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Matemática

Elementar
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Temas de Matemática

1. MATEMÁTICA E ENSINO
Elon Lages Lima

2. CONTAR E FAZER CONTAS


J. Eurico Nogueira, Suzana Nápoles, António Monteiro, José
A. Rodrigues e M. Adelaide Carreira

3. DESASTRE NO ENSINO DA MATEMÁTICA: COMO


RECUPERAR O TEMPO PERDIDO Nuno Crato (coord.)

4. APOLOGIA DE UM MATEMÁTICO G.
H. Hardy

5. EDUQUES: UM FLAGELO SEM FRONTEIRAS — O


CASO LAFFORGUE
Filipe Oliveira (org.)

6. A MATEMÁTICA DAS COISAS


Nuno Crato

7. ARITMÉTICA PARA PAIS


Ron Aharoni

8. SABER E ENSINAR MATEMÁTICA ELEMENTAR


Liping Ma
LIPING MA

SABER E ENSINAR
MATEMÁTICA ELEMENTAR
TRADUÇÃO
SARA LEMOS E ANA SOFIA DUARTE
REVISÃO CIENTÍFICA
JOSÉ PALMA FERNANDES, ISABEL HORMIGO E LUÍSA ARAÚJO

spm
SOCIEDADE H PORTUGUESA DE MATEMÁTICA
gradiva
Título original: Knowing and Teaching Elementary Mathematics — teacher’s understanding of
fundamental mathematics in China and the United States © Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1999
Todos os direitos reservados
Tradução autorizada a partir da edição em língua inglesa publicada por Lawrence
Erlbaum Associates, Inc., uma chancela de Taylor ôt Francis Group LLC Tradução: Sara
Lemos e Ana Sofia Duarte
Revisão científica: José Palma Fernandes, Isabel Hormigo e Luísa Araújo Revisão de texto: Alda
Rodrigues Capa: ilustração: © Corbis/VMI
design gráfico: Armando Lopes
Fotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, L.ia
Reservados os direitos para a língua portuguesa por: Gradiva Publicações, S. A.
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l. a edição: Agosto de 2009 Depósito legal n.° 297 961/2009 ISBN: 978-989-616-324-2
gradiva
Editor: Guilherme Valente

Colecção coordenada por:


NUNO CRATO e GUILHERME VALENTE

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índice
Prefácio .................................................................................................................................................. 7

Agradecimentos ................................................................................................................................ 13

Introdução ........................................................................................................................................... 19

1. Subtracção com reagrupamento: abordagens para ensinar um tópico ..................... 31


A abordagem dos professores americanos: empréstimo versus
reagrupamento ................................................................................................................... 32
A abordagem dos professores chineses: decompor uma unidade
de ordem superior............................................................................................................... 39
Debate ......................................................................................................................................... 61
Sumário ....................................................................................................................................... 70

2. Multiplicação com números de vários algarismos: lidar com os erros


dos alunos ................................................................................................................................... 71
A abordagem dos professores americanos: alinhar versus separar
em três problemas............................................................................................................... 72
A abordagem dos professores chineses: desenvolver o conceito de valor
posicionai ............................................................................................................................ 86
Debate ...................................................................................................................................... 106
' Sumário....................................................................................................................................... 110

3. Criar representações: divisão por fracções ........................................................................... 113


O desempenho dos professores americanos nos cálculos ................................................. 114
O desempenho dos professores chineses nos cálculos ......................................... 117
As representações dos professores americanos na divisão por fracções ... 126
A abordagem dos professores chineses ao significado da divisão
por fracções ........................................................................................................................ 137

5
Debate ....................................................................................................................................... 151
Sumário ..................................................................................................................................... 154

4. Explorar novo conhecimento: a relação entre perímetro e área ................................ 155


Como os professores americanos exploraram a nova ideia .............................................. 156
Como os professores chineses exploraram a nova ideia .................................................. 164
Debate ...................................................................................................................................... 184
Sumário ..................................................................................................................................... 188

5. Conhecimento dos professores sobre a matéria: compreensão profunda


da matemática fundamental .................................................................................................. 189
Um retrato transversal do conhecimento dos professores chineses:
qual é a sua substância matemática? ............................................................................. 190
Bases de conhecimento e os seus elementos-chave: compreender
a coerência longitudinal na aprendizagem .................................................................. 199
A matemática elementar como matemática fundamental ................................................ 202
Compreensão profunda da matemática fundamental ....................................................... 205
Sumário ..................................................................................................................................... 214

6. Compreensão profunda da matemática fundamental: quando e como


é atingida .................................................................................................................................. 217
Quando é atingida a compreensão profunda da matemática fundamental?
O que os grupos de futuros professores sabiam sobre os quatro tópicos 218
Compreensão profunda da matemática fundamental: como é atingida? 223 Sumário
........................................................................................................................................... 243

7. Conclusão ................................................................................................................................. 245


Considerar simultaneamente o conhecimento dos professores
e a aprendizagem dos alunos .......................................................................................... 248
Realçar a interacção entre o estudo da matemática escolar pelos
professores e o modo de a ensinar ................................................................................. 249
Centrarmo-nos de novo na preparação dos professores .................................................... 252
Entender o papel que os materiais curriculares, incluindo os manuais
escolares, podem desempenhar na reforma.................................................................. 253
Compreender a chave para a reforma: independentemente da sua forma, as interacções
na sala de aula devem centrar-se na matemática substantiva .................................... 255

Apêndice ........................................................................................................................................... 261

Referências bibliográficas .............................................................................................................. 263

índice remissivo ............................................................................................................................... 271

6
Prefácio
Lee S. Shulman
Fundação Carnegie para o Progresso do Ensino

Este é um livro notável. É também extraordinariamente fácil


não compreender bem as suas lições mais importantes. Liping
Ma realizou um estudo que compara a compreensão matemática
entre professores do ensino básico americanos e chineses, no
respeitante às práticas de ensino em sala de aula. O que poderia
ser mais simples? O que se poderia interpretar erradamente?
Deixem-me elucidá-los.

• Este livro parece ser um estudo comparativo entre


professores de matemática chineses e americanos, mas os
seus contributos mais importantes são teóricos e não
comparativos.
• Este livro parece falar sobre a compreensão do conteúdo da
matemática, mais do que da sua pedagogia, mas a sua
concepção de conteúdo é profundamente pedagógica.
• Este livro parece falar sobre a prática do ensino da
matemática, mas merece ser consultado por aqueles que
estabelecem políticas para o ensino e a formação de
professores.
• Este livro parece ser muito relevante para a preparação de
futuros professores, mas as suas descobertas mais
importantes estão relacionados com o nosso entendimento
do trabalho dos professores e com o desenvolvimento da
sua carreira profissional a longo prazo.

7
• Este livro foca o trabalho dos professores do ensino básico,
mas o seu público-alvo mais importante pode ser constituído
por aqueles que nas universidades ensinam matemática a
futuros professores, assim como por futuros pais.

Tentarei clarificar as observações algo crípticas que constam


deste prefácio, mas primeiro apresentarei uma breve nota
biográfica sobre Liping Ma.
Liping tornou-se professora do ensino básico por «cortesia» da
Revolução Cultural Chinesa. Quando era estudante do oitavo ano
numa escola em Xangai, foi enviada para a província — no seu
caso, uma aldeia pobre nas montanhas do Sul da China — para ser
reeducada pelos camponeses, trabalhando nos campos. Após
alguns meses, o chefe da aldeia pediu a Liping que ocupasse o
cargo de professora na escola local. Segundo o que me descreveu,
ela não passava de uma adolescente de Xangai com apenas oito
anos de educação formal, que enfrentava o desafio de ensinar
todas as disciplinas a duas classes de crianças na mesma sala de
aula. Durante os sete anos seguintes, ensinou todos os cinco anos
de escolaridade e tornou-se directora da escola. Uns anos mais
tarde, seria contratada como Directora-Geral da Educação Básica
para todo o concelho.
Ao regressar a Xangai, cheia de curiosidade acerca desta nova
oportunidade, encontrou no Professor Liu um mentor que
coordenou a sua leitura de muitos dos clássicos da educação —
entre eles, Confúcio e Platão, Locke e Rousseau, Piaget, Vygotsky e
Bruner. O Professor Liu acabou por se tornar presidente da
Universidade Normal da China Oriental, onde Liping obteve o
grau de mestre. Ela ansiava por estudar ainda mais e continuar a
sua formação nos Estados Unidos. No último dia de 1988, chegou
a este país para estudar na Universidade do Estado de Michigan.
Nesta Universidade trabalhou, entre outros, com Sharon Fei-
man-Nemser e Suzanne Wilson em formação de professores, com
Deborah Bali e Magdalene Lampert em educação mate-

8
mática e com Lynn Paine em educação comparada. Participou
no desenvolvimento e na análise de um inquérito nacional sobre
a compreensão matemática dos professores do ensino básico e
ficou perplexa com os equívocos desta ordem persistentes entre
os professores americanos. Estes impressionaram-na como
sendo muito diferentes dos professores que conhecera na China.
Após alguns anos, a sua família optou por ir viver para a
Califórnia, e Liping foi aceite no programa de doutoramento da
Universidade de Stanford, onde pôde completar a parte
curricular do programa e elaborar a sua dissertação. Aceitei ser
seu orientador e a Fundação Spencer atribuiu-lhe uma bolsa de
um ano para completar o estudo que é a base deste livro. Este
apoio, conjuntamente com a ajuda continuada do Estado de
Michigan, tornaram possível a sua viagem à China para recolher
dados dos professores chineses. Após terminar o seu
doutoramento, foi-lhe atribuída uma bolsa de dois anos de
pós-doutoramento para trabalhar com Alan Schoenfeld em
Berkeley, onde continuou a investigação e onde a sua dissertação
foi transformada neste magnífico livro.
Quais as lições mais importantes a retirar deste livro? Vamos
voltar à lista de ideias erradas que apresentei anteriormente e
discuti-las mais elaboradamente.

Este livro parece ser um estudo comparativo entre professores


de matemática chineses e americanos, mas os seus contributos
mais importantes são teóricos e não comparativos. A investigação
compara os professores americanos e chineses e estes últimos,
mais uma vez, sabem mais. O que poderia ser mais simples? Mas
as ideias-chave deste livro não são comparações entre os profes- ‘
sores americanos e os seus pares chineses. O coração deste livro é a
análise da Dr.a Ma do tipo de compreensão que distingue os dois
grupos. Os professores chineses parecem ter desenvolvido uma
«compreensão profunda da matemática fundamental». Dizer que
eles «sabem mais» ou «compreendem melhor» é uma pretensão
profundamente teórica. Podem,

9
de facto, ter estudado muito menos matemática, mas a que
conhecem, conhecem de um modo mais profundo, flexível e
adequado.

Este livro parece falar sobre a compreensão do conteúdo da


matemática, mais do que da sua pedagogia, mas a sua ideia de
conteúdo é profundamente pedagógica. Liping Ma propôs-se
identificar as diferenças no conhecimento e na compreensão do
conteúdo da matemática entre professores americanos e chineses
do ensino básico, mas a sua concepção de compreensão é
exigente. Ela desenvolveu uma concepção de compreensão
matemática que dá ênfase aos aspectos do conhecimento que
mais poderão contribuir para a capacidade do professor de
explicar ideias matemáticas importantes aos estudantes. Assim, a
sua estipulação de quatro propriedades da compreensão mate-
mática — ideias básicas, conectividade, representações múltiplas
e coerência longitudinal — oferece um enquadramento eficaz
para a apreensão do conteúdo matemático necessário para
entender e orientar o pensamento das crianças em idade escolar.

Este livro parece falar sobre a prática do ensino da


matemática, mas merece ser consultado por aqueles que
estabelecem políticas para o ensino e a formação de professores.
Os responsáveis por estas políticas passaram a insistir de uma
maneira obsessiva na ideia de que os futuros professores devem
demonstrar possuir o conhecimento da matéria necessário para
ensinar crianças. Estamos prestes a ver, entre as autoridades
oficiais de acreditação, a proliferação de testes de conhecimento
de conteúdos para professores, que obviamente não deverão
avaliar o conhecimento de uma forma errada. O trabalho de
Liping Ma deve levar os responsáveis pelas políticas a
encomendar a realização de avaliações que testem uma
compreensão profunda da matemática fundamental entre os
futuros professores do ensino básico, e não um conhecimento
superficial de regras e procedimentos.

10
Este livro parece ser muito relevante para a preparação de
futuros professores, mas as suas descobertas mais importantes
estão relacionadas com o nosso entendimento do trabalho dos
professores e com o desenvolvimento da sua carreira profissional
a longo prazo. Liping não se contentou com documentar apenas
as diferenças de compreensão entre os professores chineses e
americanos. Também averiguou as fontes dessas diferenças. Uma
importante descoberta (patente no trabalho de Stigler e Hiebert
sobre o TIMMS — Stigler & Hiebert, 1999) é que os professores
chineses continuam a aprender matemática e a apurar a
compreensão dos conteúdos ao longo das suas carreiras de
ensino. O trabalho dos professores na China inclui tempo e apoio
para reflexões e seminários sobre os conteúdos das suas aulas,
que são componentes essenciais desse trabalho. Aos professores
americanos não são oferecidas quaisquer oportunidades dentro
do seu horário escolar para acções idênticas, pelo que eles podem
ensinar durante muitos anos sem aprofundar a compreensão dos
conteúdos que ensinam. Pelo contrário, os professores chineses
trabalham em ambientes que criam oportunidades de
aprendizagem numa base contínua.

Este livro foca o trabalho dos professores do ensino básico,


mas o seu público-alvo mais importante pode ser constituído por
aqueles que nas universidades ensinam matemática a futuros
professores, assim como por futuros pais. Onde podem os
futuros professores aprender a matemática que, do nosso ponto
de vista, é necessária para o ensino? Na China, aprendem-na com
os próprios professores do ensino básico e secundário, melhoram
esse conhecimento nas escolas normais (escolas de formação de
professores) e mantêm e desenvolvem o seu conhecimento na
prática docente. Para quebrar o círculo vicioso que limita o
conhecimento matemático dos professores americanos, a única
solução reside no desenvolvimento de cursos de matemática
mais eficazes nos programas de licenciatura. Nos programas
existentes parece não haver lugar para o ensino da matemática
fundamental que permita uma compreensão profunda da
disciplina. Quando muito,

11
tal conhecimento é mal interpretado como terapêutico, em vez de
se reconhecer que é rigoroso e merecedor de um ensino a nível
universitário. Os departamentos de matemática devem
responsabilizar-se por concretizar esta prioridade nacional tanto
para futuros professores como para futuros cidadãos.
Apesar de este livro apenas agora ter sido publicado, há já
algum tempo circulavam na comunidade matemática cópias dos
primeiros rascunhos deste manuscrito. Numa carta recente, o
orientador pós-doutoramento de Liping Ma, Professor Alan
Schoenfeld da Universidade de Califórnia em Berkeley,
descreveu de uma maneira entusiástica a reacção às cópias deste
livro ainda antes da sua publicação.

O manuscrito de Liping obteve já uma notoriedade


fascinante e tornou-se um êxito, sendo talvez o único
manuscrito que conheço que despertou a atenção e a
aprovação de ambos os lados das «guerras da
matemática». Muitos matemáticos de nível mundial
mostraram-se entusiasmados com ele; nas reuniões
matemáticas anuais, pessoas como [ele lista vários ma-
temáticos profissionais de renome] têm feito publicidade
ao livro, porque este demonstra que o conhecimento dos
conteúdos faz a diferença. Mas ao mesmo tempo, aqueles
que têm perspectivas de reforma — aqueles que dão valor
a uma perspectiva profunda e interligada do pensamento
matemático, e que compreendem que a competência
docente inclui o domínio de uma base de conhecimento
rica e com uma grande variedade de conhecimento
pedagógico — verificam que o livro contém lições valiosas
quanto ao conteúdo, à preparação de professores e ao
profissionalismo docente.

Este é de facto um livro esclarecedor e valioso. Testemunha o


talento da sua autora e os ambientes de aprendizagem chineses e
americanos que alimentaram esse talento. Confirma o valor de
académicos vindos de outros países para estudar nos Estados
Unidos. Peço a todos os que estão preocupados com a qualidade
da educação matemática nos Estados Unidos que leiam este livro
e que levem a sério os seus ensinamentos.

12
Agradecimentos

Há cerca de 30 anos, a China atravessava aquilo a que se


chamou «Revolução Cultural». Milhões de estudantes das ci-
dades foram enviados para áreas rurais. Fazendo parte desse
grupo, deixei Xangai, onde tinha nascido e sido criada, e fui para
uma aldeia pequena e pobre numa área montanhosa do Sul da
China. Sete de nós, ainda adolescentes — com sete ou oito anos
de educação formal — formámos aí uma família «cooperativa».
Pressupunha-se que ganhássemos a vida trabalhando nos
campos e que fôssemos, ao mesmo tempo, reeducados pelos
camponeses. Uns meses mais tarde, o chefe da aldeia veio ter
comigo. Surpreendeu-me ao pedir que me tornasse professora da
escola primária da aldeia — para educar as suas crianças. Na sua
maioria, os camponeses naquela área montanhosa eram iletrados,
mas queriam muito evitar o mesmo destino à geração seguinte.
Hoje em dia, tendo nas mãos o manuscrito deste livro e
olhando para trás, consigo visualizar claramente o ponto de
partida da minha carreira — aquela rapariga de Xangai que
tentava arduamente ensinar todas as matérias dos dois primeiros
ciclos do ensino básico a crianças de um meio rural. Foi uma
jornada longa, cheia de alegrias e lágrimas. Todo o valor deste
livro, se é que existe, foi alimentado ao longo dessa jornada.
Este livro não teria sido possível sem as ajudas que fui re-
cebendo pelo caminho. O trabalho desenvolveu-se em duas fases

13
— a investigação e a escrita da minha dissertação, e a sua
adaptação ao formato de livro. Ambas as fases foram conseguidas
com a ajuda de várias pessoas e instituições.
Em primeiro lugar, devo agradecer às Fundações Spencer e
McDonnell as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento que
apoiaram a escrita e adaptação da minha dissertação.
Na Universidade de Michigan em East Lansing — a minha
«cidade natal» nos Estados Unidos — fiquei especialmente em
dívida para com as Professoras Sharon Feiman-Nemser, Lynn
Paine e as suas famílias. A minha casa intelectual foi o projecto
TELT, do qual beneficiei bastante devido à interacção com os seus
membros. O meu trabalho assenta no TELT, tanto inte-
lectualmente como através do uso de questões desenvolvidas por
Deborah Bali e dos dados recolhidos por Deborah Bali, Sharon
Feiman-Nemser, Perry Lanier, Michelle Parker e Richard Prawat.
Quando cheguei aos Estados Unidos, tinha apenas 30 dólares
no bolso. A minha orientadora Sharon trabalhou arduamente
para me ajudar a encontrar uma bolsa de assistente de
investigação que me permitisse concentrar no meu desenvol-
vimento académico. Tal como acontece com todos os seus alunos,
a sua extraordinária sabedoria sobre ensino e investigação guiou
e continuará a guiar a minha investigação sobre formação de
professores.
Depois de receber um telefonema em chinês da Professora
Lynn Paine e antes de me encontrar com ela, não poderia ter
adivinhado que era americana. Foi ela que me deu a primeira
formação sólida na forma de conduzir uma investigação trans-
nacional sobre educação. Mais tarde, como membro do júri da
minha dissertação em Stanford, ela leu-a cuidadosamente e fez
comentários detalhados e pertinentes sobre como melhorá-la.
Na Universidade de Michigan fiquei também em dívida para
com os Professores Deborah Bali, Margret Buschmann, David
Cohen, Helen Featherstone, Robert Floden, Mary Ken-

14
nedy, David Labaree, William McDiarmid, Susan Melnick,
Richard Navarro, John Schwille e Mun Tsang pelas suas orien-
tações na fase inicial do meu programa de doutoramento.
Para além disso, gostaria de agradecer aos meus colegas
Zhixiong Cai, Fanfu Li, Yiqnig Liu, Shirley Miskey, Michelle
Parker, Jeremy Price, Neli Wolf e Chuanguo Xu pelas boas-
-vindas, ajuda e companheirismo com que me acolheram nos
meus primeiros dias num país estrangeiro.
Na Universidade de Stanford, o meu orientador Lee Shul-
man merece uma menção especial. Ele apoiou-me desde o
primeiro momento, quando apresentei o meu tópico de investi-
gação e generosamente prestou esclarecimentos intelectuais
vitais, palavras calorosas de encorajamento e conselhos úteis. Sob
a sua orientação, aprendi como lançar a semente de uma ideia de
investigação e transformá-la numa árvore frondosa.
Agradeço também aos Professores Myron Atkin, Robbie Case,
Larry Cuban, Elliot Eisner, James Greeno, Nel Noddings, Thomas
Rohlen, Joan Talbert e Decker Walker de Stanford pelo seu apoio
ao longo dos meus esforços de investigação. O Professor Harold
Stevenson da Universidade de Michigan leu a minha proposta de
dissertação e contribuiu com valiosas sugestões. O Professor
Fonian Liu, antigo presidente da Universidade Normal da China
Oriental, expressou também o seu entusiástico encorajamento
para a minha investigação.
Durante o período de pós-doutoramento, muito fiquei a dever
a Miriam Gamoran Sherin, na altura uma estudante de
pós-graduação na Universidade da Califórnia em Berkeley,
actualmente professora assistente na Universidade de North-
western. A Miriam leu grande parte do manuscrito e ajudou-me
não só a corrigir o meu «chinglês», mas também me inspirou com
os seus pertinentes comentários. Outras duas estudantes de
pós-graduação, Kathy Simon e Glen Trager, de Stanford,
contribuíram para a revisão do meu trabalho com o seu
encorajamento carinhoso e constante.
Durante o pós-doutoramento decidi transformar a minha
dissertação num livro. Quando a tarefa ficou concluída, na

15
altura de enviar o manuscrito do livro para o editor, senti-me
como uma mãe antes do casamento da filha. Acabar a dissertação
assemelhava-se a ter tido um bebé. Transformá-la num livro —
criá-la e educá-la — não foi uma tarefa nada fácil. Para mim, que
comecei a aprender inglês sozinha aos vinte anos, revelou-se
particularmente difícil. Felizmente, um excelente grupo de
pessoas deu-me o seu apoio e cooperação.
O Professor Alan Schoenfeld, com quem fiz o meu trabalho de
pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em Berkeley, é
a primeira pessoa a quem quero agradecer nesta fase. O Alan deu
ao livro um lugar na série que edita. Leu e comentou cada
capítulo, fez sugestões valiosas para melhoramentos, até
reescreveu alguns parágrafos e esteve sempre presente quando
eu precisava de ajuda. Ao trabalhar de perto com o Alan, aprendi
muito sobre investigação, e aprendi muito mais — um modo de
interagir com estudantes e colegas. Como William Shawn, editor
do New Yorker, disse da sua comunidade, «O amor tem sido o
sentimento condutor e amor é a palavra essencial.» O Alan criou
uma comunidade na qual os estudantes são tratados como
futuros colegas e cada um é um colega potencial. Ele,
sagazmente, sugeriu um membro dessa comunidade para me
ajudar no livro.
A Doutora Cathy Kessel, uma investigadora em Berkeley, foi
a «ama» indispensável do meu «bebé» — o livro. Ela encar-
regou-se da complexa edição do manuscrito, criticou argumentos
fracos, forçou-me a torná-los claros e ajudou-me a exprimir as
minhas ideias. Para o capítulo 7, reviu a qualidade do texto e
ampliou, fortaleceu e clarificou os meus argumentos. Para além
deste trabalho intelectual, tratou também de todos os pormenores
entediantes relacionados com o processo de preparar o
manuscrito de um livro. A contribuição da Cathy para este livro
não pode deixar de ser fortemente realçada. Sem a sua ajuda, eu,
a «mãe», nunca teria conseguido criar o «bebé». De facto, a paixão
dela pelo livro não é menor do que a minha.
Gostaria de agradecer a Rudy Apffel, Deborah Bali, Maryl
Gearhart, liana Horn e Susan Magdison pelos seus comentá-

16
rios sobre a introdução. Os comentários cuidadosos e detalhados
de Anne Brown sobre os capítulos 1 a 4 ajudaram a melhorar a
sua clareza. O grupo de investigação de Alan Schoenfeld, o
Functions Group, passou duas sessões a discutir o meu
manuscrito. Julia Aguirre, liana Horn, Susan Magidson, Manya
Raman e Natasha Speer fizeram comentários valiosos. Agradeço
ao Functions Group e à Anne Brown pelos comentários aos
capítulos 5, 6 e 7. Agradeço de novo ao Robert Flo- den pela
informação de última hora fornecida pela base de dados NCRTE.
Gostaria também de agradecer a Naomi Silverman, editora-
-chefe na Lawrence Erlbaum Associates, pelo seu apoio paciente
e útil.
A minha sincera gratidão vai para o Professor Richard Askey,
cujo interesse e entusiasmo contribuíram para chamar a atenção
de muitas pessoas para o manuscrito do livro.
De volta à China, a minha terra natal, agradeceria primeiro
aos camponeses de Cunqian, a aldeia onde vivi e ensinei, que
tinham pouca instrução mas que me colocaram no caminho de
um doutoramento na Universidade de Stanford. Agradeço sin-
ceramente aos professores chineses que entrevistei. Agradeço
também de um modo especial aos professores que ajudaram a
moldar a minha jovem mente.
Para terminar, a minha família merece certamente os agra-
decimentos finais e o maior reconhecimento. Sem a sua ajuda,
este livro, e também toda a minha vida, não teriam sido possí-
veis.

17
Introdução

Em comparações internacionais de competência matemática,


os estudantes chineses geralmente ultrapassam o desempenho
dos estudantes americanos. Paradoxalmente, os professores
chineses aparentam ter muito menos educação matemática que
os professores americanos. A maior parte dos professores
chineses teve entre 11 a 12 anos de escolaridade — completam o
nono ano e frequentam mais dois ou três anos na escola normal.
Em contrapartida, a maioria dos professores americanos recebeu
entre 16 a 18 anos de formação, correspondentes a uma
licenciatura e, frequentemente, a mais um ou dois anos de
estudos.
Sugiro neste livro uma explicação para este paradoxo, pelo
menos no que se refere ao ensino básico. A informação em meu
poder sugere que os professores chineses começam as suas car-
reiras com uma melhor compreensão da matemática elementar
do que a maioria dos seus congéneres americanos. A
compreensão da matemática que ensinam e — igualmente im-
portante — dos modos de apresentação da matemática ele-
mentar aos alunos, continua a desenvolver-se ao longo das suas
carreiras profissionais. De facto, cerca de 10% dos professores
chineses, apesar da falta de educação formal, apresentam um
grau de compreensão matemática extraordinariamente raro nos
Estados Unidos.

19
Apresento as diferenças entre os professores chineses e os
americanos, no que se refere ao conhecimento para leccionar
matemática, e sugiro que a compreensão da matemática e do seu
ensino por parte dos professores chineses contribui para o
sucesso dos seus alunos. Também apresento alguns dos facto- res
que sustentam o crescimento do conhecimento matemático dos
professores chineses, e sugiro razões para a dificuldade, se não
impossibilidade, de os professores do ensino básico americano
desenvolverem uma compreensão profunda da matemática que
ensinam. Começarei com alguns dos exemplos que motivaram
este estudo.
Em 1989 eu era uma estudante de pós-graduação na Uni-
versidade do Estado de Michigan e trabalhava como assistente
no estudo Formação de Professores e Aprender a Ensinar (Tea-
cher Education and Learning to Teach — TELT) do Centro Na-
cional de Investigação em Formação de Professores (National
Center for Research on Teacher Education — NCRTE), codifi-
cando transcrições de respostas de professores a questões como a
que se segue:

Imagine que está a ensinar a divisão por fracções. Para


que isto tenha algum significado para as crianças, muitos
professores tentam relacionar a matemática com outras
coisas. Por vezes tentam arranjar situações da vida real ou
histórias-problema para mostrar a aplicação de um
conteúdo particular. Qual seria uma boa história ou um
bom modelo para 1-|- : y?

Fiquei particularmente abalada com as respostas a esta


questão. Muito poucos professores deram uma resposta correcta.
Mais de 100 professores, ainda em formação, no início da carreira
ou com experiência de ensino, inventaram uma história que
representava 1-| x y, ou ly : 2. Muitos outros professores foram
incapazes de inventar uma história.
As entrevistas lembraram-me o modo como aprendi a divisão
por fracções enquanto aluna da escola primária em Xangai. A
minha professora ajudou-nos a compreender a relação entre

20
a divisão por fracções e a divisão por inteiros positivos — a di-
visão permanece o inverso da multiplicação, mas os significados
da divisão por fracções ampliam os significados da divisão por
números naturais: o modelo de agrupamento (descobrir quantas
1 34
metades da unidade existem em ) e o modelo de repartição
13
(encontrar um número cuja metade seja 4 )1 1 . Mais tarde
tornei-me professora do ensino básico. Encontrei nos meus
colegas o entendimento da divisão por fracções tal como fora
ensinado pela minha professora do ensino básico. Como é que
tantos professores nos Estados Unidos não mostraram o mesmo
entendimento?
Várias semanas depois de codificar as entrevistas, visitei uma
escola do ensino básico que servia um próspero subúrbio branco
e que tinha a reputação de um ensino de elevada qualidade. Com
uma professora-formadora e uma professora-cooperante,
observei uma aula de matemática do quarto ano, em que uma
professora-estagiária leccionava as unidades de medida. Durante
a aula, que decorria sem percalços, fui abalada por outro
incidente. Após ter ensinado as unidades de medida e as suas
conversões, a professora pediu a um aluno para medir um lado
da sala com uma régua de uma jarda. O aluno disse ter medido 7
jardas e 5 polegadas e, depois de ter utilizado a sua calculadora,
afirmou «7 jardas e 5 polegadas é igual a 89 polegadas». A
professora, sem hesitação, anotou «89 polegadas» ao lado de «7
jardas e 5 polegadas», que já tinha escrito no quadro. A manifesta
incompatibilidade dos dois comprimentos, «7 jardas e 5
polegadas» e «89 polegadas», tornava-se evidente no quadro. Era
óbvio, mas não surpreendente, que o aluno tinha utilizado
incorrectamente a conversão entre pés e polegadas ao calcular o
número de polegadas numa jarda 2 . O que me surpreendeu,
contudo, foi que a incompatibilidade permaneceu no quadro até
ao final da aula sem qual-

1 Para mais informação sobre os dois modelos, ver Capítulo 3, p. 137.


2A relação entre jardas, pés e polegadas é a seguinte: 1 jarda = 3 pés e 1 pé = 12 polegadas
(1 jarda = 0,9144 m). (N.T.)

21
quer discussão. O que me surpreendeu ainda mais foi o erro
nunca ter sido apontado ou corrigido, nem sequer mencionado
depois da aula num debate sobre o método de ensino da pro-
fessora-estagiária. Nem a professora-cooperante nem a pro-
fessora-formadora que supervisionava a professora-estagiária
notaram o erro. Como professora do ensino básico e investi-
gadora que tinha trabalhado com professores durante muitos
anos, desenvolvera certas expectativas sobre o conhecimento
matemático dos professores do ensino básico. Contudo, as
expectativas que tinha criado na China pareciam não ter cor-
respondência nos Estados Unidos.
Quanto mais observava o ensino e a investigação em mate-
mática elementar nos Estados Unidos, mais intrigada ficava. Até
professores experientes e matematicamente seguros e pro-
fessores que tinham participado activamente na reforma actual
do ensino da matemática pareciam não ter um conhecimento
pormenorizado da matemática ensinada nas escolas do ensino
básico. De facto, os dois incidentes que me tinham espantado
eram apenas mais dois exemplos de um fenómeno já espalhado e
bem documentado3.
Mais tarde, li estudos internacionais sobre resultados esco-
lares em matemática4. Estes estudos evidenciaram que os

3 Para mais informação relativa a investigação do conhecimento dos professores sobre a

matéria, ver Bali (1988a), Cohen (1991), Leinhardt and Smith (1985), NCRTE (1991), Putnam
(1992) e Simon (1993).
4 A Associação Internacional para a Avaliação dos Resultados Escolares (International

Association for the Evaluation of Educational Achievement - IEA) conduziu o Primeiro


Estudo Internacional de Matemática em 1964. O estudo media o desempenho em vários
tópicos matemáticos em cada um de 12 países nos 8.° e 12.° anos. No início dos anos 80 do
século passado a IEA levou a cabo um outro estudo. O Segundo Estudo Internacional de
Matemática comparou 17 países no 8.° ano e 12 no 12.° ano. O Terceiro Estudo Internacional
de Matemática e Ciência (Third International Mathematics and Science Study - TIMSS), no
qual participaram mais de 40 países, começou recentemente a divulgar os seus relatórios.
(Para mais informação sobre os três estudos, ver Chang & Ruzicka, 1986; Coleman, 1975;
Crosswhite, 1986; Crosswhite et al., 1985; Husen, 1967a, 1967b; Lapointe, Mead, & Philips,
1989; Lynn, 1988; McKnight et al., 1987; National Center for Education Statistics, 1997;
Robitaille & Garden, 1989; Schmidt, McKnight, & Raizen, 1997.)

22
estudantes de alguns países asiáticos, tais como o Japão e a China,
ultrapassavam sistematicamente os seus colegas dos Estados
Unidos 5 . Os investigadores descreveram vários facto- res que
contribuem para este «hiato na aprendizagem»: diferenças entre
contextos culturais, tais como expectativas parentais ou sistemas
número-palavra6; organização escolar, ou quantidade de tempo
despendido na aprendizagem da matemática; conteúdos e
distribuição de conteúdos nos curricula matemáticos7. Ao ler esta
investigação, continuei a pensar sobre o assunto do conhecimento
matemático dos professores. Poderia o «hiato na aprendizagem»
não estar limitado aos estudantes? Se assim fosse, haveria uma
outra explicação para o desempenho matemático dos estudantes
americanos. Em vez de factores extrínsecos à sala de aula, poderia
ser o conhecimento dos professores a afectar directamente o
ensino e a aprendizagem. Além disso, esse conhecimento poderia
ser mais fácil de mudar do que os factores culturais, tais como o
sistema número-palavra8 ou o modo de educar crianças.
Parecia estranho que os professores chineses do ensino básico
tivessem uma melhor compreensão da matemática do que os seus
colegas americanos. Os professores chineses nem

5 Os resultados do TIMMS seguem este padrão. Por exemplo, cinco países asiáticos
participaram nas componentes matemáticas do quarto ano. Singapura, Coreia, Japão e Hong
Kong obtiveram os resultados mais elevados, significativamente mais altos do que os
resultados nos Estados Unidos. (A Tailândia foi o quinto país asiático participante.)
6 Por exemplo, a palavra chinesa para o número 20 significa «duas dezenas», a palavra

chinesa para o número 30 significa «três dezenas», e assim sucessivamente. O consenso é que
o sistema chinês de número-palavra ilustra a relação entre os números e os seus nomes mais
directamente do que o sistema inglês.
7 Para mais informação, ver Geary, Siegler e Fan (1993); Husen (1967a, 1967b); Lee,

Ichikawa e Stevenson (1987); McKnight et al (14987); Miura e Oka- moto (1989); Stevenson,
Azuma e Hakuta (1986); Stevenson e Stigler (1991,1992); Stigler, Lee e Stevenson (1986);
Stigler e Perry (1988a, 1988b); Stigler e Stevenson (1981).
8 Contudo, há formas de ensinaer para tratar com sucesso as irregularidades nos sistemas

número-palavra. Ver Fuson, Smith e Lo Cícero (1997) para um exemplo de ensino que lida
com as irregularidades nos sistemas número-palavra inglês e espanhol.

23
sequer completam o ensino secundário; em vez disso, depois do
nono ano, recebem mais dois ou três anos de escolaridade em es-
colas normais. Pelo contrário, a maioria dos professores ameri-
canos tem pelo menos o grau de licenciatura. Contudo, suspeitei
que os professores do ensino básico de ambos os países pos-
suíssem conjuntos de conhecimento matemático estruturados de
diferentes maneiras ou que, além do conhecimento da matéria
«igual ao do seu colega» (Shulman, 1986), um professor pudesse
ter outro tipo de conhecimento. Por exemplo, o conhecimento
que a minha professora do ensino básico tinha dos dois modelos
de divisão pode não ser comum entre professores de escolas
secundárias ou de universidades. Este tipo de conhecimento de
matemática escolar pode contribuir significativamente para
aquilo a que Shulman (1986) chamou conhecimento pedagógico
da matéria — «os modos de representar e formular a matéria que
a tomam compreensível para os outros» (p. 9).
Decidi investigar a minha suspeita. A investigação compara-
tiva permite-nos ver coisas diferentes — e, por vezes, as coisas de
modo diferente. A minha investigação não se centrou na ava-
liação do conhecimento dos professores nos dois países, mas na
descoberta de exemplos de conhecimento adequado dos pro-
fessores sobre conteúdos matemáticos. Tais exemplos poderiam
estimular esforços adicionais para procurar um conhecimento
adequado entre os professores americanos. Além disso, o co-
nhecimento vindo de professores, em vez de provir de enqua-
dramentos conceptuais, poderia estar mais «perto» deles e ser
mais fácil de entender e ser aceite por estes profissionais.
Dois anos mais tarde, terminei a investigação descrita neste
livro. Descobri que, embora os professores americanos tivessem
sido expostos a matemática mais avançada durante o ensino
secundário e universitário 9 , os professores chineses
apresentavam um conhecimento mais extenso da matemática do
ensino básico.

9 Para mais informação sobre a preparação dos professores americanos, ver Lindquist

(1997).

24
No meu estudo, usei as questões do TELT nas entrevistas. A
principal razão para o uso destes instrumentos é a sua relevância no
ensino da matemática. Conforme refere Ed Begle em Variáveis
Criticas em Educação Matemática, os estudos antigos mediam
frequentemente o conhecimento dos professores do ensino básico e
secundário pelo número e tipo de cursos matemáticos frequentados
ou graus obtidos — e não encontravam uma grande correlação entre
estas medidas de conhecimento dos professores e várias medidas de
aprendizagem dos alunos. Desde o final dos anos 80, os
investigadores têm- se preocupado com o conhecimento dos
professores sobre a matemática que ensinam, «o conhecimento que
um professor precisa de ter ou utiliza ao ensinar um curriculum
matemático de um determinado nível escolar» (Bali, 1988b), em vez
de «o conhecimento de tópicos avançados que um matemático po-
derá ter» (Leinhardt et al., 1991, p. 88). Os instrumentos mate-
máticos do TELT desenvolvidos por Deborah Bali para a sua
dissertação (Bali, 1988b) foram criados para testar o conhecimento
matemático dos professores no contexto de práticas comuns que os
professores adoptam no processo de ensino. As— questões das
entrevistas foram estruturadas introduzindo uma determinada
ideia matemática num cenário de sala de aula, com essa ideia a
desempenhar um papel crucial. Por exemplo, na questão que
mencionei anteriormente para a qual as respostas dos professores
tinham sido tão surpreendentes, a matemática da divisão por
fracções foi testada no contexto de uma tarefa familiar de ensino —
criar algum tipo de representação realista ou diagrama para este
tópico específico. Esta estratégia tem sido útil para examinar o tipo
de conhecimento necessário aos professores para ensinar de modo
diferente daquele que envolve questões directas sobre a matéria,
como um teste de matemática. A recente análise de Rowan e dos
seus colegas apoia esta estratégia. O seu artigo de 1997, «Sociologia
da Educação», descreve um modelo baseado em dados do Estudo
Nacional Longitudinal sobre Educação de 1988. Neste modelo, as
respostas correctas de um professor a um outro item TELT,

25
desenvolvido de acordo com o mesmo enquadramento con-
ceptual, tiveram um forte efeito positivo no desempenho dos
alunos.
Outra razão para usar os instrumentos TELT foi a sua vasta
cobertura da matemática elementar. Enquanto a maioria da in-
vestigação sobre o conhecimento matemático dos professores se
centrava em tópicos simples, o TELT abrangia todo o campo do
ensino e aprendizagem ao nível elementar. Os instrumentos
TELT para a matemática compreendiam quatro tópicos ele-
mentares: subtracção, multiplicação, divisão por fracções e a
relação entre área e perímetro. A ampla distribuição destes tó-
picos na matemática elementar prometia uma imagem relati-
vamente completa do conhecimento dos professores neste
campo.
Ainda uma outra razão para o uso dos instrumentos TELT foi
o facto de o projecto TELT já ter construído uma base de dados
consolidada de entrevistas a professores. Fazendo uso desta
base, os investigadores do NCRTE realizaram investigações
importantes e de grande influência. Com a imagem do
conhecimento matemático dos professores traçada pelo estudo
TELT e por outras investigações, o meu estudo comparativo seria
não só mais eficaz, mas também mais relevante para a
investigação da educação matemática nos Estados Unidos.
Usando as questões e dados do TELT, estudei professores dos
dois países (ver Tabela 1.1). Os 23 professores dos Estados
Unidos eram considerados «melhores que a média». Onze deles
eram professores experientes que participavam no Programa de
Verão de Matemática para Professores na Universidade de
Mount Holyoke, e tinham sido considerados matematicamente
«mais dedicados e mais seguros». Os membros do projecto TELT
tinham-nos entrevistado no início do Programa de Verão. Os
outros doze estavam a participar no Programa Interno de
Pós-Graduação gerido conjuntamente por um distrito escolar e
pela Universidade do Novo México, e iriam receber os seus
diplomas de mestrado no final desse

26
Verão. Os membros do projecto TELT tinham-nos entrevistado
durante o Verão, depois do seu primeiro ano de ensino.

Tabela 1.1
Os professores no estudo a

Experiência de Ensino Nome atribuído Número


No início de carreira Começa com Sr.a ou Sr.
Estados Unidosb 1 ano 12
Pseudónimo
Chineses Menos de 5 anos Inicial do nome' 40
Com experiência Começa com Prof.
Média 11 anos Pseudónimo 11
Mais de 5 anos Inicial do nome 24
Estados Unidos d
Chineses
Chineses com CPMF Média 18 anos Apelido chinês 8

a A visão dos professores americanos do seu conhecimento matemático e o número de anos de

ensino de cada professor americano com experiência são dados no Apêndice.


b Depois de completar os requisitos para certificação do Departamento de Estado da Educação do
Novo México, estes professores frequentaram cursos de pós-graduação nos Verões anterior e
posterior ao seu primeiro ano de ensino. Os dados de investigação usados neste estudo foram
recolhidos no segundo Verão.
'Embora a NCRTE tenha atribuído um pseudónimo a cada professor americano, eu não fiz o
mesmo com os professores chineses. Em chinês não existem palavras que sejam consideradas
pseudónimos como as que existem em inglês. Em vez disso, os pais chineses inventam um nome
para cada criança. Um nome chinês é normalmente muito informativo, reflectindo estatuto social,
educação e atitude política da família, a época e o local de nascimento, as expectativas dos pais, o
lugar na árvore genealógica, etc. Assim, parece-me impróprio inventar nomes em chinês para 72
pessoas sobre quem sei muito pouco, excepto o seu conhecimento de matemática. Em chinês, os
apelidos são comparativamente neutrais. Contudo, o número de apelidos usados comummente é
pequeno, por isso decidi usar apelidos apenas para os professores que identifiquei como tendo
CPMF (compreensão profunda da matemática fundamental).
d Estes professores foram inscritos no programa de Líderes Educacionais de Matemática, um
projecto adicional do Verão de Matemática financiado pela NSF (National Science Foundation),
que é mais longo e intenso que o programa regular de Verão. O seu objec- tivo é preparar
excelentes professores de matemática para serem líderes nos seus distritos ou regiões escolares.
(Para mais informação, ver NCRTE, 1988, pp. 79-85.) Os professores participam em dois Verões e
três anos escolares. Os dados usados neste estudo foram recolhidos no início deste programa em
Julho e Agosto de 1987.

Embora os professores americanos entrevistados pelo TELT


fossem considerados acima da média, tentei obter uma imagem
mais representativa do conhecimento dos professores chineses.

27
Escolhi cinco escolas do ensino básico cuja qualidade variava de
muito boa a muito má 10 e entrevistei todos os professores de
matemática de cada escola, num total de 72 professores.
Os capítulos 1 a 4 traçam o retrato, revelado pelas entrevistas,
do conhecimento dos professores de matemática sobre a matéria.
Cada um destes capítulos é dedicado a um tópico fundamental da
matemática elementar: subtracção com reagru- pamento,
multiplicação com números de vários algarismos, divisão por
fracções, e perímetro e área de figuras fechadas. Cada capítulo
começa com uma questão da entrevista TELT concebida para
apresentar a matemática através de um hipotético cenário de sala
de aula em que o conhecimento matemático é 'entrelaçado' com
uma de quatro tarefas básicas de ensino: ensinar um tópico,
reagir a um erro dos alunos, criar uma representação de
determinado tópico e responder a uma nova ideia apresentada
por um aluno. Por exemplo, o cenário da divisão por fracções
dado anteriormente pede aos professores para representarem 1-|
: \ de um modo que seja significativo para os seus alunos.
Em cada um destes capítulos descrevo as respostas dos pro-
fessores americanos, depois as dos chineses e concluo com um
debate sobre os resultados obtidos. Os exemplos descrevem
imagens específicas de distintos entendimentos da matemática
elementar, incluindo a compreensão profunda da matemática
fundamental.
Os estudos sobre o conhecimento dos professores fornecem
exemplos abundantes de conhecimento insuficiente de mate-
mática (Bali, 1988a, 1990; Cohen, 1991; Leinhardt & Smith,
1985; Putnam, 1992; Simon, 1993), mas dão poucos exemplos do
conhecimento de que os professores precisam para apoiar o seu

10Estas escolas foram escolhidas entre aquelas com as quais eu estava familiarizada
antes de vir para os Estados Unidos. Três delas localizam-se em Xangai, uma grande área
metropolitana. A qualidade de ensino nestas escolas variava: uma era considerada de muito
boa qualidade, outra de qualidade moderada e a terceira de qualidade muito baixa. As outras
duas situam-se num concelho de estatuto socioeconómico e educacional médio. Uma delas é
uma escola citadina de muito boa qualidade e a outra é uma escola rural de baixa qualidade,
com instalações em três aldeias numa área de montanha.

28
ensino, particularmente o tipo de ensino exigido pelas recentes
reformas na educação matemática11.
Os investigadores criaram enquadramentos conceptuais gerais
que descrevem o que deveria ser o conhecimento dos professores
sobre a matemática. Deborah Bali está entre aqueles cujo trabalho
é significativo nesta área. Ela identificou a compreensão
matemática dos professores como «um entrelaçar de ideias de e
sobre a matéria» (1988b, 1991). Por conhecimento de matemática
quis dizer conhecimento substantivo da disciplina: compreensão
de tópicos específicos, procedimentos e conceitos, e das suas
inter-relações. Por conhecimento sobre matemática quis dizer
conhecimento sintáctico, digamos, a compreensão da natureza e
do discurso matemáticos. Para além disso, propôs três «critérios
específicos» para o conhecimento substantivo dos professores:
correcção, significado e conexão. Apesar de Bali e de outros
investigadores terem desenvolvido concepções do que deveria
ser o conhecimento matemático dos professores, os dados à sua
disposição limitaram o desenvolvimento de uma visão concreta
de tal conhecimento.
O capítulo 5 começa a aflorar este assunto. Nele aprofundo os
vários entendimentos retratados nos capítulos de dados, discuto
o que entendo por matemática fundamental e o que significa ter
uma compreensão profunda da matemática fundamental
(CPMF). Esta compreensão vai além da capacidade de calcular
correctamente e de dar uma fundamentação lógica para os
algoritmos computacionais. Um professor com uma
compreensão profunda da matemática fundamental está não só
consciente da estrutura conceptual e das atitudes básicas da 11

n Leinhardt e Bali são os dois principais investigadores neste campo. Para mais

informação sobre o trabalho de Leinhardt e dos seus colegas, ver Leinhardt e Greeno (1986);
Leinhardt e Smith (1985); Leinhardt (1987); Leinhardt, Putnam e Baxter (1991); e Stei, Baxter e
Leinhardt (1990). Para mais informação sobre o trabalho de Bali e dos seus colegas, ver Bali
(1988a, 1988b, 1988c/1991, 1988d, 1989,1990), e Schram, Nemser e Bali (1989).

29
matemática inerentes à matemática elementar, mas é também
capaz de ensiná-las aos alunos. O professor do primeiro ano que
encoraja os alunos a descobrir o que cinco maçãs, cinco blocos e
cinco crianças têm em comum, e os ajuda a chegar ao conceito de
5 a partir destes diferentes itens, incentiva uma atitude
matemática — usar números para descrever o mundo. O
professor do terceiro ano que lidera um debate sobre o motivo
de7 + 2 + 3 = 9 + 3 = 12 não poder ser escrito como 7 + 2 + + 3 = 9
+ 12, está a ajudar os alunos a conhecer um princípio matemático
básico — a igualdade. O professor que explica aos alunos que,
por sabermos que 247 x 34 = 247 x 4 + 247 x 30, no algoritmo
habitual da multiplicação devemos mover a segunda linha uma
coluna para a esquerda, está a ilustrar princípios básicos
(reagrupamento, propriedade distributiva, valor posicionai) e
uma atitude geral: não é suficiente saber como, devemos também
saber porquê. Os alunos que entusiasticamente relatam os
diferentes modos que usaram para encontrar um número entre j
e ' estão a pôr em prática a noção de que um problema pode ser
resolvido de múltiplas formas. Ao planear a aula e preparar o
debate, o seu professor baseou-se no conhecimento de como
ensinar (conhecimento pedagógico), mas para compreender as
respostas dos alunos e determinar os objectivos da aula, o
professor deve basear-se também no conhecimento da matéria.
O capítulo 6 apresenta os resultados de uma breve investi-
gação sobre como e quando os professores na China obtêm uma
compreensão profunda da matemática fundamental. Os factores
que sustentam o desenvolvimento do conhecimento matemático
dos professores chineses não existem nos Estados Unidos. Pior
ainda, as condições nos Estados Unidos são desfavoráveis ao
desenvolvimento do conhecimento matemático dos professores
do ensino básico e à sua organização para ensinar. O capítulo
final sugere mudanças na formação de professores, apoio aos
professores e investigação na educação matemática que possam
permitir aos professores nos Estados Unidos obter uma
compreensão profunda da matemática fundamental.

30
1
Subtracção com reagrupamento:
abordagens para ensinar um tópico

Cenário

Vamo-nos debruçar em particular e durante algum tempo,


sobre um tópico a leccionar, subtracção com reagrupamento.
Repare nestas questões (  ,  , etc.). Se estivesse a ensinar
52 91
25 79

o segundo ano, como abordaria estes problemas? O que


diria que os alunos precisavam de entender ou de ser
capazes de fazer, antes de poderem começar a aprender a
subtracção com reagrupamento?

Quando fazem subtracções pela primeira vez, os alunos


aprendem a subtrair cada algarismo do subtractivo ao algarismo
correspondente do aditivo:

75
-12
63

Para efectuar este cálculo, subtraem simplesmente 2 de 5 e 1


de 7. Contudo, esta estratégia directa nem sempre funciona.
Quando um algarismo no subtractivo é maior que o
correspondente no aditivo (ex.: 22-14; 162-79), os alunos não

31
conseguem calcular directamente. Para subtrair 49 de 62, é
necessário que aprendam a subtracção com reagrupamento:
5
6 12
49
13

Em qualquer dos casos, com ou sem reagrupamento, a sub-


tracção é um dos primeiros tópicos no ensino básico. Para o
ensinar, será então necessária uma compreensão profunda da
matemática? Será que a um tópico tão simples, está mesmo as-
sociada uma compreensão profunda da matemática? Será que o
grau de conhecimento do professor sobre esta matéria vai fazer
alguma diferença na sua forma de ensinar e contribuir de facto
para a aprendizagem dos alunos? Só há uma resposta para estas
perguntas: sim. Mesmo em presença de um tópico matemático
tão elementar, os professores entrevistados mostraram um
conhecimento amplo da matéria, o que aponta para a existência
de um leque correspondente de oportunidades de aprendizagem
para os seus alunos.

A ABORDAGEM DOS PROFESSORES AMERICANOS:


EMPRÉSTIMO VERSUS REAGRUPAMENTO

Construindo o tópico

Ao exporem a sua abordagem ao ensino deste tópico, os


professores americanos começavam habitualmente com o que
esperavam que os seus alunos aprendessem. 19 dos 23 profes-
sores americanos (83%) focaram a sua atenção no procedimento
de cálculo. A Sr.a Fawn, uma jovem professora que tinha acabado
de terminar o seu primeiro ano de ensino, deu uma explicação
bastante clara deste procedimento:

Quando existe uma diferença como 21-9, eles precisam de


saber que não podem subtrair 9 de 1; têm por isso de pedir um

32
10 emprestado ao lugar das dezenas, e quando pedem emprestado esse
1 que representa 10 unidades, riscam o 2 transformando-o num 1 e,
tendo agora 11-9, resolvem esse problema de subtracção e baixam o 1
que sobrou.

Estes professores esperavam que os alunos aprendessem a


efectuar dois passos específicos: tirar uma dezena da posição das
dezenas e transformá-la em 10 unidades. Descreveram o passo de
«tirar» como empréstimo e, chamando a atenção para o facto de
que «uma dezena é igual a 10 unidades», explicaram o passo de
«transformar». Aqui podemos observar a perspectiva pedagógica
destes professores: logo que os alunos consigam efectuar
correctamente estes dois passos-chave, muito provavelmente
serão capazes de efectuar correctamente o cálculo completo.
Os restantes quatro professores, Prof.a Bemadette, Prof.a Brid-
get, Sr.a Faith e Sr.a Fleur esperavam, contudo, que os seus alunos
aprendessem mais do que o procedimento de cálculo, ou seja, que
aprendessem a fundamentação lógica do algoritmo. A sua
abordagem enfatizava dois pontos: o reagrupamento subjacente
ao passo de «tirar» e a troca subjacente ao passo de «transformar».
A Prof. Bernadette, uma professora experiente, disse:

Eles devem compreender o que significa o número 64... Eu mostraria que o


número 64 e o número 5 dezenas e 14 unidades são iguais a 64. Tentaria
estabelecer essa comparação porque ao fazer o reagrupamento não se trata
tanto de saber os factos, é a parte do reagrupamento que deve ser entendida.
O reagrupamento logo a partir do início.

A Sr.a Faith, outra professora a terminar o seu primeiro ano de


ensino, indicou que os alunos deviam compreender que o que
acontece no reagrupamento é uma troca entre valores posicionais:

Eles devem compreender como são efectuadas as trocas...


na base 10, ao chegar a determinado número — 10 — na

33
coluna das unidades é o mesmo que dizer 10 unidades ou 1
dezena... Eles têm de se habituar à ideia de que as trocas são
feitas entre valores posicionais e que isso não altera o valor do
número... O valor actual mantém-se, mas podem ocorrer trocas.

Contudo, o que os professores esperavam que os alunos


soubessem tinha a ver com o seu próprio conhecimento. Os
professores que esperavam que os alunos aprendessem mera-
mente o procedimento, tinham tendência para um entendimento
procedimental. Para explicar porque precisamos de pedir uma
dezena «emprestada» ao lugar das dezenas, estes professores
diziam: «Não podemos subtrair um número maior de um menor.»
Eles interpretavam o procedimento de «tirar» como uma questão
de um número obter mais valor a partir de outro número, sem
mencionar que se trata de um rearranjo dentro do mesmo número:

Não se pode subtrair um número maior de um menor... Deve-se


pedir emprestado à coluna adjacente porque ela tem mais. (Sr.a Fay)

Mas se não tiveres unidades suficientes, vais pedir ao teu amigo


que tem de sobra. (Prof. Brady)

«Não podemos subtrair um número maior de um menor» é um


falso argumento matemático. Embora os alunos de segundo ano
não aprendam como se subtrai um número maior de um menor,
isso não significa que nas operações matemáticas não se possa
subtrair um número maior de um menor. De facto, os jovens
estudantes irão aprender a fazê-lo no futuro e essa aprendizagem
não deverá ser perturbada pela ênfase ou- trora dada a uma ideia
errada.
Tratar os dois algarismos do aditivo como dois amigos, ou dois
vizinhos que vivem lado a lado, é matematicamente enganador
noutro sentido, pois sugere que esses algarismos são

34
dois números independentes em vez de duas partes de um só
número.
Outra ideia errada sugerida pela explicação do «empréstimo» é
que o valor de um número não tem de manter-se constante no
cálculo, mas pode ser mudado arbitrariamente — se um número é
«demasiado pequeno» e precisa de ser maior por qualquer razão,
pode simplesmente «pedir emprestado» um determinado valor a
outro número.
Pelo contrário, os professores que esperavam que os alunos
compreendessem a fundamentação lógica subjacente ao pro-
cedimento mostraram que tinham dele um conhecimento con-
ceptual. Por exemplo, a Prof. Bernadette excluiu todas as
concepções erradas acima descritas:

Será que do número 64 podemos tirar 46? Pensem nisto. Faz


sentido? Se tivermos um número na casa dos sessenta, podemos
tirar-lhe um número na casa dos quarenta? Ok, se isso agora faz
sentido, então somos capazes de fazer 4 menos 6? Aqui está o 4 e
mostrar-lhes-ei visualmente o 4. Tirem 6: 1, 2,
3,4. Não é suficiente. Então o que podemos fazer? Podemos ir para a
outra parte do número e tirar o que pudermos usar, retirá-lo do outro
lado, trazê-lo para o nosso lado para ajudar, para ajudar o 4 a tornar-se
14.

