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Temas de Matemática
1. MATEMÁTICA E ENSINO
Elon Lages Lima
4. APOLOGIA DE UM MATEMÁTICO G.
H. Hardy
SABER E ENSINAR
MATEMÁTICA ELEMENTAR
TRADUÇÃO
SARA LEMOS E ANA SOFIA DUARTE
REVISÃO CIENTÍFICA
JOSÉ PALMA FERNANDES, ISABEL HORMIGO E LUÍSA ARAÚJO
spm
SOCIEDADE H PORTUGUESA DE MATEMÁTICA
gradiva
Título original: Knowing and Teaching Elementary Mathematics — teacher’s understanding of
fundamental mathematics in China and the United States © Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1999
Todos os direitos reservados
Tradução autorizada a partir da edição em língua inglesa publicada por Lawrence
Erlbaum Associates, Inc., uma chancela de Taylor ôt Francis Group LLC Tradução: Sara
Lemos e Ana Sofia Duarte
Revisão científica: José Palma Fernandes, Isabel Hormigo e Luísa Araújo Revisão de texto: Alda
Rodrigues Capa: ilustração: © Corbis/VMI
design gráfico: Armando Lopes
Fotocomposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, L.ia
Reservados os direitos para a língua portuguesa por: Gradiva Publicações, S. A.
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l. a edição: Agosto de 2009 Depósito legal n.° 297 961/2009 ISBN: 978-989-616-324-2
gradiva
Editor: Guilherme Valente
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índice
Prefácio .................................................................................................................................................. 7
Agradecimentos ................................................................................................................................ 13
Introdução ........................................................................................................................................... 19
5
Debate ....................................................................................................................................... 151
Sumário ..................................................................................................................................... 154
6
Prefácio
Lee S. Shulman
Fundação Carnegie para o Progresso do Ensino
7
• Este livro foca o trabalho dos professores do ensino básico,
mas o seu público-alvo mais importante pode ser constituído
por aqueles que nas universidades ensinam matemática a
futuros professores, assim como por futuros pais.
8
mática e com Lynn Paine em educação comparada. Participou
no desenvolvimento e na análise de um inquérito nacional sobre
a compreensão matemática dos professores do ensino básico e
ficou perplexa com os equívocos desta ordem persistentes entre
os professores americanos. Estes impressionaram-na como
sendo muito diferentes dos professores que conhecera na China.
Após alguns anos, a sua família optou por ir viver para a
Califórnia, e Liping foi aceite no programa de doutoramento da
Universidade de Stanford, onde pôde completar a parte
curricular do programa e elaborar a sua dissertação. Aceitei ser
seu orientador e a Fundação Spencer atribuiu-lhe uma bolsa de
um ano para completar o estudo que é a base deste livro. Este
apoio, conjuntamente com a ajuda continuada do Estado de
Michigan, tornaram possível a sua viagem à China para recolher
dados dos professores chineses. Após terminar o seu
doutoramento, foi-lhe atribuída uma bolsa de dois anos de
pós-doutoramento para trabalhar com Alan Schoenfeld em
Berkeley, onde continuou a investigação e onde a sua dissertação
foi transformada neste magnífico livro.
Quais as lições mais importantes a retirar deste livro? Vamos
voltar à lista de ideias erradas que apresentei anteriormente e
discuti-las mais elaboradamente.
9
de facto, ter estudado muito menos matemática, mas a que
conhecem, conhecem de um modo mais profundo, flexível e
adequado.
10
Este livro parece ser muito relevante para a preparação de
futuros professores, mas as suas descobertas mais importantes
estão relacionadas com o nosso entendimento do trabalho dos
professores e com o desenvolvimento da sua carreira profissional
a longo prazo. Liping não se contentou com documentar apenas
as diferenças de compreensão entre os professores chineses e
americanos. Também averiguou as fontes dessas diferenças. Uma
importante descoberta (patente no trabalho de Stigler e Hiebert
sobre o TIMMS — Stigler & Hiebert, 1999) é que os professores
chineses continuam a aprender matemática e a apurar a
compreensão dos conteúdos ao longo das suas carreiras de
ensino. O trabalho dos professores na China inclui tempo e apoio
para reflexões e seminários sobre os conteúdos das suas aulas,
que são componentes essenciais desse trabalho. Aos professores
americanos não são oferecidas quaisquer oportunidades dentro
do seu horário escolar para acções idênticas, pelo que eles podem
ensinar durante muitos anos sem aprofundar a compreensão dos
conteúdos que ensinam. Pelo contrário, os professores chineses
trabalham em ambientes que criam oportunidades de
aprendizagem numa base contínua.
11
tal conhecimento é mal interpretado como terapêutico, em vez de
se reconhecer que é rigoroso e merecedor de um ensino a nível
universitário. Os departamentos de matemática devem
responsabilizar-se por concretizar esta prioridade nacional tanto
para futuros professores como para futuros cidadãos.
Apesar de este livro apenas agora ter sido publicado, há já
algum tempo circulavam na comunidade matemática cópias dos
primeiros rascunhos deste manuscrito. Numa carta recente, o
orientador pós-doutoramento de Liping Ma, Professor Alan
Schoenfeld da Universidade de Califórnia em Berkeley,
descreveu de uma maneira entusiástica a reacção às cópias deste
livro ainda antes da sua publicação.
12
Agradecimentos
13
— a investigação e a escrita da minha dissertação, e a sua
adaptação ao formato de livro. Ambas as fases foram conseguidas
com a ajuda de várias pessoas e instituições.
Em primeiro lugar, devo agradecer às Fundações Spencer e
McDonnell as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento que
apoiaram a escrita e adaptação da minha dissertação.
Na Universidade de Michigan em East Lansing — a minha
«cidade natal» nos Estados Unidos — fiquei especialmente em
dívida para com as Professoras Sharon Feiman-Nemser, Lynn
Paine e as suas famílias. A minha casa intelectual foi o projecto
TELT, do qual beneficiei bastante devido à interacção com os seus
membros. O meu trabalho assenta no TELT, tanto inte-
lectualmente como através do uso de questões desenvolvidas por
Deborah Bali e dos dados recolhidos por Deborah Bali, Sharon
Feiman-Nemser, Perry Lanier, Michelle Parker e Richard Prawat.
Quando cheguei aos Estados Unidos, tinha apenas 30 dólares
no bolso. A minha orientadora Sharon trabalhou arduamente
para me ajudar a encontrar uma bolsa de assistente de
investigação que me permitisse concentrar no meu desenvol-
vimento académico. Tal como acontece com todos os seus alunos,
a sua extraordinária sabedoria sobre ensino e investigação guiou
e continuará a guiar a minha investigação sobre formação de
professores.
Depois de receber um telefonema em chinês da Professora
Lynn Paine e antes de me encontrar com ela, não poderia ter
adivinhado que era americana. Foi ela que me deu a primeira
formação sólida na forma de conduzir uma investigação trans-
nacional sobre educação. Mais tarde, como membro do júri da
minha dissertação em Stanford, ela leu-a cuidadosamente e fez
comentários detalhados e pertinentes sobre como melhorá-la.
Na Universidade de Michigan fiquei também em dívida para
com os Professores Deborah Bali, Margret Buschmann, David
Cohen, Helen Featherstone, Robert Floden, Mary Ken-
14
nedy, David Labaree, William McDiarmid, Susan Melnick,
Richard Navarro, John Schwille e Mun Tsang pelas suas orien-
tações na fase inicial do meu programa de doutoramento.
Para além disso, gostaria de agradecer aos meus colegas
Zhixiong Cai, Fanfu Li, Yiqnig Liu, Shirley Miskey, Michelle
Parker, Jeremy Price, Neli Wolf e Chuanguo Xu pelas boas-
-vindas, ajuda e companheirismo com que me acolheram nos
meus primeiros dias num país estrangeiro.
Na Universidade de Stanford, o meu orientador Lee Shul-
man merece uma menção especial. Ele apoiou-me desde o
primeiro momento, quando apresentei o meu tópico de investi-
gação e generosamente prestou esclarecimentos intelectuais
vitais, palavras calorosas de encorajamento e conselhos úteis. Sob
a sua orientação, aprendi como lançar a semente de uma ideia de
investigação e transformá-la numa árvore frondosa.
Agradeço também aos Professores Myron Atkin, Robbie Case,
Larry Cuban, Elliot Eisner, James Greeno, Nel Noddings, Thomas
Rohlen, Joan Talbert e Decker Walker de Stanford pelo seu apoio
ao longo dos meus esforços de investigação. O Professor Harold
Stevenson da Universidade de Michigan leu a minha proposta de
dissertação e contribuiu com valiosas sugestões. O Professor
Fonian Liu, antigo presidente da Universidade Normal da China
Oriental, expressou também o seu entusiástico encorajamento
para a minha investigação.
Durante o período de pós-doutoramento, muito fiquei a dever
a Miriam Gamoran Sherin, na altura uma estudante de
pós-graduação na Universidade da Califórnia em Berkeley,
actualmente professora assistente na Universidade de North-
western. A Miriam leu grande parte do manuscrito e ajudou-me
não só a corrigir o meu «chinglês», mas também me inspirou com
os seus pertinentes comentários. Outras duas estudantes de
pós-graduação, Kathy Simon e Glen Trager, de Stanford,
contribuíram para a revisão do meu trabalho com o seu
encorajamento carinhoso e constante.
Durante o pós-doutoramento decidi transformar a minha
dissertação num livro. Quando a tarefa ficou concluída, na
15
altura de enviar o manuscrito do livro para o editor, senti-me
como uma mãe antes do casamento da filha. Acabar a dissertação
assemelhava-se a ter tido um bebé. Transformá-la num livro —
criá-la e educá-la — não foi uma tarefa nada fácil. Para mim, que
comecei a aprender inglês sozinha aos vinte anos, revelou-se
particularmente difícil. Felizmente, um excelente grupo de
pessoas deu-me o seu apoio e cooperação.
O Professor Alan Schoenfeld, com quem fiz o meu trabalho de
pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em Berkeley, é
a primeira pessoa a quem quero agradecer nesta fase. O Alan deu
ao livro um lugar na série que edita. Leu e comentou cada
capítulo, fez sugestões valiosas para melhoramentos, até
reescreveu alguns parágrafos e esteve sempre presente quando
eu precisava de ajuda. Ao trabalhar de perto com o Alan, aprendi
muito sobre investigação, e aprendi muito mais — um modo de
interagir com estudantes e colegas. Como William Shawn, editor
do New Yorker, disse da sua comunidade, «O amor tem sido o
sentimento condutor e amor é a palavra essencial.» O Alan criou
uma comunidade na qual os estudantes são tratados como
futuros colegas e cada um é um colega potencial. Ele,
sagazmente, sugeriu um membro dessa comunidade para me
ajudar no livro.
A Doutora Cathy Kessel, uma investigadora em Berkeley, foi
a «ama» indispensável do meu «bebé» — o livro. Ela encar-
regou-se da complexa edição do manuscrito, criticou argumentos
fracos, forçou-me a torná-los claros e ajudou-me a exprimir as
minhas ideias. Para o capítulo 7, reviu a qualidade do texto e
ampliou, fortaleceu e clarificou os meus argumentos. Para além
deste trabalho intelectual, tratou também de todos os pormenores
entediantes relacionados com o processo de preparar o
manuscrito de um livro. A contribuição da Cathy para este livro
não pode deixar de ser fortemente realçada. Sem a sua ajuda, eu,
a «mãe», nunca teria conseguido criar o «bebé». De facto, a paixão
dela pelo livro não é menor do que a minha.
Gostaria de agradecer a Rudy Apffel, Deborah Bali, Maryl
Gearhart, liana Horn e Susan Magdison pelos seus comentá-
16
rios sobre a introdução. Os comentários cuidadosos e detalhados
de Anne Brown sobre os capítulos 1 a 4 ajudaram a melhorar a
sua clareza. O grupo de investigação de Alan Schoenfeld, o
Functions Group, passou duas sessões a discutir o meu
manuscrito. Julia Aguirre, liana Horn, Susan Magidson, Manya
Raman e Natasha Speer fizeram comentários valiosos. Agradeço
ao Functions Group e à Anne Brown pelos comentários aos
capítulos 5, 6 e 7. Agradeço de novo ao Robert Flo- den pela
informação de última hora fornecida pela base de dados NCRTE.
Gostaria também de agradecer a Naomi Silverman, editora-
-chefe na Lawrence Erlbaum Associates, pelo seu apoio paciente
e útil.
A minha sincera gratidão vai para o Professor Richard Askey,
cujo interesse e entusiasmo contribuíram para chamar a atenção
de muitas pessoas para o manuscrito do livro.
De volta à China, a minha terra natal, agradeceria primeiro
aos camponeses de Cunqian, a aldeia onde vivi e ensinei, que
tinham pouca instrução mas que me colocaram no caminho de
um doutoramento na Universidade de Stanford. Agradeço sin-
ceramente aos professores chineses que entrevistei. Agradeço
também de um modo especial aos professores que ajudaram a
moldar a minha jovem mente.
Para terminar, a minha família merece certamente os agra-
decimentos finais e o maior reconhecimento. Sem a sua ajuda,
este livro, e também toda a minha vida, não teriam sido possí-
veis.
17
Introdução
19
Apresento as diferenças entre os professores chineses e os
americanos, no que se refere ao conhecimento para leccionar
matemática, e sugiro que a compreensão da matemática e do seu
ensino por parte dos professores chineses contribui para o
sucesso dos seus alunos. Também apresento alguns dos facto- res
que sustentam o crescimento do conhecimento matemático dos
professores chineses, e sugiro razões para a dificuldade, se não
impossibilidade, de os professores do ensino básico americano
desenvolverem uma compreensão profunda da matemática que
ensinam. Começarei com alguns dos exemplos que motivaram
este estudo.
Em 1989 eu era uma estudante de pós-graduação na Uni-
versidade do Estado de Michigan e trabalhava como assistente
no estudo Formação de Professores e Aprender a Ensinar (Tea-
cher Education and Learning to Teach — TELT) do Centro Na-
cional de Investigação em Formação de Professores (National
Center for Research on Teacher Education — NCRTE), codifi-
cando transcrições de respostas de professores a questões como a
que se segue:
20
a divisão por fracções e a divisão por inteiros positivos — a di-
visão permanece o inverso da multiplicação, mas os significados
da divisão por fracções ampliam os significados da divisão por
números naturais: o modelo de agrupamento (descobrir quantas
1 34
metades da unidade existem em ) e o modelo de repartição
13
(encontrar um número cuja metade seja 4 )1 1 . Mais tarde
tornei-me professora do ensino básico. Encontrei nos meus
colegas o entendimento da divisão por fracções tal como fora
ensinado pela minha professora do ensino básico. Como é que
tantos professores nos Estados Unidos não mostraram o mesmo
entendimento?
Várias semanas depois de codificar as entrevistas, visitei uma
escola do ensino básico que servia um próspero subúrbio branco
e que tinha a reputação de um ensino de elevada qualidade. Com
uma professora-formadora e uma professora-cooperante,
observei uma aula de matemática do quarto ano, em que uma
professora-estagiária leccionava as unidades de medida. Durante
a aula, que decorria sem percalços, fui abalada por outro
incidente. Após ter ensinado as unidades de medida e as suas
conversões, a professora pediu a um aluno para medir um lado
da sala com uma régua de uma jarda. O aluno disse ter medido 7
jardas e 5 polegadas e, depois de ter utilizado a sua calculadora,
afirmou «7 jardas e 5 polegadas é igual a 89 polegadas». A
professora, sem hesitação, anotou «89 polegadas» ao lado de «7
jardas e 5 polegadas», que já tinha escrito no quadro. A manifesta
incompatibilidade dos dois comprimentos, «7 jardas e 5
polegadas» e «89 polegadas», tornava-se evidente no quadro. Era
óbvio, mas não surpreendente, que o aluno tinha utilizado
incorrectamente a conversão entre pés e polegadas ao calcular o
número de polegadas numa jarda 2 . O que me surpreendeu,
contudo, foi que a incompatibilidade permaneceu no quadro até
ao final da aula sem qual-
21
quer discussão. O que me surpreendeu ainda mais foi o erro
nunca ter sido apontado ou corrigido, nem sequer mencionado
depois da aula num debate sobre o método de ensino da pro-
fessora-estagiária. Nem a professora-cooperante nem a pro-
fessora-formadora que supervisionava a professora-estagiária
notaram o erro. Como professora do ensino básico e investi-
gadora que tinha trabalhado com professores durante muitos
anos, desenvolvera certas expectativas sobre o conhecimento
matemático dos professores do ensino básico. Contudo, as
expectativas que tinha criado na China pareciam não ter cor-
respondência nos Estados Unidos.
Quanto mais observava o ensino e a investigação em mate-
mática elementar nos Estados Unidos, mais intrigada ficava. Até
professores experientes e matematicamente seguros e pro-
fessores que tinham participado activamente na reforma actual
do ensino da matemática pareciam não ter um conhecimento
pormenorizado da matemática ensinada nas escolas do ensino
básico. De facto, os dois incidentes que me tinham espantado
eram apenas mais dois exemplos de um fenómeno já espalhado e
bem documentado3.
Mais tarde, li estudos internacionais sobre resultados esco-
lares em matemática4. Estes estudos evidenciaram que os
matéria, ver Bali (1988a), Cohen (1991), Leinhardt and Smith (1985), NCRTE (1991), Putnam
(1992) e Simon (1993).
4 A Associação Internacional para a Avaliação dos Resultados Escolares (International
22
estudantes de alguns países asiáticos, tais como o Japão e a China,
ultrapassavam sistematicamente os seus colegas dos Estados
Unidos 5 . Os investigadores descreveram vários facto- res que
contribuem para este «hiato na aprendizagem»: diferenças entre
contextos culturais, tais como expectativas parentais ou sistemas
número-palavra6; organização escolar, ou quantidade de tempo
despendido na aprendizagem da matemática; conteúdos e
distribuição de conteúdos nos curricula matemáticos7. Ao ler esta
investigação, continuei a pensar sobre o assunto do conhecimento
matemático dos professores. Poderia o «hiato na aprendizagem»
não estar limitado aos estudantes? Se assim fosse, haveria uma
outra explicação para o desempenho matemático dos estudantes
americanos. Em vez de factores extrínsecos à sala de aula, poderia
ser o conhecimento dos professores a afectar directamente o
ensino e a aprendizagem. Além disso, esse conhecimento poderia
ser mais fácil de mudar do que os factores culturais, tais como o
sistema número-palavra8 ou o modo de educar crianças.
Parecia estranho que os professores chineses do ensino básico
tivessem uma melhor compreensão da matemática do que os seus
colegas americanos. Os professores chineses nem
5 Os resultados do TIMMS seguem este padrão. Por exemplo, cinco países asiáticos
participaram nas componentes matemáticas do quarto ano. Singapura, Coreia, Japão e Hong
Kong obtiveram os resultados mais elevados, significativamente mais altos do que os
resultados nos Estados Unidos. (A Tailândia foi o quinto país asiático participante.)
6 Por exemplo, a palavra chinesa para o número 20 significa «duas dezenas», a palavra
chinesa para o número 30 significa «três dezenas», e assim sucessivamente. O consenso é que
o sistema chinês de número-palavra ilustra a relação entre os números e os seus nomes mais
directamente do que o sistema inglês.
