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O primeiro turno

Marcus Vinícius De Freitas


Professor Visitante, China Foreign Affairs University
Senior Fellow, Policy Center for the New South

A política brasileira não é minha área de especialização. Já há muitos anos que o cenário
internacional sempre se provou muito mais fascinante pelas movimentações observadas e,
também, pelo fato de o Brasil parecer estagnado intelectualmente em sua atividade política.
Afinal, um país que discute reforma política e tributária desde 1988 e nada fez,
efetivamente, para resolver estes dois importantes gargalos, parece não levar em
consideração as movimentações internacionais para enfrentar a enorme competitividade
internacional do século XXI. A competição que, no passado, era adstrita a empresas,
atualmente se tem expandido para incluir nações. Países competitivos atraem recursos e
investimentos. Para tanto, é preciso construir as bases do sucesso econômico que passam
pelo fortalecimento educacional, infraestrutura sólida e pragmatismo político.

A China, há poucas décadas, tomou a decisão estratégica de que teria, dentre as vinte
principais universidades mundiais algumas chinesas. Passados alguns anos dessa resolução,
a Universidade Tsinghua e a Universidade de Pequim estão listadas entre as melhores do
mundo. O mesmo se observou na questão de infraestrutura, com a China construindo
milhares de quilômetros de trens-bala, portos de última geração e uma revolução industrial
que atingiu todos os setores do país. E, por fim, o pragmatismo político, ao mudar aquilo
que era necessário sem estar, necessariamente, aprisionado a ideologias, estigmas e
filosofias políticas que, de alguma forma, poderiam atrapalhar o processo de
desenvolvimento econômico e social do país. Enquanto muitos discutem, poucos fazem. A
lógica chinesa é inversa. Menos discussão, mais pragmatismo e ação.

O resultado eleitoral de 2 de outubro de 2022 tem-me sido questionado por estrangeiros


interessados no Brasil. O Brasil conseguiu, pela primeira vez em muito tempo, tornar a sua
eleição um assunto de interesse global. O Brasil é importante mundialmente e o que
acontece em seu cenário doméstico gera muito interesse.

O resultado eleitoral desta eleição revelou um binômio: ódio versus medo. A escolha de um
candidato está mais atrelada a estes sentimentos do que, efetivamente, à esperança que
cada ciclo eleitoral deveria representar na renovação dos objetivos de uma nação. Nem
planos efetivos de governo temos visto. Nesta eleição em particular, a questão da corrupção
– tão importante no último ciclo – revelou-se totalmente secundário. Dentre os milhões de
brasileiros que votaram em Lula da Silva, a preocupação é maior com a questão da retórica
bolsonarista – e a enorme inabilidade na administração da pandemia, o que, por si só
justificaria a derrota eleitoral – do que efetivamente com o impacto negativo da corrupção
que, também, matou a milhares de pessoas, só que mais discretamente. A questão retórica
de Bolsonaro importuna uma parte relevante do eleitorado muito mais do que com as
graves acusações políticas de Lula da Silva.
Vários partidários de Bolsonaro alcançaram resultados expressivos. Muitos dos que serviram
em seu governo tiveram resultados substanciais e garantiram uma sobrevida ideológica, não
importa o matiz ideológico do próximo governo. O Bolsonarismo se consolidou. O eleitor,
inconscientemente acreditando numa vitória de Lula da Silva, pretendeu criar nesta guinada
conservadora um mecanismo de freios a uma agenda de governo que pudesse ser contrária
aos valores por eles acreditados, num clássico caso de “hedge” eleitoral. Ao misturar na
mesma cédula um voto progressista e outro conservador, o objetivo do eleitor é muito
claro. Se Lula ganhar, estará sempre com a espada do impeachment sobre a sua cabeça em
razão do peso eleitoral do Bolsonarismo, que agora conseguiu uma voz como nunca a direita
brasileira teve.

A Lava-Jato também foi resgatada. A eleição de Sérgio Moro e Deltan Dalagnol evidencia
que a questão da corrupção, embora menos relevante, ainda conta com um resquício de
apoio popular, particularmente no eleitorado do Paraná, que assumiu a liderança desta
importante mensagem de governança política. Por outro lado, vários aliados de Bolsonaro,
que abandonaram o barco e lhe foram críticos, como Joyce Hasselman, por exemplo,
tiveram resultados pífios nesta eleição. Para aqueles que acreditavam em sua capacidade de
alavancagem política pessoal, ficou claro o tamanho do fenômeno bolsonarista na eleição
de 2018. Um fator importante: o eleitor tampouco premiou aqueles que lhe traíram a
confiança no passado e não deixou alguns retornarem à vida política como se tivessem
conseguido apagar o seu passado político. Aqui cabe enfatizar um aspecto importante: o
eleitor ainda demanda ficha limpa. É por essa razão que a enorme votação de Lula ainda
causa estranheza, num eleitorado que adotou uma postura de limpeza política, porém sem
aplicar o mesmo critério a Lula da Silva.

O segundo turno será acirrado. Lula afirmará, em todos os cantos, sua superioridade
eleitoral e clamará vitória. Afinal, uma diferença de quase seis milhões é difícil de reverter.
Bolsonaro deveria aprender com este resultado e tentar fazer – ainda que muito atrasado,
uma mea culpa sobre a sua equivocada atuação durante a pandemia. Agora, Lula saiu
menor do que esperava. A onda de eleição no primeiro turno, tão enfatizada pelos
segmentos que o apoiam – intelectuais e acadêmicos, mídia e artistas – não logrou alcançar
o resultado almejado. O segundo turno é uma nova eleição. Para quem esperava ganhar no
primeiro turno, ficou claro que as pesquisas não corresponderam à realidade. Talvez neste
segundo turno, menos eleitores se abstenham de votar.

Geraldo Alckmin deve estar desconfortável no ninho petista. O estado de São Paulo, que lhe
serviu de base política por décadas, desaprovou não somente a aliança com Lula, mas
também lhe negou a possibilidade de garantir a Lula uma votação maior do que a
historicamente obtida. Tampouco ajudou a Fernando Haddad.

O fato é que este será o segundo turno mais acirrado da história recente, em razão da
polarização política que não cessará após o fim deste ciclo eleitoral. Bolsonaro terá de atuar
mais intensamente no cinturão petista existente no País e concentrar esforços no Estado de
Minas, histórico estado pendular no cenário eleitoral brasileiro, que precisa ser conquistado
para evitar a reeleição de Lula. E tentar convencer quem não votou a mudar de ideia. A
sorte está lançada.

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