciada. Articulamos a seguir algumas destas noções e que poderá servir como guia para
aprofundar os conhecimentos sobre o debate em torno das variadas aplicações do termo
governança nas ciências ambientais.
Começamos com a governança ambiental, associação de termos bastante abrangente
que se refere a uma ampla gama de estudos sobre os processos, mecanismos e organizações
reguladoras através dos quais os atores políticos influenciam ações e buscam resultados
ambientais. A governança ambiental deve envolver todos nas decisões sobre o meio
ambiente, por meio das organizações civis e governamentais, a fim de obter ampla e irrestrita
adesão ao projeto que deveria ser comum a toda humanidade, qual seja, de manter a
integridade ecológica do planeta. Ao centrar-se sobre a transformação das formas de governo
e regulação que transcendem as tradicionais hierarquias do estado e dos sistemas de mercado,
a governança ambiental expõe que as interações sociais estão sujeitas aos limites biofísicos
do ecossistema planetário. Um relato sobre os desafios e necessidade da governança
ambiental em uma região do estado de São Paulo é apresentado no Estudo de Caso 1.

Estudo de caso 1: A governança ambiental e multinível do litoral da macrometrópole paulista


A zona costeira atrai uma grande concentração de pessoas ligadas a diversas atividades humanas tais
como: pesca, indústria, turismo e transporte. Todas essas atividades e usos acontecem em um território
dinâmico, integrado e de transição entre as zonas marinha, costeira e continental. É nesse sentido que o litoral
da macrometrópole paulista, região composta por 13 municípios e que corresponde a 2,74% do território do
Estado de São Paulo, passa a ser cada vez mais relevante para discutir a governança ambiental associada à
governança multinível. O litoral da Macrometrópole Paulista inclui duas regiões metropolitanas: a Região
Metropolitana da Baixada Santista e a do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Ambas relevantes por sua
importância socioambiental e por serem polos atrativos de turismo e de atividades econômicas. Esta parte do
litoral brasileiro abrange uma ampla diversidade de ecossistemas do Bioma da Mata Atlântica, incluindo
estuários, manguezais, restingas, rios, costões rochosos, praias arenosas e dezenas de ilhas. A zona costeira
do Estado de São Paulo também é responsável pela provisão de diversos serviços ecossistêmicos com grande
importância social e econômica (por exemplo: alimento, proteção da linha de costa, turismo, lazer etc.) e vêm
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sofrendo o impacto das mudanças climáticas, do crescimento populacional e da ocupação desordenada.


Ao considerar a Macrometrópole Paulista de forma integrada e como um sistema socioecológico, é
possível discutir não apenas a provisão de serviços ecossistêmicos e seus impactos locais, mas também
impactos mais abrangentes territorialmente, e que conectam a principal metrópole, São Paulo, com o litoral.
As atividades humanas que impactam a zona costeira acontecem não apenas nos municípios litorâneos, mas
em todo território macrometropolitano e na zona marinha. O estudo de Gonçalves et al (2020) indicou que
se faz necessário discutir amplamente e considerar diferentes escalas espaciais, como a zona costeira, a zona
econômica exclusiva e regiões metropolitanas adjacentes para construir a governança ambiental deste
território. Para tanto, é necessário considerar a dinamicidade do território e suas dimensões socioambientais
e ecossistêmicas, incorporar macroprocessos institucionais e territoriais, incluir os atores apropriados a essa
escala e, em especial, garantir a participação da sociedade civil (Figura 2).

Figura 2: Mecanismos e estratégias de governança ambiental. Fonte: Gonçalves et al (2020), adaptado


de Lemos & Agrawal (2006).

O litoral macrometropolitano é extremamente conectado à metrópole paulista por meio dos fluxos
socioeconômicos e serviços ecossistêmicos, porém, essa conexão ainda não merece destaque nas políticas
orientadoras do território. Portanto, a coordenação e a integração de estratégias para gestão territorial, manejo
de recursos entre jurisdições e setores são as tarefas mais significativas e desafiadoras para a governança
ambiental da Macrometrópole Paulista.