7 Para mais informação, ver Geary, Siegler e Fan (1993); Husen (1967a, 1967b); Lee,
Ichikawa e Stevenson (1987); McKnight et al (14987); Miura e Oka- moto (1989); Stevenson,
Azuma e Hakuta (1986); Stevenson e Stigler (1991,1992); Stigler, Lee e Stevenson (1986);
Stigler e Perry (1988a, 1988b); Stigler e Stevenson (1981).
8 Contudo, há formas de ensinaer para tratar com sucesso as irregularidades nos sistemas
número-palavra. Ver Fuson, Smith e Lo Cícero (1997) para um exemplo de ensino que lida
com as irregularidades nos sistemas número-palavra inglês e espanhol.
23
sequer completam o ensino secundário; em vez disso, depois do
nono ano, recebem mais dois ou três anos de escolaridade em es-
colas normais. Pelo contrário, a maioria dos professores ameri-
canos tem pelo menos o grau de licenciatura. Contudo, suspeitei
que os professores do ensino básico de ambos os países pos-
suíssem conjuntos de conhecimento matemático estruturados de
diferentes maneiras ou que, além do conhecimento da matéria
«igual ao do seu colega» (Shulman, 1986), um professor pudesse
ter outro tipo de conhecimento. Por exemplo, o conhecimento
que a minha professora do ensino básico tinha dos dois modelos
de divisão pode não ser comum entre professores de escolas
secundárias ou de universidades. Este tipo de conhecimento de
matemática escolar pode contribuir significativamente para
aquilo a que Shulman (1986) chamou conhecimento pedagógico
da matéria — «os modos de representar e formular a matéria que
a tomam compreensível para os outros» (p. 9).
Decidi investigar a minha suspeita. A investigação compara-
tiva permite-nos ver coisas diferentes — e, por vezes, as coisas de
modo diferente. A minha investigação não se centrou na ava-
liação do conhecimento dos professores nos dois países, mas na
descoberta de exemplos de conhecimento adequado dos pro-
fessores sobre conteúdos matemáticos. Tais exemplos poderiam
estimular esforços adicionais para procurar um conhecimento
adequado entre os professores americanos. Além disso, o co-
nhecimento vindo de professores, em vez de provir de enqua-
dramentos conceptuais, poderia estar mais «perto» deles e ser
mais fácil de entender e ser aceite por estes profissionais.
Dois anos mais tarde, terminei a investigação descrita neste
livro. Descobri que, embora os professores americanos tivessem
sido expostos a matemática mais avançada durante o ensino
secundário e universitário 9 , os professores chineses
apresentavam um conhecimento mais extenso da matemática do
ensino básico.
9 Para mais informação sobre a preparação dos professores americanos, ver Lindquist
(1997).
24
No meu estudo, usei as questões do TELT nas entrevistas. A
principal razão para o uso destes instrumentos é a sua relevância no
ensino da matemática. Conforme refere Ed Begle em Variáveis
Criticas em Educação Matemática, os estudos antigos mediam
frequentemente o conhecimento dos professores do ensino básico e
secundário pelo número e tipo de cursos matemáticos frequentados
ou graus obtidos — e não encontravam uma grande correlação entre
estas medidas de conhecimento dos professores e várias medidas de
aprendizagem dos alunos. Desde o final dos anos 80, os
investigadores têm- se preocupado com o conhecimento dos
professores sobre a matemática que ensinam, «o conhecimento que
um professor precisa de ter ou utiliza ao ensinar um curriculum
matemático de um determinado nível escolar» (Bali, 1988b), em vez
de «o conhecimento de tópicos avançados que um matemático po-
derá ter» (Leinhardt et al., 1991, p. 88). Os instrumentos mate-
máticos do TELT desenvolvidos por Deborah Bali para a sua
dissertação (Bali, 1988b) foram criados para testar o conhecimento
matemático dos professores no contexto de práticas comuns que os
professores adoptam no processo de ensino. As— questões das
entrevistas foram estruturadas introduzindo uma determinada
ideia matemática num cenário de sala de aula, com essa ideia a
desempenhar um papel crucial. Por exemplo, na questão que
mencionei anteriormente para a qual as respostas dos professores
tinham sido tão surpreendentes, a matemática da divisão por
fracções foi testada no contexto de uma tarefa familiar de ensino —
criar algum tipo de representação realista ou diagrama para este
tópico específico. Esta estratégia tem sido útil para examinar o tipo
de conhecimento necessário aos professores para ensinar de modo
diferente daquele que envolve questões directas sobre a matéria,
como um teste de matemática. A recente análise de Rowan e dos
seus colegas apoia esta estratégia. O seu artigo de 1997, «Sociologia
da Educação», descreve um modelo baseado em dados do Estudo
Nacional Longitudinal sobre Educação de 1988. Neste modelo, as
respostas correctas de um professor a um outro item TELT,
25
desenvolvido de acordo com o mesmo enquadramento con-
ceptual, tiveram um forte efeito positivo no desempenho dos
alunos.
Outra razão para usar os instrumentos TELT foi a sua vasta
cobertura da matemática elementar. Enquanto a maioria da in-
vestigação sobre o conhecimento matemático dos professores se
centrava em tópicos simples, o TELT abrangia todo o campo do
ensino e aprendizagem ao nível elementar. Os instrumentos
TELT para a matemática compreendiam quatro tópicos ele-
mentares: subtracção, multiplicação, divisão por fracções e a
relação entre área e perímetro. A ampla distribuição destes tó-
picos na matemática elementar prometia uma imagem relati-
vamente completa do conhecimento dos professores neste
campo.
Ainda uma outra razão para o uso dos instrumentos TELT foi
o facto de o projecto TELT já ter construído uma base de dados
consolidada de entrevistas a professores. Fazendo uso desta
base, os investigadores do NCRTE realizaram investigações
importantes e de grande influência. Com a imagem do
conhecimento matemático dos professores traçada pelo estudo
TELT e por outras investigações, o meu estudo comparativo seria
não só mais eficaz, mas também mais relevante para a
investigação da educação matemática nos Estados Unidos.
Usando as questões e dados do TELT, estudei professores dos
dois países (ver Tabela 1.1). Os 23 professores dos Estados
Unidos eram considerados «melhores que a média». Onze deles
eram professores experientes que participavam no Programa de
Verão de Matemática para Professores na Universidade de
Mount Holyoke, e tinham sido considerados matematicamente
«mais dedicados e mais seguros». Os membros do projecto TELT
tinham-nos entrevistado no início do Programa de Verão. Os
outros doze estavam a participar no Programa Interno de
Pós-Graduação gerido conjuntamente por um distrito escolar e
pela Universidade do Novo México, e iriam receber os seus
diplomas de mestrado no final desse
26
Verão. Os membros do projecto TELT tinham-nos entrevistado
durante o Verão, depois do seu primeiro ano de ensino.
Tabela 1.1
Os professores no estudo a
27
Escolhi cinco escolas do ensino básico cuja qualidade variava de
muito boa a muito má 10 e entrevistei todos os professores de
matemática de cada escola, num total de 72 professores.
Os capítulos 1 a 4 traçam o retrato, revelado pelas entrevistas,
do conhecimento dos professores de matemática sobre a matéria.
Cada um destes capítulos é dedicado a um tópico fundamental da
matemática elementar: subtracção com reagru- pamento,
multiplicação com números de vários algarismos, divisão por
fracções, e perímetro e área de figuras fechadas. Cada capítulo
começa com uma questão da entrevista TELT concebida para
apresentar a matemática através de um hipotético cenário de sala
de aula em que o conhecimento matemático é 'entrelaçado' com
uma de quatro tarefas básicas de ensino: ensinar um tópico,
reagir a um erro dos alunos, criar uma representação de
determinado tópico e responder a uma nova ideia apresentada
por um aluno. Por exemplo, o cenário da divisão por fracções
dado anteriormente pede aos professores para representarem 1-|
: \ de um modo que seja significativo para os seus alunos.
Em cada um destes capítulos descrevo as respostas dos pro-
fessores americanos, depois as dos chineses e concluo com um
debate sobre os resultados obtidos. Os exemplos descrevem
imagens específicas de distintos entendimentos da matemática
elementar, incluindo a compreensão profunda da matemática
fundamental.
Os estudos sobre o conhecimento dos professores fornecem
exemplos abundantes de conhecimento insuficiente de mate-
mática (Bali, 1988a, 1990; Cohen, 1991; Leinhardt & Smith,
1985; Putnam, 1992; Simon, 1993), mas dão poucos exemplos do
conhecimento de que os professores precisam para apoiar o seu
10Estas escolas foram escolhidas entre aquelas com as quais eu estava familiarizada
antes de vir para os Estados Unidos. Três delas localizam-se em Xangai, uma grande área
metropolitana. A qualidade de ensino nestas escolas variava: uma era considerada de muito
boa qualidade, outra de qualidade moderada e a terceira de qualidade muito baixa. As outras
duas situam-se num concelho de estatuto socioeconómico e educacional médio. Uma delas é
uma escola citadina de muito boa qualidade e a outra é uma escola rural de baixa qualidade,
com instalações em três aldeias numa área de montanha.
28
ensino, particularmente o tipo de ensino exigido pelas recentes
reformas na educação matemática11.
Os investigadores criaram enquadramentos conceptuais gerais
que descrevem o que deveria ser o conhecimento dos professores
sobre a matemática. Deborah Bali está entre aqueles cujo trabalho
é significativo nesta área. Ela identificou a compreensão
matemática dos professores como «um entrelaçar de ideias de e
sobre a matéria» (1988b, 1991). Por conhecimento de matemática
quis dizer conhecimento substantivo da disciplina: compreensão
de tópicos específicos, procedimentos e conceitos, e das suas
inter-relações. Por conhecimento sobre matemática quis dizer
conhecimento sintáctico, digamos, a compreensão da natureza e
do discurso matemáticos. Para além disso, propôs três «critérios
específicos» para o conhecimento substantivo dos professores:
correcção, significado e conexão. Apesar de Bali e de outros
investigadores terem desenvolvido concepções do que deveria
ser o conhecimento matemático dos professores, os dados à sua
disposição limitaram o desenvolvimento de uma visão concreta
de tal conhecimento.
O capítulo 5 começa a aflorar este assunto. Nele aprofundo os
vários entendimentos retratados nos capítulos de dados, discuto
o que entendo por matemática fundamental e o que significa ter
uma compreensão profunda da matemática fundamental
(CPMF). Esta compreensão vai além da capacidade de calcular
correctamente e de dar uma fundamentação lógica para os
algoritmos computacionais. Um professor com uma
compreensão profunda da matemática fundamental está não só
consciente da estrutura conceptual e das atitudes básicas da 11
n Leinhardt e Bali são os dois principais investigadores neste campo. Para mais
informação sobre o trabalho de Leinhardt e dos seus colegas, ver Leinhardt e Greeno (1986);
Leinhardt e Smith (1985); Leinhardt (1987); Leinhardt, Putnam e Baxter (1991); e Stei, Baxter e
Leinhardt (1990). Para mais informação sobre o trabalho de Bali e dos seus colegas, ver Bali
(1988a, 1988b, 1988c/1991, 1988d, 1989,1990), e Schram, Nemser e Bali (1989).
29
matemática inerentes à matemática elementar, mas é também
capaz de ensiná-las aos alunos. O professor do primeiro ano que
encoraja os alunos a descobrir o que cinco maçãs, cinco blocos e
cinco crianças têm em comum, e os ajuda a chegar ao conceito de
5 a partir destes diferentes itens, incentiva uma atitude
matemática — usar números para descrever o mundo. O
professor do terceiro ano que lidera um debate sobre o motivo
de7 + 2 + 3 = 9 + 3 = 12 não poder ser escrito como 7 + 2 + + 3 = 9
+ 12, está a ajudar os alunos a conhecer um princípio matemático
básico — a igualdade. O professor que explica aos alunos que,
por sabermos que 247 x 34 = 247 x 4 + 247 x 30, no algoritmo
habitual da multiplicação devemos mover a segunda linha uma
coluna para a esquerda, está a ilustrar princípios básicos
(reagrupamento, propriedade distributiva, valor posicionai) e
uma atitude geral: não é suficiente saber como, devemos também
saber porquê. Os alunos que entusiasticamente relatam os
diferentes modos que usaram para encontrar um número entre j
e ' estão a pôr em prática a noção de que um problema pode ser
resolvido de múltiplas formas. Ao planear a aula e preparar o
debate, o seu professor baseou-se no conhecimento de como
ensinar (conhecimento pedagógico), mas para compreender as
respostas dos alunos e determinar os objectivos da aula, o
professor deve basear-se também no conhecimento da matéria.
O capítulo 6 apresenta os resultados de uma breve investi-
gação sobre como e quando os professores na China obtêm uma
compreensão profunda da matemática fundamental. Os factores
que sustentam o desenvolvimento do conhecimento matemático
dos professores chineses não existem nos Estados Unidos. Pior
ainda, as condições nos Estados Unidos são desfavoráveis ao
desenvolvimento do conhecimento matemático dos professores
do ensino básico e à sua organização para ensinar. O capítulo
final sugere mudanças na formação de professores, apoio aos
professores e investigação na educação matemática que possam
permitir aos professores nos Estados Unidos obter uma
compreensão profunda da matemática fundamental.
30
1
Subtracção com reagrupamento:
abordagens para ensinar um tópico
Cenário
75
-12
63
31
conseguem calcular directamente. Para subtrair 49 de 62, é
necessário que aprendam a subtracção com reagrupamento:
5
6 12
49
13
Construindo o tópico
32
10 emprestado ao lugar das dezenas, e quando pedem emprestado esse
1 que representa 10 unidades, riscam o 2 transformando-o num 1 e,
tendo agora 11-9, resolvem esse problema de subtracção e baixam o 1
que sobrou.
33
coluna das unidades é o mesmo que dizer 10 unidades ou 1
dezena... Eles têm de se habituar à ideia de que as trocas são
feitas entre valores posicionais e que isso não altera o valor do
número... O valor actual mantém-se, mas podem ocorrer trocas.
34
dois números independentes em vez de duas partes de um só
número.
Outra ideia errada sugerida pela explicação do «empréstimo» é
que o valor de um número não tem de manter-se constante no
cálculo, mas pode ser mudado arbitrariamente — se um número é
«demasiado pequeno» e precisa de ser maior por qualquer razão,
pode simplesmente «pedir emprestado» um determinado valor a
outro número.
Pelo contrário, os professores que esperavam que os alunos
compreendessem a fundamentação lógica subjacente ao pro-
cedimento mostraram que tinham dele um conhecimento con-
ceptual. Por exemplo, a Prof. Bernadette excluiu todas as
concepções erradas acima descritas:
35
Técnicas educativas: materiais manipuláveis
36
não está de forma alguma relacionado com reagrupamento. Pelo
contrário, o uso de materiais manipuláveis retira a necessidade
de reagrupar. O Prof. Barry, outro professor experiente no grupo
dos professores com uma orientação procedimental, mencionou
o uso de materiais manipuláveis para tornar clara a ideia de que
«precisamos de pedir algo emprestado». Ele disse que traria
moedas de 25 cêntimos e deixaria que os alunos as trocassem por
moedas de 10 e 5 cêntimos:
Uma boa ideia pode ser pegar em moedas, usar dinheiro porque
os miúdos gostam de dinheiro... A ideia de pegar numa moeda de 25
cêntimos e trocá-la por duas moedas de 10 cêntimos e uma de 5
cêntimos, de forma a podermos pedir emprestados 10 cêntimos, vai ao
encontro da ideia de que precisamos de pedir algo emprestado.
37
um problema no quadro, e eu teria também conjuntos de pauzinhos, e
mostraria primeiro como os separaria para resolver o problema, e
depois veria se eles eram capazes de fazer o mesmo, e depois, talvez
depois de muita prática, daria a cada par de alunos um problema de
subtracção diferente, que eles poderiam tentar resolver ou dar-nos
uma resposta. Ou faria com que inventassem um problema usando os
pauzinhos, separando-os e prosseguindo a experiência. (Sr.a Fiona)
(itálico acrescentado)
38
«ideia de troca equivalente» e a falar sobre «a relação com os
números»:
39
subtracção pela coluna das unidades. Uma vez que o 3 não é
suficientemente grande para dele tirar 5, devemos pedir emprestada
uma dezena da coluna das dezenas e transformá-la em 10 unidades.
Ao adicionarmos as 10 unidades a 3 obtemos 13. Se subtrairmos 5 de
13 obtemos 8. Coloca-se o 8 na coluna das unidades em baixo. Depois
movemo-nos para a coluna das dezenas. Uma vez que o 5 da coluna
das dezenas emprestou um 10 à coluna das unidades, restam apenas 4
dezenas. Tiramos 20 de 40 e obtemos 20. Coloca-se o 2 na coluna das
dezenas em baixo. (Sr.a Y.)
40
mencionados pelos professores americanos. Vamos analisar em
primeiro lugar uma frase-chave proferida pelos professores
chineses: decompor uma unidade de ordem superior.
«Decompor uma unidade de ordem superior [tui yf]» é um
termo da aritmética chinesa tradicional baseada no ábaco. Cada
fio de um ábaco representa um certo valor posicionai. O valor de
cada conta no ábaco depende da posição do fio onde está
colocada. Quanto mais à esquerda um fio estiver no ábaco, maior
é o valor posicionai que representa. Por isso, os valores das
contas nos fios à esquerda são sempre maiores do que os das
contas nos fios à direita.
Ao subtrair com reagrupamento no ábaco, precisamos de
«tirar» uma conta de um fio à esquerda e transformá-la em 10 ou
em potências de 10 contas nos fios à direita. A isto chama-se
«decompor uma unidade de ordem superior».
86% dos professores chineses descreveram o passo de «tirar»
no algoritmo como um processo de «decompor uma unidade de
ordem superior». Em vez de dizerem que «pedimos uma dezena
emprestada da posição das dezenas», disseram que
«decompomos uma dezena»12 13.
A razão pela qual não podemos calcular 21-9 directamente
reside na forma do número 21. No sistema decimal, os números
são compostos de acordo com a base 10. Logo que um número
recebe 10 unidades em determinada posição (ex., posição das
unidades, posição das dezenas), as 10 unidades devem ser
organizadas numa unidade na próxima posição de ordem su-
perior (ex., posição das dezenas, posição das centenas). Teori-
camente, não existem mais do que 9 unidades «dispersas» (não
compostas) no sistema de numeração decimal. Agora queremos
subtrair 9 unidades dispersas de 21, que tem apenas 1 na
41
posição das unidades. A solução é, então, decompor uma uni-
dade de ordem superior, um 10, e subtrair 9 unidades individuais
de 21, após a recomposição deste número.
Durante as entrevistas, os professores tendiam a discutir a
ideia de «decompor uma unidade de ordem superior» em ligação
com a adição com transporte — «compor uma unidade de ordem
superior \jin yi\». Ao descrever como ensinaria este tópico, a
Prof. L., uma professora experiente que ensina do primeiro ao
terceiro ano, disse:
42
subtrair 6. Espero que eles tenham a ideia de decompor
um 10. Caso contrário, proporei isso. (Prof. P.)
14 Versões antigas de manuais de aritmética chineses usavam o termo «sub- tracção com
empréstimo», traduzido a partir do Ocidente. Nas últimas décadas, os manuais têm usado
«subtracção com decomposição».
43
ainda maior do que a explicação que assenta no «reagrupar».