Para a Prof.3 Bernadette, o problema 64- 46 não era decompo-


nível, como sugerido na explicação do empréstimo, em dois pro-
cessos separados, 4-6 e depois 60-40. Era, em vez disso, um
processo completo de «retirar um número na casa dos quarenta de
um número na casa dos sessenta». Além disso, a Prof. Bernadette
pensava que não se tratava da questão de que «não se pode sub-
trair um número maior de um menor», mas sim de que «os alunos
do segundo ano não são capazes de fazer isso». Finalmente, a so-
lução era «ir para a outra parte do número e trazê-lo para o nosso
lado para ajudar». A diferença entre as expressões «outro número»
e «a outra parte do número» é subtil, mas os significados mate-
máticos transmitidos são significativamente diferentes.

35
Técnicas educativas: materiais manipuláveis

O conhecimento dos professores sobre o tópico em apreciação


estava correlacionado não apenas com as suas expectativas sobre
a aprendizagem dos alunos, mas também com as suas
abordagens de ensino. Ao expor como ensinariam o tópico,
todos, excepto um, se referiram aos materiais manipuláveis. Os
mais populares eram conjuntos de pauzinhos (de chupa,
palhinhas ou pauzinhos de outro tipo). Outros eram feijões,
moedas, blocos, imagens de objectos ou jogos. Os professores
disseram que, ao proporcionar uma experiência «sensorial», os
materiais facilitariam uma melhor aprendizagem do que apenas
«falar» — o modo como eles tinham sido ensinados.
Um bom veículo, contudo, não garante a aprendizagem cor-
recta. A ^mpreensão que os alunos atingem com os materiais P' ..
apuláveis depende grandemente da orientação do professor. Os
23 professores tinham ideias diferentes que queriam clarificar
recorrendo aos materiais manipuláveis. Alguns professores ape-
nas queriam que os alunos tivessem uma ideia «concreta» da
subtracção. Com o problema 52-25, por exemplo, a Prof.a Belinda
propôs «alinhar 52 crianças e retirar 25 para ver o que acontece».
A Sr.a Florence indicou que usaria feijões como «ovos de dinos-
sauro», o que pode ser interessante para os alunos:

Eu começaria por apresentar alguns problemas de subtracção com


talvez uma imagem de 23 coisas, dizendo-lhes para riscarem 17 e
contarem quantas coisas sobravam... Talvez lhes pedisse que
fizessem algo com ovos de dinossauro ou outra coisa que tivesse um
pouco mais de significado para eles. Talvez lhes pedisse que fizessem
uma subtracção concreta com ovos de dinossauro, üsando feijões ou
qualquer outra coisa.

Problemas como 52-25 ou 23-17 são problemas de subtracção


com reagrupamento. Contudo, o que os alunos aprenderiam com
actividades envolvendo materiais manipuláveis, como tirar 25
alunos de 52 ou tirar 17 ovos de dinossauro de 23,

36
não está de forma alguma relacionado com reagrupamento. Pelo
contrário, o uso de materiais manipuláveis retira a necessidade
de reagrupar. O Prof. Barry, outro professor experiente no grupo
dos professores com uma orientação procedimental, mencionou
o uso de materiais manipuláveis para tornar clara a ideia de que
«precisamos de pedir algo emprestado». Ele disse que traria
moedas de 25 cêntimos e deixaria que os alunos as trocassem por
moedas de 10 e 5 cêntimos:

Uma boa ideia pode ser pegar em moedas, usar dinheiro porque
os miúdos gostam de dinheiro... A ideia de pegar numa moeda de 25
cêntimos e trocá-la por duas moedas de 10 cêntimos e uma de 5
cêntimos, de forma a podermos pedir emprestados 10 cêntimos, vai ao
encontro da ideia de que precisamos de pedir algo emprestado.

Há duas dificuldades nesta ideia. Em primeiro lugar, o pro-


blema matemático na representação do Prof. Barry era 25-10, que
não é uma subtracção com reagrupamento. Em segundo lugar, o
Prof. Barry confundiu um empréstimo da vida quotidiana —
pedir 10 cêntimos emprestados a uma pessoa que tem 25
cêntimos — com o processo de «empréstimo» na subtracção com
reagrupamento — reagrupar o aditivo rearranjando os valores
posicionais. De facto, o material manipulável (as moedas) do
Prof. Barry não transmitiría qualquer entendimento conceptual
do tópico matemático que devia ser ensinado.
A maioria dos professores americanos disse que usaria mate-
riais manipuláveis para ajudar os alunos a compreender que uma
dezena é igual a 10 unidades. Na sua opinião, dos dois passos-
chave do procedimento, tirar e transformar, o último é o mais di-
fícil de efectuar. Por isso, muitos professores quiseram mostrar
esta parte visualmente ou deixar que os alunos tivessem uma ex-
periência manual do facto de uma dezena ser igual a 10
unidades:

Daria aos alunos conjuntos de pauzinhos de chupa presos por


elásticos, com 10 em cada conjunto. E depois escreveria

37
um problema no quadro, e eu teria também conjuntos de pauzinhos, e
mostraria primeiro como os separaria para resolver o problema, e
depois veria se eles eram capazes de fazer o mesmo, e depois, talvez
depois de muita prática, daria a cada par de alunos um problema de
subtracção diferente, que eles poderiam tentar resolver ou dar-nos
uma resposta. Ou faria com que inventassem um problema usando os
pauzinhos, separando-os e prosseguindo a experiência. (Sr.a Fiona)
(itálico acrescentado)

O que a Sr.a Fiona relatou foi um método típico usado por


muitos professores. Obviamente, está mais relacionado com a
subtracção com reagrupamento do que os métodos descritos pela
Sr.a Florence e pelo Prof. Barry. Contudo, parece ainda muito
centrado no procedimento. A seguir à demonstração do
professor, os alunos poriam em prática o modo de separar um
conjunto de 10 pauzinhos e veriam como isso funcionava nos
problemas de subtracção. Embora a Sr.a Fiona tenha descrito
claramente o procedimento de cálculo, ela não descreveu, nem de
perto nem de longe, o conceito matemático subjacente.
Alguns investigadores fizeram notar que, de modo a
promover a compreensão matemática, é necessário que os
professores ajudem os alunos a fazer conexões explícitas entre os
materiais manipuláveis e as ideias matemáticas (Bali, 1992;
Driscoll, 1981; Hiebert, 1984; Resnick, 1982; Schram, Nemser, &
Bali, 1989). De facto, nem todos os professores são capazes de
fazer essas ligações: tudo indica que apenas os que têm uma clara
compreensão das ideias matemáticas incluídas no tópico poderão
estar aptos a desempenhar esse papel. A Sr.a Faith, professora no
início de carreira com um entendimento conceptual do tópico,
disse que «basear-se fortemente nos materiais manipuláveis»
ajudaria os alunos a perceber «como cada um destes conjuntos de
10 é uma dezena ou 10 unidades», a saber que «5 dezenas e 3
unidades é o mesmo que 4 dezenas e 13 unidades», a aprender a

38
«ideia de troca equivalente» e a falar sobre «a relação com os
números»:

A partir deste ponto, tentaria mostrar como cada um destes


conjuntos de 10 pauzinhos é uma dezena ou 10 unidades. Faria com
que isso ficasse claro. E o que aconteceria se tirássemos o elástico e
puséssemos 10 aqui, quantas unidades teríamos? E para chegar ao
próximo passo no problema 53-25, mostraria que tenho 1,
2,3,4 dezenas e 13 unidades e depois subtrairia dessa maneira... Diria à
criança que não tínhamos adicionado ou subtraído nada ao 53, certo?
Certo... 5 dezenas e 3 unidades é o mesmo que 4 dezenas e 13
unidades, e o que acontece quando daí tiramos 25?

Ao contrário de outros professores que usaram materiais


manipuláveis para ilustrar o procedimento de cálculo, a Sr.a Faith
usou-os para representar o conceito matemático subjacente ao
procedimento. A única razão pela qual o uso desses materiais
pela Sr.a Faith poderia levar os seus alunos «mais longe» do que a
sua utilização por outros professores era que ela compreendia o
tópico matemático de modo mais profundo que os outros.
Usando um método similar, os professores com diferentes visões
sobre a matéria poderiam conduzir os alunos a diferentes
entendimentos da matemática.

A ABORDAGEM DOS PROFESSORES CHINESES:


DECOMPOR UMA UNIDADE DE ORDEM SUPERIOR

Alguns entendimentos do tópico por parte dos professores


chineses tinham pontos comuns com os dos professores ame-
ricanos. O grupo de professores chineses que defendia o conceito
de «empréstimo» tinha um enfoque muito similar ao dos seus
colegas americanos:

Diria aos alunos que, quando calculamos problemas como 53-25,


alinhamos primeiro os números e começamos a

39
subtracção pela coluna das unidades. Uma vez que o 3 não é
suficientemente grande para dele tirar 5, devemos pedir emprestada
uma dezena da coluna das dezenas e transformá-la em 10 unidades.
Ao adicionarmos as 10 unidades a 3 obtemos 13. Se subtrairmos 5 de
13 obtemos 8. Coloca-se o 8 na coluna das unidades em baixo. Depois
movemo-nos para a coluna das dezenas. Uma vez que o 5 da coluna
das dezenas emprestou um 10 à coluna das unidades, restam apenas 4
dezenas. Tiramos 20 de 40 e obtemos 20. Coloca-se o 2 na coluna das
dezenas em baixo. (Sr.a Y.)

A Sr.a Y. estava a meio do seu segundo ano de ensino. A sua


explicação foi uma variante da da Sr.a Fawn. Ela centrou-se nos
passos específicos do algoritmo e não mostrou qualquer interesse
na sua fundamentação lógica. A percentagem dos professores
chineses que defendiam estas ideias orientadas para o
procedimento era, contudo, substancialmente menor do que a
dos professores americanos (14% vs. 83%). A figura 1.1 mostra os
diferentes entendimentos dos professores sobre o tópico.

□ Profs. Americanos (N= 23)

■ Profs. Chineses (N= 72)

Empréstimo Reagrupamento Várias formas de


reagrupamento

Fig. 1.1. Os entendimentos dos professores sobre a subtracção

A maioria dos professores chineses centrou-se no reagru-


pamento. No entanto, ao contrário dos professores americanos,
cerca de 35% dos professores chineses descreveram mais do que
um modo de reagrupar. Estes professores referiram não só a
fundamentação lógica do algoritmo habitual, mas discutiram
também outros modos de resolver o problema, não

40
mencionados pelos professores americanos. Vamos analisar em
primeiro lugar uma frase-chave proferida pelos professores
chineses: decompor uma unidade de ordem superior.
«Decompor uma unidade de ordem superior [tui yf]» é um
termo da aritmética chinesa tradicional baseada no ábaco. Cada
fio de um ábaco representa um certo valor posicionai. O valor de
cada conta no ábaco depende da posição do fio onde está
colocada. Quanto mais à esquerda um fio estiver no ábaco, maior
é o valor posicionai que representa. Por isso, os valores das
contas nos fios à esquerda são sempre maiores do que os das
contas nos fios à direita.
Ao subtrair com reagrupamento no ábaco, precisamos de
«tirar» uma conta de um fio à esquerda e transformá-la em 10 ou
em potências de 10 contas nos fios à direita. A isto chama-se
«decompor uma unidade de ordem superior».
86% dos professores chineses descreveram o passo de «tirar»
no algoritmo como um processo de «decompor uma unidade de
ordem superior». Em vez de dizerem que «pedimos uma dezena
emprestada da posição das dezenas», disseram que
«decompomos uma dezena»12 13.
A razão pela qual não podemos calcular 21-9 directamente
reside na forma do número 21. No sistema decimal, os números
são compostos de acordo com a base 10. Logo que um número
recebe 10 unidades em determinada posição (ex., posição das
unidades, posição das dezenas), as 10 unidades devem ser
organizadas numa unidade na próxima posição de ordem su-
perior (ex., posição das dezenas, posição das centenas). Teori-
camente, não existem mais do que 9 unidades «dispersas» (não
compostas) no sistema de numeração decimal. Agora queremos
subtrair 9 unidades dispersas de 21, que tem apenas 1 na

* Os caracteres chineses e outras palavras chinesas aparecem no Apêndice, Fig. A.2.


13 Este aspecto foi também observado por outros investigadores. Stigler e Perry (1988a)
disseram que os professores chineses davam ênfase «à composição e decomposição de
números em grupos de 10».

41
posição das unidades. A solução é, então, decompor uma uni-
dade de ordem superior, um 10, e subtrair 9 unidades individuais
de 21, após a recomposição deste número.
Durante as entrevistas, os professores tendiam a discutir a
ideia de «decompor uma unidade de ordem superior» em ligação
com a adição com transporte — «compor uma unidade de ordem
superior \jin yi\». Ao descrever como ensinaria este tópico, a
Prof. L., uma professora experiente que ensina do primeiro ao
terceiro ano, disse:

Eu começaria com um problema de subtracção fácil, como 43-22=?


Depois de eles o resolverem, mudaria o problema para 43-27=? Como
é que o problema novo difere do primeiro?
O que acontecerá quando estivermos a resolver o segundo problema?
Descobrirão que 7 é maior que 3 e que não temos unidades
suficientes. Então direi: ok, hoje não temos unidades suficientes. Mas
às vezes temos unidades a mais. Devem lembrar-se que na semana
passada, quando fizemos a adição com transporte, tínhamos muitas
unidades. O que fizemos nessa altura? Eles dirão que as compusemos
em dezenas. Então, quando temos muitas unidades, compomo-las em
dezenas; o que podemos fazer quando não temos unidades que
cheguem? Podemos decompor uma dezena de novo em unidades. Se
decompusermos um 10 de 40, o que acontece? Teremos unidades
suficientes. Deste modo, introduziria o conceito de «decompor uma
unidade de ordem superior em 10 unidades de ordem inferior».

Alguns professores indicaram que o termo «decompor» su-


gere a sua relação com o conceito de «compor».

Porque é que não existem unidades suficientes em 53 para


subtrair 6? Cinquenta e três é obviamente maior que 6. Onde estão as
unidades de 53? Os alunos dirão que as outras unidades de 53 foram
compostas em dezenas. Então irei perguntar o que podemos fazer
para ter unidades suficientes para

42
subtrair 6. Espero que eles tenham a ideia de decompor
um 10. Caso contrário, proporei isso. (Prof. P.)

Na China, assim como nos Estados Unidos, o termo «em-


préstimo» costumava ser uma metáfora tradicional na sub-
tracção 14 . A Sr.a S., uma professora de terceiro ano no seu
segundo ano de ensino, explicou porque pensava que o conceito
de «decompor uma unidade de ordem superior» fazia mais
sentido que a metáfora do empréstimo:

Alguns dos meus alunos podem ter aprendido dos seus


pais que «pedimos uma unidade emprestada às dezenas e
vemo-la como 10 unidades [jie yi dang shi]».
Explicar-lhes-ei que não estamos a pedir um 10
emprestado, mas sim a decompor um 10.
O «empréstimo» não explica porque podemos tirar um 10
para a posição das unidades. Mas a «decomposição»
explica. Quando dizemos decompor, isso implica que os
algarismos em posições de ordem superior são de facto
compostos a partir daqueles que estão em posições de
ordem inferior. São permutáveis. O termo «empréstimo»
não significa, de todo, o processo de compor-decompor.
«Pedir uma unidade emprestada e transformá-la num 10»
parece arbitrário. Os meus alunos podem perguntar-me
como podemos pedir emprestado às dezenas. Se pedirmos
alguma coisa emprestada, devemos devolvê-la mais tarde.
Como e o que vamos devolver? Além disso, ao pedir em-
prestado, temos de encontrar uma pessoa com disposição
para nos emprestar. Então, e se a posição das dezenas não
quiser emprestar à posição das unidades? Não saberemos
responder a estas questões que os alunos podem colocar.

Explicar o passo de «tirar» como um processo de decompor


uma unidade de ordem superior reflecte um entendimento

14 Versões antigas de manuais de aritmética chineses usavam o termo «sub- tracção com

empréstimo», traduzido a partir do Ocidente. Nas últimas décadas, os manuais têm usado
«subtracção com decomposição».

43
ainda maior do que a explicação que assenta no «reagrupar».
Embora a fundamentação lógica do algoritmo seja reagrupar o
aditivo, o reagrupar é uma abordagem matemática que não está
confinada à subtracção: é fundamental para uma variedade de
cálculos matemáticos. Há vários modos de reagrupar. Por
exemplo, ao efectuar uma adição com transporte, a soma numa
certa posição pode ser maior do que 10 unidades; então
reagrupamo-la, compondo as unidades em uma, ou mais, uni-
dades de ordem superior. Novamente, ao efectuar uma multi-
plicação com números de vários algarismos, reagrupamos o
multiplicador em grupos da mesma ordem (ex., ao calcular 57 x
39, reagrupamos 39 em 30 + 9 e efectuamos o cálculo de 57 x 30 +
57 x 9). De facto, cada uma das quatro operações aritméticas
implica determinado tipo de reagrupamento. Por isso, explicar o
procedimento de «tirar» apenas em termos de «reagrupar» é
menos correcto, porque o reagrupar é menos relevante ao tópico
da subtracção do que a «decomposição de uma unidade de
ordem superior». A primeira explicação falha por não indicar a
forma específica de reagrupar que ocorre na subtracção.
Além disso, ao usar o conceito de decompor uma unidade de
ordem superior, o procedimento da subtracção é explicado de um
modo que mostra a sua ligação com a operação da adição.
Fornece um apoio conceptual maior para a aprendizagem da
subtracção e reforça a aprendizagem anterior dos alunos.

A base para compor uma unidade de ordem superior. Com o


conceito de «decompor 1 dezena em 10 unidades», os professores
chineses de orientação conceptual tinham já explicado os passos
de «tirar» e «transformar» no algoritmo. Contudo, muitos deles
aprofundaram mais o aspecto de «transformar» do
procedimento. Cerca de metade, à semelhança dos professores
americanos no grupo do «reagrupar», enfatizaram que 1 dezena é
composta por 10 unidades e pode ser decomposta em 10
unidades. A outra metade,

44
contudo, referiu-se a uma ideia matemática mais básica — a base
para compor uma unidade de ordem superior [jin lu] — como
um conceito que os alunos devem conhecer antes de aprenderem
o reagrupamento, e que deve ser reforçado ao longo do ensino.
Estes professores afirmaram que os alunos devem ter uma
ideia bem definida sobre «a base para compor uma unidade de
ordem superior», para que melhor possam compreender porque
uma unidade de ordem superior é decomposta em 10, ou
potências de 10, unidades de ordem inferior. Tal compreensão, de
acordo com estes professores, irá facilitar a aprendizagem futura
dos alunos. O Prof. Mao, um professor do quinto ano que tinha
ensinado matemática no ensino básico durante 30 anos, fez este
comentário:

Qual é a base para compor uma unidade de ordem


superior? A resposta é simples: 10. Perguntemos aos
alunos quantas unidades há num 10, ou perguntemos qual
é a base para compor uma unidade de ordem superior, as
suas respostas serão as mesmas: 10. Contudo, o efeito das
duas perguntas na aprendizagem não é o mesmo. Quando
relembramos aos alunos que uma dezena é igual a 10
unidades, estamos a dar-lhes o facto que é usado no
procedimento. Isto, de algum modo, limita-os a esse facto.
Quando lhes pedimos que pensem na base para compor
uma unidade de ordem superior, guiamo-los para uma
teoria que explica tanto o facto como o procedimento. Tal
entendimento é mais poderoso que um facto específico.
Pode ser aplicado a mais situações. Assim que eles
percebam que a base para compor uma unidade de ordem
superior, 10, é o motivo pelo qual decompomos uma
dezena em 10 unidades, irão aplicar esta noção a outras
situações. Não precisaremos de lhes recordar novamente
que 1 centena é igual a 10 dezenas, quando no futuro
aprenderem a subtracção com números de 3 algarismos.
Conseguirão perceber isso por si próprios.

45
A Sr.a N. tinha ensinado anos menos avançados numa escola
do ensino básico numa zona rural durante três anos. Ela disse:

Discutir a base para compor uma unidade de ordem superior


ajuda-os a lidar não só com a subtracção de números com muitos
algarismos, mas também com versões mais complicadas de pro-
blemas. Decompor uma dezena em 10 unidades ou decompor uma
centena em 10 dezenas é decompor 1 unidade em 10 unidades da
ordem imediatamente inferior. Mas às vezes precisamos de decompor
1 unidade em 100,1000 ou até mais unidades de ordem inferior. Por
exemplo, para calcular 302-17, precisamos de decompor uma centena
em 100 unidades. Mais uma vez, para efectuar a subtracção 10 005-206,
precisamos de decompor 1 unidade em 10 000 unidades de ordem
inferior. Se os nossos alunos estiverem limitados ao facto de que uma
dezena é igual a 10 unidades, podem sentir-se confusos perante
problemas deste tipo. Mas se no início da aprendizagem lhes for
explicada a base para compor uma unidade de ordem superior, talvez
possam deduzir as soluções para estes problemas novos. Ou, pelo
menos, têm uma chave para os resolver.

Professores como o Prof. Mao e a Sr.a N. partilhavam uma


visão clara sobre a aprendizagem dos alunos. A sua abordagem
para ensinar a subtracção com números de dois algarismos
previa a competência necessária para a subtracção com números
de muitos algarismos. A subtracção com números de muitos
algarismos inclui problemas de decompor uma centena em
dezenas, ou decompor um milhar em centenas e pode também
incluir problemas de decompor uma unidade não em 10, mas
numa potência de 10 unidades de ordem inferior, como a
decomposição de um milhar em 100 dezenas, etc. Esta visão
baseia-se obviamente na compreensão profunda que os pro-
fessores tinham deste tópico.
Ao aprender a adição com transporte, os alunos destes
professores são expostos à ideia da base para compor uma uni-
dade de ordem superior. Ao ensinar a subtracção, os professores
levam os seus alunos a revisitar a ideia de uma outra

46
perspectiva — a perspectiva de decompor uma unidade —, o que
é certamente um avanço em relação à sua anterior aprendizagem
da ideia básica.
Comparada com a ideia de trocar uma dezena por 10 uni-
dades, a ideia da base para compor uma unidade de ordem su-
perior toca uma camada mais profunda da compreensão
matemática. Bruner (1960/1977), em O Processo da Educação,
disse: «Quanto mais fundamental ou básica for a ideia aprendida,
quase por definição, maior será o seu âmbito de aplicabilidade a
novos problemas» (p.18). De facto, a base para compor uma
unidade de ordem superior é uma ideia básica do sistema de
numeração. Ligar o passo de «transformar» à ideia de compor
uma unidade no sistema de numeração re- flecte não só a visão
destes professores sobre as ideias básicas subjacentes aos factos,
mas também a sua capacidade de incluir uma ideia fundamental
da disciplina num simples facto.

Várias formas de reagrupar. O debate anterior ficou confinado


ao algoritmo habitual para a resolução de problemas de
subtracção. O algoritmo tem um procedimento para reagrupar o
aditivo de certo modo, por exemplo, 53 é reagrupado em 40 e 13.
Embora nenhum dos professores americanos tenha ido além
deste modo usual, alguns professores chineses foram. Estes
professores salientaram que esse algoritmo não é a única maneira
correcta de efectuar a subtracção: existem outras formas
aceitáveis. O modo usual funciona melhor na maioria dos casos,
mas não em todos. Em torno do princípio de «decompor uma
unidade de ordem superior», os professores referiram três modos
principais de reagrupar:

De facto, existem várias formas de agrupar e reagrupar que


podemos usar para pensar sobre o problema 53-26. Em primeiro lugar,
podemos reagrupar 53 deste modo:

53
/\
40 13

47
Deste modo, podemos subtrair 6 de 13, 20 de 40 e obter 27. Isto faz
sentido. Contudo, podemos querer reagrupar 53 de outro modo:

53
/I\
40 10 3

Podemos subtrair 6 de 10 e obter 4, adicionar 4 e 3 e obter 7,


subtrair 20 de 40 e obter 20, adicionar 20 e 7 e obter 27. A vantagem
deste segundo modo de reagrupar é que é mais fácil subtrair 6 de 10
do que de 13. A adição incluída neste procedimento não envolve
transporte, por isso é também simples. Há ainda outro modo de
reagrupar. Podemos querer reagrupar o subtractivo 26 como:

26
/I\
20 3 3

Primeiro subtraímos 3 de 53 e obtemos 50. Depois subtraímos o


outro 3 de 50 e obtemos 47. Finalmente, subtraímos 20 de 47 e obtemos
27. (Prof. C.)

O primeiro modo de reagrupar foi o usual: decompor uma


unidade de ordem superior em unidades de ordem inferior,
combiná-las com as unidades originais na posição de ordem
inferior, e depois subtrair.
O segundo modo consistiu em reagrupar o aditivo em três
partes, em vez de duas, antes de subtrair. Por outras palavras,
deixa-se isolada a unidade separada da posição das dezenas, em
vez de a combinar com as unidades da posição das unidades.
Depois, o algarismo do subtractivo na posição das unidades é
subtraído da unidade separada. Finalmente, combina-se a
diferença obtida com as unidades do aditivo na posição das
unidades. Embora a parte adicional do número

48
pareça criar alguma complexidade, este cálculo é mais fácil do
que no modo usual. Precisamos simplesmente de subtrair as
unidades do subtractivo de 10, em vez de um número maior que
10.
A subtracção com o terceiro modo de reagrupar pode ser
ainda mais fácil. Primeiro separa-se da posição das unidades do
subtractivo o mesmo número que está na posição das unidades
do aditivo. Em seguida, subtrai-se do aditivo o número separado,
ficando zero na posição das unidades do aditivo. Depois
subtrai-se do aditivo, que é agora composto de dezenas inteiras, a
parte restante do subtractivo.
O segundo e terceiro modos são de facto muito usados na
vida quotidiana. Estas abordagens são também mais com-
preensíveis às crianças mais novas, atendendo aos seus limitados
conhecimentos de matemática.
Para além de descreverem estes modos alternativos de rea-
grupar, os professores chineses também os compararam —
descrevendo as situações nas quais estes métodos podem tornar
o cálculo mais simples. Alguns professores disseram que o
segundo modo de reagrupar é usado mais frequentemente
quando o algarismo do subtractivo situado na posição de ordem
inferior é substancialmente maior que o do aditivo, como, por
exemplo, em 52-7, ou 63-9. Estes problemas são fáceis de resolver
se primeiro subtrairmos 7 de 50 e adicionarmos 2 à primeira
diferença 43, ou primeiro subtrairmos 9 de 60 e adicionarmos 3 à
primeira diferença 51, já que neste tipo de problema os números
a subtrair estão normalmente perto de 10. O terceiro modo é
particularmente fácil quando os valores dos algarismos do
aditivo e do subtractivo na posição de ordem inferior estão perto
um do outro. Por exemplo, 47-8, ou 95-7. É fácil subtrair 7 de 47 e
depois subtrair 1 à primeira diferença 40, ou subtrair 5 de 95 e
depois subtrair 2 à primeira diferença 90.
Apesar de existirem várias formas de subtrair, o modo usual é
ainda o melhor para a maioria dos problemas, em particular para
aqueles que são mais complicados. A Prof.a Li, uma

49
professora de reconhecido mérito, descreveu o que acontece na
sua aula quando ensina a subtracção:

Começamos com problemas de um número de dois


algarismos menos um número de um algarismo, tal como
34-6. Coloco o problema no quadro e peço aos alunos para
resolverem o problema por si próprios, seja com conjuntos
de pauzinhos ou outros materiais de ajuda, ou mesmo sem
nada, só pensando. Depois de uns minutos, eles acabam e
peço-lhes que expliquem à turma o que fizeram. Podem
fazê-lo de várias maneiras. Um aluno pode dizer: «34-6, 4
não é suficiente para subtrair 6. Mas eu posso tirar 4
primeiro e obter 30. Ainda preciso de tirar 2, porque
6=4+2. Subtraio 2 de 30 e obtenho 28. Assim, o meu modo
é 34-6=34-4-2=30-2=28.» Outro aluno que tenha trabalhado
com pauzinhos pode dizer: «Quando vi que não tinha
pauzinhos separados suficientes, desfiz um conjunto.
Fiquei com 10 pauzinhos e pus 6 deles de parte. Coloquei
os 4 pauzinhos que sobraram junto dos 4 originais e obtive
8. Ainda tinha mais dois conjuntos de 10, e então, juntando
todos os pauzinhos que ficaram, obtive 28.» Alguns alu-
nos, normalmente menos do que os dos outros dois
modos, podem dizer: «Os dois modos que eles usaram são
bons, mas tenho outro modo de resolver o problema. Já
aprendemos a calcular 14-8,14-9, então porque não usar
esse conhecimento? Assim, pensei em resolver o problema
de modo mais simples. Reagrupei 34 em 20 e 14. Depois
subtraí 6 de 14 e obtive 8. Claro que não me esqueci do 20,
por isso obtenho 28.» Coloco no quadro todos os modos
que os alunos explicaram e atribuo-lhes números, o
primeiro modo, o segundo modo, etc. Depois convido os
alunos a comparar. Qual é o modo mais fácil? Qual é o
modo mais razoável? Às vezes não concordam uns com os
outros. Outras vezes não concordam que o modo usual
que estou a ensinar seja o mais fácil. Especialmente
aqueles que não estão à vontade com problemas de
subtracção até 2015,

15 Com a expressão «subtracção até 20», os professores chineses entendem subtracção


com reagrupamento e com aditivos entre 10 e 20, como 12-6 ou 15-7.

50
como 13-7, 15-8, etc., tendem a pensar que o modo usual é mais difícil.

Os alunos podem de facto encontrar vários modos de rea-


grupar se tentarem resolver os problemas por si próprios, o que
também foi descrito por outros professores. Para liderar um
debate produtivo, após os alunos terem expresso as suas ideias,
um professor precisa de ter uma profunda compreensão deste
tópico. Ele ou ela devem saber as várias soluções para o
problema, perceber como e porquê os alunos chegaram a elas,
conhecer a relação entre os modos de resolução menos comuns e
o modo usual, e conhecer o conceito único subjacente a todos eles.
A Prof.a G., uma professora do segundo ano na casa dos trinta e
poucos anos de idade, concluiu, após ter descrito os vários modos
pelos quais os seus alunos poderiam resolver um problema
usando materiais manipuláveis:

Levaria a turma a descobrir que existe um processo subjacente a


todos os diferentes modos de subtracção: desfazer um conjunto de
materiais. Isto permitir-lhes-ia compreender o conceito de decompor
uma dezena, que desempenha o papel fundamental no cálculo.

É importante para um professor conhecer o algoritmo ha-


bitual, bem como as versões alternativas. É também importante
que um professor conheça a razão por que determinado modo é
aceite como o modo usual, embora haja outros modos que podem
desempenhar um papel significativo na abordagem ao
conhecimento subjacente ao algoritmo. Uma perspectiva
abrangente ao comparar e contrastar os vários modos de
reagrupar na subtracção, revela completamente o conceito sub-
jacente ao procedimento. Estes professores, apoiados por um
amplo entendimento da conceptualização, foram capazes de

_____________
Com a expressão «adição até 20» os professores chineses entendem a adição com transporte
na qual a soma é entre 10 e 20, como 7+8 ou 9+9.

51
mostrar flexibilidade ao lidar com os métodos menos comuns que
não aparecem nos manuais.

Base de conhecimento e os seus elementos-chave

Uma outra característica interessante das entrevistas aos


professores chineses foi que estes procuravam estabelecer re-
lações entre tópicos matemáticos. Por exemplo, a maioria men-
cionou a questão da «subtracção até 20» como o «fundamento»
conceptual e também procedimental da subtracção com rea-
grupamento.
Eles disseram que a ideia de reagrupar na subtracção, de-
compor uma unidade de ordem superior em unidades de ordem
inferior, se desenvolve através da aprendizagem de três níveis de
problemas.
O primeiro nível inclui problemas com aditivos entre 10 e 20,
como 15-7,16-8, etc. Neste nível os alunos aprendem o conceito de
decompor um 10, e a aptidão que daí deriva. Aprendem que, ao
decompor um 10, serão capazes de subtrair números com um
algarismo de números na casa dos 10 com o algarismo das
unidades menor que o subtractivo. Este passo é crítico porque
antes disso a subtracção era directa — subtraíam-se números com
um algarismo de números maiores também com um algarismo
ou de números na casa dos 10 com o algarismo das unidades
maior que o subtractivo 16 . O aspecto conceptual e a aptidão
adquiridos neste nível irão servir de base para os procedimentos
de reagrupar nos outros níveis.

16 O sistema chinês de número-palavra pode contribuir para a atenção particular que


os professores chineses dão à composição e decomposição de um 10. Em chinês, todos os
números na casa dos 10 têm a forma de «dez, número de um algarismo». Por exemplo, onze é
«dez-um,» doze é «dez-dois» e assim sucessivamente. (Vinte é «dois dez», trinta é «três dez» e
assim por diante. Vinte e um é chamado «dois dez-um», vinte e dois é «dois dez-dois» e assim
sucessivamente.) Por isso, «decompor um 10» tende a ser uma solução óbvia para o problema
«Como se subtrai 5 de dez-dois?»

52
O segundo nível inclui problemas com aditivos entre 19 e 100,
como 52-25, 72-48, etc. No segundo nível, a dezena a ser
decomposta está combinada com várias outras dezenas. A nova
ideia é separá-la das outras dezenas.
O terceiro nível inclui problemas com aditivos maiores, isto é,
aditivos com três ou mais algarismos. A nova ideia no terceiro
nível é a decomposição sucessiva. Quando no aditivo a próxima
posição de ordem superior contém um zero, temos de decompor
uma unidade de uma posição mais distante do que essa próxima.
Os problemas incluem decompor duas ou até mais vezes. Por
exemplo, no problema 203-15, ao trabalhar na posição das
unidades, devemos decompor uma centena em 10 dezenas e, para
além disso, decompor uma dezena em 10 unidades.
De acordo com os professores chineses, a ideia básica da
subtracção com reagrupamento desenvolve-se através destes três
níveis. Contudo, a «semente» conceptual e a aptidão básica ao
longo de todos os níveis de problemas ocorrem logo no primeiro
nível — subtracção até 20.
Aqui reside uma diferença bastante interessante no enten-
dimento existente nos dois países. Nos Estados Unidos, pro-
blemas como «5+7=12» ou «12-7=5» são considerados «factos
aritméticos básicos», que os alunos devem simplesmente me-
morizar. Na China, contudo, são considerados problemas de
«adição com composição e subtracção com decomposição até
20»17, sendo a primeira ocasião em que os alunos devem recorrer
à aprendizagem anterior e em que a sua capacidade de compor e
decompor um 10 é significativamente consolidada18.

17 Na China, a adição com transporte é chamada «adição com composição» e a


subtracção com reagrupamento é chamada «subtracção com decomposição». A «adição com
composição e a subtracção com decomposição até 20» são ensinadas durante o segundo
semestre do primeiro ano.
18 Nos manuais chineses do ensino básico, antes da secção de «adição com
composição e subtracção com decomposição até 20» existe uma secção sobre a composição de
um 10. Contudo, até que os alunos cheguem à secção da adição e subtracção até 20, o
significado matemático de compor e decompor um 10 não é claro para eles.

53
A Prof.a Sun estava na casa dos trinta e muitos anos e ensinava
há já 18 anos em escolas do ensino básico em várias cidades.
Criticou a minha questão na entrevista, por achar que não era
suficientemente relevante:

O tópico que apresentou foi a subtracção com reagrupa- mento.


Mas os problemas que me mostrou aqui, tendo todos aditivos maiores
que 20 e menores que 100, são apenas um tipo de problema a tratar em
relação a este tópico. De facto, não é o tipo de problema crucial na
aprendizagem do tópico.
É difícil para mim falar sobre como ensinar este tópico com base apenas
na abordagem destes problemas.

Após ter discutido os três níveis de problemas para aprender


a subtracção com reagrupamento, continuou a explicar porque
pensava que a minha questão era problemática:

Existem aspectos novos em cada um dos outros níveis de


aprendizagem, mas são de facto formas desenvolvidas da ideia básica
introduzida quando se aprende a subtracção até 20. A aptidão que se
alcança num primeiro nível aplica-se em todos os níveis mais
elevados da subtracção. Após os alunos terem consolidado o conceito
e a capacidade para resolver problemas de subtracção até 20, a sua
posterior aprendizagem da subtracção terá uma base sólida na qual se
apoiar. Por exemplo, muitos deles estarão prontos a compreender
como se resolvem os problemas que me está a mostrar, por si próprios
ou com pequenas pistas dadas por mim ou pelos meus colegas. Assim,
a subtracção até 20 é crucial para a aprendizagem da subtracção com
decomposição. Este é o conhecimento que perpassa todos os três
níveis. Focamos os nossos esforços de ensino na adição e na
subtracção até 20. Por isso, parece-me impossível falar da abordagem
ao ensino da subtracção com reagrupamento a partir dos problemas
que me apresentou.

54
Os comentários da Prof.a E. são muito típicos dos professores
chineses:

Visto que os meus alunos não têm um sólido


conhecimento dos problemas até 20, como podem resolver
problemas como 37-18=? e 52-37=? Sempre que seguirem o
algoritmo, encontrarão problemas como 17-8=? e 12-7=?
Vamos continuar a confiar na contagem dos pauzinhos
para sempre? Todos os procedimentos da subtracção em
problemas com números maiores são transformados em
subtracções até 10 ou até 20. Por isso é que o primeiro nível
é tão importante.

Quando os professores chineses falaram da importância da


aprendizagem da subtracção até 20, não assumiram que isso era a
única coisa que se deve aprender antes dos problemas que lhes
mostrei. Os itens que mencionaram como necessários para os
alunos aprenderem este tópico formaram uma lista
substancialmente maior que a dos itens citados pelos professores
americanos. Em média, os professores chineses mencionaram 4,7
itens, enquanto os professores americanos citaram 2,1 itens.
O Prof. Chen era um professor quase na casa dos sessenta
anos que ensinara numa escola citadina durante mais de 30 anos.
Ele tinha descrito os três níveis da aprendizagem do rea-
grupamento na subtracção e eu perguntei-lhe se assumia que a
aprendizagem matemática é um processo passo a passo. Res-
pondeu:

Preferia dizer que a aprendizagem de um tópico


matemático nunca está isolada da aprendizagem de outros
tópicos. Uma apoia a outra. As relações entre os três níveis
são importantes, mas existem outras ideias importantes
incluídas na subtracção. Por exemplo, o significado da
subtracção, etc. A operação da subtracção com
decomposição é a aplicação de várias ideias em vez de
uma só. É um conjunto, e não uma sequência, de
conhecimentos. A base de conhecimento que eu

55
vejo quando ensino os problemas que apresentou é mais extensa que
os três níveis que acabei de descrever. Pode também incluir a adição
até 20, a subtracção de números de dois algarismos sem
decomposição, a adição de números de dois algarismos com
transporte, a ideia da base para compor uma unidade de ordem
superior, a subtracção com números decimais, etc. Alguns deles
apoiam e outros são apoiados pelo presente conhecimento.

Perguntei ao Prof. Chen mais sobre a «base de conhecimento»


e sobre a sua dimensão e componentes. Ele respondeu:

Não existe um modo firme, rígido ou simples de «agrupar»


conhecimento. Depende do ponto de vista. Diferentes professores, em
diferentes contextos, ou o mesmo professor com diferentes alunos,
podem «agrupar» conhecimento de modos diferentes. Mas o que
interessa é que devemos ver uma «base de conhecimento» quando
estamos a ensinar um elemento de conhecimento. E devemos saber
qual o papel do conteúdo que se está a tratar nessa base. Temos de
saber que ideias e procedimentos apoiam o conteúdo que estamos a
ensinar, para que o nosso ensino vá reforçar e elaborar a apren-
dizagem dessas ideias. Quando estamos a ensinar uma ideia
importante que vai apoiar um procedimento, devemos dedicar
esforços particulares para ter a certeza de que os nossos alunos irão
compreender a ideia muito bem e serão capazes de efectuar o
procedimento proficientemente.

A maioria dos professores chineses, como o Prof. Chen, falava


de um grupo de elementos de conhecimento em vez de um só
elemento. O esquema em rede da figura 1.2 foi desenhado com
base naquilo que disse sobre subtracção com reagrupa- mento.
Como disse o Prof. Chen, «agrupar» conhecimento — ver os
tópicos matemáticos grupo a grupo e não elemento a elemento —
é uma forma de pensar. As opiniões dos professores sobre quais e
quantos elementos de conhecimento deveriam ser

56
incluídos na base de conhecimento diferiam um pouco. Contudo,
eles partilhavam os princípios de como «agrupar» o
conhecimento e concordavam quanto aos «elementos-chave». A
figura 1.2 ilustra as principais ideias que os professores chineses
usam ao «agrupar» os elementos de conhecimento relacionados
com a subtracção com reagrupamento. O rectângulo representa o
tópico que eu propus na entrevista e as elipses representam os
elementos de conhecimento relacionados. As elipses sombreadas
representam os elementos-chave do conhecimento. Uma seta de
um tópico para outro indica que o primeiro sustenta o segundo,
portanto, de acordo com os professores, deve ocorrer antes do
segundo
Adição sem transporte
no
Subtracção
com reagrupamento de

A composição de 10

Subtracção com reagrupamento de


números entre 20 e 100

A composição de Subtracção sem


números até 100 reagrupamento

Adição e subtracção
até 20

ensino19.
A base para compor uma unicade de ordem superior

Adição e subtracção até 10


Compor e decompor uma unidade dc ordem superior

Adição e subtracção como


_ operações inversas _

Fig. 1.2. Uma base de conhecimento para a subtracção


com reagrupamento

No meio da figura existe uma sequência de quatro tópicos:


«adição e subtracção até 10», «adição e subtracção até 20»,
«subtracção com reagrupamento de números entre 20 e 100» e

19 Durante as entrevistas, os professores chineses comentaram frequentemente que a


relação é recíproca: primeiro, a aprendizagem de um tópico básico apoia a aprendizagem de
um tópico mais avançado, mas a aprendizagem do tópico básico é também reforçada pela
outra. Visto que o foco deste estudo é o ensino, não coloquei setas bidireccionais nas figuras
da base de conhecimento.

57
«subtracção com reagrupamento de números grandes». De
acordo com os professores chineses, o conceito e o procedimento
da subtracção com reagrupamento desenvolvem-se passo a passo
através desta sequência, a partir de uma forma simples e primária
para uma forma complexa e avançada. O tópico da «adição e
subtracção até 20» é considerado o elemento-chave da sequência,
ao qual os professores dedicam um maior esforço em todo o
processo de ensino da subtracção com reagrupamento. Eles
acreditam que tanto o conceito como a capacidade de cálculo
introduzida pelo referido tópico constituem a base para uma
aprendizagem posterior de formas mais avançadas de subtracção
com reagrupamento e, por isso, esse tópico irá fornecer uma
ajuda preciosa na aprendizagem posterior da subtracção, tanto no
aspecto conceptual como procedimental.
Para além desta sequência central, a base de conhecimento
contém ainda outros tópicos, directa ou indirectamente ligados a
um ou mais tópicos da sequência central que no esquema a
circundam. Durante as entrevistas, alguns professores discutiram
uma «subsequência» deste «círculo» — desde a «composição de
10» à «adição sem transporte» e à «subtracção sem
reagrupamento». Podemos imaginar que, se mudarmos de
perspectiva, por exemplo, se o nosso tópico for como ensinar a
subtracção sem reagrupamento, esta subsequência pode tornar-se
a sequência central da base de conhecimento dos professores. Um
tópico do «círculo», «compor e decompor uma unidade de ordem
superior», pode ser considerado outro elemento-chave da base,
porque é o conceito nuclear subjacente ao algoritmo da
subtracção.
O objectivo de um professor, ao organizar conhecimento
numa base deste tipo, é promover uma aprendizagem sólida de
determinado tópico. É óbvio que todos os itens na base de
conhecimento da subtracção com reagrupamento estão rela-
cionados com a aprendizagem deste tópico, apoiando-o ou
apoiando-se nele. Alguns itens, por exemplo, a subtracção sem
reagrupamento, são incluídos principalmente para fornecer um
apoio procedimental. Outros itens, por exemplo, compor e

58
decompor uma unidade de ordem superior, são considerados
principalmente como apoio conceptual. Outros ainda, por
exemplo, o conceito de operação inversa, foram referidos como
apoio conceptual bem como apoio procedimental20. Os esquemas
individuais de cada professor variavam de acordo com os itens
específicos neles incluídos. Contudo, as relações entre os itens e
alguns itens nucleares eram comuns.

Materiais manipuláveis e outras abordagens de ensino

Embora mencionados com menos frequência do que pelos


professores americanos, os materiais manipuláveis eram também
o suporte de uma estratégia frequentemente relatada pelos
professores chineses. Havia no entanto uma diferença, visto que a
maioria dos professores chineses disseram que fariam um debate
na aula a seguir ao uso desses materiais. Nestes debates os alunos
deveriam mencionar, mostrar, explicar e argumentar as suas
próprias soluções. Através dos debates, seria estabelecida «a
construção explícita de ligações entre acções perceptíveis sobre os
objectos e procedimentos simbólicos relacionados» referida por
Hiebert (1984, p. 509).
Liderar um debate depois do uso dos materiais manipuláveis,
contudo, requer mais fôlego e profundidade no conhecimento
que os professores têm da matéria. Através do uso desses
materiais, os alunos podem levantar várias questões. Se um pro-
fessor não conhecer muito bem as várias maneiras de resolver um
problema, como pode ele ou ela liderar um debate sobre os
diferentes caminhos que os alunos apresentam à turma?
Por vezes, um debate na aula tem de lidar com problemas
mais complicados, que não podem ser resolvidos numa única
lição. A Sr.a S. relatou um debate na sua turma que começou no
início do ano escolar e só terminou no fim:

20 Alguns professores chineses afirmaram que sugeririam aos alunos que


«pensassem na adição quando efectuassem a subtracção», com o objectivo de facilitar a sua
aprendizagem.

59
No Outono passado, quando os meus alunos trabalhavam com
este tipo de problemas usando materiais manipuláveis, deparámo-nos
com uma dificuldade. Reparámos que o procedimento manipulativo
era diferente do que seguimos com colunas no papel. Digamos que
estamos a resolver o problema 35-18. Com os materiais manipuláveis
começamos pela posição de ordem superior. Tiramos primeiro o 10
existente em 18 e só depois o 8. Com as colunas começamos pela
posição das unidades, subtraindo o 8 primeiro. O modo de utilização
dos materiais manipuláveis corresponde de facto ao modo como
efectuamos habitualmente a subtracção no dia-a-dia. Quando
pensamos no troco que vamos receber ao pagar com 2 yuans 21 alguma
coisa que custa 1 yuan e 63 cêntimos, subtraímos primeiro l.yuan,
depois 60 cêntimos e depois 3 cêntimos. Mas com o modo tradicional,
em colunas, fazemos o cálculo no sentido oposto: subtraímos primeiro
3 cêntimos, depois 60 cêntimos e finalmente 1 yuan. Na perspectiva da
experiência de vida dos alunos, o modo como aprendem na escola
parece ser mais complexo e fazer menos sentido. Tentámos fazer no
quadro para ver o que aconteceria se começássemos na posição de
ordem superior. Descobrimos que começar pelas dezenas iria dar
primeiro uma diferença de 2 na posição das dezenas:

35
-18
2

Depois, quando trabalhámos na posição das unidades, aconteceu


que tivemos de mudar a diferença que já tínhamos obtido na posição
das dezenas:
35
-18
2
17

Mas, se começássemos a partir da posição das unidades,


esta confusão podia ser evitada. Obteríamos directamente

21Yuan é uma unidade monetária chinesa. Um yuan tem 100 cêntimos.

60
a diferença final. No entanto, esta explicação resolveu
apenas metade do problema — porque é que com colunas
precisamos de começar pela posição de ordem inferior. Os
alunos não estavam ainda convencidos de que tinham de
aprender o modo tradicional, uma vez que não viam nele
qualquer vantagem. Sugeri que de momento
esquecêssemos este imbróglio, já que provavelmente
voltaríamos a ele mais tarde. No final do ano escolar,
trabalhámos na subtracção com decomposição de números
grandes. Levantei novamente a questão para uma dis-
cussão. Os meus alunos rapidamente descobriram que,
com números grandes, o modo tradicional é muito mais
fácil na maioria dos problemas. Depois concordaram que
vale a pena aprender o modo tradicional...

Se o conhecimento da Sr.a S. estivesse limitado ao modo como


se concretiza o procedimento de cálculo, seria difícil imaginar que
tivesse levado os seus alunos a uma tal compreensão matemática.

DEBATE

Fazer ligações: conscientemente versus inconscientemente

É claro que o conhecimento matemático de um professor di-


fere do de uma pessoa não ligada ao ensino. As características
especiais do conhecimento matemático de um professor derivam
da tarefa de promoção da aprendizagem dos alunos. Para facilitar
a aprendizagem, os professores tendem a tornar
explícitas as ligações entre os tópicos matemáticos que per-
manecem tácitas para os não-professores.
Nas suas entrevistas sobre o ensino da subtracção com rea-
grupamento, os professores procuravam estabelecer dois tipos de
ligações. Em primeiro lugar, procuravam ligar o tópico a um ou
mais tópicos procedimentais relacionados, normalmente os de
menor estatuto, tais como o procedimento da subtracção sem
reagrupamento e o facto de uma dezena ser igual a 10 unidades,

61
que, obviamente, são a base da subtracção com reagrupamento.
Em segundo lugar, procuravam ligar o procedimento a uma
explicação, o que também reforça a aprendizagem dos alunos —
ao dar uma razão para o «tirar» e «transformar», o professor
fornece mais informação para apoiar a aprendizagem do
algoritmo.
Quando lhes pedimos que indicassem aquilo que, na sua
opinião, os alunos iriam precisar para compreender ou de saber
fazer antes da aprendizagem da subtracção com reagrupamento,
todos os professores apresentaram as suas próprias «bases de
conhecimento», incluindo ambos os tipos de ligações. Uma
diferença, contudo, foi a de que alguns professores mostraram
uma consciência bem definida destas ligações, enquanto outros
não. Esta diferença estava associada a diferenças significativas no
conhecimento dos professores sobre a matéria. Os professores
que procuravam «agrupar» conhecimento conscientemente
conseguiam descrever os elementos que incluíam na sua base e,
além disso, estavam claramente cientes da estrutura da rede e do
estatuto de cada elemento na mesma. Por outro lado, os
professores que «agrupavam» conhecimento inconscientemente
tinham um conhecimento vago e incerto dos elementos e da
estrutura da rede: as bases de conhecimento nas suas mentes
estavam subdesenvolvidas. De facto, embora ligar um tópico que
se vai ensinar a tópicos relacionados possa ser uma intenção
espontânea de qualquer formador, uma base de conhecimento
totalmente desenvolvida e bem organizada sobre um tópico é
resultado de um estudo deliberado.
Modelos do conhecimento dos professores quanto à subtracção:
entendimento procedimental versus entendimento conceptual

A maioria das bases de conhecimento que os professores


descreveram durante as entrevistas continha os mesmos tipos de
elementos — os que fornecem apoio procedimental e os que
fornecem explicações. Os professores com entendimento con-
ceptual e os professores apenas com entendimento procedi-
mental, contudo, tinham bases de conhecimento organizadas de

62
modo diferente.

Um modelo de entendimento procedimental da subtracção com


reagrupamento. As bases de conhecimento dos professores com
apenas entendimento procedimental da subtracção tinham
poucos elementos, sendo a maioria tópicos procedimentais
directamente relacionados com o algoritmo da subtracção com
reagrupamento. Normalmente era incluída uma breve
explicação, sem ser de facto uma explicação matemática real. Por
exemplo, quando um professor disse aos seus alunos que a
fundamentação lógica do algoritmo é semelhante à mãe de cada
um ir ao vizinho pedir açúcar emprestado, esta explicação
arbitrária não continha qualquer significado matemático real.
Alguns professores explicaram que, pelo facto de o algarismo na
coluna das unidades do aditivo ser menor que o do subtractivo, o
primeiro devia «pedir emprestada» uma dezena à coluna das
dezenas e transformá-la em dez unidades. Isto também não era
uma explicação matemática real. De acordo com o que
expusemos anteriormente neste capítulo, algumas explicações
eram até matematicamente problemáticas. O entendimento
destes professores parecia conceptual, mas na realidade era
demasiado imperfeito e fragmentado para promover a
aprendizagem conceptual dos alunos.
A figura 1.3 ilustra uma base de conhecimento de um pro-
fessor com entendimento procedimental. O rectângulo superior
representa o conhecimento procedimental do algoritmo, as duas
elipses representam os tópicos procedimentais relacionados e o
trapézio por baixo do rectângulo representa um entendimento
pseudoconceptual.

Fig. 1.3. Entendimento procedimental de um tópico.

63
83% do conhecimento dos professores americanos e 14% do
dos professores chineses sobre subtracção com reagrupamento
enquadravam-se neste padrão. O seu entendimento do tópico
contém alguns tópicos procedimentais e um entendimento
pseudoconceptual: fizeram muito poucas ligações entre tópicos
matemáticos e não incluíram quaisquer argumentos matemáticos
nas suas explicações.

Um modelo de entendimento conceptual da subtracção. O


conhecimento dos professores com um entendimento conceptual
da subtracção era considerado e organizado de modo diferente.
Uma base de conhecimento de entendimento conceptual bem
desenvolvida e bem organizada inclui três tipos de conhecimento
matemático: tópicos procedimentais, tópicos conceptuais e
princípios básicos da disciplina.
Os tópicos procedimentais são incluídos para apoiar a apren-
dizagem procedimental, bem como a aprendizagem conceptual
do tópico. Por exemplo, a competência na composição e
decomposição de um 10 é um desses tópicos. Muitos professores
chineses referiram-se-lhe como sendo uma ajuda significativa na
aprendizagem da adição e subtracção até 20, tanto do ponto de
vista procedimental como conceptual.
Os tópicos conceptuais incluem-se principalmente para pro-
piciar um entendimento profundo da fundamentação lógica

64
subjacente ao algoritmo. Contudo, os professores acreditavam
que os tópicos conceptuais também desempenhavam um papel
importante na promoção da competência procedimental. Por
exemplo, alguns professores achavam que um entendimento
amplo do conceito de reagrupar ajudava os alunos a escolher um
método fácil de subtracção.
Algumas bases de conhecimento dos professores incluíam
princípios básicos, por exemplo, o conceito da base para compor
uma unidade de ordem superior e o conceito de operações
inversas. A base para compor uma unidade de ordem superior é
um princípio básico na compreensão dos sistemas de numeração.
Este conceito não está apenas relacionado com a aprendizagem
pelos alunos da subtracção com reagrupamento de números
grandes, quando são necessárias decomposições sucessivas, mas
também estará relacionado com a futura aprendizagem do
sistema binário — um sistema de numeração completamente
diferente. Para além disso, ao revelar um princípio dos sistemas
de numeração, o conceito irá aprofundar a compreensão de toda
a disciplina.
O conceito de operações inversas é um dos princípios
fundamentais que subjazem às relações entre as operações ma-
temáticas. Embora este conceito esteja relacionado com a
aprendizagem da subtracção conjuntamente com a sua operação
inversa, a adição, está também na base da aprendizagem de
outras operações inversas na matemática, tais como a mul-
tiplicação e divisão, elevar ao quadrado e calcular as raízes
quadradas, elevar ao cubo e calcular as raízes cúbicas, elevar a ne
calcular as raízes de índice n, etc.
Estes dois princípios gerais são exemplos daquilo a que Bru-
ner (1960/1977) chamou «estrutura da disciplina». Bruner disse:
«Entender a estrutura de uma disciplina é compreendê-la de um
modo que permita que muitas outras coisas se relacionem com
ela de modo significativo. Aprender a estrutura é, em resumo,
aprender como as coisas se relacionam.» (p. 7)
Com efeito, os professores que incluíam no seu ensino ideias
básicas da disciplina «simples mas poderosas» estariam

65
não só a promover uma aprendizagem conceptual no presente,
mas também a preparar os seus alunos para relacionar a apren-
dizagem actual com a futura.
Um entendimento conceptual bem desenvolvido de um tó-
pico inclui também a compreensão da importância de outra
dimensão da estrutura da disciplina — atitudes perante a
matemática. Novamente, Bruner disse: «O domínio de ideias
fundamentais de determinado campo envolve não só a com-
preensão dos princípios gerais, mas também o desenvolvimento
de uma atitude perante a aprendizagem e a pesquisa, perante as
estimativas e os palpites, perante a possibilidade de resolver
problemas por si próprio.» (p. 20)
Os professores não deram quaisquer exemplos de atitudes
perante a matemática nas bases de conhecimento que cons-
truíram. Alguns professores, contudo, mostraram conhecimento
de atitudes gerais. As suas explicações sobre os modos
convencionais e alternativos de reagrupar mostraram uma ati-
tude perante a disciplina — a de abordar uma questão mate-
mática a partir de várias perspectivas. As descrições dos
professores relativas à forma como encorajam os alunos a apre-
sentarem os seus próprios modos de efectuar a subtracção com
reagrupamento e os levam a discutir esses modos mostraram as
suas próprias atitudes para com a pesquisa matemática. Para
além disso, a intenção dos professores de fornecer provas
matemáticas após levantarem uma questão, a sua confiança e
capacidade de debater o tópico de um modo matemático e a sua
intenção de promover um tal debate entre os seus alunos são
exemplos de atitudes generalistas. De facto, embora não tivessem
sido explicitamente incluídas como itens específicos na base de
conhecimento de qualquer professor, as atitudes básicas em
relação à matemática têm uma forte influência sobre o
entendimento conceptual da matemática. Como indicarei nos
capítulos seguintes, a maioria dos tópicos específicos
mencionados neste capítulo não aparece em exposições sobre a
multiplicação com números de vários algarismos, divisão por
fracções, e área e perímetro. As atitudes que

66
os professores apresentaram neste capítulo, contudo, irão
acompanhar-nos ao longo dos outros capítulos sobre tópicos
matemáticos e no resto do livro.
A figura 1.2 mostrou como estava organizada uma base de
conhecimento bem desenvolvida para a subtracção com rea-
grupamento. A figura 1.4 ilustra um modelo de entendimento
conceptual de um tópico. O rectângulo cinzento mais elevado
representa o entendimento procedimental do tópico. O trapézio
central cinzento representa o entendimento conceptual do tópico.
É sustentado por alguns tópicos procedimentais (elipses brancas),
tópicos conceptuais (elipses cinzentas-claras), ideias matemáticas
básicas (elipses escuras representando princípios básicos e elipses
com ligações ponteadas representando atitudes básicas em
relação à matemática). O rectângulo inferior representa a
estrutura da matemática.