As abordagens de governança baseada em ecossistemas (ecosystem-based


approaches) permeiam grande parte do campo de teorização da governança ambiental em
suas variadas vertentes. O termo denota diferentes enfoques que reivindicam o propósito de
desenvolver abordagens sistêmicas de governança mais sensíveis à diversidade de relações
humanas e não-humanas que definem um determinado ecossistema. Exemplos incluem a
centralidade que o olhar ecossistêmico assume nos enfoques da governança adaptativa, nas
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abordagens de planejamento espacial, na avaliação de serviços ecossistêmicos e modelos de


governança associados, e nas discussões sobre boa governança e governança de redes, entre
outros. Uma análise crítica da literatura merece também considerar as preocupações com a
proliferação de metodologias predominantemente baseadas no conhecimento científico
ocidental, e os seus efeitos perversos sobre os conhecimentos e costumes locais, decorrentes
de programas de desenvolvimento rural e governança.
Os estudos sobre a auto-organização para a governança ou gestão em nível
comunitário ganharam força a partir das teorizações sobre a governança de recursos de uso
comum. Esses estudos mostraram a capacidade das comunidades em promover escolhas
coletivas na forma de regras e normas, e implementá-las sem a necessidade do Estado, ou de
incentivos de mercado. Como visto no Capítulo 6, usuários locais de recursos naturais de uso
comum são capazes de gerir o uso e acesso a tais recursos, sem esgotá-los.
Nas últimas décadas, cresceu também o interesse e atenção de cientistas sobre as
mudanças sociais, econômicas e ambientais em nível global. Em 1992 a Organização das
Nações Unidas criou a Comissão sobre Governança Global, com o propósito de olhar essa
questão. A governança global é a soma das várias maneiras pelas quais indivíduos e
instituições, públicas e privadas, gerenciam seus assuntos comuns. É um processo contínuo
pelo qual os interesses conflitantes ou diversos podem ser acomodados e ações cooperativas
podem ser feitas. Inclui instituições e regimes formais, bem como arranjos informais que
pessoas e instituições percebem como sendo de interesse mútuo. A governança global implica
em uma perspectiva multi-atores sobre a política mundial.
A necessidade de criar e/ou aperfeiçoar as estruturas para a governança global está
refletida nas ciências ambientais. Desde a década de 1980, um novo paradigma nasceu no
ponto de encontro de várias disciplinas lidando com fenômenos em nível global, por meio da
Ciência do Sistema Terrestre. Integrando as diferentes “esferas” (atmosfera, hidrosfera,
criosfera, geosfera, pedosfera, biosfera, magnetosfera) com as dinâmicas das sociedades
humanas, a governança do Sistema Terra é uma abordagem que vem reunindo redes mundiais
de pesquisa interdisciplinar em torno de enfoques comuns. Esta abordagem considera o
planeta Terra um grande, interdependente sistema socioecológico, integrado através de regras
formais e informais e redes de atores em todos os níveis da sociedade humana (do local ao
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global) – e que deveria ser voltado a orientar as sociedades na prevenção, atenuação e