Embora a fundamentação lógica do algoritmo seja reagrupar o
aditivo, o reagrupar é uma abordagem matemática que não está
confinada à subtracção: é fundamental para uma variedade de
cálculos matemáticos. Há vários modos de reagrupar. Por
exemplo, ao efectuar uma adição com transporte, a soma numa
certa posição pode ser maior do que 10 unidades; então
reagrupamo-la, compondo as unidades em uma, ou mais, uni-
dades de ordem superior. Novamente, ao efectuar uma multi-
plicação com números de vários algarismos, reagrupamos o
multiplicador em grupos da mesma ordem (ex., ao calcular 57 x
39, reagrupamos 39 em 30 + 9 e efectuamos o cálculo de 57 x 30 +
57 x 9). De facto, cada uma das quatro operações aritméticas
implica determinado tipo de reagrupamento. Por isso, explicar o
procedimento de «tirar» apenas em termos de «reagrupar» é
menos correcto, porque o reagrupar é menos relevante ao tópico
da subtracção do que a «decomposição de uma unidade de
ordem superior». A primeira explicação falha por não indicar a
forma específica de reagrupar que ocorre na subtracção.
Além disso, ao usar o conceito de decompor uma unidade de
ordem superior, o procedimento da subtracção é explicado de um
modo que mostra a sua ligação com a operação da adição.
Fornece um apoio conceptual maior para a aprendizagem da
subtracção e reforça a aprendizagem anterior dos alunos.
44
contudo, referiu-se a uma ideia matemática mais básica — a base
para compor uma unidade de ordem superior [jin lu] — como
um conceito que os alunos devem conhecer antes de aprenderem
o reagrupamento, e que deve ser reforçado ao longo do ensino.
Estes professores afirmaram que os alunos devem ter uma
ideia bem definida sobre «a base para compor uma unidade de
ordem superior», para que melhor possam compreender porque
uma unidade de ordem superior é decomposta em 10, ou
potências de 10, unidades de ordem inferior. Tal compreensão, de
acordo com estes professores, irá facilitar a aprendizagem futura
dos alunos. O Prof. Mao, um professor do quinto ano que tinha
ensinado matemática no ensino básico durante 30 anos, fez este
comentário:
45
A Sr.a N. tinha ensinado anos menos avançados numa escola
do ensino básico numa zona rural durante três anos. Ela disse:
46
perspectiva — a perspectiva de decompor uma unidade —, o que
é certamente um avanço em relação à sua anterior aprendizagem
da ideia básica.
Comparada com a ideia de trocar uma dezena por 10 uni-
dades, a ideia da base para compor uma unidade de ordem su-
perior toca uma camada mais profunda da compreensão
matemática. Bruner (1960/1977), em O Processo da Educação,
disse: «Quanto mais fundamental ou básica for a ideia aprendida,
quase por definição, maior será o seu âmbito de aplicabilidade a
novos problemas» (p.18). De facto, a base para compor uma
unidade de ordem superior é uma ideia básica do sistema de
numeração. Ligar o passo de «transformar» à ideia de compor
uma unidade no sistema de numeração re- flecte não só a visão
destes professores sobre as ideias básicas subjacentes aos factos,
mas também a sua capacidade de incluir uma ideia fundamental
da disciplina num simples facto.
53
/\
40 13
47
Deste modo, podemos subtrair 6 de 13, 20 de 40 e obter 27. Isto faz
sentido. Contudo, podemos querer reagrupar 53 de outro modo:
53
/I\
40 10 3
26
/I\
20 3 3
48
pareça criar alguma complexidade, este cálculo é mais fácil do
que no modo usual. Precisamos simplesmente de subtrair as
unidades do subtractivo de 10, em vez de um número maior que
10.
A subtracção com o terceiro modo de reagrupar pode ser
ainda mais fácil. Primeiro separa-se da posição das unidades do
subtractivo o mesmo número que está na posição das unidades
do aditivo. Em seguida, subtrai-se do aditivo o número separado,
ficando zero na posição das unidades do aditivo. Depois
subtrai-se do aditivo, que é agora composto de dezenas inteiras, a
parte restante do subtractivo.
O segundo e terceiro modos são de facto muito usados na
vida quotidiana. Estas abordagens são também mais com-
preensíveis às crianças mais novas, atendendo aos seus limitados
conhecimentos de matemática.
Para além de descreverem estes modos alternativos de rea-
grupar, os professores chineses também os compararam —
descrevendo as situações nas quais estes métodos podem tornar
o cálculo mais simples. Alguns professores disseram que o
segundo modo de reagrupar é usado mais frequentemente
quando o algarismo do subtractivo situado na posição de ordem
inferior é substancialmente maior que o do aditivo, como, por
exemplo, em 52-7, ou 63-9. Estes problemas são fáceis de resolver
se primeiro subtrairmos 7 de 50 e adicionarmos 2 à primeira
diferença 43, ou primeiro subtrairmos 9 de 60 e adicionarmos 3 à
primeira diferença 51, já que neste tipo de problema os números
a subtrair estão normalmente perto de 10. O terceiro modo é
particularmente fácil quando os valores dos algarismos do
aditivo e do subtractivo na posição de ordem inferior estão perto
um do outro. Por exemplo, 47-8, ou 95-7. É fácil subtrair 7 de 47 e
depois subtrair 1 à primeira diferença 40, ou subtrair 5 de 95 e
depois subtrair 2 à primeira diferença 90.
Apesar de existirem várias formas de subtrair, o modo usual é
ainda o melhor para a maioria dos problemas, em particular para
aqueles que são mais complicados. A Prof.a Li, uma
49
professora de reconhecido mérito, descreveu o que acontece na
sua aula quando ensina a subtracção:
50
como 13-7, 15-8, etc., tendem a pensar que o modo usual é mais difícil.
_____________
Com a expressão «adição até 20» os professores chineses entendem a adição com transporte
na qual a soma é entre 10 e 20, como 7+8 ou 9+9.
51
mostrar flexibilidade ao lidar com os métodos menos comuns que
não aparecem nos manuais.
52
O segundo nível inclui problemas com aditivos entre 19 e 100,
como 52-25, 72-48, etc. No segundo nível, a dezena a ser
decomposta está combinada com várias outras dezenas. A nova
ideia é separá-la das outras dezenas.
O terceiro nível inclui problemas com aditivos maiores, isto é,
aditivos com três ou mais algarismos. A nova ideia no terceiro
nível é a decomposição sucessiva. Quando no aditivo a próxima
posição de ordem superior contém um zero, temos de decompor
uma unidade de uma posição mais distante do que essa próxima.
Os problemas incluem decompor duas ou até mais vezes. Por
exemplo, no problema 203-15, ao trabalhar na posição das
unidades, devemos decompor uma centena em 10 dezenas e, para
além disso, decompor uma dezena em 10 unidades.
De acordo com os professores chineses, a ideia básica da
subtracção com reagrupamento desenvolve-se através destes três
níveis. Contudo, a «semente» conceptual e a aptidão básica ao
longo de todos os níveis de problemas ocorrem logo no primeiro
nível — subtracção até 20.
Aqui reside uma diferença bastante interessante no enten-
dimento existente nos dois países. Nos Estados Unidos, pro-
blemas como «5+7=12» ou «12-7=5» são considerados «factos
aritméticos básicos», que os alunos devem simplesmente me-
morizar. Na China, contudo, são considerados problemas de
«adição com composição e subtracção com decomposição até
20»17, sendo a primeira ocasião em que os alunos devem recorrer
à aprendizagem anterior e em que a sua capacidade de compor e
decompor um 10 é significativamente consolidada18.
53
A Prof.a Sun estava na casa dos trinta e muitos anos e ensinava
há já 18 anos em escolas do ensino básico em várias cidades.
Criticou a minha questão na entrevista, por achar que não era
suficientemente relevante:
54
Os comentários da Prof.a E. são muito típicos dos professores
chineses:
55
vejo quando ensino os problemas que apresentou é mais extensa que
os três níveis que acabei de descrever. Pode também incluir a adição
até 20, a subtracção de números de dois algarismos sem
decomposição, a adição de números de dois algarismos com
transporte, a ideia da base para compor uma unidade de ordem
superior, a subtracção com números decimais, etc. Alguns deles
apoiam e outros são apoiados pelo presente conhecimento.
56
incluídos na base de conhecimento diferiam um pouco. Contudo,
eles partilhavam os princípios de como «agrupar» o
conhecimento e concordavam quanto aos «elementos-chave». A
figura 1.2 ilustra as principais ideias que os professores chineses
usam ao «agrupar» os elementos de conhecimento relacionados
com a subtracção com reagrupamento. O rectângulo representa o
tópico que eu propus na entrevista e as elipses representam os
elementos de conhecimento relacionados. As elipses sombreadas
representam os elementos-chave do conhecimento. Uma seta de
um tópico para outro indica que o primeiro sustenta o segundo,
portanto, de acordo com os professores, deve ocorrer antes do
segundo
Adição sem transporte
no
Subtracção
com reagrupamento de
A composição de 10
Adição e subtracção
até 20
ensino19.
A base para compor uma unicade de ordem superior
57
«subtracção com reagrupamento de números grandes». De
acordo com os professores chineses, o conceito e o procedimento
da subtracção com reagrupamento desenvolvem-se passo a passo
através desta sequência, a partir de uma forma simples e primária
para uma forma complexa e avançada. O tópico da «adição e
subtracção até 20» é considerado o elemento-chave da sequência,
ao qual os professores dedicam um maior esforço em todo o
processo de ensino da subtracção com reagrupamento. Eles
acreditam que tanto o conceito como a capacidade de cálculo
introduzida pelo referido tópico constituem a base para uma
aprendizagem posterior de formas mais avançadas de subtracção
com reagrupamento e, por isso, esse tópico irá fornecer uma
ajuda preciosa na aprendizagem posterior da subtracção, tanto no
aspecto conceptual como procedimental.
Para além desta sequência central, a base de conhecimento
contém ainda outros tópicos, directa ou indirectamente ligados a
um ou mais tópicos da sequência central que no esquema a
circundam. Durante as entrevistas, alguns professores discutiram
uma «subsequência» deste «círculo» — desde a «composição de
10» à «adição sem transporte» e à «subtracção sem
reagrupamento». Podemos imaginar que, se mudarmos de
perspectiva, por exemplo, se o nosso tópico for como ensinar a
subtracção sem reagrupamento, esta subsequência pode tornar-se
a sequência central da base de conhecimento dos professores. Um
tópico do «círculo», «compor e decompor uma unidade de ordem
superior», pode ser considerado outro elemento-chave da base,
porque é o conceito nuclear subjacente ao algoritmo da
subtracção.
O objectivo de um professor, ao organizar conhecimento
numa base deste tipo, é promover uma aprendizagem sólida de
determinado tópico. É óbvio que todos os itens na base de
conhecimento da subtracção com reagrupamento estão rela-
cionados com a aprendizagem deste tópico, apoiando-o ou
apoiando-se nele. Alguns itens, por exemplo, a subtracção sem
reagrupamento, são incluídos principalmente para fornecer um
apoio procedimental. Outros itens, por exemplo, compor e
58
decompor uma unidade de ordem superior, são considerados
principalmente como apoio conceptual. Outros ainda, por
exemplo, o conceito de operação inversa, foram referidos como
apoio conceptual bem como apoio procedimental20. Os esquemas
individuais de cada professor variavam de acordo com os itens
específicos neles incluídos. Contudo, as relações entre os itens e
alguns itens nucleares eram comuns.
59
No Outono passado, quando os meus alunos trabalhavam com
este tipo de problemas usando materiais manipuláveis, deparámo-nos
com uma dificuldade. Reparámos que o procedimento manipulativo
era diferente do que seguimos com colunas no papel. Digamos que
estamos a resolver o problema 35-18. Com os materiais manipuláveis
começamos pela posição de ordem superior. Tiramos primeiro o 10
existente em 18 e só depois o 8. Com as colunas começamos pela
posição das unidades, subtraindo o 8 primeiro. O modo de utilização
dos materiais manipuláveis corresponde de facto ao modo como
efectuamos habitualmente a subtracção no dia-a-dia. Quando
pensamos no troco que vamos receber ao pagar com 2 yuans 21 alguma
coisa que custa 1 yuan e 63 cêntimos, subtraímos primeiro l.yuan,
depois 60 cêntimos e depois 3 cêntimos. Mas com o modo tradicional,
em colunas, fazemos o cálculo no sentido oposto: subtraímos primeiro
3 cêntimos, depois 60 cêntimos e finalmente 1 yuan. Na perspectiva da
experiência de vida dos alunos, o modo como aprendem na escola
parece ser mais complexo e fazer menos sentido. Tentámos fazer no
quadro para ver o que aconteceria se começássemos na posição de
ordem superior. Descobrimos que começar pelas dezenas iria dar
primeiro uma diferença de 2 na posição das dezenas:
35
-18
2
60
a diferença final. No entanto, esta explicação resolveu
apenas metade do problema — porque é que com colunas
precisamos de começar pela posição de ordem inferior. Os
alunos não estavam ainda convencidos de que tinham de
aprender o modo tradicional, uma vez que não viam nele
qualquer vantagem. Sugeri que de momento
esquecêssemos este imbróglio, já que provavelmente
voltaríamos a ele mais tarde. No final do ano escolar,
trabalhámos na subtracção com decomposição de números
grandes. Levantei novamente a questão para uma dis-
cussão. Os meus alunos rapidamente descobriram que,
com números grandes, o modo tradicional é muito mais
fácil na maioria dos problemas. Depois concordaram que
vale a pena aprender o modo tradicional...
DEBATE
61
que, obviamente, são a base da subtracção com reagrupamento.
Em segundo lugar, procuravam ligar o procedimento a uma
explicação, o que também reforça a aprendizagem dos alunos —
ao dar uma razão para o «tirar» e «transformar», o professor
fornece mais informação para apoiar a aprendizagem do
algoritmo.
Quando lhes pedimos que indicassem aquilo que, na sua
opinião, os alunos iriam precisar para compreender ou de saber
fazer antes da aprendizagem da subtracção com reagrupamento,
todos os professores apresentaram as suas próprias «bases de
conhecimento», incluindo ambos os tipos de ligações. Uma
diferença, contudo, foi a de que alguns professores mostraram
uma consciência bem definida destas ligações, enquanto outros
não. Esta diferença estava associada a diferenças significativas no
conhecimento dos professores sobre a matéria. Os professores
que procuravam «agrupar» conhecimento conscientemente
conseguiam descrever os elementos que incluíam na sua base e,
além disso, estavam claramente cientes da estrutura da rede e do
estatuto de cada elemento na mesma. Por outro lado, os
professores que «agrupavam» conhecimento inconscientemente
tinham um conhecimento vago e incerto dos elementos e da
estrutura da rede: as bases de conhecimento nas suas mentes
estavam subdesenvolvidas. De facto, embora ligar um tópico que
se vai ensinar a tópicos relacionados possa ser uma intenção
espontânea de qualquer formador, uma base de conhecimento
totalmente desenvolvida e bem organizada sobre um tópico é
resultado de um estudo deliberado.
Modelos do conhecimento dos professores quanto à subtracção:
entendimento procedimental versus entendimento conceptual
62
modo diferente.
63
83% do conhecimento dos professores americanos e 14% do
dos professores chineses sobre subtracção com reagrupamento
enquadravam-se neste padrão. O seu entendimento do tópico
contém alguns tópicos procedimentais e um entendimento
pseudoconceptual: fizeram muito poucas ligações entre tópicos
matemáticos e não incluíram quaisquer argumentos matemáticos
nas suas explicações.
64
subjacente ao algoritmo. Contudo, os professores acreditavam
que os tópicos conceptuais também desempenhavam um papel
importante na promoção da competência procedimental. Por
exemplo, alguns professores achavam que um entendimento
amplo do conceito de reagrupar ajudava os alunos a escolher um
método fácil de subtracção.
Algumas bases de conhecimento dos professores incluíam
princípios básicos, por exemplo, o conceito da base para compor
uma unidade de ordem superior e o conceito de operações
inversas. A base para compor uma unidade de ordem superior é
um princípio básico na compreensão dos sistemas de numeração.
Este conceito não está apenas relacionado com a aprendizagem
pelos alunos da subtracção com reagrupamento de números
grandes, quando são necessárias decomposições sucessivas, mas
também estará relacionado com a futura aprendizagem do
sistema binário — um sistema de numeração completamente
diferente. Para além disso, ao revelar um princípio dos sistemas
de numeração, o conceito irá aprofundar a compreensão de toda
a disciplina.
O conceito de operações inversas é um dos princípios
fundamentais que subjazem às relações entre as operações ma-
temáticas. Embora este conceito esteja relacionado com a
aprendizagem da subtracção conjuntamente com a sua operação
inversa, a adição, está também na base da aprendizagem de
outras operações inversas na matemática, tais como a mul-
tiplicação e divisão, elevar ao quadrado e calcular as raízes
quadradas, elevar ao cubo e calcular as raízes cúbicas, elevar a ne
calcular as raízes de índice n, etc.
Estes dois princípios gerais são exemplos daquilo a que Bru-
ner (1960/1977) chamou «estrutura da disciplina». Bruner disse:
«Entender a estrutura de uma disciplina é compreendê-la de um
modo que permita que muitas outras coisas se relacionem com
ela de modo significativo. Aprender a estrutura é, em resumo,
aprender como as coisas se relacionam.» (p. 7)
Com efeito, os professores que incluíam no seu ensino ideias
básicas da disciplina «simples mas poderosas» estariam
65
não só a promover uma aprendizagem conceptual no presente,
mas também a preparar os seus alunos para relacionar a apren-
dizagem actual com a futura.
Um entendimento conceptual bem desenvolvido de um tó-
pico inclui também a compreensão da importância de outra
dimensão da estrutura da disciplina — atitudes perante a
matemática. Novamente, Bruner disse: «O domínio de ideias
fundamentais de determinado campo envolve não só a com-
preensão dos princípios gerais, mas também o desenvolvimento
de uma atitude perante a aprendizagem e a pesquisa, perante as
estimativas e os palpites, perante a possibilidade de resolver
problemas por si próprio.» (p. 20)
Os professores não deram quaisquer exemplos de atitudes
perante a matemática nas bases de conhecimento que cons-
truíram. Alguns professores, contudo, mostraram conhecimento
de atitudes gerais. As suas explicações sobre os modos
convencionais e alternativos de reagrupar mostraram uma ati-
tude perante a disciplina — a de abordar uma questão mate-
mática a partir de várias perspectivas. As descrições dos
professores relativas à forma como encorajam os alunos a apre-
sentarem os seus próprios modos de efectuar a subtracção com
reagrupamento e os levam a discutir esses modos mostraram as
suas próprias atitudes para com a pesquisa matemática. Para
além disso, a intenção dos professores de fornecer provas
matemáticas após levantarem uma questão, a sua confiança e
capacidade de debater o tópico de um modo matemático e a sua
intenção de promover um tal debate entre os seus alunos são
exemplos de atitudes generalistas. De facto, embora não tivessem
sido explicitamente incluídas como itens específicos na base de
conhecimento de qualquer professor, as atitudes básicas em
relação à matemática têm uma forte influência sobre o
entendimento conceptual da matemática. Como indicarei nos
capítulos seguintes, a maioria dos tópicos específicos
mencionados neste capítulo não aparece em exposições sobre a
multiplicação com números de vários algarismos, divisão por
fracções, e área e perímetro. As atitudes que
66
os professores apresentaram neste capítulo, contudo, irão
acompanhar-nos ao longo dos outros capítulos sobre tópicos
matemáticos e no resto do livro.
