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Desafio da Atuação Internacional dos Atores Subnacionais: a Realidade Brasileira

Juliana Ferreira Montenegro

RESUMO
O artigo desenvolve um estudo mostrando as dificuldades encontradas para o
desenvolvimento da paradiplomacia no Brasil. Para tanto, são apresentados o contexto
histórico que ensejou a necessidade da mudança de paradigma do Estado soberano para
aceitação de novos atores no cenário internacional. Essa abordagem vem ganhando cada
vez mais interessados face as necessidades do mundo globalizado. Para o
desenvolvimento do presente estudo, utilizando-se do método hipotético dedutivo, fez-
se o uso de estudo documental e de casos relatados em bancos de dados para descrever
as tendências gerais da atividade paradiplomática em crescimento no Brasil. A pesquisa,
ao mesmo tempo que reconhece o crescimento da atividade, discerne a singularidade
local e as dificuldades encontradas pelas unidades subnacionais para a concretização das
atividades de cooperação internacional. E busca responder: existe atividade
paradiplomática no Brasil, mesmo sem a autorização legal para tal atividade? Assim, a
pesquisa inova ao trabalhar um tema ainda não regulamentado no Brasil, e que reflete a
prática constante de diversos estados e municípios brasileiros.
Palavras-chave: Atores subnacionais, Paradiplomacia, Globalização, Relações
Internacionais, Governo subnacional.

Abstract
The article develops a study showing the difficulties encountered for the development of
paradiplomacy in Brazil. In order to do so, we present the historical context that led to
the need for shift the paradigm of the sovereign state to accept new actors in the
international scenario. This approach has been gaining increasing interest in the needs
of the globalized world. For the development of the present study, using the
hypothetical deductive method, documentary and case studies reported in databases to
describe the general trends of paradiplomacy activity in Brazil. This research, while
recognizing the growth of activity, discerns the local uniqueness and difficulties
encountered by the subnational units in the realization of international cooperation
activities. And it seeks to answer the question: is there paradiplomacy activity in Brazil,
even without the legal authorization for such activity? Thus, research innovates by
working on a theme not yet regulated in Brazil, which reflects the constant practice of
several Brazilian states and municipalities.
Keywords: Subnational actors, Paradiplomacy, Globalization, International Relations,
Subnational Government.

Introdução
O processo de globalização e a gradativa perda de capacidade de resolução de
problemas do Estado-nação demandou um processo de readequação de papéis no
cenário internacional. O surgimento de diferentes demandas nas agendas internacionais
forçou o direito e as relações internacionais à modificação e a modernização dos
institutos de base. Essa modificação permitiu que novos atores participassem de
atividades mais complexas na seara internacional.
Nessa nova conjuntura de mundo fortemente globalizado e com crescente
modificações de papéis, despontam-se os atores subnacionais. Com esses novos atores
surgem também a reivindicação da participação efetiva nos processos de cooperação
internacional sob o signo da paradiplomacia.
Essa realidade fica evidenciada quando os olhares recaem sobre as unidades
subnacionais. Estados e municípios são aglomerações humanas por excelência e
passaram, ao final do Século XX e início do Século XXI, a serem atores da sociedade
internacional. Com isso, o compartilhamento de experiências, de boas práticas e
projetos de sucesso, tornou-se práticas cada vez mais corriqueiras. Somado a isso, as
unidades subnacionais passaram a buscar diretamente no exterior parte dos seus
investimentos, para que pudessem melhorar as condições de vida de seus habitantes.
Devido a essas reflexões, o trabalho foi se estruturando. Aborda-se a construção
histórica que permitiu a inserção de novos atores, apresentando as principais concepções
da atividade paradiplomática das unidades subnacionais. Para tanto, o trabalho percorre
a construção história e uma posterior desconstrução do paradigma vigente, realizada
pela modificação da compreensão do Estado como único sujeito, caminhando até as
novas concepções em que o sujeito passa a dialogar com outros atores. Assim, analisa-
se a importância da atuação internacional dos novos atores no contexto global. E ainda,
conceitua-se o que vem a ser paradiplomacia e, aborda-se as principais características
dessa atividade.
Desta forma, a presente pesquisa busca apresentar o panorama do sistema
internacional clássico e os atuais contornos do sistema moderno, ressaltando a atuação
das unidades subnacionais como atores emergentes nesse sistema. Confronta-se a
realidade clássica marcada pelo paradigma westfaliano, que perdurou por séculos na
política internacional, com a perspectiva contemporânea redimensionada pela
globalização. O choque entre o Estado na sua concepção tradicional, os diálogos com as
transformações sofridas ao longo dos tempos e as modificações frente às inovações da
sociedade moderna, representam a marca deste trabalho.
Debate-se os processos de mundialização que impulsionaram o afloramento de
novos atores e de novas realidades no contexto mundial. Nesse sentido, demonstra-se
que atores não-estatais vêm adquirindo relevância crescente nos diversos assuntos
internacionais, por força da facilidade vislumbrada pela sua área de atuação e da
proximidade destes, com a população local.
Para contemplar essa construção, utilizando-se do método hipotético dedutivo,
através de estudo documental e de casos relatados em bancos de dados, a pesquisa está
dividida em três seções. Na primeira, trabalha-se com a discussão teórica sobre sujeitos
e atores no direito internacional. Aborda-se a visão clássica, predominante no direito,
cujo entendimento é de que os Estados são os sujeitos do direito e detém a atuação
internacional; e, avança-se para o estudo dos atores emergentes apresentando os novos
contornos da sociedade moderna e iniciando a ênfase na atuação das unidades
subnacionais no cenário internacional. Esse entendimento se coaduna com outros
autores nacionais tais como José Flávio Sombra Saraiva, Tullo Vigevani, Maria Clotilde
M. Ribeiro, Karina Pasquariello Mariano dentre outros.
Na sequência o foco é conceituar o desafio da atuação dos atores, dialogando
com a temática da paradiplomacia como uma atividade carente de um marco regulatório
e que na prática representa uma realidade possível, crescente e relevante nos estados
modernos. Tal atividade vem sendo objeto de estudo por parte de diversos autores que
entendem que os atores subnacionais, ao procurarem a atividade paradiplomática,
buscam novas dinâmicas econômicas e de relacionamento internacional como forma de
ampliar da autonomia dos Estados e uma busca para responder aos reflexos da
globalização e da integração regional.
Na sequência, trabalha-se a realidade brasileira, destacando as dificuldades
enfrentadas pelos atoes subnacionais no âmbito nacional, face a falta de regulamentação
e dificuldade de conceituação das atividades realizadas. Objetiva-se verificar, no caso
concreto de alguns municípios brasileiros, se a atuação destes atores pode ser
considerada de fato, como uma atividade paradiplomática.
E, em sede de conclusão, objetiva-se demonstrar que os resultados da pesquisa
feita por meio da análise sistemática de casos na doutrina, em que se trabalhou a
investigação direcionada para a verificação das atividades cabíveis às unidades
subnacionais, demonstram que a paradiplomacia vem sendo realizada no Brasil.
A contribuição do presente estudo se consubstancia na validação do estudo
sistemático de casos para a comprovação da efetivação da atividade de paradiplomacia
no Brasil. Essa constatação se dá, apesar da falta de regulamentação específica
estabelecendo parâmetros legais para a atividade em questão.
Assim, a pesquisa busca compreender as relações internacionais dos novos
atores, verificando se a atividade realizada pela unidade subnacional se configura como
uma atividade paradiplomática e se há um ganho para o governo local, tal qual visto a
partir da inserção desses novos atores em um contexto global.
O marco teórico trabalhado nesse estudo privilegia a análise das interfaces entre
Estado soberano, pautada no referencial legal do tema e na atuação das unidades
subnacionais cujo parâmetro pende para as relações internacionais (LEFÈVRE,
DÁLBERGO, 2007).