adaptação às mudanças ambientais em múltiplos níveis.
A governança multinível parte do reconhecimento de que nenhum nível
temporalmente ou espacialmente fixo é o mais apropriado para governar os ecossistemas e
serviços associados de maneira equitativa e efetiva. Reconhecer os vários níveis que
influenciam um determinado problema é fundamental para facilitar a governança através das
escalas e, neste sentido, construir capital social para a salvaguarda dos ecossistemas e o bem-
estar das populações humanas.
As discussões atuais que envolvem a governança policêntrica complementam as
reflexões anteriores sobre os múltiplos níveis e modos de governança (hierárquica,
colaborativa ou auto-organizada) que precisam ser considerados ou até mesmo perseguidos
para a sustentabilidade. Os sistemas policêntricos são marcados pela multiplicidade de
autoridades que governam em escalas diferenciadas, ao invés da predominância de unidades
monocêntricas de governo. Nesta abordagem, os atores de uma arena política atuam como
agentes centralizadores que definem objetivos estratégicos e padrões para operação em
colaboração com atores sociais. Estes agentes funcionam como centros de tomada de decisão
semi-autônomos distribuídos no espaço, vinculados territorialmente e imbricados através dos
níveis administrativos. O Estado mantém um papel regulatório indireto, enquanto retém um
grau de controle hierárquico para garantir que objetivos estratégicos sociais, ambientais e
econômicos sejam atingidos por meio da negociação e conformidade. Assim, a abordagem
policêntrica ressalta que diferentes modos de governança em múltiplos níveis sistêmicos
podem combinar as dinâmicas e características de autoridades limitadoras, disciplinadoras e
estabilizadoras, com características que empoderam, facilitam e inovam. O desenvolvimento
do campo teórico que cerca os sistemas policêntricos busca responder a questões sobre o
quanto e que tipos de policentricidade são úteis para quais tipos de contexto. A
policentricidade envolve a operação de redes verticais e horizontais de colaboração e o
aprendizado social, aspectos enfatizados pelas abordagens a seguir.
Conceituamos primeiro a governança de redes a partir do reconhecimento da
relevância da informalidade e a organicidade da influência de sistemas sociais na
coordenação das interações entre diferentes agentes. A governança de redes envolve o uso
de instituições e estruturas de autoridade e colaboração para alocar os recursos e coordenar
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ações conjuntas através da(s) rede(s). Isto denota uma diferença entre “governança de rede”
e “rede de governança”. No primeiro caso, tratamos dos aspectos normativos de
operacionalização (logo a governança) de redes sociais; e, no segundo caso, trata-se de uma
rede social ligada a um sistema de governança específico (ex., rede de atores sociais
associada a uma área protegida). Alguns autores articulam a governança de redes também
como uma opção para os governos. O fomento às redes poderia assegurar, ao mesmo tempo,
a consideração de objetivos estratégicos de conservação dos ecossistemas, permitindo a
manutenção de processos flexíveis para a adaptação contextual e assim ganhando suporte
político local. Estes autores argumentam que esta abordagem deve buscar o balanço
adequado no alcance de objetivos ambientais em meio ao dinamismo das redes.
O enfoque da governança interativa (ver Gerhardinger e Seixas, 2020), por sua vez,
foi desenvolvido por uma corrente de teorização inicialmente focada em sistemas políticos,
e que depois recebeu aportes de desenvolvimento principalmente através de estudos
empíricos de sistemas de governança costeiro-marinhos. A palavra mais importante nesta
perspectiva é o conceito de interação governante, que é qualquer ação intencional entre
atores para remover obstáculos (resolução de problemas) e trilhar novos caminhos (criação
de oportunidades) na sociedade. O conceito de governabilidade vem recebendo crescente
atenção no desenvolvimento de uma abordagem teórica e analítica para a governança
interativa. Os precursores desta teoria definem governabilidade como a capacidade total de
governança de qualquer entidade ou sistema social. A análise da governabilidade contempla
duas vertentes complementares de análise:
● Governabilidade estrutural: ocupa-se do entendimento do quanto governáveis
são determinados problemas e os sistemas sociais e naturais correspondentes
diante de suas próprias dinâmicas, escalas, diversidades e complexidades.
● Governabilidade funcional: ocupa-se de investigar as limitações e potenciais
capacidades demonstradas por sistemas de governança específicos, diante dos
desafios e oportunidades implícitos na estrutura dos sistemas a serem
governados (social e natural) bem como das interações entre estes
subsistemas.
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As análises de governabilidade contemplam cinco dimensões da funcionalidade dos


sistemas de governança:
(1) a presença e qualidade das interações governantes (compartilhamento de
informações, aprendizagem colaborativa, adaptabilidade) no sistema;
(2) o ajuste dos elementos governantes (ações, instrumentos e pressupostos / imagens)
às propriedades (dinâmica, escala, complexidade e diversidade) dos sistemas a serem
governados (sistemas sociais e naturais);
(3) a capacidade de resposta dos modos de governança:
● autogovernança ⇒ liderada pela sociedade civil