A figura 1.2 mostrou como estava organizada uma base de
conhecimento bem desenvolvida para a subtracção com rea-
grupamento. A figura 1.4 ilustra um modelo de entendimento
conceptual de um tópico. O rectângulo cinzento mais elevado
representa o entendimento procedimental do tópico. O trapézio
central cinzento representa o entendimento conceptual do tópico.
É sustentado por alguns tópicos procedimentais (elipses brancas),
tópicos conceptuais (elipses cinzentas-claras), ideias matemáticas
básicas (elipses escuras representando princípios básicos e elipses
com ligações ponteadas representando atitudes básicas em
relação à matemática). O rectângulo inferior representa a
estrutura da matemática.
67
aspecto «reagrupar» da operação. Muitos professores chineses
explicaram que a ideia principal do algoritmo é «decompor uma
unidade de ordem superior». Ambas as explicações se baseiam
em argumentos matemáticos e reflectem o entendimento
conceptual do tópico procedimental por parte dos professores.
O entendimento conceptual da subtracção com reagrupa-
mento, contudo, não tem «apenas uma resposta correcta».
Existem várias versões de explicações conceptuais. Por exemplo,
o professor A pode expor o conceito de decompor uma unidade
de ordem superior. O professor B pode explicar o conceito de
decompor relacionando-o com o conceito de compor. O professor
C pode introduzir o conceito de base para compor uma unidade
de ordem superior. O professor D pode apresentar o conceito de
reagrupar usando o reagrupamento sugerido pelo algoritmo. O
professor E pode apresentar várias formas de reagrupar para
desenvolver o conceito. Todos estes professores têm
entendimentos conceptuais autênticos. Contudo, a abrangência e
profundidade dos seus entendimentos não é igual. O sombreado
no trapézio pretende mostrar esta característica do entendimento
conceptual.
Sabemos muito pouco sobre a qualidade e as características
do entendimento conceptual dos professores. Pode acontecer que
o poder matemático de um conceito dependa da sua relação com
outros conceitos. Quanto mais perto um conceito está da estrutura
da disciplina, mais relações pode ter com outros tópicos. Se um
professor usa um princípio básico da disciplina para explicar a
fundamentação lógica do procedimento da subtracção com
reagrupamento, ele ou ela dota essa explicação de um forte poder
matemático.
17% dos professores americanos e 86% dos professores chi-
neses demonstraram um entendimento conceptual do tópico.
Entre estes professores, os chineses apresentaram um conhe-
cimento mais sofisticado do que o dos seus colegas americanos.
Relação entre o conhecimento dos professores sobre a matéria e
o método de ensino: pode o uso de materiais manipuláveis
compensar a deficiência de conhecimento sobre a matéria?
68
Em comparação com o conhecimento dos professores sobre a
matéria, há outros aspectos do ensino que recebem habitualmente
mais atenção, talvez porque pareçam afectar os alunos mais
directamente. Ao pensar como se vai ensinar um tópico, a
preocupação principal deverá ser qual a abordagem a utilizar.
Durante as entrevistas, a maioria dos professores disse que usaria
materiais manipuláveis. Contudo, o modo como estes materiais
seriam usados dependia da compreensão matemática do
professor que se servia deles. Os 23 professores americanos não
tinham os mesmos objectivos de aprendizagem. Alguns preten-
diam que os alunos ficassem com uma ideia «concreta» da sub-
tracção, outros queriam que os alunos compreendessem que uma
dezena é igual a 10 unidades, e uma queria que os alunos apren-
dessem a ideia de troca equivalente. Os que queriam que os alu-
nos tivessem uma ideia concreta da subtracção descreveram usos
de materiais manipuláveis que eliminavam a necessidade de rea-
grupar. Os que queriam que os alunos compreendessem que uma
dezena é igual a 10 unidades descreveram um procedimento com
materiais manipuláveis que os alunos podiam usar para fazer o
cálculo. A professora que queria que os alunos aprendessem a
ideia de troca equivalente descreveu o modo como usaria os
materiais manipuláveis para ilustrar o conceito subjacente ao
procedimento. Ao contrário dos professores americanos, os
professores chineses disseram que fariam um debate na aula a
seguir ao uso dos materiais manipuláveis, no qual os alunos iriam
relatar, mostrar, explicar e discutir as suas soluções.
Em actividades envolvendo materiais manipuláveis, e se-
gundo as descrições dos professores chineses, os alunos levantam
questões que poderão levar a uma compreensão mais profunda
da matemática. A concretização do potencial de aprendizagem de
tais questões pode ainda depender em grande parte da qualidade
do conhecimento dos professores sobre a matéria.
69
SUMÁRIO
70
2
Cenário
123
x 645
123
x
645
615
492
738
1845
em vez disto:
12
3x
645
615
492
71
738
7933
5
72
Embora estes professores tenham concordado que isto era um problema,
não concordaram quanto ao seu tratamento.
O que fariam se estivessem a ensinar o sexto ano e reparassem que alguns
alunos estavam a cometer este erro?
73
dezenas, deveriam mover-se para a coluna das dezenas para
começarem a colocar a resposta. E depois teriam de multiplicar a
coluna das centenas, de forma que deveriam passar à terceira coluna.
74
por 40, temos de nos lembrar de alinhar com 40; ao multiplicar
por 600, temos de nos lembrar de alinhar com 600. É apenas uma
questão de memorizar o procedimento.
Os professores do grupo de orientação conceptual tinham
uma interpretação diferente do erro dos alunos. Usando os ter-
mos já usados pela Sr.a Fay, outra professora em início de car-
reira, Sr.a Francesca, disse:
Diria que as crianças, os alunos não têm ideia disso, não en-
tendem de facto o valor posicionai. Não entendem o conceito, porque
estão a fazer 4 vezes 3, que é o que parece, mas tem que ser visto como
40 vezes 3 e eles não compreendem isso. Por isso não colocam os
valores de modo correcto... O problema é que não viram como cada
número é formado.
75
que o professor tinha da multiplicação com números de vários
algarismos.
Todos os professores no grupo de orientação conceptual, mas
apenas dois no grupo de orientação procedimental, mostraram
um sólido entendimento da fundamentação lógica subjacente ao
algoritmo. Os outros catorze professores de orientação
procedimental (61%) tinham um conhecimento limitado do
tópico. Embora fossem capazes de verbalizar a regra de «mover»
explicitamente, nenhum conseguiu explicá-la.
Durante as entrevistas, alguns professores admitiram que não
conheciam a fundamentação lógica. A Prof.a Beverly, uma
professora experiente que considerava ser a matemática o seu
forte, confessou que não estava muito à vontade nesta área e que
não era capaz de explicar «porque se move»: «Vejamos, este é o
tipo de coisas que me causa problemas. Áreas em que não estou à
vontade.»
Outros professores articularam uma resposta, mas falharam
ao tentar dar uma explicação matemática real: «É difícil... Porque
é o modo como sempre fazemos... Quer dizer, foi assim que nos
ensinaram a fazer» (Sr.a Fay). «Porque é o modo correcto. Foi
assim que aprendi. Está certo» (Sr.a Fiona). «Não consigo
lembrar-me da regra. Não consigo lembrar-me porque se faz
deste modo. Apenas faço como me ensinaram» (Sr.a Felice).
O conhecimento matemático é baseado na convenção e na
lógica. Contudo, neste caso a convenção funciona como um
abrigo para aqueles que não têm um entendimento conceptual de
um procedimento matemático.
As características problemáticas do conhecimento dos
professores sobre a matéria foram também reveladas nas suas
opiniões sobre os zeros «escondidos» incluídos no cálculo.
76
O alinhamento em escada, que confunde os alunos, é, de facto,
um resumo do seguinte:
123 x
645
615
4920
7380
0
7933
5
77
Por outro lado, os professores que consideravam os zeros
marcadores de posição úteis ao efectuar o algoritmo também não
lhes atribuíam qualquer significado matemático. Quando lhes
perguntaram se a colocação de um zero depois de 492 iria mudar
o número, ficaram confusos:
Ok, eu não lhes diria que estava a adicionar zeros, estou a colocar
zeros como marcadores de lugar. (Prof.1 Bernardette)
78
Contudo, os sete professores do grupo de orientação con-
ceptual deram explicações matemáticas do algoritmo. Explicaram
que multiplicar por 645 era multiplicar realmente por 5 e por 40 e
por 600, de forma que os produtos parciais eram de facto 615,
4920 e 73800. Em face dos mesmos testes conceptuais sobre os
zeros, «aguentaram-se no exame». Quando lhes perguntaram se
acrescentar zeros ao número o mudaria, alguns disseram que sim
e outros que não. Ambas as respostas fazem sentido. A Sr.a Fawn
argumentou que, se o 492 do problema é visto com um número
normal, então acrescentando um zero estamos a mudá-lo, e essa
mudança é necessária:
79
Ok, eu acho que com este processo (separar o problema e listar os
produtos parciais) mostraria que não estamos apenas a acrescentar
zeros. (Sr.a Faith)
Estratégias de ensino
Procedimentais
Os dois grupos de professores que definiram o erro dos alu-
nos de dois modos diferentes tinham diferentes abordagens para
o tratar. Os professores do grupo de orientação procedimental
disseram que ensinariam os alunos a alinhar correctamente os
produtos parciais, para o que apresentaram três estratégias.
80
como uma etiqueta para cada uma das colunas onde eles
deveriam colocar os números.
81
de ensinar este tópico era usar coisas que «os alunos captassem
rapidamente» como marcadores de posição:
Conceptuais
82
123 é realmente e o que significa: é 100, mais 20, mais 3. E depois
falaríamos sobre o 645 e o que significa. E em seguida sobre o que
significa multiplicar, e eu pegaria num número como 123 vezes 5, e o
que significa multiplicar 123 vezes 5: significa 123 cinco vezes. Por
fim, faríamos o mesmo com a parte seguinte do número, 40, e depois
com o 600.
83
produtos parciais podem ser separados, multiplicando primeiro 123
vezes 5 e depois 123 vezes 40 e depois 123 vezes 600 e por fim
somando-os todos... E isso que estamos afazer no problema. E depois
pediria aos alunos que colocassem o zero marcador de posição.
84
como as suas abordagens ao lidar com o problema se centravam
no procedimento. Ao descrever as suas ideias sobre o ensino, o
Sr. Félix disse:
85
I
conseguiu dar uma explicação matemática legítima da razão de
incluir os zeros. Consequentemente, apesar de a Sr.a Francine
acreditar que os alunos deviam entender um procedimento antes
de o memorizar, o seu conhecimento limitado restringia a sua
capacidade de ajudar os alunos a entender o procedimento.
A Sr.a Felice optaria por um ensino cooperativo. Ela acredi-
tava que os alunos aprenderiam muito mais matemática se tra-
balhassem em grupos heterogéneos com os seus pares. Mais
uma vez, contudo, o seu próprio conhecimento limitado iria
condicionar os seus alunos:
86
explicassem «porque faziam daquela maneira», durante toda a
entrevista nunca especificou porquê. Em vez disso, enfatizou
como efectuar o procedimento: fazer com que os alunos se-
guissem outros alunos, acompanhar verbalmente os seus passos,
colocar zeros imaginários, etc. Disse que discutiria isso com os
alunos, fornecendo explicações individualmente. Mesmo assim,
quando o entrevistador sugeriu uma conversa simulada entre a
Sr.a Felice e os alunos, ela não conseguiu debater o problema a
nível conceptual.
O conhecimento dos professores sobre uma matéria pode não
produzir automaticamente métodos de ensino promissores ou
novas concepções de ensino. Mas sem um apoio sólido desse
conhecimento, métodos promissores ou novas concepções de
ensino não podem ser realizados com sucesso.
87
neses, os seis que tinham um entendimento procedimental e três
que entendiam a fundamentação lógica, mostraram uma orien-
tação procedimental na definição e na gestão do erro. Sessenta e
tr
ê
s
p
r
o
De orientação De orientação
procedimental conceptual
Interpretar o erro
88
priedade distributiva22, outro grupo ampliou o conceito de valor
posicionai em sistema de valor posicionai e o terceiro grupo
explicou o problema a partir de ambas as perspectivas.
Propriedade distributiva
O problema é que o aluno não tinha uma ideia clara da razão por
que os números devem ser alinhados de modo diferente do da adição.
O alinhamento é de facto derivado através de vários passos. Primeiro,
coloco no quadro uma igualdade e trabalho-a com os alunos:
associativa e distributiva. São ensinados que estas leis podem tomar os cálculos matemáticos
mais fáceis. Por exemplo, com as propriedades comutativa e associativa, podemos reorganizar
problemas como «12 + 29 + 88 + 11 =» em «(12 + 88) + (29 + 11) =» e com a propriedade
distributiva, podemos reorganizar «35 x 102 =» em «35 x 100 + 35 x 2 =» .
89
O que nos permitiu transformar o problema? A propriedade
distributiva. Depois, sugiro que a turma reescreva a igualdade em
colunas:
123
x
645
615
4920
7380
0
7933
5
12
3x
645
615
492
738
7933
5
90
compararem as duas formas da operação e, em particular, para
prestarem atenção aos zeros. Depois, após um debate sobre o
papel dos zeros, apagou-os nas colunas porque eles não faziam
diferença no cálculo, o que transformou as colunas originais em
91
colunas tipo escada. Comparada com as dos professores ameri-
canos, a explicação da Prof.a A. estava mais perto de um argu-
mento matemático convencional: as características de um
argumento matemático — justificação, raciocínio rigoroso e ex-
pressão correcta — foram observadas durante a sua explicação.
Outros professores, contudo, disseram que explicações como
as da Prof.a A. não eram ainda suficientemente rigorosas. Outra
propriedade matemática importante, multiplicar por 10 e pelas
potências de 10, deveria ser incluída:
123
x 40
000
492
4920
A questão de o 492 ter que ser «movido» ainda existirá. Penso que
é por isso que nos manuais, em geral, a multiplicação por 10 e por
potências de 10 vem imediatamente antes da multiplicação com
números de vários algarismos. Eíma vez que o procedimento de
multiplicar por 10 e por potências de 10 é tão simples, tendemos a
ignorá-lo. Mas, em termos da precisão da matemática, deve ser
debatido, ou pelo menos mencionado, na nossa explicação. (Prof.
Chen)
92
A preocupação do Prof. Chen não era gratuita. Entre os sete
professores americanos que explicaram a fundamentação lógica
do procedimento, dois mostraram ignorância do que o Professor
Chen explicitou. Embora tivessem separado o problema
correctamente em subproblemas, não entenderam os
procedimentos particulares de x 10 e x 100 incluídos nos sub-
problemas x 40 e x 600. Em vez disso, trataram-nos como cálculos
normais:
93
O sistema de valor posicionai
94
necessário, ou apenas se quisermos. Por exemplo, usando uma
dezena, uma centena, uma décima ou até um dois como unidade
básica, podemos dizer que o número 123 são 12,3 dezenas; 1,23
centenas; 1230 décimas ou até 61,5 dois. Podemos também mudar
o valor de um número simplesmente alterando o valor posicionai
da sua unidade básica. Com os mesmos três algarismos, 123
décimas, 123 dezenas, e 123 centenas têm valores
significativamente diferentes. Baseando-se nesta observação, os
professores argumentaram que as 40 unidades em 645 deviam ser
tratadas como 4 dezenas — um número de um algarismo — no
algoritmo. Do mesmo modo, as 600 unidades em 645 deviam ser
tratadas como 6 centenas.
De facto, no sistema de valor posicionai, cada posição está
relacionada com outra. Um único valor posicionai não tem um
significado independente. Cada um é definido pela sua relação
com outros membros do sistema, de forma que todos os valores
posicionais são interdependentes. Não existiria um «um», a
menos que fosse um décimo de uma dezena, um por cento de
uma centena, dez décimas, etc. O valor posicionai de uma uni-
dade básica determina a forma como um número é apresentado.
Através das explicações sobre a relação entre 4920 unidades e
492 dezenas, o conhecimento prévio dos alunos sobre o valor
posicionai seria desenvolvido:
95
mesmo acontece quando multiplicamos 123 por 6, que vemos como 6
centenas. O valor posicionai da unidade básica do produto é a
centena, 738 centenas. Por isso devemos pôr o 8 na posição das
centenas. Em vez de quantas unidades, estamos agora a pensar em
quantas dezenas, quantas centenas, ou até mesmo quantos milhares,
etc... Para corrigir o erro dos alunos devemos expandir o seu
entendimento do valor posicionai, para os ajudar a pensar no conceito
de modo flexível. Sim, são 492, mas não 492 unidades e sim 492
dezenas. (Prof. Wang)
96
cientes de que os aspectos complicados derivam de aspectos
simples e elementares deste conceito. Mais importante, mos-
traram um sólido entendimento da ideia fulcral do conceito — «o
que representa um algarismo em determinada posição». Esta
ideia perpassa todas as fases do ensino-aprendizagem e está
subjacente a diferentes aspectos do conceito. Para além disso, os
professores estavam conscientes do modo como o conceito de
valor posicionai está interligado com várias operações
matemáticas e do papel que desempenha nessas operações. Com
esta consciência, os professores preparam os alunos para
aprender uma ideia, mesmo quando ainda não é óbvia no
conteúdo que estão a ensinar no momento. A Prof.a Li descreveu
como o conceito de valor posicionai nos alunos se desenvolve
passo a passo:
97
superior. A composição e decomposição de uma unidade são também
aspectos importantes do conceito de valor posicionai. Agora, na
multiplicação, são confrontados novos aspectos do conceito.
Costumavam lidar com várias dezenas. Agora estão a lidar com várias
dezenas de dezenas, digamos 20 ou 35 dezenas, ou até várias centenas
de dezenas, como neste problema, 492 dezenas. Costumavam lidar
com várias centenas. Agora têm de lidar com várias dezenas de
centenas, ou até várias centenas de centenas, como 738 centenas neste
problema. Para entender este aspecto, têm de saber como lidar com o
valor posicionai de modo sistemático.
Base de conhecimento
98
da multiplicação por números de três algarismos. A questão da
«multiplicação por números de dois algarismos» foi levantada
pelos professores nas primeiras reacções à minha questão. Cerca
de 20% dos professores chineses comentaram que os seus alunos
não tinham cometido «um tal erro» ao aprender a multiplicação
por números de três algarismos, pois isso teria sido resolvido na
fase da aprendizagem da multiplicação por números de dois
algarismos:
99
números de dois algarismos.» A Prof.a Wang disse que nas suas
aulas a multiplicação por números de dois algarismos era levada
a sério e trabalhada intensivamente:
Para lhes dizer a verdade, não ensino aos meus alunos a mul-
tiplicação por números de três algarismos. Em vez disso, deixo- os
aprendê-la por si próprios. O meu enfoque, contudo, é na
multiplicação por números de dois algarismos. Multiplicar por um
número de dois algarismos é o tópico mais difícil. Os alunos precisam
de aprender um conceito matemático novo, bem como uma nova
capacidade de cálculo. Temos de ter a certeza de que adquirem ambos.
Promovo debates pormenorizados, uma e outra vez. Como se resolve o
problema? Porque precisamos de mover [o produto parcial]? Eles
podem ter as suas próprias ideias, e podem também abrir o manual e
ver o que lá diz.
O ponto principal é que têm de reflectir sobre o porquê, e explicar.