1. Novos Atores Internacionais


As relações internacionais sofreram grandes modificações ao longo dos séculos.
Especialmente no curso do século XIX, observou-se profundas e importantes mutações
no contexto político internacional que rompeu com o modelo norteador da organização
dos Estados, que fora estabelecido em Westfália1 (MAZZUOLI, 2016, p. 75).
A partir de Westfália, consolidou-se o sistema clássico internacional, marcado
pelo alicerçamento da unidade política mais importante das relações internacionais: o
Estado (DIAS, 2010, p. 48). Esse importante sujeito detinha autoridade exclusiva no
âmbito nacional e realizava alianças para a manutenção da estabilidade política no
entrecho internacional. Foi no período da Guerra dos Trinta Anos (1618 - 1648) e nos
séculos posteriores que se consolidou essa dinâmica e centralidade de poderes, em cuja
preocupação residia essencialmente as questões de segurança internacional.
Nesse mesmo sentido, o doutrinador e jurista alemão Carl Schmitt, aponta que a
personalidade do Estado soberano se firma a partir da Paz de Westfália em 1648. Esses
tratados, consagraram o sistema internacional vigente, ao respeitar de forma unânime,
noções e princípios universalmente conhecidos, como o de soberania estatal e o de
Estado nação2 (MELLO, 2007, p. 363).
Como consequência direta da era westfaliana, a sociedade internacional passa a
ser regida por princípios que perduraram ao longo dos séculos. Destaca-se o princípio
da não ingerência, que norteia a condução do Estado no sentido do respeito aos limites

1
Tratados de Westfália (elaborados por Hugo Grotius enquanto Embaixador do Rei da Suécia).
Concluídos em 1648. Marca o colapso do feudalismo e a consolidação do Estado moderno (CASELLA,
2012, p. 90).
2
A partir do século XVIII, a noção de Estado moderno e o entendimento que os Estados detinham sobre
Nação, fundem-se para formar o que hoje é conhecido como “Estado-nação” (MAZZUOLI, 2016. p.
384).
territoriais, permanecendo a soberania deste ente, no interior das suas fronteiras. Outra
importante regra derivada do período westfaliano, refere-se ao princípio da jurisdição
territorial dos Estados, na qual defende que o Estado é o ente soberano que dita as
regras no interior das suas fronteiras e somente ele, impõe lei e determina a forma de
organização política para aquele povo, dentro do território determinado (BROWNLIE,
p. 17, 2008). E por fim, outro ganho direto e expressivo para as relações internacionais,
relaciona-se com o princípio da igualdade soberana dos Estados que estabelece a
igualdade formal entre todos os Estados, pois todos são soberanos (DIAS, 2010, p. 39).
Complementando a noção relativa ao princípio da igualdade, Hildebrando
Accioly afirma que esse é um dos pilares do Direito Internacional Público pós
Westfália3 que, presente nos tratados de Münster e Osnabrük, marcaram o fim de um
período abrindo os horizontes para um novo regramento. Os tratados delineados em
Westfália congregaram os preceitos de Hugo Grócio e transformaram o direito
internacional no conjunto de regras que se conhece na atualidade.
Em face da necessidade que a época demandava e as atividade extraterritorial,
consolidou-se o Estado soberano como unidade política mais importante nas relações
internacionais. Essa unidade da organização política mundial tinha como marca um
governo central, que exercia o seu poder sobre um agrupamento permanente de pessoas
(população relativamente constante), dentro de um território definido pelas fronteiras e
limites (CASELLA, 2012, p. 259).
A ideologia preconizada a partir de Westfália propiciou o avanço da sociedade
internacional em termos conceituais e teóricos. Estabeleceu uma nova ordem embasada
na negociação, que legitimava a associação e coalizão de Estados soberanos, sem
desmerecer a hierarquia e proeminência entre Estados e a mutabilidade da balança de
poder (SARAIVA, 2008, p. 43).