● governança colaborativa ⇒ co-liderada por várias organizações

● governança hierárquica ⇒ liderada por autoridades governamentais


(4) o desempenho das ordens governativas:
● 1ª ordem = resolução de problemas e criação de oportunidades
● 2ª ordem = construção institucional
● 3ª ordem = meta valores, normas e definição de princípios
(5) o papel facilitador ou restritivo das relações de poder (inclusividade,
representatividade, participação) existentes em um determinado sistema governante.

Uma outra abordagem teórica é a governança adaptativa (estudo de caso 2) que


destaca a dimensão do aprendizado experimental e experiencial em processos participativos
que ocorrem em múltiplos níveis. Esta corrente teórica surge a partir da crescente aplicação
do conceito de governança na literatura ligada ao manejo/gestão colaborativo e adaptativo de
recursos naturais, como estratégia para viabilizar análises mais abrangentes. Em particular, a
governança adaptativa agrega cientistas preocupados com os fundamentos sociais,
institucionais, econômicos e ecológicos para se construir resiliência diante das mudanças
globais e da complexidade inerente aos sistemas socioecológicos (ver Capítulo 5).

Estudo de caso 2: Governança Adaptativa - o caso da pesca internacional dos atuns e afins (Webster,
2009)

As espécies de peixe altamente migratórias, como os atuns e espadartes, são recursos naturais
importantes em termos econômicos, políticos, sociais e ambientais, e apresentam algumas das questões
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práticas mais complicadas para a promoção de seu uso sustentável. Desempenham um papel
fundamental na cadeia trófica e, além disso, apresentam um alto valor comercial. Mais de 150 países e
frotas portuárias fornecem ao mundo quase meio milhão de toneladas de peixes por ano.
Com o aumento da inovação e tecnologia, embarcações maiores e mais rápidas, técnicas de
captura mais eficientes, os estoques de peixes foram sendo utilizados sem informação adequada ao seu
manejo. A rápida expansão do esforço de pesca causou grande preocupação quanto à viabilidade a
longo prazo dos recursos pesqueiros, sejam ou não comercialmente valiosos. Como era esperado, a
crescente demanda por espécies altamente migratórias precipitou uma considerável expansão do setor
pesqueiro resultando no esgotamento de muitas dessas pescarias. Dos vinte e quatro principais atuns de
mercado, estima-se que 13 são sobreexplotados, seis são totalmente explorados e apenas quatro são
moderadamente explorados. Dos seis estoques de peixe-espada no oceano, pelo menos dois são
moderadamente sobreexplotados e o resto está em plena exploração. Vários estoques de capturas,
incluindo marlim branco e marlim azul atlântico, também estão muito esgotados (IATTC 2006; ICCAT
2007a; IOTC 2005).
Em geral, acredita-se que a sobreexplotação de estoques pesqueiros seja um clássico dilema
dos recursos naturais de uso comum. A escala dessas pescarias impede a ação coletiva de indivíduos e
nenhum país tem jurisdição sobre as espécies altamente migratórias, fato que ressalta a necessária
cooperação internacional para manter esses estoques em níveis sustentáveis, seja do ponto de vista
ecológico ou econômico. Reconhecendo isso, nações pesqueiras do mundo todo assinaram acordos que
estabelecem várias comissões multilaterais ou Organizações Regionais Para o Ordenamento Pesqueiro
(OROPs), que se reúnem anualmente para negociar medidas de gestão internacional (Fig. 3).
As OROPs cobrem praticamente todo o oceano, e compõem o sistema de governança global
do oceano. Esses órgãos geralmente são encarregados de coletar estatísticas de pesca, avaliar recursos,
tomar decisões de gestão e monitorar atividades. Também desempenham um papel fundamental na
facilitação da cooperação intergovernamental na gestão das pescarias e, mais recentemente vem
empregando a abordagem ecossistêmica para o manejo da pesca.
No entanto, a gestão é frequentemente complicada por dados deficientes ou indisponíveis e
sistemas de administração inadequados. Os desafios não são poucos. No Oceano Atlântico Sul e
Mediterrâneo temos a ICCAT (Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns e Afins, da qual
o Brasil é signatário) .
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Figura 3: Mapa com as Organizações Regionais para o Ordenamento da Pesca espalhadas pelo
oceano. Fonte FAO. Disponível em: http://www.fao.org/fishery/topic/166304/en

