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ISSN: 1516-3865
rca.cse@contato.ufsc.br
Universidade Federal de Santa Catarina
Brasil
Rabelo Pereira, Juliana; de Souza Cabral, Eloisa Helena; Pereira, José Roberto
GESTÃO SOCIALE GOVERNING THE COMMONS: A COOPERAÇÃO COMO ELO DE
CONVERGÊNCIA
Revista de Ciências da Administração, vol. 17, núm. 43, diciembre, 2015, pp. 112-122
Universidade Federal de Santa Catarina
Santa Catarina, Brasil
Resumo Abstract
O presente artigo tem o objetivo de analisar a cooperação This article aims to analyze cooperation as an evaluative
como atributo valorativo e como um elo de convergência attribute and as a convergence link between Elinor
entre a abordagem de Elinor Ostrom e os estudos acerca Ostrom’s approach and researches on the issues of
dos temas da gestão social. Considerando-se o fato de social management. Considering the fact that Ostrom’s
serem recentes as contribuições de Ostrom, ressalta-se contributions are recent, we emphasize the importance
a importância de seu trabalho e do rol de possibilidades of her work and the range of possibilities it offers to the
que ele oferece para a compreensão do autogoverno no understanding of self-government in the theoretical
âmbito teórico da gestão social. Para tal, uma revisão framework of social management. Thereby, we review
de literatura foi realizada acerca das considerações e the literature research about the considerations and
dos aportes teóricos relacionados aos temas. Assim, theoretical contributions on these subjects. We also
são destacados aspectos essenciais da cooperação nos highlight some key aspects of cooperation in the
propósitos da gestão social e nos estudos de Elinor purposes of social management and on the studies of
Ostrom sobre formas de ação coletiva. Em seguida, são Elinor Ostrom about ways of collective action. Relevant
comparados aspectos relevantes entre a gestão social e aspects of social management and of neo-institutionalist
a abordagem neoinstitucionalista – da qual a autora faz approach - which the author is a part of – are compared
parte – enfatizando-se os quadros conceituais teóricos, emphasizing the conceptual frameworks, its limits and
os limites e as possibilidades de convergência. the possibilities for convergence.
Palavras-chave: Cooperação. Valores. Gestão Social. Keywords: Cooperation. Values. Social Management.
1
Uma versão deste artigo foi apresentada no V Colóquio Internacional de Epistemologia e Sociologia da Ciência da Administração, Florianópolis-SC, 2015.
Grad (2008) identifica os valores como construtos os grupos têm de tratar o poder como um valor
psicossociais que expressam uma relação geral e estável (autoridade, saúde, poder social).
entre o indivíduo e a sociedade. Para Teixeira e Pereira Conformidade. Objetivo que a define: restrição
(2008), os valores representam uma linguagem utiliza- de ações, inclinações e impulsos que tendem
a chatear ou prejudicar outros e que violam
da pelo ser humano para comunicar suas necessidades.
expectativas ou normas sociais. Os valores de
Por outro lado, Campos (2008) e Tamayo (2005) iden- conformidade são derivados do requisito de
tificam nos valores um aspecto motivacional capaz de que as inclinações dos indivíduos que possam
orientar nossas atitudes e comportamentos. romper e prejudicar a delicada interação e
Assim sendo, os próprios seres humanos, em sua funcionamento dos grupos sejam inibidas (obe-
diente, autodisciplinado, polidez, respeito para
vivência cotidiana, valoram as coisas e estabelecem
com os pais e idosos).
valores. Em outras palavras, a organização do pensa-
Benevolência. Objetivo que a define: preservar
mento acerca dos valores implica em escolhas, seja por
e fortalecer o bem-estar daqueles com que o
parte de uma pessoa ou de uma coletividade (GOU- contato pessoal do indivíduo é mais frequente
VÊA, 2008). Rokeach (1973 apud TAMAYO, 2005, p. (o grupo “interno”). Os valores de benevolên-
160) identifica que “[...] o conhecimento dos valores cia enfatizam a preocupação voluntária com
de uma pessoa nos deveria permitir predizer como ela o bem-estar dos outros (prestativo, honesto,
piedoso, responsável, leal, amizade verdadeira,
se comportará em diversas situações experimentais e
amor maduro).
da vida real”.