um importante marco divisório entre o período medieval e o período moderno,


consolidando a formação dos Estados Soberanos; por outro, vislumbra-se a
modernização da sociedade e do direito internacional, emergindo novas teorias para
explicar a mudança na ordem internacional. Surge então a ideia de Estado-nação, cuja
legitimação de poder estava no povo (DIAS, 2010, p. 49).
Com a intensificação das relações internacionais e o aumento constante da
complexidade das relações entre Estados, ocorreu gradativamente, um enfraquecimento
das relações estadocêntricas cedendo lugar a um emaranhado de relações mais
complexas, possibilitando assim o surgimento de outros sujeitos atuantes em âmbito
internacional.
Ante a essa nova realidade e um dinamismo contínuo nas relações
internacionais, percebe-se o compartilhamento das relações internacionais com
diferentes atores.
Para aprofundar o entendimento sobre essa atuação internacional, a autora
Saskia Sassen (2004) aborda os impactos gerados pelo processo de globalização. Dentre
as modificações, destaca-se a atuação e inserção dos novos atores na política
internacional e regional, o que propiciou uma abertura para atuação dos atores
subnacionais, ocasionando uma revisão dos limites de atuação do Estado-Nação.
Assim, ante o avanço da globalização, o Estado deixa de ser o único sujeito
internacional e passa a compartilhar o cenário das relações internacionais com
diferentes atores. O recorte histórico - temporal adotado para compreender a mudança

3
Os tratados de Münster e Osnabrük, na Westfália, em 24 de outubro de 1648, marcam o fim da Guerra
dos Trina Anos (1618 – 1648). Esses acordos estabelecem as bases do direito internacional moderno
(CASELLA, 2012, p. 90).
do paradigma vigente do Estado soberano para a atuação de novos atores, remonta o
avanço da globalização e, em específico, o período pós-guerra fria. Esse marco histórico
representou o fim da bipolarização do poder e o surgimento de uma nova ordem
internacional que contemplou a inserção de novos atores, compartilhando a elaboração
de políticas externas. Esse referencial se mostra importante pois, representa a
emergência de um contexto diferenciado e complexo.
Nesse cenário, constata-se o fim de uma era de hegemonia do Estado como
único sujeito efetivo e atuante no ambiente internacional (construído deste a era
westfaliana), até a abertura para os novos atores. Preconizou-se o surgimento de atores
que passaram a operar no cenário internacional, sem a participação direta do Estado.
O ponto de inflexão ora apresentado é de grande relevância porque representou a
necessária mudança de um paradigma vigente. O novo contexto contemporâneo enseja a
reformulação de teorias já postas e fortemente consolidadas. A emergência de grandes
temas que o Estado não dá conta de responder e as mais diversas demandas dessa
sociedade complexa, levou a partilha de competências internacionais. Nesse ponto,
destaca-se o surgimento de novos temas que as unidades subnacionais passaram a
operar junto às Relações Internacionais como um ente individual, de forma mais efetiva
que o Estado soberano.
Vis-à-vis a gradativa perda de capacidade do Estado em responder de forma
satisfatória os diversos desafios e o aumento das demandas do Sistema Internacional
(MARIANO, 2004), o Estado se viu na necessidade de se reorganizar. Os imperativos
da sociedade moderna e as novas conformações estabelecidas no pós-guerra,
especialmente após a instituição da Organização das Nações Unidas, aumentaram
consideravelmente a necessidade de participação de novos atores, que conjuntamente
com o Estado, passaram a ditar o ritmo da evolução das relações internacionais.
Não obstante a vasta gama de atores, nota-se que ainda existe espaço para outros
atores trabalharem, lacunas que carecem de preenchimento. Face essa amplitude,
desponta a teoria da interdependência complexa4 que buscou dar respostas a eclosão de
novos atores no mundo globalizado. Essa teoria trabalhou para explicar o contexto
político, econômico no mundo contemporâneo.
A transição de poder, de um ente ao outro, não ocorreu de forma linear e serena.
Diversos teóricos buscaram as explicações sobre o processo de mudança de poder, para
identificar como essa mutação estava ocorrendo e quais seriam as possíveis
consequências. A abertura conceitual trazida pelo modelo da interdependência
complexa remete ao estudo da atuação dos múltiplos atores que interagem na sociedade.
Esse diálogo é facilitado pela ampliação dos temas da pauta internacional 5, somados à
crescente relevância da atuação dos entes subnacionais, tais como Municípios, Estados
federados, Províncias6, Cantões7 e Länder8.
Essa crescente multiplicidade de participação fica evidenciada face as pressões
globais por desenvolvimento. O cenário globalizado de novos e diferentes atores cuja

4
Teoria da Interdependência Complexa buscar trazer um equilíbrio entre os modelos existentes.
Idealizada por Robert Keohane e Joseph Nye, no livro Power and Interdependence: world politics in
transition. Um marco para as Relações Internacionais.
5
O Estado teve como preocupação a segurança nacional. Porém, frente a globalização e as novas
demandas houve a necessidade de voltar o seu olhar para outras questões. Problemas que envolvem
mudanças climáticas, questões de direitos humanos, etc.
6
Províncias e organizações autônomas que não possuem soberania. Essa denominação é muito utilizada
na Argentina.
7
Cantão é um tipo de divisão administrativa de um país, muito utilizado em alguns países, como a Suíça e
o Luxemburgo, fruto da divisão necessária à estrutura federal de estado.
8
Länder (singular Land) representa os estados federados. Termo utilizado na Alemanha e Aústria.
interdependência é potencializada pelos processos de cooperação internacional
acrescido da dependência das nações em termos econômicos, desponta a atuação das
unidades subnacionais que vem buscando autonomia gradativa em alguns setores.
Soma-se a essa procura, a necessidade de reestruturação da agenda política e econômica
com a inserção de novos atores, especialmente os entes subnacionais cuja atuação é
mais próxima dos destinatários finais dos acordos internacionais. (FILHO & VAZ,
2008).
Ademais, estados, cidades e municípios são vistos como agentes de
desenvolvimento econômico, por isso, devem buscar a coordenação de políticas das
diversas esferas, em especial com a instância nacional (VIGEVANI, 2006). Essas são
algumas das razões que impulsionam esses atores a buscarem cada vez mais a
intensificação de sua participação internacional, sendo essa autonomia mitigada do
governo central, o resultado da busca para de atender as demandas locais.
O desenvolvimento das relações sociais no seio da sociedade internacional
oportunizou aos atores subnacionais a desenvolver de fato a sua autonomia. Passaram a
ocupar paulatinamente um papel na política internacional, que outrora era dominado tão
somente pelos estados soberanos. Essa divisão na arena internacional com outros atores,
impulsionou a efetivação do direito internacional, permitindo uma maior concretização
das normas e uma cooperação recíproca mais sólida entre os países9.