Fig. 1.4. Entendimento conceptual de um tópico

Um entendimento conceptual autêntico é apoiado por ar-


gumentos matemáticos. Por exemplo, os professores americanos
que detinham um entendimento conceptual elaboraram o

67
aspecto «reagrupar» da operação. Muitos professores chineses
explicaram que a ideia principal do algoritmo é «decompor uma
unidade de ordem superior». Ambas as explicações se baseiam
em argumentos matemáticos e reflectem o entendimento
conceptual do tópico procedimental por parte dos professores.
O entendimento conceptual da subtracção com reagrupa-
mento, contudo, não tem «apenas uma resposta correcta».
Existem várias versões de explicações conceptuais. Por exemplo,
o professor A pode expor o conceito de decompor uma unidade
de ordem superior. O professor B pode explicar o conceito de
decompor relacionando-o com o conceito de compor. O professor
C pode introduzir o conceito de base para compor uma unidade
de ordem superior. O professor D pode apresentar o conceito de
reagrupar usando o reagrupamento sugerido pelo algoritmo. O
professor E pode apresentar várias formas de reagrupar para
desenvolver o conceito. Todos estes professores têm
entendimentos conceptuais autênticos. Contudo, a abrangência e
profundidade dos seus entendimentos não é igual. O sombreado
no trapézio pretende mostrar esta característica do entendimento
conceptual.
Sabemos muito pouco sobre a qualidade e as características
do entendimento conceptual dos professores. Pode acontecer que
o poder matemático de um conceito dependa da sua relação com
outros conceitos. Quanto mais perto um conceito está da estrutura
da disciplina, mais relações pode ter com outros tópicos. Se um
professor usa um princípio básico da disciplina para explicar a
fundamentação lógica do procedimento da subtracção com
reagrupamento, ele ou ela dota essa explicação de um forte poder
matemático.
17% dos professores americanos e 86% dos professores chi-
neses demonstraram um entendimento conceptual do tópico.
Entre estes professores, os chineses apresentaram um conhe-
cimento mais sofisticado do que o dos seus colegas americanos.
Relação entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e
o método de ensino: pode o uso de materiais manipuláveis
compensar a deficiência de conhecimento sobre a matéria?

68
Em comparação com o conhecimento dos professores sobre a
matéria, há outros aspectos do ensino que recebem habitualmente
mais atenção, talvez porque pareçam afectar os alunos mais
directamente. Ao pensar como se vai ensinar um tópico, a
preocupação principal deverá ser qual a abordagem a utilizar.
Durante as entrevistas, a maioria dos professores disse que usaria
materiais manipuláveis. Contudo, o modo como estes materiais
seriam usados dependia da compreensão matemática do
professor que se servia deles. Os 23 professores americanos não
tinham os mesmos objectivos de aprendizagem. Alguns preten-
diam que os alunos ficassem com uma ideia «concreta» da sub-
tracção, outros queriam que os alunos compreendessem que uma
dezena é igual a 10 unidades, e uma queria que os alunos apren-
dessem a ideia de troca equivalente. Os que queriam que os alu-
nos tivessem uma ideia concreta da subtracção descreveram usos
de materiais manipuláveis que eliminavam a necessidade de rea-
grupar. Os que queriam que os alunos compreendessem que uma
dezena é igual a 10 unidades descreveram um procedimento com
materiais manipuláveis que os alunos podiam usar para fazer o
cálculo. A professora que queria que os alunos aprendessem a
ideia de troca equivalente descreveu o modo como usaria os
materiais manipuláveis para ilustrar o conceito subjacente ao
procedimento. Ao contrário dos professores americanos, os
professores chineses disseram que fariam um debate na aula a
seguir ao uso dos materiais manipuláveis, no qual os alunos iriam
relatar, mostrar, explicar e discutir as suas soluções.
Em actividades envolvendo materiais manipuláveis, e se-
gundo as descrições dos professores chineses, os alunos levantam
questões que poderão levar a uma compreensão mais profunda
da matemática. A concretização do potencial de aprendizagem de
tais questões pode ainda depender em grande parte da qualidade
do conhecimento dos professores sobre a matéria.

69
SUMÁRIO

A subtracção com reagmpamento é tão elementar que é difícil


imaginar a inexistência de conhecimento adequado dos
professores sobre este tópico. Contudo, as entrevistas deste ca-
pítulo revelaram que era o caso de alguns professores. 77% dos
professores americanos e 14% dos professores chineses mos-
traram apenas um conhecimento procedimental do tópico. O seu
entendimento era limitado a aspectos superficiais do algoritmo
— os passos de tirar e transformar. Esta limitação restringia as
expectativas no que toca à aprendizagem dos alunos, bem como a
capacidade de promover uma aprendizagem conceptual na sala
de aula.
Este capítulo revelou ainda diferentes camadas de entendi-
mento conceptual da subtracção com reagmpamento. Alguns
professores americanos explicaram o procedimento como sendo
o reagmpamento do aditivo e disseram que durante o ensino
iriam mencionar o aspecto da «troca» subjacente ao passo de
«transformar». A maioria dos professores chineses explicou o
reagrupar usado nos cálculos da subtracção como a
decomposição de uma unidade de ordem superior. Mais de um
terço destes professores referiram não só métodos não con-
vencionais de reagrupar, mas também as relações entre os mé-
todos tradicionais e os não convencionais.
Os professores com diferentes entendimentos da subtracção
com reagmpamento tinham objectivos pedagógicos diferentes.
Embora muitos professores tenham mencionado que usariam
materiais manipuláveis como forma de abordagem ao ensino, os
modos de utilização que largamente decidiriam a qualidade da
aprendizagem na aula dependiam do que achavam que os alunos
deviam aprender. Ao contrário dos professores americanos, a
maioria dos professores chineses disse que, depois de os alunos
terem usado materiais manipuláveis, promoveria um debate na
aula — uma estratégia de ensino que requer maior extensão e
profundidade no conhecimento dos professores sobre a matéria.

70
2

Multiplicação com números de vários


algarismos:
lidar com os erros dos alunos

Cenário

Alguns professores do sexto ano repararam que vários alunos


estavam a cometer o mesmo erro na multiplicação com números de
vários algarismos. Ao tentarem calcular

123
x 645

os alunos pareciam esquecer-se de «mover os números» (i.e., os produtos


parciais) em cada linha. Eles faziam isto:

123
x
645
615
492
738
1845
em vez disto:

12
3x
645
615
492

71
738
7933
5

72
Embora estes professores tenham concordado que isto era um problema,
não concordaram quanto ao seu tratamento.
O que fariam se estivessem a ensinar o sexto ano e reparassem que alguns
alunos estavam a cometer este erro?

Todos os professores no estudo consideraram que este erro


dos alunos na multiplicação com números de vários algarismos, o
alinhamento incorrecto dos produtos parciais, era mais um pro-
blema de aprendizagem matemática do que um descuido. Con-
tudo, ao identificar o problema e explicar como ajudariam os
alunos a corrigir o erro, os professores apresentaram várias
ideias.

A ABORDAGEM DOS PROFESSORES AMERICANOS:


ALINHAR VERSUS SEPARAR EM TRÊS PROBLEMAS

Razões para o erro

Ao identificar o erro dos alunos, dezasseis professores ame-


ricanos (70%) pensaram que era um problema na execução do
procedimento de alinhamento, enquanto os outros sete profes-
sores (30%) concluíram que os alunos não entendiam a funda-
mentação lógica do algoritmo. O segundo grupo de professores
incluía a Prof.a Bridget, a Sr.a Faith e a Sr.a Fleur, cuja orientação
também era conceptual no que toca à subtracção com rea-
grupamento. A mesma frase — «o aluno não tem um bom
entendimento do valor posicionai» — foi ouvida frequentemente
na maioria das entrevistas. No entanto, este termo tinha
significados diferentes para os professores dos dois grupos. O
que os professores com orientação procedimental entendiam por
«valor posicionai» estava apenas na segunda metade da ex-
pressão, «posição» — a localização dos algarismos. Por exemplo,
a experiente Prof.a Bernice deu-nos esta explicação:

Não vejo nenhum problema com a multiplicação por 5. Na multiplicação


seguinte, ou seja, na multiplicação da coluna das

73
dezenas, deveriam mover-se para a coluna das dezenas para
começarem a colocar a resposta. E depois teriam de multiplicar a
coluna das centenas, de forma que deveriam passar à terceira coluna.

Quando os professores, à semelhança da Prof.a Bernice,


falavam sobre a «coluna das dezenas» ou a «coluna das cen-
tenas», não pensavam no valor dos algarismos nestas colunas,
mas usavam antes os termos «dezenas» e «centenas» como
etiquetas para as colunas. Do seu ponto de vista, estas etiquetas
ajudam a verbalizar o algoritmo para que se consiga efectuá-lo
correctamente. Desde que os alunos consigam identificar uma
coluna e lembrar-se de aí colocar o número relevante, «não
podem falhar» (Prof. Baird). Outros professores usavam os
números do multiplicador para identificar as colunas: quando
mencionavam uma parte do multiplicador, 40 ou 600, não se
referiam ao seu valor, mas usavam-no para etiquetar uma coluna.
Referindo-se ao trabalho dos alunos, a Sr.a Fay, professora em
início de carreira, disse:

Penso que talvez estivessem apenas um pouco confusos sobre os


valores posicionais... Em primeiro lugar estamos a multiplicar por 5
nas unidades. Depois avançamos e não estamos a multiplicar por 4,
mas sim por 40. Assim, temos de modificar o valor posicionai
para cima. Trata-se apenas de recordar o processo de onde
se coloca, onde se inicia a coluna.

Podemos começar por pensar que a Sr.a Fay tinha uma


orientação conceptual, pois usou o termo «valor posicionai» e
disse que o 4 na posição das dezenas não era 4 mas sim 40.
Contudo, ela não seguiu a direcção conceptual que se esperaria,
dada a primeira parte da sua afirmação. A sua atenção estava no
como mover os números, não no porquê. Nem «valor posicionai»
nem «quarenta» focavam o valor do produto parcial, nem foram
usados de modo a revelar o conceito
subjacente ao algoritmo. Reconhecer 40 e 600 era simplesmente
um modo de alinhar os produtos parciais: quando multiplicamos

74
por 40, temos de nos lembrar de alinhar com 40; ao multiplicar
por 600, temos de nos lembrar de alinhar com 600. É apenas uma
questão de memorizar o procedimento.
Os professores do grupo de orientação conceptual tinham
uma interpretação diferente do erro dos alunos. Usando os ter-
mos já usados pela Sr.a Fay, outra professora em início de car-
reira, Sr.a Francesca, disse:

Diria que as crianças, os alunos não têm ideia disso, não en-
tendem de facto o valor posicionai. Não entendem o conceito, porque
estão a fazer 4 vezes 3, que é o que parece, mas tem que ser visto como
40 vezes 3 e eles não compreendem isso. Por isso não colocam os
valores de modo correcto... O problema é que não viram como cada
número é formado.

A preocupação da Sr.a Francesca, bem como dos outros pro-


fessores que integravam o grupo de orientação conceptual, não
era «onde colocar a resposta», mas sim o facto de os alunos não
compreenderem por que razão os produtos parciais são ali-
nhados do modo requerido pelo algoritmo. A Prof.a Belle, uma
professora experiente, indicou que a razão para o erro dos alunos
assentava no facto de eles não entenderem o conceito subjacente
ao procedimento:

Não penso que os alunos entendam o que estão a multiplicar.


Acho que, se compreendessem de facto o conceito, se lembrariam de
onde colocar os números. Acho que, frequentemente, são ensinados
passos às crianças, dás este passo, dás aquele passo e moves este
número uma vez e moves aquele número duas vezes; mas elas não
sabem realmente porque estão a fazer tudo isso. Acho que se elas, de
facto, compreendessem o que estão a fazer, colocariam os números no
devido lugar.
O que os professores achavam ser a causa do erro dos alunos
determinou a orientação da aprendizagem que pretendiam
promover ao lidar com este problema. Contudo, a perspectiva
procedimental ou conceptual de um professor ao definir o
problema parecia largamente determinada pelo conhecimento

75
que o professor tinha da multiplicação com números de vários
algarismos.
Todos os professores no grupo de orientação conceptual, mas
apenas dois no grupo de orientação procedimental, mostraram
um sólido entendimento da fundamentação lógica subjacente ao
algoritmo. Os outros catorze professores de orientação
procedimental (61%) tinham um conhecimento limitado do
tópico. Embora fossem capazes de verbalizar a regra de «mover»
explicitamente, nenhum conseguiu explicá-la.
Durante as entrevistas, alguns professores admitiram que não
conheciam a fundamentação lógica. A Prof.a Beverly, uma
professora experiente que considerava ser a matemática o seu
forte, confessou que não estava muito à vontade nesta área e que
não era capaz de explicar «porque se move»: «Vejamos, este é o
tipo de coisas que me causa problemas. Áreas em que não estou à
vontade.»
Outros professores articularam uma resposta, mas falharam
ao tentar dar uma explicação matemática real: «É difícil... Porque
é o modo como sempre fazemos... Quer dizer, foi assim que nos
ensinaram a fazer» (Sr.a Fay). «Porque é o modo correcto. Foi
assim que aprendi. Está certo» (Sr.a Fiona). «Não consigo
lembrar-me da regra. Não consigo lembrar-me porque se faz
deste modo. Apenas faço como me ensinaram» (Sr.a Felice).
O conhecimento matemático é baseado na convenção e na
lógica. Contudo, neste caso a convenção funciona como um
abrigo para aqueles que não têm um entendimento conceptual de
um procedimento matemático.
As características problemáticas do conhecimento dos
professores sobre a matéria foram também reveladas nas suas
opiniões sobre os zeros «escondidos» incluídos no cálculo.

76
O alinhamento em escada, que confunde os alunos, é, de facto,
um resumo do seguinte:

123 x
645
615
4920
7380
0
7933
5

Ao incluirmos os zeros, a fundamentação lógica do algoritmo


torna-se clara: 492 significa 4920, e 738 significa 73800. Contudo, a
maioria dos professores no grupo de orientação procedimental
não conseguia ver estes significados. Os catorze professores com
um entendimento procedimental do algoritmo tinham duas
opiniões diferentes sobre o papel dos zeros no cálculo. Alguns
pensavam que os zeros eram perturbadores, enquanto outros os
viam como marcadores úteis das posições. Todos consideraram
os zeros como algo estranho ao cálculo. Os professores que
tinham uma opinião negativa argumentaram que os zeros eram
«artificiais» e que «não pertenciam ali»:

Bem, alguns textos e alguns professores usam zeros e colocam um


zero como marcador de posição na multiplicação de cada algarismo.
Mas nunca gostei disso porque sempre me pareceu que era artificial,
que havia uma adição de algo que não devia estar ali, sentia-me
desconfortável com isso. (Prof. Félix)

Outros professores achavam que os zeros iriam confundir


ainda mais os alunos: «Receio que [os zeros] ainda os vão con-
fundir mais» (Prof.a Bernice). «Faço isso [colocar um asterisco
como marcador de posição] para que prestem atenção e também
para que não haja confusão com outros zeros» (Prof.a Belinda).

77
Por outro lado, os professores que consideravam os zeros
marcadores de posição úteis ao efectuar o algoritmo também não
lhes atribuíam qualquer significado matemático. Quando lhes
perguntaram se a colocação de um zero depois de 492 iria mudar
o número, ficaram confusos:

Oh, sim, é verdade, e já agora, a razão pela qual eu digo um zero é


apenas porque, sim, porque me ajuda a conservar o meu lugar, não
tem qualquer valor no número. Mas ajuda-me a saber qual é o meu
lugar, o lugar onde deveria estar. (Sr.a Fay)

Ok, eu não lhes diria que estava a adicionar zeros, estou a colocar
zeros como marcadores de lugar. (Prof.1 Bernardette)

Não sendo capazes de explicar o imbróglio, a Sr.a Fay e a Prof.a


Bernadette apenas queriam evitar enfrentar o desafio. A Sr.a
Francine, contudo, argumentou que o número nunca seria
alterado porque «mais zero significa mais nada»: «Eu diria, o que
é 5 mais nada? É adicionar alguma coisa? Não, não é.»
O argumento da Sr.a Francine sugere que ela confundia
«adicionar um zero» a um número (5 + 0 = 5 ou 492 + 0 = 492)
com o papel do 0 num número (50 ou 4920). Os professores do
grupo de orientação procedimental usavam o zero para se lem-
brarem do movimento: não o consideravam diferente de um
qualquer marcador de lugar. Pôr um zero é simplesmente como
colocar um x sem significado:

Eu diria que não os estamos a mudar [os números], apenas


estamos a colocar um espaço ali para nos lembrarmos de os mover. Ou
talvez pudéssemos pôr um x e não usar um zero. Algo que nos fizesse
lembrar a necessidade de os mover. (Sr.a Felice)

Os testes conceptuais expuseram as limitações do conheci-


mento destes professores, que sabiam como efectuar o algoritmo
e como verbalizar a regra, mas não percebiam porque tinha sido
criada.

78
Contudo, os sete professores do grupo de orientação con-
ceptual deram explicações matemáticas do algoritmo. Explicaram
que multiplicar por 645 era multiplicar realmente por 5 e por 40 e
por 600, de forma que os produtos parciais eram de facto 615,
4920 e 73800. Em face dos mesmos testes conceptuais sobre os
zeros, «aguentaram-se no exame». Quando lhes perguntaram se
acrescentar zeros ao número o mudaria, alguns disseram que sim
e outros que não. Ambas as respostas fazem sentido. A Sr.a Fawn
argumentou que, se o 492 do problema é visto com um número
normal, então acrescentando um zero estamos a mudá-lo, e essa
mudança é necessária:

Eu diria que sim, isso é mudar o número. Porque 123 x 40 não é


igual a 492, este não é o número correcto, e estamos a mudar o número
porque estamos a multiplicar por mais do que 4, estamos a multiplicar
por 40.

A Sr.a Francês, tendo outro ponto de vista, argumentou que, já


que 492 não é um número vulgar mas sim um número que
começa na coluna das dezenas, acrescentar um zero não o muda,
mas revela o seu verdadeiro valor:

Bom, eu diria que é este o número. Lembrem-se daquilo que


multiplicaram... Deveriam colocar um zero ali, o que daria 4920,
porque estão a multiplicar por dezenas.

Outros professores ainda, como a Sr.a Faith e a Sr.a Fleur,


deram indicação de que, ao mostrar aos alunos «o que realmente
se passa no procedimento», a questão de saber se o acréscimo de
um zero a 492 o modifica ou não deixaria de ser um problema ou
passaria a ser um problema resolvido:

Eu já lhes tinha mostrado que não estão apenas a acrescentar o


zero ali, que existe uma razão para aquele número ser, de facto, 4920 e
não um 492 deslocado. (Sr.a Fleur)

79
Ok, eu acho que com este processo (separar o problema e listar os
produtos parciais) mostraria que não estamos apenas a acrescentar
zeros. (Sr.a Faith)

Estratégias de ensino

Procedimentais
Os dois grupos de professores que definiram o erro dos alu-
nos de dois modos diferentes tinham diferentes abordagens para
o tratar. Os professores do grupo de orientação procedimental
disseram que ensinariam os alunos a alinhar correctamente os
produtos parciais, para o que apresentaram três estratégias.

Descrever a regra. Verbalizar a regra claramente foi men-


cionado por cinco professores, entre eles a Prof.a Bernice e a Prof.a
Beverly:

Bem, se a criança tem noção do valor posicionai, talvez a


encorajasse a colocá-lo [o produto parcial] debaixo do número que
estão a multiplicar, em correspondência com o seu valor posicionai.
Por exemplo, o 5 está na coluna das unidades, por isso começaríamos
na coluna das unidades, o 4 está na coluna das dezenas, por isso
poderíamos movê-lo e colocá-lo a partir desse 4. Depois
trabalharíamos na coluna das centenas, ou seja, começando na coluna
do 6. (Prof.a Bernice)

Eu voltaria ao valor posicionai e dir-lhes-ia que, quando estão a


multiplicar pelas unidades, estão alinhados com os números acima. E
quando mudam para o próximo número, que é o das dezenas, devem
alinhar com as dezenas. E depois o próximo número seria alinhado
com as centenas e assim sucessivamente. (Prof.a Beverly)
As descrições da Prof.a Bernice e da Prof.a Beverly são mais
dois exemplos de como um termo conceptual pode ser usado de
um modo procedimental. O termo «valor posicionai» não foi
apresentado aos alunos como um conceito matemático, mas sim

80
como uma etiqueta para cada uma das colunas onde eles
deveriam colocar os números.

Usar papel de linhas. Outra estratégia para ajudar os alunos a


aplicar a regra era usar papel de linhas ou quadriculado:

Bom, provavelmente do mesmo modo como ensino agora. Começo


com papel de linhas. Rodo-o, de forma a ficar com as linhas na
vertical, e ponho um algarismo em cada linha. Basta pôr um al-
garismo em cada linha, em cada espaço. E depois faço-os trabalhar
sobre isto. E faço-os ver que quando multiplicam, digamos, 3 vezes 5,
o resultado ficará debaixo do cinco... E depois, quando multiplicam 3
vezes 4, ficará na mesma coluna do 4. E quando multiplicam 3 vezes 6,
estará na mesma coluna do 6. (Prof. Bridget)

A estratégia sugerida pela maioria dos professores foi colocar


um marcador de posição nos espaços em branco. Oito professores
propuseram usar o zero como marcador. Claro que, por muitos
professores não entenderem o significado real dos zeros, nem
sequer pensaram em promover um maior entendimento do
formato particular de alinhamento. Eles sugeririam isto aos
alunos só para os números se posicionarem correctamente:

Para os ajudar a lembrar ao multiplicar, poderemos preencher a


primeira linha e depois pôr um zero debaixo da posição das unidades
para recordar que não se pode usar aquele espaço. (Sr.a Francine)

Usar marcadores de posição. Dois professores experientes no


ensino deste tópico disseram que sugeriam aos seus alunos o uso
de um marcador de posição que não fosse um zero, por exemplo,
um asterisco. A Prof.a Barbara disse que o seu modo

81
de ensinar este tópico era usar coisas que «os alunos captassem
rapidamente» como marcadores de posição:

Uma coisa que eu faria é, bem, devo confessar que já o fiz, ao


ensinar este tópico num quadro de feltro, ponho sempre uma maçã,
laranja ou qualquer outra coisa nos espaços... Isto é, pode ser uma
coisa estranha, até imagens de elefantes. Não importa o que é. Mas as
crianças memorizam isso e dizem, oh lembro-me que [a minha
professora] disse para não pôr nada ali porque era onde estava a
laranja ou a maçã... Coloquem ali qualquer coisa diferente para captar
a atenção dos alunos.

A estratégia da Prof.a Barbara parecia advir da experiência de


que colocar uma maçã, uma laranja, um elefante ou algo invulgar
no espaço em branco ajudava a que os alunos efectuas- sem o
procedimento correctamente. Infelizmente, isto parece não
promover qualquer aprendizagem matemática significativa. Pelo
contrário, está de acordo com a ideia de que na aprendizagem
matemática é desnecessário compreender a ideia subjacente ao
procedimento — devemos apenas seguir as ordens
«interessantes» mas arbitrárias do professor. Embora procurasse
resolver o problema ao nível procedimental, esta abordagem de
alinhamento não reflectia, de todo, uma preocupação com a
aprendizagem conceptual.

Conceptuais

Explicar a fundamentação lógica. Os professores do grupo de


orientação conceptual centraram-se na descodificação da
fundamentação lógica da regra de alinhamento. Dois professores
disseram que iriam explicar essa fundamentação aos alunos. A
Prof.a Belle disse:

Eu falaria sobre o que o exemplo realmente significa, o que


significa 123 vezes 645... Falaríamos sobre o 123 e sobre o que

82
123 é realmente e o que significa: é 100, mais 20, mais 3. E depois
falaríamos sobre o 645 e o que significa. E em seguida sobre o que
significa multiplicar, e eu pegaria num número como 123 vezes 5, e o
que significa multiplicar 123 vezes 5: significa 123 cinco vezes. Por
fim, faríamos o mesmo com a parte seguinte do número, 40, e depois
com o 600.

Separar o problema em três subproblemas. Os outros cinco


professores falaram da estratégia que usariam: separar o pro-
blema em «problemas pequenos». Eles separariam o problema
123 x 645 em três problemas menores nos quais multiplicariam o
123 por 5, 40 e 600 respectivamente. Depois alinhariam e so-
mariam os três produtos parciais, 615, 4920 e 73 800. Nenhum dos
cinco professores justificou esta transformação, por exemplo, com
uma referência ao reagrupamento ou à propriedade distributiva.
Três professoras em início de carreira, a Sr.a Faith, a Sr.a Fleur e a
Sr.a Francês explicaram de que modo iriam mostrar isto.
Tomando a Sr.a Faith como exemplo:

Eu levá-los-ia através disto, começando por multiplicar 5 por 123 e


escrevendo a resposta ao lado. Depois multiplicaria 40 por 123,
e colocaria a resposta por baixo e encostada à direita. Para que eles
pudessem visualizar que o zero está lá... E depois faria 123 vezes 600.
somaria todos estes resultados e explicaria ao
Por fim,
mesmo tempo que o que estamos afazer aqui é
exactamente a mesma coisa.

Como indicou a Sr.a Faith, através da sua explicação os alunos


veriam o que realmente se passa no procedimento da
multiplicação com números de vários algarismos. Eles veriam,
em concreto, que os números 492 e 738 no procedimento eram, de
facto, 4920 e 73900 com os zeros deixados de fora. Isso explicaria
de onde vinham as colunas em escada, por que motivo os alunos
estavam errados e também daria sentido à regra de alinhamento.
Segue-se outro exemplo, neste caso da Sr.a Fleur:
Eu iria rever o valor posicionai e mostrar-lhes que aqueles

83
produtos parciais podem ser separados, multiplicando primeiro 123
vezes 5 e depois 123 vezes 40 e depois 123 vezes 600 e por fim
somando-os todos... E isso que estamos afazer no problema. E depois
pediria aos alunos que colocassem o zero marcador de posição.

Alguns professores do grupo de orientação conceptual, tal


como a Sr.a Fleur, referiram-se também a estratégias procedi-
mentais, em particular ao uso do zero como marcador de posição.
Sem dúvida que os professores devem prestar atenção aos
procedimentos de cálculo. Contudo, para o grupo de orientação
conceptual, as estratégias procedimentais eram complementares,
enquanto estas eram usadas exclusivamente pelo grupo de
orientação procedimental.

A relação entre o conhecimento da matéria


e as estratégias de ensino

Um conhecimento limitado da matéria restringe a capacidade


de um professor promover uma aprendizagem conceptual entre
os alunos. Mesmo um forte sentimento de «ensinar matemática
para a compreensão» não pode remediar ou complementar uma
limitação de um professor no conhecimento da matéria. Alguns
professores em início de carreira, no grupo de orientação
procedimental, queriam «ensinar para a compreensão». Eles
pretendiam envolver os alunos no processo de aprendizagem, e
promover uma aprendizagem conceptual que explicasse a
fundamentação lógica subjacente ao procedimento. Contudo,
devido às suas próprias deficiências no conhecimento da matéria,
a sua concepção de ensino não podia ser posta em prática. O Sr.
Félix, a Sr.a Fiona, a Sr.a Francine e a Sr.a Felice pretendiam
promover uma aprendizagem conceptual. Ironicamente, com um
conhecimento limitado do tópico, tanto as suas perspectivas na
definição do erro dos alunos

84
como as suas abordagens ao lidar com o problema se centravam
no procedimento. Ao descrever as suas ideias sobre o ensino, o
Sr. Félix disse:

Eu quero que eles pensem realmente sobre isso e usem os


materiais manipuláveis e outras coisas com que possam ver o que
estão a fazer, e porque faz sentido movê-lo [o número] uma coluna.
Porque é que fazemos isso? Acho que os alunos são capazes de
compreender muito melhor a fundamentação lógica do
comportamento e das acções do que muitas vezes imaginamos. Penso
que é mais fácil para qualquer um recordar uma coisa que se faça
quando se entende porque se faz desse modo.

O Sr. Félix tinha a intenção de encorajar os seus alunos a


«pensarem realmente sobre isso». Contudo, o seu próprio en-
tendimento de «porque movemos» era que «devemos alinhar
com o algarismo pelo qual estamos a multiplicar». Ele não en-
tendia o valor real dos produtos parciais e pensava que os zeros
potenciais «não pertenciam de facto ali». Assim, apesar de querer
promover uma aprendizagem conceptual, a sua estratégia de
ensino era fazer com que os alunos «resolvessem os seus pro-
blemas num papel de linhas, usando as linhas para fazer as co-
lunas verticais», para tornar claro «que se salta uma coluna» —
não havia aqui indícios de qualquer aprendizagem conceptual.
A Sr.a Fiona insistiu que os seus alunos precisavam de ser
capazes de responder à questão «Porque é que movemos aqueles
números?» Contudo, tal como o Sr. Félix, ela própria não
entendia de facto porque temos de mover os números. Quando
foi questionada sobre isto, não conseguiu dar uma explicação
convincente. Então, o que queria que os alunos «entendessem»
era «que esse é o modo correcto, o modo como eu aprendi».
A Sr.a Francine acreditava que, para a aprendizagem dos
alunos, o entendimento deveria vir antes da memorização,
porque «depois eles estão preparados para a vida». Contudo,
quando disse que faria os alunos colocarem zeros, para que
pudessem alinhar os números correctamente, ela própria não

85
I
conseguiu dar uma explicação matemática legítima da razão de
incluir os zeros. Consequentemente, apesar de a Sr.a Francine
acreditar que os alunos deviam entender um procedimento antes
de o memorizar, o seu conhecimento limitado restringia a sua
capacidade de ajudar os alunos a entender o procedimento.
A Sr.a Felice optaria por um ensino cooperativo. Ela acredi-
tava que os alunos aprenderiam muito mais matemática se tra-
balhassem em grupos heterogéneos com os seus pares. Mais
uma vez, contudo, o seu próprio conhecimento limitado iria
condicionar os seus alunos:

Sr.a Felice: Ok, eu agrupá-los-ia com alunos que estavam a


fazê-lo de modo correcto... Teria assim um en-
sino em grupos. Depois pedir-lhe-ia que fossem
ao quadro com alunos que sabiam, para que
pudessem estar perto de colegas que sabiam. E
depois examinaria, como estivessem a fazer eu
faria também, portanto eles podiam seguir-me e
seguir os seus pares. Iríamos discutir a matéria e,
se mesmo assim ainda restassem dúvidas,
sentar-me-ia com eles e tentaria explicar-lhes
individualmente.
Entrevistador: Tem alguma ideia de como gostaria que eles
explicassem o modo de resolver o problema 123
vezes 645?
Sr. Felice:
a Pedir-lhes-ia que explicassem porque estão a
fazer
daquela maneira, fazendo-o verbalmente através
dos vários passos. E depois, conjuntamente com eles, explicaria
verbalmente que «é assim que fazemos», e resolveríamos em
conjunto. Entrevistador: Pode dizer-me o que diria?
Sr.a Felice: Eu sempre, quando era jovem, sempre coloquei
zeros imaginários ali. Ou os colocava com cores
diferentes ou os apagava mais tarde. Mas punha
sempre ali alguma coisa para me lembrar.
Embora a Sr.a Felice tenha mencionado que lhes pediria que

86
explicassem «porque faziam daquela maneira», durante toda a
entrevista nunca especificou porquê. Em vez disso, enfatizou
como efectuar o procedimento: fazer com que os alunos se-
guissem outros alunos, acompanhar verbalmente os seus passos,
colocar zeros imaginários, etc. Disse que discutiria isso com os
alunos, fornecendo explicações individualmente. Mesmo assim,
quando o entrevistador sugeriu uma conversa simulada entre a
Sr.a Felice e os alunos, ela não conseguiu debater o problema a
nível conceptual.
O conhecimento dos professores sobre uma matéria pode não
produzir automaticamente métodos de ensino promissores ou
novas concepções de ensino. Mas sem um apoio sólido desse
conhecimento, métodos promissores ou novas concepções de
ensino não podem ser realizados com sucesso.

A ABORDAGEM DOS PROFESSORES CHINESES:


DESENVOLVER O CONCEITO DE VALOR POSICIONAL

A imagem geral da abordagem dos professores chineses ao


problema tem alguns aspectos em comum com a dos professores
americanos. O caso chinês mostrou também correlações entre o
conhecimento dos professores sobre a matéria e as suas
estratégias de ensino para esta situação. Os professores que ti-
nham um entendimento conceptual do tópico tendiam a definir o
erro como um problema de falta de entendimento conceptual e a
resolvê-lo dirigindo-se ao entendimento dos alunos. Os
professores que conseguiam apenas verbalizar o algoritmo
tendiam a dizer aos alunos para memorizar a regra de
alinhamento.
Novamente, os professores chineses diferem dos seus colegas
americanos na dimensão dos «domínios» em que se situam e na
variedade do «domínio orientado para os conceitos». Apenas 6
dos 72 professores chineses (8%) não mostraram um
entendimento conceptual do algoritmo. Nove professores chi-

87
neses, os seis que tinham um entendimento procedimental e três
que entendiam a fundamentação lógica, mostraram uma orien-
tação procedimental na definição e na gestão do erro. Sessenta e
tr
ê
s
p
r
o

□ Profs. Americanos {N= 23) ■


Profs. Chineses (N= 72)

Apenas entendimento Entendimento conceptual


procedimental e procedimental
Fig. 2.1. Conhecimento dos professores sobre o algoritmo
Fig. 2.2. Estratégias de ensino
fessores chineses adoptaram uma orientação conceptual. Uma
comparação entre a «dimensão do domínio» dos professores
americanos e chineses está ilustrada nas duas figuras seguintes.
A figura 2.1 ilustra o conhecimento dos professores sobre a
matéria relativa a este tópico. A figura 2.2 ilustra a orientação
pedagógica na definição e na gestão do erro dos alunos.
100% 80S ■
60% ' 40% ' 20%
■ 0% •

De orientação De orientação
procedimental conceptual

Estas duas figuras ilustram o aspecto intrigante apontado


anteriormente: os professores que descreveram uma estratégia de en-
sino de orientação conceptual foram em número ligeiramente menor
do que os que tinham um entendimento conceptual do algoritmo.

Interpretar o erro

Os professores chineses de orientação conceptual distribuíam-se


por três subgrupos. Um grupo baseou-se na pro-

88
priedade distributiva22, outro grupo ampliou o conceito de valor
posicionai em sistema de valor posicionai e o terceiro grupo
explicou o problema a partir de ambas as perspectivas.

Propriedade distributiva

No primeiro subgrupo inseria-se cerca de um terço dos pro-


fessores chineses do grupo de orientação conceptual. As suas
explicações eram paralelas às dos professores americanos com a
mesma orientação. Os argumentos dos professores chineses,
contudo, eram matematicamente mais «formais» do que os dos
seus colegas americanos. Mais de metade destes professores
referiram-se à propriedade distributiva para justificar as suas
explicações, enquanto nenhum dos professores americanos
mencionou este termo. Em vez de simplesmente separar o pro-
blema em três problemas mais pequenos, os professores chineses
tendiam a apresentar o processo da transformação:

O problema é que o aluno não tinha uma ideia clara da razão por
que os números devem ser alinhados de modo diferente do da adição.
O alinhamento é de facto derivado através de vários passos. Primeiro,
coloco no quadro uma igualdade e trabalho-a com os alunos:

123 x 645 = 123 x (600 + 40 + 5)


= 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5
= 73800 + 4920 + 615 = 78720 +
615 = 79335

22 Os alunos na China aprendem uma versão aritmética das propriedades comutativa,

associativa e distributiva. São ensinados que estas leis podem tomar os cálculos matemáticos
mais fáceis. Por exemplo, com as propriedades comutativa e associativa, podemos reorganizar
problemas como «12 + 29 + 88 + 11 =» em «(12 + 88) + (29 + 11) =» e com a propriedade
distributiva, podemos reorganizar «35 x 102 =» em «35 x 100 + 35 x 2 =» .

89
O que nos permitiu transformar o problema? A propriedade
distributiva. Depois, sugiro que a turma reescreva a igualdade em
colunas:
123
x
645
615
4920
7380
0
7933
5

Peço aos alunos que observem os zeros na igualdade, bem como os


que estão nas colunas. Será que afectam a soma? Porque sim, e
porque não? Será que os zeros na igualdade podem ser eliminados? E
o zeros nas colunas? Se apagarmos os zeros das colunas, o que
acontece? Depois apago os zeros nas colunas e fico no quadro com
umas colunas em forma de escada:

12
3x
645
615
492
738
7933
5

Depois desta explicação, acredito que o alinhamento na mul-


tiplicação fará sentido e será marcante para os alunos. (Prof. a A.)

A lógica da Prof.a A. era muito clara. Primeiro, serviu-se da


propriedade distributiva para justificar a transformação e apre-
sentou o problema como uma composição de três problemas me-
nores. Em segundo lugar, reescreveu a operação com os três
produtos parciais organizados em coluna e pediu aos alunos para

90
compararem as duas formas da operação e, em particular, para
prestarem atenção aos zeros. Depois, após um debate sobre o
papel dos zeros, apagou-os nas colunas porque eles não faziam
diferença no cálculo, o que transformou as colunas originais em

91
colunas tipo escada. Comparada com as dos professores ameri-
canos, a explicação da Prof.a A. estava mais perto de um argu-
mento matemático convencional: as características de um
argumento matemático — justificação, raciocínio rigoroso e ex-
pressão correcta — foram observadas durante a sua explicação.
Outros professores, contudo, disseram que explicações como
as da Prof.a A. não eram ainda suficientemente rigorosas. Outra
propriedade matemática importante, multiplicar por 10 e pelas
potências de 10, deveria ser incluída:

Para além da propriedade distributiva, existe um outro argumento


que deve ser incluído na explicação. E a multiplicação de um número
por 10 ou por uma potência de 10. Multiplicar por 10 ou por uma
potência de 10 é um processo especial que difere da multiplicação
normal — para obter o produto, colocamos o número de zeros do
multiplicador no fim do multiplicando. Ao multiplicar um número
por 10, colocamos simplesmente um zero depois do número, e por
100, pomos dois zeros. Este aspecto explica porque 123 x 40 = 4920.
De outro modo, se os alunos tratarem 123 x 40 como um problema de
multiplicação normal, irão obter colunas como estas:

123
x 40
000
492
4920

A questão de o 492 ter que ser «movido» ainda existirá. Penso que
é por isso que nos manuais, em geral, a multiplicação por 10 e por
potências de 10 vem imediatamente antes da multiplicação com
números de vários algarismos. Eíma vez que o procedimento de
multiplicar por 10 e por potências de 10 é tão simples, tendemos a
ignorá-lo. Mas, em termos da precisão da matemática, deve ser
debatido, ou pelo menos mencionado, na nossa explicação. (Prof.
Chen)

92
A preocupação do Prof. Chen não era gratuita. Entre os sete
professores americanos que explicaram a fundamentação lógica
do procedimento, dois mostraram ignorância do que o Professor
Chen explicitou. Embora tivessem separado o problema
correctamente em subproblemas, não entenderam os
procedimentos particulares de x 10 e x 100 incluídos nos sub-
problemas x 40 e x 600. Em vez disso, trataram-nos como cálculos
normais:

Bem, e se multiplicássemos [o número] por 10? Eu exploraria todo


o conceito. Bem, 0 vezes o número é 0. Agora estamos a multiplicá-lo
por 40. Mostrar-lhes-ia que teriam de pôr o 0 lá, porque 0 vezes o
número é 0. Então, agora vamos multiplicar por 4, 4 vezes isto, e
mostrar-lhes-ia como o 0 guarda o valor posicionai. (Sr. a Fawn)

Eu diria quanto é 123 vezes 40... Façamos 0 vezes aquele número.


Então, 0 vezes 3 é 0, e 0 vezes 2 é 0 e 0 vezes 1 é 0. (Sr. a Francês)

Neste sentido, embora a Sr.a Fawn e a Sr.a Francês tivessem


um bom entendimento da fundamentação lógica do algoritmo da
multiplicação com números de vários algarismos, elas não
mostraram um conhecimento abrangente deste tópico. As suas
explicações não foram justificadas explicitamente. Explicações
como as da Prof.a A. ou do Prof. Chen transmitem não só ele-
mentos específicos de conhecimento, mas também as convenções
da disciplina.
Transformar o problema 123 x 645 em
123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5
foi um modo de explicar a fundamentação lógica do proce-
dimento de alinhamento. Os elementos-chave da explicação
foram, primeiro, revelar os zeros «invisíveis» no procedimento e,
depois, ilustrar como podiam ser omitidos.

93
O sistema de valor posicionai

Outros professores, contudo, pensavam que introduzir os


zeros e depois eliminá-los era um desvio desnecessário. Os ou-
tros dois terços dos professores chineses de orientação conceptual
descreveram um modo mais directo de explicar o procedimento,
que não requeria a introdução dos zeros. O seu argumento
baseava-se numa expansão do conceito de valor posicionai. Em
vez de dizer que o 4 em 645 representa 40 e 123 x 40 é igual a
4920, estes professores argumentaram que o 4 em 645 representa
4 dezenas e 123 multiplicado por 4 dezenas são 492 dezenas.
Depois explicaram por que motivo o 492 deve ser alinhado com a
posição das dezenas:

Já que o 5 em 645 está na posição das unidades, representa 5


unidades. 123 x 5 = 615, são 615 unidades. Por isso pomos o 5 na
posição das unidades. O 4 em 645 está na posição das dezenas,
representa 4 dezenas. 123 x 4 = 492, são 492 dezenas. Por isso pomos o
2 na posição das dezenas. O 6 em 645 está na posição das centenas,
portanto representa 6 centenas. 123 x 6 = 738, são 738 centenas. Por
isso colocamos o 8 na posição das centenas. (Sr.a S.)

Ao renomear 4920 como 492 dezenas e 73800 como 738 cen-


tenas, os professores evitavam o «desvio» de introduzir zeros.
Para além da propriedade distributiva, que nos fornece a fun-
damentação lógica geral do algoritmo, os professores serviram-se
do seu profundo entendimento do sistema de valor posicionai —
o conceito de unidade básica e do seu valor posicionai, e a
interdependência entre valores posicionais.
O conceito de unidade básica de um número desempenha um
papel importante na numeração. Normalmente usamos «um»
como unidade básica de um número. Quando dizemos 123,
queremos dizer 123 unidades. Na vida diária tomamos por certo
que «um» é a unidade básica de um número. Contudo, podemos
usar outra unidade básica para a numeração, se

94
necessário, ou apenas se quisermos. Por exemplo, usando uma
dezena, uma centena, uma décima ou até um dois como unidade
básica, podemos dizer que o número 123 são 12,3 dezenas; 1,23
centenas; 1230 décimas ou até 61,5 dois. Podemos também mudar
o valor de um número simplesmente alterando o valor posicionai
da sua unidade básica. Com os mesmos três algarismos, 123
décimas, 123 dezenas, e 123 centenas têm valores
significativamente diferentes. Baseando-se nesta observação, os
professores argumentaram que as 40 unidades em 645 deviam ser
tratadas como 4 dezenas — um número de um algarismo — no
algoritmo. Do mesmo modo, as 600 unidades em 645 deviam ser
tratadas como 6 centenas.
De facto, no sistema de valor posicionai, cada posição está
relacionada com outra. Um único valor posicionai não tem um
significado independente. Cada um é definido pela sua relação
com outros membros do sistema, de forma que todos os valores
posicionais são interdependentes. Não existiria um «um», a
menos que fosse um décimo de uma dezena, um por cento de
uma centena, dez décimas, etc. O valor posicionai de uma uni-
dade básica determina a forma como um número é apresentado.
Através das explicações sobre a relação entre 4920 unidades e
492 dezenas, o conhecimento prévio dos alunos sobre o valor
posicionai seria desenvolvido:

Precisamos de aprofundar o entendimento dos alunos em relação


ao valor posicionai. O seu conceito de valor posicionai costuma ser
bastante limitado. A unidade básica de um número é sempre o um na
posição das unidades. Quando vêem um número como 492, significa
sempre 492 unidades, quando vêem um número como 738, significa
sempre 738 unidades. Mas agora, o valor posicionai da unidade básica
deixa de ser um único um. Muda de acordo com o contexto. Por
exemplo, o valor posicionai do 4 no problema é dez. Quando
multiplicamos 123 por 4, vemos o 4 como 4 dezenas. Assim, a dezena
passa a ser o valor posicionai da unidade básica do produto
492. Não são 492 unidades, como no trabalho dos alunos, mas 492
dezenas. Por isso é que colocamos o 2 na posição das dezenas. O

95
mesmo acontece quando multiplicamos 123 por 6, que vemos como 6
centenas. O valor posicionai da unidade básica do produto é a
centena, 738 centenas. Por isso devemos pôr o 8 na posição das
centenas. Em vez de quantas unidades, estamos agora a pensar em
quantas dezenas, quantas centenas, ou até mesmo quantos milhares,
etc... Para corrigir o erro dos alunos devemos expandir o seu
entendimento do valor posicionai, para os ajudar a pensar no conceito
de modo flexível. Sim, são 492, mas não 492 unidades e sim 492
dezenas. (Prof. Wang)

O Prof. Mao encarou a multiplicação com números de vários


algarismos como uma oportunidade para desenvolver nos alunos
o conceito de valor posicionai:

Ensinámos aos alunos a regra básica de que os algarismos devem


sempre ser alinhados com o que tem o mesmo valor posicionai. Agora
podem ficar confusos, uma vez que a regra parece estar a ser
quebrada. Mas a confusão é, de facto, um momento para expandir o
seu entendimento do valor posicionai e da regra de alinhamento.
Porque é que parece um alinhamento de modo diferente? Quebra a
regra de alinhamento que aprendemos anteriormente? Ao explorar
estas questões, os nossos alunos irão ver que o valor de um número
não depende apenas do número de algarismos que contém, mas tam-
bém das posições onde os algarismos estão colocados. Por exemplo, o
valor dos números de três algarismos no problema varia se os
colocarmos em diferentes posições. 123 x 4 é 492, sem dúvida. Mas
uma vez que o 4 não representa 4 unidades e sim 4 dezenas, o 492 não
representa 492 unidades e sim 492 dezenas. Ou então podemos dizer
que a posição das dezenas é a posição das unidades das dezenas e a
posição das centenas se torna a posição das dezenas das dezenas. É o
que acontece com o número 738, são 738 centenas. Portanto, não é que
a
ideia de alinhamento seja alterada ou quebrada de todo. Em vez disso, é
necessária uma explicação complexa para a regra.

Estes professores apresentaram uma descrição clara dos vá-


rios aspectos do valor posicionai. Eles estavam também cons-

96
cientes de que os aspectos complicados derivam de aspectos
simples e elementares deste conceito. Mais importante, mos-
traram um sólido entendimento da ideia fulcral do conceito — «o
que representa um algarismo em determinada posição». Esta
ideia perpassa todas as fases do ensino-aprendizagem e está
subjacente a diferentes aspectos do conceito. Para além disso, os
professores estavam conscientes do modo como o conceito de
valor posicionai está interligado com várias operações
matemáticas e do papel que desempenha nessas operações. Com
esta consciência, os professores preparam os alunos para
aprender uma ideia, mesmo quando ainda não é óbvia no
conteúdo que estão a ensinar no momento. A Prof.a Li descreveu
como o conceito de valor posicionai nos alunos se desenvolve
passo a passo:

Os alunos não podem obter um entendimento profundo do valor


posicionai num só dia, mas sim passo a passo. Primeiro, quando
começam a numerar e a reconhecer números de dois algarismos e
depois com vários algarismos, obtêm uma ideia preliminar do que
significa uma posição em matemática, os nomes das posições, e os
aspectos limitados da relação entre posições, como 1 dezena ser igual
a 10 unidades, etc. A ideia mais significativa que podem aprender
nesta fase é que os algarismos em diferentes posições têm diferentes
significados, ou representam valores diferentes. Começamos por colo-
car-lhes uma questão: «O que representa este algarismo?» Eles
aprendem que um 2 na posição das unidades representa 2 unidades,
um 2 na posição das dezenas representa 2 dezenas, um 2 na posição
das centenas representa 2 centenas, etc. Depois, quando aprendem a
adição e subtracção normais, o valor posicionai adquire mais
significado para eles, pois têm de alinhar os algarismos com o mesmo
valor posicionai. Posteriormente, ao aprenderem a adição com
composição e a subtracção com decomposição23, os alunos aprendem o
aspecto da composição e decomposição de uma unidade de ordem

23 Na China, a adição com transporte é designada «adição com composição» e a

subtracção com reagrupamento é designada «subtracção com decomposição».

97
superior. A composição e decomposição de uma unidade são também
aspectos importantes do conceito de valor posicionai. Agora, na
multiplicação, são confrontados novos aspectos do conceito.
Costumavam lidar com várias dezenas. Agora estão a lidar com várias
dezenas de dezenas, digamos 20 ou 35 dezenas, ou até várias centenas
de dezenas, como neste problema, 492 dezenas. Costumavam lidar
com várias centenas. Agora têm de lidar com várias dezenas de
centenas, ou até várias centenas de centenas, como 738 centenas neste
problema. Para entender este aspecto, têm de saber como lidar com o
valor posicionai de modo sistemático.

Valor posicionai e propriedade distributiva

A Prof.a Li estava entre os onze professores que diziam expor


os alunos a duas explicações — com zeros e sem introdução de
zeros. Estes professores afirmaram que uma comparação das
duas explicações iria alargar as perspectivas matemáticas dos
alunos, bem como desenvolver a capacidade de tirarem as suas
próprias conclusões matemáticas.

Base de conhecimento

Tal como no caso da subtracção com reagrupamento, a res-


posta dos professores chineses ao tópico da multiplicação com
números de vários algarismos evidenciou preocupação com a
aprendizagem de tópicos relacionados. Os elementos da sua base
de conhecimento incluíam tópicos como o valor posicionai, o
significado da multiplicação, a fundamentação lógica da
multiplicação, a multiplicação por números de dois algarismos, a
multiplicação por números de um algarismo, a multiplicação por
10 e potências de 10, a propriedade distributiva e a propriedade
comutativa. Havia também alguns elementos-chave na base que
os professores acreditavam ter mais peso. A multiplicação por
números de dois algarismos era o que mais sobressaía, por ser
considerada o elemento-chave de sustentação da aprendizagem

98
da multiplicação por números de três algarismos. A questão da
«multiplicação por números de dois algarismos» foi levantada
pelos professores nas primeiras reacções à minha questão. Cerca
de 20% dos professores chineses comentaram que os seus alunos
não tinham cometido «um tal erro» ao aprender a multiplicação
por números de três algarismos, pois isso teria sido resolvido na
fase da aprendizagem da multiplicação por números de dois
algarismos:

Este erro devia ter ocorrido quando os alunos aprenderam a


multiplicação por números de dois algarismos. O conceito matemático
e a capacidade de cálculo da multiplicação com números de vários
algarismos são ambos tratados na aprendizagem da operação com
números de dois algarismos. Por isso o problema pode surgir e deve
ser resolvido nessa fase. (Sr.a F.)

Alguns professores deram indicação de que o tópico por mim


levantado, a multiplicação por números de três algarismos, não
era um elemento-chave na base de conhecimento. Era um «ramo»
e não a «raiz» ou o «tronco» da árvore. Na perspectiva dos
professores chineses, a multiplicação por números de dois
algarismos pesa mais do que por números de três algarismos. Ao
analisar a razão por que os alunos cometeram tal erro, alguns
professores disseram que «os alunos não entenderam o conceito
quando aprenderam a multiplicação por

99
números de dois algarismos.» A Prof.a Wang disse que nas suas
aulas a multiplicação por números de dois algarismos era levada
a sério e trabalhada intensivamente:

Para lhes dizer a verdade, não ensino aos meus alunos a mul-
tiplicação por números de três algarismos. Em vez disso, deixo- os
aprendê-la por si próprios. O meu enfoque, contudo, é na
multiplicação por números de dois algarismos. Multiplicar por um
número de dois algarismos é o tópico mais difícil. Os alunos precisam
de aprender um conceito matemático novo, bem como uma nova
capacidade de cálculo. Temos de ter a certeza de que adquirem ambos.
Promovo debates pormenorizados, uma e outra vez. Como se resolve o
problema? Porque precisamos de mover [o produto parcial]? Eles
podem ter as suas próprias ideias, e podem também abrir o manual e
ver o que lá diz.
O ponto principal é que têm de reflectir sobre o porquê, e explicar.
Normalmente organizo debates em grupo ou com toda a turma. Para
os debates em grupo, formo pares de alunos que estão na mesma
secretária24, ou de quatro alunos sentados em duas secretárias uma
atrás da outra. Os alunos da secretária da frente viram-se para trás
para ficar de frente para os outros dois alunos. O problema dos
debates em grupo é que alguns alunos mais lentos podem sentir-se
tentados a confiar nos seus colegas para explicar a questão. Por isso,
no debate com toda a turma, presto-lhes particular atenção.
Convido-os a falar para a turma e asseguro-me de que entendem a
questão. Depois, a turma tem de praticar o cálculo. Por vezes, embora
entendam a fundamentação lógica, podem esquecer-se de mover os
números porque se habituaram a alinhá-los directamente quando
fizeram a adição. Por isso, precisam de praticar. Após terem uma ideia
clara do conceito e obterem prática suficiente, tornam-se peritos em
fazer a multiplicação por números de dois algarismos. Tenho a certeza
de que depois conseguem aprender por si pró-

24 Na China, dois alunos partilham uma secretária e todas as secretárias estão alinhadas

de frente para a secretária do professor. *

íflffr.iKÍ

100
prios a multiplicação por números de vários algarismos. É por isso
que o seu entendimento do conceito, ao trabalharem a multiplicação
por números de dois algarismos, é tão importante.

Na perspectiva do conhecimento da matéria, os professores


chineses parecem ter uma visão mais clara sobre qual é a forma
mais simples de uma certa ideia matemática. Na perspectiva da
aprendizagem do aluno, eles prestam particular atenção à
primeira vez que uma ideia é abordada na sua forma mais sim-
ples e acreditam que, após os alunos a entenderem completa-
mente, a aprendizagem posterior de formas mais avançadas e
complexas da ideia terá uma base sólida na qual se apoiar. A
aprendizagem posterior irá também reforçar a ideia aprendida na
forma mais simples. Para além da multiplicação por números de
dois algarismos, o conceito de sistema de valor posicionai foi
outro elemento-chave frequentemente mencionado pelos
professores. A figura 2.3 ilustra a base de conhecimento da
multiplicação por números de três algarismos descrita pelos
professores.
A propriedade distributiva
O conceito de sistema
de valor posicionai
Multiplicação por números
Multiplicação por 10 de dois algarismos
e potências de 10 Multiplicação por números
de três algarismos

Significado
Como um número da multiplicação
é composto Multiplicação por números ,
de um algarismo .
Fig. 2.3. Uma base de conhecimento para a multiplicação por números
de três algarismos

Estratégias de ensino

A tendência observada entre os professores americanos era


também evidente entre os professores chineses: a forma como

101
um professor se propunha a ajudar os alunos dependia forte-
mente do seu conhecimento sobre o tópico. Os poucos profes-
sores chineses cujo conhecimento estava limitado aos
procedimentos disseram que iriam simplesmente lembrar aos
alunos que deviam mover correctamente os produtos parciais. A
maioria dos professores chineses, contudo, apresentaram
estratégias baseadas em conceitos para ajudar os alunos a
entender o problema.