Nessa perspectiva, Schwartz (1992) desenvolveu Partindo-se desse pressuposto, a cooperação
um modelo para o estudo da estrutura dos valores como atributo valorativo apresenta uma correlação
humanos, mais conhecido como teoria de valores, entre os tipos motivacionais benevolência e confor-
segundo a qual as três necessidades humanas univer- midade em contraposição ao tipo motivacional poder,
sais (biológica, social e institucional) são a base para cujos valores relacionam-se mais fortemente com a
o desenvolvimento dos valores. Assim, dez tipos moti- não cooperação, enfatizando a vantagem competitiva
vacionais foram propostos para organizar um conjunto e legitimando o ganho próprio em detrimento dos
de valores: universalismo, benevolência, conformidade, outros. Assim, o estímulo a um nível alto de coope-
tradição, segurança, poder, realização, hedonismo, es- ração requer, ao mesmo tempo, uma prioridade alta
timulação e autodeterminação. Tais tipos encontram-se em valores que a promovam (benevolência) e uma
dispostos em uma estrutura circular de acordo com o baixa prioridade em valores que a oponham (poder).
seu grau de compatibilidade ou conflito. Desse modo, Ademais, ao considerar a cooperação como um com-
cada um é detalhado em termos de objetivos amplos portamento normativo da sociedade, os valores de
que expressam e fundamentado em relação às neces- conformidade tendem também a aumentá-la como
sidades humanas universais e aos conceitos de valores forma de evitar resultados negativos para o próprio
relacionados. Alguns valores apresentam significados indivíduo (SCHWARTZ, 2005a; 2005b).
múltiplos e expressam objetivos motivacionais de mais
de um tipo motivacional (GRAD, 2008; PORTO, 2008;
SCHWARTZ, 2005b). 3 A GESTÃO SOCIAL COMO INSTÂNCIA
Portanto, ao considerar a cooperação como uma
REPRODUTORA DO VALOR COOPERAÇÃO
relação fundamentada na união de esforços e capaci-
dades em prol de interesses e objetivos comuns, três
Um valor torna-se pressuposto básico a partir do
tipos motivacionais são considerados mais relevantes
momento em que os membros de um grupo percebem
na sua análise como atributo valorativo, segundo es-
que sua utilização produz resultados positivos em di-
clarece Schwartz (2005b, p. 25-27):
versas situações. A partir de então, tal valor é validado
Poder. Objetivo que o define: status social e socialmente e aquilo que era internalizado passa a
prestígio, controle ou domínio sobre pessoas e atuar automaticamente, regendo o comportamento e
recursos. Para justificar esse fato da vida social explicando a aceitação ou rejeição de determinadas
e para motivar membros do grupo a aceitar isso, medidas e soluções (DOMENICO; LATORRE, 2008).
No âmbito da gestão social, os valores se materia- dos indivíduos a capacidade de realizar com destreza
lizam em atitudes, objetivos, metas e comportamentos “habilidades sociais” necessárias para a promoção
que, reproduzidos de forma unificada, produzem be- do diálogo e do entendimento (SOUZA, 2013). Para
nefícios àqueles que se associaram a seus propósitos. Fligstein (2009, p. 102),
Em outras palavras, a atuação da gestão social como
produtora de bens e reprodutora de valores é capaz de [...] a habilidade social é uma qualidade que
todas as pessoas devem ter para o progresso
adentrar no campo de fluxos e influências, tensões e
da vida social. Nossa habilidade de conseguir
interesses presentes na sociedade resultando em modos as coisas das quais precisamos, de conceituá-las
cooperativos e solidários em suas relações interpessoais e envolver os outros em nossa busca coletiva
(CABRAL, 2011). constitui o núcleo da vida social.
Cançado, Pereira e Tenório (2013) delimitam o
campo da gestão social a partir do conceito de interesse Assim, a ideia de uma cooperação dialógica cor-
bem compreendido de Tocqueville (1987), partindo da robora com os propósitos da gestão social ao permitir
premissa de que o bem-estar coletivo é pré-condição que, em um espaço permeado pelo conflito de interes-
para o bem-estar individual. Assim, ao defender os ses, os diferentes atores interfiram cooperativamente
interesses coletivos, o indivíduo, em última instância, na produção de bens e prestação de serviços que
está defendendo seus próprios interesses. Como conse- envolvam uma sociedade, região, território ou sistema
quência, o exercício de tais virtudes incentiva a prática social específico (SOUZA, 2013; TENÓRIO, 2006).
da solidariedade e abre caminho para uma parceria
mais aberta entre a comunidade.