Normalmente organizo debates em grupo ou com toda a turma. Para
os debates em grupo, formo pares de alunos que estão na mesma
secretária24, ou de quatro alunos sentados em duas secretárias uma
atrás da outra. Os alunos da secretária da frente viram-se para trás
para ficar de frente para os outros dois alunos. O problema dos
debates em grupo é que alguns alunos mais lentos podem sentir-se
tentados a confiar nos seus colegas para explicar a questão. Por isso,
no debate com toda a turma, presto-lhes particular atenção.
Convido-os a falar para a turma e asseguro-me de que entendem a
questão. Depois, a turma tem de praticar o cálculo. Por vezes, embora
entendam a fundamentação lógica, podem esquecer-se de mover os
números porque se habituaram a alinhá-los directamente quando
fizeram a adição. Por isso, precisam de praticar. Após terem uma ideia
clara do conceito e obterem prática suficiente, tornam-se peritos em
fazer a multiplicação por números de dois algarismos. Tenho a certeza
de que depois conseguem aprender por si pró-
24 Na China, dois alunos partilham uma secretária e todas as secretárias estão alinhadas
íflffr.iKÍ
100
prios a multiplicação por números de vários algarismos. É por isso
que o seu entendimento do conceito, ao trabalharem a multiplicação
por números de dois algarismos, é tão importante.
Significado
Como um número da multiplicação
é composto Multiplicação por números ,
de um algarismo .
Fig. 2.3. Uma base de conhecimento para a multiplicação por números
de três algarismos
Estratégias de ensino
101
um professor se propunha a ajudar os alunos dependia forte-
mente do seu conhecimento sobre o tópico. Os poucos profes-
sores chineses cujo conhecimento estava limitado aos
procedimentos disseram que iriam simplesmente lembrar aos
alunos que deviam mover correctamente os produtos parciais. A
maioria dos professores chineses, contudo, apresentaram
estratégias baseadas em conceitos para ajudar os alunos a
entender o problema.
Explicação e demonstração
102
Através da sua explicação, a Sr.a G. transmitiu o conceito in-
cluído na fundamentação lógica subjacente ao procedimento,
bem como o fio condutor de um argumento matemático. A
maioria dos professores que pretendiam explicar o algoritmo pela
transformação do problema segundo a propriedade distributiva
disseram que mostrariam a transformação no quadro. Durante as
entrevistas, notou-se uma tendência dos professores para mostrar
cada passo do procedimento como se estivessem a ensinar aos
seus alunos de forma que eles compreendessem o encadeamento
lógico completo do cálculo.
103
miná-lo com atenção, e depois pediriam à turma que debatesse as
suas conclusões:
104
colocadas preferencialmente aos alunos que tinham cometido o
erro:
105
Penso que a razão pela qual os alunos cometeram tal erro se
prende com o facto de não entenderem o significado que cada
algarismo exprime quando está em determinada posição. Primeiro
peço-lhes que resolvam alguns exercícios como estes:
42 x 40 = () dezenas 42 x
400 = () centenas
106
Tanto os professores que usavam «exercícios de diagnóstico»
como os que usavam questões indicaram uma orientação aos
alunos, no entanto deixaram para estes a tarefa de abordar o
problema.
107
O discurso matemático, que se caracteriza pela pesquisa, pro-
blematização e defesa de proposições, inclui também um dis-
curso dentro de si próprio. Esta característica da matemática está
reflectida nas estratégias destes professores — envolver os alunos
na descoberta e na explicação do problema por si próprios.
DEBATE
108
num padrão similar ao do capítulo anterior. Mais uma vez, todos
os professores atingiram o nível procedimental — todos sabiam
como fazer a multiplicação correctamente. Contudo, 61% dos
professores americanos e 8% dos professores chineses não
conseguiram fornecer verdadeiras explicações conceptuais para o
procedimento. Ironicamente, tendiam a usar o termo «valor
posicionai» procedimentalmente — para identificar ou etiquetar
as colunas com o objectivo de alinhar os números.
Os restantes 39% dos professores americanos e 92% dos pro-
fessores chineses deram explicações conceptuais para o algoritmo
da multiplicação com números de vários algarismos. As suas
explicações tomaram, contudo, várias formas. Os 7 professores
americanos disseram que o problema 123 x 645 é, de facto,
constituído pelos três subproblemas 123 x 600,123 x 40 e 123 x 5,
mas não deram justificações explícitas para esta afirmação. Por
isso, os produtos parciais não eram 615, 492 e 738, mas sim 615,
4920 e 73 800. Por outro lado, a maioria dos professores chineses
indicaram que o conceito subjacente ao algoritmo é a
propriedade distributiva. Não só mencionaram frequentemente o
termo «propriedade distributiva», como a aplicaram para
mostrar e justificar a transição:
109
Embora todas as explicações acima mencionadas sobre o
procedimento de cálculo da multiplicação com números de vá-
rios algarismos façam sentido, facilmente se detectam diferenças
conceptuais entre elas. Como compreender estas diferenças no
entendimento conceptual dos professores de um tópico ma-
temático? Será que estas diferenças no entendimento dos pro-
fessores farão diferença na aprendizagem dos alunos? Há, em
1998, muita discussão na educação matemática sobre o enten-
dimento conceptual, por oposição ao entendimento procedi-
mental. No entanto, prestou-se pouca atenção a características
mais específicas de um entendimento conceptual adequado, por
exemplo no que se refere à sua abrangência.
110
onde a fundamentação lógica do tópico é tratada pela primeira
vez, foi considerada o elemento-chave que merece mais esforço
por parte dos professores, bem como dos alunos. Para o tópico da
subtracção com reagrupamento, o elemento-chave foi a sub-
tracção até 20.
Os professores chineses normalmente prestam especial
atenção à ocasião em que um conceito é abordado pela primeira
vez, pois querem estabelecer uma base sólida para a
aprendizagem posterior. De acordo com eles, quanto mais sólida
é a primeira aprendizagem, tanto maior apoio dará à
aprendizagem posterior do conceito, na sua forma mais com-
plexa. Este apoio, por sua vez, irá potenciar a aprendizagem
original da forma primária do conceito.
A perspectiva dos professores chineses sobre o elemento-
-chave numa sequência de conhecimento faz lembrar uma
abordagem de ensino nos Estados Unidos da América. Num
curriculum em espiral, os conceitos matemáticos reaparecem ao
longo de todos os anos escolares. Como é que cada aparição de
um conceito contribui para a aprendizagem matemática? Como
devem estar relacionadas sucessivas apresentações de um
conceito de modo a produzirem uma aprendizagem consistente?
Nenhum professor americano deste estudo nem nenhum dos que
conheci noutras escolas dos Estados Unidos mostraram
preocupação relativamente à forma como um conceito deve ser
ensinado em cada ocasião que aparece. Dado que os professores
não estão conscientes de que há uma relação entre estas ocasiões,
e dado que eles não sabem qual deve ser essa relação, o ensino
matemático do tópico ficará fragmentado e inconsistente.
111
matéria e a aprendizagem que eles intentam promover com o seu
ensino. Entre os professores dos dois países, a percentagem dos
que mostraram um entendimento conceptual do tópico foi
ligeiramente mais alta do que a daqueles que tomaram uma
direcção conceptual ao ajudar os alunos a corrigir o erro. Por um
lado, nenhum dos professores cujo conhecimento era
procedimental descreveu uma estratégia de ensino de orientação
conceptual. Por outro lado, alguns professores que detinham um
entendimento conceptual do tópico tomaram uma orientação
procedimental no ensino, pois não esperavam que a
aprendizagem dos alunos chegasse tão longe quanto a deles.
Nenhum dos professores observados promoveria a aprendi-
zagem para além do seu próprio conhecimento matemático.
SUMÁRIO
112
sobre o algoritmo e as suas estratégias para lidar com o erro eram
bem apoiadas pelo seu conhecimento das ideias básicas da
disciplina e dos tópicos relacionados com a multiplicação com
números de vários algarismos.
113
3
Criar
representações:
divisão por fracções
Cenário
113
são muitas vezes considerados os números mais complexos na
matemática do ensino básico. A divisão por frac-
114
ções, a operação mais complicada com os números mais com-
plexos, pode ser considerada um tópico cimeiro da aritmética.
O DESEMPENHO DOS
PROFESSORES AMERICANOS NOS
CÁLCULOS
As lacunas do conhecimento dos professores americanos
sobre a matéria foram mais visíveis neste tópico avançado do que
nos dois tópicos tratados anteriormente. As suas explicações
sobre a subtracção e multiplicação de números inteiros tinham
mostrado um conhecimento procedimental correcto, mas na
exposição sobre a divisão por fracções até este conhecimento
faltou. Dos 23 professores americanos, 21 tentaram calcular l|-:-y
, mas apenas nove (43%) completaram os seus cálculos e
obtiveram a resposta correcta. Por exemplo, o Sr. Félix, um
professor em início de carreira, deu esta explicação:
115
formá-lo [o divisor] da mesma maneira. Dividir por f. Certo?
E depois multiplicamos de uma forma cruzada. Obtemos y? (Sr.a Felice).
116
Assim como as memórias dos professores como a Sr.a Felice e
a Prof.a Blanche estavam confusas ou inseguras, as de outros
cinco professores (24%) eram ainda mais fragmentadas. Eles
lembravam-se vagamente de que «devemos inverter e
multiplicar» (Sr.a Fawn), mas não tinham a certeza do que isso
significava:
Por alguma razão, algo me diz que temos de inverter uma das
fracções. Como, sabem, ou - se torna y ou y se torna :, não tenho a
certeza. (Sr.a Francês)
117
Tabela 3.1
O cálculo de 1-j-: Y por parte dos 21 professores americanos
Resposta % N
118
Dividir por um número é equivalente a multiplicar pelo seu re-
cíproco, desde que o número não seja zero. Apesar de este conceito ser
tratado quando se aprende a dividir por fracções, também se aplica à
divisão por números inteiros. Dividir por 5 é equivalente a
multiplicar por -t. Mas o recíproco de qualquer número inteiro é uma
fracção — uma fracção que tem 1 como numerador e o número
original como seu denominador — por isso temos de esperar até às
fracções para tratar este conceito.
119
valente a multiplicar pelo seu recíproco. Eles aprenderam a
propriedade comutativa. Aprenderam como tirar e acrescentar
parênteses. Também aprenderam que uma fracção é equivalente à
expressão de uma divisão, por exemplo, y = 1 : 2. Agora, usando estes
conhecimentos, de acordo com o seu exemplo, podemos reescrever a
divisão deste modo:
1|:| = 1 | : ( 1 : 2 )
= 11 =
1x2 = H x
2 : 1 = IA
x (2:1)
= 11x2
De facto não é nada difícil. Posso mesmo dar aos alunos algumas
divisões com números simples e pedir-lhes que comprovem a regra
por si próprios. (Prof. Chen)
120
procedimento:
= (l|xf):l
= lf *f = 3y
121
Alternativa I: Dividir por fracções usando números decimais4
122
problema com números decimais mais fácil. Note-se, no entanto,
que é preciso conhecer as características de ambas as abordagens
e ser capaz de optar por uma delas de acordo com o contexto:
Apesar de dividir por um número decimal ser por vezes mais fácil
do que dividir por uma fracção, nem sempre isso acontece. Em certos
casos, converter fracções em números decimais é complexo e difícil,
por vezes o número decimal pode não terminar. Outras vezes, ainda, é
mais fácil resolver um problema de divisão com números decimais,
convertendo-os em fracções. Por exemplo, 0,3 : 0,8 é mais fácil de
resolver com fracções: facilmente obtemos 4. Por isso, é importante
para nós e para os nossos alunos conhecer modos alternativos de
abordar um problema e de ser capaz de optar pelo modo mais razoável
de resolver um determinado problema. (Prof. B.)
123
destas duas representações de números e aumentar o seu sentido de
número. Além disso, é uma prática para resolver um problema através
de vias alternativas. (Prof. S.)
1 1
= (1 + "fO *2T
procedimentos = (l + f)*|
ligeiramente = (1 X 2) + (y x 2)
diferentes: =2+1|
= 3|
A) l|:j
B) 1|:| = 0 + | ) : i
= (1 : y) + (T : y)
= 3|
124
alunos aprenderam a resolver certo tipo de problemas de modo mais
simples, aplicando a lei distributiva. Esta abordagem aplica-se
também a operações com fracções.
125
7 é divisível por 1 e 4 é divisível por 2. Mas se o problema for 1 ' :
|, esta abordagem não se aplicará, visto que o denominador do
dividendo, 3, não é divisível pelo denominador do divisor, 2. O
Prof. T. disse:
i-Ç-L = 1-1
4 • 2 4 ' 2
= (7 : 4): (1 : 2)
= 7:4:1
x2 =7:1:4
x 2 = (7 : D :
(4 : 2)
_ 7 1
“ 4 : 2
126
calcular — tornar o procedimento de cálculo mais fácil ou
simples. Resolver um problema complexo de modo simples é um
dos padrões estéticos da comunidade matemática. Os professores
argumentaram que os alunos devem não só conhecer vários
modos de calcular um problema, mas também ser capazes de
avaliar esses modos e de optar pelo mais adequado.
Podemos usar uma tarte, uma tarte inteira, e depois três quartos de outra
tarte e temos duas pessoas, temos de ter a
certeza de que isso é dividido igualmente, para que cada pessoa obtenha
uma parte igual à outra. (Sr.a Fiona)
127
ou «dividir em metades», correspondem à divisão por 2 e não à divisão por Vi.
Confundir os três conceitos
Quando dizemos que vamos dividir dez maçãs igualmente por duas pessoas,
dividimos o número de maçãs por 2 e não por ¥1. Contudo, muitos
professores não notaram esta diferença.
128
A Prof.a Bernadette e a Prof.a Beatrice, que não faziam parte de
qualquer dos grupos acima, confundiram os três conceitos,
dividir por y, dividir por 2 e multiplicar por y:
129
O Sr. Félix notou também uma diferença entre os dois con-
Confundir os três conceitos
ceitos. Depois de tentar, sem conseguir, inventar uma história,
explicou:
130
A Prof.a Belle representou o conceito correctamente. Dividir o
número A pelo número B é achar quantos Bs estão contidos em
A. Contudo, como a própria Prof.a Belle indicou, esta
representação implica um número fraccionário de crianças: a
resposta ao problema original será 3y crianças. É problemático a
nível pedagógico, porque na vida real um número de pessoas
nunca será uma fracção.
131
remos metade disso, para podermos fazer metade de uma for-
nada de bolachas.»
Ao estimar o resultado da história-problema, ela notou que
seria «um pouco mais de três quartos» em vez de três e meio.
Uma vez que se tinha sentido insegura durante os cálculos
procedimentais, rapidamente decidiu que j , a resposta que tinha
obtido anteriormente, estava errada. Pensou que «a coisa do
mundo real» que lhe ocorrera tinha mais autoridade do que a
solução obtida usando o algoritmo:
Faz com que [o cálculo que ela tinha feito] esteja errado. Porque
temos metade de um, seria uma metade, e metade de três quartos seria
[longa pausa]... se a estimássemos seria um quarto e depois um pouco
mais. Vejamos, a resposta é um pouco acima de três quartos... Quando
o fizesse com uma coisa do mundo real, veria que tinha errado [o
cálculo], e então tentaria corrigi-lo. Quando fazemos isso sem uma
coisa do mundo real, podemos estar a fazê-lo mal, e podemos fazer o
problema mal dessa forma.
132
meio de bolachas:
Obteria três e meio, fi-lo correctamente? [Ela está a olhar para o que
escreveu e a falar sozinha.] Vejamos, um, dois, três, sim, é isto, um,
dois, três. Cada uma obteria três quartos e depois metade de outro quarto.
133
capazes de resistir a um desafio, nem podiam servir como ponto
de partida para uma abordagem ao significado da operação.
Bem, seria uma piza inteira e depois três quartos de uma piza. O
que seria mais ou menos assim. E seria dividida por
134
metade de uma piza. E depois... depois disso estou de facto perdida.
Se eu as combinar [a piza inteira e os três quartos de piza], não sei o
que faria a seguir com um aluno. Diria que teríamos de as combinar,
porque sei que temos de o fazer, que é preciso fazê-lo. É muito difícil,
é quase impossível para mim dividir uma fracção mista por uma
fracção simples e não consigo explicar porquê, mas foi assim que me
ensinavam. Que temos de mudar o numeral misto para uma fracção. ..
Por isso teria de mostrar aos alunos como se combinam estes dois. E
isto é muito difícil. Não sei para onde iria a partir daí.
135
mistos. O seu conhecimento inadequado do procedimento de
cálculo impedia a sua abordagem ao significado da operação.
O José tem 1-| caixas de lápis e quer dividi-los por duas pessoas
ou dividir os lápis ao meio, e então, primeiro podíamos fazê-lo com os
lápis e talvez escrevê-lo no quadro ou tentar que o fizessem com
números.
136
ções. A Sr.a Francesca disse que usaria dinheiro. Dir-lhes-ia:
«Vocês têm uma quantia em dinheiro, têm duas pessoas, e têm de
o dividir igualmente por ambas.»
A Prof.a Blanche, uma professora experiente que estava muito
confiante no seu conhecimento matemático, pensou que podia
usar qualquer coisa para a representação: «Teria um e três
quartos de qualquer coisa, não interessa o quê, e se precisasse de
dividir por dois, separaria 2 grupos...»
Enquanto os professores mencionados anteriormente re-
presentaram o conceito de dividir por 2, outros professores re-
presentaram o conceito de multiplicar por y. A Prof. Barbara era
uma professora experiente, orgulhosa do seu conhecimento
matemático, e disse que gostava do «desafio da matemática».
Acrescentou que, quando era estudante, costumava passar um
mau bocado com as fracções mas, desde que uma professora lhe
ensinara fracções através de uma receita de cozinha, ela
«entendeu» e «adorou trabalhar» o assunto. Então ensinaria aos
seus alunos do mesmo modo que aprendeu — usando uma
receita:
137
fracções, estes professores não conseguiram criar representa ções
correctas.
138
repartição, e de produto e factores31. Por exemplo, ly : y pode
representar:
31 Greer (1992) mostra um debate intenso sobre os modelos de multiplicação e divisão. A sua
categoria «área rectangular» está incluída em «produto e factores».
139
Para o representar podemos dizer, por exemplo, se uma equipa de
trabalhadores construir y km de estrada por dia, quantos dias serão
necessários para construir uma estrada com ly km de comprimento?
O problema é encontrar quantos troços de y km, distância que
conseguem fazer em cada dia, estão contidos em lykm. Dividimos ly
por y e o resultado é 3y dias. Serão necessários 3y dias para construir
a estrada. (Prof. R.)
140
Com as fracções, ainda podemos dizer, por exemplo, o que é que
multiplicado por y dá 14 ? Ao inventar uma história-problema,
podemos dizer que existem dois campos. O campo A tem l-4 hectares e
o campo B y hectare. Quantas vezes a área do campo B é maior que a
área do campo A? Para resolver o problema dividimos ly hectares por
y hectare e obtemos 3y. Assim, sabemos que a área do campo A é 3y
vezes a do campo B. A divisão que me pediu para representar encaixa
neste modelo. Contudo, quando as fracções são utilizadas, é preciso
revê-lo. Em particular, quando o dividendo é mais pequeno que o
divisor e então o quociente se torna uma fracção própria. Aí o modelo
deve ser revisto. As afirmações de «encontrar que fracção um número
é de outro», ou «encontrar que parte fraccionária de um número é
igual a outro» devem ser adicionadas às afirmações originais. Por
exemplo, para a divisão 2 : 10, podemos perguntar: que fracção é 2 de
10? Ou, que parte fraccionária de 10 é 2? Dividimos 2 por 10 e obtemos
! : 2 é y de 10. Do mesmo modo, podemos também perguntar: que
parte fraccionária de ly é-j ? Então devemos dividir y por De obtemos
1 .
