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MENSAGENS-CHAVE
INTRODUÇÃO
As crescentes e emergentes mudanças sociais, econômicas, tecnológicas, políticas e
ambientais que a nova Era do Antropoceno nos apresenta, desafiam a adaptação das atuais
estruturas tradicionais e usuais dos governos, bem como a criação de novas instituições. O
uso do termo “governança”, bastante discutido nas diversas áreas do conhecimento, busca
refletir sobre a diversidade de formas e ferramentas existentes para governar a sociedade. O
conceito de governança amplia o olhar para além do Governo, incorporando ações de uma
crescente diversidade de atores sociais não estatais, entre eles o setor privado, comunidades
locais e tradicionais e organizações da sociedade civil.
SEIXAS, C.S., FARINACI, J.S., ISLAS, C.A. (Orgs), em preparação. Gestão de Recursos Naturais
de Uso Comum: Perspectivas Teóricas e Aplicadas. Proibido circulação fora da disciplina.
O conceito de Governança
A noção de que é possível conduzir e manobrar interações humanas é bastante antiga,
com suas raízes traçadas no pensamento de Platão:
faz parte de um debate clássico nas ciências, que perdeu forças com o advento do
“pensamento sistêmico” na segunda metade do século XX. As décadas intermediárias do
século XX (1940-1960) são marcadas pelo desenvolvimento e crescimento econômico,
combinado com a industrialização e crescente globalização. Este período é o mais crítico
sinal da virada para o Antropoceno, também chamado de “A Grande Aceleração”. Se por um
lado é senso comum pensar que o ser humano pode controlar a natureza a partir da rotina dos
assuntos políticos governamentais; por outro lado alguns expoentes do pensamento científico
já apontavam os riscos e “patologias” que este comportamento significa para a própria
condição humana na Terra.
Nos anos 1970, a palavra “governança” ainda era frequentemente equiparada a
“governar”, e considerada quase como um sinônimo de controle social pelo governo
(atualmente seria considerado um tipo de governança monocêntrica). Com a irrupção do
modelo neoliberal na década de 1980, nota-se uma forte corrente que busca o enxugamento
do estado e aumento da privatização na sociedade. Hoje, a noção de governança como um
processo que engaja múltiplos atores e interesses já está bem estabelecida nas ciências
políticas e sociais. Assim, o termo é usado para indicar a existência de diferentes modos de
se governar, diferindo dos modelos de entendimento hierárquicos tradicionais, nos quais as
autoridades de estado exercem controle soberano sobre as pessoas e grupos da sociedade
civil. Assim, nota-se uma transição do discurso sobre a coordenação social que enfatizava a
ideia de governo para um que enfatiza a de governança.
O termo governança aparece como conceito que integra de maneira mais ampla as
ações de planejamento, manejo, gestão e políticas públicas, entre outros (Fig 1). Contudo,
diferentes correntes teóricas conceituam governança de forma variada (Quadro 1), não
havendo consenso sobre o significado do termo.
A permeabilidade dos assuntos relativos à governança na vida humana implica que o
debate em torno da governança está se disseminando para várias áreas do conhecimento.
Alguns autores entendem a governança de modos não hierárquicos de governo, onde atores
não-estatais, e diversos segmentos da sociedade participam na formulação e implementação
de políticas públicas. Outros compartilham uma visão mais abrangente, reconhecendo que
diferentes modos de governança (às vezes em combinação e/ou tensionamento) estão
presentes em diferentes sistemas (modos hierárquicos, colaborativos e/ou autônomos).
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Figura 1: Diversidade semântica que envolve o conceito de governança, de acordo com termos comumente
associados na literatura das ciências ambientais.
O litoral macrometropolitano é extremamente conectado à metrópole paulista por meio dos fluxos
socioeconômicos e serviços ecossistêmicos, porém, essa conexão ainda não merece destaque nas políticas
orientadoras do território. Portanto, a coordenação e a integração de estratégias para gestão territorial, manejo
de recursos entre jurisdições e setores são as tarefas mais significativas e desafiadoras para a governança
ambiental da Macrometrópole Paulista.
ações conjuntas através da(s) rede(s). Isto denota uma diferença entre “governança de rede”
e “rede de governança”. No primeiro caso, tratamos dos aspectos normativos de
operacionalização (logo a governança) de redes sociais; e, no segundo caso, trata-se de uma
rede social ligada a um sistema de governança específico (ex., rede de atores sociais
associada a uma área protegida). Alguns autores articulam a governança de redes também
como uma opção para os governos. O fomento às redes poderia assegurar, ao mesmo tempo,
a consideração de objetivos estratégicos de conservação dos ecossistemas, permitindo a
manutenção de processos flexíveis para a adaptação contextual e assim ganhando suporte
político local. Estes autores argumentam que esta abordagem deve buscar o balanço
adequado no alcance de objetivos ambientais em meio ao dinamismo das redes.