Diante do exposto, o valor cooperação na gestão 4 A ABORDAGEM DE ELINOR OSTROM
social pode ser entendido como parte desse processo
que envolve a interação humana na busca por respos- Em outubro de 2009, o mundo se rendeu ao
tas e soluções para seus problemas comuns, realizando trabalho de Elinor Ostrom, cientista política contem-
objetivos comuns, produzindo resultados através de plada com o Prêmio Nobel de Economia. Até então,
empreendimentos coletivos fundamentados em inte- Ostrom era desconhecida do chamado mainstream,
resses comuns. Na prática da cooperação, os sujeitos grupo de economistas alinhados com o pensamento
tomam consciência das diferentes dimensões dos fatos tradicional ou ortodoxo (BAIARDI, 2011). Seu trabalho
da vida, seus significados, interesses e relações sociais distinguiu-se dos demais por buscar soluções econô-
que constroem entre si (FRANTZ, 2001). Nesse sentido, micas no âmbito privado – mais abrangentes do que
esclarece Sennett (2012 apud SOUZA, 2013, p. 185): as consideradas pelas formas tradicionais de trocas no
mercado – estudando as instituições e, consequente-
A cooperação azeita a máquina de concretiza- mente, a análise econômica delas.
ção das coisas, e a partilha é capaz de compen- Nesse contexto, o problema de pesquisa norte-
sar aquilo que acaso nos falte individualmente. ador do seu trabalho em quase toda a sua totalidade
A cooperação está embutida em nossos genes,
de obras pode ser expresso na seguinte pergunta: “[...]
mas não pode ficar presa a comportamentos
rotineiros; precisa desenvolver-se e ser aprofun- como regulamentar e monitorar o uso de bens que
dada. O que se aplica particularmente quando são de todos e ao mesmo tempo não pertencem a
lidamos com pessoas diferentes de nós; com ninguém?” (POTEETE; OSTROM; JANSSEN, 2011).
elas, a cooperação torna-se um grande esforço. A busca de respostas para esta pergunta a conduziu
ao desenvolvimento de uma linha de pesquisa sobre
Segundo Fischer (2002), um dos paradoxos que os bens comuns ou commons (nome científico dado
caracterizam o campo da gestão social diz respeito às aos bens que são escassos, finitos e cuja utilização por
práticas contraditórias, como a cooperação e a com- um indivíduo subtrai o montante disponível para os
petição. Para a autora, “[...] a cooperação não exclui a outros).
competição: a competitividade pressupõe articulações,
Assim, seu estudo, eminentemente experimental
alianças e pactos” (FISCHER, 2002, P. 28). Nesse
e multidisciplinar sobre sistemas autogeridos em várias
sentido, a busca do equilíbrio entre tais valores requer
partes do mundo, apontou alternativas que vêm sen- coletivos, a não ser quando visualizam ou calculam
do adotadas para o estabelecimento de uma relação a possibilidade de levar alguma vantagem. Segundo
sustentável entre o homem e os ecossistemas, demons- Olson (1999), o grande problema é a existência dos
trando porque algumas comunidades são capazes de free riders, indivíduos que pegam “carona” nos esforços
se auto-organizar, criando regras e instituições para dos outros, usufruindo dos benefícios provenientes de
proteger seus commons enquanto outras são incapazes um bem. A solução, nesse caso, seria acabar com tais
de fazer isso. Como consequência, abriu caminho para aproveitadores, impondo castigos ou recompensas de
uma verdadeira abordagem interdisciplinar envolven- incentivo à cooperação.