Grande parte da literatura sobre essas organizações é bastante crítica em relação à capacidade
das OROPs de gerenciar espécies altamente migratórias. Por muitos anos, parecia que esses organismos
internacionais eram impotentes para evitar a sobreexploração de muitos dos estoques pesqueiros mais
importantes do mundo. No entanto, em meados da década de 1990, a Comissão Internacional para a
Conservação dos Tunas do Atlântico começou a adotar sólidas medidas de gestão que consistiram em
pareceres científicos e que foram monitoradas e aplicadas no nível internacional (Gonçalves, 2016).
Embora essas medidas não tenham sido aplicadas uniformemente, nem tenham sido bem-sucedidas em
todos os casos, elas foram parcialmente vinculadas à reconstrução de algumas ações (ICCAT 1995-
2007b: 2005, 58, 125). De modo geral, as ações recentes realizadas pela ICCAT sugerem que, como
órgão coletivo, os países da pesca estão contribuindo mais agora para facilitar a cooperação do que
estavam dispostos no passado.
A Figura 4 mostra como a governança adaptativa poderia ser aplicada à pesca internacional.
Existem muitas interações de micro nível e elementos específicos do contexto que controlam a força e
o fluxo deste sistema no nível macro. Os atores podem ser afetados ou responder a taxas diferentes,
criando diferentes níveis de preocupação. As opções geralmente dependem de tecnologias disponíveis
e precedentes institucionais, de modo que o potencial de mudança é limitado. Na verdade, a certeza é
que o sistema sempre estará em fluxo, e que, para cada ação, haverá uma reação - às vezes igual, às
vezes amplificada por feedbacks e às vezes anulada por forças externas.
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Figura 4: Manejo pesqueiro sob o enfoque da governança adaptativa. (Fonte: Webster, 2009).

Existem outros conceitos complementares ao debate sobre a governança, como o


termo governança corporativa, para discussões voltadas à governança não governamental ou
que envolvem instituições privadas. A boa governança (good governance), por sua vez,
enfatiza transparência, accountability e efetividade como condições necessárias para o
sucesso de uma política pública e a governança multi escalar que tem o desafio de articular
as ações de atores públicos independentes visando objetivos compartilhados em diferentes
níveis territoriais.

O dilema da governança ambiental global ou da governança do sistema terra


Para além da discussão do conceito de governança, que pode se aplicar a diversas
escalas, a “governança global” passou a ser bastante difundida desde o final dos anos 1980,
e começou a se legitimar entre pesquisadores e atores chaves do cenário político
internacional. Este conceito é utilizado para designar atividades geradoras de instituições que
garantem que o mundo se governe sem um governo central. Atividades para as quais também
contribuem muitos atores da sociedade civil, além de, é claro, governos nacionais e
organizações internacionais.
Além da desconcentração de poderes, do compartilhamento de decisões e do
envolvimento de novos atores não-estatais, como poderes supranacionais, setor privado e
organizações da sociedade civil, a governança ambiental global enfrenta o desafio da
amplificação vertiginosa dos temas que passam a ser regulados também no plano dos regimes
e organizações multilaterais. Foi nesse contexto que emergiu o importante debate sobre
governança ambiental, e seus desdobramentos em governança ambiental global e do sistema
Terra.
SEIXAS, C.S., FARINACI, J.S., ISLAS, C.A. (Orgs), em preparação. Gestão de Recursos Naturais
de Uso Comum: Perspectivas Teóricas e Aplicadas. Proibido circulação fora da disciplina.