Explicação e demonstração

Dos 72 professores, 22 disseram que iriam explicar aos alunos


um modo correcto de resolver o problema. Vinte professores
disseram que iriam fazer uma demonstração, bem como dar uma
explicação. Enquanto estas duas abordagens eram também vistas
frequentemente entre os professores americanos, as explicações e
demonstrações da maioria dos professores chineses diferiam das
dos seus colegas americanos. Para muitos professores
americanos, explicar significava verbalizar o procedimento do
algoritmo e demonstrar significava mostrar os passos do cálculo.
A maioria dos professores chineses, contudo, tinha intenção de
ilustrar a fundamentação lógica do algoritmo através das suas
explicações e demonstrações. As explicações assentavam,
normalmente, em fundamentos conceptuais sólidos. Em seguida
vemos um exemplo típico de uma explicação dos professores
chineses:

Eu direi aos alunos que, uma vez que o 4 em 645 representa 4


dezenas, então 123 multiplicado por 4 será igual a 492 dezenas. Em 492
dezenas, onde deve ser alinhado o 2? Claro que na posição das
dezenas. Novamente, o 6 representa 6 centenas, pelo que 123 vezes 6 é
igual a 738 centenas. Onde deve ser alinhado o 8? Na posição das
centenas. Os algarismos na posição das unidades destes três números
(615, 492 e 738) representam, de facto, três ordens diferentes. Um
representa unidades,
o seguinte representa dezenas e o outro representa centenas.
O problema é que eles não notam a diferença e os vêem a
todos como representando unidades. (Sr.a G.)

102
Através da sua explicação, a Sr.a G. transmitiu o conceito in-
cluído na fundamentação lógica subjacente ao procedimento,
bem como o fio condutor de um argumento matemático. A
maioria dos professores que pretendiam explicar o algoritmo pela
transformação do problema segundo a propriedade distributiva
disseram que mostrariam a transformação no quadro. Durante as
entrevistas, notou-se uma tendência dos professores para mostrar
cada passo do procedimento como se estivessem a ensinar aos
seus alunos de forma que eles compreendessem o encadeamento
lógico completo do cálculo.

Os alunos à descoberta do erro

Outros 29 professores chineses tinham intenção de fazer com


que os alunos descobrissem o erro por si próprios. A Sr.a Felice,
uma professora americana, expressou uma intenção similar, na
esperança de que, através do seu ensino cooperativo, os alunos
que erravam conseguissem perceber o problema. Contudo, pelo
facto de o conhecimento da Sr.a Felice sobre o tópico estar
limitado ao procedimento, o erro para ela estava também a um
nível procedimental. Muitos dos professores chineses, por outro
lado, tentavam conduzir os alunos a um entendimento da
fundamentação lógica do procedimento, bem como dos conceitos
matemáticos associados. Durante as entrevistas, mencionaram
várias estratégias que gostariam de usar para motivar e guiar os
alunos a descobrir o erro.

Observar, examinar, analisar e debater. Alguns professores


chineses disseram esperar que os alunos descobrissem o erro
através da observação. Eles disseram que iriam colocar o
procedimento errado no quadro e convidar os alunos a exa-

103
miná-lo com atenção, e depois pediriam à turma que debatesse as
suas conclusões:

Vamos abrir o nosso «pequeno hospital matemático». Os alunos


serão os «médicos» e o problema será o «paciente». Os «médicos»
devem diagnosticar se o «paciente» está doente ou não. Deixemo-los
fazer a análise. Se está «doente», que tipo de doença tem? Qual é a
causa da doença? Enquanto professor, a minha responsabilidade é
guiá-los para que percebam porque está errado... É um problema de
valor posicionai, digamos, algarismos em diferentes posições
expressam diferentes significados. (Prof. Sun)

Coloco o procedimento problemático no quadro e convido os


meus alunos a observar atentamente para ver se está ou não correcto.
Depois deixo-os explicar onde está o erro, porque é que o
procedimento está incorrecto. Porque devem ser alinhados de modo
diferente o 492 e o 738? O que representam agora estes números e o
que deveriam de facto representar? Depois peço a um aluno, talvez o
que cometeu o erro, para vir ao quadro e corrigir. Depois de tal
análise da fundamentação lógica, resumimos a regra. Finalmente, dou
aos alunos mais alguns problemas e peço-lhes que descrevam o
procedimento e o expliquem. (Sr.a L.)

Ao contrário da Sr.a Felice, os professores chineses não


paravam na fase em que os alunos detectavam o problema.
Seguir-se-ia uma discussão para explorar o conceito subjacente,
ao longo da qual os alunos aprenderiam não só a corrigir o
procedimento incorrecto, mas também qual a ideia errada
presente.

Colocar questões para definir a orientação. Em vez de mos-


trar directamente o problema, alguns professores iriam definir
uma orientação, usando determinadas questões para guiar os
alunos na descoberta do erro. As questões iriam lembrar aos
alunos os conceitos incluídos na explicação do procedimento, tais
como de que modo um número é formado, os valores posicionais
dos algarismos do multiplicador, etc. Estas questões seriam

104
colocadas preferencialmente aos alunos que tinham cometido o
erro:

Em primeiro lugar, irei pedir aos alunos que me digam como é


formado o número 645. Eles irão dizer 6 centenas, 4 dezenas e 5
unidades. Ou também podem dizer 600 e 40 e 5. Depois pedir-lhes-ei
que pensem no que representa 123 x 5. O que representa 123 x 4? O
que representa 123 x 6? Estavam então correctos na resolução deste
problema? O que está errado? Vão corrigi-lo. (Prof. A.)

Irei perguntar aos alunos o que representa o 4 em 645, eles dirão 4


dezenas, depois irei pedir-lhes que estimem quanto é 123 vezes 4
dezenas, pode ser 492? Depois digo-lhes que acabem de pensar e que
voltem com o trabalho corrigido, preparados para me explicarem o
erro que encontraram. (Sr.a F.)

Ensino há mais de vinte anos matemática elementar mas nunca


encontrei tal erro. Se acontecesse aos meus alunos de quinto ano, eu
poderia dizer: ok, já que aprenderam a propriedade distributiva,
quem consegue reescrever o produto 123 x 645 de acordo com ela,
separando o multiplicador de acordo com os valores posicionais?
Depois de o terem reescrito, irão rapidamente ver onde está o erro.
(Prof. Mao)

Ao colocar estas questões, os professores davam aos alunos


uma pista para encontrar o erro e deixavam-nos encontrá-lo por
si próprios. Guiados por estas questões, os alunos não centrariam
a atenção em aspectos superficiais do problema, mas sim
directamente na sua essência.

Exercidos de diagnóstico. Conceber exercícios relevantes para


ajudar os alunos a «diagnosticar» o problema foi outra estratégia
que os professores usaram para definir uma orientação que
ajudasse os alunos a descobrir o erro. Estes exercícios eram
propostos para chamar a atenção para as questões conceptuais
subjacentes ao procedimento:

105
Penso que a razão pela qual os alunos cometeram tal erro se
prende com o facto de não entenderem o significado que cada
algarismo exprime quando está em determinada posição. Primeiro
peço-lhes que resolvam alguns exercícios como estes:

123 = () x 100 + () x 10 + () x 1 645 = ()


x 100 + () x 10 + () x 1

Depois, pergunto-lhes se eles acham que estavam certos ou não e


porquê. (Prof. H.)

Primeiro, peço-lhes que resolvam estes dois exercícios:

42 x 40 = () dezenas 42 x
400 = () centenas

Estes exercícios irão fazer com que percebam a fundamentação


lógica da multiplicação. Em segundo lugar, irei pedir aos alunos que
partilham a mesma secretária para dizerem um ao outro o que
significa 123 vezes cada algarismo de 645, e em que posições os
produtos devem ser colocados. Depois levá-los-ei a discutir se existe
ali algum erro, a analisar o erro com base na fundamentação lógica do
cálculo e a explicar qual é o modo correcto. (Sr.a A.)

Visto que os meus alunos fizeram deste modo, peço primeiro a


três alunos que venham ao quadro, para cada um efectuar um dos três
exercícios: 123 x 5 = ?, 123 x 40 = ? e 123 x 600 = ?, depois peço à turma
que compare os resultados no quadro com o resultado duvidoso e
pergunto-lhes o que encontraram. Deste modo, irão rapidamente
descobrir o erro e a sua causa. (Prof. C.)

106
Tanto os professores que usavam «exercícios de diagnóstico»
como os que usavam questões indicaram uma orientação aos
alunos, no entanto deixaram para estes a tarefa de abordar o
problema.

Verificar a regra. Alguns professores chineses fariam com que


os alunos revissem o procedimento antes de debater a fun-
damentação lógica. Estes professores disseram que gostariam
que os alunos verificassem a regra para descobrir o problema
através da comparação do erro com a regra:
Se os meus alunos cometerem esse erro, pedir-lhes-ei que abram o
manual e verifiquem o procedimento por si próprios. Depois
encorajá-los-ei a pensar porque é que a regra é assim, porque é que a
regra estipula que os produtos parciais devem ser alinhados deste
modo. Depois disso, mostrarei o erro no quadro. O que pensam do
trabalho destes alunos? Eles dirão imediatamente que está errado.
Perguntar-lhes-ei porque está errado, e como se corrige. (Sr. B.)

Embora tenham começado pelo aspecto procedimental da


regra, estes professores não ignoraram o aspecto conceptual.
Baseando-se no seu entendimento conceptual do tópico,
actuaram com o objectivo de ajudar os alunos a «recordar a regra
com base na sua compreensão».

Os professores que propuseram diferentes estratégias para


envolver os alunos na descoberta do erro partilhavam algumas
características comuns. A maioria dos professores esperava que
os alunos descobrissem o problema por si próprios e que o
explicassem a um nível conceptual. Alguns professores
colocaram questões ou construíram exercícios de diagnóstico
com a intenção de estabelecer uma orientação conceptual. Outros
professores tentaram que os alunos descobrissem primeiro o
problema procedimental e depois abordassem o conceito
subjacente. Em todos os casos, a fundamentação lógica do pro-
cedimento era o ponto fulcral.

107
O discurso matemático, que se caracteriza pela pesquisa, pro-
blematização e defesa de proposições, inclui também um dis-
curso dentro de si próprio. Esta característica da matemática está
reflectida nas estratégias destes professores — envolver os alunos
na descoberta e na explicação do problema por si próprios.

A abordagem do Prof. Chen

A somar às abordagens acima descritas para lidar com o erro


dos alunos, o Prof. Chen propôs o seu próprio método, bastante
sugestivo. Sugeriu usar modos «não convencionais» de resolver o
problema para ajudar os alunos a entender o procedimento. Disse
que iria motivar os alunos a verem que existe, de facto, mais do
que um modo correcto para alinhar as colunas. Avançou que
pode haver cinco modos para o alinhamento, para além do
convencional:

123 123 123 123 123


x 645 x 645 x 645 x b45 x 645
615 492 492 738 738
738 615 738 492 615
492 738 615 615 492
79335 79335 79335 79335 79335

O professor Chen acreditava que conduzir os alunos a desco-


brir estes modos não convencionais iria estimular não só o enten-
dimento do algoritmo, mas também um uso mais flexível deste.

DEBATE

«Entendimento conceptual»: não é uma história simples

Para o tópico da multiplicação com números de vários


algarismos, as respostas dos professores foram distribuídas

108
num padrão similar ao do capítulo anterior. Mais uma vez, todos
os professores atingiram o nível procedimental — todos sabiam
como fazer a multiplicação correctamente. Contudo, 61% dos
professores americanos e 8% dos professores chineses não
conseguiram fornecer verdadeiras explicações conceptuais para o
procedimento. Ironicamente, tendiam a usar o termo «valor
posicionai» procedimentalmente — para identificar ou etiquetar
as colunas com o objectivo de alinhar os números.
Os restantes 39% dos professores americanos e 92% dos pro-
fessores chineses deram explicações conceptuais para o algoritmo
da multiplicação com números de vários algarismos. As suas
explicações tomaram, contudo, várias formas. Os 7 professores
americanos disseram que o problema 123 x 645 é, de facto,
constituído pelos três subproblemas 123 x 600,123 x 40 e 123 x 5,
mas não deram justificações explícitas para esta afirmação. Por
isso, os produtos parciais não eram 615, 492 e 738, mas sim 615,
4920 e 73 800. Por outro lado, a maioria dos professores chineses
indicaram que o conceito subjacente ao algoritmo é a
propriedade distributiva. Não só mencionaram frequentemente o
termo «propriedade distributiva», como a aplicaram para
mostrar e justificar a transição:

123 x 645 = 123 x (600 + 40 + 5)


= 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5 =
73800 + 4920 + 615 = 79335

Para explicar a razão por que no algoritmo são omitidos os


zeros no final dos produtos parciais, os professores chineses
desenvolveram o conceito de sistema de valor posicionai. Eles
disseram que, nesta perspectiva, os três produtos parciais podem
também ser vistos como 615 unidades, 492 dezenas e 738
centenas. Mais ainda, alguns professores chineses incluíram a
multiplicação por 10 e potências de 10 nas suas explicações, para
as tornarem mais rigorosas.

109
Embora todas as explicações acima mencionadas sobre o
procedimento de cálculo da multiplicação com números de vá-
rios algarismos façam sentido, facilmente se detectam diferenças
conceptuais entre elas. Como compreender estas diferenças no
entendimento conceptual dos professores de um tópico ma-
temático? Será que estas diferenças no entendimento dos pro-
fessores farão diferença na aprendizagem dos alunos? Há, em
1998, muita discussão na educação matemática sobre o enten-
dimento conceptual, por oposição ao entendimento procedi-
mental. No entanto, prestou-se pouca atenção a características
mais específicas de um entendimento conceptual adequado, por
exemplo no que se refere à sua abrangência.

Base de conhecimento e os seus elementos-chave

As entrevistas sobre o tópico do capítulo anterior, sub- tracção


com reagrupamento, incluíam um teste sobre tópicos
relacionados. As entrevistas analisadas neste capítulo não in-
cluíam um teste similar. Sem ele, os professores americanos li-
mitaram as suas exposições ao tópico da multiplicação com
números de vários algarismos. A maioria dos professores chi-
neses, contudo, mencionou espontaneamente alguns tópicos
relacionados. Em paralelo com o tópico da subtracção com rea-
grupamento, a base de conhecimento que os professores chineses
mencionaram incluía uma sequência linear de tópicos
matemáticos: multiplicação por números de um algarismo, por
números de dois algarismos e por números de vários algarismos.
A sequência de operações na multiplicação era apoiada por
alguns outros tópicos, tais como o conceito de sistema de valor
posicionai, a propriedade distributiva, a multiplicação por 10 e
potências de 10, etc.
E interessante notar que, como no caso da subtracção com
reagrupamento, os professores chineses pensavam que o tópico
da entrevista não era o elemento-chave da base de conhecimento.
A multiplicação por números de dois algarismos,

110
onde a fundamentação lógica do tópico é tratada pela primeira
vez, foi considerada o elemento-chave que merece mais esforço
por parte dos professores, bem como dos alunos. Para o tópico da
subtracção com reagrupamento, o elemento-chave foi a sub-
tracção até 20.
Os professores chineses normalmente prestam especial
atenção à ocasião em que um conceito é abordado pela primeira
vez, pois querem estabelecer uma base sólida para a
aprendizagem posterior. De acordo com eles, quanto mais sólida
é a primeira aprendizagem, tanto maior apoio dará à
aprendizagem posterior do conceito, na sua forma mais com-
plexa. Este apoio, por sua vez, irá potenciar a aprendizagem
original da forma primária do conceito.
A perspectiva dos professores chineses sobre o elemento-
-chave numa sequência de conhecimento faz lembrar uma
abordagem de ensino nos Estados Unidos da América. Num
curriculum em espiral, os conceitos matemáticos reaparecem ao
longo de todos os anos escolares. Como é que cada aparição de
um conceito contribui para a aprendizagem matemática? Como
devem estar relacionadas sucessivas apresentações de um
conceito de modo a produzirem uma aprendizagem consistente?
Nenhum professor americano deste estudo nem nenhum dos que
conheci noutras escolas dos Estados Unidos mostraram
preocupação relativamente à forma como um conceito deve ser
ensinado em cada ocasião que aparece. Dado que os professores
não estão conscientes de que há uma relação entre estas ocasiões,
e dado que eles não sabem qual deve ser essa relação, o ensino
matemático do tópico ficará fragmentado e inconsistente.

Relação entre conhecimento da matéria e crenças:


bastará a intenção de ensinar para a compreensão?

Os dados neste capítulo revelam um aspecto interessante na


relação entre o conhecimento dos professores sobre a

111
matéria e a aprendizagem que eles intentam promover com o seu
ensino. Entre os professores dos dois países, a percentagem dos
que mostraram um entendimento conceptual do tópico foi
ligeiramente mais alta do que a daqueles que tomaram uma
direcção conceptual ao ajudar os alunos a corrigir o erro. Por um
lado, nenhum dos professores cujo conhecimento era
procedimental descreveu uma estratégia de ensino de orientação
conceptual. Por outro lado, alguns professores que detinham um
entendimento conceptual do tópico tomaram uma orientação
procedimental no ensino, pois não esperavam que a
aprendizagem dos alunos chegasse tão longe quanto a deles.
Nenhum dos professores observados promoveria a aprendi-
zagem para além do seu próprio conhecimento matemático.

SUMÁRIO

A maioria dos professores considerou o erro dos alunos na


multiplicação com números de vários algarismos, ou seja, o
alinhamento incorrecto dos produtos parciais, como um in-
dicador de um problema no entendimento matemático dos
alunos mais do que um erro por descuido. Contudo, os
professores tinham diferentes visões do problema: alguns
consideraram-no um problema de conhecimento do procedi-
mento; outros encararam-no como um problema de enten-
dimento conceptual. A perspectiva dos professores sobre o
problema era paralela ao seu conhecimento sobre a matéria deste
tópico. A maioria do conhecimento dos professores americanos
sobre este tópico era procedimental; em contrapartida, a maioria
dos professores chineses mostrou um entendimento conceptual.
Os professores descreveram estratégias educativas para tratar
o erro. O enfoque destas estratégias não era completamente
paralelo ao conhecimento dos professores: os que descreveram
estratégias de orientação conceptual eram em número ligeira-
mente menor do que aqueles que tinham um entendimento
conceptual do tópico. As explicações dos professores chineses

112
sobre o algoritmo e as suas estratégias para lidar com o erro eram
bem apoiadas pelo seu conhecimento das ideias básicas da
disciplina e dos tópicos relacionados com a multiplicação com
números de vários algarismos.

113
3
Criar
representações:
divisão por fracções

Cenário

As pessoas parecem adoptar diferentes abordagens na


resolução de problemas envolvendo a divisão por fracções.
Como se resolve um problema como este?

Imagine que está a ensinar a divisão por fracções. Para


que isto tenha algum significado para as crianças, muitos
professores tentam relacionar a matemática com outras
coisas. Por vezes tentam arranjar situações da vida real ou
histórias-problema para mostrar a aplicação de um
conteúdo particular. Qual seria uma boa história ou um
bom modelo para 1 : [ ?

Desta vez pede-se aos professores que realizem duas tarefas:


calculem l-|:y e traduzam o significado da proposição ma-
temática resultante. Os tópicos matemáticos debatidos nos dois
capítulos anteriores são relativamente elementares, mas a divisão
por fracções é um tópico avançado da aritmética. A divisão é a
mais complicada das quatro operações. Os números fraccionários

113
são muitas vezes considerados os números mais complexos na
matemática do ensino básico. A divisão por frac-

114
ções, a operação mais complicada com os números mais com-
plexos, pode ser considerada um tópico cimeiro da aritmética.

O DESEMPENHO DOS
PROFESSORES AMERICANOS NOS
CÁLCULOS
As lacunas do conhecimento dos professores americanos
sobre a matéria foram mais visíveis neste tópico avançado do que
nos dois tópicos tratados anteriormente. As suas explicações
sobre a subtracção e multiplicação de números inteiros tinham
mostrado um conhecimento procedimental correcto, mas na
exposição sobre a divisão por fracções até este conhecimento
faltou. Dos 23 professores americanos, 21 tentaram calcular l|-:-y
, mas apenas nove (43%) completaram os seus cálculos e
obtiveram a resposta correcta. Por exemplo, o Sr. Félix, um
professor em início de carreira, deu esta explicação:

Eu convertería o ly em quartos, o que me daria -f. Depois, para


dividir por y, inverteria y e multiplicaria. Por isso iria multiplicar —
por 2 e obteria y e depois dividiria 14 por 4 para voltar a um número
misto, 3 que depois reduziria para 3 y.

Para os professores como o Sr. Félix, o procedimento de cál-


culo era claro e explícito: converter o número misto numa fracção
imprópria, inverter o divisor e multiplicá-lo pelo dividendo,
reduzir o produto -4 e mudá-lo para um número misto, 3y.
Dois dos 21 professores (9%) efectuaram correctamente o al-
goritmo, mas não reduziram a sua resposta nem a transformaram
num número misto. A sua resposta, y, estava incompleta.
Quatro dos 21 professores (19%) ou não foram claros no
procedimento, ou mostraram-se claramente inseguros naquilo
que estavam a fazer:

A primeira coisa a fazer é mudá-los [os números] para se


sincronizarem. Bem, pressupõe-se multiplicar aquilo e somar aquilo.
Por isso, 1-f- é o mesmo que 4, e depois temos de trans-

115
formá-lo [o divisor] da mesma maneira. Dividir por f. Certo?
E depois multiplicamos de uma forma cruzada. Obtemos y? (Sr.a Felice).

Mudar o dividendo e o divisor para fracções semelhantes (com o mesmo


denominador) e depois efectuar a divisão é uma alternativa ao algoritmo
habitual da divisão por fracções. Por exemplo, ao converter um problema de
dividir ly piza por j piza num problema de dividir y piza por j piza, estamos a
dividir 7 quartos de piza por 2 quartos de piza. Esta abordagem de
«denominador comum» converte a divisão por uma fracção em divisão de
números inteiros (7 fatias divididas por 2 fatias). A dificuldade da Sr.a Felice,
contudo, era não ter um conhecimento sólido do algoritmo habitual, embora
tivesse pensado que «temos de» mudar os números para fracções
«semelhantes». Ela poderia ter visto a abordagem com o denominador comum
anteriormente, mas parecia não entender nem a sua fundamentação lógica,
nem a relação entre a abordagem alternativa e o algoritmo habitual. Poderia
até ter confundido o algoritmo habitual da divisão por fracções com o da
adição de fracções, que requer um denominador comum. Em todo o caso, não
estava segura durante o cálculo. Mais ainda, não reduziu o quociente nem o
converteu num número misto.
A Prof.a Blanche, uma professora experiente, estava extremamente
insegura sobre o que se recordava do algoritmo:

Parece que precisamos de, não podemos trabalhar com uma


fracção e um número misto, por isso a primeira coisa que eu faria
seria transformar isto nalgum número de quartos. Por isso teria f a
dividir por y. E isto é o mesmo que multiplicar por 2, no meu
entender. Por isso são os passos que eu daria, mas agora começo a
pensar se estou a fazer isto correctamente. Será que os y que eu
converti a dividir por y são o mesmo que y vezes 2? Isso dá 14,
deixem-me ver... Esperem um pouco — deixem-me pensar no
processo... Não posso dizer se faz sentido porque não me lembro... Por
alguma razão, achei que essa era a fórmula de que me lembrava. Mas
não tenho a certeza se é lógico.
A Prof.a Blanche começou a pensar se estaria a proceder cor-
rectamente no início do cálculo e acabou com «Não tenho a
certeza se é lógico.»

116
Assim como as memórias dos professores como a Sr.a Felice e
a Prof.a Blanche estavam confusas ou inseguras, as de outros
cinco professores (24%) eram ainda mais fragmentadas. Eles
lembravam-se vagamente de que «devemos inverter e
multiplicar» (Sr.a Fawn), mas não tinham a certeza do que isso
significava:

Por alguma razão, algo me diz que temos de inverter uma das
fracções. Como, sabem, ou - se torna y ou y se torna :, não tenho a
certeza. (Sr.a Francês)

As memórias fragmentadas destes cinco professores sobre o


algoritmo dificultavam os seus cálculos. A Prof.a Bernadette, uma
professora experiente que estava muito a par da fundamentação
lógica da subtracção com reagrupamento, tentou uma estratégia
completamente incorrecta:

Eu tentaria encontrar, oh céus, o menor denominador comum.


Penso que os mudaria a ambos. O menor denominador comum, penso
que é assim que se chama. Não sei como vou obter a resposta. Uuups.
Desculpem.

Tal como a Sr.a Felice, a Prof.a Bernadette começou por men-


cionar a necessidade de encontrar um denominador comum. No
entanto, o seu entendimento era mais fragmentado do que o da
Sr.a Felice: ela não sabia qual seria o próximo passo.
A última professora admitiu simplesmente que não sabia
efectuar o cálculo. A Tabela 3.1 resume o desempenho dos 2125
professores dos Estados Unidos no cálculo de l-|:-y.

25 Como indicado anteriormente, 21 dos 23 professores tentaram efectuar o cálculo.

117
Tabela 3.1
O cálculo de 1-j-: Y por parte dos 21 professores americanos
Resposta % N

Algoritmo correcto, resposta completa 43 9


Algoritmo correcto, resposta incompleta 9 2
Algoritmo incompleto, resposta incompleta 19 4
Memória fragmentada do algoritmo, sem resposta 24 5
Estratégia errada, sem resposta 5 1

O DESEMPENHO DOS PROFESSORES CHINESES NOS


CÁLCULOS

Todos os 72 professores chineses efectuaram os cálculos cor-


rectamente e deram respostas completas ao problema. Em vez de
«inverter e multiplicar», a maioria deles usou a expressão
«dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu
recíproco»:

Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu


recíproco. Por isso, ao dividir 1 por y, multiplicamos ly pelo recíproco
de y, ;, e obtemos 3Vi. (Sr.a M.)

O recíproco de uma fracção com numerador 1 é o número no seu


denominador. O recíproco de y é 2. Sabemos que a divisão por uma
fracção pode ser convertida na multiplicação pelo seu recíproco. Por
isso, dividir ly por y é equivalente a multiplicar 1T por 2. O resultado
será 3y. (Prof. O.)

Alguns professores mencionaram a relação entre a divisão por


fracções e a divisão por números inteiros. O Prof. Q. explicou por
que razão a regra de «dividir por um número é equivalente a
multiplicar pelo seu recíproco» não é ensinada aos alunos até ser
tratado o conceito de fracção26.

26 De acordo com o curriculum nacional actual de matemática da China, o conceito de


fracções não é ensinado até ao quarto ano. A divisão por fracções é ensinada no sexto ano, o
último ano da educação básica.

118
Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu re-
cíproco, desde que o número não seja zero. Apesar de este conceito ser
tratado quando se aprende a dividir por fracções, também se aplica à
divisão por números inteiros. Dividir por 5 é equivalente a
multiplicar por -t. Mas o recíproco de qualquer número inteiro é uma
fracção — uma fracção que tem 1 como numerador e o número
original como seu denominador — por isso temos de esperar até às
fracções para tratar este conceito.

«Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu


recíproco» é usado nos manuais chineses para justificar o algo-
ritmo da divisão por fracções. Isto é consistente com a ênfase
dada no curriculum matemático do ensino básico chinês às rela-
ções entre as operações e as suas inversas. A maioria dos profes-
sores não mencionou a propriedade para se lembrar do
procedimento de cálculo, mas sim para justificar os seus cálculos.

Dar sentido ao algoritmo

A questão original da entrevista apenas pedia aos professores


que resolvessem o problema da divisão. Durante as entrevistas,
contudo, alguns professores chineses tinham tendência para
explicar como é que o algoritmo faria sentido. Então, depois de
entrevistar dois terços dos professores chineses, comecei a
perguntar-lhes se o algoritmo fazia sentido para eles. A maioria
dos professores do quarto e quinto anos conseguiram dizer mais
do que «dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo
seu recíproco», desenvolvendo o seu entendimento a partir de
várias perspectivas. Alguns professores argumentaram que a
fundamentação lógica para o procedimento de cálculo pode ser
demonstrada convertendo a operação com fracções numa
operação com números inteiros:

Podemos usar o conhecimento adquirido pelos alunos para provar


a regra segundo a qual dividir por uma fracção é equi-

119
valente a multiplicar pelo seu recíproco. Eles aprenderam a
propriedade comutativa. Aprenderam como tirar e acrescentar
parênteses. Também aprenderam que uma fracção é equivalente à
expressão de uma divisão, por exemplo, y = 1 : 2. Agora, usando estes
conhecimentos, de acordo com o seu exemplo, podemos reescrever a
divisão deste modo:

1|:| = 1 | : ( 1 : 2 )
= 11 =
1x2 = H x
2 : 1 = IA
x (2:1)
= 11x2

De facto não é nada difícil. Posso mesmo dar aos alunos algumas
divisões com números simples e pedir-lhes que comprovem a regra
por si próprios. (Prof. Chen)

Outros professores justificaram o algoritmo apoiando-se num


outro conhecimento que os alunos tinham aprendido — a regra
de «manter o valor de um quociente»27:

Ok, os alunos do quinto ano sabem a regra de «manter o valor de


um quociente». Isto é, quando multiplicamos o dividendo e o divisor
pelo mesmo número, o quociente permanece inalterado. Por exemplo,
ao dividir 10 por 2, o quociente é 5. Se multiplicarmos o 10 e o 2 pelo
mesmo número, por exemplo 6, iremos obter 60 a dividir por 12, e o
quociente será o mesmo, 5. Agora, se tanto o dividendo como o divisor
forem multiplicados pelo recíproco do divisor, o divisor ficará igual a
1. Já que dividir por 1 não altera um número, pode ser
omitido. Por isso a divisão transforma-se na multiplicação do
dividendo pelo recíproco do divisor. Deixem-me mostrar o

27 Na China, a regra de «manter o valor de um quociente» é ensinada como uma parte


da divisão com números inteiros. A regra é: quando o dividendo e o divisor são multiplicados
ou divididos pelo mesmo número, o quociente permanece inalterado. Por exemplo, 15 : 5 = 3,
por isso (15 x 2) : (5 x 2) = 3 e (15 : 2): (5 : 2) = 3.

120
procedimento:

= (l|xf):l
= lf *f = 3y

Com este procedimento podemos explicar aos alunos que este


algoritmo aparentemente arbitrário tem razão de ser. (Prof. Wang)

Existem vários modos através dos quais se pode mostrar a


equivalência de 1 \\\ e ly x-j- . O Prof. Chen e o Prof. Wang
mostraram como usaram o conhecimento que os alunos já tinham
aprendido para justificar o algoritmo da divisão por fracções.
Outros professores disseram que a sua explicação do motivo de
1-f-: \ ser igual a l{ x 2 assentava no significado da expressão
l-ji-y.

Porque é que é igual a multiplicar pelo recíproco do divisor? 1 j: Y


significa que y de um número é 1-|. A resposta, como podemos
imaginar, será 3y, que é exactamente a mesma que para 1-f-x 2. 2 é o
recíproco de y. Seria assim que eu explicaria aos meus alunos. (Prof.
Wu)

Abordagens alternativas de cálculo

A questão da entrevista fez lembrar aos professores que «as


pessoas parecem ter diferentes abordagens na resolução de
problemas envolvendo a divisão por fracções». No entanto, os
professores americanos apenas mencionaram uma abordagem —
«inverter e multiplicar» — o algoritmo habitual. Os professores
chineses, contudo, propuseram pelo menos outras três
abordagens: dividir por fracções usando números decimais,
aplicar a propriedade distributiva, e dividir por uma fracção sem
multiplicar pelo recíproco do divisor.

121
Alternativa I: Dividir por fracções usando números decimais4

Um modo alternativo da divisão por fracções, popular entre


os professores chineses, era calcular com números decimais. Mais
de um terço disseram que a divisão também podia ser feita
convertendo as fracções em números decimais:

l|:| = 1,75: 0,5 = 3,5

Muitos professores disseram que a divisão era de facto mais


fácil de efectuar com números decimais:

Penso que este problema é mais fácil de resolver com números


decimais, porque é tão óbvio que 1-f- é 1,75 e |é 0,5, e qualquer
número pode ser divisível pelo algarismo 5. Dividimos 1,75 por 0,5 e
obtemos 3,5. É muito directo. Mas se o calcularmos com fracções,
temos de converter lj numa fracção imprópria, inverter y em
multiplicar, reduzir o numerador e o denominador, e, por último,
precisamos de converter o 28 29
produto, de uma fracção imprópria para um número misto. O processo
é muito mais longo e complicado do que com números decimais. (Sr.a
L.)

Não só os números decimais podem tornar um problema com


fracções mais fácil, mas também as fracções podem tornar um

4 No curriculum nacional chinês, os tópicos relacionados com as fracções são ensinados

por esta ordem:


29 Introdução ao «conhecimento básico sobre fracções» (o conceito de fracção) sem
operações.
2. Introdução aos números decimais como «fracções especiais com denominadores
10 ou potências de 10».
3. Quatro operações básicas com números decimais (que são similares às dos
números inteiros).
4. Tópicos de números inteiros relacionados com fracções, tais como divisores,
múltiplos, números primos, factores primos, máximos divisores comuns,
mínimos múltiplos comuns, etc.
5. Tópicos como fracções próprias, fracções impróprias, números mistos, redução de
uma fracção e encontrar denominadores comuns.
6. Adição, subtracção, multiplicação e divisão com fracções.

122
problema com números decimais mais fácil. Note-se, no entanto,
que é preciso conhecer as características de ambas as abordagens
e ser capaz de optar por uma delas de acordo com o contexto:

Apesar de dividir por um número decimal ser por vezes mais fácil
do que dividir por uma fracção, nem sempre isso acontece. Em certos
casos, converter fracções em números decimais é complexo e difícil,
por vezes o número decimal pode não terminar. Outras vezes, ainda, é
mais fácil resolver um problema de divisão com números decimais,
convertendo-os em fracções. Por exemplo, 0,3 : 0,8 é mais fácil de
resolver com fracções: facilmente obtemos 4. Por isso, é importante
para nós e para os nossos alunos conhecer modos alternativos de
abordar um problema e de ser capaz de optar pelo modo mais razoável
de resolver um determinado problema. (Prof. B.)

O conhecimento extenso de um tópico pelos professores pode


contribuir para dar oportunidades aos alunos de o aprenderem.
Os professores disseram que os alunos também eram encorajados
a resolver problemas de fracções com números decimais:

Encorajamos também os alunos a resolver problemas de fracções


com números decimais, ou vice-versa, para todas as quatro operações.
Existem várias vantagens em fazer isto. Uma vez que já aprenderam as
operações com números decimais, é uma oportunidade para que
revejam o conhecimento adquirido anteriormente. Para mais, a
conversão entre fracções e números decimais irá aprofundar o seu
entendimento

123
destas duas representações de números e aumentar o seu sentido de
número. Além disso, é uma prática para resolver um problema através
de vias alternativas. (Prof. S.)

Alternativa II: Aplicar a propriedade distributiva

Sete professores disseram que a lei distributiva pode ser usada


para calcular 1-j : [. Em vez de se considerar 1-| como um número
misto e de o converter numa fracção imprópria, eles
escreveram-no como 1 + y, dividiram cada parte por \ e depois
adicionaram os dois quocientes. Foram indicados dois

1 1
= (1 + "fO *2T
procedimentos = (l + f)*|
ligeiramente = (1 X 2) + (y x 2)
diferentes: =2+1|
= 3|
A) l|:j
B) 1|:| = 0 + | ) : i
= (1 : y) + (T : y)
= 3|

Depois de apresentar a versão A, o Prof. Xie comentou que


este procedimento aparentemente complicado tornou o cálculo
de facto mais simples do que o procedimento usual:

Neste caso, aplicar a propriedade distributiva torna a operação


mais simples. O procedimento de cálculo que escrevi no papel parece
complicado, mas eu quis mostrar a lógica do processo. Além disso,
quando se efectuam as operações, é muito simples. Apenas temos de
pensar que 1 vezes 2 é 2 e } vezes 2 é ly, depois adicionamo-los e
obtemos 3y. Podemos até fazê-lo sem lápis. Ao trabalhar com números
inteiros, os meus

124
alunos aprenderam a resolver certo tipo de problemas de modo mais
simples, aplicando a lei distributiva. Esta abordagem aplica-se
também a operações com fracções.

O modo como os professores usaram a propriedade dis-


tributiva tornou evidente a sua compreensão dela e a sua con-
fiança em aplicá-la. Ficou também demonstrado o seu amplo
entendimento do que é um número misto, um conceito que era,
como veremos, um obstáculo para os cálculos de alguns
professores americanos.

Alternativa III: «Não é preciso multiplicar»

Três professores chamaram a atenção para o facto de que,


apesar de o modo convencional para efectuar a divisão por
fracções ser a multiplicação pelo recíproco do divisor, nem
sempre é preciso actuar dessa forma. Por vezes a divisão por
fracções pode ser resolvida sem recorrer à multiplicação. O
problema que lhes dei para resolver fornece um exemplo disso:
i 3.1
1 4 ' 2~ 4 ’ 2
_ ZAJ-
~ 4.2 _ 7
~ "2

De novo, os professores que propuseram esta abordagem


argumentaram que, para a divisão apresentada na entrevista, o
seu método era mais fácil que o método usual. Foram eliminados
dois passos, inverter o divisor e reduzir a resposta final. Contudo,
os professores explicaram que esta abordagem só é aplicável aos
problemas em que tanto o numerador como o denominador do
dividendo são divisíveis respectivamente pelos numerador e
denominador do divisor. Por exemplo, em l j i y .

125
7 é divisível por 1 e 4 é divisível por 2. Mas se o problema for 1 ' :
|, esta abordagem não se aplicará, visto que o denominador do
dividendo, 3, não é divisível pelo denominador do divisor, 2. O
Prof. T. disse:

De facto, a divisão é mais complicada do que a multiplicação.


Pensem só nos casos em que um número não pode ser dividido por
outro sem um resto. Mesmo quando usamos números decimais,
podemos encontrar dízimas infinitas periódicas. Mas na multiplicação
nunca temos o problema de restos. É por isso que, provavelmente, o
modo de multiplicar pelo recíproco do divisor foi aceite como modo
normal. Contudo, neste caso, porque dividir 4 por 2 e 7 por 1 é fácil,
efec- tuar a divisão directamente é ainda mais simples.

O Prof. Xie foi o primeiro professor que eu conheci que des-


creveu um método não usual de resolver um problema de divisão
por fracções sem efectuar a multiplicação. Disse-lhe que nunca
tinha pensado nisso e pedi-lhe que explicasse como funcionava.
Ele disse que era fácil:

i-Ç-L = 1-1
4 • 2 4 ' 2

= (7 : 4): (1 : 2)
= 7:4:1
x2 =7:1:4
x 2 = (7 : D :
(4 : 2)
_ 7 1
“ 4 : 2

Mais uma vez, deduziu o resultado baseando-se em princípios


básicos, tais como a ordem das operações e a equivalência entre
uma fracção e a expressão de uma divisão.
Todos os professores que sugeriram métodos alternativos
argumentaram que os seus métodos eram «mais fáceis» ou «mais
simples» para este cálculo. De facto, eles não só conheciam modos
alternativos de calcular o problema, como estavam também
cientes do significado destes modos de

126
calcular — tornar o procedimento de cálculo mais fácil ou
simples. Resolver um problema complexo de modo simples é um
dos padrões estéticos da comunidade matemática. Os professores
argumentaram que os alunos devem não só conhecer vários
modos de calcular um problema, mas também ser capazes de
avaliar esses modos e de optar pelo mais adequado.

AS REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES


AMERICANOS NA DIVISÃO POR FRACÇÕES

Os conceitos matemáticos que os professores representaram

Embora 43% dos professores americanos tenham calculado I j:


Y com sucesso, quase todos falharam na tentativa de arranjar uma
representação para a divisão por fracções. Entre os 23 professores,
6 não conseguiram criar uma história e 16 inventaram histórias
com concepções erradas. Apenas um professor forneceu uma
representação conceptualmente correcta, mas com problemas a
nível pedagógico. Os professores mostraram várias concepções
erradas sobre o significado da divisão por fracções.

Confundir a divisão por \ com a divisão por 2

Dez professores americanos confundiram a divisão pory com


a divisão por 2. Os professores com esta ideia errada criaram
histórias sobre a divisão da quantidade I , igualmente por duas
pessoas, ou em duas partes. Estas histórias eram normalmente
sobre objectos circulares, tais como tartes ou pizas:

Podemos usar uma tarte, uma tarte inteira, e depois três quartos de outra
tarte e temos duas pessoas, temos de ter a
certeza de que isso é dividido igualmente, para que cada pessoa obtenha
uma parte igual à outra. (Sr.a Fiona)

As expressões que os professores usaram, «dividir igualmente por dois»,

127
ou «dividir em metades», correspondem à divisão por 2 e não à divisão por Vi.
Confundir os três conceitos
Quando dizemos que vamos dividir dez maçãs igualmente por duas pessoas,
dividimos o número de maçãs por 2 e não por ¥1. Contudo, muitos
professores não notaram esta diferença.

Confundir a divisão por \ com a multiplicação por \

Seis professores forneceram histórias que confundiam a divisão por y com


a multiplicação por y. Esta ideia errada, embora não tão comum como a
anterior, foi também frequente. Tomando outro exemplo com tartes:

Provavelmente o mais fácil seria falar de tartes, com este número


pequeno. Usar a tarte habitual para fracções. Podíamos ter uma tarte
inteira e três quartos de outra, como se alguém tivesse tirado um
pedaço. Depois dividíamos tudo em quartos e teríamos de tirar uma
metade do total. (Prof. Barry)

Enquanto os professores citados anteriormente tinham falado sobre


«dividir por dois», o Prof. Barry sugeriu «tirar metade do total». Para encontrar
uma certa parte de uma unidade usaríamos multiplicação por fracções.
Suponhamos que queremos tirar J- da farinha de um saco com dois quilos de
farinha, então multiplicamos 2 por f e obtemos ly quilos de farinha. O que os
professores como o Prof. Barry representaram foi a multiplicação por fracções:
1} x |, e não 1-| : y. As histórias que confundiam a divisão por \ com a
multiplicação por y revelaram também as fraquezas dos professores nos
conceitos da multiplicação por fracções.

128
A Prof.a Bernadette e a Prof.a Beatrice, que não faziam parte de
qualquer dos grupos acima, confundiram os três conceitos,
dividir por y, dividir por 2 e multiplicar por y:

Dividir um e três quartos em metades. Ok, vejamos... Teríamos


este todo, e aqui teríamos os três quartos. E depois queremos apenas
metade do todo. (Prof.a Bernadette)

Temos um e três quartos de litros de um líquido num jarro, e


queremos dividi-lo ao meio de uma maneira visível, para cada um
ficar com metade do líquido para beber. (Prof.a Beatrice)

Quando a Prof.a Bernadette e a Prof.a Beatrice expressaram o


problema como «dividir um e três quartos ao meio» ou «dividi-lo
ao meio», estavam a confundir a divisão por y com a divisão por
2. Depois, quando disseram que queriam «apenas metade do
todo», ou «ficar com metade», confundiram a divisão por y com a
multiplicação por \. Para elas, parecia não haver diferença entre a
divisão por y, a divisão por 2 e a multiplicação por y.

Sem confusão, mas também sem história

Outros dois professores não forneceram uma história, mas


notaram a diferença entre dividir por Vi e dividir por 2. A Prof.a
Belinda, uma professora experiente do sexto ano, estava
consciente da lacuna no seu conhecimento e da rasteira no
problema:

Não tenho a certeza de ter compreendido suficientemente bem,


excepto em termos de cálculo. Sei como fazê-lo, mas de facto não sei o
que significa para mim.

129
O Sr. Félix notou também uma diferença entre os dois con-
Confundir os três conceitos
ceitos. Depois de tentar, sem conseguir, inventar uma história,
explicou:

Trata-se de dividir alguma coisa por uma metade e por isso


confundi-me com o dois, pensando que significava dividir por dois,
mas não... Significa algo completamente diferente... Bem, para mim o
que se torna difícil é não ser capaz de visualizar o que representa no
mundo real. Não consigo realmente pensar no que significa dividir
por uma metade.

Embora a Prof.a Belinda e o Sr. Félix não tenham sido capazes


de fornecer uma representação do conceito da divisão por
fracções, não o confundiram com outra coisa. Foram os únicos
professores americanos que não confundiram a divisão por
fracções com outra operação.

Concepção correcta e representação pedagógica problemática

A Prof.a Belle, uma professora experiente, foi a única que


forneceu uma representação conceptual correcta do significado
da divisão por fracções. Ela disse30:

Vejamos algo como 2 tabletes de chocolate e um quarto.


E eu quero dar a cada criança metade de uma tablete. Quantas crianças
podem obter ou irão obter um pedaço de chocolate? Claro que ficou
metade de uma criança no fim, mas... Ok, é esse o problema de usar
crianças aqui, porque depois temos quatro crianças e meia. Sabemos
que serão quatro crianças, e uma criança irá receber apenas metade da
quantidade dos outros. Penso que eles conseguiam descobrir isso.

30 A Prof.a Belle usou 2 Ç em vez de 1. Contudo, o seu entendimento do


4 4 '
conceito da divisão por fracções está correcto.

130
A Prof.a Belle representou o conceito correctamente. Dividir o
número A pelo número B é achar quantos Bs estão contidos em
A. Contudo, como a própria Prof.a Belle indicou, esta
representação implica um número fraccionário de crianças: a
resposta ao problema original será 3y crianças. É problemático a
nível pedagógico, porque na vida real um número de pessoas
nunca será uma fracção.

Lidar com a discrepância:


cálculo correcto versus representação incorrecta

Embora as histórias criadas pelos professores ilustrassem


concepções erradas sobre a divisão por fracções, houve opor-
tunidades durante as entrevistas que podiam ter levado alguns
deles a encontrar a ratoeira. Dos 16 professores que criaram uma
história conceptualmente incorrecta, 9 tinham feito cálculos
correctos ou incompletos. Uma vez que a maioria dos professores
discutiram os resultados das suas histórias, as discrepâncias entre
as respostas das histórias erradas conceptualmente (g-) e as
respostas dos cálculos (3y,y ou y) podiam tê-los feito reflectir.
Embora quatro professores não tenham notado qualquer
discrepância, os cinco restantes notaram. Infelizmente, a
descoberta da discrepância não levou nenhum dos cinco a uma
concepção correcta.
Os cinco professores reagiram de três modos diferentes à
discrepância. Três professores duvidaram da possibilidade de
criar uma representação para a divisão e decidiram desistir. A
Sr.a Fleur ficou frustrada porque «o problema não funcionou da
forma que se esperaria». A Prof.a Blanche ficou «totalmente
desorientada» quando percebeu que as duas respostas eram
diferentes. O Prof. Barry concluiu que «[a história] não vai
funcionar. Não sei o que fiz.»
A Sr.a Felice, contudo, parecia ser mais persistente. Ela criou
uma história para representar l{x| em vez de lj : «Temos
uma chávena mais três quartos de chávena de farinha e que-

131
remos metade disso, para podermos fazer metade de uma for-
nada de bolachas.»
Ao estimar o resultado da história-problema, ela notou que
seria «um pouco mais de três quartos» em vez de três e meio.
Uma vez que se tinha sentido insegura durante os cálculos
procedimentais, rapidamente decidiu que j , a resposta que tinha
obtido anteriormente, estava errada. Pensou que «a coisa do
mundo real» que lhe ocorrera tinha mais autoridade do que a
solução obtida usando o algoritmo:

Faz com que [o cálculo que ela tinha feito] esteja errado. Porque
temos metade de um, seria uma metade, e metade de três quartos seria
[longa pausa]... se a estimássemos seria um quarto e depois um pouco
mais. Vejamos, a resposta é um pouco acima de três quartos... Quando
o fizesse com uma coisa do mundo real, veria que tinha errado [o
cálculo], e então tentaria corrigi-lo. Quando fazemos isso sem uma
coisa do mundo real, podemos estar a fazê-lo mal, e podemos fazer o
problema mal dessa forma.

Infelizmente, a «coisa do mundo real» da Sr.a Felice repre-


sentava uma ideia errada. Dada a sua insegurança com o cálculo e
a sua inclinação cega para «coisas do mundo real», ter detectado a
discrepância não a levou a reflectir sobre a ideia errada, mas sim a
repudiar o resultado correcto, embora incompleto, que tinha
calculado.
A última professora, a Sr.a Francine, acabou por encontrar um
modo de diminuir a gravidade da discrepância. A história que ela
inventou para o problema representava l-|:y:

Talvez algum produto alimentar, bolachas que tenham quatro


secções. Temos uma inteira, [mais] quatro quartos e depois tiramos
um quarto, temos apenas uma e três quartos, e depois queremos, como
é que vamos dividir isto para que, digamos, se tivermos duas pessoas
e quisermos dar metade a uma e metade a outra, como é que fazemos?
Ao dividir uma bolacha e três quartos por duas pessoas, ela
esperava obter a mesma resposta — «três e meio» — que obteve
com a divisão 1-f : y. Contudo, cada pessoa obteria três quartos e

132
meio de bolachas:

Obteria três e meio, fi-lo correctamente? [Ela está a olhar para o que
escreveu e a falar sozinha.] Vejamos, um, dois, três, sim, é isto, um,
dois, três. Cada uma obteria três quartos e depois metade de outro quarto.

Apesar de a Sr.a Francine ter notado que havia «duas [res-


postas] diferentes», acabou por explicar como a última, três e
meio quartos, fazia sentido com a resposta anterior, três e meio.
Ela pareceu achar esta explicação satisfatória para ter um di-
videndo ly mais pequeno do que o quociente 3

Interrogamo-nos como é que um e três quartos, que é mais


pequeno que três e meio, vejamos, aqui um e três quartos refere-se ao
que temos, três e meio está de acordo com a fracção de um e três
quartos, por isso se considerarmos apenas a divisão, não faz sentido,
ou seja, acho que não faz sentido.

O modo como a Sr.a Francine explicou a discrepância fez


confluir o número 3 y (a resposta de ly : y) com 3 \ quartos (a
resposta de ly : 2). Visto que o número \ é um quarto do número
2, o quociente de um número dividido por 2 será um quarto do
número dividido por y . Por exemplo, 2 : 2 = 1; 2 : \= 4 ou T : 2 = y;
y = 1. É por isto que s, o quociente da divisão ly : 2, é 3y quartos. A
Sr.a Francine, claro, não os confundiu de propósito, nem sequer
notou a coincidência. O seu conhecimento inadequado de
fracções e a sua ignorância de que o resultado da divisão por uma
fracção menor que um será maior do que o dividendo levaram-na
a uma explicação incorrecta da discrepância.
A razão de as discrepâncias encontradas não terem levado a
Sr.a Francine e a Sr.a Felice a reflectirem sobre as suas
representações, foi o seu conhecimento de cálculo ser limitado e
superficial. Embora os seus cálculos estivessem correctos, não es-
tavam suficientemente apoiados por um entendimento concep-
tual. Conforme disseram durante as entrevistas, estas professoras
não entendiam porque é que o algoritmo de cálculo funcionava.
Por isso, os resultados obtidos através do cálculo não foram

133
capazes de resistir a um desafio, nem podiam servir como ponto
de partida para uma abordagem ao significado da operação.

Um entendimento inadequado do procedimento


impede a criação de uma representação

O caso da Sr.a Fay foi outro exemplo de como a capacidade de


cálculo de cada um pode influenciar a abordagem conceptual ao
significado da operação. A Sr.a Fay parecia estar perto de atingir
um entendimento do significado da divisão por frac- ções. Ao
calcular, descreveu o procedimento de modo claro, e obteve uma
resposta correcta:

Eu copiaria a primeira fracção tal como está, depois mudaria o sinal


de divisão para multiplicação. E depois inverteria a segunda fracção.
Depois, porque a primeira fracção é uma fracção mista, mudá-la-ia de
mista para uma fracção simples. Por isso, poria 1 vezes 4 que é 4 e
depois adicionaria o 3, o que daria ~ vezes 2... Com as fracções
multiplicamos logo a direito, o que seria 7 vezes 2 a dividir por 4, o
que dá y. E depois eu reduziria isso.

Além disso, a Sr.a Fay expressou o problema correctamente,


usando «dividir por uma metade» Oy), em vez de «ao meio» (: 2).
Contudo, quando começou a dividir ly piza por \ piza,
«perdeu-se» e não sabia para onde «iria a partir daí»:

Bem, seria uma piza inteira e depois três quartos de uma piza. O
que seria mais ou menos assim. E seria dividida por

134
metade de uma piza. E depois... depois disso estou de facto perdida.
Se eu as combinar [a piza inteira e os três quartos de piza], não sei o
que faria a seguir com um aluno. Diria que teríamos de as combinar,
porque sei que temos de o fazer, que é preciso fazê-lo. É muito difícil,
é quase impossível para mim dividir uma fracção mista por uma
fracção simples e não consigo explicar porquê, mas foi assim que me
ensinavam. Que temos de mudar o numeral misto para uma fracção. ..
Por isso teria de mostrar aos alunos como se combinam estes dois. E
isto é muito difícil. Não sei para onde iria a partir daí.

A Sr.a Fay tinha começado bem. A história que tentou in-


ventar, dividir 1 piza por y piza, era quase um modelo apro-
priado para dividir ljpor !. Contudo, «perdeu-se» pelo meio e
desistiu de terminar a história. O que impediu a Sr.a Fay de
completar a história foi o seu entendimento inadequado do
procedimento de cálculo que queria usar: mudar o número misto
para uma fracção imprópria, e dividir.
Ao calcular, a Sr.a Fay lidou com o número misto de acordo
com aquilo que «tinha aprendido». Ela efectuou a primeira parte
do procedimento, convertendo ly em ~ . No entanto, não
conseguiu explicar porque deveria ser feita a mudança. Mais
ainda, não entendeu o que se passava durante o procedimento de
mudar um número misto para uma fracção imprópria. Esta
deficiência de entendimento fez com que se «perdesse». Se a Sr.a
Fay soubesse o que significa mudar um número misto para uma
fracção imprópria — escrever a parte inteira como uma fracção
imprópria com o mesmo denominador da parte fraccionária e
adicionar as duas fracções —, teria sido capaz de efectuar o
procedimento para os ly piza. Bastava cortar a piza inteira em
quartos para que o todo, 1, se tornasse y, e ly piza se tornassem ,
piza. Precisava pelo menos de mais um passo para completar a
representação.
Para além da Sr.a Fay, pelo menos mais três outros professores
indicaram que tinham dificuldade em trabalhar com números

135
mistos. O seu conhecimento inadequado do procedimento de
cálculo impedia a sua abordagem ao significado da operação.

Poderá o conhecimento pedagógico compensar a


ignorância do conceito?

A deficiência dos professores no entendimento do significado


da divisão por fracções determinou a sua incapacidade de criar
uma representação apropriada. Mesmo o seu conhecimento
pedagógico não pôde compensar a ignorância do conceito.
Objectos circulares são considerados apropriados para
representar conceitos relativos a fracções. Contudo, conforme
vimos, as representações que os professores criaram com pizas ou
tartes mostraram concepções erradas. O uso que a Sr.a Francine
fez das bolachas com quatro secções foi também bem pensado
pedagogicamente para representar quartos. No entanto, não
remediou o seu entendimento errado do significado da divisão
por fracções. Para criar uma representação, devemos primeiro
saber o que representar. Durante as entrevistas, os professores
indicaram várias ideias pedagógicas para a criação de
representações. Infelizmente, devido ao seu inadequado
conhecimento da matéria, nenhuma destas ideias os conduziu,
com sucesso, a uma representação correcta.
A Sr.a Florence, uma professora que afirmava gostar de frac-
ções, usaria «objectos da sala de aula para representar a ideia». A
representação que propôs foi:

O José tem 1-| caixas de lápis e quer dividi-los por duas pessoas
ou dividir os lápis ao meio, e então, primeiro podíamos fazê-lo com os
lápis e talvez escrevê-lo no quadro ou tentar que o fizessem com
números.

Outros contextos requerendo medidas, tais como receitas de


cozinha, distâncias, dinheiro e volumes, foram também
usados pelos professores para representarem conceitos de frac-

136
ções. A Sr.a Francesca disse que usaria dinheiro. Dir-lhes-ia:
«Vocês têm uma quantia em dinheiro, têm duas pessoas, e têm de
o dividir igualmente por ambas.»
A Prof.a Blanche, uma professora experiente que estava muito
confiante no seu conhecimento matemático, pensou que podia
usar qualquer coisa para a representação: «Teria um e três
quartos de qualquer coisa, não interessa o quê, e se precisasse de
dividir por dois, separaria 2 grupos...»
Enquanto os professores mencionados anteriormente re-
presentaram o conceito de dividir por 2, outros professores re-
presentaram o conceito de multiplicar por y. A Prof. Barbara era
uma professora experiente, orgulhosa do seu conhecimento
matemático, e disse que gostava do «desafio da matemática».
Acrescentou que, quando era estudante, costumava passar um
mau bocado com as fracções mas, desde que uma professora lhe
ensinara fracções através de uma receita de cozinha, ela
«entendeu» e «adorou trabalhar» o assunto. Então ensinaria aos
seus alunos do mesmo modo que aprendeu — usando uma
receita:

Bem, se tivesse este tipo de divisão, diria que podíamos


usar uma e três quartos taças de manteiga. E se
quiséssemos tirar metade disso, como faríamos? Podemos
usar o que quisermos, farinha, açúcar ou algo parecido.