do economistas, sociólogos, antropólogos, biólogos, Por outro lado, Hardin (1968), com sua obra “The
ecologistas, dentre outros (OSTROM, 1990; POTEETE; Tragedy of the Commons”, utilizou como exemplo uma
OSTROM; JANSSEN, 2011). área de pasto, partindo do princípio de que cada pastor
No âmbito das ciências sociais, seu principal seguiria a lógica do benefício individual, distribuindo
interesse foi o de contribuir para a construção da tese os custos e internalizando os benefícios. Para este
de que os bens vistos como comuns deveriam ser vistos autor, a reprodução coletiva dessa atitude conduziria
como tal (BAIARDI, 2011). Dessa maneira, a preser- tragicamente ao esgotamento do recurso comum.
vação dos commons estaria diretamente relacionada As possíveis soluções, nesse caso, para evitar a tragé-
à possibilidade de uma gestão compartilhada dos dia e promover uma gestão sustentável dos recursos
recursos naturais escassos. Gestão esta que envolve, seriam a privatização ou regulação direta pelo Estado,
simultaneamente, o comportamento das pessoas por meio da coerção.
como indivíduos, como membros de um grupo, como O resultado socialmente melhor, em ambos os
participantes de uma cultura, dentre outros elementos casos, seria atingido se todos cooperassem. Contudo,
constitutivos da vida social. ninguém era motivado a cooperar de forma indepen-
Partindo desse princípio, Ostrom (1990) contes- dente, em função de uma possível falta de coopera-
tou a chamada teoria convencional dos bens comuns, ção por parte dos outros. Essas situações acabavam
cujas teorias de ação coletiva, direitos de propriedade se tornando dilemas sociais, pois, ao menos um dos
e bens comuns enfatizavam a dificuldade da ação co- resultados geraria lucros mais altos para todos os
letiva, sugeriam que a superexploração dos recursos participantes, porém, tal resultado não era garantido.
naturais comuns é inevitável e apresentavam a priva- Assim, os dilemas sociais envolviam um conflito entre
tização ou o controle estatal como as únicas soluções a racionalidade individual, fundada no benefício pró-
viáveis. Nenhuma dessas abordagens reconhecia a prio em curto prazo, e a escolha dos melhores recursos
possibilidade de que os usuários de recursos pudessem para o grupo como um todo (POTEETE; OSTROM;
ter direitos coletivos a ponto de controlá-los de maneira JANSSEN, 2011).
sustentável. Cada indivíduo era tido como um sujeito
racional egoísta, cuja estratégia selecionada o condu- 4.1 A Cooperação como Perspectiva para a
ziria sempre ao melhor resultado para o seu interesse Ação Coletiva
próprio. Tais argumentos pareciam razoáveis para
muitos acadêmicos e até mesmo para as autoridades Como resultado de seu vasto trabalho empírico,
públicas que acabaram se tornando a sabedoria con- Ostrom (1990) conseguiu provar que, ao contrário do
vencional (POTEETE; OSTROM; JANSSEN, 2011). cenário dicotômico proposto entre Estado ou merca-
Nessa perspectiva, Mancur Olson e Garret Har- do, existe uma terceira via para evitar a tragédia dos
din, principais autores pertencentes à teoria conven- recursos: os sistemas de autogoverno (LAURIOLA,
cional, foram fundamentais para que Ostrom (1990) 2009). Esses arranjos institucionais podem assimilar o
desenvolvesse seu trabalho sobre formas de ação que há de bom nas propostas do Estado ou mercado,
coletiva, contestando tal teoria. Olson, com sua obra buscando soluções mais justas e criativas para o uso
“A Lógica da Ação Coletiva”, destacou que indivídu- dos sistemas de recursos naturais (BAIARDI, 2011).
os racionais e centrados em seus interesses próprios Entretanto, ao evidenciar a possibilidade dos
são incapazes de se mobilizar em prol de interesses usuários entrarem em acordo para usufruir dos recursos
de forma sustentável, a pesquisa empírica identificou Nesse contexto, ao confirmar a possibilidade dos
também que tal acordo não acontece em todos os ca- usuários de recursos superarem os dilemas e criarem
sos e, ainda que estabelecido, obtém diferentes graus suas próprias instituições, além de evidenciar a sobrevi-
de sucesso (CAMPOS, 2006; OSTROM, 1990). Logo, vência de muitas por longos períodos, Ostrom (1990),
a grande descoberta identificada em seu trabalho de ao invés de encontrar regras específicas que pudessem
campo é a de que não existe um padrão único para estar associadas a essa longevidade – levando em
se chegar a uma solução. consideração a variação de regras em cada caso e a
Dessa forma, o comportamento dos indivíduos adaptação às condições locais – avançou na generali-
diante de uma situação de dilema social pode ser dade para entender as regularidades institucionais de
afetado por muitas variáveis, dentre elas: o tamanho uma forma mais ampla (OSTROM, 1990).