A governança ambiental global não é um núcleo de autoridade para determinar o que


todos os países devem fazer. O que há é uma central de coordenação representada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências, bem como as cúpulas periódicas
entre seus membros. No âmbito da ONU, a governança é uma forma de articulação e não de
comando, e tem o objetivo maior da governança ambiental global que é melhorar o estado
atual do ambiente rumo a um desenvolvimento sustentável.
Mais recentemente o desafio ficou centrado na Agenda 2030 construída em 2015 pela
ONU. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as 169 metas adotadas
pelos países demonstram a intenção em buscar uma agenda subsequente e complementar aos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Com a adoção dessa nova agenda os governos
buscam integrar direitos humanos, igualdade de gênero e o empoderamento de todas as
mulheres e meninas às dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento
sustentável. A Agenda vem embalada pelo lema “Ninguém fica para trás”, e clamam por uma
integração entre metas e ações. Esta onda começou com a Conferência da Rio+20, em 2012,
no Rio de Janeiro, e o tema passou a permear crescentemente na agenda internacional,
envolvendo estados nacionais e subnacionais, além é claro, de atores não-estatais. O desafio
da Agenda 2030 está justamente em incorporar os novos mecanismos, baseados na
cooperação, sem deixar de lado a formalização da natureza institucional, capaz de garantir a
aplicabilidade e continuidade das normas no tempo e no espaço.
A perspectiva global de proteger o meio ambiente e de lidar com problemas que
transcendem os limites de soberania e geopolítica, implica em mecanismos que não estão na
esfera dos Estados nacionais e compreendem um conjunto de situações, nas quais os Estados
e os grupos (indivíduos, ONGs, empresas) interagem. Por isso, o tratamento dos problemas
ambientais globais só pode ser analisado sob a ótica da governança ambiental global, que, de
forma sintética, ocorre por soma das organizações, instrumentos de políticas, mecanismos de
financiamento, regras, procedimentos e normas que regulam os processos de proteção
ambiental global.
A construção dessa governança ambiental global visa fundamentalmente permitir que
a cooperação e consenso sejam alcançados para resolver grandes problemas ambientais, com
participação cada vez mais ampliada de múltiplos atores. Estes acordos procuram proteger e
melhorar o meio ambiente mediante indução de cooperação em conformidade com as regras
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e normas institucionais. As melhores análises sobre as relações internacionais têm