A Sr.a Fawn, uma professora em início de carreira, criou várias


representações com diferentes assuntos, tais como dinheiro,
receitas, tartes, maçãs, etc. Contudo, todas as suas histórias
representavam uma ideia errada — a de multiplicar por Vi em
vez de dividir por y.
Não há provas de que faltasse conhecimento pedagógico a
estes professores. Os assuntos das suas histórias — tartes, pizas,
receitas, objectos da sala de aula, etc. — eram apropriados para
representar conceitos de fracções. Contudo, devido às suas ideias
erradas sobre o significado da divisão por

137
fracções, estes professores não conseguiram criar representa ções
correctas.

A ABORDAGEM DOS PROFESSORES CHINESES AO


SIGNIFICADO DA DIVISÃO POR FRACÇÕES

As lacunas no conhecimento dos professores americanos


sobre o tópico de aritmética avançada, a divisão por fracções, não
estavam presentes entre os professores chineses. Enquanto
apenas um dos 23 professores americanos criou uma represen-
tação conceptualmente correcta para o significado da divisão
proposta, 90% dos professores chineses fizeram-no. Sessenta e
cinco dos 72 professores chineses criaram mais de 80 histórias-
-problema representando o significado da divisão por uma
fracção. Doze professores propuseram mais do que uma história
para abordar os diferentes aspectos do significado da operação.
Apenas seis professores (8%) disseram que não eram capazes de
criar uma história, e um professor forneceu uma história
incorrecta (que representava j- : 1|- em vez de 1-f-: y). A figura
3.1 mostra uma comparação do conhecimento dos professores
sobre este tópico.
Os professores chineses representaram o conceito usando três

Resposta calculada Propuseram Apresentaram


correcta mais do que uma pelo menos uma
abordagem história correcta
Fig. 3.1 O conhecimento dos professores sobre a divisão por fracções
modelos de divisão diferentes: de agrupamento, de

138
repartição, e de produto e factores31. Por exemplo, ly : y pode
representar:

• ly metros : y metro = y (modelo de agrupamento)


•,ly metros : y = y metros (modelo de repartição)
•ly metros quadrados : y metro = y (modelo de produto e
factores)

que podem corresponder a:

•Quantos \ metros existem em algo que tem ly metros de


comprimento?
•Se metade de um comprimento mede ly metros, quanto
mede o todo?
•Se um lado de um rectângulo de l-4 metros quadrados mede
-V metro, qual é o comprimento do outro lado?

Os modelos da divisão por fracções

O modelo de agrupamento da divisão:


«Encontrar quantos ys existem em 13Á» ou «Encontrar
quantas vezes ly é relativamente a y»

Dezasseis das histórias criadas pelos professores ilustravam


duas ideias relacionadas com o modelo de agrupamento da di-
visão: «encontrar quantos ys existem em ly» ou «encontrar
quantas vezes ly é relativamente a y . » Oito histórias sobre
cinco cenários correspondiam a «encontrar quantos yS existem
em ly». Aqui ficam dois exemplos:

Recorrendo ao modelo de agrupamento da divisão, l-4 : y pode ser


articulado como quantos 4s existem em ly.

31 Greer (1992) mostra um debate intenso sobre os modelos de multiplicação e divisão. A sua
categoria «área rectangular» está incluída em «produto e factores».

139
Para o representar podemos dizer, por exemplo, se uma equipa de
trabalhadores construir y km de estrada por dia, quantos dias serão
necessários para construir uma estrada com ly km de comprimento?
O problema é encontrar quantos troços de y km, distância que
conseguem fazer em cada dia, estão contidos em lykm. Dividimos ly
por y e o resultado é 3y dias. Serão necessários 3y dias para construir
a estrada. (Prof. R.)

Cortamos uma maçã em quatro partes iguais. Pegamos em três


partes e juntamo-las a uma maçã inteira. Se y maçã for uma porção,
quantas porções podemos obter com ly maçãs? (Sr. a I.)

A abordagem atrás referida pela Prof.a Belle, a professora


americana que tinha um entendimento conceptual do tópico,
integra-se nesta orientação: «encontrar quantos yS existem em
ly». As outras oito histórias representavam «encontrar quantas
vezes ly é relativamente a y». Por exemplo:

Estava planeado construir uma ponte em 1 mês e y. Mas de facto


demorou apenas y mês. Quantas vezes o tempo que estava planeado é
relativamente ao tempo que realmente levou? (Prof. K.)

«Encontrar quantos yS existem em ly» e «encontrar quantas


vezes ly é relativamente ay» são duas abordagens ao modelo de
agrupamento da divisão por fracções. A Profd Li deu indicação
de que, apesar de este modelo ser consistente para os números
inteiros e as fracções, o modelo precisa de ser revisto quando as
fracções são introduzidas:

Na divisão com números inteiros temos um modelo para encontrar


quantas vezes um número é relativamente a outro número. Por
exemplo, quantas vezes o número 10 é relativamente ao número 2?
Dividimos 10 por 2 e obtemos 5. 10 é 5 vezes 2. É a isto que chamamos
o modelo de agrupamento.

140
Com as fracções, ainda podemos dizer, por exemplo, o que é que
multiplicado por y dá 14 ? Ao inventar uma história-problema,
podemos dizer que existem dois campos. O campo A tem l-4 hectares e
o campo B y hectare. Quantas vezes a área do campo B é maior que a
área do campo A? Para resolver o problema dividimos ly hectares por
y hectare e obtemos 3y. Assim, sabemos que a área do campo A é 3y
vezes a do campo B. A divisão que me pediu para representar encaixa
neste modelo. Contudo, quando as fracções são utilizadas, é preciso
revê-lo. Em particular, quando o dividendo é mais pequeno que o
divisor e então o quociente se torna uma fracção própria. Aí o modelo
deve ser revisto. As afirmações de «encontrar que fracção um número
é de outro», ou «encontrar que parte fraccionária de um número é
igual a outro» devem ser adicionadas às afirmações originais. Por
exemplo, para a divisão 2 : 10, podemos perguntar: que fracção é 2 de
10? Ou, que parte fraccionária de 10 é 2? Dividimos 2 por 10 e obtemos
! : 2 é y de 10. Do mesmo modo, podemos também perguntar: que
parte fraccionária de ly é-j ? Então devemos dividir y por De obtemos
1 .
2 o

O modelo de repartição da divisão: encontrar


um número tal que \ dele seja ly

Entre as mais de 80 histórias-problema representando o sig-


nificado de ly : y, 62 histórias representavam o modelo de
repartição da divisão por fracções — «encontrar um número tal
que y dele seja ly»:

A divisão é o inverso da multiplicação. Multiplicar por uma


fracção significa que conhecemos um número que representa um todo
e queremos encontrar um número que representa uma determinada
fracção dele. Por exemplo, se quisermos saber que número representa
y de ly, multiplicamos ly por y e obtemos j. Por outras palavras,
o todo é ly e y dele é H
Por outro lado, quando se divide por uma fracção, o número que
representa o todo passa a ser a incógnita a ser encontrada.

141
Conhecemos uma parte fraccionária dele e queremos encontrar o
número que representa o todo. Por exemplo, 4- de uma corda de saltar
mede 11- metros, qual é o comprimento da corda? Sabemos que uma
parte da corda mede 1-j- metros e sabemos também que esta parte é y
da corda. Dividimos o número da parte, ly metros, pela fracção
correspondente do todo, y, e obtemos o número que representa o todo,
3y metros. Ao dividir 1-i por y iremos descobrir que toda a corda tem
3y metros de comprimento... Mas prefiro não usar o dividir por y para
ilustrar o significado da divisão por fracções, porque conseguimos
facilmente chegar à resposta sem realmente fazer a divisão por
fracções. Se dissermos que J- de uma corda é 1 metro e qual é o
comprimento da corda? A operação da divisão terá mais significado
aqui, porque não conseguimos ver a resposta imediatamente. A
melhor forma de calcular é dividir ly por J- e obter 2^ metros. (Sr.a G.)

Dividir por uma fracção é encontrar um número quando uma


parte fraccionária dele é conhecida. Por exemplo, se soubermos que Vi
de um número é 1 y, ao dividir ly por y, podemos ficar a saber que
esse número é 3y . Para inventar uma história-problema que ilustre
este modelo, digamos que uma variedade de madeira pesa ly
toneladas por metro cúbico, o que é apenas y do peso por metro
cúbico de uma variedade de mármore. Quanto pesa um metro cúbico
de mármore? Sabemos que y metro cúbico de mármore pesa ly
toneladas. Para saber o peso de um metro cúbico, dividimos ly, o
número que representa a parte fraccionária, por A, a fracção que ly
representa, e obtemos 3J-, o número do todo. O mármore pesa 3y
toneladas por metro cúbico. (Prof. D.)

A minha história será: um comboio anda para a frente e para trás


entre duas estações. Da estação A à estação B é a subir e da estação B à
estação A é a descer. O comboio demora

142
l f horas para fazer o percurso da estação B à estação A.
É apenas y do tempo que demora da estação A à estação B. Quanto
tempo demora o comboio a fazer o percurso da estação A à estação B?
(Prof. S.)

A mãe comprou uma caixa de doces. Ela deu à avó y do conteúdo


da caixa, e essa porção pesava l y kg . Quanto pesava originalmente a
caixa? (Sr.a M.)

Os professores acima explicaram a versão fraccionária do


modelo de repartição da divisão. O Prof. Mao explicou espe-
cificamente como se revê o modelo de repartição da divisão por
números inteiros quando as fracções são introduzidas:

Com os números inteiros os alunos aprenderam o modelo de


repartição da divisão. É um modelo que pretende encontrar o
tamanho de cada um dos grupos iguais que foram formados a partir
de uma dada quantidade. Por exemplo, na nossa turma temos 48
alunos, que foram agrupados em 4 grupos de igual tamanho; quantos
alunos existem em cada grupo? Sabemos a quantidade dos vários
grupos, 48 alunos. Também sabemos o número de grupos, 4.
Queremos encontrar o tamanho de um grupo. Por isso, um modelo de
repartição pretende encontrar o valor de uma unidade quando é conhecido o
valor de várias unidades. Na divisão por fracções, contudo, esta con-
dição altera-se. Aqui o que sabemos não é o valor das várias unidades,
mas sim o valor de uma parte da unidade. Por exemplo, se pagarmos
ly yuans para comprar y de um bolo, quanto custaria um bolo inteiro?
Dado que - do preço total é l y yuans, para saber o preço total
dividimos l y por y e obtemos 3y yuans. Por outras palavras, a versão
fraccionária do modelo de repartição pretende encontrar um número quando
uma parte dele é conhecida.

A observação do Prof. Mao é verdadeira. Encontrar um nú-


mero quando é conhecida a quantidade de várias unidades e

143
encontrar um número quando uma parte fraccionária dele é
conhecida são representados por um modelo comum — en-
contrar o número que representa uma unidade quando deter-
minada quantidade de unidades é conhecida. O que difere é a
característica da quantidade: com um divisor inteiro, a condição é
que «é conhecido um múltiplo da unidade», mas com um divisor
fraccionário a condição é que «é conhecida uma fracção da
unidade». Por isso, a nível conceptual, estas duas abordagens são
idênticas.
Esta mudança no significado é intrínseca ao modelo de re-
partição. No modelo de agrupamento e no modelo de produto e
factores, a divisão por fracções mantém o mesmo significado da
divisão por números inteiros. Isto pode explicar por que motivo
tantas representações dos professores chineses seguiam este
modelo.

O modelo de produto e factores:


encontrar um factor que multiplicado por \ dará 1~

Três professores descreveram um modelo mais geral da


divisão — encontrar um factor quando o produto e o outro factor
são conhecidos. Os professores referiram-se-lhe como «encontrar
um factor que multiplicado por \ origine 1 j»:

Enquanto operação inversa da multiplicação, a divisão consiste em


encontrar um número que representa um factor quando o produto e o
outro factor são conhecidos. A partir desta perspectiva, podemos
formular um problema da seguinte forma: «Se o produto de ÿ por
outro factor for 1—, qual é o outro factor?» (Prof. M.)

Sabemos que a área de um rectângulo é o produto do comprimento


pela largura. Digamos que a área de um quadro rectangular é 1-j-
metros quadrados e a sua largura é ~ metro; qual é o seu
comprimento? (Sr. A.)

144
Estes professores olharam para a relação entre a multiplicação
e a divisão de um modo mais abstracto. Ignoraram o significado
específico do multiplicando e multiplicador na multiplicação e
nos modelos relacionados da divisão. Em vez disso, entenderam
o multiplicando e o multiplicador como dois factores com o
mesmo estatuto. A sua perspectiva, de facto, foi legitimada pela
propriedade comutativa da multiplicação.
Tanto o conceito de fracções como as operações com fracções
ensinadas na China e nos Estados Unidos parecem diferentes. Os
professores americanos tendem a lidar com unidades inteiras
«reais» e «concretas» (normalmente formas circulares ou
rectangulares) e as suas fracções. Embora os professores chineses
também usem estas formas para abordar pela primeira vez o
conceito de fracção, quando ensinam as operações com fracções
tendem a usar todos «abstractos» e «invisíveis» (ex: o
comprimento de um troço particular de uma estrada, o tempo
que demora a completar uma tarefa, o número de páginas de um
livro).

O significado da multiplicação por uma fracção: o


elemento importante da base de conhecimento

Ao longo das exposições sobre o significado da divisão por


fracções, os professores mencionaram vários conceitos que
consideraram elementos da base de conhecimento relacionada
com o tópico: o significado da multiplicação com números in-
teiros, o conceito de divisão enquanto operação inversa da
multiplicação, os modelos da divisão com números inteiros, o
significado da multiplicação com fracções, o conceito de fracção,
o conceito de unidade, etc. A Figura 3.2 resume as relações entre
estes itens.
A aprendizagem dos conceitos matemáticos não é uma via-
gem unidireccional. Apesar de o conceito de divisão por fracções
ser construído logicamente sobre a aprendizagem prévia

145
Significado
da divisão por fracções

C Significado da multiplicação )
Significado da divisão com
^números inteiros ^ Conceito de unidade

f Significado da multiplicação^^ com


números inteiros —
Conceito de operações
Conceito de fracção

Significado da adição

Fig. 3.2. Uma base de conhecimento para o entendimento


do significado da divisão por fracções

de vários conceitos, ele desempenha por seu turno um papel de


reforço e aprofundamento dessa aprendizagem prévia. Por
exemplo, reflectir sobre o significado da divisão por fracções irá
intensificar o entendimento dos conceitos anteriores da
multiplicação com números racionais. Do mesmo modo, ao de-
senvolver versões com números racionais dos dois modelos da
divisão, o entendimento original dos dois modelos com números
inteiros tornar-se-á mais abrangente:

É a isto que se chama «abrir novos horizontes através da


exploração de horizontes antigos». A aprendizagem actual é apoiada
pela aprendizagem anterior, mas também a aprofunda. O significado
da divisão por fracções parece complicado porque está construído
sobre vários conceitos. Por outro lado, contudo, fornece uma boa
oportunidade para os alunos aprofundarem a sua aprendizagem
anterior destes conceitos. Tenho a certeza de que, depois de abordar o
significado e os modelos da divisão por fracções, a referida
aprendizagem ficará mais completa do que antes. Aprender é um
processo de avanços e recuos. (Prof. Sun)

Nesta perspectiva, aprender é um processo contínuo durante o


qual o novo conhecimento é apoiado pelo conhecimento

146
anterior e este é reforçado e aprofundado pelo novo conheci-
mento.
Durante as entrevistas, «o significado da multiplicação com
fracções» foi considerado um elemento-chave da base de co-
nhecimento. A maioria dos professores considerou a multipli-
cação com fracções a «base necessária» para o entendimento do
significado da divisão por fracções:

O significado da multiplicação com fracções é


particularmente importante porque é dele que derivam os
conceitos da divisão por fracções... Se os nossos alunos
entenderem perfeitamente que multiplicar por uma fracção
significa encontrar uma parte fraccionária de uma unidade,
eles irão seguir esta lógica para compreender como
funcionam os modelos da operação inversa. Por outro lado,
se não tiverem uma ideia clara sobre o que significa a
multiplicação com fracções, os conceitos da divisão por
fracções serão arbitrários e difíceis de entender. Por isso,
para que os nossos alunos possam entender o significado
da divisão por fracções, devemos primeiramente dedicar
tempo e esforços significativos ao ensino da multiplicação
com fracções, para assegurar que eles entendam
completamente o significado desta operação...
Normalmente ao ensinar o significado da divisão por
fracções, começo com uma revisão do significado da
multiplicação com fracções. (Prof. Xie)

Os conceitos da divisão por fracções, tais como


«encontrar um número quando uma parte fraccionária é
conhecida» ou «encontrar que fracção um número é de
outro», etc. parecem complicados. Mas após termos um
entendimento inclusivo do significado da multiplicação
com fracções, iremos ver que estes conceitos são lógicos e
fáceis de entender. Por isso, para ajudar os alunos a
entender o significado da divisão por fracções, muitos dos
nossos esforços não são directamente dedicados ao tópico,

147
mas sim à compreensão plena do significado da
multiplicação com fracções, e à relação entre divisão e mul-
tiplicação. (Prof. Wu)

148
O significado da multiplicação com fracçòes é também im-
portante na base de conhecimento porque «relaciona vários
conceitos relevantes»:

O conceito da multiplicação com fracçòes é como um «nó», pois


«liga» vários outros conceitos importantes. Tal como a operação da
multiplicação, está relacionado com os conceitos da adição e divisão
com números inteiros. Mais ainda, uma vez que lida com números
fraccionários, está relacionado com o conceito de fracção e com os da
adição e divisão com frac- ções. Entender o significado da
multiplicação com fracçòes depende da compreensão de vários
conceitos. Ao mesmo tempo, reforça substancialmente a
aprendizagem anterior e contribui para a futura aprendizagem do
aluno. (Sr.a I.)

De facto, segundo a perspectiva dos professores, a impor-


tância dos elementos de conhecimento matemático não é a
mesma. Alguns deles «pesam» mais que outros, porque têm um
maior significado para a aprendizagem matemática dos alunos.
Para além do «poder de sustentação» abordado anteriormente,
outro aspecto que contribui para a importância de um elemento
de conhecimento é a sua «localização» numa rede de
conhecimento. Por exemplo, a multiplicação com frac- ções é
importante porque é uma «intersecção» de vários conceitos
matemáticos.

As representações dos modelos da divisão por fracçòes

O profundo entendimento dos professores chineses do sig-


nificado da divisão por fracçòes e a sua relação com outros
modelos matemáticos forneceu-lhes uma base sólida sobre a
qual construíram o seu conhecimento pedagógico do tópico.
Recorrendo à sua imaginação fértil, elaboraram uma variedade
de cenários para representarem um conceito único da divisão
por fracçòes. Por outro lado, alguns professores utili-

149
zaram um único cenário para criar várias histórias-problema que
representassem os diferentes aspectos do conceito. Os professores
basearam-se também no conhecimento da geometria elementar
— a área de um rectângulo — para representar a divisão.

Riqueza de cenários nas representações do modelo de repartição

Apesar de a operação da divisão comportar dois modelos, não


foi dado o mesmo destaque a ambos. Para a maioria dos
professores que participaram na nossa investigação, o modelo de
repartição revelou-se substancialmente mais marcante do que o
modelo de agrupamento. Os professores referiram cerca de trinta
cenários durante a criação de mais de sessenta histórias-problema
para representarem a versão fraccionária do modelo de repartição
da divisão. Para além dos que apresentámos anteriormente, aqui
ficam mais alguns exemplos:

Uma fábrica que produz máquinas-ferramentas usa ac- tualmente


1-j- toneladas de aço para fazer uma máquina, \ do que costumavam
usar. Que quantidade de aço costumavam usar para produzir uma
máquina? (Sr.a H.)

O tio Wang lavrou 1-| «mus» 32 em ~ dia; a esta velocidade,


quantos «mus» conseguirá lavrar num dia inteiro? (Sr. B.)

Ontem fui de bicicleta da cidade A até à cidade B. Demorei 1^


horas para 2 do caminho; quanto tempo demorei na viagem toda?
(Prof. R.)

Uma quinta tem 1^- «mus» de terrenos sazonais onde cresce trigo.
Esta área é 1 da área do campo sazonal onde cresce algodão. Qual é a
área do campo de algodão? (Prof. N.)
Num rio com uma corrente rápida, um barco a favor da
corrente demora apenas y do tempo de um barco contra a
corrente para fazer o mesmo percurso. Temos um barco a

32 «Mu» é uma medida chinesa de área. Quinze mus equivalem a um hectare.

150
favor da corrente que demorou ly hora a ir do sítio A para
o sítio B; quanto irá demorar o barco contra a corrente a ir
do sítio B para o sítio A? (Prof. Mao)

Queremos saber que quantidade de óleo vegetal existe


numa garrafa grande, mas temos apenas uma pequena
balança. Extraímos y do óleo da garrafa, pesamo-lo e
descobrimos que tem ly kg. Podem dizer-me quanto
pesava originalmente todo o óleo que a garrafa continha?
(Sr.a R.)

Um dia Xiao-Min foi ao centro da cidade para ver um


filme. Pelo caminho encontrou a sua tia, a quem
perguntou: «Sabe qual a distância da nossa vila até ao
centro da cidade?» A tia respondeu: «Não vou dizer-te,
mas dou-te uma pista. Já andaste ly «lis» 33 , que
correspondem a y da distância total. Descobre a resposta
por ti próprio.» (Sr.a K.)

A maioria dos professores americanos usavam um todo


concreto (tal como um objecto circular) e as suas partes para re-
presentar um todo e uma fracção; por outro lado, a maioria dos
professores chineses representavam estes conceitos de um modo
mais abstracto. Apenas 3 dos 72 professores usaram ob- jectos
circulares como assunto da sua representação. Em muitas das
histórias-problema criadas pelos professores chineses, 3y, o
quodente da divisão, foi tratado como uma unidade e ly, o
dividendo, foi visto como y da unidade.
Enquanto os alimentos e o dinheiro eram os principais
assuntos das representações dos professores americanos, os
professores chineses usaram representações muito mais di-
versificadas. Para além de cenários relacionados com as vidas
dos alunos, foram acrescentados outros, como a vida numa
quinta, numa fábrica, na família, etc. O conhecimento sólido dos

33 «Li» é uma medida tradicional de distância. Um li é y quilómetro.

151
professores no que diz respeito ao significado da divisão por
fracções deu-lhes à-vontade para usar um largo leque de cenários
nas suas representações.

Algumas histórias com um único cenário

Entre os professores que criaram mais do que uma história


para ilustrar vários aspectos do conceito de divisão por fracções, a
Sr.a D. destacou-se. Ela criou três histórias com o mesmo cenário:

A operação 1-f- : y pode ser representada a partir de


diferentes perspectivas. Por exemplo, podemos dizer: aqui
está 1| kg de açúcar e queremos embalá-lo em pacotes de
ykg cada. Quantos pacotes teremos? Podemos também
dizer que temos 2 pacotes de açúcar, um de açúcar branco
e outro de açúcar amarelo. O açúcar branco pesa 1-|- kg e o
açúcar amarelo — kg. Quantas vezes é o peso de açúcar
branco maior que o do açúcar amarelo? Mais ainda,
podemos dizer que na mesa está uma porção de açúcar que
pesa 1 kg; é y de todo o açúcar que existe em casa, por isso
quanto açúcar temos nós em casa? Todas as três histórias
são sobre açúcar, e todas representam ly : y. Mas os
modelos numéricos que ilustram são distintos. Colocaria
as três histórias no quadro e convidaria os alunos a
comparar os diferentes significados que elas representam.
Após a discussão pedir-lhes-ia que tentassem inventar as
suas próprias histórias-problema para representar os
diferentes modelos da divisão por fracções. (Sr.a D.)

De forma a envolver os alunos na comparação dos diferentes


conceitos associados a lj : !, a Sr.a D. criou várias representações
com um único cenário. A uniformidade no cenário e nos números
incluídos na operação tornariam mais óbvia para os alunos a
diferença entre os modelos numéricos que as histórias
representam.
DEBATE

152
Como é que o cálculo revelou a compreensão matemática dos
professores?

A diferença entre o conhecimento matemático dos professores


americanos e o dos professores chineses tornou-se mais flagrante
com o tópico da divisão por fracções. O primeiro contraste ficou
patente no cálculo. A pergunta da entrevista deste capítulo pedia
aos professores que calculassem 1T : ;. O processo de cálculo
revelou características não só do conhecimento procedimental e
da compreensão da matemática por parte dos professores, como
da sua atitude perante a disciplina.
Nos dois capítulos anteriores todos os professores apresen-
taram um conhecimento procedimental sólido. Desta vez, apenas
43% dos professores americanos conseguiram efectuar o cálculo e
nenhum deles mostrou um entendimento da fundamentação
lógica do algoritmo. A maioria destes professores sentiu
dificuldades. Muitos tendiam a confundir o algoritmo da divisão
por fracções com os da adição e subtracção ou com o da
multiplicação. O conhecimento procedimental destes professores
era não apenas fraco na divisão com fracções, mas também
noutras operações com fracções. Quando os professores confes-
saram que não se sentiam à vontade no cálculo com números
mistos ou fracções impróprias, o seu conhecimento sobre as ca-
racterísticas básicas das fracções provou ser muito limitado.
Todos os professores chineses tiveram sucesso nos seus cál-
culos e muitos deles mostraram-se entusiasmados a resolver o
problema. Calcular e obter uma resposta não foi suficiente para
estes professores: quiseram apresentar vários modelos para o
fazer — usando números decimais, números inteiros, aplicando
as três propriedades básicas, etc. Andaram às voltas com
subconjuntos de números e com diferentes operações,
adicionaram e retiraram parênteses e mudaram a ordem das
operações. Fizeram-no com extrema confiança e com uma
capacidade surpreendentemente flexível. Para além disso, muitos
professores fizeram comentários sobre os vários métodos de
cálculo e avaliaram-nos. O seu modo de «fazer matemática» deu

153
mostras de um entendimento conceptual significativo.
Outra característica interessante da matemática dos profes-
sores chineses é que eles procuravam fornecer «provas» para os
seus procedimentos de cálculo. A maioria dos professores
justificou os seus cálculos mencionando a regra segundo a qual
«dividir por um número é equivalente a multiplicá-lo pelo seu
recíproco». Outros converteram a fracção y em 1 : 2 e provaram
passo a passo que dividir por y é equivalente a multiplicar por 2.
Outros ainda, usaram o significado de dividir por y para explicar
o procedimento de cálculo. O seu desempenho é tipicamente
matemático no sentido em que, para convencermos alguém de
uma verdade, temos de prová-la, não basta afirmá-la.

«Um nó conceptual»: por que razão é importante

Para além do seu desempenho a «fazer matemática», os pro-


fessores chineses mostraram um conhecimento de fracções que
era acentuadamente mais sólido do que o dos professores ame-
ricanos. Os professores chineses estavam conscientes das
abundantes relações entre fracções e outros tópicos matemáticos;
de como uma fracção pode ser escrita como a expressão de uma
divisão na qual o numerador é o dividendo e o denominador é o
divisor; da relação entre números decimais e fracções, sendo
muito hábeis na conversão entre as duas formas de números; de
como os modelos de divisão por fracções estão relacionados com
o significado da multiplicação com fracções e com os modelos da
divisão com números inteiros.
Tal como nos dois capítulos anteriores, os professores chi-
neses não descreveram o tópico deste capítulo como o ele-
mento-chave da base de conhecimento no qual se inclui: esse
elemento-chave é o significado da multiplicação com fracções. Os
professores viram-no como um «nó» que une um aglome-

154
rado de conceitos que apoiam o entendimento do significado da
divisão por fracções. Nos capítulos anteriores mencionámos que
os professores chineses prestavam uma atenção especial à ocasião
em que um conceito é abordado pela primeira vez, sobretudo
quando o consideravam um elemento-chave numa base de
conhecimento. Ao mencionarem o elemento-chave da base de
conhecimento deste capítulo, continuaram a aderir a este
princípio. Contudo, uma vez que o tópico matemático debatido
neste capítulo é mais avançado e complexo, os seus alicerces não
são um único conceito mas uma ligação de vários conceitos.
Uma das razões pelas quais o entendimento dos professores
americanos sobre o significado da divisão por fracções não estava
desenvolvido pode ser o facto de faltarem ligações ao seu
conhecimento. O entendimento da maioria dos professores
americanos apoiava-se em apenas uma ideia — o modelo de
repartição da divisão com números inteiros. Porque lhes faltavam
outros conceitos necessários para o entendimento e as suas
ligações com o tópico, estes professores não foram capazes de
criar uma representação conceptual do significado da divisão por
fracções.

Relação entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e


as suas representações

Criar representações para um conceito matemático é uma


tarefa pedagógica comum. A maioria dos professores americanos
representou o significado da divisão por fracções recorrendo a
um exemplo do mundo real. Os cenários que os professores
chineses usaram foram, contudo, de âmbito mais alargado e
menos relacionados com as vidas dos alunos. Sem dúvida que
relacionar a aprendizagem escolar da matemática com as vidas
dos alunos fora da escola pode ajudar a que a matemática tenha
mais sentido para eles. No entanto, o «mundo real» não pode, por
si próprio, produzir conteúdo matemático.
Sem um conhecimento sólido sobre o que representar, não con-

155
seguiremos produzir uma representação conceptualmente cor-
recta, não importa quão rico seja o conhecimento pessoal das
vidas dos alunos ou a motivação que se tenha para relacionar a
matemática com essas vidas.

SUMÁRIO

Este capítulo investigou o conhecimento dos professores


sobre dois aspectos do mesmo tópico — divisão por fracções. Foi
pedido aos professores que calculassem l| : { e que ilustrassem o
significado da operação, um aspecto do conhecimento não
abordado nos capítulos anteriores. O conhecimento dos
professores americanos sobre a divisão por fracções foi
marcadamente mais fraco que o seu conhecimento dos dois tó-
picos anteriores. Embora 43% dos professores americanos ti-
vessem conseguido calcular correctamente uma resposta
completa, nenhum mostrou um entendimento da fundamentação
lógica subjacente aos cálculos. Apenas a Prof. Belle, uma
professora experiente, conseguiu criar uma representação que
ilustrava correctamente o significado da divisão por fracções.
O desempenho dos professores chineses ao efectuar a tarefa
deste capítulo não foi notavelmente diferente do das tarefas
anteriores. Todos os seus cálculos estavam correctos e alguns
professores foram mais além ao debater a fundamentação lógica
subjacente ao algoritmo. A maioria dos professores criou pelo
menos uma representação correcta e apropriada. A sua
capacidade para criar representações com uma grande variedade
de cenários e diferentes modelos da divisão por fracções parecia
basear-se no seu sólido conhecimento do tópico. Por outro lado,
os professores americanos que foram incapazes de representar a
operação não explicaram correctamente o seu significado. Isto
sugere que, para produzir uma representação pedagógica eficaz
de um tópico, um professor deve primeiro ter um amplo
entendimento desse tópico.

156
4
Explorar novo conhecimento:
a relação entre perímetro e área

Cenário

Imagine que uma das suas alunas chega à aula muito en-
tusiasmada. Ela diz-lhe que descobriu uma teoria que você nunca
havia ensinado à turma. Explica ter descoberto que, à medida que o
perímetro de uma figura fechada34 aumenta, a área também aumenta.
Mostra-lhe a figura seguinte para provar o que está a dizer:
4 cm 8 cm

4 cm 4 cm
Como
responderia a esta aluna?
Perímetro = 16 cm Perímetro = 24 cm
Área = 16 cm2 Área = 32 cm2

34 O uso da expressão «figura fechada» usada no cenário foi intencional, de forma a


convidar os professores a discutir vários tipos de figuras. Contudo, durante as entrevistas, os
professores falaram exclusivamente acerca de quadrados e rectângulos. Alguns professores
chineses disseram que o conceito de figura fechada é abordado pela primeira vez no terceiro
ciclo (escola secundária na China) e portanto preferiram centrar a discussão na figura
particular mencionada pela aluna.

157
Os alunos trazem novas ideias e asserções para as suas aulas
de matemática. Por vezes, os professores sabem que as asserções
dos alunos são válidas, mas outras vezes não. O perímetro e a
área de uma figura são duas medidas diferentes. O perímetro é
uma medida do comprimento da fronteira de uma figura (no caso
de um rectângulo, a soma do comprimento dos lados), enquanto
a área é uma medida do tamanho da figura. Como os cálculos de
ambas as medidas estão relacionados com os lados da figura, a
aluna afirmou que elas estavam correlacionadas.
As reacções imediatas dos professores americanos e chineses a
esta asserção foram similares. Para a maioria dos professores
neste estudo, a asserção da aluna era uma «nova teoria» de que
ouviam falar pela primeira vez. Percentagens similares de
professores americanos e chineses aceitaram a teoria ime-
diatamente. Todos os professores sabiam o que as duas medidas
significavam e a maioria dos professores sabia como calculá-las.
A partir deste ponto, contudo, os caminhos dos professores
divergiram: exploraram diferentes estratégias, alcançaram
resultados diferentes e responderam de forma diferente à aluna.

COMO OS PROFESSORES AMERICANOS EXPLORARAM A


NOVA IDEIA

Reacções dos professores à asserção

Estratégia I: Consultar um livro. Enquanto dois dos pro-


fessores americanos (9%) simplesmente aceitaram a teoria da
aluna sem hesitar, os restantes não. Dos 21 professores que sus-
peitavam da veracidade da teoria, cinco disseram que preci-
savam de um livro, porque não se lembravam do modo de
calcular o perímetro e a área:

[Pausa de cerca de 5 segundos] Aqui esqueci-me dos perímetros e das


áreas. [Frank olhou atentamente para o problema

158
[
durante cerca de 10 segundos] Bem, vejamos agora a área
...[pausa de cerca de 10 segundos] ... Tenho que ir
pesquisar e depois voltarei a falar com os alunos. (Sr.
Frank)

Penso que primeiro iria procurar fórmulas. Para


encontrar a fórmula básica para o perímetro e a área. E
depois veria se eles conseguiam dar alguns exemplos do
perímetro aumentando num sentido, veria como
formulavam o problema, e veria se essa formulação estava
em concordância com a que tinham no livro. Também
poderia sugerir que contactássemos alguém com mais
conhecimentos do tópico, outro professor (Sr.a Fay).

Sem ideia de como calcular o perímetro e a área, estes pro-


fessores acharam difícil investigar uma asserção acerca da re-
lação entre as duas medidas. Portanto preferiram consultar um
manual ou outra fonte autorizada.
A Sr.a Francesca, uma professora no início da carreira, sabia as
fórmulas para calcular o perímetro e a área de um rectân- gulo.
Por acreditar que a asserção da aluna não estaria certa em todos
os casos, pensou que a única forma de lhe explicar seria «pegar
noutros exemplos em que a referida asserção não se verificasse».
Contudo, por não perceber como as fórmulas funcionavam,
considerou que era difícil desenvolver um contra-exemplo por si
própria. O que faria seria procurar alguém para lhe dizer, ou
então «ir para casa, procurar num livro e confirmar»:

Vejamos, o perímetro é [murmura a fórmula para si


mesma]. Como lhe explicaria que a sua asserção não é
verdadeira? Acho que a outra forma de o fazer seria, assim
de repente, pegar noutros exemplos que fossem falsos, e
demonstrar-lhe isso... que não é verdadeira. E não me
posso lembrar exactamente porquê... Iria ter que pesquisar
e descobrir porquê, e depois voltar a falar com ela e
mostrar-lhe.
E também provavelmente se alguém viesse ter comigo e me

159
dissesse isso agora. Porque eu, para ser sincera, lembro-me de como
encontrar o perímetro e a área, mas não percebo o porquê agora.
Dir-lhe-ia: não acredito que seja verdade, mas deixa-me ter a certeza.
Depois procuraria e faria problemas por mim própria, até saber
explicar porquê.

Era óbvio que a Sr.a Francesca sabia mais acerca do tópico do


que os outros quatro professores. No entanto também notou que
lhe faltava conhecimento específico relacionado com a asserção
da aluna. Recorreria a um manual ou a quem tivesse mais
conhecimento, na esperança de que a ajudassem a encontrar a
resposta correcta para o problema.

Estratégia II: Recorrer a mais exemplos. Treze professores


americanos propuseram uma outra estratégia para explorar a
asserção — recorrer a mais exemplos:

Eu não tenho a certeza. Diria provavelmente que funciona


nalguns casos, mas poderá não funcionar noutros. (Sr.a Fiona)

Provavelmente seria necessário arranjar exemplos em número


suficiente. (Prof.a Blanche)

Deveríamos conversar para tentar perceber se funcionaria em


todos os casos, se seria verdade em todas as situações. (Sr. a Florence)

As respostas destes professores — que a asserção precisava de


mais exemplos — basearam-se mais na experiência do dia-a-dia
do que em discernimento matemático. A maioria dos adultos não
aceita uma proposição com base num exemplo apenas. Os
comentários dos professores à teoria matemática da aluna, de
facto, incluíram afirmações como «Ainda que eu visse dois cisnes
brancos, não acreditaria que todos os cisnes são brancos.»
Contudo, quantos cisnes brancos precisamos de ver para
acreditar que todos os cisnes são brancos? Preocupan-
do-se com o número de exemplos, estes professores ignoraram o
facto de que uma afirmação matemática concernente a um

160
número infinito de casos não pode ser provada por muitos
exemplos em número finito — não importa quantos. Deverá ser
provada por um argumento matemático. O papel dos exemplos
é ilustrar relações matemáticas, e não prová-las.
Apesar de os professores terem sido capazes de fazer notar
que um exemplo não é suficiente para provar uma teoria, não
foram capazes de pesquisar matematicamente a asserção. Al-
guns deles sugeriram experimentar com números arbitrários,
por exemplo, «de um a dez», ou «números estranhos tais como
três e sete». Estas sugestões eram baseadas no senso comum, e
não em discernimento matemático.

Estratégia III: Abordagens matemáticas. Os restantes três


professores pesquisaram matematicamente o problema. A Sr.a
Faith foi a única a chegar a uma solução correcta. A sua
abordagem consistiu em apresentar um exemplo que invalidava
a teoria da aluna:

Eu diria: «Agora diz-me o que acontece quando tens 2 cm num


lado e 16 cm no outro.» Perguntar-lhe-ia qual seria o perímetro, e
depois pedir-lhe-ia para calcular a área. Aha!

A aluna usou um quadrado com lados de 4 cm e um rec-


tângulo com a largura de 4 cm e o comprimento de 8 cm para
provar a sua asserção. O perímetro do quadrado era de 16 cm e o
do rectângulo de 24 cm. A área do primeiro era de 16 cm2 e a do
segundo de 32 cm2. A aluna tinha concluído que «à medida que
o perímetro de uma figura aumenta, a área aumenta também.» A
Sr.a Faith pedir-lhe-ia para tentar com outro exemplo, um
rectângulo com uma largura de 2 cm e um comprimento de 16
cm. O perímetro do rectângulo da Sr.a Faith era de 36 cm, 12 cm
mais longo do que o do rectângulo da aluna. De acordo com a
asserção da aluna, a área do rectângulo da Sr.a Faith devia ser
maior do que a do seu rectângulo. Contudo,
isto não era verdade. O rectângulo da Sr.a Faith tinha a mesma
área que o da aluna, 32 cm2. Com apenas um contra-exemplo, a

161
Sr.a Faith refutaria a asserção.
A Sr.a Francine também testou a asserção desenhando um
rectângulo comprido e estreito. Contudo, não foi tão bem-su-
cedida como a Sr.a Faith:

Eu diria que por esta figura isso é correcto. Mas que tal desenhar
outra figura, mas estreita, comprida... e depois mostrar-lhe que talvez
nem sempre funcione... Tal como estas [desenhou algumas figuras no
papel]. 4 e 8... Estou a tentar... a área é, quando multiplicamos, 32.
Portanto, sim, é correcto... Vejamos este, 4 por 4, e este outro, 2 por 4...
oh, oh, esperem um minuto. Não sei. Não sei se ela está certa ou não...
Acho que teríamos de descobrir... procurar num livro!

A Sr.a Francine esteve quase a encontrar um contra-exemplo.


Contudo, falhou porque seguiu o padrão no exemplo da aluna —
alterando o perímetro mudando um par de lados opostos e
mantendo o outro par de lados fixo. Ela reduziu o perímetro
reduzindo o comprimento de um par de lados opostos de 4 para
2 cm, mas mantendo o outro par de lados inalterado. Ao
contrário das suas expectativas, a asserção da aluna continuava a
parecer válida: a área da nova figura decrescia também. Aí ficou
confusa. Decidiu desistir da sua própria abordagem e procurar
num livro — resposta mais própria de uma leiga do que de uma
matemática.
O Sr. Félix foi o terceiro professor a abordar o problema ma-
tematicamente, explorando o porquê de a asserção da aluna ser
verdadeira:

Eu iria... confirmar que, de facto, no caso destes rectângulos e


quadrados isso é verdade; de facto, aumenta. Falaria do porquê de ser
esse o caso. Do que é a relação entre área e perímetro, e de como usar
algo como uma malha quadriculada, para falar de como a adição
daquele perímetro extra aumenta a área.
A abordagem do Sr. Félix explica porque a Sr.a Francine fa-
lhou na refutação da asserção da aluna. Quando o aumento (ou
diminuição) do perímetro é causado somente pelo aumento (ou

162
diminuição) de apenas um par de lados opostos, a área da figura
irá aumentar (ou diminuir) também. A área da nova figura
aumentada (ou diminuída) é o comprimento aumentado (ou
diminuído) vezes o comprimento do lado inalterado. Usando
este padrão, podemos gerar exemplos em número infinito que
apoiam a asserção da aluna.
O Sr. Félix, contudo, não analisou por completo a asserção da
aluna: parou antes de explicar porque é que a asserção era
verdadeira neste caso e não investigou os casos em que não
funcionaria. Dos 23 professores americanos, a Sr.a Faith, uma
professora no início de carreira, foi a única a analisar com su-
cesso a asserção da aluna e a chegar a uma solução correcta. A
tabela 4.1 sumariza as reacções dos professores americanos à
asserção da aluna.

Tabela 4.1
Reacção dos professores americanos à asserção da aluna (N = 23)
Reacções % N

Aceitaram a asserção sem a questionar 9 2


Sem pesquisa matemática 78 18
Pesquisaram a asserção 13 3

As respostas dos professores à aluna

Bali (1988b) sugeriu que, quando confrontados com uma


nova ideia proposta por um aluno, os professores podem res-
ponder de três formas diferentes: 35

35 Dissuadir o aluno de seguir ideias não incluídas no pro-


grama da disciplina.

163
2. Responsabilizar-se por avaliar a verdade da asserção do
aluno.
3. Envolver o aluno na exploração da verdade da sua asserção.

Os professores neste estudo escolheram a segunda e a terceira


alternativas. Os professores que optaram pela segunda alternativa
referiram que «diriam» ou «explicariam» a solução à aluna. Os
professores que optaram pela terceira alternativa disseram que
convidariam a aluna a pesquisar ou discutir a asserção mais
extensivamente. Acresce que a maioria dos professores disseram
que fariam primeiro um comentário positivo à aluna. Portanto, as
respostas dos professores à aluna caíram em duas categorias
principais: elogio com explicação, e elogio com incentivo a mais
exploração.
Dezasseis professores americanos (72%) descreveram a
intenção de envolver a aluna numa prova mais completa da sua
asserção. Contudo, sem eles próprios a entenderem, as suas
tentativas só podiam ser superficiais. Três professores disseram
que iriam «procurar conjuntamente com a aluna»:

Ok, o que eu faria era ir, ir com ela a um livro de matemática e


procurar em perímetro, procurar em área, e como, como o perímetro e
a área estão relacionados, e ver tudo em conjunto. (Sr.a Francês)

Penso que diria «Não tenho bem a certeza, mas procuremos juntos,
a ver se conseguimos encontrar um livro que nos mostre se estás ... se
a tua descoberta está correcta ou não.» (Sr.a Fay)

Estes eram os professores que não se lembravam de como


calcular as duas medidas de um rectângulo. O que eles sugeriram
que a aluna deveria fazer era o mesmo que eles próprios queriam
fazer — consultar um livro.

164
Seis professores disseram que pediriam à aluna para tentar
mostrar mais exemplos, para provar a sua asserção:

Ela está certa. Encorajá-la-ia a experimentar, dizendo:


eu acho que estás certa. Levá-la-ia talvez a mostrar à turma
ou a mim — tentaria com vários exemplos e
certificar-me-ia de que ela conseguia defender a sua
hipótese. Colocá-la-ia numa posição de «Eu descobri
realmente alguma coisa» — fá-la-ia sentir-se bem. (Sr.a
Fleur)

Oh, provavelmente, oh sim. Agora só me quero


certificar de que está certo. Bem, elogiá-la-ia por fazer
trabalho em casa... Usaria então estes como exemplos no
quadro. Talvez lhe pedisse para ser minha ajudante, dar
outros exemplos. (Prof.a Belinda)

Eu ficaria muito contente. Realmente não tenho


nenhum comentário a fazer. Provavelmente pedir-lhe-ia
que desse mais exemplos para provar a sua hipótese.
(Prof.a Beatrice)

Estes professores apenas pediriam à aluna para experimentar


com mais exemplos, mas não pensaram matematicamente acerca
do problema nem discutiram estratégias específicas. Cinco
outros professores ofereceram-se para experimentar mais
exemplos com a aluna, mas também não mencionaram
estratégias específicas:

Não tenho a certeza. Diria provavelmente que funciona


nalguns casos, mas pode não funcionar noutros. Eu diria:
«Bem sabes, isto é muito interessante. Vamos experimentar
com outros números e ver se também funciona.» (Sr.a
Fiona)

Eu penso que o melhor, provavelmente teríamos que


percorrer todo o caminho e começar com, de novo, um

165
grupo diferente de números e percorrer novamente o
caminho. Por outras palavras, talvez funcionasse com um
caso, mas não funcionasse com o caso seguinte. Portanto
talvez pedir à rapariga
que trabalhasse não apenas o 4 por 4 e depois o 4 por 8, mas também,
por exemplo, o 3 por 3 e experimentar com outros números. Bem,
supondo que ela continuasse virada para aí... (Prof. a Bernardette)

Cinco professores mencionaram estratégias específicas para


abordar o problema. Contudo, com excepção da mendonada
pela Sr.a Faith, as estratégias não eram baseadas em pensamento
matemático cuidado. Quando eles sugeriam experimentar
«números diferentes» ou «números estranhos», não estavam a
considerar casos diferentes de uma forma sistemática, como
veremos que os professores chineses fizeram. Pelo contrário, a
estratégia que eles propunham era baseada na ideia de que uma
proposição matemática deveria ser provada por um largo
número de exemplos. Esta falsa noção, que era partilhada por
muitos dos professores americanos, provavelmente induziria em
erro a aluna.

COMO OS PROFESSORES CHINESES


EXPLORARAM A NOVA IDEIA

As abordagens dos professores ao problema

As primeiras reacções dos professores chineses ao problema


foram bastante similares às dos professores americanos. Per-
centagens semelhantes de professores chineses (8%) e de pro-
fessores americanos (9%) aceitaram a asserção imediatamente,
sem qualquer dúvida. Os outros professores chineses não tinham
a certeza se a asserção era válida ou não. Levaram algum tempo
a pensar antes de começarem a responder. Das quatro perguntas
da entrevista, esta foi a que lhes levou mais tempo a pensar. E,
depois de começarem a debater o problema, as suas respostas
diferiram consideravelmente das dos seus colegas americanos

166
em três aspectos.
Primeiro, muitos professores chineses mostraram um inte-
resse entusiástico no tópico, a relação entre o perímetro e a área

167
de um rectângulo, enquanto os professores americanos se
preocuparam mais com o facto de a asserção «à medida que o
perímetro aumenta, a área também aumenta» ser verdadeira ou
não.
Segundo, a maioria dos professores chineses fizeram ex-
plorações matemáticas legítimas por si próprios, enquanto a
maioria dos colegas americanos não. Nenhum professor chinês
disse que teria de consultar um livro ou uma pessoa36, e nenhum
concluiu com «Não tenho a certeza.» As explorações dos
professores chineses, contudo, não os conduziram neces-
sariamente a soluções correctas. A maioria dos professores
americanos que sustentaram uma opinião do tipo «Não tenho a
certeza» evitaram dar uma resposta errada, mas 22% dos pro-
fessores chineses, devido às suas estratégias problemáticas,
propuseram soluções incorrectas, enquanto 70% resolveram
correctamente o problema.
Terceiro, os professores chineses demonstraram um melhor
conhecimento de geometria elementar. Estavam bastante fami-
liarizados com as fórmulas de perímetro e área. Durante as en-
trevistas, muitos apresentaram relações entre as várias figuras
geométricas que nem sequer foram mencionadas por qualquer
dos professores americanos. Por exemplo, alguns professores
chineses disseram que um quadrado é um rectângulo especial.
Alguns chegaram a fazer notar que um rectângulo é uma figura
básica — que o cálculo do perímetro e da área de várias outras
figuras recai no uso de rectângulos37.
A figura 4.1 sumariza as reacções dos professores dos dois
países ao problema.

Justificar uma asserção inválida: o conhecimento dos professores e as


possíveis falhas. Dezasseis professores chineses

36Stigler, Fernandez, e Yoshida (1996) relataram uma tendência similar por parte de
professores japoneses do ensino básico.
37 No curriculum chinês, as fórmulas da área para outras formas, como quadrados,

triângulos, círculos e trapézios, derivam da fórmula para rectângulos.

168
□ Profs. Americanos (W=23) B Profs.

Chineses (N= 72)

Aceitaram Não tinham Procuraram, Procuraram,


simplesmente a certeza, não estratégia a asserção estratégia
procuraram problemática correcta

Fig. 4.1. Uma comparação das reacções dos professores


à asserção da aluna

que pesquisaram matematicamente o problema argumentaram


que a asserção da aluna estava correcta. Doze professores
justificaram a asserção considerando o porquê do caso e os outros
quatro orientaram-se para o como do caso. Os argumentos destes
professores baseavam-se essencialmente na correspondência
obtida ao identificar o comprimento, largura e área do rectângulo
com dois números e o seu produto:

Eu penso que a aluna está certa. À medida que o perímetro de um


rectângulo aumenta, a sua área também aumenta. Sabemos que a área
de um rectângulo é o produto do seu comprimento pela sua largura.
Por outras palavras, o comprimento e a largura são os dois factores
que produzem a área. Inquestionavelmente, à medida que os factores
aumentam, o produto aumentará também. (Sr. a H.)

Embora baseada em matemática adequada, a estratégia destes


professores estava incorrecta. Primeiro, eles identificaram a
asserção da aluna como uma relação numérica — a relação entre
dois factores e o seu produto na multiplicação. Depois
desenvolveram o seu raciocínio sobre um princípio estabelecido
desta relação — entre os factores e o produto — para pro

169
var a asserção. Falharam, contudo, por não repararem que a
asserção envolvia duas relações numéricas diferentes, e não
apenas uma multiplicativa. Enquanto a relação de comprimento,
largura e área de um rectângulo é multiplicativa, a do seu
comprimento, largura e perímetro é aditiva. O perímetro de um
rectângulo pode aumentar enquanto dois dos seus lados opostos
decrescem em comprimento.
Alguns professores que disseram ser verdadeira a asserção
apresentaram explicações similares à do Sr. Félix:

A asserção da aluna é verdadeira. Vejamos como é verdadeira. Se


sobrepusermos o quadrado ao rectângulo, veremos outro quadrado a
descoberto. Essa será a área aumentada. Um par de lados opostos da
área aumentada é na verdade a largura das duas figuras originais, o
outro par de lados opostos da área aumentada é a diferença entre o
comprimento do rectângulo original e o lado do quadrado original.
Ou podemos dizer que é o bocado a mais do comprimento... (Sr. a B.)

Tal como o Sr. Félix, não consideraram todas as alternativas


em que o perímetro de um rectângulo pode aumentar. Portanto,
apenas explicaram como o caso da aluna era verdadeiro, mas não
exploraram o problema real: se era sempre verdadeiro.
Apesar de estes dezasseis professores não terem alcançado
soluções correctas, mostraram intenção de explorar o problema
matematicamente. Em vez de fazerem comentários gerais acerca
da asserção da aluna, pesquisaram o problema e chegaram às
suas próprias conclusões. Mais ainda, estes professores estavam
conscientes de uma importante convenção na disciplina:
qualquer proposição matemática tem que ser provada, e
procuraram seguir esta convenção. Não se limitaram a opinar «a
asserção está correcta», antes deram provas das suas opiniões. Os
argumentos que apresentaram, embora deficientes, baseavam-se
em matemática legítima. A somar a um conhecimento sólido do
cálculo das duas medidas, estes professores apresentaram
atitudes sensatas em relação à pesquisa matemática. Claro, as
suas abordagens também revelaram uma fraqueza óbvia — a

170
superficialidade do seu pensamento.

Refutar a asserção: o primeiro nível de entendimento. Cinquenta


dos 72 professores chineses deram soluções correctas, mas as suas
diferentes abordagens apresentavam vários níveis de
entendimento. O primeiro nível consistia em refutar a asserção da
aluna. A abordagem dos 14 professores chineses a este nível foi
similar à da Sr.a Faith — procurando contra-exemplos:

A asserção da aluna não é verdadeira. Eu não diria nada, mas


mostraria à aluna um contra-exemplo. Por exemplo, por baixo do seu
quadrado (com lados de 4 cm), posso desenhar um rectângulo com
comprimento de 8 cm e largura de 1 cm.
Ela depressa irá perceber que a minha figura tem um perímetro
maior, mas área menor do que a dela. Portanto, sem nada dizer, a sua
asserção está errada. (Sr.a I.)

Esta asserção não é verdadeira em todos os casos. E fácil encontrar


casos que a refutam. Por exemplo, temos um rectângulo, o seu
comprimento é 10 cm e a sua largura 2 cm. O seu perímetro será igual
ao do rectângulo da aluna, 24 cm. Mas a sua área será apenas de 20
cm2, menor do que a do rectângulo da aluna. (Prof. R.)

Para refutar a asserção, os professores criaram dois tipos de


contra-exemplos. Um consistia em figuras com perímetro maior
mas área menor ou com menor perímetro mas área maior do que
uma das figuras da aluna. O outro tipo consistia em figuras com a
mesma área mas perímetro diferente — ou o mesmo perímetro
mas área diferente — relativamente a uma das figuras da aluna.

Identificar as possibilidades: o segundo nível de entendimento. Oito


professores exploraram as várias relações possíveis

171
entre perímetro e área. Deram diferentes tipos de exemplos que
tanto apoiavam como contrariavam a asserção, para mostrar as
várias possibilidades:

Eu apresentarei à aluna várias figuras e pedir-lhe-ei para calcular


os seus perímetros e áreas:

4
8
a 2 b

P = 16 P = 20
A = 16 A = 16
6
7
1IdI
P- 16 A = P = 16 A =
12 7

Ao comparar estas figuras, ela irá aprender que, à medida que o


perímetro aumenta, a área não aumenta necessariamente, tal como no
caso das figuras a e b. Também, quando o perímetro permanece o
mesmo, a área pode não ser a mesma, como no caso das figuras c e d.
Assim ela ficará a saber que não há uma relação directa entre
perímetro e área. O que ela encontrou foi uma das várias soluções do
problema. (Sr.a E.)

Primeiro elogiá-la-ei pelo seu pensamento independente. Mas


também lhe farei saber que pode haver duas outras situações. Por
exemplo, quando o perímetro aumenta, a área pode aumentar, mas
também pode diminuir, ou mesmo permanecer igual. Então
mostrar-lhe-ei um exemplo de cada caso para comparar com o seu
rectângulo (com comprimento de 8 cm e largura de 4 cm). Primeiro
darei um exemplo da sua asserção, com um rectângulo com
comprimento de 8 cm e uma largura de 5 cm. O perímetro aumentará
de 24 cm para 26 cm, e a área irá aumentar de 32 para 40 cm 2. Agora, o
segundo exemplo será um rectângulo com comprimento de 12 cm e
largura de 2 cm. O seu perímetro irá aumentar para 28 cm, mas

172
a sua área irá diminuir para 24 cm2, apenas três quartos da área do seu
rectângulo. Outro exemplo poderá ser um rectân- gulo com
comprimento de 16 cm e largura de 2 cm. O seu perímetro também irá
aumentar, até 36 cm, mas a área permanecerá a mesma da do seu
rectângulo, 32 cm2. Portanto dir- lhe-ei que o pensamento matemático
tem que ser exaustivo. Esta é uma característica do nosso pensamento
que se aperfeiçoa com a aprendizagem da matemática. (Sr. A.)

O Sr. A. revelou que aumentar o perímetro pode provocar o


aumento, decréscimo ou manutenção da área. A Sr.a E. descreveu
dois casos nos quais as duas medidas se alteravam de diferentes
maneiras — enquanto o perímetro aumentava, a área
mantinha-se, e enquanto o perímetro se mantinha, a área
diminuía. A este nível de entendimento, os professores dis-
cutiram várias facetas da relação entre o perímetro e a área de
uma figura. Em particular, examinaram diferentes tipos de
alterações na área de um rectângulo que resultam de alterações
no perímetro. Os professores não se limitaram a refutar a
asserção da aluna e em vez disso apresentaram uma perspectiva
alargada na qual essa asserção estava incluída.