do grupo e a heterogeneidade entre os participantes. Dessa maneira, chegou a uma lista de oito prin-
Portanto, quanto maior o grupo, maior a possibilidade cípios que sintetizam os fatores que determinariam
de existir a desconfiança em relação ao outro. Ao passo a sobrevivência duradoura de uma instituição de
que a heterogeneidade está relacionada a questões recurso de uso comum e que vem sendo, ao longo
étnicas, culturais, socioeconômicas, dentre outras. Es- dos anos, utilizada por muitos pesquisadores. Assim,
sas variáveis explicam a necessidade de compreensão as instituições que respeitam os princípios enunciados
do local e do desenvolvimento de normas e regras mostram um significativo aumento da possibilidade de
adequadas para o êxito de uma atividade. Procedi- sucesso na gestão dos recursos comuns. Tais princípios
mento comumente observado em comunidades que não constituem, todavia, uma condição necessária,
possuem uma longa tradição (POTEETE; OSTROM; nem suficiente. É válido ressaltar que fatores de outra
JANSSEN, 2011). natureza podem intervir nesse sentido (POTEETE;
Assim, muitos grupos que utilizam áreas de pes- OSTROM; JANSSEN, 2011).
ca, florestas, sistemas de irrigação e pastagens fazem Ainda assim, os princípios constitutivos apresen-
uso da comunicação para desenvolver normas e regras tam-se como instrumentos úteis tanto para a análise
que lhes permitam diminuir a exploração excessiva. científica de casos empíricos quanto para a elaboração
Por conseguinte, passam a sinalizar o desejo de co- de políticas públicas. São eles: 1) limites bem defini-
operar e desenvolver uma identidade para o grupo. dos – clareza das regras para incentivar a cooperação
Nesse sentido, a comunicação e a confiança tornam- e evitar as externalidades; 2) equivalência entre custos
-se elementos essenciais na iniciação e manutenção e benefícios – benefícios associados ao recurso de uso
da ação coletiva, demonstrando que a cooperação comum na proporção das contribuições; 3) acordos
é maior do que a prevista pela teoria convencional de escolha coletiva – participação da maioria na ela-
em casos de dilemas sociais (POTEETE; OSTROM; boração e modificação das regras; 4) monitoramento
JANSSEN, 2011). – confiável, para que não haja desconfiança por parte
Sendo assim, essa interação social, além de dos usuários; 5) sanções graduadas – de acordo com
encorajar os indivíduos para a ação coletiva, propi- a gravidade da violação, estimulando quem infringiu
cia também a chamada “conversa fiada”, ou seja, a as regras a voltar a obedecê-las; 6) mecanismos de
possibilidade do estabelecimento de acordos sem a resolução de conflitos – que exponham os conflitos e
necessidade de imposição por parte de uma autorida- sejam conhecidos pela comunidade; 7) reconhecimen-
de externa. Portanto, mesmo em situações nas quais to mínimo dos direitos – o direito dos usuários criarem
os participantes contribuam de forma heterogênea, a as próprias regras deve ser reconhecido pelo Governo,
“conversa fiada” leva a um aumento no comporta- local ou Federal; 8) empreendimentos aninhados –
mento cooperativo (POTEETE; OSTROM; JANSSEN, quando os recursos de uso comum são parte de um
2011). Em outras palavras, se as pessoas tiverem a sistema maior, a intervenção do governo é necessária
oportunidade de conversar e conquistar a confiança no sentido de coordenar a interdependência entre
umas das outras, de forma recíproca, a cooperação as unidades maiores e menores (OSTROM, 1990;
surge como um ponto de equilíbrio na competição em POTEETE; OSTROM; JANSSEN, 2011).
torno dos recursos naturais escassos (CAMPOS, 2006).