2. Desafio da Atuação dos Atores Subnacionais


Com a crescente intensificação das relações internacionais, ante o novo cenário
de integração e interdependência do mundo moderno, os novos atores, em especial os
governos subnacionais, passaram a ser cruciais e importantes players no cenário
internacional (COHN, SMITH, 1996, p. 53).
Esses novos atores, passaram a auxiliar o Estado soberano na importante tarefa
de auxiliar o desenvolvimento e atender a demanda específica de cada localidade. Sobre
esse ponto, vale destacar a necessidade de diversificação da agenda internacional,
contemplando o alargamento do rol de atores internacionais e de atividades.
Diante dessa nova realidade, enfrenta-se a discussão sobre a necessidade de
reconhecimento de personalidade jurídica a atores que vem influenciando
significativamente as relações internacionais, mas que ainda permanecem
marginalizados por falta de reconhecimento, conforme destaca a doutrina majoritária
(SALOMÓN, NUNES, 2007).
Dessa forma, as unidades subnacionais vão buscando um lugar possível, por
meio da construção de uma nova sociedade internacional onde a participação ativa dos
novos atores se mostra cada vez mais presente.
Como representação dessa atividade inconteste é possível identificar a
participação dos novos atores em diversos foros internacionais. Os atores vêm
estabelecendo uma agenda local diferenciada para a atuação internacional. São
programas e metas para abordar questões globais em nível local, a fim de responder de
forma mais rápida e mais direta as demandas internas. Dentre as mais diversas

9
Importante destacar, que os estados assinaram diversos acordos firmados entre o Banco Mundial e
Estados Federativos. Dentre esses, em um recorte Latino-americano, destacam-se: “Amazon Sustainable
Landscapes Project”; Suriname Extractive Industries Technical Assistance RE; Panama Health
Information System Project., e outros. Informação disponível em:
http://www.worldbank.org/en/region/lac/projects/all?qterm=&lang_exact=English&os=20. Acesso em
02 fev. 2018.
formações, destaca-se: Local Governments for Sustainability: ICLEI10; United Cities
and Local Governments: UCLG; Grupo C40 de Grandes Cidades para a Liderança
Climática.
No âmbito nacional brasileiro, destaca-se a Frente Nacional de Prefeitos: FNP;
Programa Município Sustentável – Fórum permanente de prefeitos do programa
municípios sustentáveis, dentre outros. Esses fóruns buscam, por meio da reunião dos
municípios e estados, trabalhar com agendas que visam a construção de um futuro
urbano sustentável. Essas atividades respondem à matriz de oportunidades apresentado
pela sociedade moderna em um mundo globalizado.
Por meio da participação dos governos não centrais em organizações ou fóruns
sistemáticos, a atividade subnacional vem se consolidando. Esse fortalecimento atrai
adesão de novos atores que, em busca da diversificação de oportunidades, recorrem a
essas organizações a fim de impulsionar as suas relações locais.
A participação das cidades em rede também é uma das formas de consolidação
da atividade paradiplomática que vem despertando interesse de muitos estados. Vale
lembrar que a Rede Mercocidade implantada em 1995 como uma rede de cidades cuja
atuação internacional fortalece a formação regional. Também tem relevância
paradiplomática as atividades desenvolvidas pela Rede 10 da URBAAL – Luta contra a
pobreza urbana. Ambas são formações que buscam acordos internacionais para
fortalecerem o desenvolvimento local. As parcerias buscam auxiliar a captação de
recursos junto a organismos internacionais ou a parceria entre as cidades para a partilha
de boas práticas.
Outro desafio da inserção dos novos atores no cenário internacional,
intimamente ligado ao reconhecimento, diz respeito a existência de um regramento
específico no direito interno.
Diversos países já compreenderam a extroversão das atividades dos atores
internacionais e regulamentaram essa atividade. Esse ativismo dos atores subnacionais
se dá por concessões de atividades, feita pelos governos centrais, nos casos de regimes
federativos. Na América Latina, destaca-se o caso da Argentina que ao realizar a
reforma constitucional de 1994, estabeleceu a previsão legal de atuação externa das
unidades subnacionais, as províncias (KUGELMAS E BRANCO, 2005, p. 178).
Outras experiências de atuação dos novos atores também se destacam, como o
caso do Canadá e do País Basco, na Espanha. No caso Canadense, a província de
Quebec realiza atividades paradiplomáticas de cunho econômico com o intuito de
buscar a ampliação do desenvolvimento e crescimento econômico local. Já a realidade
do país Basco é um pouco diferente pois, as atividades paradiplomáticas perpassam a
seara econômica e também seguem na busca de apoio internacional à causa separatista,
por meio do trabalho com outros governos. Esses dois exemplos são referências para a
compreensão do desafio de conceber e concretizar as formas de cooperação
internacional a partir de uma série de atores subnacionais.
Muito embora seja um desafio, a atividade paradiplomática, enquanto uma
atividade internacional realizada por um governo não central, já é realizada de forma
institucionalizada em diversos países: Alemanha, Áustria, Suíça, Federação Russa, além
dos casos já mencionados.
No caso da Europa a existência de um Comitê de Regiões da União Europeia
fomenta a atividade paradiplomática, representando a ponte entre as cidades e a União
Europeia, dando a voz as unidades subnacionais. Assim, na Alemanha os Lander