Clarificar as condições: o terceiro nível de entendimento. A


somar à apresentação das várias possibilidades, 26 professores
clarificaram as condições em que elas são verdadeiras. Estes
professores exploraram relações numéricas entre perímetro e
área e deram exemplos específicos:

É óbvio que em alguns casos a asserção é verdadeira, mas noutros


não. Porém, quando é que é verdadeira e quando é que não? Por
outras palavras, em que condições é verdadeira, e em quais é que não
o é? É melhor termos uma ideia clara sobre o assunto. Para clarificar
as condições específicas que originam as várias possibilidades,
podemos primeiro investigar as condições que irão provocar o
aumento no perímetro, e explorar como estas condições afectam a
área. (Sr. D.)
A Prof.a R. expôs a estratégia que ela e vários outros pro-
fessores usaram para explorar as condições em que a asserção da

173
aluna é verdadeira. Primeiro examinaram a causa nessa asserção
— um aumento no perímetro. Investigaram as situações que
iriam produzir um aumento no perímetro de um rectân- gulo e
encontraram três padrões. Depois analisaram as alterações que
estes padrões iriam produzir na área. Através de um exame
cuidadoso, a Prof. R. obteve uma imagem clara de como a área
pode ser afectada de diferentes maneiras por um aumento do
perímetro:

Eu diria que a asserção da aluna é verdadeira sob certas condições.


Sabemos que alterações no comprimento e na largura de uma figura
podem causar um aumento do seu perímetro. Há três formas de alterar
o comprimento e a largura de um rectângulo que provocam um
aumento do seu perímetro.
A primeira é quando um dos dois, comprimento ou largura, aumenta e
o outro lado se mantém. Sob esta condição, a área da figura irá
aumentar também. Por exemplo, se o comprimento do rectângulo da
aluna aumentar para 9 cm e a sua largura permanecer inalterável, a
área original, 32 cm2, irá aumentar para 36 cm2. Ou se a largura do
rectângulo original aumentar para 5 cm, mas o comprimento
permanecer o mesmo, a sua área irá aumentar para 40 cm 2. A segunda
forma de aumentar o perímetro é quando ambos, comprimento e lar-
gura, aumentam ao mesmo tempo. Sob esta condição, a área também
irá aumentar. Por exemplo, se o comprimento do rectângulo aumentar
para 9 cm e a largura aumentar para 5 cm ao mesmo tempo, a área do
rectângulo irá aumentar para 45 cm2.
A terceira condição que causa o aumento do perímetro é quando um
dos dois, comprimento ou largura, aumenta mas a outra medida da
figura diminui e, além disso, a quantidade aumentada é maior do que
a quantidade diminuída. Sob esta condição, o perímetro também irá
aumentar, mas a alteração na área pode ir em três direcções. Pode
aumentar, diminuir ou permanecer igual. Por exemplo, se a largura
aumentar para
6 cm e o comprimento diminuir para 7 cm, o perímetro irá aumentar
para 26 cm e a área irá aumentar para 42 cm 2. Se o comprimento
aumentar para 10 cm e a largura diminuir para 3 cm, o perímetro irá

174
aumentar para 26 cm, mas a área irá diminuir para 30 cm2. Se o
comprimento aumentar para 16 cm e a largura diminuir para 2 cm, o
perímetro irá aumentar para 36 cm, mas a área irá permanecer a
mesma, 32 cm2. Em suma, sob as duas primeiras condições, a asserção
da aluna é verdadeira, mas sob a última, não o é necessariamente.
(Prof. R.)

A solução que estes professores alcançaram foi: quando o


aumento no perímetro de um rectângulo é causado pelo aumento
só do comprimento ou só da largura ou de ambos, a área da
figura irá aumentar também; mas quando o aumento no
perímetro é causado por um aumento do comprimento e uma
diminuição da largura, ou vice-versa, a área não aumentará
necessariamente. Cerca de dois terços dos 26 professores
elaboraram a sua exposição da mesma maneira que a Prof. R.,
referindo ambas as situações — quando a asserção é verdadeira e
quando não o é necessariamente. O restante terço dos professores
ficou-se por uma destas situações. Os professores que alcançaram
este nível de entendimento não consideraram a asserção
absolutamente correcta ou absolutamente errada. Referiram-se
antes ao conceito de «condicional». Argumentaram que a
asserção estava correcta condicionalmente:

Portanto, podemos dizer agora que a asserção da aluna não está


absolutamente errada, mas está incompleta ou condicional. Sob certas
condições é sustentável, mas sob outras não se verifica
necessariamente. Estou contente que tenha levantado a questão.
Descobri hoje algo de novo, em que nunca tinha pensado antes. (Prof.
J.)

Após a discussão, talvez lhe sugira que reformule a sua asserção


confinando-a a certas condições. Ela poderá dizer que sob as
condições em que o aumento do perímetro é causado
pelo aumento ou do comprimento, ou da largura, mas o
outro lado permanece inalterado, ou pelo aumento de
ambos, comprimento e largura, a área do rectângulo

175
aumenta também. Essa será uma asserção correcta. (Sr.a G.)

Ao clarificar as diferentes condições sob as quais a asserção da


aluna é verdadeira ou não, os professores desenvolveram
diferentes relações entre o perímetro e a área de um rectângulo. A
asserção da aluna não foi simplesmente abandonada; pelo
contrário, foi revista e incorporada numa das relações.

Explicar as condições: o quarto nível de entendimento. Seis


dos professores que alcançaram o terceiro nível de entendimento
foram ainda mais além, explicando por que razão é que algumas
das condições implicavam a veracidade da asserção da aluna e
outras não. As suas abordagens variaram. Após uma
apresentação detalhada e bem organizada das condições sob as
quais a asserção da aluna é verdadeira, o Prof. Mao disse:

Por fim, podemos examinar porque é que estas


condições são sustentáveis. Imaginem como é que a área
de uma figura muda quando o seu perímetro muda. Sob as
duas primeiras condições, a área original permanece mas
uma nova área é-lhe adicionada. Por exemplo, quando o
comprimento aumenta mas a largura permanece a mesma,
haverá uma área extra expandindo-se horizontalmente a
partir da original. Por outro lado, quando a largura
aumenta mas o comprimento se mantém o mesmo, haverá
uma área extra expandindo-se verticalmente a partir da
original. Se ambos, comprimento e largura, aumentarem
ao mesmo tempo, a área original expandir-se-á em ambas
as direcções. Em qualquer destes casos, a área original
continua lá mas alguma área extra foi-lhe acrescentada.
Podemos desenhar figuras para ilustrar os casos. De facto,
isto também pode ser provado usando a propriedade
distributiva.

176
Por exemplo, quando o comprimento aumenta 3 cm, passa a (a + 3)
cm.38 A área será (a + 3) b = ab + 3b. Agora, comparada com a área
original, ab, podemos ver porque é maior: 3b é a quantidade
aumentada. Contudo, quando uma medida aumenta e a outra
diminui, a área original da primeira figura será destruída. Não há
razão que garanta que a nova área seja maior do que a original.

O argumento do Prof. Mao foi baseado numa representação


geométrica da situação e também aplicou a propriedade
distributiva para adicionar outra prova à sua abordagem. O
argumento do Prof. Xie acerca do porquê de rectângulos com o
mesmo perímetro poderem ter diferentes áreas também foi muito
perspicaz. Ele indicou primeiro que, com o mesmo perímetro,
podemos formar vários rectângulos de diferentes comprimentos
e larguras, porque há muitos pares de parcelas que dão a mesma
soma. Depois argumentou que, quando estes pares de parcelas se
tornam factores, como ao calcular a área de uma figura,
obviamente eles irão dar origem a produtos muito diferentes.
Finalmente, usando o facto de que, quanto mais perto estiverem
os valores dos dois factores, maior será o seu produto, ele alegou
que, para um dado perímetro, o quadrado é o rectângulo com a
maior área:

A área de um rectângulo é determinada por duas coisas, o seu


perímetro e a sua forma. O problema da aluna foi que ela viu apenas a
primeira. Teoricamente, com o mesmo perímetro, digamos 20 cm,
podemos ter um número infinito de rectângulos desde que a soma
dos seus comprimentos e larguras seja de 10 cm. Por exemplo,
podemos ter 5 + 5 = 10, 3 + 7 = 10,
0,5 + 9,5 = 10, mesmo 0,01 + 9,99 = 10, etc., etc. Cada par de parcelas
podem ser os dois lados de um rectângulo. Como podemos imaginar,
a área destes rectângulos cairá num amplo
intervalo. O quadrado com lados de 5 cm terá a maior área,
25 cm2, enquanto o rectângulo de comprimento 9,99 cm e largura 0,01

38 Nos manuais de matemática chineses do ensino básico, a significa o comprimento de

uma figura e b significa a sua largura.

177
cm quase não terá área. Porque em todos os pares de números com a
mesma soma, quanto mais próximos os dois números estiverem,
maior será o produto... (Prof. Xie)

O Prof. Xie e o Prof. Mao não se basearam nos mesmos prin-


cípios básicos de matemática para os seus argumentos. Contudo,
ambos desenvolveram argumentos sólidos. De facto, um
princípio básico de matemática pode conseguir apoiar vários
modelos numéricos e, por outro lado, um modelo numérico pode
também ser apoiado por vários princípios básicos. A profunda
compreensão de um tópico matemático, por fim, irá incluir certos
princípios básicos da disciplina. Passando por vários níveis de
entendimento da asserção da aluna, os professores
aproximaram-se mais e mais de um argumento matemático
completo.

Um mapa de como a pesquisa dos professores se desenvolveu

Os professores exploraram a asserção da aluna e chegaram a


um entendimento dos resultados matemáticos a vários níveis
conceptuais: encontrar um contra-exemplo, identificar as
possíveis relações entre área e perímetro, clarificar as condições
sob as quais essas relações são válidas e explicar as relações.
Enquanto nos três capítulos anteriores estávamos interessados no
conhecimento dos professores em matemática escolar, agora
estamos interessados na sua capacidade de explorar uma nova
ideia. A tarefa requeria que os professores «saltassem» da sua
actual «área familiar» para uma nova «área», para descobrirem
algo em que não tinham pensado antes.
A Figura 4.2 representa como se desenvolveu a abordagem à
relação entre perímetro e área. O rectângulo no topo representa a
tarefa: explorar uma nova ideia matemática de uma

178
forma autónoma. Os losangos representam os factores afecti- vos.
Os outros componentes da figura representam aspectos do
conhecimento do professor sobre a matéria. O círculo representa
conhecimento do cálculo do perímetro e da área, relacionado
intimamente com a nova ideia. Os quadrados representam o que
Bruner (1960/1977) considerou ideias básicas de uma disciplina
— princípios básicos (representados por quadrados com cantos
rectos) e atitudes básicas (representadas por quadrados com
cantos arredondados).

Explorar a relação
entre
perímetro e área
Intenção

Autoconfiança
Fig. 4.2. Um mapa de como se desenvolveu
a pesquisa dos professores

As explorações da asserção da aluna pelos professores foram


Atitude em fForma de
relação à Cálculo pensar: Condições
possibilidade exemplo e de
do perímetro
de resolver contra-exempl validade,
um e da área o, abrangência, propriedad
problema por \conecHvidade/ e
^ si próprio ^ distributiva

afectadas por dois factores: intenção e estratégia. Indubi-


tavelmente a estratégia representa um papel importante nesta
tarefa. Contudo, as entrevistas revelaram que as intenções dos
professores também desempenharam um papel crítico. Os pro-
fessores que não tencionavam examinar a asserção não se
preocuparam em pensar numa estratégia. A maioria dos pro-
fessores americanos não evidenciaram qualquer intenção de
abordar a nova ideia por si próprios, portanto não consideraram
seriamente uma estratégia.

179
A intenção dos professores de abordar a asserção da aluna
autonomamente recaiu sobre dois subfactores — o seu interesse
numa nova proposição matemática e a autoconfiança na própria
capacidade de a entender.
Os professores que entusiasticamente fizeram um estudo
completo sobre a asserção da aluna foram aqueles
particularmente interessados no tópico matemático levantado.
Foram guiados por uma forte curiosidade acerca da relação entre
o perímetro e a área de um rectângulo. Nas respostas destes
professores pôde ser observada uma forte motivação interior
para ensinar matemática. Por outro lado, os professores que não
estavam interessados na asserção não estavam motivados para a
examinar.
Confiança foi o outro factor a determinar se um professor
pesquisou ou não a asserção. Os professores que não estavam
confiantes na sua própria capacidade de resolver o problema não
o tentaram. A confiança dos professores estava associada a dois
aspectos do seu conhecimento da matéria: as suas atitudes em
relação à possibilidade de resolver problemas matemáticos por si
próprios e o seu conhecimento sobre os tópicos particulares rela-
cionados com a asserção. Aqueles que não acreditavam que fosse
possível resolver o problema autonomamente, ou que não sabiam
como calcular o perímetro e a área de uma figura, não exploraram
mais relações entre perímetro e área. Consequentemente, as suas
intenções de resolver o problema, se existiam, foram inibidas.
As estratégias dos professores para pesquisar o problema
baseavam-se em três aspectos do seu conhecimento da matéria: o
conhecimento do tópico particular relacionado com a nova ideia,
as formas de pensar em matemática e os princípios básicos da
disciplina relacionados com a abordagem.
Todos os professores que realizaram a tarefa com sucesso se
mostraram familiarizados com as fórmulas para calcular pe-
rímetro e área, assim como com o entendimento das funda-
mentações lógicas subjacentes. A sua perícia no cálculo apoiou
substancialmente as suas pesquisas, que implicaram vários
procedimentos de cálculo.

180
O conhecimento dos professores sobre pensamento mate-
mático desempenhou um papel-chave ao ajudar os professores a
«saltar» do seu conhecimento prévio para uma nova descoberta.
Nem todos os professores que sabiam como calcular o perímetro
e a área de um rectângulo conduziram uma abordagem
matemática por si próprios. Contudo, aqueles que também
sabiam pensar na asserção da aluna de uma forma matemática
adoptaram uma abordagem legítima, embora alguns não tenham
alcançado uma solução correcta. Pelo contrário, os professores
que sabiam as fórmulas mas que não pensaram na asserção de
uma forma matemática não conseguiram abordar o problema
matematicamente.
Finalmente, o conhecimento de princípios matemáticos bá-
sicos — por exemplo, as condições sob as quais uma proposição
matemática é válida — contribuiu substancialmente para a
abordagem dos professores. A familiaridade com a aplicação da
propriedade distributiva fez realçar, mais uma vez, algumas
explicações sobre as relações entre a adição e multiplicação
ligadas ao tópico.

As respostas dos professores à aluna

As respostas dos professores chineses à aluna situam-se nas


mesmas categorias das dos professores americanos — elogio com
explicação e elogio com compromisso de mais exploração. Con-
tudo, como a maioria dos professores chineses investigou o
problema, as suas respostas à aluna foram significativamente
mais substanciais e relevantes do que as dos professores ame-
ricanos. Eles forneceram exemplos mais adequados para ilustrar
os vários aspectos do tópico e levantaram questões mais
apropriadas para conduzir a aluna a fazer outras descobertas.
Além disso, os dois grupos de professores ficaram diferen-
temente distribuídos nas duas categorias. Apenas dois profes-
sores americanos (9%) disseram que dariam à aluna uma
explicação: um deles fá-lo-ia imediatamente e o outro após

181
«procurar algures». A maioria dos professores americanos dis-
seram que iriam explorar a asserção com a aluna, mas na ge-
neralidade não tinham ideia de como o iriam fazer. A maioria dos
professores chineses (62%), após terem chegado a uma solução
clara, dariam à aluna uma explicação pormenorizada do tópico,
em oposição àqueles que a persuadiriam a encontrar a solução
por si própria (30%). A maioria das explicações dos professores
chineses durante as entrevistas foram claras, organizadas e
completas. Geralmente, uma explicação vinha após uma
afirmação tal como «digam à aluna que a sua asserção não é
verdadeira» ou «digam à aluna que a sua asserção não está
completa». A maioria dos professores que justificaram a asserção
da aluna iriam também explicar-lhe porque pensavam que ela
estava certa.
Os professores chineses que incentivariam a aluna a uma
reflexão posterior sobre a sua asserção apresentaram um melhor
entendimento e mostraram mais à-vontade na sua própria
pesquisa do problema. A maioria disse que iria levantar questões
ou dar outros exemplos de forma a levar a aluna a descobrir as
limitações da sua asserção e alcançar um maior entendimento da
relação entre o perímetro e a área de um rec- tângulo:

Quanto à aluna, primeiro que tudo, vou elogiá-la. Farei co-


mentários agradáveis acerca do seu pensamento independente, e da
consistência entre a sua asserção e o exemplo. Mas depois tentarei que
identifique o problema na sua asserção. Primeiro pedir-lhe-ei para
explicar porque é que no caso dela, à medida que o perímetro
aumenta, a área também aumenta, e para me mostrar a parte da área
que aumentou e dizer como se gerou. Depois direi: «O teu exemplo
mostrou uma situação na qual um par de lados opostos da figura
aumentou e o outro par de lados permaneceu inalterado. Esta é uma
situação que causa o aumento do perímetro de um rectângulo.
Pensaste em outras situações em que o perímetro também aumente?
Sabes o que irá acontecer nessas situações? Agora sabemos que pelo
menos numa situação a tua asserção está correcta. Mas para
a provar deves ter a certeza de que funciona em todas as

182
situações e explicar porque é que funciona.» Ela poderá
facilmente descobrir outras situações em que o perímetro
de um rectângulo irá aumentar. Muito provavelmente, irá
descobrir que, quando o outro par de lados aumenta, ou
quando ambos os pares de lados aumentam, o perímetro
também aumentará. E também irá descobrir que nestes
casos a sua asserção será válida. Depois levá-la-ei a pensar
em mais situações. Provavelmente descobrirá que, em
certas condições, a sua asserção não é sustentável. Se não
conseguir pensar nas outras condições por si própria,
dar-lhe-ei alguns exemplos e pedir-lhe-ei que pense nos
tipos de situações que estes exemplos ilustram e no que
acontecerá nestas situações. Em resumo, levá-la-ei a
investigar a asserção por si própria e ajudá-la-ei sempre
que necessário.
No final, espero que ela fique com uma ideia clara das
condições em que a sua asserção é válida e das condições
em que é inválida. Também quero ajudá-la a ver que o
problema com a sua abordagem era a falta de
exaustividade no seu pensamento. Depois fecharei a
conversa enfatizando que é muito bom pensar
independentemente, contudo não é suficiente. Também se
deve aprender a pensar. Como no seu caso, saber como
pensar de forma minuciosa. (Prof. T.)

As respostas da Prof.a T. mostram várias características inte-


ressantes apresentadas em respostas similares de outros profes-
sores chineses. Primeiro, houve um entrelaçar subtil de elogio e
crítica. Ainda que tenha começado com um elogio pelo pensa-
mento independente da aluna, após uma apreciação das várias
facetas do tópico, a professora acabou a conversa indicando que a
aluna devia trabalhar no sentido de melhorar o aspecto que ela
prezava — pensar de forma abrangente. Este padrão foi visto
nalgumas respostas de outros professores. Por exemplo:

Primeiro darei uma reacção positiva à sua iniciativa, dir-lhe-ei

183
que estou contente pelo que ela descobriu. Depois

184
sugerirei que se discuta mais a asserção. Baseada no seu rec- tângulo,
dar-lhe-ei uma série de exemplos que apresentem diferentes situações
que possam causar o aumento do perímetro e uma alteração diferente
na área... [exemplos omitidos], Finalmente, elogiá-la-ei pelo facto de
se ter atrevido a iniciar um estudo e explorar uma nova ideia por si
própria. Mas ao mesmo tempo far-lhe-ei notar que não se deve apenas
atrever a pensar, mas também aprender a ser bom a pensar. (Prof.
Sun)

A maioria dos professores chineses disseram que começariam


por elogiar o esforço mental da aluna, tal como «observação
apurada», «averiguação para novo conhecimento», «pensamento
independente», «iniciativa de explorar novo conhecimento
autonomamente», etc. Contudo, não deixariam passar em branco
os aspectos problemáticos da asserção da aluna, que
consideravam ser causados por uma certa inadequação na sua
forma de pensar. No final, os professores voltariam ao que
tinham elogiado, confirmando-o de novo, e indicando o que
deveria ser melhorado depois.
Além disso, nas respostas dos professores chineses havia
habitualmente outros elementos entrelaçados: dizer, explicar,
levantar questões e apresentar exemplos. Aqui fica o exemplo de
um professor que diria primeiro à aluna que a sua asserção era
problemática e depois a guiaria mais além:

Talvez lhe diga que a sua descoberta não está completa. Porque
ilustra apenas um tipo de relação entre perímetro e área. Irei sugerir
que ela pense noutros casos. O que irá acontecer se a largura
aumentar mas o comprimento permanecer o mesmo? O que irá
acontecer se ambos, comprimento e largura, aumentarem? O que irá
acontecer se o comprimento aumentar e a largura diminuir, ou
vice-versa? Pedir-lhe-ei para continuar a pensar acerca destas
situações e que volte a falar comigo sobre as suas novas descobertas.
Se ela não conseguir encontrar a solução completa após uma nova
exploração,

185
discuti-la-ei com ela e mostrar-lhe-ei outros exemplos rele-
vantes, de forma a revelar a solução passo a passo.
Finalmente, de forma a incentivá-la a explorar mais a
relação entre perímetro e área de um rectângulo, dar-lhe-ei
provavelmente um problema para resolver: com um
mesmo perímetro, que tipo de comprimento e largura irá
causar a maior área? (Prof. S.)

Ainda que alguns professores incentivassem a aluna a ex-


plorar o problema por si própria, estariam também preparados
para a qualquer momento dar sugestões específicas sobre como
abordá-lo:

Primeiro pedir-lhe-ei para olhar de novo para as figuras


que trouxe e dizer-me a sua ideia de como a área
aumentou. Se ela não me conseguir dizer, talvez sugira que
imagine o quadrado a sobrepor-se ao rectângulo, e veja
onde está a área que aumentou e pense de onde veio esta
área. É causada pelo aumento do comprimento. É óbvio
que, quanto mais aumenta o comprimento, maior será a
área aumentada. Um aumento do comprimento também
irá causar um aumento no perímetro. Depois
perguntar-lhe-ei se existem outras formas de aumentar a
área de um rectângulo. Seguindo a lógica da nossa
pesquisa, ela irá provavelmente dizer que, quando a
largura aumenta, a área também aumenta. E se ambos,
comprimento e largura, aumentarem? Claro, também o
perímetro e a área irão aumentar. Nós nem sequer
precisamos de exemplos aqui. Depois perguntar-lhe-ei se
ela conhece outra forma de aumentar o perímetro de um
rectângulo. Este seria um passo difícil para ela, porque teria
que alterar o modo como tem vindo a pensar. Talvez lhe
peça para pensar sobre o assunto em casa e venha ter
comigo no dia seguinte. Ou, se achar que ela não irá
conseguir por si própria, dar-lhe-ei alguns exemplos com
maior perímetro do que o da figura que me trouxe, mas

186
com menor ou igual área. Por exemplo, um rectângulo com
um comprimento de 10 cm e uma largura de 2 cm. Desta
forma, conduzi-la-ei a uma discussão das condições sob as
quais a sua proposição é sustentável ou não, e porquê.
Após esclarecer isso, discutiríamos o problema existente na
sua asserção original e as suas causas. (Prof. C.)

Alguns professores pareceram particularmente bons a usar


exemplos apropriados, enquanto outros eram bons a fazer per-
guntas apropriadas. Contudo, estes dois elementos estavam
ligados:

Primeiro irei comentar a sua atitude de pensamento


independente. Depois perguntar-lhe-ei: «Tens a certeza de
que a teoria que descobriste a partir das duas figuras é
verdadeira em todos os casos? Não queres experimentar
com mais alguns exemplos? Por exemplo, não queres
desenhar rectângulos diferentes com um perímetro de 24
cm e calcular as suas áreas?
Vê o que acontece e volta a falar comigo.» Ela poderá
propor figuras tais como 1 x 11, 2 x 10, 3 x 9, 4 x 8, 5 x 7, 6 x
6, etc., cada uma com a área calculada. [Chen desenhou
alguns rectângulos numa folha de papel.] É muito
provável que ela já tenha descoberto que com o mesmo
perímetro se conseguem figuras de áreas diferentes.
Esperaria que também conseguisse encontrar
autonomamente que, com rectângulos do mesmo
perímetro, quanto mais próximos estiverem o
comprimento e a largura, maior será a área. Ou, pelo
menos, que visse que o quadrado tem a maior área e o
rectângulo mais fino [no seu papel] tem a menor área.
Depois perguntar-lhe-ei se ela consegue ver algum padrão
na forma e na área das figuras com o mesmo perímetro.
Através deste diálogo, ela irá descobrir por si própria que
área e perímetro não aumentam ao mesmo tempo. (Prof.
Chen)

187
Enquanto o Prof. C. levaria a aluna a reflectir sobre o seu
raciocínio, o Prof. Chen guiaria a aluna numa pesquisa mais
aprofundada do tópico. Estas duas respostas ponderadas foram
fortemente apoiadas pelo conhecimento da matéria por parte dos
professores — o conhecimento de como
investigar uma nova ideia em matemática assim como o co-
nhecimento de tópicos matemáticos específicos relacionados com
a ideia.

DEBATE

Atitude face à disciplina: o que fomenta a averiguação matemática dos


professores

Os professores americanos não mostraram falhas notórias nos


seus cálculos de perímetro e área de rectângulos. Contudo, havia
mesmo assim uma diferença notória entre professores americanos
e chineses. Apenas três professores americanos (13%) conduziram
pesquisas matemáticas autonomamente e só um chegou a uma
resposta certa; por outro lado, 66 professores chineses (92%)
conduziram pesquisas matemáticas e 44 (62%) chegaram a uma
resposta certa.
Dois factores principais podem ter impossibilitado uma
pesquisa matemática bem-sucedida aos professores americanos
— a falta de destreza computacional e a atitude leiga em relação à
matemática. Apesar de a maioria dos professores americanos
saber como calcular as duas medidas (do perímetro e da área),
estes mostraram-se menos aptos do que os chineses. Alguns
disseram que, apesar de saberem fazer os cálculos, não percebiam
as suas fundamentações lógicas, e que esta deficiência
atrapalhava uma maior exploração. Não era o caso dos
professores chineses: nenhum relatou uma falta de conhecimento
em relação às fórmulas que impedisse a sua pesquisa.
O segundo factor, que poderá ser ainda mais significativo, foi
a atitude dos professores em relação à matemática. Em resposta à

188
asserção da aluna acerca da relação entre perímetro e área, os
professores americanos agiram mais como leigos, enquanto os
chineses actuaram mais como matemáticos. Aqui reside a
diferença entre as suas atitudes em relação à matemática.
Sobre a estrutura de uma disciplina, Bruner (1960/1977) escreveu:

Dominar as ideias fundamentais de uma área de conhecimento


envolve não apenas a compreensão de princípios gerais, mas também
o desenvolvimento de uma atitude no sentido de aprender e
investigar, no sentido de conjecturar e intuir e de resolver problemas
autonomamente, (p. 20)

Neste capítulo vimos que todos os professores que exploraram


a asserção mostraram atitudes sólidas em relação à matemática.
Eles podem ou não ter chegado à resposta certa, mas a atitude
deles em relação à possibilidade de resolver um problema
matemático de maneira independente e as suas formas de pensar
matematicamente melhoraram as suas averiguações.

Ser aculturado para a matemática: deverá


ser uma característica dos professores de matemática?

Embora a solidez das atitudes dos professores chineses em


relação à matemática tenha sido um foco particular deste ca-
pítulo, também foi evidente nos capítulos anteriores. O leitor
deve ter reparado que as citações dos professores chineses nos
quatro capítulos foram geralmente mais longas do que as dos
professores americanos. Na realidade os professores americanos
não disseram menos que os professores chineses durante as
entrevistas, mas o que disseram foi matematicamente menos
relevante e organizado.
Uma razão para a eloquência dos professores chineses poderá
ser o seu estilo de ensino. A forma de ensinar dos professores
chineses é mais do tipo prelecção. Sempre que ensinam um novo
conceito matemático ou desenvolvem uma capacidade, precisam
de preparar uma pequena «prelecção» — uma apresentação

189
completa do conceito ou da capacidade. Consti-

190
tuindo um elemento importante e recorrente no ensino da ma-
temática, estas pequenas prelecções treinam os professores a falar
de forma organizada.
No entanto, existe outro factor profundo que parece
representar um papel ainda mais importante: é a aculturação dos
professores de matemática chineses para a disciplina.
Obviamente, estes professores não são matemáticos. A maioria
deles não tiveram contacto com qualquer ramo da matemática,
além da álgebra e da geometria elementares. Contudo, procuram
pensar rigorosamente, usar termos matemáticos para discutir um
tópico e justificar as suas opiniões com argumentos matemáticos.
Todas estas características contribuem para a eloquência
matemática dos professores chineses.

Relação entre o conhecimento dos professores sobre a


matéria e as respostas positivas às propostas dos alunos:
como é que uma averiguação matemática pode ser
promovida e sustentada?

O momento em que um aluno propõe uma nova ideia ou


asserção é uma oportunidade especial para promover apren-
dizagem e averiguação matemática. É certamente necessário
fazer comentários positivos ao aluno e elogiar a sua iniciativa.
Contudo, comentários positivos por si só não são suficientes para
promover aprendizagem e averiguação matemática sig-
nificativas: o aluno irá necessitar de um apoio particular do
professor para esse fim. Neste capítulo, vimos que um professor
pode apoiar o aluno ao providenciar explicações acerca da sua
asserção, mostrando-lhe como a examinar ou conduzindo-o
passo a passo na sua averiguação. Todos estes apoios à
aprendizagem matemática, contudo, são baseados no co-
nhecimento do professor sobre averiguação matemática. Os
professores que não sabiam conduzir uma tal averiguação, ainda
que elogiassem a aluna e lhe pedissem para trazer mais

191
exemplos, apenas referiram apoios demasiado vagos e genéricos
para promover uma verdadeira aprendizagem matemática. Para
dotar alunos de pensamento matemático, os professores devem
ser os primeiros a tê-lo.
De acordo com o que apresentei nestes quatro capítulos sobre
os resultados obtidos, pode parecer que concluí que os
professores tendem a não promover ou podem ser incapazes de
promover aprendizagem matemática para além da sua própria
compreensão. É verdade que a aprendizagem matemática dos
alunos não pode ir além do conhecimento matemático dos seus
professores? Coloquei esta questão à Sr.a Lin, a minha professora
de ensino básico, que não estava incluída na minha investigação.
Contudo, encontrei-a quando revisitei a minha escola primária
enquanto recolhia informação para este estudo. Depois de me
dizer orgulhosamente que alguns dos seus alunos de sexto ano
tinham acabado de ganhar um concurso de matemática,
acrescentou: «Eles conseguiram! Resolveram problemas que
nunca tinham aprendido antes. Resolveram problemas que nem
mesmo eu sei resolver! Estou orgulhosa deles. Mas também estou
orgulhosa de mim própria. Porque estou convencida que fui eu
que alimentei a sua capacidade de explorar novos problemas por
si próprios — a capacidade de superar a sua professora!»
Se a Sr.a Lin estava correcta, parece que os alunos capazes de
explorar problemas autonomamente podem por vezes
ultrapassar o professor. Contudo, que tipo de professor consegue
alimentar a capacidade dos alunos para explorar novos
problemas matemáticos? Devem ser os professores os primeiros a
possuir essa capacidade? Esta questão ainda não foi estudada.
Porém, penso que apenas professores aculturados para a
matemática podem alimentar a capacidade dos alunos para
conduzir averiguações matemáticas. Para alimentar tal
capacidade nos seus alunos, os professores têm que a ter pri-
meiro.

192
SUMÁRIO

Este capítulo investigou como os professores abordaram uma


ideia matemática que era nova para eles: a relação entre o
perímetro e a área de um rectângulo. Dois aspectos do co-
nhecimento da matéria contribuíram substancialmente para uma
abordagem bem-sucedida: o conhecimento de tópicos re-
lacionados com a ideia e atitudes matemáticas. Em oposição a
capítulos anteriores, a presença ou ausência de atitudes mate-
máticas foi um factor significativo para completar a tarefa deste
capítulo.
Os professores americanos não mostraram grandes defi-
ciências no seu conhecimento de tópicos relacionados com a nova
ideia. Mais de metade sabia as fórmulas para calcular o perímetro
e a área de um rectângulo. Contudo, os professores americanos
eram particularmente fracos na sua atitude geral em relação à
matemática. A maioria agiu de forma não matemática ao abordar
a nova ideia e não a investigou de uma forma independente.
Apenas a Sr.a Faith, uma professora no início da carreira,
pesquisou a nova ideia e chegou a uma solução correcta. Em
contrapartida, a maioria dos professores chineses pesquisou a
nova ideia de uma forma independente, mas cerca de um quinto
não chegou a uma solução correcta devido a estratégias
problemáticas.

193
5
Conhecimento dos professores
sobre a matéria: compreensão profunda
da matemática fundamental

Os quatro capítulos anteriores descreveram o conhecimento


dos professores americanos e chineses sobre quatro tópicos de
matemática elementar. Verificou-se um contraste óbvio no co-
nhecimento dos dois grupos de professores estudados. Os 23
professores americanos «acima da média» apresentaram uma
orientação predominantemente procedimental. A maioria
mostrou competência algorítmica sólida nos dois primeiros tó-
picos, subtracção e multiplicação de números inteiros, mas teve
dificuldades nos dois tópicos mais avançados, divisão por
fracções e perímetro e área de um rectângulo. Apesar de terem
vindo de escolas cuja qualidade variava de excelente a medíocre,
a maioria dos 72 professores chineses demonstrou não só
competência algorítmica mas também entendimento conceptual
de todos os tópicos. Este capítulo é dedicado ao debate sobre o
conhecimento dos professores em relação aos tópicos
considerados.
Considerado como um todo, o conhecimento dos professores
chineses mostrou-se coerente, enquanto o dos americanos era
claramente fragmentado. Apesar de os quatro tópicos neste
estudo se situarem em diferentes níveis e subáreas de matemática
elementar, enquanto entrevistava os professores chineses pude
aperceber-me de interligações nas suas explicações.

194
Nas respostas dos professores americanos, contudo, dificilmente
se pode ver alguma conexão entre os quatro tópicos.
Curiosamente, a fragmentação do conhecimento matemático dos
professores americanos coincide com a fragmentação do
curriculum e ensino matemático nos Estados Unidos, apontada
por outros investigadores como uma das principais explicações
para a insatisfatória aprendizagem matemática no país (Schmidt,
McKnight, & Raizen, 1997; Stevenson & Stigler, 1992). Na minha
perspectiva, contudo, esta fragmentação e incoerência são efeitos,
não causas. Curricula, ensino e conhecimento dos professores
reflectem o estado da matemática elementar nos Estados Unidos
e na China. A coerência do conhecimento dos professores
chineses deve-se, de facto, à substância matemática do seu
conhecimento.

UM RETRATO TRANSVERSAL DO CONHECIMENTO DOS


PROFESSORES CHINESES: QUAL É A SUA SUBSTÂNCIA
MATEMÁTICA?

Uma análise retrospectiva das respostas dos professores


chineses às questões das entrevistas viria a revelar algumas ca-
racterísticas interessantes do seu conhecimento matemático,
características raramente encontradas, se o tiverem sido, nas
respostas dos professores americanos.

Encontrar a fundamentação lógica matemática de um algoritmo

Durante as entrevistas, os professores chineses citaram várias


vezes um velho ditado para aprofundar o debate sobre um
algoritmo: «Sabe como, e sabe também porquê.» Adop- tando
este ditado que encoraja as pessoas a descobrir uma razão por
detrás de uma acção, os professores deram-lhe um novo
significado bastante específico — saber como aplicar um al-
goritmo e saber porque faz sentido matematicamente. A
aritmética

195
contém vários algoritmos — na verdade, pensa-se muitas vezes
que saber aritmética significa ter a capacidade de usar estes
algoritmos. Na perspectiva dos professores chineses, contudo,
conhecer um conjunto de regras para resolver um problema num
número finito de passos está longe de ser suficiente — também se
deve saber porque é que a sequência de passos no cálculo faz
sentido. Para o algoritmo da subtracção com reagrupamento,
enquanto a maioria dos professores americanos ficaram
satisfeitos com a pseudo-explicação de «empréstimo», os
professores chineses explicaram que a fundamentação lógica do
cálculo é «decompor uma unidade de ordem superior.»39 Para o
tópico da multiplicação com números de vários algarismos,
enquanto a maioria dos professores americanos se contentaram
com a regra de «alinhar pelo número pelo qual se multiplica», os
professores chineses exploraram os conceitos de valor posicionai
e de sistema de valor posicionai para explicar porque é que os
produtos parciais não são alinhados na multiplicação como as
parcelas na adição. Para o cálculo da divisão por fracções, para o
qual os professores americanos usaram «inverter e multiplicar»,
os professores chineses referiram «dividir por um número é
equivalente a multiplicar pelo seu recíproco» como o princípio
lógico deste algoritmo aparentemente arbitrário.
A predisposição para perguntar «Porque é que faz sentido?» é
o primeiro passo para o entendimento conceptual da matemática.
Além disso, explorar as razões matemáticas subjacentes aos
algoritmos levou os professores chineses a ideias
mais importantes da disciplina. Por exemplo, a fundamentação
lógica para a subtracção com reagrupamento, «decompor uma
unidade de ordem superior», está ligada à ideia de «compor uma

39 No ensino, os professores chineses tendem a usar termos matemáticos nas suas

explicações verbais. Termos como parcela, soma, aditivo, subtractivo, diferença, multiplicando,
multiplicador, produto, produto parcial, dividendo, divisor, quociente, operação inversa e compor e
decompor, são frequentemente usados. Por exemplo, os professores chineses não exprimem a
versão aditiva da lei comutativa como «não importa a ordem pela qual se somam dois
números», mas sim como «quando somamos duas parcelas, se trocarmos os seus lugares na
expressão, a soma permanecerá a mesma».

196
unidade de ordem superior», que é a fundamentação lógica da
adição com transporte. Mais pesquisa sobre compor e decompor
uma unidade de ordem superior pode então levar à ideia de
«base para compor e decompor uma unidade de ordem
superior», que, por sua vez, é uma ideia básica da representação
numérica. Do mesmo modo, o conceito de valor posicionai está
ligado a ideias mais profundas, como o sistema de valor
posicionai e a unidade básica de um número. Explorar o
«porquê» subjacente ao «como» leva passo a passo às ideias
básicas no âmago da matemática.

Justificar uma explicação com uma derivação simbólica

Para os professores chineses, a explicação verbal de uma razão


matemática subjacente a um algoritmo aparecia como necessária,
mas não suficiente. Como é possível constatar nos capítulos
anteriores, após dar uma explicação, os professores chineses
procuravam justificá-la com uma derivação simbólica. Por
exemplo, no caso da multiplicação com números de vários
algarismos, alguns dos professores americanos explicaram que o
cálculo 123 x 645 pode ser separado em três «pequenos cálculos»:
123 x 600, 123 x 40 e 123 x 5. Os produtos parciais são, então: 73
800, 4920 e 615, em vez de 738,492 e 615. Comparada com a ênfase
em «alinhar» da maioria dos professores americanos, esta
explicação é conceptual, mas os professores chineses deram
explicações ainda mais rigorosas. Primeiro, referiram com maior
frequência que a propriedade distributiva40 é a fundamentação
lógica subjacente ao algoritmo. Depois, segundo o que foi
descrito no capítulo 2, mostraram

40 No curriculum matemático chinês, as versões aditivas das propriedades comutativa e


associativa são abordadas pela primeira vez no terceiro ano. As

197
como o algoritmo pode ser derivado da propriedade distributiva, de
modo a ilustrar como a lei funciona nestas situações e porque faz
sentido:

123 x 645 = 123 x (600 + 40 + 5)


= 123 x 600 + 123 x 40 + 123 x 5 = 73 800 +
4920 + 615 = 78 720 + 615 = 79 335

Para o tópico da divisão por fracções, as representações


simbólicas utilizadas pelos professores chineses foram ainda mais
sofisticadas. Eles recorreram a conceitos que «os alunos tinham
aprendido» para provar a equivalência de lj : ~ e l| x Y de várias
formas. A seguinte prova baseia-se na relação entre uma fracção e a
expressão de uma divisão (y = 1 : 2):
: (1 2)
:
=lf : 1 x 2
= lf x 2 : 1
= lf x(2 :
1)
= 1T x T

propriedades comutativa, associativa e distributiva da multiplicação são introduzidas no quarto


ano, como alternativas ao método habitual. Por exemplo, o manual escolar diz: «Quando dois
números são somados, se a posição das parcelas é trocada, a soma permanece a mesma. Esta é a
chamada propriedade comutativa da adição. Se as letras a e b representam duas parcelas
arbitrárias, podemos escrever essa propriedade como: a + b = b + a. O método que aprendemos de
alterar a ordem das parcelas para verificar a soma é extraído desta propriedade» (Beijing, Tianjin,
Xangai, e Zhejian Associate Group for Elementary Mathematics Teaching Material Composing,
1989, pp. 82-83). O manual escolar ilustra como as duas regras podem ser usadas como «uma forma
de cálculo rápido». Por exemplo, os alunos aprendem que uma forma mais rápida de resolver 258 +
791 + 642 é transformá-lo em (258 + 642) + 791 e de resolver 1646 - 248 - 152 é transformá-lo em 1646
- (248 + 152).

198
Uma prova baseada na regra de «manter o valor de um quo-
ciente» é:
2
2 ''4
v1

_ 1 3- 21
A 7
= 3 J2
-

Além disso, tal como ilustrado no capítulo 3, os professores


chineses usaram expressões matemáticas para exemplificar várias
formas não usuais de resolver o problema l j : , assim
como para derivar as soluções. Nas aulas chinesas são largamente
usadas representações simbólicas. Tal como a Prof. Li relatou, os seus
alunos do primeiro ano usaram expressões matemáticas para
descrever a maneira própria que eles tinham de reagrupar: 34 - 6 = 34
- 4 - 2 ■=■ 30 - 2 = 28. Outros professores chineses deste estudo
também se referiram a ocorrências similares.
Alguns investigadores descobriram que os alunos do ensino
básico nos Estados Unidos frequentemente vêem o sinal de igual
como um «sinal de fazer algo» (ver e.g., Kieran, 1990, p. 100). Isto
lembra-me uma discussão que tive com uma professora americana
do ensino básico. Perguntei-lhe porque é que ela aceitava trabalhos
de alunos tais como «3 + 3 x 4 = 12 = 15». Ela disse: «Bem, eles
calcularam pela ordem correcta, e chegaram à resposta certa, qual é o
problema?» Na perspectiva dos professores chineses, contudo, a
semântica das operações matemáticas deve ser representada
rigorosamente. É intolerável ter dois valores diferentes em cada um
dos lados de um sinal de igual. Tal como a minha professora da
escola primária uma vez disse à sua turma, «o sinal de igual é a alma
das operações matemáticas». De facto, alterar um ou ambos os lados
de um sinal de igual para certos fins, mas preservando a relação de
«igualdade», é o «segredo» das operações matemáticas.
Os professores chineses eram peritos em acrescentar e remover
parênteses e em alterar a ordem das operações numa

199
Í expressão matemática. Fazendo uso de umas quantas propriedades
simples como as três propriedades básicas, a regra da
manutenção do valor de um quociente e o significado de fracção,
desenvolveram justificações simbólicas inteligentes dos
algoritmos aritméticos que abordaram nas entrevistas.
Tal como Schoenfeld (1985) indicou, a «prova» como forma de
explicação é obrigatória, uma norma aceite na disciplina de
matemática. Os professores chineses tinham a preocupação de
justificar expressões matemáticas tanto verbal como simboli-
camente. A justificação verbal vinha geralmente antes da jus-
tificação simbólica, mas esta tendia a ser mais rigorosa. Após os
professores chineses terem relatado as suas investigações sobre a
asserção da aluna, tal como foi apresentado no capítulo 4, todos
eles justificaram as suas ideias. Todos os que apresentaram uma
ideia inválida deram apenas justificações verbais. Se tivessem
usado representações simbólicas, suspeito que alguns teriam
evitado ou pelo menos detectado as falhas nos seus argumentos.

Abordagens múltiplas para um procedimento computacional:


flexibilidade enraizada em entendimento conceptual

Apesar de as provas e explicações deverem ser rigorosas, a


matemática não é rígida. Os matemáticos usam e valorizam
diferentes abordagens para resolver problemas (Pólya, 1973), até
mesmo problemas aritméticos. Dowker (1992) pediu a 44
matemáticos profissionais para estimar mentalmente os re-
sultados de produtos e quocientes de 10 problemas de multi-
plicação e divisão envolvendo números inteiros e decimais. O
resultado mais espantoso da sua pesquisa «foi o número e a
variedade de estratégias específicas de estimação usadas pelos
matemáticos». «Os matemáticos tendiam a usar estratégias
envolvendo a compreensão de propriedades e relações
aritméticas» e «raramente a estratégia de 'proceder algoritmi-
camente'».
«Resolver um problema de múltiplas formas» é também uma
atitude característica dos professores chineses. Para todos os
tópicos consideraram tanto abordagens usuais como

200
alternativas. Para o tópico da subtracção, descreveram pelo
menos três formas de reagrupar, incluindo o reagrupar de
subtractivos. Para o tópico da multiplicação com números de
vários algarismos, mencionaram pelo menos duas explicações do
algoritmo e um professor mostrou seis formas de alinhar os
produtos parciais. Para o tópico da divisão por fracções, os
professores chineses mostraram pelo menos quatro maneiras de
provar o algoritmo habitual e três métodos alternativos de
cálculo.
Para todos os tópicos aritméticos, os professores chineses
indicaram que, apesar de o algoritmo habitual poder ser usado
em todos os casos, pode não ser o melhor método num caso
particular. Aplicar um algoritmo e as suas várias versões de
forma flexível permite-nos chegar à melhor solução para um
dado caso. Por exemplo, os professores chineses salientaram que
há várias formas de calcular 1-|- : ~. Usar números decimais, a lei
distributiva ou outras ideias matemáticas, todas as alternativas
eram mais rápidas e fáceis do que o algoritmo habitual. Ser capaz
de calcular de várias formas significa que transcendemos a
formalidade de um algoritmo e alcançámos a essência das
operações numéricas — as ideias e os princípios matemáticos
subjacentes. A razão por que um problema pode ser resolvido de
múltiplas formas é que a matemática não consiste em regras
isoladas mas sim em ideias relacionadas. Ser capaz de, e
dispor-se a resolver um problema de mais do que uma maneira,
revela, portanto, a capacidade e a predilecção para estabelecer
ligações entre áreas e tópicos matemáticos.
Abordar um tópico de várias formas, elaborar argumentos
para várias soluções, comparar soluções e encontrar a melhor
são, de facto, uma força constante no desenvolvimento
matemático. Uma operação avançada ou um ramo avançado da
matemática normalmente implicam uma forma mais
sofisticada de resolver problemas. A multiplicação, por exemplo,
é uma operação mais sofisticada do que a adição para resolver
alguns problemas, e alguns métodos algébricos de resolver
problemas são mais sofisticados do que alguns aritméticos.
Quando um problema é resolvido de múltiplas formas, funciona
como um laço ligando vários elementos do conhecimento

201
matemático. A forma como os professores chineses encararam as
quatro operações aritméticas básicas mostra como se orientavam
de forma a unificar todo o campo da matemática elementar.

Relações entre as quatro operações básicas: o «sistema de


vias» ligando os tópicos da matemática elementar

A aritmética, «a arte de calcular», consiste em operações nu-


méricas. Contudo, os professores americanos e chineses pare-
ciam ver de forma diferente estas operações. Os professores
americanos tinham tendência para se centrarem num algoritmo
particular associado a uma operação, por exemplo, o algoritmo
para a subtracção com reagrupamento, o algoritmo para a
multiplicação com números de vários algarismos e o algoritmo
para a divisão por fracções. Os professores chineses, por outro
lado, estavam mais interessados nas operações propriamente
ditas e nas relações entre elas. Em particular, estavam
interessados em formas mais rápidas e fáceis de efectuar um
dado cálculo, no modo como os significados das quatro
operações estão relacionados e no modo como o significado e as
relações entre as operações são representadas através de
subconjuntos de números — números inteiros, fracções e nú-
meros decimais.
Quando ensinam a subtracção com decomposição de uma
unidade de ordem superior, os professores chineses tomam como
ponto de partida a adição com composição de uma unidade de
ordem superior. Quando apresentaram a «regra de alinhar» na
multiplicação com números de vários algarismos,

202
compararam-na com a regra de alinhar na adição de números
com vários algarismos. Ao representarem o significado da di-
visão, explicaram como os modelos da divisão derivam do
significado da multiplicação. Os professores também notaram
como a introdução de um novo conjunto de números — números
fraccionários — traz novas características às operações
aritméticas que antes estavam restringidas aos números inteiros.
Nos seus debates sobre a relação entre o perímetro e a área de um
rectângulo, os professores chineses mais uma vez relacionaram o
tópico da entrevista com operações aritméticas.
Nas explicações dos professores chineses eram evidentes dois
tipos de relações ligando as quatro operações básicas. Uma
relação designa-se «operação derivada». Por exemplo, a
multiplicação é uma operação derivada da operação de adição.
Resolve certos tipos de problemas complicados de adição de uma
forma mais fácil41. A outra relação é a operação inversa. O termo
«operação inversa» nunca foi mencionado pelos professores
americanos, mas foi várias vezes usado pelos professores
chineses. A subtracção é a inversa da adição, e a divisão é a
inversa da multiplicação. Estes dois tipos de relações ligam
fortemente as quatro operações. Porque todos os tópicos da
matemática elementar estão relacionados com as quatro
operações, o entendimento das relações entre as quatro
operações torna-se, então, um «sistema de vias» que liga toda a
matemática elementar 42 . Com este sistema, podemos ir a
qualquer lado dentro do domínio.

41 Apesar de as quatro perguntas da entrevista não providenciarem espaço para debate

acerca da relação entre adição e multiplicação, os professores chineses consideram-na


realmente um conceito bastante importante no seu ensino diário.
42 Os dois tipos de relações entre as quatro operações básicas, de facto, aplicam-se

também a todas as operações avançadas na disciplina de matemática. O «sistema de vias» da


matemática elementar exemplifica, portanto, o «sistema de vias» de toda a disciplina.

203
BASES DE CONHECIMENTO E OS SEUS ELEMENTOS-CHAVE:
COMPREENDER A COERÊNCIA LONGITUDINAL NA
APRENDIZAGEM

Outra característica que distingue o conhecimento dos pro-


fessores chineses, em relação ao dos professores americanos,
encontra-se nas suas bem desenvolvidas «bases de conheci-
mento». As quatro características acabadas de apresentar dizem
respeito ao entendimento que os professores têm da matemática
elementar. Pelo contrário, as bases de conhecimento revelam o
entendimento dos professores relativo ao processo longitudinal
de abrir e desenvolver este campo na mente dos alunos. A
aritmética, enquanto campo intelectual, foi criada e
desenvolvida por seres humanos. Ensinar e aprender aritmética,
criando condições nas quais os jovens possam reconstruir este
campo nas suas mentes, é a preocupação dos professores de
matemática elementar. Alguns psicólogos têm-se dedicado a
estudar como os alunos aprendem matemática. Os professores
de matemática têm a sua própria teoria acerca da aprendizagem
da matemática.
Os três modelos de bases de conhecimento que derivaram dos
debates dos professores chineses sobre a subtracção com
reagrupamento, multiplicação com números de vários algaris-
mos e divisão por fracções partilham uma estrutura similar.
Todos eles têm uma sequência no centro e um «círculo» de tó-
picos ligados entre si e aos tópicos da sequência. A sequência na
base da subtracção vai do tópico da adição e subtracção até 10,
para a adição e subtracção até 20, para a subtracção com rea-
grupamento de números entre 20 e 100, depois para a subtracção
com reagrupamento de números grandes. A sequência na base
da multiplicação inclui multiplicação por números de um
algarismo, multiplicação por números de dois algarismos e mul-
tiplicação por números de três algarismos. A sequência na base
do significado da divisão por fracções vai do significado da adi-
ção ao significado da multiplicação com números inteiros, ao
significado da multiplicação com fracções, até ao significado da

204
divisão por fracções. Os professores acreditam que estas se-
quências são os principais caminhos pelos quais se desenvolvem
conhecimento e capacidades acerca dos três tópicos.
Tais sequências lineares, contudo, não se desenvolvem so-
zinhas, mas são sustentadas por outros tópicos. Na base de co-
nhecimento da subtracção, por exemplo, «adição e subtracção até
10» está relacionada com três outros tópicos: a composição de 10,
compor e decompor uma unidade de ordem superior, e adição e
subtracção como operações inversas. «Subtracção com
reagrupamento de números entre 20 e 100», tópico abordado nas
entrevistas, também era apoiado por cinco itens: composição de
números até 10, a base para compor uma unidade de ordem
superior, compor e decompor uma unidade de ordem superior,
adição e subtracção como operações inversas, e subtracção sem
reagrupamento. Ao mesmo tempo, um item no círculo pode
estar relacionado com vários elementos na base de
conhecimento. Por exemplo, «compor e decompor uma unidade
de ordem superior» e «adição e subtracção como operações
inversas» estão ambas relacionadas com quatro outros
elementos. Com o apoio destes tópicos, o desenvolvimento das
sequências centrais torna-se matematicamente mais significativo
e mais rico do ponto de vista conceptual.
Os professores não consideram que todos os itens tenham o
mesmo estatuto. Cada base contém elementos-«chave» que
«pesam» mais do que outros membros. Alguns dos elemen-
tos-chave estão localizados em sequências lineares, outros estão
no «círculo». Os professores deram várias razões para
considerarem um certo elemento de conhecimento como ele-
mento-chave. Eles prestam uma particular atenção à primeira
ocasião em que um conceito ou aptidão é abordado. Por exem-
plo, o tópico da «adição e subtracção até 20» foi considerado um
desses casos para a aprendizagem da subtracção com rea-
grupamento. O tópico da «multiplicação por números de dois
algarismos» foi considerado um passo importante na aprendi-
zagem da multiplicação por números de vários algarismos. Os
professores chineses acreditam que, se os alunos aprenderem

205
um conceito a fundo na primeira vez em que é abordado,
«obteremos o dobro do resultado com metade do esforço numa
aprendizagem posterior». Caso contrário, «obteremos metade do
resultado com o dobro do esforço».
Outro tipo de elemento-chave numa base de conhecimento é
um «conceito-nó». Por exemplo, para explicarem o significado da
divisão por fracções, os professores chineses referiram-se ao
significado da multiplicação com fracções, pois pensam que este
une cinco importantes conceitos relacionados com o significado
da divisão por fracções: significado da multiplicação, modelos da
divisão por números inteiros, conceito de fracção, conceito de um
todo e o significado da multiplicação com números inteiros. Um
entendimento completo do significado da multiplicação com
fracções irá, então, permitir aos alunos atingir facilmente um
entendimento do significado da divisão por fracções. Por outro
lado, os professores também acreditam que explorar o
significado da divisão por fracções é uma boa oportunidade para
revisitar e aprofundar o entendimento destes cinco conceitos.
Nas bases de conhecimento, foram entrelaçados conheci-
mentos procedimentais e conceptuais. Os professores com um
entendimento conceptual do tópico que tinham como intenção
promover a aprendizagem conceptual dos alunos não ignoraram
o conhecimento procedimental. De facto, na sua perspectiva, o
entendimento conceptual nunca está separado dos
correspondentes procedimentos onde o entendimento «vive».
Os professores chineses também pensam que é muito im-
portante para um professor çonhecer todo o campo da mate-
mática elementar, bem como todo o processo de aprendizagem
do mesmo. O Prof. Mao disse:

Um professor de matemática precisa de saber a


localização de cada elemento de conhecimento em todo o
sistema matemático, a sua relação com conhecimento
prévio. Por exemplo, este ano estou a ensinar ao quarto ano. Quando
abro o manual escolar devo saber como os tópicos nele contidos estão
relacionados com o

206
conhecimento ensinado no primeiro, segundo e terceiro anos.
Quando ensino multiplicação por números de três algarismos, sei que
os meus alunos aprenderam a tabuada da multiplicação,
multiplicação por números de um algarismo com o produto até 100 e
multiplicação com um multiplicador de dois algarismos. Como os
alunos já aprenderam esta última, quando ensino multiplicação com
um multiplicador de três algarismos, deixo-os explorar por si
próprios. Primeiro dou-lhes vários problemas com um multiplicador
de dois algarismos. Depois apresento um problema com um
multiplicador de três algarismos, e deixo os alunos pensar em como o
resolver. Nós já multiplicámos por um algarismo no lugar das
unidades e por um algarismo no lugar das dezenas, agora vamos
multiplicar por um algarismo no lugar das centenas, o que podemos
fazer, onde vamos colocar o produto, e porquê? Deixo-os pensar um
pouco. Depois o problema será facilmente resolvido. E pedir-lhes-ei
Por outro lado,
para serem eles a dar a fundamentação lógica.
tenho que saber que conhecimento será construído sobre
aquilo que ensino hoje.