locais, se organizam para o uso adequado dos recursos ainda, um desafio para os pesquisadores. Um grupo,
comuns. Assim, ao considerar que a racionalidade re- por exemplo, pode basear-se no que a maioria deci-
ferente a fins (instrumental), segundo Weber, utiliza as de ou em uma regra de escolha coletiva mais ampla
expectativas dos outros para alcançar os próprios fins e (POTEETE; OSTROM; JANSSEN, 2011). Partindo-se
que a racionalidade orientada por valores (substantiva) desse pressuposto, é possível identificar características
desenvolve suas relações com base na ação individual da racionalidade comunicativa ao considerar a inte-
e/ou coletiva, é possível encontrar nesta última uma ração social, por meio da comunicação, o argumento
convergência com o trabalho de Ostrom (1990), con- central utilizado pelos indivíduos para entender a
siderando a importância dos valores, especialmente complexidade dos ambientes de recursos naturais e dos
os culturais, para a compreensão das formas de ação ambientes político-econômicos, desenvolver normas e
coletiva (OSTROM, 1990; RAMOS, 1981; TEIXEIRA, regras e criar uma identidade para o grupo.
2008). Nesse sentido, o consenso, em ambos os casos, é
Por outro lado, Fligstein (2009) aponta que as resultado do envolvimento, transparência e clareza de
teorias neoinstitucionalistas enfatizam as regras e os informações entre os atores. A interdependência entre
recursos existentes como elementos constitutivos da estas condições demonstra que, em uma tomada de
vida social. Para este autor, a ação coletiva somente decisão coletiva, a coerção é estranha ao processo e o
é alcançada quando os participantes dessa ação são entendimento é considerado o caminho (CANÇADO;
induzidos a cooperar. A habilidade social de atores- PEREIRA; TENÓRIO, 2013). Assim, um agir comuni-
-chave permite o funcionamento dos grupos, ao induzir cativo pautado na confiança e reciprocidade, além de
a cooperação entre os atores, definir os interesses e as fortalecer a coesão, desperta a cultura da cooperação
identidades coletivas. Em outras palavras, tais atores entre os membros de um grupo, favorecendo o desen-
devem ser capazes de persuadir os outros a aceitar volvimento das potencialidades humanas.
certos valores prioritários e, até mesmo, convencê-los Diante do exposto, a análise da abordagem de
de que o que ocorrerá estará de acordo com seus Ostrom (1990) a partir de ideias-chave da gestão social
interesses (FLIGSTEIN, 2009). permite uma aproximação entre ambas por meio da
Nessa perspectiva, Habermas (2003) contribui categorização de elementos. Segundo Maia (2005, p.
com o tema ao identificar a racionalidade numa pers- 11), essas categorias são entendidas como:
pectiva intersubjetiva, na qual os acordos acontecem
mediante o entendimento entre as partes, denomi- Valores: princípios referenciais que inspiram e
dão direção às construções teórico-práticas da
nada racionalidade comunicativa. Dessa forma, os
gestão social;
atores sociais assumem em conjunto pretensões de
Propósitos: finalidades ou intencionalidades
validade com as quais se apresentam uns perante os
para onde se quer chegar com a gestão social;
outros. São elas: critério de verdade; compatibilidade
Focos: referências teóricas que dão sustentação
entre ação pretendida e contexto normativo vigente; à perspectiva explicativa e propositiva da gestão
convergência entre intenção e pensamento, expressos social;
pelo falante; enunciados inteligíveis para as partes em Agentes: pessoas e organizações que protago-
interação (TEIXEIRA, 2008). Fundamentada nesses nizam o processo da gestão social;
pensamentos, a gestão social identifica o diálogo como Locos e metodologia: o loco delimita o território
peça-chave de seu processo. Sua construção demanda ou o campo de viabilização da gestão social.
dos atores envolvidos tempo e maturidade necessários A metodologia constitui-se do caminho, das
para a formação de uma consciência crítica e, conse- ideias e dos instrumentos balizadores para a
viabilização da gestão social.
quentemente, de uma opinião pública comprometida
com a busca da verdade.