2 o
141
Conhecemos uma parte fraccionária dele e queremos encontrar o
número que representa o todo. Por exemplo, 4- de uma corda de saltar
mede 11- metros, qual é o comprimento da corda? Sabemos que uma
parte da corda mede 1-j- metros e sabemos também que esta parte é y
da corda. Dividimos o número da parte, ly metros, pela fracção
correspondente do todo, y, e obtemos o número que representa o todo,
3y metros. Ao dividir 1-i por y iremos descobrir que toda a corda tem
3y metros de comprimento... Mas prefiro não usar o dividir por y para
ilustrar o significado da divisão por fracções, porque conseguimos
facilmente chegar à resposta sem realmente fazer a divisão por
fracções. Se dissermos que J- de uma corda é 1 metro e qual é o
comprimento da corda? A operação da divisão terá mais significado
aqui, porque não conseguimos ver a resposta imediatamente. A
melhor forma de calcular é dividir ly por J- e obter 2^ metros. (Sr.a G.)
142
l f horas para fazer o percurso da estação B à estação A.
É apenas y do tempo que demora da estação A à estação B. Quanto
tempo demora o comboio a fazer o percurso da estação A à estação B?
(Prof. S.)
143
encontrar um número quando uma parte fraccionária dele é
conhecida são representados por um modelo comum — en-
contrar o número que representa uma unidade quando deter-
minada quantidade de unidades é conhecida. O que difere é a
característica da quantidade: com um divisor inteiro, a condição é
que «é conhecido um múltiplo da unidade», mas com um divisor
fraccionário a condição é que «é conhecida uma fracção da
unidade». Por isso, a nível conceptual, estas duas abordagens são
idênticas.
Esta mudança no significado é intrínseca ao modelo de re-
partição. No modelo de agrupamento e no modelo de produto e
factores, a divisão por fracções mantém o mesmo significado da
divisão por números inteiros. Isto pode explicar por que motivo
tantas representações dos professores chineses seguiam este
modelo.
144
Estes professores olharam para a relação entre a multiplicação
e a divisão de um modo mais abstracto. Ignoraram o significado
específico do multiplicando e multiplicador na multiplicação e
nos modelos relacionados da divisão. Em vez disso, entenderam
o multiplicando e o multiplicador como dois factores com o
mesmo estatuto. A sua perspectiva, de facto, foi legitimada pela
propriedade comutativa da multiplicação.
Tanto o conceito de fracções como as operações com fracções
ensinadas na China e nos Estados Unidos parecem diferentes. Os
professores americanos tendem a lidar com unidades inteiras
«reais» e «concretas» (normalmente formas circulares ou
rectangulares) e as suas fracções. Embora os professores chineses
também usem estas formas para abordar pela primeira vez o
conceito de fracção, quando ensinam as operações com fracções
tendem a usar todos «abstractos» e «invisíveis» (ex: o
comprimento de um troço particular de uma estrada, o tempo
que demora a completar uma tarefa, o número de páginas de um
livro).
145
Significado
da divisão por fracções
C Significado da multiplicação )
Significado da divisão com
^números inteiros ^ Conceito de unidade
Significado da adição
146
anterior e este é reforçado e aprofundado pelo novo conheci-
mento.
Durante as entrevistas, «o significado da multiplicação com
fracções» foi considerado um elemento-chave da base de co-
nhecimento. A maioria dos professores considerou a multipli-
cação com fracções a «base necessária» para o entendimento do
significado da divisão por fracções:
147
mas sim à compreensão plena do significado da
multiplicação com fracções, e à relação entre divisão e mul-
tiplicação. (Prof. Wu)
148
O significado da multiplicação com fracçòes é também im-
portante na base de conhecimento porque «relaciona vários
conceitos relevantes»:
149
zaram um único cenário para criar várias histórias-problema que
representassem os diferentes aspectos do conceito. Os professores
basearam-se também no conhecimento da geometria elementar
— a área de um rectângulo — para representar a divisão.
Uma quinta tem 1^- «mus» de terrenos sazonais onde cresce trigo.
Esta área é 1 da área do campo sazonal onde cresce algodão. Qual é a
área do campo de algodão? (Prof. N.)
Num rio com uma corrente rápida, um barco a favor da
corrente demora apenas y do tempo de um barco contra a
corrente para fazer o mesmo percurso. Temos um barco a
150
favor da corrente que demorou ly hora a ir do sítio A para
o sítio B; quanto irá demorar o barco contra a corrente a ir
do sítio B para o sítio A? (Prof. Mao)
151
professores no que diz respeito ao significado da divisão por
fracções deu-lhes à-vontade para usar um largo leque de cenários
nas suas representações.
152
Como é que o cálculo revelou a compreensão matemática dos
professores?
153
mostras de um entendimento conceptual significativo.
Outra característica interessante da matemática dos profes-
sores chineses é que eles procuravam fornecer «provas» para os
seus procedimentos de cálculo. A maioria dos professores
justificou os seus cálculos mencionando a regra segundo a qual
«dividir por um número é equivalente a multiplicá-lo pelo seu
recíproco». Outros converteram a fracção y em 1 : 2 e provaram
passo a passo que dividir por y é equivalente a multiplicar por 2.
Outros ainda, usaram o significado de dividir por y para explicar
o procedimento de cálculo. O seu desempenho é tipicamente
matemático no sentido em que, para convencermos alguém de
uma verdade, temos de prová-la, não basta afirmá-la.
154
rado de conceitos que apoiam o entendimento do significado da
divisão por fracções. Nos capítulos anteriores mencionámos que
os professores chineses prestavam uma atenção especial à ocasião
em que um conceito é abordado pela primeira vez, sobretudo
quando o consideravam um elemento-chave numa base de
conhecimento. Ao mencionarem o elemento-chave da base de
conhecimento deste capítulo, continuaram a aderir a este
princípio. Contudo, uma vez que o tópico matemático debatido
neste capítulo é mais avançado e complexo, os seus alicerces não
são um único conceito mas uma ligação de vários conceitos.
Uma das razões pelas quais o entendimento dos professores
americanos sobre o significado da divisão por fracções não estava
desenvolvido pode ser o facto de faltarem ligações ao seu
conhecimento. O entendimento da maioria dos professores
americanos apoiava-se em apenas uma ideia — o modelo de
repartição da divisão com números inteiros. Porque lhes faltavam
outros conceitos necessários para o entendimento e as suas
ligações com o tópico, estes professores não foram capazes de
criar uma representação conceptual do significado da divisão por
fracções.
155
seguiremos produzir uma representação conceptualmente cor-
recta, não importa quão rico seja o conhecimento pessoal das
vidas dos alunos ou a motivação que se tenha para relacionar a
matemática com essas vidas.
SUMÁRIO
156
4
Explorar novo conhecimento:
a relação entre perímetro e área
Cenário
Imagine que uma das suas alunas chega à aula muito en-
tusiasmada. Ela diz-lhe que descobriu uma teoria que você nunca
havia ensinado à turma. Explica ter descoberto que, à medida que o
perímetro de uma figura fechada34 aumenta, a área também aumenta.
Mostra-lhe a figura seguinte para provar o que está a dizer:
4 cm 8 cm
4 cm 4 cm
Como
responderia a esta aluna?
Perímetro = 16 cm Perímetro = 24 cm
Área = 16 cm2 Área = 32 cm2
157
Os alunos trazem novas ideias e asserções para as suas aulas
de matemática. Por vezes, os professores sabem que as asserções
dos alunos são válidas, mas outras vezes não. O perímetro e a
área de uma figura são duas medidas diferentes. O perímetro é
uma medida do comprimento da fronteira de uma figura (no caso
de um rectângulo, a soma do comprimento dos lados), enquanto
a área é uma medida do tamanho da figura. Como os cálculos de
ambas as medidas estão relacionados com os lados da figura, a
aluna afirmou que elas estavam correlacionadas.
As reacções imediatas dos professores americanos e chineses a
esta asserção foram similares. Para a maioria dos professores
neste estudo, a asserção da aluna era uma «nova teoria» de que
ouviam falar pela primeira vez. Percentagens similares de
professores americanos e chineses aceitaram a teoria ime-
diatamente. Todos os professores sabiam o que as duas medidas
significavam e a maioria dos professores sabia como calculá-las.
A partir deste ponto, contudo, os caminhos dos professores
divergiram: exploraram diferentes estratégias, alcançaram
resultados diferentes e responderam de forma diferente à aluna.
158
[
durante cerca de 10 segundos] Bem, vejamos agora a área
...[pausa de cerca de 10 segundos] ... Tenho que ir
pesquisar e depois voltarei a falar com os alunos. (Sr.
Frank)
159
dissesse isso agora. Porque eu, para ser sincera, lembro-me de como
encontrar o perímetro e a área, mas não percebo o porquê agora.
Dir-lhe-ia: não acredito que seja verdade, mas deixa-me ter a certeza.
Depois procuraria e faria problemas por mim própria, até saber
explicar porquê.
160
número infinito de casos não pode ser provada por muitos
exemplos em número finito — não importa quantos. Deverá ser
provada por um argumento matemático. O papel dos exemplos
é ilustrar relações matemáticas, e não prová-las.
Apesar de os professores terem sido capazes de fazer notar
que um exemplo não é suficiente para provar uma teoria, não
foram capazes de pesquisar matematicamente a asserção. Al-
guns deles sugeriram experimentar com números arbitrários,
por exemplo, «de um a dez», ou «números estranhos tais como
três e sete». Estas sugestões eram baseadas no senso comum, e
não em discernimento matemático.
161
Sr.a Faith refutaria a asserção.
A Sr.a Francine também testou a asserção desenhando um
rectângulo comprido e estreito. Contudo, não foi tão bem-su-
cedida como a Sr.a Faith:
Eu diria que por esta figura isso é correcto. Mas que tal desenhar
outra figura, mas estreita, comprida... e depois mostrar-lhe que talvez
nem sempre funcione... Tal como estas [desenhou algumas figuras no
papel]. 4 e 8... Estou a tentar... a área é, quando multiplicamos, 32.
Portanto, sim, é correcto... Vejamos este, 4 por 4, e este outro, 2 por 4...
oh, oh, esperem um minuto. Não sei. Não sei se ela está certa ou não...
Acho que teríamos de descobrir... procurar num livro!
162
diminuição) de apenas um par de lados opostos, a área da figura
irá aumentar (ou diminuir) também. A área da nova figura
aumentada (ou diminuída) é o comprimento aumentado (ou
diminuído) vezes o comprimento do lado inalterado. Usando
este padrão, podemos gerar exemplos em número infinito que
apoiam a asserção da aluna.
O Sr. Félix, contudo, não analisou por completo a asserção da
aluna: parou antes de explicar porque é que a asserção era
verdadeira neste caso e não investigou os casos em que não
funcionaria. Dos 23 professores americanos, a Sr.a Faith, uma
professora no início de carreira, foi a única a analisar com su-
cesso a asserção da aluna e a chegar a uma solução correcta. A
tabela 4.1 sumariza as reacções dos professores americanos à
asserção da aluna.
Tabela 4.1
Reacção dos professores americanos à asserção da aluna (N = 23)
Reacções % N
163
2. Responsabilizar-se por avaliar a verdade da asserção do
aluno.
3. Envolver o aluno na exploração da verdade da sua asserção.
Penso que diria «Não tenho bem a certeza, mas procuremos juntos,
a ver se conseguimos encontrar um livro que nos mostre se estás ... se
a tua descoberta está correcta ou não.» (Sr.a Fay)
164
Seis professores disseram que pediriam à aluna para tentar
mostrar mais exemplos, para provar a sua asserção:
165
grupo diferente de números e percorrer novamente o
caminho. Por outras palavras, talvez funcionasse com um
caso, mas não funcionasse com o caso seguinte. Portanto
talvez pedir à rapariga
que trabalhasse não apenas o 4 por 4 e depois o 4 por 8, mas também,
por exemplo, o 3 por 3 e experimentar com outros números. Bem,
supondo que ela continuasse virada para aí... (Prof. a Bernardette)
166
em três aspectos.
Primeiro, muitos professores chineses mostraram um inte-
resse entusiástico no tópico, a relação entre o perímetro e a área
167
de um rectângulo, enquanto os professores americanos se
preocuparam mais com o facto de a asserção «à medida que o
perímetro aumenta, a área também aumenta» ser verdadeira ou
não.
Segundo, a maioria dos professores chineses fizeram ex-
plorações matemáticas legítimas por si próprios, enquanto a
maioria dos colegas americanos não. Nenhum professor chinês
disse que teria de consultar um livro ou uma pessoa36, e nenhum
concluiu com «Não tenho a certeza.» As explorações dos
professores chineses, contudo, não os conduziram neces-
sariamente a soluções correctas. A maioria dos professores
americanos que sustentaram uma opinião do tipo «Não tenho a
certeza» evitaram dar uma resposta errada, mas 22% dos pro-
fessores chineses, devido às suas estratégias problemáticas,
propuseram soluções incorrectas, enquanto 70% resolveram
correctamente o problema.
Terceiro, os professores chineses demonstraram um melhor
conhecimento de geometria elementar. Estavam bastante fami-
liarizados com as fórmulas de perímetro e área. Durante as en-
trevistas, muitos apresentaram relações entre as várias figuras
geométricas que nem sequer foram mencionadas por qualquer
dos professores americanos. Por exemplo, alguns professores
chineses disseram que um quadrado é um rectângulo especial.
Alguns chegaram a fazer notar que um rectângulo é uma figura
básica — que o cálculo do perímetro e da área de várias outras
figuras recai no uso de rectângulos37.
A figura 4.1 sumariza as reacções dos professores dos dois
países ao problema.
36Stigler, Fernandez, e Yoshida (1996) relataram uma tendência similar por parte de
professores japoneses do ensino básico.
37 No curriculum chinês, as fórmulas da área para outras formas, como quadrados,
168
□ Profs. Americanos (W=23) B Profs.
169
var a asserção. Falharam, contudo, por não repararem que a
asserção envolvia duas relações numéricas diferentes, e não
apenas uma multiplicativa. Enquanto a relação de comprimento,
largura e área de um rectângulo é multiplicativa, a do seu
comprimento, largura e perímetro é aditiva. O perímetro de um
rectângulo pode aumentar enquanto dois dos seus lados opostos
decrescem em comprimento.
Alguns professores que disseram ser verdadeira a asserção
apresentaram explicações similares à do Sr. Félix:
170
superficialidade do seu pensamento.
171
entre perímetro e área. Deram diferentes tipos de exemplos que
tanto apoiavam como contrariavam a asserção, para mostrar as
várias possibilidades:
4
8
a 2 b
P = 16 P = 20
A = 16 A = 16
6
7
1IdI
P- 16 A = P = 16 A =
12 7
172
a sua área irá diminuir para 24 cm2, apenas três quartos da área do seu
rectângulo. Outro exemplo poderá ser um rectân- gulo com
comprimento de 16 cm e largura de 2 cm. O seu perímetro também irá
aumentar, até 36 cm, mas a área permanecerá a mesma da do seu
rectângulo, 32 cm2. Portanto dir- lhe-ei que o pensamento matemático
tem que ser exaustivo. Esta é uma característica do nosso pensamento
que se aperfeiçoa com a aprendizagem da matemática. (Sr. A.)
173
aluna é verdadeira. Primeiro examinaram a causa nessa asserção
— um aumento no perímetro. Investigaram as situações que
iriam produzir um aumento no perímetro de um rectân- gulo e
encontraram três padrões. Depois analisaram as alterações que
estes padrões iriam produzir na área. Através de um exame
cuidadoso, a Prof. R. obteve uma imagem clara de como a área
pode ser afectada de diferentes maneiras por um aumento do
perímetro:
174
aumentar para 26 cm, mas a área irá diminuir para 30 cm2. Se o
comprimento aumentar para 16 cm e a largura diminuir para 2 cm, o
perímetro irá aumentar para 36 cm, mas a área irá permanecer a
mesma, 32 cm2. Em suma, sob as duas primeiras condições, a asserção
da aluna é verdadeira, mas sob a última, não o é necessariamente.
(Prof. R.)
175
aumenta também. Essa será uma asserção correcta. (Sr.a G.)
176
Por exemplo, quando o comprimento aumenta 3 cm, passa a (a + 3)
cm.38 A área será (a + 3) b = ab + 3b. Agora, comparada com a área
original, ab, podemos ver porque é maior: 3b é a quantidade
aumentada. Contudo, quando uma medida aumenta e a outra
diminui, a área original da primeira figura será destruída. Não há
razão que garanta que a nova área seja maior do que a original.
177
cm quase não terá área. Porque em todos os pares de números com a
mesma soma, quanto mais próximos os dois números estiverem,
maior será o produto... (Prof. Xie)
178
forma autónoma. Os losangos representam os factores afecti- vos.
Os outros componentes da figura representam aspectos do
conhecimento do professor sobre a matéria. O círculo representa
conhecimento do cálculo do perímetro e da área, relacionado
intimamente com a nova ideia. Os quadrados representam o que
Bruner (1960/1977) considerou ideias básicas de uma disciplina
— princípios básicos (representados por quadrados com cantos
rectos) e atitudes básicas (representadas por quadrados com
cantos arredondados).
Explorar a relação
entre
perímetro e área
Intenção
Autoconfiança
Fig. 4.2. Um mapa de como se desenvolveu
a pesquisa dos professores
179
A intenção dos professores de abordar a asserção da aluna
autonomamente recaiu sobre dois subfactores — o seu interesse
numa nova proposição matemática e a autoconfiança na própria
capacidade de a entender.
Os professores que entusiasticamente fizeram um estudo
completo sobre a asserção da aluna foram aqueles
particularmente interessados no tópico matemático levantado.
Foram guiados por uma forte curiosidade acerca da relação entre
o perímetro e a área de um rectângulo. Nas respostas destes
professores pôde ser observada uma forte motivação interior
para ensinar matemática. Por outro lado, os professores que não
estavam interessados na asserção não estavam motivados para a
examinar.
Confiança foi o outro factor a determinar se um professor
pesquisou ou não a asserção. Os professores que não estavam
confiantes na sua própria capacidade de resolver o problema não
o tentaram. A confiança dos professores estava associada a dois
aspectos do seu conhecimento da matéria: as suas atitudes em
relação à possibilidade de resolver problemas matemáticos por si
próprios e o seu conhecimento sobre os tópicos particulares rela-
cionados com a asserção. Aqueles que não acreditavam que fosse
possível resolver o problema autonomamente, ou que não sabiam
como calcular o perímetro e a área de uma figura, não exploraram
mais relações entre perímetro e área. Consequentemente, as suas
intenções de resolver o problema, se existiam, foram inibidas.
As estratégias dos professores para pesquisar o problema
baseavam-se em três aspectos do seu conhecimento da matéria: o
conhecimento do tópico particular relacionado com a nova ideia,
as formas de pensar em matemática e os princípios básicos da
disciplina relacionados com a abordagem.
Todos os professores que realizaram a tarefa com sucesso se
mostraram familiarizados com as fórmulas para calcular pe-
rímetro e área, assim como com o entendimento das funda-
mentações lógicas subjacentes. A sua perícia no cálculo apoiou
substancialmente as suas pesquisas, que implicaram vários
procedimentos de cálculo.