O enfoque da governança interativa (ver Gerhardinger e Seixas, 2020), por sua vez,
foi desenvolvido por uma corrente de teorização inicialmente focada em sistemas políticos,
e que depois recebeu aportes de desenvolvimento principalmente através de estudos
empíricos de sistemas de governança costeiro-marinhos. A palavra mais importante nesta
perspectiva é o conceito de interação governante, que é qualquer ação intencional entre
atores para remover obstáculos (resolução de problemas) e trilhar novos caminhos (criação
de oportunidades) na sociedade. O conceito de governabilidade vem recebendo crescente
atenção no desenvolvimento de uma abordagem teórica e analítica para a governança
interativa. Os precursores desta teoria definem governabilidade como a capacidade total de
governança de qualquer entidade ou sistema social. A análise da governabilidade contempla
duas vertentes complementares de análise:
● Governabilidade estrutural: ocupa-se do entendimento do quanto governáveis
são determinados problemas e os sistemas sociais e naturais correspondentes
diante de suas próprias dinâmicas, escalas, diversidades e complexidades.
● Governabilidade funcional: ocupa-se de investigar as limitações e potenciais
capacidades demonstradas por sistemas de governança específicos, diante dos
desafios e oportunidades implícitos na estrutura dos sistemas a serem
governados (social e natural) bem como das interações entre estes
subsistemas.
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Estudo de caso 2: Governança Adaptativa - o caso da pesca internacional dos atuns e afins (Webster,
2009)
As espécies de peixe altamente migratórias, como os atuns e espadartes, são recursos naturais
importantes em termos econômicos, políticos, sociais e ambientais, e apresentam algumas das questões
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práticas mais complicadas para a promoção de seu uso sustentável. Desempenham um papel
fundamental na cadeia trófica e, além disso, apresentam um alto valor comercial. Mais de 150 países e
frotas portuárias fornecem ao mundo quase meio milhão de toneladas de peixes por ano.
Com o aumento da inovação e tecnologia, embarcações maiores e mais rápidas, técnicas de
captura mais eficientes, os estoques de peixes foram sendo utilizados sem informação adequada ao seu
manejo. A rápida expansão do esforço de pesca causou grande preocupação quanto à viabilidade a
longo prazo dos recursos pesqueiros, sejam ou não comercialmente valiosos. Como era esperado, a
crescente demanda por espécies altamente migratórias precipitou uma considerável expansão do setor
pesqueiro resultando no esgotamento de muitas dessas pescarias. Dos vinte e quatro principais atuns de
mercado, estima-se que 13 são sobreexplotados, seis são totalmente explorados e apenas quatro são
moderadamente explorados. Dos seis estoques de peixe-espada no oceano, pelo menos dois são
moderadamente sobreexplotados e o resto está em plena exploração. Vários estoques de capturas,
incluindo marlim branco e marlim azul atlântico, também estão muito esgotados (IATTC 2006; ICCAT
2007a; IOTC 2005).
Em geral, acredita-se que a sobreexplotação de estoques pesqueiros seja um clássico dilema
dos recursos naturais de uso comum. A escala dessas pescarias impede a ação coletiva de indivíduos e
nenhum país tem jurisdição sobre as espécies altamente migratórias, fato que ressalta a necessária
cooperação internacional para manter esses estoques em níveis sustentáveis, seja do ponto de vista
ecológico ou econômico. Reconhecendo isso, nações pesqueiras do mundo todo assinaram acordos que
estabelecem várias comissões multilaterais ou Organizações Regionais Para o Ordenamento Pesqueiro
(OROPs), que se reúnem anualmente para negociar medidas de gestão internacional (Fig. 3).
As OROPs cobrem praticamente todo o oceano, e compõem o sistema de governança global
do oceano. Esses órgãos geralmente são encarregados de coletar estatísticas de pesca, avaliar recursos,
tomar decisões de gestão e monitorar atividades. Também desempenham um papel fundamental na
facilitação da cooperação intergovernamental na gestão das pescarias e, mais recentemente vem
empregando a abordagem ecossistêmica para o manejo da pesca.
No entanto, a gestão é frequentemente complicada por dados deficientes ou indisponíveis e
sistemas de administração inadequados. Os desafios não são poucos. No Oceano Atlântico Sul e
Mediterrâneo temos a ICCAT (Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns e Afins, da qual
o Brasil é signatário) .
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Figura 3: Mapa com as Organizações Regionais para o Ordenamento da Pesca espalhadas pelo
oceano. Fonte FAO. Disponível em: http://www.fao.org/fishery/topic/166304/en
Grande parte da literatura sobre essas organizações é bastante crítica em relação à capacidade
das OROPs de gerenciar espécies altamente migratórias. Por muitos anos, parecia que esses organismos
internacionais eram impotentes para evitar a sobreexploração de muitos dos estoques pesqueiros mais
importantes do mundo. No entanto, em meados da década de 1990, a Comissão Internacional para a
Conservação dos Tunas do Atlântico começou a adotar sólidas medidas de gestão que consistiram em
pareceres científicos e que foram monitoradas e aplicadas no nível internacional (Gonçalves, 2016).