demonstrado que frequentemente a cooperação pode ser alcançada, mas que depende de
muitas variáveis, entre elas o conhecimento, o interesse dos atores e o poder relativos dos
mesmos.
Nesse sentido vem sendo ampliada e discutida a abordagem da Governança do
Sistema Terra voltada não apenas para a eficácia e o desenho institucional, mas também para
incluir as variáveis de legitimidade política e a justiça social e planetária. No mais recente
plano científico da rede de pesquisa Earth System Governance, que é uma aliança global de
pesquisa e a maior rede de pesquisa em ciências sociais na área de governança e mudança
ambiental global, as lentes de pesquisa (exemplos: Arquitetura e Agência, Democracia e
Poder, Justiça e Alocação, Antecipação e Imaginação e Adaptabilidade e Reflexividade)
foram complementadas com o variado contexto dos países, tais como: Transformações,
Desigualdade, Diversidade e Antropoceno.
A noção de governança expressa por essa abordagem busca expandir o domínio de
pesquisa tradicional para se concentrar em processos de transformação planetária mais
amplos, novas interdependências globais, novos entendimentos das relações natureza-
sociedade e múltiplas, e em expansão, teleconexões espaciais. Traz também uma nova
perspectiva sobre sistemas socioecológicos integrados e enfatiza o desafio da complexidade,
como o sistema global de água, acidificação dos oceanos, desertificação, aumento do nível
do mar, segurança alimentar, fluxos de comércio global e muitos outras questões de
relevância e interconectividade geralmente globais do 'sistema terrestre'.
Governança Ambiental: do nível local ao global e do global ao local
A governança ambiental ocorre também em nível local porque o uso de recursos
naturais e a degradação dos ecossistemas envolve, os grupos sociais que se beneficiam ou
afetam um sistema socioecológico (ver capítulo 5). É na escala local que muitos arranjos
formais e informais são acordados (ver capítulo 7) e onde são implementadas as diretrizes
das negociações intergovernamentais e transnacionais entre atores públicos e privados.
Notamos aqui a relevância dos processos locais para a governança ambiental global, onde os
indivíduos, ONGs e o setor privado são agentes importantes para promover a efetividade de
acordos internacionais que buscam promover o uso sustentável dos recursos naturais. Tanto
no âmbito local como no global, os atores sociais são provedores de ação coletiva que
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resultam em regras, normas e princípios (implícitos ou explícitos), que por sua vez, governam
as relações entre estes mesmos atores.

RECAPITULANDO
Os desastres naturais e climáticos, os problemas ligados à segurança alimentar e aos
recursos hídricos, e a perda da biodiversidade são fatores que têm se agravado e demandam
resposta apropriada por parte da sociedade. Avanços na governança ambiental requerem
processos que envolvem atores sociais na busca de consenso quanto à forma de enfrentar os
problemas ambientais que se multiplicam e no delineamento de ações com vista a
sustentabilidade, onde a participação descentralizada e corresponsável seja a tônica do
processo. Os diferentes conceitos de governança ambiental aqui apresentados pressupõem
cada vez mais atuação em rede de forma integrada, o empoderamento de atores envolvidos
na gestão dos recursos naturais e a interação entre usuários dos recursos e tomadores de
decisões.

EXERCÍCIOS E ATIVIDADES COMPLEMENTARES:


Mapeando a percepção de redes de governança
A ferramenta NET-MAP (https://netmap.wordpress.com/about) explora as relações formais e informais
que moldam e afetam a governança, que não são necessariamente refletidas na legislação oficial ou outras
formas visíveis de interação. Este é um método para capturar percepções sobre a rede de atores envolvidos
com uma determinada rede de governança. A atividade pode ser feita em grupos, adotando os três passos
seguintes, a serem conduzidos depois de um nivelamento sobre dois conceitos-chave:
- Os atores (organizações vs indivíduos) podem ser governamentais (ex., estrutura do estado,
departamentos, autarquias, etc) ou não-governamentais (ONGs, redes, associações, institutos), fóruns
colegiados mistos, de nível local, regional, nacional e internacional; e não necessariamente têm que ser
formalmente ligados ao processo de governança e;
- A influência política configura e controla o comportamento político (de indivíduos e de organizações)
para a influenciar a governança do sistema em questão.

1o. Passo: Escolher um sistema de governança de interesse comum, e identificar os atores que o
influenciam, anotando e grudando em um papel pardo/cartolina pequenas tarjetas (fichas). Fichas de
diferentes formatos geométricos serão usadas para representar diferentes atores. Observar: Quais atores
já estão envolvidos, e qual o seu interesse e papel no respectivo sistema de governança? Quais atores
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poderiam/deveriam estar envolvidos no futuro (qual o seu interesse e papel), mas ainda não estão?
Por que razão? (sinalizar/anotar um ponto vermelho nos atores/polígonos ainda não envolvidos).