180
O conhecimento dos professores sobre pensamento mate-
mático desempenhou um papel-chave ao ajudar os professores a
«saltar» do seu conhecimento prévio para uma nova descoberta.
Nem todos os professores que sabiam como calcular o perímetro
e a área de um rectângulo conduziram uma abordagem
matemática por si próprios. Contudo, aqueles que também
sabiam pensar na asserção da aluna de uma forma matemática
adoptaram uma abordagem legítima, embora alguns não tenham
alcançado uma solução correcta. Pelo contrário, os professores
que sabiam as fórmulas mas que não pensaram na asserção de
uma forma matemática não conseguiram abordar o problema
matematicamente.
Finalmente, o conhecimento de princípios matemáticos bá-
sicos — por exemplo, as condições sob as quais uma proposição
matemática é válida — contribuiu substancialmente para a
abordagem dos professores. A familiaridade com a aplicação da
propriedade distributiva fez realçar, mais uma vez, algumas
explicações sobre as relações entre a adição e multiplicação
ligadas ao tópico.
181
«procurar algures». A maioria dos professores americanos dis-
seram que iriam explorar a asserção com a aluna, mas na ge-
neralidade não tinham ideia de como o iriam fazer. A maioria dos
professores chineses (62%), após terem chegado a uma solução
clara, dariam à aluna uma explicação pormenorizada do tópico,
em oposição àqueles que a persuadiriam a encontrar a solução
por si própria (30%). A maioria das explicações dos professores
chineses durante as entrevistas foram claras, organizadas e
completas. Geralmente, uma explicação vinha após uma
afirmação tal como «digam à aluna que a sua asserção não é
verdadeira» ou «digam à aluna que a sua asserção não está
completa». A maioria dos professores que justificaram a asserção
da aluna iriam também explicar-lhe porque pensavam que ela
estava certa.
Os professores chineses que incentivariam a aluna a uma
reflexão posterior sobre a sua asserção apresentaram um melhor
entendimento e mostraram mais à-vontade na sua própria
pesquisa do problema. A maioria disse que iria levantar questões
ou dar outros exemplos de forma a levar a aluna a descobrir as
limitações da sua asserção e alcançar um maior entendimento da
relação entre o perímetro e a área de um rec- tângulo:
182
situações e explicar porque é que funciona.» Ela poderá
facilmente descobrir outras situações em que o perímetro
de um rectângulo irá aumentar. Muito provavelmente, irá
descobrir que, quando o outro par de lados aumenta, ou
quando ambos os pares de lados aumentam, o perímetro
também aumentará. E também irá descobrir que nestes
casos a sua asserção será válida. Depois levá-la-ei a pensar
em mais situações. Provavelmente descobrirá que, em
certas condições, a sua asserção não é sustentável. Se não
conseguir pensar nas outras condições por si própria,
dar-lhe-ei alguns exemplos e pedir-lhe-ei que pense nos
tipos de situações que estes exemplos ilustram e no que
acontecerá nestas situações. Em resumo, levá-la-ei a
investigar a asserção por si própria e ajudá-la-ei sempre
que necessário.
No final, espero que ela fique com uma ideia clara das
condições em que a sua asserção é válida e das condições
em que é inválida. Também quero ajudá-la a ver que o
problema com a sua abordagem era a falta de
exaustividade no seu pensamento. Depois fecharei a
conversa enfatizando que é muito bom pensar
independentemente, contudo não é suficiente. Também se
deve aprender a pensar. Como no seu caso, saber como
pensar de forma minuciosa. (Prof. T.)
183
que estou contente pelo que ela descobriu. Depois
184
sugerirei que se discuta mais a asserção. Baseada no seu rec- tângulo,
dar-lhe-ei uma série de exemplos que apresentem diferentes situações
que possam causar o aumento do perímetro e uma alteração diferente
na área... [exemplos omitidos], Finalmente, elogiá-la-ei pelo facto de
se ter atrevido a iniciar um estudo e explorar uma nova ideia por si
própria. Mas ao mesmo tempo far-lhe-ei notar que não se deve apenas
atrever a pensar, mas também aprender a ser bom a pensar. (Prof.
Sun)
Talvez lhe diga que a sua descoberta não está completa. Porque
ilustra apenas um tipo de relação entre perímetro e área. Irei sugerir
que ela pense noutros casos. O que irá acontecer se a largura
aumentar mas o comprimento permanecer o mesmo? O que irá
acontecer se ambos, comprimento e largura, aumentarem? O que irá
acontecer se o comprimento aumentar e a largura diminuir, ou
vice-versa? Pedir-lhe-ei para continuar a pensar acerca destas
situações e que volte a falar comigo sobre as suas novas descobertas.
Se ela não conseguir encontrar a solução completa após uma nova
exploração,
185
discuti-la-ei com ela e mostrar-lhe-ei outros exemplos rele-
vantes, de forma a revelar a solução passo a passo.
Finalmente, de forma a incentivá-la a explorar mais a
relação entre perímetro e área de um rectângulo, dar-lhe-ei
provavelmente um problema para resolver: com um
mesmo perímetro, que tipo de comprimento e largura irá
causar a maior área? (Prof. S.)
186
com menor ou igual área. Por exemplo, um rectângulo com
um comprimento de 10 cm e uma largura de 2 cm. Desta
forma, conduzi-la-ei a uma discussão das condições sob as
quais a sua proposição é sustentável ou não, e porquê.
Após esclarecer isso, discutiríamos o problema existente na
sua asserção original e as suas causas. (Prof. C.)
187
Enquanto o Prof. C. levaria a aluna a reflectir sobre o seu
raciocínio, o Prof. Chen guiaria a aluna numa pesquisa mais
aprofundada do tópico. Estas duas respostas ponderadas foram
fortemente apoiadas pelo conhecimento da matéria por parte dos
professores — o conhecimento de como
investigar uma nova ideia em matemática assim como o co-
nhecimento de tópicos matemáticos específicos relacionados com
a ideia.
DEBATE
188
asserção da aluna acerca da relação entre perímetro e área, os
professores americanos agiram mais como leigos, enquanto os
chineses actuaram mais como matemáticos. Aqui reside a
diferença entre as suas atitudes em relação à matemática.
Sobre a estrutura de uma disciplina, Bruner (1960/1977) escreveu:
189
completa do conceito ou da capacidade. Consti-
190
tuindo um elemento importante e recorrente no ensino da ma-
temática, estas pequenas prelecções treinam os professores a falar
de forma organizada.
No entanto, existe outro factor profundo que parece
representar um papel ainda mais importante: é a aculturação dos
professores de matemática chineses para a disciplina.
Obviamente, estes professores não são matemáticos. A maioria
deles não tiveram contacto com qualquer ramo da matemática,
além da álgebra e da geometria elementares. Contudo, procuram
pensar rigorosamente, usar termos matemáticos para discutir um
tópico e justificar as suas opiniões com argumentos matemáticos.
Todas estas características contribuem para a eloquência
matemática dos professores chineses.
191
exemplos, apenas referiram apoios demasiado vagos e genéricos
para promover uma verdadeira aprendizagem matemática. Para
dotar alunos de pensamento matemático, os professores devem
ser os primeiros a tê-lo.
De acordo com o que apresentei nestes quatro capítulos sobre
os resultados obtidos, pode parecer que concluí que os
professores tendem a não promover ou podem ser incapazes de
promover aprendizagem matemática para além da sua própria
compreensão. É verdade que a aprendizagem matemática dos
alunos não pode ir além do conhecimento matemático dos seus
professores? Coloquei esta questão à Sr.a Lin, a minha professora
de ensino básico, que não estava incluída na minha investigação.
Contudo, encontrei-a quando revisitei a minha escola primária
enquanto recolhia informação para este estudo. Depois de me
dizer orgulhosamente que alguns dos seus alunos de sexto ano
tinham acabado de ganhar um concurso de matemática,
acrescentou: «Eles conseguiram! Resolveram problemas que
nunca tinham aprendido antes. Resolveram problemas que nem
mesmo eu sei resolver! Estou orgulhosa deles. Mas também estou
orgulhosa de mim própria. Porque estou convencida que fui eu
que alimentei a sua capacidade de explorar novos problemas por
si próprios — a capacidade de superar a sua professora!»
Se a Sr.a Lin estava correcta, parece que os alunos capazes de
explorar problemas autonomamente podem por vezes
ultrapassar o professor. Contudo, que tipo de professor consegue
alimentar a capacidade dos alunos para explorar novos
problemas matemáticos? Devem ser os professores os primeiros a
possuir essa capacidade? Esta questão ainda não foi estudada.
Porém, penso que apenas professores aculturados para a
matemática podem alimentar a capacidade dos alunos para
conduzir averiguações matemáticas. Para alimentar tal
capacidade nos seus alunos, os professores têm que a ter pri-
meiro.
192
SUMÁRIO
193
5
Conhecimento dos professores
sobre a matéria: compreensão profunda
da matemática fundamental
194
Nas respostas dos professores americanos, contudo, dificilmente
se pode ver alguma conexão entre os quatro tópicos.
Curiosamente, a fragmentação do conhecimento matemático dos
professores americanos coincide com a fragmentação do
curriculum e ensino matemático nos Estados Unidos, apontada
por outros investigadores como uma das principais explicações
para a insatisfatória aprendizagem matemática no país (Schmidt,
McKnight, & Raizen, 1997; Stevenson & Stigler, 1992). Na minha
perspectiva, contudo, esta fragmentação e incoerência são efeitos,
não causas. Curricula, ensino e conhecimento dos professores
reflectem o estado da matemática elementar nos Estados Unidos
e na China. A coerência do conhecimento dos professores
chineses deve-se, de facto, à substância matemática do seu
conhecimento.
195
contém vários algoritmos — na verdade, pensa-se muitas vezes
que saber aritmética significa ter a capacidade de usar estes
algoritmos. Na perspectiva dos professores chineses, contudo,
conhecer um conjunto de regras para resolver um problema num
número finito de passos está longe de ser suficiente — também se
deve saber porque é que a sequência de passos no cálculo faz
sentido. Para o algoritmo da subtracção com reagrupamento,
enquanto a maioria dos professores americanos ficaram
satisfeitos com a pseudo-explicação de «empréstimo», os
professores chineses explicaram que a fundamentação lógica do
cálculo é «decompor uma unidade de ordem superior.»39 Para o
tópico da multiplicação com números de vários algarismos,
enquanto a maioria dos professores americanos se contentaram
com a regra de «alinhar pelo número pelo qual se multiplica», os
professores chineses exploraram os conceitos de valor posicionai
e de sistema de valor posicionai para explicar porque é que os
produtos parciais não são alinhados na multiplicação como as
parcelas na adição. Para o cálculo da divisão por fracções, para o
qual os professores americanos usaram «inverter e multiplicar»,
os professores chineses referiram «dividir por um número é
equivalente a multiplicar pelo seu recíproco» como o princípio
lógico deste algoritmo aparentemente arbitrário.
A predisposição para perguntar «Porque é que faz sentido?» é
o primeiro passo para o entendimento conceptual da matemática.
Além disso, explorar as razões matemáticas subjacentes aos
algoritmos levou os professores chineses a ideias
mais importantes da disciplina. Por exemplo, a fundamentação
lógica para a subtracção com reagrupamento, «decompor uma
unidade de ordem superior», está ligada à ideia de «compor uma
explicações verbais. Termos como parcela, soma, aditivo, subtractivo, diferença, multiplicando,
multiplicador, produto, produto parcial, dividendo, divisor, quociente, operação inversa e compor e
decompor, são frequentemente usados. Por exemplo, os professores chineses não exprimem a
versão aditiva da lei comutativa como «não importa a ordem pela qual se somam dois
números», mas sim como «quando somamos duas parcelas, se trocarmos os seus lugares na
expressão, a soma permanecerá a mesma».
196
unidade de ordem superior», que é a fundamentação lógica da
adição com transporte. Mais pesquisa sobre compor e decompor
uma unidade de ordem superior pode então levar à ideia de
«base para compor e decompor uma unidade de ordem
superior», que, por sua vez, é uma ideia básica da representação
numérica. Do mesmo modo, o conceito de valor posicionai está
ligado a ideias mais profundas, como o sistema de valor
posicionai e a unidade básica de um número. Explorar o
«porquê» subjacente ao «como» leva passo a passo às ideias
básicas no âmago da matemática.
197
como o algoritmo pode ser derivado da propriedade distributiva, de
modo a ilustrar como a lei funciona nestas situações e porque faz
sentido:
198
Uma prova baseada na regra de «manter o valor de um quo-
ciente» é:
2
2 ''4
v1
_ 1 3- 21
A 7
= 3 J2
-
199
Í expressão matemática. Fazendo uso de umas quantas propriedades
simples como as três propriedades básicas, a regra da
manutenção do valor de um quociente e o significado de fracção,
desenvolveram justificações simbólicas inteligentes dos
algoritmos aritméticos que abordaram nas entrevistas.
Tal como Schoenfeld (1985) indicou, a «prova» como forma de
explicação é obrigatória, uma norma aceite na disciplina de
matemática. Os professores chineses tinham a preocupação de
justificar expressões matemáticas tanto verbal como simboli-
camente. A justificação verbal vinha geralmente antes da jus-
tificação simbólica, mas esta tendia a ser mais rigorosa. Após os
professores chineses terem relatado as suas investigações sobre a
asserção da aluna, tal como foi apresentado no capítulo 4, todos
eles justificaram as suas ideias. Todos os que apresentaram uma
ideia inválida deram apenas justificações verbais. Se tivessem
usado representações simbólicas, suspeito que alguns teriam
evitado ou pelo menos detectado as falhas nos seus argumentos.
200
alternativas. Para o tópico da subtracção, descreveram pelo
menos três formas de reagrupar, incluindo o reagrupar de
subtractivos. Para o tópico da multiplicação com números de
vários algarismos, mencionaram pelo menos duas explicações do
algoritmo e um professor mostrou seis formas de alinhar os
produtos parciais. Para o tópico da divisão por fracções, os
professores chineses mostraram pelo menos quatro maneiras de
provar o algoritmo habitual e três métodos alternativos de
cálculo.
Para todos os tópicos aritméticos, os professores chineses
indicaram que, apesar de o algoritmo habitual poder ser usado
em todos os casos, pode não ser o melhor método num caso
particular. Aplicar um algoritmo e as suas várias versões de
forma flexível permite-nos chegar à melhor solução para um
dado caso. Por exemplo, os professores chineses salientaram que
há várias formas de calcular 1-|- : ~. Usar números decimais, a lei
distributiva ou outras ideias matemáticas, todas as alternativas
eram mais rápidas e fáceis do que o algoritmo habitual. Ser capaz
de calcular de várias formas significa que transcendemos a
formalidade de um algoritmo e alcançámos a essência das
operações numéricas — as ideias e os princípios matemáticos
subjacentes. A razão por que um problema pode ser resolvido de
múltiplas formas é que a matemática não consiste em regras
isoladas mas sim em ideias relacionadas. Ser capaz de, e
dispor-se a resolver um problema de mais do que uma maneira,
revela, portanto, a capacidade e a predilecção para estabelecer
ligações entre áreas e tópicos matemáticos.
Abordar um tópico de várias formas, elaborar argumentos
para várias soluções, comparar soluções e encontrar a melhor
são, de facto, uma força constante no desenvolvimento
matemático. Uma operação avançada ou um ramo avançado da
matemática normalmente implicam uma forma mais
sofisticada de resolver problemas. A multiplicação, por exemplo,
é uma operação mais sofisticada do que a adição para resolver
alguns problemas, e alguns métodos algébricos de resolver
problemas são mais sofisticados do que alguns aritméticos.
Quando um problema é resolvido de múltiplas formas, funciona
como um laço ligando vários elementos do conhecimento
201
matemático. A forma como os professores chineses encararam as
quatro operações aritméticas básicas mostra como se orientavam
de forma a unificar todo o campo da matemática elementar.
202
compararam-na com a regra de alinhar na adição de números
com vários algarismos. Ao representarem o significado da di-
visão, explicaram como os modelos da divisão derivam do
significado da multiplicação. Os professores também notaram
como a introdução de um novo conjunto de números — números
fraccionários — traz novas características às operações
aritméticas que antes estavam restringidas aos números inteiros.
Nos seus debates sobre a relação entre o perímetro e a área de um
rectângulo, os professores chineses mais uma vez relacionaram o
tópico da entrevista com operações aritméticas.
Nas explicações dos professores chineses eram evidentes dois
tipos de relações ligando as quatro operações básicas. Uma
relação designa-se «operação derivada». Por exemplo, a
multiplicação é uma operação derivada da operação de adição.
Resolve certos tipos de problemas complicados de adição de uma
forma mais fácil41. A outra relação é a operação inversa. O termo
«operação inversa» nunca foi mencionado pelos professores
americanos, mas foi várias vezes usado pelos professores
chineses. A subtracção é a inversa da adição, e a divisão é a
inversa da multiplicação. Estes dois tipos de relações ligam
fortemente as quatro operações. Porque todos os tópicos da
matemática elementar estão relacionados com as quatro
operações, o entendimento das relações entre as quatro
operações torna-se, então, um «sistema de vias» que liga toda a
matemática elementar 42 . Com este sistema, podemos ir a
qualquer lado dentro do domínio.
203
BASES DE CONHECIMENTO E OS SEUS ELEMENTOS-CHAVE:
COMPREENDER A COERÊNCIA LONGITUDINAL NA
APRENDIZAGEM
204
divisão por fracções. Os professores acreditam que estas se-
quências são os principais caminhos pelos quais se desenvolvem
conhecimento e capacidades acerca dos três tópicos.
Tais sequências lineares, contudo, não se desenvolvem so-
zinhas, mas são sustentadas por outros tópicos. Na base de co-
nhecimento da subtracção, por exemplo, «adição e subtracção até
10» está relacionada com três outros tópicos: a composição de 10,
compor e decompor uma unidade de ordem superior, e adição e
subtracção como operações inversas. «Subtracção com
reagrupamento de números entre 20 e 100», tópico abordado nas
entrevistas, também era apoiado por cinco itens: composição de
números até 10, a base para compor uma unidade de ordem
superior, compor e decompor uma unidade de ordem superior,
adição e subtracção como operações inversas, e subtracção sem
reagrupamento. Ao mesmo tempo, um item no círculo pode
estar relacionado com vários elementos na base de
conhecimento. Por exemplo, «compor e decompor uma unidade
de ordem superior» e «adição e subtracção como operações
inversas» estão ambas relacionadas com quatro outros
elementos. Com o apoio destes tópicos, o desenvolvimento das
sequências centrais torna-se matematicamente mais significativo
e mais rico do ponto de vista conceptual.
Os professores não consideram que todos os itens tenham o
mesmo estatuto. Cada base contém elementos-«chave» que
«pesam» mais do que outros membros. Alguns dos elemen-
tos-chave estão localizados em sequências lineares, outros estão
no «círculo». Os professores deram várias razões para
considerarem um certo elemento de conhecimento como ele-
mento-chave. Eles prestam uma particular atenção à primeira
ocasião em que um conceito ou aptidão é abordado. Por exem-
plo, o tópico da «adição e subtracção até 20» foi considerado um
desses casos para a aprendizagem da subtracção com rea-
grupamento. O tópico da «multiplicação por números de dois
algarismos» foi considerado um passo importante na aprendi-
zagem da multiplicação por números de vários algarismos. Os
professores chineses acreditam que, se os alunos aprenderem
205
um conceito a fundo na primeira vez em que é abordado,
«obteremos o dobro do resultado com metade do esforço numa
aprendizagem posterior». Caso contrário, «obteremos metade do
resultado com o dobro do esforço».
