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organizacional
André Luis Corrêa da Silva1
Resumo
O presente trabalho pretende apresentar algumas questões teóricas relevantes para entender processos de
mudança organizacional. Nosso objetivo é o de avançar no debate teórico sobre os processos de mudança institucional
através dos mecanismos de transgressão a ordem instituída. As teorias organizacionais ao tratar da mudança destacam
os aspectos exógenos (ambientais), o poder organizativo e a formação de preferências dentro da organização através de
um aprendizado (learning). Nesse contexto, a mudança é um processo adaptativo da organização ao meio externo. Na
perspectiva da sociologia francesa, em particular, nos trabalhos de Bourdieu e aqueles pesquisadores que deram
sequência a essa agenda de pesquisa, a mudança é parte integrante das lógicas do campo do poder, pois, nesse modelo a
posição dos agentes é constantemente questionada.
Introdução
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Doutor em Ciência Política. E-mail: andcorrea@ibest.com.br
É dentro das organizações que os agentes constroem na relação com a particularidade das
conjunturas, seus esquemas de legitimação e o fundamento de sua ação, assim como mobilizam
seus repertórios, adquirem recursos e os utilizam ou não.
Decorrente dessa perspectiva analítica, algumas possibilidades teóricas alternativas podem
ser pensadas a fim de dar conta da problemática. Essas opções apresentam simultaneamente
aspectos positivos e negativos no tratamento de determinadas premissas. A partir disso,
consideramos a possibilidade de discutirmos alguns pontos relevantes desses modelos teóricos com
a intenção de ressaltarmos as diferentes implicações teórico-metodológicas nas escolhas adotadas.
Dentro dos modelos que consideram a prevalência da organização sobre os indivíduos,
contamos com a teoria das organizações que é uma escola crítica da racionalidade, e que estabelece
limites para a cognição. Segundo essa corrente, “tempo e informação não são suficientemente
abundantes para que indivíduos calculem suas preferências medindo a totalidade de todas
alternativas e suas consequências” (IMMERGUT, 1998, p.14- nossa tradução). Para esta escola, as
decisões políticas não podem ser vistas como macro agregadas formadas a partir das preferências
individuais, mas como resultado de aspectos cognitivos e procedimentos organizacionais que
produzem decisões a despeito das incertezas (IDEM, 1998, p.16).
A ênfase nessa proposição é importante, por estabelecer um novo marco analítico: as
preferências, antes vistas de um ponto externo da organização, agora são entendidas como parte
constituinte dela. Em síntese, as preferências são formadas, apreendidas e expressas na relação com
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Em Charles Perrow (1986) ela aparece junto com a hierarquia burocrática como mecanismo de dominação (APUD,
IMMERGUT, 1998, p.16).
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É possível situar a obra de March e Olsen (1989) dentro do institucionalismo sociológico ou teoria das organizações.
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Um modelo apresentado pelos autores é o Garbage Can Model que postula a substituição da ordem temporal por uma
ordem consequencial, nesse caso, os problemas, soluções, decision makers e oportunidades de escolhas ocorrem
simultaneamente.
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Por recursos da organização entende-se o conjunto de bens materiais e simbólicos disponíveis para utilização dentro
de uma organização. Em uma vertente associada à administração eles são denominados de recursos organizacionais e
estão divididos em recursos físicos ou materiais, financeiros, humanos, mercadológicos e administrativos (DUBRIN,
2003).
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Ação no modelo teórico de March e Olsen (1989) pode ser traduzida como o comportamento normativo de atores
socializados em instituições.
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Desse processo advém vantagens para pessoas que possuem recursos econômicos ou intelectuais (1989, p. 28).
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Immergut (1998) aponta para o fato de que os institucionalistas históricos estão indo além da utilização da história
como método e trabalhando história como uma teoria ou uma filosofia.
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A observação comparativa histórica trabalha freqüentemente com um número de variáveis maior que o número de
casos e isso inegavelmente possui implicações metodológicas. Outro ponto de discussão importante é o fato de que fica
difícil estabelecer a relação de causalidade ou mesmo os graus de associação entre as variáveis já que se trata de um
processo de relação multivariada. A despeito desses questionamentos de método as análises dos institucionalistas
históricos permitem testar hipóteses.