10
Os governos locais e regionais unidos formam uma rede de cidades que representam uma diversidade
de interesses. São projetos, parcerias e iniciativas e buscam atender as mais diferentes demandas ligadas à
população local.
(estado subnacional) possuem participação na formulação da política externa do país.
Outro caso importante na Europa é a atividade paradiplomática da Áustria. Essa
relevância ocorre devido a presença positivada no texto constitucional da prerrogativa
dos entes não centrais de assinarem tratados, especialmente os Estados limítrofes. Esse
benefício só é possível de concretização se obtiver a autorização do governo central,
visando o equilíbrio federativo.
Ainda dentre os casos existentes na Europa, a França também desenvolve
atividade paradiplomática, que iniciou o processo de descentralização a partir da Lei
Deferre11, dotando novas competências para o nível local, sem ferir os preceitos do
Estado central.
Soma-se aos casos institucionalizados, as formas de paradiplomacia não
institucionalizadas, ou seja, as atividades concretizadas de forma direta, sem uma
legislação específica ou sem órgãos próprios para realizarem a ponte entre os Estados.
São casos como o Canadá, Estados Unidos, México, Brasil dentre outros.
A prática americana contempla a possibilidade de os Estados desenvolverem
acordos internacionais de cooperação, porém não há previsão legal, mas sim, um
entendimento de que esta atividade não está vedada aos Estados (HENKIN, 2002, p.
152).
No México, a Constituição estabelece que é de competência do governo central a
assinatura de tratados internacionais, conforme disposto no art. 89 do texto legal 12.
Ante as necessidades locais, o México modernizou a sua legislação, em 1992,
permitindo que os seus Estados pudessem assinar acordos entre Estados (Velázquez,
2004, p. 14).
No Brasil a prática de atividades diplomáticas é de exclusividade do governo
central. Porém, mesmo com as limitações constitucionais o ativismo de Estados e
Municípios se destacam por meio de atividades que o texto legal não veda. Dessa
forma, as unidades subnacionais realizam acordos internacionais cuja a oneração é
local. Essa falta de regulamentação da atividade paradiplomática no Brasil traz
consequências. Estudos realizados pela Frente Nacional Prefeitos (FNP) indicam que
diversos municípios brasileiros não realizam atividades internacionais, sejam
cooperação ou atividade de irmanamento, por conta da falta de regramento que legisle
sobre essa temática (RODRIGUES, 2006, p. 50).
Face a essas novas perspectivas de crescimento e desenvolvimento, o Estado
brasileiro busca a inserção efetiva da prática paradiplomática para que governos não
centrais possam promover o desenvolvimento local por meio da paradiplomacia e da
cooperação internacional.

3. Realidade Brasileira de Paradiplomacia


O fenômeno da atividade subnacional enquanto “uma atividade de política
externa de uma unidade federativa” especificado inicialmente por Panayotis Soldatos
(1990) teve importante repercussão prática e doutrinária. O autor ora mencionado,
estabeleceu contornos para atividade subnacional “como uma atividade limitada de
política externa” (SOLDATOS, 1990, p. 41). Tal conceito foi repetido e replicado por
diversos estudos tal qual (VIGEVANI, 2006); (BRANCO, 2008); (SALOMÓN e

11
LOI 82-213 du 02 Mars 1982 - "Loi Defferre" - Loi relative aux droits et libertés des communes, des
départements et des régions. Modificado posteriormente pela Lei nº 96-142 de 21 de fevereiro de 1996 -
art. 12 (V) JORF 24 de fevereiro de 1996.
12
Art. 89, X. “Las facultades y obligaciones del Presidente, son las siguientes: (…)
X. Dirigir la política exterior y celebrar tratados internacionales (…). Disponível em:
http://www.ordenjuridico.gob.mx/Constitucion/cn16.pdf. Acesso em 12 out 2018.
NUNES, 2007); (PRIETO,2004) e culminaram com a prevalência do termo
paradiplomacia para tratar da atividade internacional dos atores não centrais.
A atividade paradiplomática das unidades subnacionais, utiliza-se dos estudos de
Noé Cornago Prieto que avança na especificação da atividade. O autor entende o
conceito de paradiplomacia como sendo a atividade que envolve os governos não
centrais nas atividades internacionais por meio de contatos permanente com entidades
tanto do setor público como do setor privado estrangeiro com o propósito de promoção
da cooperação econômica, social e cultural ou outra dimensão que seja do interesse da
unidade não subnacional (PRIETO, 2004, p. 66).
Nas definições apresentadas acima, enfatiza-se o papel dos governos "não-
centrais" que trabalham de forma a buscar promoção local, desde que não estejam em
conflito com o governo central.
Dessa forma, a ação internacional dos atores subnacionais vem se
desenvolvendo de forma contínua e crescente, complementar a política externa do
Estado central. Os motivos que acarretam essa prática se diferem conforme a
necessidade e o estágio de desenvolvimento econômico que cada ente subnacional se
encontra.
A atividade paradiplomática se desenvolveu no campo econômico, ante a
necessidade locais de subsídios do programa de desenvolvimento sustentável das
cidades. No setor financeiro ou comercial, cujo destaque está na promoção do comércio
internacional por meio da prospecção de mercados compradores para os produtos locais.
Outra forma também ligada a paradiplomacia comercial, liga-se a promoção do turismo
externo. O exemplo brasileiro que mais se destaca na área do turismo e captação de
recursos é o caso do Estado da Bahia. Esse caso é relevante, pois, a Constituição
Estadual da Bahia prevê, dentre as atribuições do Governador do Estado, a realização de
empréstimos internacionais, fomentando assim a prática paradiplomática (RIBEIRO,
2009, p. 71).
A atividade de buscar recursos externos, já faz parte da realidade nacional
brasileira, na medida que as cidades e municípios se interessam e buscam o fomento
local em ambiente internacional. Abaixo, colaciona-se um projeto de sucesso que só foi
possível a concretização, por conta de investimentos internacionais.