Embora essas medidas não tenham sido aplicadas uniformemente, nem tenham sido bem-sucedidas em
todos os casos, elas foram parcialmente vinculadas à reconstrução de algumas ações (ICCAT 1995-
2007b: 2005, 58, 125). De modo geral, as ações recentes realizadas pela ICCAT sugerem que, como
órgão coletivo, os países da pesca estão contribuindo mais agora para facilitar a cooperação do que
estavam dispostos no passado.
A Figura 4 mostra como a governança adaptativa poderia ser aplicada à pesca internacional.
Existem muitas interações de micro nível e elementos específicos do contexto que controlam a força e
o fluxo deste sistema no nível macro. Os atores podem ser afetados ou responder a taxas diferentes,
criando diferentes níveis de preocupação. As opções geralmente dependem de tecnologias disponíveis
e precedentes institucionais, de modo que o potencial de mudança é limitado. Na verdade, a certeza é
que o sistema sempre estará em fluxo, e que, para cada ação, haverá uma reação - às vezes igual, às
vezes amplificada por feedbacks e às vezes anulada por forças externas.
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Figura 4: Manejo pesqueiro sob o enfoque da governança adaptativa. (Fonte: Webster, 2009).
resultam em regras, normas e princípios (implícitos ou explícitos), que por sua vez, governam
as relações entre estes mesmos atores.
RECAPITULANDO
Os desastres naturais e climáticos, os problemas ligados à segurança alimentar e aos
recursos hídricos, e a perda da biodiversidade são fatores que têm se agravado e demandam
resposta apropriada por parte da sociedade. Avanços na governança ambiental requerem
processos que envolvem atores sociais na busca de consenso quanto à forma de enfrentar os
problemas ambientais que se multiplicam e no delineamento de ações com vista a
sustentabilidade, onde a participação descentralizada e corresponsável seja a tônica do
processo. Os diferentes conceitos de governança ambiental aqui apresentados pressupõem
cada vez mais atuação em rede de forma integrada, o empoderamento de atores envolvidos
na gestão dos recursos naturais e a interação entre usuários dos recursos e tomadores de
decisões.
1o. Passo: Escolher um sistema de governança de interesse comum, e identificar os atores que o
influenciam, anotando e grudando em um papel pardo/cartolina pequenas tarjetas (fichas). Fichas de
diferentes formatos geométricos serão usadas para representar diferentes atores. Observar: Quais atores
já estão envolvidos, e qual o seu interesse e papel no respectivo sistema de governança? Quais atores
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poderiam/deveriam estar envolvidos no futuro (qual o seu interesse e papel), mas ainda não estão?
Por que razão? (sinalizar/anotar um ponto vermelho nos atores/polígonos ainda não envolvidos).
Público/Governamental:
Colegiados:
2o. passo: Coleta de dados sobre como os atores estão relacionados, traçando setas entre as fichas dos
atores.
Quais são os elos já existentes entre os diferentes atores identificados? (linha contínua).
Quais elos ainda precisam ser criados para melhorar a capacidade de governança do sistema? (linha
tracejada)
Se houver um fluxo bidirecional, a seta terá uma ponta para cada lado. Comece com as conexões
mais comuns em sua rede social. Se os atores estão ligados por mais que um fluxo, use mais setas. Se os
atores têm poucas ou nenhuma conexão, podemos discutir as razões disto. Não é nossa intenção visualizar
conexões se estas não são percebidas.
3o. passo: Visualizar a estrutura de influência política no sistema de governança, grudando torres de
influência ao lado das fichas geométricas. Isto ajuda a determinar os diferentes graus de influência política
na governança do sistema. As regras para a construção destas torres de influência política: O ator de
maior influência política é a maior torre; as torres de influência política podem ter entre 0 (atores que são
apenas afetados) e 4 bandas vermelhas; atores podem ter torres do mesmo nível. Dessa maneira, o grau
de influência política (tamanho da torre) e a posição de um grupo dentro da rede social podem ser
analisadas em conjunto.
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Começando com a mais alta torre, discutir se os tamanhos relativos das torres de influência política
refletem a real distribuição de influência política entre grupos de atores, fazendo ajustes se for necessário.
A estrutura visual criada ajuda a identificar os fatores limitantes e incentivadores nas relações sociais que
moldam a governança do sistema.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Vídeos:
● O que é Governança Ambiental: Pedro Jacobi
https://www.youtube.com/watch?v=ob72bNjRBAc
● Environmental Governance: https://www.youtube.com/watch?v=rI4Hx60Fhqc
REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO
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