A partir do Quadro 1, é possível verificar essa
No âmbito dos recursos naturais, obter infor- aproximação e compreender como as perspectivas
mações sobre os custos e benefícios percebidos pelos para a ação coletiva, utilizadas por Ostrom (1990), são
usuários no momento das decisões coletivas representa, interpretadas no âmbito da gestão social.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa perspectiva, Ostrom (1990) defende que,
acima de qualquer interesse estão os interesses da Autogoverno (governing the commons) ou gestão
comunidade. Assim, na maioria dos casos em que social? As duas abordagens entendem que, acima
determinado recurso natural seja considerado proprie- de qualquer interesse encontram-se os interesses da
dade coletiva, existe a possibilidade de que, com menor sociedade – o interesse público – ressaltando, assim,
custo e maior garantia de preservação, regras sejam os atributos valorativos dos indivíduos na sua priori-
construídas para um desfrute coletivo e sustentável zação. Desse modo, a ausência de uma cooperação
desse recurso (BAIARDI, 2011). Dessa maneira, ao resultaria na incapacidade dessa sociedade exercer a
aliar seus interesses pessoais aos do coletivo, os indiví- solidariedade e participar de forma ativa, tornando
duos utilizam de sua capacidade para criar instituições claras suas demandas e não somente legitimando uma
adequadas por meio da ação coletiva. decisão política.
Assim sendo, a constatação de Ostrom (2002) de Assim, o argumento central de ambas é o de que
que o modelo de administração pública hegemônico pessoas comuns são capazes de resolver seus dilemas
apresenta limitações em suas tentativas de lidar com sociais, independentemente do Estado e do mercado.
questões de âmbito local corrobora com a gestão No entanto, a sociedade nem sempre se utiliza de seus
social ao identificar a necessidade de se implementar conhecimentos e habilidades em prol do interesse
políticas públicas de baixo para cima, a partir de gru- público. Verifica-se, no Brasil, a existência de certa
pos de cidadãos organizados em esferas locais. Essas “cultura” por parte dos indivíduos em acreditar que
esferas, quando bem informadas, são capazes de tomar o Estado resolverá todos os problemas, eximindo-se,
decisões mais responsáveis que as de seus governantes então, dessa responsabilidade. Como exemplo, é pos-
(SANTANA; FILHO, 2010). sível citar a crise na gestão da água, no tratamento do
Além disso, pode-se considerar como contribui- lixo urbano, no congestionamento de veículos, dentre
ção dos resultados das pesquisas de Ostrom (1990) tantos outros problemas que acometem a população,
para a gestão social, a relevância do desenho institu- em especial a dos grandes centros urbanos.
cional de regras e recursos para o desenvolvimento Partindo-se do princípio de que a deliberação
de uma ação gerencial dialógica voltada para o bem não deve ocorrer apenas na intimidade da consciência
comum e para o interesse público. No entanto, é válido de cada um, emerge a questão de como os problemas
ressaltar alguns limites da sua abordagem neoinstitu-
públicos podem ser resolvidos em situações nas quais CAMPOS, B. A. Estrutura de valores relativos ao trabalho:
as pessoas deveriam participar democraticamente de um estudo em empresas juniores. In: TEIXEIRA, M. L. M.
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do diálogo, do poder coercitivo do Estado ou do esta- São Paulo: Editora Senac, 2008. p. 389-408.
belecimento de regras? As possíveis respostas a essas
CAMPOS, M. Nem Leviatã, nem privatização: novos
questões nos remetem a diferentes abordagens teóricas
desenvolvimentos para a teoria dos recursos comuns.
e ontológicas.
Revista Científica da Faminas, [S.l.]v. 2, n. 2, p. 95-
Como sugestão para os próximos estudos,
117, maio-ago. 2006.
destaca-se a importância em avaliar a possibilidade
das regras e formas de uso dos recursos comuns, no CANÇADO, A. C.; PEREIRA, J. R.; TENÓRIO, F. G.
âmbito do interesse coletivo, exorbitarem para o âmbito Gestão social: epistemologia de um paradigma. Curitiba:
do interesse público, na perspectiva da gestão social, CRV, 2013.
levando-se em consideração as demandas sociais,
ambientais e político-econômicas deste cenário. CAVALCANTE, P. Descentralização de políticas públicas
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