Colombo Innovating project


PARQUE AGROINDUSTRIAL DE BASE TECNOLÓGICA DE COLOMBO
Projeto que estabeleceu a criação de:
Parque Agroindustrial de Base Tecnológica de Colombo – Paraná.
Parceiros envolvidos:
Entidades Governamentais: Prefeitura Municipal de Colombo – Pr, TECPAR,
Fomento Paraná, BRDE, EMBRAPA/Florestas e outras.
Entidades não governamentais: SEBRAE/PR, FIEP/PR, Associação Nacional de
Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores – ANPROTEC, Câmara
Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria do Paraná – ITALOCAM, Câmara de
Comércio e Indústria Brasil Japão do Paraná – CCIBJ, COPEL Telecomunicações
S/A – Copel Telecom.
Entidades de Ensino Superior: Universidade de Aveiro – Portugal, Instituto Superior
de Ciências da Informação e Administração – ISCIA/Portugal, Universidade Federal
do Paraná – UFPR / Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologia Aplicada –
GEPTA/SEPT, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR e Instituto
Federal do Paraná – IFPR (Unidade Colombo)
Restrições: recursos financeiros próprios escassos – COOPERAÇÃO TÉCNICA E
FINANCEIRA COM ORGÃOS EXTERNOS e Global Cities Programme, Termos de
cooperação técnica e financeira com órgãos externos e Parcerias Públicas e Privadas
(PPP), conforme legislação vigente.
Fonte: Projeto apoiado pela Global Cities Programme – Disponível em
https://citiesprogramme.org/project/parque-agroindustrial-de-base-tecnologica-de-colombo/. Acesso em
07 jul. 2018.

Como visto, os organismos multilaterais são os principais entes de promoção


internacional, com destaque para Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
Banco Mundial (BIRD), Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), o
KFW (Banco de Desenvolvimento da Alemanha), Banco de Desenvolvimento da
América Latina (CAF), Global Environment Facility(GEF), Agência Francesa de
Desenvolvimento (AFD), Banco Japonês para a Cooperação Internacional(JBIC),
Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), dentre outros. (FRÓIO,
2015, p. 167).
Ainda como viés da paradiplomacia comercial se destaca a atividade voltada
para a promoção das atividades de trade (importação e exportação). As atividades
paradiplomáticas, nesse caso, incluem as missões internacionais envidas ou recebidas
pelos governos subnacionais. Essas representações internacionais, tanto recebidas
quanto realizadas, são utilizadas principalmente para a atração de investimentos, assim
como, para a promoção do comércio exterior dos produtos e indústrias locais (MAIA,
2012, p. 146).
E por fim, dentro de formas de diplomacia comercial, tem-se o subtipo de
paradiplomacia inversionista, ou seja, a atividade da unidade subnacional que trabalha
na busca de atração de investimentos externos diretos. Esses investimentos seguem a
mesma linha base: desenvolvimento de determinado setor produtivo específico da
unidade subnacional.
Os ganhos nessa relação, perpassam os diversos temas. No tocante a temática
financeira, é possível ilustrar a participação internacional da cidade de Guarulhos, em
São Paulo. O destaque ao “financiamento de obras e projetos com organismos
financiadores, bem como a captação de recursos técnicos que qualificasse as políticas
públicas municipais, conforme as melhores práticas internacionais”13. Esse projeto
contempla o combate à pobreza de jovens da periferia urbana, por meio de sistemas de
uso de informações de dados georreferenciados. Esse programa obteve a aprovação do
Programa URBAL, da União Europeia e a cidade de Guarulhos é a coordenadora do
projeto. Conta com a parceria internacional da União Europeia, da Província de Turim
(Itália), Vila Real de Santo Antônio em (Portugal) e Pergamino (Argentina). O objetivo
inicial do projeto era a capacitação as cidades para a avaliação de trabalhos sociais de
combate à pobreza e posterior replicação para outras regiões.
Outro projeto bem-sucedido foi o da cidade de Recife em que se desenvolveu
um projeto na área de Economia Solidária na comunidade de Caranguejo/Tabaiares,
além de diversos projetos na área cultural, que se consubstanciou por meio do
lançamento de livro bilíngue entre poetas recifenses e franceses (Nantenses). Ainda,
soma-se ao fomento francês o projeto em na área de direitos humanos com exposição
cultural intitulada: “Exposição para o resgate da memória de escravos entre Nantes e
Recife”. Esse foi outro exemplo de fomento da paradiplomacia econômica e cultural.
A paradiplomacia Identitária é outra modalidade de paradiplomacia. Essa
modalidade é mais frequente em casos em que, a unidade subnacional busca o