Embora para o esquema pensado por Bourdieu o conceito de Estrutura seja inseparável do
conceito de habitus, nas tentativas de dialogar com seu modelo teórico, os analistas de organizações
tem privilegiado um sobre o outro. Um dos aspectos sublinhados nas tentativas de estabelecer um
diálogo entre as diferentes perspectivas é aquele relacionado à ênfase atribuída ao poder e ao
interesse, muito mais significativos nas abordagens construtivistas de Bourdieu do que naquela
contemplada pelo funcionalismo e nas vertentes institucionalistas. Para alguns desses interpretes,
Mais preocupado com uma resposta utilitária da teoria das elites do que com as tentativas de
ruptura paradigmática, Marenco (2008) examina de que forma essa retomada seria útil a fim de dar
resposta a questões pendentes nas teorias institucionalistas, tais como, a tendência a endogeneizar a
Para os objetivos desse trabalho interessa, particularmente, o que Sawicki e Siméant (2011)
denominaram de nível micromeso, ou ainda um modelo organizacional da militância. Nesse
modelo, o engajamento “emerge na intersecção das expectativas organizacionais e das experiências
pessoais” (KANTER, 1968, p. 499). Logo, compreender o engajamento em uma organização supõe
não apenas dar conta dos motivos e das motivações, mas também das estratégias 10 dos agentes
sociais para manter e orientar essas motivações no interior da organização, possibilitando a
acumulação de recursos.
Entendemos a organização como algo que não pode ser explicado pelos seus objetivos
declarados. De fato ela só existe à medida que consideramos os indivíduos que agem em seu
interior e que se encontram inseridos em um determinado contexto social. Nesse sentido, a
organização deve ser entendida como sendo o “produto objetivado de uma prática incessantemente
em jogo” (PUDAL, 1989, p. 125). Não se trata apenas de uma entidade formalizada, mas de todas
as formas de ação instituídas e, inclusive, das imposições sobre seus membros dos mecanismos de
seleção (SAWICKI; SIMEANT, 2011).
A “configuração” depende das disposições dos militantes, dos recursos que se encontram em
disputa e da legitimidade construída pelos militantes (TOMIKASI; ROMBALDI, 2009). É
importante estabelecer uma distinção entre organizações que tomam como objetivo um interesse e o
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Em Bourdieu (1989) o agente é mais “atravessado” pelas estratégias do que é capaz de propô-las, ainda assim, ele
possui alguma margem de manobra, menos do que em Giddens (1993) e menos ainda do que os indivíduos agindo sob
condições de escolha sub-ótima da teoria da escolha racional.
São as organizações que proveem uma alternativa através da concentração do capital simbólico na
pessoa do porta-voz. A militância proporciona o acesso a cargos que, por sua vez, resultam em
benefícios não coletivos para os dirigentes. Esses benefícios consistem em estímulos materiais e
retribuições honoríficas, sendo essas últimas uma dimensão que não deve ser negligenciada do
militantismo quando se pensa na reconversão de capitais para a política partidária.
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Para Bourdieu (1988), a noção de interesse funciona como um instrumento de ruptura com a mistificação das
condutas humanas.
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Ainda que o conceito de politização tenha sido concebido para entender a dinâmica de sociedades em que ocorre a
autonomização e independência de esferas sociais é possível traduzi-lo para uma realidade como a brasileira. Por mais
que nas sociedades periféricas a relação com a política seja indiscernível das outras esferas da vida social (COMBES,
2008) é justamente nessa relação que ela (a politização) se torna importante para explicar [não apenas as transgressões],
mas, sobretudo, as possibilidades de compensar a escasses de recursos sociais de origem.
6- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentro dos analistas que se debruçam sobre a Teoria das Organizações, especialmente
aqueles dedicados a investigação mais genérica e normativa do comportamento organizacional há
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Um exemplo desta setorização é a crescente diferenciação das atividades políticas e das atividades sindicais, ainda
que os objetivos dos dois se apresentem como idêntico (LAGROYE, 2003).
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