Público/Governamental:

Organizações Não Governamentais:

Usuários dos Recursos:

Colegiados:

2o. passo: Coleta de dados sobre como os atores estão relacionados, traçando setas entre as fichas dos
atores.
Quais são os elos já existentes entre os diferentes atores identificados? (linha contínua).
Quais elos ainda precisam ser criados para melhorar a capacidade de governança do sistema? (linha
tracejada)
Se houver um fluxo bidirecional, a seta terá uma ponta para cada lado. Comece com as conexões
mais comuns em sua rede social. Se os atores estão ligados por mais que um fluxo, use mais setas. Se os
atores têm poucas ou nenhuma conexão, podemos discutir as razões disto. Não é nossa intenção visualizar
conexões se estas não são percebidas.

Sugestão de cores para as setas:


Verde ➔ Projetos/ações comuns (Implementação - planejamento)

Azul ➔ Aporte financeiro / Recursos / Aporte de informações / Outro?


Vermelho ➔ Fiscalização / Denúncia

Preto ➔ Construção de regras (identifique qual)

Rosa ➔ Relações que precisam melhorar

3o. passo: Visualizar a estrutura de influência política no sistema de governança, grudando torres de
influência ao lado das fichas geométricas. Isto ajuda a determinar os diferentes graus de influência política
na governança do sistema. As regras para a construção destas torres de influência política: O ator de
maior influência política é a maior torre; as torres de influência política podem ter entre 0 (atores que são
apenas afetados) e 4 bandas vermelhas; atores podem ter torres do mesmo nível. Dessa maneira, o grau
de influência política (tamanho da torre) e a posição de um grupo dentro da rede social podem ser
analisadas em conjunto.
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Começando com a mais alta torre, discutir se os tamanhos relativos das torres de influência política
refletem a real distribuição de influência política entre grupos de atores, fazendo ajustes se for necessário.
A estrutura visual criada ajuda a identificar os fatores limitantes e incentivadores nas relações sociais que
moldam a governança do sistema.

SUGESTÕES DE LEITURA COMPLEMENTAR


● Jacobi, P. R., & Almeida Sinisgalli, P. A. D. (2012). Governança ambiental e
economia verde. Ciência & Saúde Coletiva, 17(6), 1469-1478.
● Castro, Fábio de; Futemma, Célia. Governança ambiental no Brasil - entre o
socioambientalismo e a economia verde. 2015. Paco Editorial, Jundiaí.
● Seixas, C.S., Prado, D.S., Joly, C.A., May, P.H., Neves, E.M.S.C., Teixeiras, L.R.
2020. Governança Ambiental no Brasil: Rumo aos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS)? Cadernos de Gestão Pública,. 25: 1-21

MATERIAL COMPLEMENTAR
Vídeos:
● O que é Governança Ambiental: Pedro Jacobi
https://www.youtube.com/watch?v=ob72bNjRBAc
● Environmental Governance: https://www.youtube.com/watch?v=rI4Hx60Fhqc

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO

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Environmental Change: Principal Findings, Applications, and Research Frontiers (Eds:
Young, O.R; King, L.A.; Schroeder, H). Cambridge, MA: MIT Press.
Biermann, F., Betsill, M.M., Burch, S., Dryzek, J., Gordon, C., Gupta, A., Gupta, J., Inoue,
C., Kalfagianni, A., Kanie, N., Olsson, L., Persson, Å., Schroeder, H., Scobie, M., 2019.
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after ten years. Curr. Opin. Environ. Sustain. 39, 17–23.
https://doi.org/10.1016/j.cosust.2019.04.004
Chuenpagdee, R. & Jentoft, S. (2013). Assessing Governability – What’s Next. Eds. Bavinck,
M., Chuenpagdee, R. Jentoft, S. &Kooiman, J. p.335–349.
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Gerhardinger, L.C. & Seixas, C.S. (2020). Cultivando a governabilidade regional costeira e
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Gonçalves, L.R., Xavier, L.X., Torres, P.H., Zioni, S., Jacobi, P.R., Turra, A., 2020. O litoral
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