13
Prefeitura de Guarulhos. Disponível em http://www.guarulhos.sp.gov.br/coordenadorias/relacoes-
internacionais. Acesso em 31 out. 2018.
fortalecimento das suas características locais, frente a unidade nacional distinta da sua.
Nesse caso são características culturais, linguísticas e locais que a unidade subnacional
demanda o reconhecimento perante os demais atores internos e internacionais.
Sendo a paradiplomacia identitária uma estratégia de participação das cidades
em âmbito internacional, que demanda visibilidade e parceria internacional para atração
de financiamento estrangeiro, a visitação turística e a construção de uma referência
municipal de visibilidade local que permita o diálogo com agendas internacionais. Essa
prática oportuniza que a localidade possa receber exposições, espetáculos internacionais
e a cidade seja um referencial para atração de olhares externos (KELLNER, 2004, p. 7).
Por essa necessidade de visibilidade constante, a cidade deve ser entendida nos
seus múltiplos níveis e a diversidade dos interesses dos governos subnacionais, que
permite a análise da paradiplomacia identitária (PAQUIN, 2004).
Os desafios comuns das cidades colocam as unidades subnacionais na posição
central das ações internacionais, possibilitando que esses atores possam construir as
suas agendas internacionais e estabelecer o design das dinâmicas das relações
internacionais que melhor atendam às necessidades locais.
Dessa forma, como afirma Michalis Kavaratzis (2004) a unidade subnacional
pode buscar através dos interesses locais, construir uma identidade local ou uma marca
com visibilidade internacional com a finalidade de captar recursos das mais
diversificadas fontes e assim traçar o marketing local. Com base nessa marca municipal
ou branding city que permite que a cidade e o gestor local possam buscar o
desenvolvimento local, a identidade dos moradores com a localidade e a captação de
verbas para ampliação dos projetos identitários.
Em comum os casos acima mencionados procuram o reconhecimento e a
legitimidade das suas atuações no plano internacional por meio da atividade subnacional
identitária, ou seja, buscam a atividade paradiplomática como forma de reforçar a
cultura e/ou a língua como elemento diferenciador de identidade (RIBEIRO, 2008, p.
167).
Essa modalidade de paradiplomacia representa uma variedade crescente em
razão da mobilidade do mundo moderno, em que se propicia e impulsiona o turismo
através dos acordos internacionais.
Sobre legado cultural, é possível destacar a intervenção no Rio de Janeiro,
quando da construção do Museu do Amanhã. Essa obra, deu à cidade do Rio de Janeiro
a visibilidade internacional que fez a ligação do local com a agenda internacional
promovendo o reforço da imagem da cidade com o engajamento do desenvolvimento
sustentável. Assim, a cidade que sediou a ECO92, recebeu o evento da Rio+20 e a Rio
+C40 reforçou a consciência global e o engajamento internacional.
Essas novas configurações marcaram as cidades e destacaram a importância da
atuação paradiplomática na divulgação das atividades locais, ampliando a captação de
recursos e fomentando a identificação da cidade com uma marca e um referencial
identitário.
A paradiplomacia, enquanto atividade internacional desenvolvida por atores
subnacionais, cujo objetivo é o de atender as demandas locais por meio do acesso direto
aos interlocutores internacionais, de forma a não conflitar com as regras importas pela
Carta Magna federal, representa uma atividade diferenciada par a realidade nacional.
Isso porque, a realidade brasileira ainda não regulamentou a atividade
paradiplomática no âmbito nacional, e as incursões internacionais são viabilizadas ante
a não vedação da atividade, por parte dos municípios brasileiros.
A Constituição da República Federativa de 1988, ao regulamentar as
competências dos entes federados teve um importante papel. Tal importância, refletiu na
ampliação dos mecanismos constitucionais e garantiu uma participação diferenciada dos
entes da federação. Isso se verifica por meio das atividades paradiplomáticas, realizadas
por alguns estados e municípios. Sendo assim, esses novos contornos foram possíveis
por força da ampliação de competências dos entes federados, quando comparados com
os dispositivos legais presentes nas constituições anteriores (AVRITZER, 2003, p. 29).
O debate sobre a questão paradiplomática de atuação dos entes não-centrais,
consolida-se na permissão real dessa atividade. A realização da prática internacional
consubstanciada em empréstimos internacionais, em atividades de cooperação
internacional e projetos que resultam na elaboração de políticas públicas para a
efetivação de projetos locais, dão os contornos da prática paradiplomática no Brasil.
Fato é que, em havendo uma regulamentação específica, os atores subnacionais,
movidos pelo interesse e pela necessidade local, buscariam estabelecer as estruturas
governamentais voltadas ao comércio internacional e/ou as relações internacionais
necessárias para a realização da prática paradiplomática.
Dessa forma, a elaboração de um marco jurídico efetivo, possibilitaria a
organização das relações entre o Estado e os diversos atores, nos três níveis federativos.
Apesar da falta de regulamentação, a realidade empírica demonstra que essa
atividade é crescente e que vem se diversificando, mesclando com a cooperação
internacional direta, quando envolve o setor privado e a sociedade civil. Assim, como
forma de minimizar problemas com interpretação o estabelecimento de um marco
regulatório ou marco jurídico para a atividade em questão, facilitaria a atividade local e
atenderia assim ao princípio da legalidade.
Ao se pensar em um regramento para a paradiplomacia no estado brasileiro, se
atenderia a uma cultura nacional de positivismo jurídico, onde a relevância da atividade
está na especificação legal da atividade. Assim a discussão sobre um referencial técnico
para a atividade paradiplomática, passaria por uma revisão do que já está disposto na
Constituição Federal.
Em face disso, entende-se que o federalismo, comporta essa divisão de
competências, que de fato representa um ponto importante para balizar a atividade de
cada ente federado.
Quando a Constituição regula as competências exclusivas dos entes federados,
especifica-se quem detém a exploração de certos recursos e a responsabilidade de ação
frente aos demais entes. No tocante as competências comuns, a regra estabelece que os
entes federados devem exercer ações para concretizar as políticas que estão sob a
responsabilidade de determinado ente. Nesse posto que se destaca a necessidade de se
regulamentar mecanismos de cooperação entre os entes para a execução de políticas
públicas.
Ainda assim, com esse gradativo reconhecimento ainda resta questionamentos
sobre a legitimidade dos estados e municípios para exercerem atividades no âmbito
internacional, ressalvados o campo de suas competências exclusivas e comuns. A ideia
do estabelecimento de um marco jurídico é justamente conferir legalidade, segurança e
transparência a atividade dos atores subnacionais no tocante as atividades de
paradiplomacia.
Porém, para que se viabilize essa mudança se faz necessário uma modificação na
constituição ou a aprovação de uma normativa infraconstitucional que ainda carece de
construção. Apesar disso, nem tudo depende de regulamentações para se concretizar. É
necessário questionar se é condição sine qua non a existência de regulamentação
expressa para a realização de uma prática paradiplomática no estado brasileiro.
Duas respostas emergem para solucionar o questionamento acima. A primeira se
utiliza de experiências já vivenciadas pelo estado brasileiro em que Itamaraty e da SAF
(Secretaria de Assuntos Federativos) vem auxiliando as unidades subnacionais a
realização de atividades internacionais, resolvendo assim impasses frente a
competências dos entes federados. Como exemplo, para ilustrar esse caso, destacam-se
os projetos lançados no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff. Foram editais
de convocação para projetos franco-brasileiros em benefício do Haiti e foi
complementado por meio do lançamento do Programa de Cooperação Técnica
Descentralizada Sul-Sul, em 2012 (GONÇALVES, OLIVEIRA, 2017, p. 103).
A outra resposta possível diz respeito a atuação dos agentes públicos, que por
meio de assessorias e/ou consultorias jurídicas, fundadas em previsões locais,
trabalhariam na orientação da atividade paradiplomática fundamentados nos
regramentos municipais estabelecendo os limites para atividade realizada pelos atores
subnacionais. Esse ponto está intimamente ligado com a prática corrente nacional, que
retrata a falta de um referencial teórico-jurídico, gerando insegurança e acabando por
limitar ações municipais mínimas que poderiam ser absorvidas ou contempladas no
sistema de paradiplomacia.
E, por fim, importante ressaltar que o Estado brasileiro ao ratificar tratados,
protocolos bilaterais e multilaterais reforça o processo de integração econômica com o
MERCOSUL. Essa fortificação intensifica a cooperação internacional aumentando
ainda mais a atuação internacional das unidades subnacionais. Essa é a realidade
brasileira na adesão ao FCCR – Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados,
Províncias e Departamentos do MERCOSUL, em que se estabeleceu os planos de ação
plurianual de compartilhamento entre os países, no âmbito subnacional.