A MATEMÁTICA ELEMENTAR COMO


MATEMÁTICA FUNDAMENTAL

As explicações dos professores chineses apresentaram uma


imagem sofisticada e coerente da matemática elementar. Mos-
traram que a matemática elementar não é uma simples colec- ção
desconexa de factos sobre números e algoritmos de cálculo.
Antes é um campo intelectualmente exigente, desafiador e
excitante — uma base sobre a qual muito se pode construir. A
matemática elementar é matemática fundamental. O termo
fundamental tem três significados relacionados: básico, primário
e elementar.
A matemática é uma área da ciência que diz respeito a re-
lações espaciais e numéricas e cujo raciocínio se baseia nestas
relações. Historicamente, aritmética e geometria foram os dois

207
principais ramos da disciplina de matemática. Hoje, apesar de o
número de ramos da disciplina se ter expandido e o próprio
campo da disciplina ter aumentado, o estatuto da aritmética e
geometria como base ou fundamento da matemática permanece
inalterado. Nenhum dos novos ramos, quer puros ou aplicados,
opera sem as regras matemáticas básicas e as capacidades
computacionais estabelecidas na aritmética e na geometria. A
matemática do ensino básico, composta de aritmética e
geometria elementares, é, portanto, a base da disciplina sobre a
qual são construídos ramos avançados.
O termo «primário» refere-se a outra característica da ma-
temática elementar. A matemática elementar contém os rudi-
mentos de conceitos muito importantes em ramos mais
avançados da disciplina. Por exemplo, a álgebra é uma forma de
organizar «constantes» e «incógnitas» em equações, para que as
«incógnitas» possam vir a ser conhecidas. Tal como vimos no
capítulo anterior, as três propriedades básicas com que se re-
solvem estas equações — comutativa, distributiva e associativa
— estão naturalmente enraizadas na aritmética. As ideias de
conjunto, correspondência de um para um e ordem estão im-
plícitas na contagem. Operações da teoria dos conjuntos, como
união e produto cartesiano, estão relacionadas com o significado
da adição e multiplicação de números inteiros. Ideias básicas do
Cálculo estão implícitas na fundamentação lógica do cálculo da
área de um círculo em geometria elementar43 44.
As características básica e primária da matemática, contudo,

43Ao ensinar a fórmula de cálculo da área de um círculo, os professores chineses trazem

um disco de papel para a aula. Metade do disco tem uma cor e a outra metade tem outra. O
disco é primeiro cortado em duas metades. Depois as duas metades são cortadas em finos
bocados com a forma de fatias de tarte, com as pontas ligadas. Os dois meios círculos são
abertos e encaixados um no outro, de modo a formar uma superfície semelhante a um
rectângulo: jüiüü. Os professores incentivam os alunos a imaginar subdividir o disco em
mais fatias, de modo que a superfície se aproxime o mais possível de um rectângulo. Depois,
recorrendo à fórmula para calcular a área de um rectângulo, os alunos aprendem a
fundamentação lógica da fórmula para calcular a área de um círculo. Este método de
aproximar a área de um círculo foi conhecido no séc. xvn (ver Smith
44 Mikami, 1914, p. 131).

208
são apresentadas num formato elementar. É elementar porque
surge no início da aprendizagem matemática dos alunos e por-
tanto parece claro e fácil. As ideias aparentemente simples for-
madas nas mentes dos alunos nesta ocasião irão ser necessárias
durante todo o percurso da sua aprendizagem matemática. Por
exemplo, nos anos mais avançados, os alunos não esquecerão o
conceito de igualdade, aprendido a partir de «1 + 1 = 2», embora
esse venha a ser alterado e enriquecido.
De uma perspectiva de obtenção de competência matemática,
ensinar matemática elementar não significa levar os alunos
meramente até ao final da aritmética ou ao início da
«pré-álgebra». Significa antes providenciar-lhes os alicerces
sobre os quais se deverá construir a sua futura aprendizagem
matemática.
Estudiosos americanos têm defendido que conceitos avan-
çados podem ser apresentados de forma intelectualmente ade-
quada aos alunos do ensino básico. Há três décadas, Bruner
defendeu que ideias de matemática avançada, tais como topo-
logia, geometria projectiva, teoria das probabilidades e teoria dos
conjuntos, podiam ser apresentadas a estes alunos (Bruner,
1960/1977). A sua proposta foi recuperada recentemente por
Hirsch (1996). Kaput, Steen e os seus colegas sugeriram uma
«organização ramificada» da matemática escolar (Kaput &
Nemirovsky, 1995; Steen, 1990). Esses autores criticaram a
tradicional organização de «bolo em camadas», porque «apanha
muito poucos ramos (e.g., aritmética, geometria e álgebra),
organizando-os horizontalmente para formar o curriculum»
(Steen, p. 4). Em vez disso, propuseram uma estrutura longi-
tudinal «com maior continuidade vertical, para ligar as raízes aos
ramos da matemática na experiência educacional das crianças»
(Steen, p. 4), ilustrada por uma árvore com raízes que
representam linhas como «dimensão», «espaço», «mudança e
variação», etc. (Kaput & Nemirovsky, p. 21).
No entanto, os professores do ensino básico com entendi-
mento conceptual neste estudo podem não ser tão radicais como
Kaput e Steen. Como mostram as suas entrevistas, a matemática

209
elementar, constituída por aritmética e geometria básicas, já
contém ideias matemáticas importantes. Para estes professores,
um «curriculum organizado horizontalmente» também pode
possuir «continuidade vertical». A aritmética também pode ter
«múltiplas representações», «matemática séria», e «conversas
matemáticas genuínas»45. Eu considero mais correcta a metáfora
usada pelos professores chineses para ilustrar a matemática
escolar. Eles acreditam que a matemática elementar constitui a
base da futura aprendizagem matemática dos seus alunos e irá
contribuir para a sua vida futura. A futura aprendizagem
matemática dos alunos é como um edifício de vários andares. Os
alicerces podem ser invisíveis a partir dos pisos superiores, mas
são eles que os sustentam e fazem com que o conjunto de pisos
forme um todo coerente. O aparecimento e desenvolvimento de
matemática nova não deviam ser olhados como uma negação da
matemática fundamental. Pelo contrário, deveriam conduzir-nos
a um entendimento ainda melhor da matemática elementar, das
suas poderosas potencialidades, bem como das suas sementes
conceptuais para os ramos avançados.

COMPREENSÃO PROFUNDA DA MATEMÁTICA


FUNDAMENTAL

De facto, é a substância da matemática elementar que permite


um entendimento coerente da mesma. Contudo, o entendimento
da matemática elementar nem sempre é coerente. De uma
perspectiva procedimental, os algoritmos aritméticos têm pouca
ou nenhuma conexão com outros tópicos, e estão isolados uns
dos outros. Tomando os quatro tópicos estudados
como exemplo, a subtracção com reagrupamento nada tem a ver
com a multiplicação com números de vários algarismos, nem com
a divisão por fracções, nem com a área e o perímetro de um

45 «Representações múltiplas», «conversas matemáticas genuínas» e «entendimento

qualitativo de modelos matemáticos» são características do ensino matemático advogado por


Kaput e seus colegas (Kaput & Nemirovsky, 1995).

210
rectângulo.
A Fig. 5.1 ilustra um entendimento procedimental típico dos
quatro tópicos. As letras S, M, D e G representam os quatro tó-
picos: subtracção com reagrupamento, multiplicação com números
de vários algarismos, divisão por fracções e o tópico de geometria
(cálculo do perímetro e da área). Os rectângulos representam o
conhecimento procedimental destes tópicos. As ovais representam
outros conhecimentos procedimentais relacionados com os
tópicos. Os trapézios por baixo dos rectângulos representam o
entendimento pseudoconceptual de cada tópico. As linhas
ponteadas representam itens em falta. Note-se que os
entendimentos dos diferentes tópicos não estão ligados.

Fig. 5.1. O conhecimento procedimental dos quatro tópicos por parte dos
professores

Na Fig. 5.1 os quatro tópicos são essencialmente independentes


e poucos elementos estão incluídos em cada base de co-
nhecimento46. Explicações pseudoconceptuais para algoritmos são
uma característica de um entendimento meramente pro-
cedimental. Alguns professores inventaram explicações arbitrárias
e outros simplesmente verbalizaram o algoritmo.

46 Parao ensino de um tópico, o professor tende a ver tópicos relacionados. Se o tópico for
procedimental, o professor poderá arranjar uma explicação para ele; se for conceptual, poderá
ver um procedimento ou conceito relacionado. Esta tendência inicia a organização de uma
«base de conhecimento» que acaba por reunir o grupo de tópicos que os professores conseguem
descortinar à volta do tópico que estão a ensinar.

211
r

Porém, mesmo inventar ou citar uma explicação pseudocon-


ceptual requer familiaridade com o algoritmo. Os professores
que mal conseguiam acabar um algoritmo tinham dificuldade em
o explicar ou relacionar com outros procedimentos, como vimos
nalgumas respostas à divisão por fracções e ao tópico
geométrico. Com bases de conhecimento isoladas e subdesen-
volvidas, o entendimento matemático de um professor com uma
perspectiva procedimental é fragmentário.
Ao contrário, de uma perspectiva conceptual, os quatro tó-
picos estão ligados, relacionados pelos conceitos matemáticos
que partilham. Por exemplo, o conceito de valor posicionai
subjaz aos algoritmos para subtracção com reagrupamento e para
multiplicação com números de vários algarismos. O conceito de
valor posicionai, então, funciona como uma ligação entre os dois
tópicos. O conceito de operações inversas contribui para a
fundamentação lógica da subtracção com reagrupamento, bem
como para a explicação do significado da divisão por fracções.
Assim, o conceito de operações inversas liga a subtracção com
reagrupamento e a divisão por fracções. Alguns conceitos, como
o significado da multiplicação, são partilhados por três dos
quatro tópicos. Outros, como as três propriedades básicas, são
partilhados por todos os tópicos. A Fig. 5.2 ilustra como os
tópicos matemáticos estão relacionados numa perspectiva
conceptual.

.Conceito de operações inversa« Significado da


adição

Significado da
Valor multiplicaçãc^^
posicionai

s M D G

^ três propriedades básica?

212
Fig. 5.2. Alguns conceitos partilhados ligam os quatro tópicos

213
Apesar de nem todos os conceitos partilhados pelos quatro
tópicos estarem incluídos, a Fig. 5.2 ilustra como as relações
entre itens e tópicos os inserem numa rede. Alguns itens não
estão directamente relacionados com todos os tópicos; contudo,
as suas diversas associações sobrepõem-se e entrelaçam-se. As
três leis básicas apareceram nas explicações dos professores
chineses sobre todos os tópicos.
Em contraponto com a perspectiva procedimental dos quatro
tópicos ilustrada na Fig. 5.1, a Fig. 5.3 ilustra um entendimento
conceptual desses tópicos. Os quatro rectângulos no topo da Fig.
5.3 representam os quatro tópicos. As elipses representam os
elementos de conhecimento nas bases de conhecimento: as
brancas representam tópicos procedimentais, as cinzentas-claras
representam tópicos conceptuais, as cinzentas-escuras
representam os princípios básicos, e aquelas de onde saem
linhas ponteadas representam atitudes gerais em relação à
matemática.
Quando é composto por bases de conhecimento bem de-

E&trunira da
disciplina

Fig. 5.3. Conhecimento conceptual dos quatro tópicos por parte dos
professores
senvolvidas e interligadas, o conhecimento matemático forma uma
rede sustentada solidamente pela estrutura da disciplina. A Fig. 5.3
amplia o modelo de entendimento conceptual de um tópico particular
apresentado na Fig. 1.4 e ilustra o alcance, a profundidade, a
conectividade e a abrangência do entendimento conceptual da
matemática por parte de um professor. Como os quatro tópicos estão
localizados em várias subáreas da matemática elementar, este modelo
também funciona como

214
uma miniatura do entendimento conceptual de um professor no
campo da matemática elementar.
As elipses com linhas ponteadas, atitudes gerais em relação à
matemática, não são normalmente incluídas nas bases de co-
nhecimento dos professores para tópicos específicos. Contudo,
elas contribuem significativamente para a coerência e
consistência do conhecimento matemático de um professor. As
atitudes básicas em relação a uma disciplina podem ser ainda
mais penetrantes do que os seus princípios básicos. Um princípio
básico pode não sustentar todos os tópicos, mas uma atitude
básica pode estar presente em relação a todos os tópicos. As
atitudes básicas em relação à matemática mencionadas pelos
professores durante as entrevistas, tais como «justificar uma
asserção com um argumento matemático», «saber como, assim
como saber porquê», «manter a consistência de uma ideia em
vários contextos», e «abordar um tópico de múltiplas formas»
pertencem a todos os tópicos em matemática elementar47.
Eu chamo compreensão profunda da matemática funda-
mental (CPMF) ao conhecimento da matéria ilustrado na Fig. 5.3.
Por compreensão profunda refiro-me a um entendimento do
campo da matemática elementar que é profundo (no sentido de
completo), amplo e abrangente. Ainda que o termo profundo seja
muitas vezes considerado no sentido de profundidade
intelectual, as suas três conotações — profundidade, alcance e
abrangência — estão interligadas.
Duckworth, antiga aluna e colega de Jean Piaget, acredita que
devíamos continuar a aprender acerca da «profundidade» e
«complexidade» da matemática elementar (1987, 1991). Inspirada
pela preocupação de Piaget de quão longe, em vez de quão
rápido, a aprendizagem deveria ir, ela propôs a noção de

47 Ambas as dimensões da estrutura — princípios básicos e atitudes básicas (Bruner,


1960/1977) — são bastante poderosas para fazer conexões. Infelizmente, a Fig. 5.3 é demasiado
simples para ilustrar bem as relações de um para muitos entre princípios ou atitudes gerais e
conceitos ou tópicos matemáticos.

215
«aprender com profundidade e alcance» (1979). Após uma
comparação entre construir uma torre «com um tijolo em cima de
outro» e «numa base ampla ou numa fundação profunda»,
Duckworth disse:

Qual é o equivalente intelectual de construir em alcance e


profundidade? Eu penso que é uma questão de fazer conexões: o
alcance pode ser visto como o conjunto das esferas de experiência,
muito diferentes, que podem ser relacionadas umas com as outras; a
profundidade pode ser vista como os tipos diferentes de conexões que
podem ser feitas entre diferentes facetas da nossa experiência. Não
tenho a certeza se o alcance e a profundidade intelectuais podem ou
não ser separados um do outro, excepto quando falamos deles. (p. 7)

Concordo com Duckwort que obter alcance e profundidade


intelectuais «é uma questão de fazer conexões», e que os dois
estão interligados. Contudo, a sua definição de alcance e pro-
fundidade intelectuais é genérica de mais para ser usada ao
debater a aprendizagem matemática48. Mais ainda, Duckwort não
explica qual é a sua relação.
Baseada na minha investigação, defino entender um tópico
com profundidade como a articulação desse tópico com ideias da
disciplina conceptualmente mais poderosas. Quanto mais perto
uma ideia estiver da estrutura da disciplina, mais poderosa será e,
consequentemente, mais tópicos será capaz de sustentar.
Entender um tópico com alcance, por outro lado, é ligá-lo àqueles
de poder conceptual similar ou menor. Por exemplo,
consideremos a base de conhecimento da subtracção com rea-

48 Para os investigadores educacionais, a profundidade do conhecimento dos


professores sobre a matéria parece ser subtil e intrigante. Por um lado, a maioria concordaria
que o entendimento dos professores deveria ser profundo (Bali, 1989; Grossman, Wilson &
Shulman, 1989; Marks, 1987; Steinberg, Mark, & Hay- more, 1985; Wilson, 1988). Por outro
lado, porque o termo profundidade é «vago» e «difícil de definir e medir» (Bali, 1989; Wilson,
1988), a sua compreensão tem sido lenta. Bali (1989) propôs três «critérios específicos» para o
conhecimento substantivo dos professores: correcção, significado e conectividade, de modo a
evitar o termo profundo, que ela considerava um descritor vago do conhecimento dos
professores sobre a matéria.

216
grupamento. Relacionar a subtracção com reagrupamento com os
tópicos da subtracção sem reagrupamento ou da adição sem
transporte é uma questão de alcance. Relacioná-la com conceitos
tais como a base para compor ou decompor uma unidade de
ordem superior ou o conceito de que adição e subtracção são
operações inversas — é uma questão de profundidade.
Profundidade e alcance, contudo, dependem da abrangência — a
capacidade de «atravessar» todas as partes do campo — para as
interligar. De facto, é esta abrangência que «cola» o conhecimento
da matemática num todo coerente.
Claro, só é possível ter uma compreensão profunda da
matemática elementar porque, antes de tudo, a matemática
elementar é um campo de profundidade, alcance e abrangência.
Os professores com este entendimento profundo, vasto e
completo não inventam conexões entre ideias matemáticas, mas
revelam-nas e representam-nas em termos de ensino e
aprendizagem da matemática. Tal ensino e aprendizagem tende a
ter as quatro propriedades seguintes:

Conectividade. Um professor com CPMF tem uma intenção


geral de estabelecer conexões entre conceitos e procedimentos
matemáticos, desde conexões simples e superficiais entre ele-
mentos de conhecimento individuais até conexões complicadas e
profundas entre diferentes operações e subdomínios
matemáticos. Quando reflectida no ensino, esta intenção irá
impedir que a aprendizagem dos alunos seja fragmentada. Em
vez de aprenderem tópicos isolados, os alunos assimilarão um
corpo de conhecimento unificado.

Perspectivas múltiplas. Aqueles que alcançaram CPMF va-


lorizam diferentes facetas de uma ideia e várias abordagens para
uma solução, bem como as suas vantagens e inconvenientes.
Além disso, são capazes de providenciar explicações matemáticas
destas várias facetas e abordagens. Neste sentido,
os professores podem encaminhar os seus alunos para uma
compreensão flexível da disciplina.

217
Ideias básicas. Professores com CPMF mostram atitudes
matemáticas, estão particularmente conscientes dos «conceitos e
princípios básicos da matemática simples mas poderosos» (e.g., a
ideia de igualdade) e tendem a revisitar e reforçar estas ideias
básicas. Colocados perante estas ideias, os alunos são não apenas
encorajados a abordar os problemas, mas também orientados no
sentido de conduzir uma actividade matemática efectiva.

Coerência longitudinal 49 . Professores com CPMF não estão


limitados ao conhecimento que deve ser ensinado em determi-
nado ano escolar; pelo contrário, eles alcançaram um enten-
dimento fundamental de todo o curriculum da matemática
elementar. Com CPMF, os professores estão prontos para ex-
plorar a qualquer momento uma oportunidade de rever conceitos
cruciais que os alunos estudaram anteriormente. Também sabem
o que os alunos irão aprender mais tarde, e aproveitam para
lançar as bases próprias dessa aprendizagem.

Estas quatro propriedades estão inter-relacionadas. Enquanto


a primeira propriedade, conectividade, é uma característica geral
do ensino da matemática por parte de um professor com CPMF,
as outras três — perspectivas múltiplas, ideias básicas e coerência
longitudinal — são ligações que conduzem a diferentes aspectos
da compreensão significativa da matemática — alcance,
profundidade e abrangência.
Infelizmente, um modelo estático como aquele apresentado na
Fig. 5.3 não pode representar a dinâmica destas conexões.
Quando ensinam, os professores organizam as suas bases de
conhecimento de acordo com o contexto de ensino. As conexões
entre tópicos alteram-se com o fluir do ensino. Um elemento
central numa base de conhecimento para um tópico pode
tornar-se num elemento marginal na base de conhecimento para

]0 Kaput (1994) usou este termo para descrever os curricula; aqui uso-o para descrever a

propriedade correspondente para o conhecimento do professor. Esta propriedade está


relacionada com um aspecto daquilo a que Shulman (1986) chamou conhecimento curricular.

218
outro, e vice-versa.
As entrevistas que realizei para o meu estudo fizerm-me
pensar no modo como as pessoas conhecem a vila ou cidade onde
vivem. As pessoas conhecem a terra onde vivem de formas
diferentes. Algumas pessoas — por exemplo, recém-chegados —
apenas sabem o local onde a sua casa está localizada; outras
também conhecem bem os bairros vizinhos, mas raramente vão
além deles; outras ainda poderão saber como chegar a alguns
sítios na localidade — por exemplo, o local onde trabalham,
algumas lojas onde fazem as compras ou os cinemas onde podem
assistir a um filme. Porém, é possível que conheçam apenas um
único caminho para chegar a esses sítios, e nunca se tenham dado
ao trabalho de explorar caminhos alternativos. Contudo, algumas
pessoas, por exemplo, motoristas de táxi, conhecem muito bem
todos os caminhos na sua cidade. São muito flexíveis e seguros de
si próprios quanto a ir de um local a outro, e têm conhecimento
de vários caminhos alternativos. Se se trata de um visitante, eles
podem tomar o caminho que melhor mostra a cidade. Se o cliente
estiver com pressa, a qualquer hora do dia eles sabem o caminho
que o levará mais depressa ao destino. Chegam mesmo a
encontrar um sítio sem terem o endereço completo. Ao falar com
professores, encontrei paralelismo entre uma certa forma de saber
matemática escolar e uma certa forma de conhecer os caminhos
numa cidade. A forma como esses professores com CPMF
conhecem a matemática escolar pareceu-me, num certo sentido,
muito semelhante à forma como um motorista de táxi experiente
conhece uma cidade. Também pode existir um mapa da cidade
em desenvolvimento na mente de um motorista de táxi. Contudo,
um mapa da matemática escolar na mente de um professor
deverá ser mais complicado e flexível.
SUMÁRIO

Este capítulo pôs em confronto o entendimento geral dos


professores chineses e americanos relativamente aos quatro
tópicos discutidos nos capítulos anteriores. As respostas dos dois
grupos de professores sugeriram que a matemática elementar é
interpretada de maneira muito diferente na China e nos Estados

219
Unidos. Apesar de os professores americanos terem a
preocupação de ensinar para um entendimento conceptual, as
suas respostas reflectiram uma perspectiva comum nos Estados
Unidos — que a matemática elementar é «básica», uma colecção
arbitrária de factos e regras em que fazer matemática significa
seguir passo a passo procedimentos estabelecidos para chegar às
respostas (Bali, 1991). Os professores chineses, por outro lado,
esforçavam-se por saber porque é que os algoritmos fazem
sentido e também por saber como levá-los até ao fim. As suas
atitudes eram similares às de matemáticos profissionais:
procuravam justificar uma explicação com uma derivação
simbólica, propor múltiplas soluções para um problema e debater
relações entre as quatro operações básicas da aritmética.
Para cada um dos três tópicos das entrevistas que ensinavam,
os professores chineses descreveram uma «base de co-
nhecimento», rede de tópicos procedimentais e conceptuais,
apoiando a aprendizagem do tópico em questão, ou apoiando-se
nela. Os itens numa base de conhecimento diferiam de estatuto;
na primeira ocasião em que um conceito específico era abordado,
ele era considerado um «elemento-chave» e dava-se maior ênfase
ao seu ensino. Por exemplo, a «adição e subtracção até 20» é
considerada um elemento-chave da base de conhecimento para a
subtracção com reagrupamento porque é a primeira ocasião em
que o conceito de compor e decompor uma dezena é usado.
A matemática elementar pode ser vista como matemática
«básica» — uma colecção de procedimentos — ou como mate-
mática fundamental. A matemática fundamental é elementar,

220
primária e básica: elementar porque se situa no início da apren-
dizagem matemática, primária porque contém os rudimentos de
conceitos matemáticos mais avançados e básica porque pro-
videncia uma base (fundação) para a futura aprendizagem ma-
temática dos alunos.
A compreensão profunda da matemática fundamental
(CPMF) é mais do que um sólido entendimento conceptual da
matemática elementar — é a tomada de consciência da estrutura
conceptual e das atitudes básicas em relação à matemática
elementar e a capacidade de providenciar uma base para essa
estrutura conceptual e incentivar as atitudes básicas nos alunos.
Um entendimento profundo da matemática tem alcance,
profundidade e abrangência: alcance de entendimento é a
capacidade de relacionar um tópico com tópicos de poder
conceptual similar ou menor; profundidade de entendimento é a
capacidade de relacionar um tópico com aqueles de maior poder
conceptual; abrangência é a capacidade de relacionar todos os
tópicos.
O ensino de um professor com CPMF tem conectividade,
promove múltiplas abordagens para resolver um dado problema,
revisita e reforça ideias básicas e tem coerência longitudinal. Um
professor com CPMF é capaz de mostrar e representar conexões
entre conceitos e procedimentos matemáticos aos alunos. Ele ou
ela aprecia diferentes facetas de uma ideia e várias abordagens
para a obtenção de uma solução, bem como as suas vantagens e
desvantagens — e é capaz de providenciar explicações aos alunos
destas várias facetas e abordagens. Um professor com CPMF está
consciente das ideias básicas «simples mas poderosas» da
matemática e tem tendência para as revisitar e reforçar. Ele ou ela
tem uma compreensão profunda de todo o curriculum da
matemática elementar, e assim está pronto para explorar
qualquer oportunidade tanto para rever conceitos que os alunos
estudaram anteriormente como para lançar as bases para um
conceito a ser estudado posteriormente.

221
6
Compreensão profunda da matemática
fundamental: quando e como é atingida

No final do meu estudo conduzi uma breve investigação em


duas partes sobre quando e como um professor atinge CPMF.
Primeiro, de modo a ter uma ideia geral de quando se pode
atingir a CPMF, entrevistei dois grupos de pessoas na China que
ainda não exerciam a docência, usando as mesmas questões que
tinham sido colocadas aos professores. Um grupo era uma turma
de 26 recém-formados e o outro consistia em 20 alunos do nono
ano50. Nos primeiros, quis analisar o seu conhecimento no final
do seu programa de educação para a docência; nos últimos, o tipo
de conhecimento que um aluno pode ter ao entrar num programa
de educação para a docência.
A segunda parte da investigação diz respeito ao modo como a
CPMF é obtida. Entrevistei três professores que havia identi-
ficado como tendo CPMF. As entrevistas exploraram duas
questões principais: o que os professores consideravam dever ser
um conhecimento da matéria de matemática e a forma como eles
tinham alcançado o seu próprio conhecimento. As respostas à
questão do que deveria ser o conhecimento de um professor
sobre a matéria de matemática foram debatidas no

50 As escolas chinesas do terceiro ciclo (7.° a 9.° anos) diferem substancialmente em

qualidade. Os alunos que entrevistei eram de uma escola medíocre em Xangai, onde, quando
muito, metade dos alunos seria capaz de passar nos exames de admissão para a universidade.

217
capítulo anterior. A segunda parte deste capítulo expõe as
descrições dos professores sobre a forma como as suas condições
de trabalho apoiaram, e continuam a apoiar, o crescimento do seu
conhecimento matemático e a sua organização para o ensino.

QUANDO É ATINGIDA A COMPREENSÃO PROFUNDA DA


MATEMÁTICA FUNDAMENTAL?
O QUE OS GRUPOS DE FUTUROS PROFESSORES
SABIAM SOBRE OS QUATRO TÓPICOS

Diferenças entre os dois grupos de


futuros professores chineses

Os dois grupos de futuros professores não mostraram dife-


renças óbvias em competência algorítmica. Todos os seus cálculos
para os problemas de subtracção, multiplicação e divisão por
fracções estavam correctos, com excepção dos cálculos de um
aluno do nono ano que cometeu um erro quando somava os três
produtos parciais no problema de multiplicação com números de
vários algarismos. As explorações da asserção acerca da relação
entre perímetro e área mostraram que ambos os grupos sabiam
muito bem as fórmulas para calcular o perímetro e a área de um
rectângulo. 58% dos recém-formados e 60% dos alunos do nono
ano pensaram que a asserção «quando o perímetro de uma figura
aumenta, a sua área aumenta» não era verdadeira em todos os
casos. A maioria forneceu um contra-exemplo para a refutar e
alguns discutiram os vários casos possíveis.
Ao representar o conceito de divisão por fracções, contudo, os
dois grupos de futuros professores revelaram algumas diferenças
interessantes. Os recém-formados davam normalmente respostas
correctas, mas de uma perspectiva limitada, enquanto os alunos
tinham uma perspectiva mais alargada, mas cometiam mais
erros.
85% dos recém-formados, mas apenas 40% dos alunos do
nono ano, criaram uma história-problema conceptualmente
correcta para representar o significado de 1-f- : \. Dos 22

218
recém-formados que providenciaram pelo menos uma histó-
ria-problema correcta, 20 (91%) usaram o modelo de repartição
(i.e., encontrar um todo, sabendo que metade é 1-|) e apenas 2
(9%) recorreram ao modelo de agrupamento (i.e., encontrar
quantas metades há em 1%). Contudo, entre os 8 alunos do nono
ano bem-sucedidos na criação de uma representação, os modelos
estavam igualmente distribuídos: o modelo de repartição foi
usado em quatro representações e o de agrupamento nas outras
quatro.
Todos os recém-formados que não forneceram uma história
disseram que eram incapazes de o fazer; nenhuma história
apresentou conceitos errados. Por outro lado, os doze alunos de
escolaridade média que falharam na criação de uma repre-
sentação conceptualmente correcta mostraram-se mais «cora-
josos» e menos «cautelosos». Exploraram o tópico em várias
direcções: oito criaram uma história que representava o signi-
ficado de 1% x 2 (um procedimento intercalar no cálculo), três
criaram uma história que representava ly Xy, e um disse que era
incapaz de apresentar uma história.
A diferença entre os dois grupos na representação do sig-
nificado da divisão por fracções pareceu reflectir a influência do
programa de educação para a docência no conhecimento
matemático dos recém-formados. O seu conhecimento sobre o
tópico parecia estar «limpo» — livre de conceitos errados. Con-
tudo, este processo pode ter estreitado as suas perspectivas.
Devido à cautela que tomavam acerca do que está correcto e
incorrecto, raramente tentavam formas alternativas quando fi-
cavam bloqueados.
Outra diferença entre os dois grupos foi que os recém-for-
mados mostraram preocupação por ensinar e aprender quando
debatiam um tópico matemático. Normalmente, eles forneciam
uma explicação após um cálculo, ainda que a maioria das suas
explicações fossem muito limitadas e breves. Por

219
exemplo, ao responder à questão sobre o erro do aluno na mul-
tiplicação com números de vários algarismos, os alunos do nono
ano afirmavam na maioria dos casos que os alunos estavam
errados e mostravam como se fazia o cálculo correctamente. Pelo
contrário, as respostas dos recém-formados frequentemente
incluíam três passos: primeiro, o problema era que os alunos não
tinham alinhado os produtos parciais correctamente; segundo,
eles explicariam aos alunos a fundamentação lógica subjacente ao
algoritmo; terceiro, pediriam aos alunos para resolver mais
problemas. Apesar de só um recém-formado ter debatido
especificamente a fundamentação lógica e nenhum ter debatido
em profundidade que tipo de exercícios seria providenciado aos
alunos, os recém-formados estavam claramente preocupados em
ensinar e aprender.
Em suma, apesar de os recém-formados e de os alunos do
nono ano terem uma competência algorítmica equiparável,
apresentaram duas grandes diferenças. Primeiro, os recém-for-
mados pareciam ter conceitos matemáticos «limpos», embora a
sua abordagem matemática pudesse ser considerada limitada.
Segundo, ao contrário dos alunos, os recém-formados estavam
preocupados com o ensino e a aprendizagem.

Diferenças entre os professores americanos e os dois grupos de


futuros professores chineses

Olhemos agora para as diferenças entre os professores ame-


ricanos e os dois grupos de futuros professores chineses. Para os
tópicos da subtracção com reagrupamento e multiplicação com
números de vários algarismos, os três grupos mostraram um
sucesso semelhante em competência algorítmica. Contudo, os
dois grupos de futuros professores chineses apresentaram maior
entendimento conceptual. Por exemplo, nas suas explicações da
regra de alinhamento para a multiplicação com números de
vários algarismos, todos eles mostraram um entendimento da
fundamentação lógica subjacente ao algoritmo.

220
A actuação dos dois grupos de futuros professores chineses
nos dois tópicos mais avançados foi visivelmente melhor do que
a dos professores americanos. Todos os membros dos grupos
chineses foram bem-sucedidos a calcular VÁ : V2 e sabiam as
fórmulas para calcular o perímetro e a área do rectân- gulo. Em
comparação, apenas 43% dos professores americanos foram
bem-sucedidos no cálculo da divisão por fracções, e 17% deles
disseram que não sabiam as fórmulas para calcular o perímetro e
a área. Para as duas questões conceptualmente mais exigentes, a
diferença foi ainda maior. 85% dos recém-formados e 40% dos
alunos do nono ano criaram histórias-problema conceptualmente
correctas para representar o significado da divisão por fracções,
enquanto apenas 4% dos professores americanos o fizeram. 58%
dos recém-formados e 60% dos alunos do nono ano apresentaram
abordagens correctas à relação entre perímetro e área de um
rectângulo. De novo, só 4% dos professores americanos o
fizeram. Parece que, quanto mais avançado era o tópico e quanto
mais necessário era o pensamento conceptual, menos professores
americanos actuaram competentemente. A Fig. 6.1 resume estas
diferenças para o caso dos dois tópicos avançados.

Fig. 6.1. Diferenças entre os professores americanos e os dois grupos de


futuros professores chineses no conhecimento dos dois tópicos avançados
Diferenças entre os professores chineses e os dois grupos de
futuros professores chineses

221
As diferenças no conhecimento matemático entre os pro-
fessores chineses e os dois grupos de futuros professores chineses
eram de outro tipo. A respectiva competência algorítmica,
indicador de conhecimento matemático na perspectiva de um
leigo, era similar. Em termos das características de conhecimento
matemático de um professor, contudo, os dois grupos de futuros
professores diferiam substancialmente do grupo de professores.
Entrevistar os recém-formados e os alunos do nono ano levou
significativamente menos tempo do que entrevistar os
professores, ainda que as questões da entrevista fossem as
mesmas. Muitos dos recém-formados conseguiram explicar um
algoritmo, mas as suas explicações eram muito breves. Os alunos
não pensaram em fornecer explicações, mas gastaram mais
tempo com a representação da divisão por fracções e com a
relação entre perímetro e área. Nenhum dos grupos de futuros
professores levou a cabo um debate elaborado sobre qualquer
dos quatro tópicos, nem discutiu relações entre tópicos
matemáticos, soluções múltiplas para um problema51 ou ideias
básicas da disciplina relacionadas com os tópicos.

A CPMF, enquanto um tipo de conhecimento da matéria por


parte do professor, nem sempre tem fronteiras claras. Em muitos
casos, é difícil dizer se um professor tem ou não tem CPMF. Por
exemplo, cerca de um décimo dos professores chineses
entrevistados podiam ser identificados como tendo CPMF. Todos
eles eram professores com muitos anos de experiência no ensino e
a maioria tinha ensinado todos os anos de matemática elementar,
muitos deles mais do que uma vez.

51Após lhes ter sido pedido para elaborarem mais do que uma história, se fossem
capazes disso, seis dos futuros professores providenciaram mais do que uma representação,
mas todas relativas ao modelo de repartição da divisão.

222
Cerca de um décimo dos professores chineses podia ser cate-
gorizado como não tendo CPMF de todo. A maioria dos outros
professores situava-se numa zona cinzenta entre os dois
extremos. Alguns deles mostraram um entendimento amplo,
profundo e abrangente da subárea da matemática elementar que
ensinavam, mas não de toda a área. Por exemplo, alguns
professores estavam particularmente familiarizados com o
conteúdo dos primeiros anos e outros com o de anos mais
avançados e propiciaram debates elaborados sobre os tópicos das
áreas com as quais estavam familiarizados, mas não sobre o resto.
De facto, durante as entrevistas, aqueles que originaram os
debates mais pormenorizados sobre os dois primeiros tópicos
estavam normalmente a ensinar os primeiros anos, e aqueles que
debateram os outros dois tópicos mais elaboradamente estavam
normalmente a ensinar anos mais avançados.
Parece que a CPMF, que encontrei num grupo de professores
chineses, se desenvolveu após estes se terem tornado professores
— ou seja, durante as suas carreiras de professores. A questão,
então, é: como é que os professores chineses desenvolveram
CPMF após se terem tornado professores? Para explorar esta
questão, entrevistei três professores que eu considerava terem
CPMF.

COMPREENSÃO PROFUNDA DA MATEMÁTICA


FUNDAMENTAL: COMO É ATINGIDA?

Por uma questão de conveniência na recolha de informação,


entrevistei o Prof. Mao, a Prof. Wang e a Prof. Sun, que
ensinavam, na mesma escola de ensino básico em Xangai, ma-
temática elementar em anos avançados, anos intermédios e anos
iniciais, respectivamente. Como a maioria dos professores que
entrevistei52, estes professores ensinavam apenas matemática na
altura desta entrevista. (Alguns professores

52 Os doze professores da escola rural ensinavam todas as disciplinas.

223
alternam entre disciplinas, mas actualmente isso é pouco fre-
quente.) Em geral, numa escola com professores especializados, a
especialização de um novo professor é determinada pelas
necessidades da escola, as notas do novo professor nos exames
para a docência e o interesse do próprio professor.
Diferentemente dos professores do ensino básico (do primeiro
e segundo ciclos) nos Estados Unidos, o Prof. Mao, a Prof.a Wang
e a Prof.a Sun davam três a quatro aulas de 45 minutos por dia.
Quando não estavam a ensinar, corrigiam trabalhos dos alunos
ou preparavam aulas nos gabinetes que partilhavam com os seus
colegas.

Estudar materiais de ensino intensivamente

Quando questionados sobre como tinham atingido o seu co-


nhecimento matemático de «uma forma sistemática», estes
professores referiram a actividade de «estudar materiais de en-
sino intensivamente quando estavam a ensinar»:

Primeiro que tudo, temos que ensinar de uma forma


personalizada, e temos que estudar materiais de ensino
intensivamente quando ensinamos. Em escolas normais
fazemos cursos como «Os Conteúdos e Métodos de Ensino
para a Matemática Elementar». Mas isso é insuficiente.
Ficamos apenas com uma ideia breve e rudimentar do que
é a matemática elementar, que não é relevante para o
ensino real. Só através do ensino pessoal de um dado ano
podemos saber realmente o que é ensinado nesse ano.
Mais ainda, não devemos limitarnos a ensinar apenas um
ano, mas sim ensinar ciclo após ciclo.
As pessoas dividem a educação na escola básica em vários
pequenos ciclos. Na nossa escola temos o primeiro ciclo,
que vai do primeiro ao terceiro anos, e o segundo ciclo,
que inclui o quarto e quinto anos. Em cada ciclo, vários
anos estão ligados e cobrem um subcampo da matemática
elementar. Se ensinámos ao primeiro ciclo,

224
familiarizámo-nos com a imagem dos

225
tópicos ensinados nos três primeiros anos e o modo como
estão relacionados. Se ensinámos ao segundo ciclo,
ficámos a conhecer a imagem do que é ensinado nos dois
anos seguintes.
Se ensinámos ambos os ciclos, conhecemos a imagem total
do curriculum da matemática do ensino básico. Quanto
mais vezes ensinarmos um ciclo, mais familiarizados nos
tornaremos com os seus conteúdos. Mas ensinar apenas
não é suficiente. Só nos permite conhecer o conteúdo, não
necessariamente conhecê-lo bem. Para o conhecer bem,
temos que estudar materiais de ensino intensivamente ao
longo do ensino. (Prof. Sun)

Os três elementos referidos pela Prof.a Sun — ensinar, ensinar


ciclo após ciclo e estudar materiais de ensino intensivamente
durante o ensino — também foram mencionados pelos outros
professores. Ensinar e ensinar ciclo após ciclo pode não ser difícil
de perceber, mesmo para pessoas fora da China. Mas podemos
não perceber bem o que estes professores querem dizer com
«estudar materiais de ensino intensivamente [zua- nyan
jiaocai]», um termo que se ouve frequentemente quando falamos
com um professor chinês.
Provavelmente qualquer pessoa que saiba chinês e inglês
traduziria o termo chinês jiaocai por «materiais de ensino»
porque jiao significa literalmente «ensinar» e cai significa
«materiais». Mas eu diria que, de facto, jiaocai é mais o que
«curriculum» significa nos Estados Unidos. Geralmente, quando
os professores chineses se referem a zuanyan jiaocai, o termo
abrange três componentes principais — o Quadro de Referência
do Ensino e Aprendizagem (jiaoxue dagang), manuais escolares
(keben) e manuais do professor [beike fudao cailiao).
O Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem é pu-
blicado pelo Departamento Nacional de Educação. Estipula o que
os alunos devem aprender em cada ano e os padrões para a sua
aprendizagem. É um documento similar em alguns aspectos aos
Padrões para a Matemática Escolar (NCTM, 1989), do Conselho
Nacional de Professores de Matemática (National

226
Council of Teachers of Mathematics — NCTM), ou a documentos
oficiais como o Quadro de Referência de Matemática para as
Escolas Públicas da Califórnia (1985, 1992), do Departamento de
Educação da Califórnia. Na China, os manuais escolares
pretendem interpretar e incorporar o Quadro de Referência do
Ensino e Aprendizagem. O Departamento Nacional de Educação
publicou em tempos um único conjunto de manuais escolares
para todas as escolas públicas. Na última década, têm sido
produzidas várias séries diferentes de manuais escolares, que
interpretam o Quadro de Referência de forma mais adequada às
diferentes situações locais. Contudo, a qualidade dos manuais
escolares continua a ser rigorosamente controlada pelos governos
central e locais e as várias versões são na realidade bastante
similares. Cada conjunto de manuais escolares vem com uma
série de manuais do professor, que disponibilizam aos
professores os fundamentos do conhecimento contido nos
respectivos manuais escolares e trazem sugestões de como os
ensinar. Ambos, manuais escolares e do professor, são
cuidadosamente redigidos por professores experientes e peritos
em curriculum escolar reconhecidos a nível nacional. Tomando a
definição de curriculum de Walker (1990) como «o conteúdo e o
objectivo de um programa educativo em conjunto com a sua
organização» (p. 5), podemos dizer que, em certo sentido, os três
materiais podem ser considerados os componentes que integram
o curriculum nacional da China.
Os professores chineses estudam os três tipos de materiais de
maneiras diferentes. Normalmente, os professores estudam o
Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem durante o
Verão ou antes do começo de um semestre. Quando estudam o
Quadro de Referência, em particular a parte relacionada com o
ano que vão ou estão a ensinar, os professores traçam metas
gerais para o ano escolar e para cada semestre. Os professores
não «negoceiam» com este documento, seguem-no. Eles con-
sideram que uma das suas principais tarefas é ajudar os alunos a
alcançar os padrões de aprendizagem estipulados no Quadro de
Referência.

227
O manual escolar é o material no qual os professores chineses
investem a maior parte do seu tempo, dedicando a maioria dos
seus esforços ao seu «estudo intensivo». Estudam-no
constantemente quando o ensinam ao longo do ano escolar.
Primeiro que tudo, preocupam-se em entender o «que ele é».
Estudam como ele interpreta e ilustra as ideias no Quadro de
Referência do Ensino e Aprendizagem, porque é que os autores
estruturaram o livro de certa forma, quais são as relações entre os
conteúdos, quais são as relações entre os conteúdos de um certo
manual e os seus antecessores ou sucessores, o que é novo num
manual escolar por comparação com uma versão antiga e porque
é que foram feitas alterações, e por aí fora. A um nível mais
detalhado, estudam como cada unidade do manual escolar está
organizada, como o conteúdo é apresentado pelos autores e
porquê. Estudam que exemplos existem numa unidade, porque é
que estes exemplos foram escolhidos e porque é que os exemplos
foram apresentados numa certa ordem. Revêem os exercícios em
cada secção de uma unidade, o objectivo de cada secção de
exercícios e assim por diante. De facto, conduzem uma pesquisa
muito cuidadosa e crítica do manual escolar. Apesar de os
professores normalmente acharem as ideias dos autores
engenhosas e inspiradoras, por vezes também encontram partes
nos manuais escolares que são insatisfatórias na sua perspectiva,
ou fornecem ilustrações inadequadas de ideias do Quadro de
Referência.
Os manuais escolares na China (e nalguns outros países
asiáticos) são bastante diferentes dos manuais nos Estados
Unidos. Stevenson e Stigler (1992) descreveram-nos como:

Volumes separados, raramente contendo mais do que cem


páginas, cobrem o trabalho de cada semestre em cada disciplina. As
capas são atractivas, mas as páginas interiores têm poucas ilustrações
e são dedicadas principalmente ao texto.
As ilustrações representam apenas o ponto central da lição, e existe
muito pouca informação que não seja necessária para o
desenvolvimento dos conceitos em consideração. Os manuais

228
apresentam o essencial da lição, na expectativa de que o professor
venha a trabalhar e a complementar a informação com outros
materiais, (p. 139)

Por exemplo, os dois manuais escolares para os dois semestres


de matemática do terceiro ano têm cada um menos de 120
páginas. Juntos pesam apenas 6 onças (170 g). Os onze tópicos
que cobrem 53 são cuidadosamente organizados, cada um
relacionado com o outro, e «existe muito pouca informação que
não seja necessária para o desenvolvimento dos conceitos em
consideração». Tal estrutura compacta mas rigorosa ajuda os
professores a estudar o conteúdo por completo e a com-
preendê-lo solidamente.
Além de uma cuidada investigação «do que ensinar», os
professores estudam «como o ensinar», ou, usando a sua

53 Os onze tópicos (com subtópicos entre parêntesis) são:


Divisão com divisor de um algarismo (dividir com um divisor de um algarismo, divisão
quando o quociente tem zero no meio ou no final do número, problemas contendo divisão e
multiplicação, revisão).
Problemas com operações combinadas e problemas com palavras (frases com números,
problemas com palavras, revisão).
Ler e escrever números com vários algarismos.
Adição e subtracção com números de vários algarismos (adição com números de vários
algarismos, propriedades comutativa e associativa da adição, subtracção com números de
vários algarismos, relação entre adição e subtracção, como as propriedades comutativa e
associativa podem tomar algumas operações com adição e subtracção mais fáceis, revisão).
Reconhecimento do quilómetro.
Reconhecimento da tonelada, do quilograma e do grama.
Multiplicação com multiplicador de dois algarismos (multiplicar com um multiplicador
de dois algarismos, multiplicação quando o multiplicando e / o u o multiplicador têm zeros
no fim, revisão).
Divisão com divisores de dois algarismos (dividir com um divisor de dois algarismos,
relação entre multiplicação e divisão, revisão).
Problemas com operações combinadas e problemas com palavras (frases com números,
problemas com palavras, revisão).
Ano, mês e dia.
Perímetro de rectângulos e quadrados (rectas e segmentos de recta, ângulos,
características dos rectângulos e quadrados, cálculo do perímetro de rectângulos e
quadrados).
Após os onze tópicos, o manual escolar tem uma «revisão do ano inteiro».

229
linguagem, «como lidar com o material de ensino [chuli jiao-
cai]» 54 . De facto, na investigação «do que o material é», está
sempre implícita e incluída a preocupação de «como o ensinar».
Afinal, um manual escolar é composto com o propósito de ser
ensinado. Indo directos ao problema de «como lidar com o
material de ensino», os professores consideram a melhor forma
de ensinar com o manual escolar — como apresentar a matéria,
explicar um tópico, conceber exercícios apropriados para os
alunos, etc. —, em suma, tal como o Prof. Mao disse, «como
promover o máximo de aprendizagem no mais curto espaço de
tempo, como beneficiar o mais possível todos os alunos numa
turma, tanto os adiantados como os atrasados». No processo de
estudar o que vem no manual e de como lidar com ele, ocorrem
interacções entre «o que ensinar» e «como ensiná-lo». É fácil de
ver que, através de tais interacções, o conhecimento de um
professor sobre a matéria irá desenvolver-se, estimulado pela
preocupação de como ensinar.
Entre os três materiais de ensino anteriormente descritos, os
professores chineses levam menos a sério o manual do professor.
Apesar de muitos professores, particularmente os novos, os
acharem muito úteis para uma exploração do que ensinar e como
ensinar, é normalmente sugerido que um professor não se deve
basear unicamente no referido manual e ser limitado por ele. Na
prática, os manuais do professor são normalmente estudados
como suplementos dos manuais escolares.
Os manuais dos professores não fizeram parte do estudo
descrito neste livro. Contudo, tal como os professores no meu
estudo, usei manuais quando era professora do ensino básico. A
descrição que se segue é baseada nessa experiência.
Os manuais do professor providenciam explicações sobre os
fundamentos matemáticos nos manuais escolares corres-

54 Quando os professores mencionam o chuli jiaocai, referem-se a «lidar com o manual

escolar». Apesar de num sentido lato jiaocai incluir manual escolar, manual do professor e o
Quadro de Referência de Ensino e Aprendizagem, na prática, a maioria das vezes significa
manual escolar.

230
pondentes e sugestões de como ensinar. A introdução de um
típico manual do professor dá uma panorâmica do manual es-
colar: os seus tópicos principais, a fundamentação lógica para a
sua organização, a relação entre os tópicos no manual escolar e os
tópicos dos volumes precedentes e dos que lhe sucedem. O corpo
principal do manual é uma explicitação, secção por secção, de
cada tópico e subtópico do manual escolar. O debate sobre cada
tópico foca estas questões:

Qual é o conceito relacionado com o tópico?


Quais são os pontos difíceis ao ensinar o conceito?
Quais são os pontos importantes ao ensinar o conceito? Quais
são os erros e confusões que os alunos tendem a fazer quando
aprendem este tópico?

Após tratar estas questões, o manual fornece por vezes


sugestões de soluções para problemas pedagógicos. Por exemplo,
aqui fica parte da exposição sobre «O significado e as
propriedades das fracções» do manual do professor para o
manual escolar do quarto ano (Shen & Liang, 1992). Começa:

Primeiro devíamos deixar os alunos compreender o significado


das fracções — «quando um todo ‘Y é dividido em partes iguais, o
número que exprime uma ou mais dessas partes é chamado 'fracção'».
Aqui, os pontos difíceis na aprendizagem dos alunos são
compreender o significado de um todo 'Y e compreender o que é a
unidade fraccionária de uma fracção.
O ponto importante é explicar claramente o conceito de «dividir em partes
iguais», (p. 70)

O manual diz que os professores devem estar cientes da ne-


cessidade de mostrar que o conceito de um todo «1» nem sempre
representa um objecto simples tal como um círculo, um
rectângulo ou uma maçã. Também pode representar um grupo

231
de objectos como uma turma de alunos, um cesto de maçãs ou
uma pilha de livros. O manual continua:

Quando se começa a ensinar o conceito de «dividir em


partes iguais», as formas circulares são os auxiliares de
ensino mais apropriados, porque é mais fácil ver as
relações entre um todo e as suas partes a partir de uma
forma circular igualmente dividida e dos seus sectores.
Depois disso, podem ser usadas outras formas como
auxiliares de ensino, para fortalecer e solidificar o conceito.
Por exemplo, podemos pedir aos alunos para dobrarem
um rectângulo em quatro partes iguais e colorirem um
quarto e três quartos dele, para os ajudar a construir o
conceito de ^ e f. Depois podemos pedir-lhes para cortar o
rectângulo em quartos e colar os quartos no quadro para
ilustrar que 3Á são compostos de três y. A unidade frac-
cionária de ^ é X. Usando a mesma abordagem, podemos
mostrar que j são compostos de quatro ~ — a unidade
frac- cionária de y é y, etc. Desta forma, a dificuldade em
ensinar «unidade fraccionária» estará resolvida, (p. 71)

Após apresentar várias formas que podem ser usadas para


ajudar os alunos a compreender o conceito de unidade frac-
cionária, o livro conclui:

Se os alunos são capazes de examinar o valor de uma


frac- ção e da sua unidade fraccionária, isso quer dizer que
eles têm um entendimento preliminar do significado de
uma fracção.
Os professores podem então dar-lhes algumas formas
geométricas para maior diferenciação. Por exemplo,
podem perguntar aos alunos quais destas formas
sombreadas representam correctamente as fracções por
baixo delas, quais as representam incorrectamente, e
porquê: 55

55 1 i i J- 1
2 5 3 3 2 4

232
Alguns professores experientes disseram que não usavam
frequentemente o manual do professor porque já «sabiam o que
ele contém». Contudo, para professores principiantes e mesmo
para professores experientes que ensinam um dado ano pela
primeira vez, os manuais providenciam um enquadramento para
orientar o pensamento sobre o que irão ensinar e informação que
facilita os primeiros passos de um entendimento mais profundo.
Todos os professores que entrevistei sentiram que «estudar
materiais de ensino de forma minuciosa» era muito importante
para eles:

Estudar materiais de ensino é extremamente


importante. Estudar materiais de ensino é estudar o que
iremos ensinar e como ensiná-lo aos nossos alunos; por
outras palavras, é encontrar ligações entre o conhecimento
e os alunos. Os professores estagiários de escolas normais,
fazendo o seu ensino de estudo comigo, normalmente não
conseguem compreender porque é que passamos tanto
tempo a estudar materiais de ensino e o que podemos
aprender com isso. Para eles, o estudo parece ser
demasiado simples e elementar: há apenas vários
problemas-tipo, um dos quais se pode resolver num
minuto e explicar aos alunos em dois minutos. Mas eu
disse-lhes que, mesmo depois de ensinar há mais de trinta
anos, sempre que estudo um manual escolar vejo algo de
novo. Como inspirar o raciocínio dos alunos, como
explicar de forma mais clara, como despender menos
tempo e deixar os alunos beneficiar mais, como motivar os
alunos a aprender estes tópicos... As respostas para todas
estas questões são apoiadas por uma compreensão
profunda e ampla dos materiais de ensino. E todas as vezes
que os estudamos, ficamos com uma melhor ideia do que
se trata e de como ensiná-lo. Nunca iremos sentir que não

233
temos nada mais a aprender com o estudo dos materiais de
ensino. (Prof. Mao).

234
«Estudar materiais de ensino» ocupa um lugar significativo
no trabalho dos professores chineses. Por vezes é usado como
sinónimo de «planificação de aulas»:

Passo sempre mais tempo a preparar as aulas<do que a


ensinar, por vezes três, até quatro vezes mais. Passo o
tempo a estudar materiais de ensino: O que é que vou
ensinar nesta aula? Como devo abordar o tópico? Que
conceitos ou aptidões aprenderam os alunos que eu deva
desenvolver? Será um elemento-chave sobre o qual outros
elementos de conhecimento se irão construir, ou estará
construído sobre outro conhecimento? Se é um
elemento-chave de conhecimento, como posso eu ensiná-lo
de modo que os alunos o compreendam de forma
suficientemente sólida para apoiar futuras aprendizagens?
Se não é um elemento-chave, qual é o conceito ou
procedimento sobre o qual é construído? Como irei
exteriorizar esse conhecimento e certificar-me de que os
meus alunos estão conscientes dele e da relação entre o
conhecimento antigo e o novo tópico? De que tipo de
revisão necessitarão os meus alunos? Como deverei
apresentar o tópico passo a passo? Como irão os alunos
responder após colocar uma determinada questão? Até
onde deverei explicá-la, e onde deverei parar para que os
alunos aprendam por si próprios? Quais são os tópicos
construídos directa ou indirectamente sobre este tópico
que os alunos irão aprender? Como pode a minha lição
lançar as bases para a aprendizagem do próximo tópico e
dos tópicos relacionados que irão aprender no futuro? O
que espero eu que os alunos adiantados aprendam da
lição? O que espero eu que os alunos atrasados aprendam
da lição? Como posso atingir estes objectivos? Etc. Numa
palavra, uma coisa é estudar quem estamos a ensinar,
outra coisa é estudar o conhecimento que estamos a
ensinar. Se conseguirmos interligar muito bem as duas
coisas, seremos bem-sucedidos. Pensamos sobre estas duas

235
coisas repetidamente quando estudamos materiais de
ensino. Acreditem, parece simples quando falo sobre isso,
mas quando realmente o fazemos, é muito complicado,
subtil e leva muito tempo. É fácil ser um professor do ensino básico,
mas é difícil ser um bom professor do ensino básico. (Prof. Wang)

Das afirmações anteriores podemos ver como as interacções


entre «o que ensinar» e «como ensinar» ocorrem aos professores
antes de eles ensinarem uma lição ou um tópico. Através deste
processo, desenvolvem-se quer o seu conhecimento do que
ensinar quer o de como ensinar.
O entendimento da fundamentação lógica da subtracção com
reagrupamento é um exemplo notável de como os professores
chineses melhoraram o seu conhecimento da matemática escolar
através do estudo daquilo a que chamam «materiais de ensino».
Apesar de termos visto neste estudo que a maioria dos
professores chineses explicava a subtracção com reagrupamento
como «decompor uma unidade de ordem superior», no final da
década de 70 do século passado, a maioria dos professores
chineses usava «emprestar». Durante a sua entrevista sobre
subtracção, uma professora relatou que os pais de alguns dos
seus alunos ainda ensinavam este conceito aos seus filhos.
Contudo, a versão do Quadro de Referência do Ensino e
Aprendizagem e a série de manuais escolares publicados no
início da década de 80 eliminaram o conceito de empréstimo e
substituíram-no pelo conceito de «decompor uma unidade de
ordem superior», e a maioria dos professores usa agora este
último.

Aprender matemática com os colegas

Os professores chineses não estudam os materiais de ensino


apenas a título individual, também os estudam com colegas e há
interacções entre colegas na compreensão da matemática escolar.
Os professores chineses estão organizados em jiaoyanzu ou
«grupos de investigação de ensino» (para mais informação ver

236
Paine & Ma, 1993). Estes grupos, que se encontram normalmente
uma vez por semana durante cerca de uma hora, juntam-se
formalmente para partilharem as suas ideias e reflexões sobre o
ensino. Durante este período de tempo, estudar materiais de
ensino é para eles uma actividade central. Além disso e porque os
professores chineses não têm secretárias próprias numa sala de
aula, partilham um gabinete com os seus colegas, normalmente
com outros membros dos seus grupos de investigação de ensino.
Os professores lêem e corrigem trabalhos dos alunos, preparam
as aulas, têm conversas individuais com alunos e passam o seu
tempo não lectivo nos seus gabinetes. Portanto, têm muitas
interacções informais com colegas de profissão fora das reuniões
formais dos seus grupos de investigação de ensino.
Quando lhe perguntaram se aprendeu alguma matemática
com os colegas, a Prof. Wang referiu-se imediatamente à sua
experiência quando começou a ensinar:

Aprendi imensa matemática com outros professores. Quando


entrei para a escola, o meu mentor foi o Prof. Xie56, um professor de
matemática muito bom que agora está reformado. Eu gostava de ouvir
o Xie e outros professores a discutir como resolver um problema.
Normalmente tinham várias formas de resolver um problema. Ficava
impressionada por usarem ideias aparentemente muito simples para
resolver problemas muito complicados. Foi com eles que comecei a
ver a beleza e o poder da matemática.

De facto, não só os professores jovens aprendem matemática


com os colegas, como também os professores experientes
beneficiam dessa interacção. O Prof. Mao disse:

Os debates com os meus colegas são normalmente muito


como
inspiradores. Especialmente quando partilhamos o modo
cada um de nós lida com certo tópico, concebe exercícios
para a turma, administra o ritmo de ensino, que trabalho

56 Este não era o Prof. Xie que participou no estudo.

237
de casa escolhe e porquê, etc. No meu grupo de
investigação de ensino sou o mais velho e o que ensinou
por mais tempo; contudo, aprendo imenso com os meus
jovens colegas. Eles são normalmente mais flexíveis do que
eu nas formas de resolver os problemas. Por exemplo,
Jianqiang é um jovem professor, que ensina há apenas três
anos. Frequentemente resolve os problemas de uma forma
própria, engenhosa e muito motivadora. Pessoas mais
velhas têm uma experiência mais rica, mas normalmente
temos uma forma fixa de resolver um problema. A forma
como o ensinei antes pode limitar o meu raciocínio. Mas os
jovens não têm caminhos tão rígidos. Têm tendência para
pensar a várias dimensões, portanto podemos
estimular-nos uns aos outros.

A Prof.a Sun ensinou em duas escolas. Pedi-lhe para comparar


a relação entre colegas nas duas escolas:

Vim para esta escola há três anos, quando voltei para


Xangai. Antes disso ensinei numa escola no concelho de
Jianding, província de Zhejiang. Também aí tínhamos
relações muito próximas no nosso grupo de investigação
de ensino. Penso que um grupo assim é sempre útil porque
precisamos de ser estimulados por alguém quando
tentamos ter uma melhor compreensão de alguma coisa.
Os modos como outros professores interpretam o Quadro
de Referência do Ensino e Aprendizagem, como os colegas
entendem um determinado tópico que vamos ensinar, e
como o vão ensinar, etc., são sempre inspiradores. Mais
ainda, partilhar as nossas ideias com outros força-nos a
torná-las mais claras e explícitas. Eu sinto sempre que as
minhas ideias nunca se teriam desenvolvido o suficiente se
não as tivesse partilhado com os meus colegas.

De facto, tal como sugerido pela Prof. Sun, aprender algo


específico com um colega é apenas um dos benefícios da

238
relação entre colegas. Outro, partilhar ideias com colegas, au-
menta a motivação pessoal para estudar e tornar as ideias mais
claras e explícitas. Além disso, o debate em grupo é um contexto
onde facilmente se fica motivado. As interacções entre «o que
ensinar» e «como ensinar» parecem fornecer o impulso para o
crescimento do conhecimento da matemática escolar dos
professores chineses, enquanto a relação entre colegas reúne
ímpeto para o processo.

Aprender matemática com os alunos

Eu não esperava que os professores me dissessem que tinham


aprendido matemática com os seus alunos, mas disseram. O
exemplo mais impressionante foi dado pelo Prof. Mao:

Um bom professor pode aprender com os seus alunos para se


enriquecer. Por vezes um aluno resolve um problema de uma forma
em que eu nunca tinha pensado, ainda que tenha ensinado na escola
do ensino básico por várias décadas. Posso contar-vos algo que
aconteceu apenas há alguns dias. Estávamos na «unidade do
triângulo» e pedi à minha turma para tentar calcular a área da
seguinte figura:

A maioria dos alunos pensou que era impossível resolver este


problema, uma vez que nenhuma das alturas dos triângulos era
conhecida. Normalmente ensino isto referindo-me à fórmula para
calcular a área de um triângulo e à propriedade

239
distributiva. Digo normalmente aos alunos: «Olhem, esta
figura, de cima para baixo, consiste em dois triângulos.
Existe algo em comum entre estes dois triângulos. O que
é?» Os alunos iriam descobrir que os dois triângulos
partilham uma base comum. Então, da esquerda para a
direita, a figura consiste também em dois triângulos que
também partilham uma base comum. «Comecemos pelos
triângulos de cima e de baixo. Uma vez que aprendemos
como usar uma letra para representar um número, porque
não tentamos usar letras para representar as alturas
desconhecidas? Se escrevermos a altura desconhecida
deste triângulo de cima como h\, como podemos
representar a altura do triângulo de baixo? J12. Ok, então
como podemos escrever a fórmula para as suas áreas? Um
aluno diria que para a área do triângulo de cima teríamos
25 x h\: 2 e para o triângulo de baixo 25 x /z2: 2. Portanto a
área de toda a figura seria 25 x h\: 2 + 25 x hi: 2. Uma vez
que aprendemos a propriedade distributiva, sabemos que
o factor comum 25 pode ser posto em evidência e o divisor
2 também. Portanto podemos reorganizar o problema
desta forma:

25 x Jz, ; 2 + 25 x hi: 2 = 25 x (h, + h2): 2

Este passo seria uma revelação para os alunos. Sabemos


o que é hi + fa! E 24 cm! E o problema estaria resolvido.
Mas desta vez, antes da minha explicação, um dos alunos
levantou a mão e disse que sabia resolver o problema.
Disse: «Vou desenhar um rectângulo à volta da figura.

240
O comprimento do rectângulo é 25 cm e a largura 24 cm.
A sua área é 25 x 24. A nossa figura original no meio do
rectângulo é exactamente metade do rectângulo. Por isso,
divido 25 x 24 por 2 e saberei a área da figura.» Como
podem ver, a sua forma de resolver era bem mais simples
do que a minha.
Eu nunca tinha pensado nesta solução inteligente! Mas
percebi a sua ideia imediatamente. A maioria dos alunos
continuava intrigada. Precisava de os ajudar a
compreender como e porque é que esta forma de resolver
funcionava. Disse à turma: «Esta é uma boa ideia. Por
favor, olhem, quantos rec- tângulos pequenos existem
neste rectângulo grande?» «Quatro.» «Ok.» Apontei para
um desses rectângulos pequenos e perguntei: «O que é
esta linha neste rectângulo?» «Linha diagonal.» «E quanto
à área dos dois triângulos pequenos separados pela linha
diagonal?» «Têm a mesma área.» Depois os alunos
depressa descobriram que cada rectângulo pequeno estava
dividido em duas partes. Nós tínhamos encontrado quatro
partes dentro e quatro partes fora; as quatro de dentro, que
formavam a figura original, eram da mesma área das
quatro de fora. Portanto, a área da nossa figura original era
exactamente metade da do rectângulo grande...
Mas, para conseguirmos agarrar novas ideias dos
alunos como esta na sala de aula, temos que ter uma boa
compreensão da matemática. Temos que as agarrar no
momento, com toda a turma a aguardar a nossa
orientação.

241
A Prof. Wang também mencionou que tinha aprendido com
os seus alunos e disse que estava convencida que alguns alunos
adiantados eram mais conhecedores do que ela, quando começou
a ensinar. A Prof. Sun descreveu o que aprendeu com os alunos
dos primeiros anos:

Os alunos são bastante criativos. Eles têm-me ensinado


muito. Eu costumava ensinar anos mais avançados noutra
escola. Nesta escola quiseram que ensinasse os primeiros
anos.
Os pequenos têm-me surpreendido tantas vezes! Por exem-

242
pio, nunca tinha pensado que o problema da subtracção com
decomposição acerca do qual me entrevistou, podia ser resolvido de
tantas maneiras diferentes. Foram os meus alunos que propuseram as
soluções não usuais. De facto, as propostas deles aprofundaram a
minha compreensão do algoritmo.

As explicações destes professores acerca de como tinham


aprendido com os seus alunos lembraram-me uma conversa que
tive com outra professora há muitos anos. Ela disse:

Em termos de resolver problemas matemáticos, alguns dos meus


alunos são ainda mais capazes do que eu. Alguns problemas na
competição de matemática do distrito escolar são complicados de
mais para mim. Mas alguns estudantes da minha aula conseguem-no.
Estou contente por os meus alunos conseguirem ir além de mim. Mas
também sei que fui eu, o meu ensino, que lhes deu poder.

Penso que ela está certa. Alunos criativos são encorajados


num contexto de ensino e aprendizagem criativos. De facto, é um
professor que cria tal contexto, que prepara os alunos para se
tornarem professores do seu professor.

Aprender matemática fazendo matemática

Fazer matemática era um tópico importante para estes pro-


fessores chineses. «Resolver um problema de várias formas [yiti
duojie]» parecia ser para eles um importante indicador de
capacidade para a matemática. Os professores disseram-me que
era uma maneira de se aperfeiçoarem. A Prof.a Wang disse que
era uma das principais vias de aperfeiçoamento do seu co-
nhecimento matemático:

O meu conhecimento de matemática aperfeiçoou-se subs-


tancialmente depois de me ter tornado professora. Quando

243
vim pela primeira vez para esta escola em 1980, tinha
muito pouco conhecimento de matemática elementar, pois
fizera a minha própria escola básica e secundária durante a
Revolução Cultural, quando as escolas não ensinavam
seriamente os alunos. A princípio era ajudante do Prof. Xie
na sua turma do sexto ano. O meu trabalho era corrigir os
trabalhos de casa dos alunos e ajudar os alunos mais
atrasados. Nessa altura senti que muitos alunos na turma
de Xie eram mais espertos do que eu. Fiquei surpreendida
quando vi quão capazes eram os alunos mais rápidos a
resolver problemas complicados. Eu não conseguia fazê-lo
de todo. No ano seguinte fui destacada para ensinar o
terceiro ano. Depois segundo, depois terceiro, e depois
terceiro, terceiro, quarto, quinto, sexto. Em anos recentes
tenho ensinado os anos mais avançados. Uma das
maneiras como tenho aperfeiçoado o meu conhecimento
matemático é resolvendo problemas matemáticos fazendo
matemática. As formas inteligentes como professores
experientes como Xie, Pan e Mao, e mesmo os alunos mais
adiantados, resolviam problemas matemáticos
impressionavam-me mesmo. Para me aperfeiçoar a mim
própria, primeiro que tudo fiz com antecedência todos os
problemas que iria pedir aos meus alunos para resolver.
Depois estudei como explicar e analisar os problemas com
as crianças. Para fazer mais problemas matemáticos
procurei livros de colecções de problemas matemáticos e
resolvi os problemas destes livros. Não sei quantos
problemas matemáticos fiz após me tornar professora,
muitos, muitos, já perdi a conta. Actualmente estou a
estudar uma colecção de problemas de competições
matemáticas. São problemas mais complicados do que
aqueles que ensinamos na escola, mas sinto que melhoro
quando os estudo. Partilho a forma como resolvo
problemas difíceis com outros professores, normalmente
com Jianqiang. Ele também gosta de resolver problemas
complicados de matemática. Gostamos de discutir várias
formas de os resolver.

244
«Fazer matemática» é a actividade principal dos matemáticos.
Lange (1964) escreveu:

A maioria dos membros da comunidade matemática — notável


comunidade a nível mundial, possuindo uma universalidade
incomum noutras áreas do empreendimento humano — prefeririam
fazer matemática, sem se preocuparem excessivamente com a questão
do que é que estão a fazer. (p. 51)

Enquanto os matemáticos podem não se preocupar «exces-


sivamente com a questão do que é que estão a fazer», os pro-
fessores que ensinam matemática não podem ignorar a questão
do que é que estão a ensinar. Contudo, um professor de
matemática deveria manter também o seu entusiasmo por fazer
matemática. Tudo indica que um professor de matemática deve
tomar em consideração os dois interesses: fazer matemática, bem
como tornar claro o que está a fazer ou a ensinar. Através desta
interacção, desenvolve-se o conhecimento da matéria por parte
de um professor.
Nas explicações dos três professores sobre como desenvol-
veram a sua compreensão da matemática escolar, vemos um
processo com uma série de interacções: entre considerações do
que se devia ensinar e de como ensiná-lo; entre colegas; entre
professores e estudantes; e entre o interesse de cada um na ma-
temática como professor e como leigo ou matemático. Ainda que
todas estas interacções contribuam para o desenvolvimento e a
construção do conhecimento da matéria por parte de um
professor, a interacção entre a consideração do que ensinar e de
como o ensinar parece ser o «eixo» que faz girar a «roda»,
enquanto a relação entre professores actua como os «raios» que
ligam todas as peças.
O conhecimento da matéria de matemática por parte de um
professor, desenvolvido com a preocupação de ensinar e
aprender, será relevante para ensinar e é provável que seja usado
no ensino. Por outras palavras, os professores chineses
desenvolvem e aprofundam o seu conhecimento de matemá-

245
tica elementar, preparando-se para as aulas, ensinando a matéria
e reflectindo sobre o processo. Portanto, o que eles aprendem irá
contribuir para e será usado nesse ensino.

SUMÁRIO

Neste capítulo foram discutidos os resultados de dois breves


estudos que investigaram quando e como a CPMF é atingida. De
modo a saber quando um professor pode atingir a CPMF,
entrevistei dois grupos chineses de não-professores, alunos do
nono ano e recém-formados, colocando-lhes as mesmas questões
que havia colocado aos professores que tinha entrevistado
anteriormente. Ambos os grupos mostraram compreensão
conceptual e competência algorítmica. Ao contrário das
respostas dos alunos do nono ano, as respostas dos
recém-formados aos quatro cenários apresentaram uma preo-
cupação por ensinar e aprender. Nenhuma das respostas ma-
nifestou CPMF: não houve explicações sobre ligações entre
tópicos matemáticos, soluções múltiplas para um problema,
princípios básicos da matemática ou coerência longitudinal.
Todos os membros dos dois grupos de futuros professores
chineses manifestaram maior entendimento conceptual que os
professores americanos; por exemplo, todos mostraram uma
compreensão da fundamentação lógica para a multiplicação com
números de vários algarismos. Os grupos de futuros professores
chineses também mostraram maior conhecimento
procedimental: todos fizeram os cálculos correctamente (com a
excepção de um erro menor) e todos sabiam as fórmulas para o
cálculo da área e do perímetro de um rectângulo. 85% dos
recém-formados, mas apenas 40% dos alunos do nono ano,
criaram uma história-problema que representava correctamente
o significado da divisão por fracções. 58% dos recém-formados e
60% dos alunos do nono ano chegaram a uma solução correcta
nas suas explicações sobre a relação entre a área e o perímetro de
um rectângulo. Em comparação, 43% dos

246
professores americanos foram bem-sucedidos no cálculo da di-
visão por fracções, mas apenas um deles (4%) criou uma his-
tória-problema que representava correctamente o significado da
divisão por fracções. Apenas um dos professores americanos
alcançou uma solução correcta ao expor a relação entre a área e o
perímetro de um rectângulo e 17% disseram que não sabiam as
fórmulas para calcular a área e o perímetro.
O segundo estudo investigou como os professores chineses
atingiram a CPMF. Entrevistei três professores com CPMF,
perguntando-lhes como tinham adquirido o seu conhecimento
matemático. Os professores mencionaram vários factores:
aprender com os colegas, aprender matemática com os alunos,
aprender matemática resolvendo problemas, ensinar, ensinar a
todos os ciclos de uma ponta à outra e estudar materiais de
ensino de forma exaustiva.
Durante os Verões e no início do período escolar, os pro-
fessores chineses estudam o Quadro de Referência de Ensino e
Aprendizagem, um documento com algumas semelhanças com
os Padrões para a Matemática Escolar (NCTM, 1989), do
Conselho Nacional de Professores de Matemática (National
Council of Teachers of Mathematics — NCTM), ou com do-
cumentos oficiais como o Quadro de Referência de Matemática
para as Escolas Públicas da Califórnia (1985,1992), do De-
partamento de Educação da Califórnia. O material mais
estudado é o manual escolar. Os professores estudam-no e dis-
cutem-no durante o ano escolar enquanto o ensinam. Compa-
rativamente, dedicam pouco tempo a estudar o manual do
professor, ainda que os professores novos o considerem útil.
Os dois estudos sugeriram que, apesar de a sua escolaridade
lhes fornecer uma base sólida, os professores chineses
desenvolvem CPMF durante as suas carreiras de ensino — es-
timulados por uma preocupação sobre o que ensinar e como o
ensinar, incentivados e apoiados pelos seus colegas e materiais
de ensino.

247
7
Conclusão

Tal como disse no início deste livro, a motivação inicial para o


meu estudo era explorar algumas causas possíveis dos re-
sultados insatisfatórios em matemática dos alunos nos Estados
Unidos, quando comparados com os resultados dos seus colegas
em alguns países asiáticos. Para concluir, gostava de voltar à
minha preocupação original acerca da educação matemática das
crianças nos Estados Unidos. Tendo analisado em profundidade
o conhecimento dos professores em matemática escolar, sugiro
que, para melhorar a educação matemática dos alunos, uma
acção importante é melhorar a qualidade desse conhecimento.
Apesar de a intenção do meu estudo não ter sido a avaliação
do conhecimento matemático dos professores americanos e
chineses, ele revelou algumas diferenças importantes no res-
pectivo conhecimento de matemática escolar. Não deve ter sido
por acaso que nem um só professor do grupo de professores
americanos acima da média tenha revelado uma compreensão
profunda da matemática elementar. De facto, o hiato de
conhecimento entre professores americanos e chineses é paralelo
ao hiato de aprendizagem entre alunos americanos e chineses
revelado por outros estudiosos (Stevenson et ah, 1990; Stevenson
& Stigler, 1992). Dado que o paralelo dos dois hiatos não é mera
coincidência, segue-se que, se quisermos

248
trabalhar no aperfeiçoamento da educação matemática dos
alunos, também precisaremos de aperfeiçoar o conhecimento dos
seus professores em matemática escolar. Tal como indicado na
introdução, a qualidade do conhecimento da matéria pelo
professor afecta directamente a aprendizagem dos alunos — e
pode ser imediatamente alvo de intervenção.
O conhecimento dos professores sobre a matéria desen-
volve-se num processo cíclico ilustrado na Fig. 7.1.

Fig. 7.1. Três fases durante as quais o conhecimento dos professores


desenvolve

A Fig. 7.1 ilustra três períodos durante os quais o conheci-


mento da matéria de matemática escolar por parte dos profes-
sores pode ser incentivado. Na China, a espiral é ascendente. Os
professores atingem competência matemática quando são ainda
estudantes. Durante os programas de formação para o ensino, as
suas competências matemáticas começam a estar ligadas a uma
preocupação acerca de ensinar e aprender matemática escolar.
Finalmente, durante as suas carreiras de professores, à medida
que transmitem aos alunos competência matemática,
desenvolvem um conhecimento da matéria que, na sua forma
mais elevada, designei por CPMF.
Infelizmente, não é este o caso dos Estados Unidos. Tudo
indica que a baixa qualidade da educação matemática escolar e a
baixa qualidade do conhecimento dos professores em
matemática escolar se reforçam mutuamente. É pouco provável

249
que os professores que não adquirem competência matemática
durante os seus estudos tenham outra oportunidade de a
adquirir. O estudo NCRTE (1991) dos programas de formação de
professores indica que a maioria dos programas de preparação
dos professores americanos se concentram em como ensinar
matemática em vez de focarem a matemática propriamente dita.
Após a preparação para o ensino, espera-se que os professores
saibam como e o que irão ensinar, sem requerer mais estudo
(Schifter, 1996a). Esta suposição reflecte-se na estrutura
educacional americana: a Comissão Nacional para o Ensino e o
Futuro da América (1997) não encontrou qualquer sistema em
funcionamento para assegurar que os professores têm acesso ao
conhecimento de que precisam. Esta lacuna pode ser um
importante obstáculo à reforma. Em 1996, após dois anos de
estudo intensivo, a comissão concluiu que «a maioria das escolas
e dos professores não pode alcançar os objectives estabelecidos
pelos novos padrões educacionais, não porque não tenham
vontade, mas porque não sabem como, e os sistemas em que
trabalham não os apoiam a fazê-lo» (p. 1).
Reflectindo sobre a educação matemática dos chineses, po-
demos constatar que a espiral ascendente não está lá por acaso,
mas porque é cultivada e apoiada pela robustez da substância
matemática escolar na China. Se a disciplina que eles ensinam
não tivesse profundidade e alcance, como poderiam os profes-
sores chineses desenvolver uma profunda compreensão a seu
respeito? De facto, pode existir outra espiral ascendente na
China — entre matemática elementar essencial e educação ma-
temática sólida, o que contrasta com os prolongados baixos
níveis nos Estados Unidos, onde uma matemática elementar
inadequada («capacidades básicas», «aritmética de balconista»)
reforça e é reforçada por uma educação matemática insa-
tisfatória. Nos Estados Unidos é largamente aceite que a
matemática elementar é «básica», superficial e facilmente com-
preendida. A informação neste livro desmascara este mito. A
matemática elementar não é de todo superficial, e quem quer

250
que seja que a ensine tem que a estudar de forma a entendê-la de
uma forma ampla57.
Como pode este círculo vicioso — entre aprendizagem
insatisfatória dos alunos e conhecimento inadequado dos pro-
fessores, entre educação matemática insatisfatória e matemática
elementar inadequada — ser quebrado? Como podem os
objectivos da reforma ser atingidos? Concluo com algumas re-
comendações.

CONSIDERAR SIMULTANEAMENTE O CONHECIMENTO DOS


PROFESSORES E A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

Primeiro que tudo, gostaria de afirmar que, apesar de consi-


derar que o hiato no conhecimento dos professores é um factor
do hiato na aprendizagem dos alunos, não olho para um aper-
feiçoamento do conhecimento dos professores como necessa-
riamente precedente do aperfeiçoamento da aprendizagem dos
alunos. Antes acredito que ambos deviam ser considerados si-
multaneamente, e que o trabalho em cada um devia apoiar o
trabalho no outro. Porque são processos interdependentes, não
podemos esperar que aperfeiçoar primeiro o conhecimento ma-
temático dos professores tenha como consequência aperfeiçoar
automaticamente a educação matemática dos alunos.
Conforme vimos no capítulo anterior, o conhecimento da
matéria de matemática escolar por parte dos professores é um
produto da interacção entre a competência matemática e a
preocupação de ensinar e aprender matemática. A qualidade da
interacção depende da qualidade de cada componente. Visto
que a escolaridade não providencia ainda aos futuros
professores uma competência matemática forte, a base para
desenvolver conhecimento para ensinar fica enfraquecida. Como
a minha informação mostra, o grupo de alunos chineses do nono
ano era mais

57 Outros eruditos, tal como Bali (1988d), também revelaram a falsidade da as- pretensão

de que a matemática elementar é comummente compreendida.


251
competente em matemática elementar do que o grupo de profes-
sores americanos, e além disso mostrou maior entendimento
conceptual. Isto sugere que, apesar de os professores chineses
desenvolverem CPMF durante as suas carreiras de ensino, a sua
escolaridade fornece uma base sólida para esta. Os candidatos a
professores nos Estados Unidos não terão esta base sólida se a
aprendizagem dos alunos não for tomada em consideração.
A segunda razão pela qual o aperfeiçoamento do conheci-
mento da matéria de matemática por parte dos professores não
pode ser isolado da melhoria do ensino da matemática escolar é
que, como revelei, a actividade docente é o período-chave
durante o qual os professores chineses desenvolvem um co-
nhecimento dessa matéria — dado que têm motivação para
aperfeiçoar o seu ensino e oportunidade para o fazer. Se isto é
verdade, é utópico esperar que o conhecimento da matéria de
matemática escolar pelos professores americanos seja aperfei-
çoado antes de a educação matemática na escola ser aperfei-
çoada. Aperfeiçoar o conhecimento da matéria por parte dos
professores e aperfeiçoar a educação matemática dos alunos são
assim processos interligados e interdependentes que têm de
ocorrer simultaneamente. O que é necessário, então, é um
contexto de ensino no qual seja possível aos professores aper-
feiçoar o seu conhecimento de matemática escolar, à medida que
trabalham para aperfeiçoar o seu ensino da matemática.

REALÇAR A INTERACÇÃO ENTRE O ESTUDO DA


MATEMÁTICA ESCOLAR PELOS PROFESSORES E O
MODO DE A ENSINAR

Mostrei que o período-chave durante o qual os professores


chineses desenvolvem a sua profunda compreensão da mate-
mática escolar é quando estão a ensiná-la. Contudo, esta desco-
berta pode não se aplicar aos professores nos Estados Unidos.
Em termos do conhecimento da matéria, os professores ameri-
canos experientes neste estudo não actuaram melhor que os seus

252
colegas em início de carreira. Esta descoberta está de acordo com
a do Centro Nacional de Investigação sobre a Formação de Pro-
fessores (1991). A questão então é: porque é que ensinar mate-
mática neste país não produz CPMF entre os professores?
Tenho observado que ao ensino da matemática nos Estados
Unidos falta uma interacção entre o estudo da matemática en-
sinada e o estudo de como ensiná-la. Vários factores impedem os
professores de estudar cuidadosamente a matemática escolar que
ensinam. Um é a pretensão que já discuti — que a matemática
elementar é «básica», superficial e comummente compreendida.
Outra pretensão — que os professores não precisam de estudar
mais a matéria que ensinam — também impede os professores de
voltarem a estudar a matemática escolar. Schifter escreveu:

A noção de que pode e deve esperar-se que mesmo os professores


experientes continuem a aprender nas suas aulas contrasta vivamente
com a tradicional pretensão de que tornar-se professor marca uma
etapa final na aprendizagem. Não é grande exagero dizer que, de
acordo com as convenções da cultura escolar, os professores, por
definição, já sabem — sabem o conteúdo que vão ensinar, a sequência
das lições que devem seguir para o ensinar e as técnicas para impor
ordem numa sala cheia de alunos. (1996a, p. 163)

Mesmo que os professores tivessem tempo e inclinação para


estudar matemática escolar, o que iriam eles estudar? Bali (1996)
escreveu: «não é claro que a maioria dos que desenvolvem os
curricula tenham a aprendizagem dos professores como um
objectivo». H. Burkhardt (comunicação pessoal, 11 de Maio, 1998)
disse: «os profissionais do desenvolvimento curricular, embora
advoguem uma abordagem construtivista para as crianças,
apenas permitem que os professores aprendam gradualmente de
uma forma intuitiva».
Os manuais escolares fornecem pouca orientação aos pro-
fessores (Armstrong & Bezuk, 1995; Schmidt, 1996, p. 194),

253
possivelmente porque não se espera que eles os leiam. Burkhardt
(comunicação pessoal, 11 Maio, 1998) disse:

Os manuais escolares de matemática fornecem um guião (com


encenação) para o professor usar, ao explicar o tópico e orientar a
lição; dos alunos espera-se apenas que leiam e façam os exercícios no
final de cada capítulo. Ninguém lê «os guias do professor», excepto
em cursos de mestrado.

Apesar de os resultados do Terceiro Estudo Internacional de


Matemática e Ciência indicarem que as aulas de matemática
elementar nos Estados Unidos tendem a ser baseadas nos ma-
nuais escolares (Schmidt, 1996, p.104), pouca investigação foca
exactamente o modo como os professores usam os manuais es-
colares (Freeman & Porter, 1989, pp. 67-88; Sosniak & Sto-
dolsky, 1993). Esta investigação indica que pode haver grandes
variações na selecção dos tópicos, ênfase de conteúdos e se-
quência de ensino por parte dos professores. Os manuais es-
colares raramente são seguidos do princípio ao fim (Schmidt,
McKnight, & Raizen, 1997). Estudos de caso sugerem que o co-
nhecimento dos professores representa um importante papel na
maneira como os conteúdos dos manuais escolares são es-
colhidos e interpretados (Putman, Heaton, Prawat, & Remil-
lard, 1992). Mesmo o ensino de um tópico pode ter grandes
variações: como vimos nos primeiros três capítulos deste livro,
professores diferentes podem explicar o mesmo tópico de for-
mas bem diferentes.
Na China, ensinar uma disciplina é considerado semelhante a
actuar numa peça. Apesar de um actor ter que saber muito bem
o seu papel e poder interpretá-lo de uma forma original, não é
admissível que ele escreva (ou reescreva) a peça. Com efeito,
uma peça bem escrita não irá cercear a actuação ou a
criatividade do actor, mas irá antes estimulá-la e inspirá-la.
O mesmo pode ser verdade para os professores. Ensinar pode
ser uma actividade socialmente cooperativa. Precisamos tanto
de bons actores como de bons dramaturgos. Um manual

254
escolar composto de uma forma atenta e cuidadosa encerra em si
mesmo sabedoria sobre o curriculum, com a qual os professores
podem «falar» e que os pode inspirar e elucidar. Na China, os
manuais escolares são concebidos não apenas para os alunos,
mas também para a aprendizagem dos professores sobre a
matemática que estão a ensinar. Os professores estudam os
manuais escolares muito cuidadosamente: pesquisam-nos
individualmente e em grupos, conversam sobre o seu
significado, fazem os problemas em conjunto e têm conversas
sobre eles. Os manuais do professor fornecem informação acerca
de conteúdo e pedagogia, pensamento dos alunos e coerência
longitudinal.
O tempo é aqui uma questão importante. Se, no seu muito
limitado tempo fora das salas de aula, os professores têm que
descobrir o que ensinar por si próprios e decidir como o ensinar,
que tempo lhes resta para estudarem cuidadosamente o que irão
ensinar? Os professores americanos têm menos tempo de
trabalho fora das salas de aula do que os professores chineses
(McKnight e tal., 1987; Stigler & Stevenson, 1991), mas precisam
de fazer muito mais neste tempo limitado. O que se espera que os
professores americanos alcancem é, então, impossível. Está claro
que eles não têm tempo suficiente nem apoio apropriado para
pensar do princípio ao fim, exaustivamente, sobre o que vão
ensinar. E sem uma ideia clara do que ensinar, como podem
determinar como o ensinar de uma forma reflectida?

CENTRARMO-NOS DE NOVO NA PREPARAÇÃO


DOS PROFESSORES

Eu insisto que a formação dos professores é um período es-


trategicamente crítico durante o qual pode ser feita a mudança,
em concordância com o que o relatório da Conferência sobre a
Preparação Matemática dos Professores da Escola Básica sugere:
Faz sentido atacar o problema da educação matemática escolar
elementar ao nível da faculdade. Todos os professores vão para a

255
universidade — é onde eles esperam aprender a ensinar. Mais ainda,
a tarefa é passível de ser gerida ao nível universitário... apenas cerca
de mil escolas universitárias formam professores. (Cipra, 1992, P. 5)

Apesar de a informação em meu poder não mostrar que os


professores chineses desenvolvem a CPMF durante a sua pre-
paração, isto não quer dizer que deva ser minimizado o papel da
preparação do professor no aperfeiçoamento do conhecimento
da matemática elementar. Pelo contrário, no círculo vicioso
formado por educação matemática e conhecimento da
matemática elementar por parte dos professores, ambos de baixa
qualidade — uma terceira parte —, a preparação dos professores
pode ajudar a quebrar o círculo.
Centrarmo-nos na preparação dos professores, contudo, cria
outra tarefa importante para a investigação educacional —
reconstruir uma matemática escolar sólida e substancial para
professores e alunos aprenderem. O que devíamos fazer era
reconstruir uma matemática escolar substancial com um
entendimento mais amplo da relação entre matemática fun-
damental e novos ramos avançados da disciplina. Reconstruir
uma matemática escolar sólida para hoje é uma tarefa para os
investigadores de educação matemática. De facto, a menos que
tal matemática escolar seja desenvolvida, o reforço mútuo de
conteúdos e ensino de baixos níveis não será corrigido.

ENTENDER O PAPEL QUE OS MATERIAIS CURRICULARES,


INCLUINDO OS MANUAIS ESCOLARES, PODEM
DESEMPENHAR NA REFORMA

À semelhança dos manuais escolares, documentos de reforma


como o Quadro de Referência de Matemática para as Escolas
Públicas da Califórnia (1985) e os Padrões para a
Matemática Escolar (1989) do Conselho Nacional de Professores
de Matemática (National Council of Teachers of Mathematics —
NCTM) prestam-se a múltiplas interpretações (Putman et al.,

256
1992), que dependem do conhecimento e das crenças do leitor
acerca da matemática, do ensino e da aprendizagem.
Os Padrões Profissionais para o Ensino da Matemática
(NCTM, 1991, p. 32) referem que «os manuais escolares podem
ser recursos úteis para os professores, mas os professores tam-
bém devem ter liberdade para adaptarem os textos ou desvia-
rem-se deles, se as ideias e conjecturas dos alunos ajudarem a
definir a rota dos professores pelo conteúdo». Ferruci (1997) fez
notar que descontinuar o uso de manuais escolares pode ser visto
como sendo consistente com esta afirmação. Outros caracterizam
os professores reformistas como os que «usam o manual escolar
como um complemento do curriculum» para trabalho de casa,
prática e revisão; ao invés, os professores tradicionais dependem
do texto para orientar o âmbito e a sequência do curriculum
(Kroll & Black, 1993, p. 431).
Por causa do descontentamento com os manuais escolares
(Bali, 1993b; Heaton, 1992; Schifter, 1996b) ou porque eram en-
corajados a fazê-lo nos programas de formação (Bali & Feiman-
Nemser, 1988), alguns professores adeptos da reforma
organizam independentemente os seus próprios curricula, ela-
boram os seus próprios materiais e implementam as lições que
projectaram (Heaton, 1992; Shimahara & Sakai, 1995; Stigker,
Fernandez, & Yoshida, 199b, p. 216; para narrativas de profes-
sores do Programa de Verão de Matemática, ver Schifter, 1996c,
1996d). Bali e Cohen (1996) escreveram:

Os formadores menosprezam frequentemente os manuais


escolares, e muitos professores reformistas repudiam-nos,
anunciando desdenhosamente que não usam textos. Esta idealização
de autonomia profissional leva à visão de que bons professores não
seguem manuais escolares, mas que em vez disso fazem o seu próprio
curriculum.... Esta hostilidade em relação

257
aos textos, juntamente com a imagem idealizada do profissional
individual, têm inibido uma consideração cuidadosa do papel
construtivo que o curriculum pode desempenhar, (p. 6)

Não é necessário que os professores tenham uma relação an-


tagónica com os manuais escolares. A informação em meu poder
ilustra como os professores tanto podem usar como ir além do
manual escolar. Por exemplo, as bases de conhecimento dos
professores chineses são consistentes com o curriculum nacional.
Mas a ideia do aluno que o Prof. Mao «agarrou» (capítulo 6) e os
métodos não usuais da subtracção com rea- grupamento,
multiplicação com números de vários algarismos e divisão por
fracções descritos pelos professores chineses não estavam no
manual escolar.
Os manuais do professor podem explicar as intenções e ra-
zões dos profissionais de desenvolvimento curricular relati-
vamente às formas como os tópicos são seleccionados e
sequenciados. Os manuais podem também fornecer informação
muito específica sobre a natureza das respostas dos alunos a
actividades específicas (Magidson, Abril de 1994; Stigler,
Fernandez, & Yoshida, 1996), que pode apoiar os professores
centrados no pensamento dos alunos. Contudo, tal informação
pode ser inútil se os professores não reconhecerem o seu
significado ou não tiverem tempo e energia para efectuar um
estudo cuidadoso dos manuais. (Magidson, 1994 Abril)

COMPREENDER A CHAVE PARA A REFORMA:


INDEPENDENTEMENTE DA SUA FORMA, AS INTERACÇÕES NA
SALA DE AULA DEVEM CENTRAR-SE NA MATEMÁTICA
SUBSTANTIVA

Tal como o uso de manuais escolares, o tipo de ensino ad-


vogado pelos documentos de reforma está sujeito a várias in-
terpretações. Por exemplo, Putman e os seus colegas (1992)
entrevistaram professores da Califórnia e formadores de

258
matemática do estado. Alguns achavam que o foco principal do
quadro de referência de 1985, acima citado, era o que ensinar —
«conteúdo matemático importante»; outros que era como ensinar
— «um apelo ao uso de materiais manipuláveis e grupos
cooperativos» (p. 214). Durante 1992 e 1993, o Projecto de
Reconhecimento e Registo da Reforma em Educação Matemática
estudou escolas em todos os Estados Unidos. Fer- rini-Mundi e
Johnson (1994), membros do projecto, notaram que esforços
superficiais podem passar por mudança. «Salas de aula de
matemática podem aparentar ser muito orientadas por
competências, com máquinas calculadoras em evidência, alunos
trabalhando em grupo, materiais manipuláveis disponíveis e
problemas interessantes em discussão» (p. 191), mas os
investigadores precisam de uma compreensão mais profunda do
que está a acontecer nestas salas de aula.
Esta dicotomia é avivada quando consideramos as salas de
aula dos professores chineses. Por um lado, o ensino da mate-
mática nas salas de aula chinesas, mesmo por um professor com
CPMF, parece bastante «tradicional», isto é, contrário ao
defendido pela reforma. O ensino da matemática na China é
claramente baseado no manual escolar. Nas salas de aula chi-
nesas, os alunos sentam-se em filas de frente para o professor, que
é obviamente o líder, o autor da agenda e o orientador da
aprendizagem. Por outro lado, podemos ver nas salas de aula
chinesas, particularmente naquelas com professores com CPMF,
características defendidas pela reforma — o ensino para uma
compreensão conceptual, o entusiasmo dos alunos e
oportunidades para exprimirem as suas ideias, a sua participação
e contribuição para o seu próprio processo de aprendizagem.
Como podem estas características aparentemente contraditórias
— algumas refutadas e outras defendidas pela reforma — ocorrer
ao mesmo tempo? O que pode este intrigante contraste implicar
para os esforços de reforma nos Estados Unidos?
A perspectiva de Cobb e dos seus colegas (Cobb, Wood,
Yackel, & Meneai, 1992) ajuda a explicar este imbróglio.
Cobb e os seus colegas vêem a essência da actual reforma como

259
uma mudança da tradição da matemática nas salas de aula, e
insistem que o ensino tradicional e o reformista diferem na
«qualidade dos significados normativos e nas práticas da
matemática» mais do que em «caracterizações retóricas».
No seu estudo de caso de duas salas de aula, uma com «tra-
dição de matemática escolar» onde o conhecimento era «trans-
mitido» do professor para «alunos passivos», e a outra com
«tradição de matemática de averiguação» na qual a «aprendi-
zagem matemática era vista como um processo interactivo,
construtivo e centrado nos problemas», estudiosos concluíram
que, em ambos os casos, os professores e os alunos contribuíam
activamente para o desenvolvimento da tradição da matemática
na sua sala de aula, enquanto em ambas as salas de aula os
professores expressavam a sua «autoridade institucionalizada»
durante o processo. Cobb e os seus colegas sugerem que
«aprendizagem significativa» pode ser mera retórica na
educação matemática porque «a actividade de seguir instruções
procedimentais também pode ser significativa para os alunos»
em certas tradições da matemática nas salas de aula. A metáfora
de transmissão que descreve o ensino matemático tradicional
como a tentativa de transmitir conhecimento do professor para
alunos passivos pode parecer apropriada apenas «no contexto
político da reforma» (p. 34).
Neste sentido, apesar de o ensino matemático nas salas de
aula dos professores chineses não ir ao encontro de algumas
«caracterizações retóricas» da reforma, ele enquadra-se de facto
na tradição da matemática nas salas de aula defendida pela
actual reforma. Na verdade, ainda que a sala de aula de um
professor chinês com CPMF possa parecer bastante «tradicional»
na sua forma, ela transcende a forma em muitos aspectos. É
baseada no manual escolar, mas não confinada aos manuais
escolares. O professor é o líder, mas as ideias e iniciativas dos
alunos são altamente encorajadas e valorizadas.

260
Por outro lado, que tipo de «ensino para a compreensão»
podemos esperar de um professor que não consegue dar uma
explicação matemática dos algoritmos da subtracção com rea-
grupamento, multiplicação com números de vários algarismos
ou divisão por fracções? Ou de um professor que não pode
fornecer uma representação correcta do significado de uma
operação aritmética tal como divisão por fracções? Ou ainda de
um professor que não está motivado para explorar novas
asserções matemáticas?
Para tornar a situação mais clara, podemos pensar numa sala
de aulas como a de Bali (1993a, 1993b, 1996), considerada por
alguns como um modelo da corrente reforma:

Na sala de aula centrada no pensamento e debate dos alunos — a


sala de aula imaginada pelos reformadores da educação matemática
—, as crianças dividem-se regularmente em pequenos grupos onde
trabalham os problemas em conjunto, enquanto o professor passeia
pela sala procurando ouvir questões matemáticas significativas e
considerando que tipo de intervenção, se alguma, é apropriada. E
quando as crianças se reúnem para comparar as suas ideias e
soluções, as perguntas do professor facilitam o debate. (Schifter,
1996b, p. 3)

De modo algum é esta a forma como as salas de aula chinesas


estão organizadas. Contudo, o que eu quero realçar é que,
mesmo que elas pareçam bastante diferentes, a diferença é
superficial. Se olharmos cuidadosamente para o tipo de mate-
mática que os alunos chineses estão a fazer, o tipo de pensa-
mento que têm sido encorajados a desenvolver, e a forma como
as interacções com os professores alimentam esse tipo de
processo mental e matemático, os dois tipos de salas de aula são
na realidade muito mais similares do que aparentam. Por outro
lado, apesar do facto de tantos professores americanos do ensino
básico terem crianças em grupos de frente uns para os outros e a
usar materiais manipuláveis poder significar que as suas salas de
aula se parecem mais com a sala de aula de

261
Bali, nem a matemática nem o pensamento matemático que os
alunos estão a desenvolver, nem o que o professor está a tentar
ajudá-los a perceber, são os da sala de Bali. O verdadeiro
pensamento matemático que ocorre numa sala de aula, de facto,
depende grandemente da compreensão da matemática por parte
do professor.
Outro ponto que gostaria de realçar é que a mudança da tra-
dição da matemática numa sala de aula pode não ser uma «re-
volução» que simplesmente deita fora o velho e adopta o novo.
Em vez disso, pode ser um processo no qual algumas caracte-
rísticas novas se desenvolvem a partir da tradição anterior. Por
outras palavras, as duas tradições podem não ser absolutamente
antagónicas: pelo contrário, a nova tradição envolve a antiga —
tal como um novo paradigma na investigação científica não
exclui completamente um antigo e o inclui como um caso
especial.
No verdadeiro ensino na sala de aula, as duas tradições
podem não se distinguir uma da outra claramente, ou podem
não ser tão «puras» como tem sido descrito. Por exemplo, o meu
estudo indica que professores com CPMF nunca ignoram o
papel da «aprendizagem procedimental», independentemente
do grau em que enfatizam a «compreensão conceptual».
Mais ainda, esta investigação sugere que o conhecimento da
matéria de matemática por parte dos professores pode
contribuir para uma tradição da matemática na sala de aula e
para a sua alteração. Uma «compreensão matemática parti-
lhada» que marca uma tradição não pode ser dissociada do
conhecimento matemático das pessoas na sala de aula, espe-
cialmente do conhecimento do professor que está encarregado
do processo de ensino. Se o conhecimento próprio do professor
em relação à matemática ensinada na escola básica estiver
limitado a procedimentos, como podemos nós esperar que a sua
sala de aula tenha uma tradição de averiguação matemática? A
mudança por que esperamos só ocorrerá se trabalharmos para
mudar o conhecimento matemático dos professores.

262
Gostaria de terminar com uma citação de Dewey (1902/1975):

Mas é aqui que entra o esforço do pensamento. É mais


fácil estabelecer posições diferentes, insistir numa à custa
da outra, criar antagonismos entre elas, do que descobrir
uma realidade à qual cada uma delas pertence, (p. 91)

263
Apêndice

Eu domino Eu consigo aprender A matemática


a matemática básica matemática avançada é a minha força

Fig. A.l. Visão dos professores americanos sobre


o seu próprio conhecimento matemático

Tabela A.l
Anos de experiência de ensino dos professores americanos experientes
Anos de ensino
Escola elementar (1° ciclo) Escola média (2° Ciclo)
Prof." Baird 14
Prof.3 Barbara 5
Prof. Barry 23
Prof." Belinda 12
Prof." Belle 19
Prof." Bernadette 17
Prof." Bernice 8
Prof." Beverly 15
Prof." Blanche 1
Prof. Brady 19
Prof." Bridget 2 14
Nota:Nenhum dos professores relatou experiência de ensino no pré-escolar ou jardim de
infância.

264
& Livros do professor
Grupos de investigação de ensino
Quadro de referência de ensino e
#-£ +
aprendizagem

a# Pedir uma unidade às dezenas e olhá-la


como dez unidades
it- A base para compor uma unidade de ordem
superior
■$;£ Decompor uma unidade de ordem superior
Manuais escolares
iã-
Decompor uma unidade de ordem superior
Resolver um problema de várias formas
Saber como, e saber também porquê

Estudar materiais de ensino intensivamente

#«f&#
Lidar com material de ensino

Fig. A.2.

265
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273
índice remissivo

A base de conhecimento, 56-59, 65-


-68,199-202, 205-209
ábaco, 41
elementos-chave, 58,108,146, 152,153,
abrangência, 108,176,180, 210-213
200, 201, 233 nó conceptual,
adição
147,152,153, 201
até 10, 57 até 20, 56-58 com
operação inversa numa, 207 para
composição, 53, ver também com
divisão por fracções, 144-147
transporte com transporte, 42, 53n, 56
para multiplicação com números
alcance, 210-213 algoritmo, 29, 47,
de três algarismos, 96-99,108, 207
62,190,195,
196, 207 para subtracção com
atitudes básicas, 29, 30, 6b, 67, reagrupamento, 55-59, 63-68,
183,185, 209 207
com derivação simbólica, 192-195 valor posicionai numa, 207
condições de validade, 170- base para compor uma unidade de
-173,178 ordem superior, 44-47, 56, 57,65
confiança, 66,124,151,176,177 beikefudao cailiao, 225, ver também
exemplos, papel dos, 158,159 manuais do professor
justificação, 88, 89,107,118, 152,18b, c
195
cálculo, 202, 203 chuli jiaocai, 229
métodos mais simples, 125
coerência longitudinal, 212 colegas,
promover debate, 66 prova,
ver relação entre colegas compor
66,152,167,168,195 saber como e saber
uma unidade de ordem superior, 96
também porquê, 30,192
composição de 10, 58 compreensão
soluções múltiplas, 125,126,
profunda da matemática
195,196 fundamental (CPMF), 29, 209-213,
atitudes gerais, ver atitudes básicas 246 abrangência, 108,176,180, 210-213
alcance, 210-213 coerência
6 longitudinal, 212 conectividade,

274
211 ideias básicas, 212 119« operações inversas, 118
perspectivas múltiplas, 211, 212 propriedades básicas, 88«,
profundidade, 210-213 quando e 192-193«, 228« quarto ano, 117«,
como é atingida, 223-243, 246 193« sexto ano, 117« terceiro ano,
condições de trabalho dos 192«, 228 terceiro ciclo, 155«
professores, 30 na China, 223, 224 EUA, 109,190, 204
nos EUA, 246-252 condições de
validade, 170-173, 178
conectividade, 211 confiança,
66,124,151,176,177 conhecimento, ver
também compreensão profunda da
matemática fundamental
abrangência, 108,176,180, 210-213
alcance, 210-213 coerência
longitudinal, 212 conceptual,
64-68,106-108, 201, 207, 208
conectividade, 211
conteúdo pedagógico, 27, 30
crescimento em, ver crescimento do
conhecimento matemático dos
professores da matéria, 27, 30, 58,109,
176, 217, 222, 242, 246, 248 dos
professores, 24, 27, 29, 30, 189,
210«, 222, ver também base de
conhecimento pedagógico,
135-137 perspectivas múltiplas,
211,212 procedimental, 61-64,
201, 206-208
profundidade, 210-213 consultar
um livro, 162,165 convenção
matemática, 75, 91 crescimento do
conhecimento matemático dos
professores apoiado na China,
224-244, 246, 249
não incentivado nos EUA,
249-255 curriculum China
divisão, 117«, 119«, 228n
espiral, 109 figura fechada, 155
fórmulas para o cálculo de áreas,
165, 203« fracções, 117«, 121«
manter o valor de um quociente,

275
D I

decompor um 10, 42-44, 52-55, 64 ideias básicas, 47, 65, 66, 212, ver
decompor uma unidade de ordem também atitudes básicas; princípios
superior, 39-44, 47, 52, 234 básicos ideias gerais, ver ideias
desenvolvimento profissional, ver básicas
crescimento do conhecimento
matemático dos professores divisão J
base de conhecimento, 144-147
jiaoxue dagang, 225, ver também
enquanto operação inversa, 146
Quadro de Referência do Ensino e
modelo de agrupamento, 21,
Aprendizagem jiaoyanzu, 234
24,137-140 modelo de produto e
jie yi dang shi, 43, ver também
factores, 137,138,143,144
empréstimo
modelo de repartição, 21, 24,
jin lu, 45, ver também base para
137,138,140-142,148,153 modelos
compor uma unidade de ordem
de, 137,138,147 mudança no
superior jin yi, 42, ver também
significado, 140-143
compor uma unidade de ordem
no curriculum nacional da
superior
China, 117n, 119n, 228n por
justificação, 88, 89,107,118,152,
fracções, 25 propriedade
186,195
distributiva da, 123, 124
com derivação simbólica,
significado, 145
192-195
E

elementos-chave, 58,108,146, 152,153,


200, 201, 233 empréstimo, 32-35, 43,
234 equivalência entre uma fracção e
a expressão de uma divisão, 119,125
estratégias na divisão por fracções
denominador comum, 115
fracção equivalente à
expressão de uma divisão,
119,125
manter o valor de um quociente,
119 multiplicar pelo recíproco,
117-120
propriedade distributiva, 123,
124
sem multiplicar, 124,125 usar
números decimais, 121 exemplos
papel dos, 158,159
uso de, 163-165

276
K 118
numa base de conhecimento, 207
keben, 225, ver também manuais
escolares ordem das operações, 125 P

L perspectivas múltiplas, 211, 212


potências de 10 na multiplicação,
90,99
ligações, 61,153,196, 207 M
preparação dos professores China,
manter o valor de um quociente, 119
23, 24, 27, 224 EUA, 23, 24, 27, 246,
manuais do professor
247, 252 princípios básicos, 64-68,175,
China, 225, 226, 229-232, 244
208, 209
EUA, 253-255 manuais escolares
base para compor uma unidade
China, 43«, 52,118,174«,
de ordem superior, 65
193«, 225-229, 255 consultar
compor uma unidade de ordem
um manual, 157, 158, ver também
superior, 96 equivalência entre
consultar um livro EUA, 253-255
uma fracção e a expressão de
marcadores de posição, 76, 80-83
uma divisão, 125 operação
matemática fundamental, 202-205
inversa, 65,198 ordem das
materiais manipuláveis, 36-39,
operações, 125 propriedade
59, 60, 69, 70, 256, 258 métodos
associativa, 88«, 192-193«
mais simples, 125 múltiplas
propriedades básicas, 151, 195,
soluções, ver soluções múltiplas
203
multiplicação
propriedade comutativa, 88n,
com números de vários
192-193n
algarismos, 28 por 10 e por potências
propriedade distributiva, 87-
de 10, 45, 90, 99
-90,174,192
propriedade distributiva, 8791,
princípios gerais, ver princípios
96,100,101,107 sistema de valor
básicos
posicionai, 92-96, 99,107
profundidade, 210-213 promover
usar marcadores de posição, 76,
debate, 66 propriedade associativa,
80-83
88«, 192-193«
valor posicionai, 88, 92, 94,102, 104
propriedades básicas, 151,195, 203
N propriedade comutativa, 88«,
192-193«
nó conceptual, 147,152,153, 201 O propriedade distributiva, 87-90,
174,192
operação inversa, 59, 65,198, 207 a
da divisão, 123,124 da
divisão enquanto, 146 a
subtracção enquanto, 57, multiplicação, 87-91, 96,
65 100,101,107
no curriculum nacional da China, no curriculum nacional da China,

277
8877,192«, 228n prova, 32-35,43,234 com reagrupamento, 28,
66,152,167,168,195 31, 36, 38, 47-51, 52, 53 enquanto
operação inversa, 59,65
Q
sem reagrupamento, 58 T
Quadro de Referência do Ensino e Terceiro Estudo Internacional de
Aprendizagem, 225-227, 234, 236, Matemática e Ciência, 22
244 tui yi, 41, ver também decompor uma
unidade de ordem superior
R
U
reagrupamento na subtracção, 28, 31,
36, 38, 47-51, unidade fraccionária, 230, 231 V
52,53
valor posicionai, 72, 73, 88, 91, 92,
reforma, 25, 26, 29, 247,
94,102,104 na multiplicação, 88, 92,
253-260
94, 102,104
relação entre colegas, 234-237, 242
numa base de conhecimento, 207
S

Y
saber como e saber também
porquê, 30,192 sinal de igual, yiti duojie, 240, ver também
194 sistema de numeração, 47, soluções múltiplas
65 sistema de número-palavra
chinês, 23, 52n Z
sistema de valor posicionai, 92-95,
99,107 zhi qi ran, zhi qi suoyi ran, 262, ver
na multiplicação, 92-95,99,107 também saber como e saber também
unidade básica, 92, 93 soluções porquê zuanyan jiaocai, 225
múltiplas, 125,126,195, 196
subtracção até 20,
50-58
base de conhecimento, 55-59,
63-68, 207
base para compor uma unidade
de ordem superior, 44-47, 56, 57, 65
com decomposição, 53, ver também
com reagrupamento com
decomposição de um 10, 52, 53, 64
com decomposição de uma
unidade de ordem superior, 39-44,
47, 52, 234 com empréstimo,

278
Temas de
Matemática

«E um livro que se recomenda a todos quantos se


preocupam com o ensino de matemática e com os seus
resultados reais. Contém algumas das perguntas a que
todos queremos responder, particularmente sobre as
relações entre a formação de professores, as práticas
docentes a aprendizagem de crianças e jovens. O estudo
de Liping Ma é um bom ponto de partida.
Assim ele seja lido com olhos de 1er pelos responsáveis
do governo, instituições do ensino superior e escolas, por
LIPING MA. é doutorada pela Universidade professores e por todos os interessados nos problemas
de Stanford e investigadora na da educação.»
ARSÉLIO MARTINS, professor de Matemática na E. S. José
Carnegie Foundation for Advancement Estêvão, presidente da Associação de Professores de
of Teaching. Começou a sua carreira de Matemática
educadora ensinando matemática
elementar na China, em regiões rurais «O presente livro é muito rico. Uma das principais razões
é ser um livro que ‘põe a mão na massa'. Através da
remotas. Fez uma pós-graduação em
própria construção do estudo, utilizando questões muito
educação em Xangai e estudou depois
bem escolhidas, analisa, muitas vezes com bastante
nos Estados Unidos, onde desenvolveu pormenor, aspectos diversos ligados à matemática
investigação sobre o ensino de elementar. A pretensão do livro não é ser completo e
matemática nos dois países. O livro metódico no que diz respeito à matemática, mas aponta
Saber e Ensinar Matemática Elementar a forma de o fazer.»
CARLOS PEREIRA DOS SANTOS,
foi um sucesso editorial e lançou o professor de Didáctica da Matemática
debate educativo em novas bases. na Escola Superior de Educação e Ciências

Liping Ma destacou uma questão
«Um livro que fez furor nos Estados Unidos e que iniciou
central para o sucesso do ensino: na
um grande debate, pondo em causa muitas das
formação de professores de /e-se pretensas certezas pedagógicas que floresceram nas
procurar transmitir-lhes um últimas décadas. Liping Ma mostra que se pode ter um
conhecimento profundo das matérias ensino organizado e simultaneamente activo, que o
que irão ensinar. professor pode comandar o ritmo da aula e ao mesmo
tempo envolver os seus alunos e, sobretudo, que para
poder ensinar precisa de saber - e saber muito sobre a
matéria que ensina.»
NUNO CRATO, professor no ISEG e pró-reitor da UTL,
presidente da SPM

gradiva

A colecção «Temas de Matema'tica» é uma iniciativa conjunta da


Gradiva e da Sociedade Portuguesa de Matemática. Tem como
objectivo a divulgação de textos de matemática cu com ligação a esta
disciplina. Pretende contribuir para o aprofundamento da cultura

ISB N
matemática de estudantes e profissionais com especial destaque
para os jovens professores, e também cativar o interesse de um
público não especialista interessado em textos de divulgação
científica.

9 789896 163242
jj

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