Considerações Finais
Objetivou-se ao longo do artigo apresentar as novas formas de atuação dos
Estados e Municípios abordar os desafios enfrentados pela realidade brasileira para a
concretização da atividade paradiplomática.
Inicialmente, contextualizou-se a visão clássica do direito até a mudança do
paradigma do Estado como sujeito único na seara internacional. Abordou-se as diversas
possibilidades de atuação dos novos atores internacionais em um mundo globalizado e
as novas atuações da realidade contemporânea que se redesenha no vasto cenário
internacional.
Face ao atual contexto de globalização, interdependência e o desenvolvimento
assimétrico entre os Estados, fez com que os sujeitos se vissem instigados a se
reinventarem e a aceitar o compartilhamento dos espaços com os novos atores. Assim
passam a assumir novas funções e papéis que eram reconhecidamente de
responsabilidade do ente soberano. E ainda, devido a essas novas responsabilidades,
necessitaram dialogar com as administrações públicas de diferentes instâncias de
governo e com as organizações da sociedade civil.
Para viabilizar essa atuação inovadora, desponta-se a participação de unidades
subnacionais que não se sentiam representadas e que demandavam muita atenção/verbas
e muitas políticas públicas do governo central. Ante a necessidade e a oportunidade de
atuação, as unidades subnacionais passaram a, gradativamente, ocupar um espaço
importante. Passaram a atuar como agentes do desenvolvimento econômico
internacional no âmbito local.
Por meio do desenvolvimento de estratégias de inserção internacional, que
envolvem novas formas de atuação como a promoção do comércio exterior dos produtos
produzidos em âmbito local, a cooperação e acomodação dos projetos locais às
necessidades que se concebem no plano internacional, a viabilidade jurídica da atuação
paradiplomática das cidades foi ganhando consistência.
Desta forma, surge a demanda de uma agenda diferenciada, contemplando a
atuação internacional dos governos subnacionais. Se por um lado, verificou-se uma
reestruturação e reinvenção das cidades, adequando-as a realidade mundial; de outro, a
inserção na economia mundial impôs que os governos locais desenvolvessem novas
relações bilaterais e assinassem convênios multilaterais, admitindo assim, a nova
realidade de atores no sistema global.
É indispensável destacar que esse fenômeno vem progredindo no Brasil, mesmo
sem a existência de um marco jurídico, institucional e político, de amplitude nacional e
internacional.
O sistema atual, foi construído baseado no padrão estatocêntrico, onde o Estado
soberano detinha a exclusividade no desenvolvimento das relações internacionais e na
condução das políticas externas. Com o aprofundamento da globalização e a quarta
onda globalizante14, aumenta-se as assimetrias na sociedade o que demanda
modificações do sistema vigente, contemplando a realidade paradiplomática.
Como resposta a essa nova realidade pós-moderna, as unidades subnacionais
passaram a atuar internacionalmente e a encontrar espaço em atividades que antes era de
competência do Estado soberano. Neste sentido, fica patente a necessidade de se
desenvolver estratégias de atuação para esses novos atores, especialmente para as
cidades. Soma-se à demanda pela edificação de novos conceitos, mais adequados à
realidade da sociedade contemporânea.
Importante ainda esclarecer que a progressão das relações internacionais locais
não impede a atuação do Estado, mas gerou um desconforto que resultou na
reestruturação das competências atribuídas a cada ente, possibilitando assim a maior
participação das unidades subnacionais e das cidades na seara internacional. Essa
reestruturação se materializou por meio da criação de órgãos específicos que passaram a
centralizar as atividades paradiplomáticas no âmbito local, a fim de resolver a ausência
de um marco jurídico para tal atividade.
Como verificado ao longo deste estudo, não é possível encontrar um único fator
que venha a explicar a dinâmica da paradiplomacia, mas sim um conjunto de fatores que
somados, buscam aumentar a oferta e a qualidade de serviços prestados à população
local.
Soma-se a isso, o avanço dos processos de integração regional e da consolidação
do MERCOSUL enquanto bloco econômico. Essa realidade possibilitou que a
participação dos novos atores no processo de integração fosse cada vez mais
significativo. Muito embora ainda careçam de poder de decisão efetivo no âmbito
regional, as atuações paradiplomáticas dos Estados-membros vem se despontando como
uma alternativa para a aproximação dos governos subnacionais dos Estados-membros
do bloco. Com a criação de grupos especializados para o avanço da atuação das cidades
e com a institucionalização desse órgão por meio da Rede Mercocidade, impulsionou as
atividades de cooperação e o diálogo entre os municípios, permitindo que os
representantes possam participar dos debates e assim levar as demandas locais para o
governo central e viabilizar a tomada de decisão no bloco, mesmo que de forma
limitada.
Em face do exposto, as experiências e avanços acumulados ao longo das décadas
exigiram a ampliação do diálogo e da reflexão da atuação dos governos subnacionais

14
Ondas globalizatórias: 1ª: Revolução agrícola, com modificação na produção de alimentos; 2ª:
Revolução Industrial; 3ª: Era da Informação; 4ª onda: Aldeia Global – representa grandes desafios para o
direito internacional. - In: Schwab, 2016.
com outros interlocutores especializados. O Brasil ainda tem um importante desafio a
vencer: conjugar o interesse nas relações internacionais das unidades subnacionais com
os interesses do Estado central superando a falta de transparência e dando mais
legalidade para a atividade, demonstrando que ainda existe um longo e promissor
caminho para os novos atores na seara internacional. Uma das formas disso é colocar
em prática o previsto no artigo 1º e 18, da Constituição Federal.

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