Outro tipo de elemento-chave numa base de conhecimento é
um «conceito-nó». Por exemplo, para explicarem o significado da
divisão por fracções, os professores chineses referiram-se ao
significado da multiplicação com fracções, pois pensam que este
une cinco importantes conceitos relacionados com o significado
da divisão por fracções: significado da multiplicação, modelos da
divisão por números inteiros, conceito de fracção, conceito de um
todo e o significado da multiplicação com números inteiros. Um
entendimento completo do significado da multiplicação com
fracções irá, então, permitir aos alunos atingir facilmente um
entendimento do significado da divisão por fracções. Por outro
lado, os professores também acreditam que explorar o
significado da divisão por fracções é uma boa oportunidade para
revisitar e aprofundar o entendimento destes cinco conceitos.
Nas bases de conhecimento, foram entrelaçados conheci-
mentos procedimentais e conceptuais. Os professores com um
entendimento conceptual do tópico que tinham como intenção
promover a aprendizagem conceptual dos alunos não ignoraram
o conhecimento procedimental. De facto, na sua perspectiva, o
entendimento conceptual nunca está separado dos
correspondentes procedimentos onde o entendimento «vive».
Os professores chineses também pensam que é muito im-
portante para um professor çonhecer todo o campo da mate-
mática elementar, bem como todo o processo de aprendizagem
do mesmo. O Prof. Mao disse:
206
conhecimento ensinado no primeiro, segundo e terceiro anos.
Quando ensino multiplicação por números de três algarismos, sei que
os meus alunos aprenderam a tabuada da multiplicação,
multiplicação por números de um algarismo com o produto até 100 e
multiplicação com um multiplicador de dois algarismos. Como os
alunos já aprenderam esta última, quando ensino multiplicação com
um multiplicador de três algarismos, deixo-os explorar por si
próprios. Primeiro dou-lhes vários problemas com um multiplicador
de dois algarismos. Depois apresento um problema com um
multiplicador de três algarismos, e deixo os alunos pensar em como o
resolver. Nós já multiplicámos por um algarismo no lugar das
unidades e por um algarismo no lugar das dezenas, agora vamos
multiplicar por um algarismo no lugar das centenas, o que podemos
fazer, onde vamos colocar o produto, e porquê? Deixo-os pensar um
pouco. Depois o problema será facilmente resolvido. E pedir-lhes-ei
Por outro lado,
para serem eles a dar a fundamentação lógica.
tenho que saber que conhecimento será construído sobre
aquilo que ensino hoje.
207
principais ramos da disciplina de matemática. Hoje, apesar de o
número de ramos da disciplina se ter expandido e o próprio
campo da disciplina ter aumentado, o estatuto da aritmética e
geometria como base ou fundamento da matemática permanece
inalterado. Nenhum dos novos ramos, quer puros ou aplicados,
opera sem as regras matemáticas básicas e as capacidades
computacionais estabelecidas na aritmética e na geometria. A
matemática do ensino básico, composta de aritmética e
geometria elementares, é, portanto, a base da disciplina sobre a
qual são construídos ramos avançados.
O termo «primário» refere-se a outra característica da ma-
temática elementar. A matemática elementar contém os rudi-
mentos de conceitos muito importantes em ramos mais
avançados da disciplina. Por exemplo, a álgebra é uma forma de
organizar «constantes» e «incógnitas» em equações, para que as
«incógnitas» possam vir a ser conhecidas. Tal como vimos no
capítulo anterior, as três propriedades básicas com que se re-
solvem estas equações — comutativa, distributiva e associativa
— estão naturalmente enraizadas na aritmética. As ideias de
conjunto, correspondência de um para um e ordem estão im-
plícitas na contagem. Operações da teoria dos conjuntos, como
união e produto cartesiano, estão relacionadas com o significado
da adição e multiplicação de números inteiros. Ideias básicas do
Cálculo estão implícitas na fundamentação lógica do cálculo da
área de um círculo em geometria elementar43 44.
As características básica e primária da matemática, contudo,
um disco de papel para a aula. Metade do disco tem uma cor e a outra metade tem outra. O
disco é primeiro cortado em duas metades. Depois as duas metades são cortadas em finos
bocados com a forma de fatias de tarte, com as pontas ligadas. Os dois meios círculos são
abertos e encaixados um no outro, de modo a formar uma superfície semelhante a um
rectângulo: jüiüü. Os professores incentivam os alunos a imaginar subdividir o disco em
mais fatias, de modo que a superfície se aproxime o mais possível de um rectângulo. Depois,
recorrendo à fórmula para calcular a área de um rectângulo, os alunos aprendem a
fundamentação lógica da fórmula para calcular a área de um círculo. Este método de
aproximar a área de um círculo foi conhecido no séc. xvn (ver Smith
44 Mikami, 1914, p. 131).
208
são apresentadas num formato elementar. É elementar porque
surge no início da aprendizagem matemática dos alunos e por-
tanto parece claro e fácil. As ideias aparentemente simples for-
madas nas mentes dos alunos nesta ocasião irão ser necessárias
durante todo o percurso da sua aprendizagem matemática. Por
exemplo, nos anos mais avançados, os alunos não esquecerão o
conceito de igualdade, aprendido a partir de «1 + 1 = 2», embora
esse venha a ser alterado e enriquecido.
De uma perspectiva de obtenção de competência matemática,
ensinar matemática elementar não significa levar os alunos
meramente até ao final da aritmética ou ao início da
«pré-álgebra». Significa antes providenciar-lhes os alicerces
sobre os quais se deverá construir a sua futura aprendizagem
matemática.
Estudiosos americanos têm defendido que conceitos avan-
çados podem ser apresentados de forma intelectualmente ade-
quada aos alunos do ensino básico. Há três décadas, Bruner
defendeu que ideias de matemática avançada, tais como topo-
logia, geometria projectiva, teoria das probabilidades e teoria dos
conjuntos, podiam ser apresentadas a estes alunos (Bruner,
1960/1977). A sua proposta foi recuperada recentemente por
Hirsch (1996). Kaput, Steen e os seus colegas sugeriram uma
«organização ramificada» da matemática escolar (Kaput &
Nemirovsky, 1995; Steen, 1990). Esses autores criticaram a
tradicional organização de «bolo em camadas», porque «apanha
muito poucos ramos (e.g., aritmética, geometria e álgebra),
organizando-os horizontalmente para formar o curriculum»
(Steen, p. 4). Em vez disso, propuseram uma estrutura longi-
tudinal «com maior continuidade vertical, para ligar as raízes aos
ramos da matemática na experiência educacional das crianças»
(Steen, p. 4), ilustrada por uma árvore com raízes que
representam linhas como «dimensão», «espaço», «mudança e
variação», etc. (Kaput & Nemirovsky, p. 21).
No entanto, os professores do ensino básico com entendi-
mento conceptual neste estudo podem não ser tão radicais como
Kaput e Steen. Como mostram as suas entrevistas, a matemática
209
elementar, constituída por aritmética e geometria básicas, já
contém ideias matemáticas importantes. Para estes professores,
um «curriculum organizado horizontalmente» também pode
possuir «continuidade vertical». A aritmética também pode ter
«múltiplas representações», «matemática séria», e «conversas
matemáticas genuínas»45. Eu considero mais correcta a metáfora
usada pelos professores chineses para ilustrar a matemática
escolar. Eles acreditam que a matemática elementar constitui a
base da futura aprendizagem matemática dos seus alunos e irá
contribuir para a sua vida futura. A futura aprendizagem
matemática dos alunos é como um edifício de vários andares. Os
alicerces podem ser invisíveis a partir dos pisos superiores, mas
são eles que os sustentam e fazem com que o conjunto de pisos
forme um todo coerente. O aparecimento e desenvolvimento de
matemática nova não deviam ser olhados como uma negação da
matemática fundamental. Pelo contrário, deveriam conduzir-nos
a um entendimento ainda melhor da matemática elementar, das
suas poderosas potencialidades, bem como das suas sementes
conceptuais para os ramos avançados.
210
rectângulo.
A Fig. 5.1 ilustra um entendimento procedimental típico dos
quatro tópicos. As letras S, M, D e G representam os quatro tó-
picos: subtracção com reagrupamento, multiplicação com números
de vários algarismos, divisão por fracções e o tópico de geometria
(cálculo do perímetro e da área). Os rectângulos representam o
conhecimento procedimental destes tópicos. As ovais representam
outros conhecimentos procedimentais relacionados com os
tópicos. Os trapézios por baixo dos rectângulos representam o
entendimento pseudoconceptual de cada tópico. As linhas
ponteadas representam itens em falta. Note-se que os
entendimentos dos diferentes tópicos não estão ligados.
Fig. 5.1. O conhecimento procedimental dos quatro tópicos por parte dos
professores
46 Parao ensino de um tópico, o professor tende a ver tópicos relacionados. Se o tópico for
procedimental, o professor poderá arranjar uma explicação para ele; se for conceptual, poderá
ver um procedimento ou conceito relacionado. Esta tendência inicia a organização de uma
«base de conhecimento» que acaba por reunir o grupo de tópicos que os professores conseguem
descortinar à volta do tópico que estão a ensinar.
211
r
Significado da
Valor multiplicaçãc^^
posicionai
s M D G
212
Fig. 5.2. Alguns conceitos partilhados ligam os quatro tópicos
213
Apesar de nem todos os conceitos partilhados pelos quatro
tópicos estarem incluídos, a Fig. 5.2 ilustra como as relações
entre itens e tópicos os inserem numa rede. Alguns itens não
estão directamente relacionados com todos os tópicos; contudo,
as suas diversas associações sobrepõem-se e entrelaçam-se. As
três leis básicas apareceram nas explicações dos professores
chineses sobre todos os tópicos.
Em contraponto com a perspectiva procedimental dos quatro
tópicos ilustrada na Fig. 5.1, a Fig. 5.3 ilustra um entendimento
conceptual desses tópicos. Os quatro rectângulos no topo da Fig.
5.3 representam os quatro tópicos. As elipses representam os
elementos de conhecimento nas bases de conhecimento: as
brancas representam tópicos procedimentais, as cinzentas-claras
representam tópicos conceptuais, as cinzentas-escuras
representam os princípios básicos, e aquelas de onde saem
linhas ponteadas representam atitudes gerais em relação à
matemática.
Quando é composto por bases de conhecimento bem de-
E&trunira da
disciplina
Fig. 5.3. Conhecimento conceptual dos quatro tópicos por parte dos
professores
senvolvidas e interligadas, o conhecimento matemático forma uma
rede sustentada solidamente pela estrutura da disciplina. A Fig. 5.3
amplia o modelo de entendimento conceptual de um tópico particular
apresentado na Fig. 1.4 e ilustra o alcance, a profundidade, a
conectividade e a abrangência do entendimento conceptual da
matemática por parte de um professor. Como os quatro tópicos estão
localizados em várias subáreas da matemática elementar, este modelo
também funciona como
214
uma miniatura do entendimento conceptual de um professor no
campo da matemática elementar.
As elipses com linhas ponteadas, atitudes gerais em relação à
matemática, não são normalmente incluídas nas bases de co-
nhecimento dos professores para tópicos específicos. Contudo,
elas contribuem significativamente para a coerência e
consistência do conhecimento matemático de um professor. As
atitudes básicas em relação a uma disciplina podem ser ainda
mais penetrantes do que os seus princípios básicos. Um princípio
básico pode não sustentar todos os tópicos, mas uma atitude
básica pode estar presente em relação a todos os tópicos. As
atitudes básicas em relação à matemática mencionadas pelos
professores durante as entrevistas, tais como «justificar uma
asserção com um argumento matemático», «saber como, assim
como saber porquê», «manter a consistência de uma ideia em
vários contextos», e «abordar um tópico de múltiplas formas»
pertencem a todos os tópicos em matemática elementar47.
Eu chamo compreensão profunda da matemática funda-
mental (CPMF) ao conhecimento da matéria ilustrado na Fig. 5.3.
Por compreensão profunda refiro-me a um entendimento do
campo da matemática elementar que é profundo (no sentido de
completo), amplo e abrangente. Ainda que o termo profundo seja
muitas vezes considerado no sentido de profundidade
intelectual, as suas três conotações — profundidade, alcance e
abrangência — estão interligadas.
Duckworth, antiga aluna e colega de Jean Piaget, acredita que
devíamos continuar a aprender acerca da «profundidade» e
«complexidade» da matemática elementar (1987, 1991). Inspirada
pela preocupação de Piaget de quão longe, em vez de quão
rápido, a aprendizagem deveria ir, ela propôs a noção de
215
«aprender com profundidade e alcance» (1979). Após uma
comparação entre construir uma torre «com um tijolo em cima de
outro» e «numa base ampla ou numa fundação profunda»,
Duckworth disse:
216
grupamento. Relacionar a subtracção com reagrupamento com os
tópicos da subtracção sem reagrupamento ou da adição sem
transporte é uma questão de alcance. Relacioná-la com conceitos
tais como a base para compor ou decompor uma unidade de
ordem superior ou o conceito de que adição e subtracção são
operações inversas — é uma questão de profundidade.
Profundidade e alcance, contudo, dependem da abrangência — a
capacidade de «atravessar» todas as partes do campo — para as
interligar. De facto, é esta abrangência que «cola» o conhecimento
da matemática num todo coerente.
Claro, só é possível ter uma compreensão profunda da
matemática elementar porque, antes de tudo, a matemática
elementar é um campo de profundidade, alcance e abrangência.
Os professores com este entendimento profundo, vasto e
completo não inventam conexões entre ideias matemáticas, mas
revelam-nas e representam-nas em termos de ensino e
aprendizagem da matemática. Tal ensino e aprendizagem tende a
ter as quatro propriedades seguintes:
217
Ideias básicas. Professores com CPMF mostram atitudes
matemáticas, estão particularmente conscientes dos «conceitos e
princípios básicos da matemática simples mas poderosos» (e.g., a
ideia de igualdade) e tendem a revisitar e reforçar estas ideias
básicas. Colocados perante estas ideias, os alunos são não apenas
encorajados a abordar os problemas, mas também orientados no
sentido de conduzir uma actividade matemática efectiva.
]0 Kaput (1994) usou este termo para descrever os curricula; aqui uso-o para descrever a
218
outro, e vice-versa.
As entrevistas que realizei para o meu estudo fizerm-me
pensar no modo como as pessoas conhecem a vila ou cidade onde
vivem. As pessoas conhecem a terra onde vivem de formas
diferentes. Algumas pessoas — por exemplo, recém-chegados —
apenas sabem o local onde a sua casa está localizada; outras
também conhecem bem os bairros vizinhos, mas raramente vão
além deles; outras ainda poderão saber como chegar a alguns
sítios na localidade — por exemplo, o local onde trabalham,
algumas lojas onde fazem as compras ou os cinemas onde podem
assistir a um filme. Porém, é possível que conheçam apenas um
único caminho para chegar a esses sítios, e nunca se tenham dado
ao trabalho de explorar caminhos alternativos. Contudo, algumas
pessoas, por exemplo, motoristas de táxi, conhecem muito bem
todos os caminhos na sua cidade. São muito flexíveis e seguros de
si próprios quanto a ir de um local a outro, e têm conhecimento
de vários caminhos alternativos. Se se trata de um visitante, eles
podem tomar o caminho que melhor mostra a cidade. Se o cliente
estiver com pressa, a qualquer hora do dia eles sabem o caminho
que o levará mais depressa ao destino. Chegam mesmo a
encontrar um sítio sem terem o endereço completo. Ao falar com
professores, encontrei paralelismo entre uma certa forma de saber
matemática escolar e uma certa forma de conhecer os caminhos
numa cidade. A forma como esses professores com CPMF
conhecem a matemática escolar pareceu-me, num certo sentido,
muito semelhante à forma como um motorista de táxi experiente
conhece uma cidade. Também pode existir um mapa da cidade
em desenvolvimento na mente de um motorista de táxi. Contudo,
um mapa da matemática escolar na mente de um professor
deverá ser mais complicado e flexível.
SUMÁRIO
219
Unidos. Apesar de os professores americanos terem a
preocupação de ensinar para um entendimento conceptual, as
suas respostas reflectiram uma perspectiva comum nos Estados
Unidos — que a matemática elementar é «básica», uma colecção
arbitrária de factos e regras em que fazer matemática significa
seguir passo a passo procedimentos estabelecidos para chegar às
respostas (Bali, 1991). Os professores chineses, por outro lado,
esforçavam-se por saber porque é que os algoritmos fazem
sentido e também por saber como levá-los até ao fim. As suas
atitudes eram similares às de matemáticos profissionais:
procuravam justificar uma explicação com uma derivação
simbólica, propor múltiplas soluções para um problema e debater
relações entre as quatro operações básicas da aritmética.
Para cada um dos três tópicos das entrevistas que ensinavam,
os professores chineses descreveram uma «base de co-
nhecimento», rede de tópicos procedimentais e conceptuais,
apoiando a aprendizagem do tópico em questão, ou apoiando-se
nela. Os itens numa base de conhecimento diferiam de estatuto;
na primeira ocasião em que um conceito específico era abordado,
ele era considerado um «elemento-chave» e dava-se maior ênfase
ao seu ensino. Por exemplo, a «adição e subtracção até 20» é
considerada um elemento-chave da base de conhecimento para a
subtracção com reagrupamento porque é a primeira ocasião em
que o conceito de compor e decompor uma dezena é usado.
A matemática elementar pode ser vista como matemática
«básica» — uma colecção de procedimentos — ou como mate-
mática fundamental. A matemática fundamental é elementar,
220
primária e básica: elementar porque se situa no início da apren-
dizagem matemática, primária porque contém os rudimentos de
conceitos matemáticos mais avançados e básica porque pro-
videncia uma base (fundação) para a futura aprendizagem ma-
temática dos alunos.
A compreensão profunda da matemática fundamental
(CPMF) é mais do que um sólido entendimento conceptual da
matemática elementar — é a tomada de consciência da estrutura
conceptual e das atitudes básicas em relação à matemática
elementar e a capacidade de providenciar uma base para essa
estrutura conceptual e incentivar as atitudes básicas nos alunos.
Um entendimento profundo da matemática tem alcance,
profundidade e abrangência: alcance de entendimento é a
capacidade de relacionar um tópico com tópicos de poder
conceptual similar ou menor; profundidade de entendimento é a
capacidade de relacionar um tópico com aqueles de maior poder
conceptual; abrangência é a capacidade de relacionar todos os
tópicos.
O ensino de um professor com CPMF tem conectividade,
promove múltiplas abordagens para resolver um dado problema,
revisita e reforça ideias básicas e tem coerência longitudinal. Um
professor com CPMF é capaz de mostrar e representar conexões
entre conceitos e procedimentos matemáticos aos alunos. Ele ou
ela aprecia diferentes facetas de uma ideia e várias abordagens
para a obtenção de uma solução, bem como as suas vantagens e
desvantagens — e é capaz de providenciar explicações aos alunos
destas várias facetas e abordagens. Um professor com CPMF está
consciente das ideias básicas «simples mas poderosas» da
matemática e tem tendência para as revisitar e reforçar. Ele ou ela
tem uma compreensão profunda de todo o curriculum da
matemática elementar, e assim está pronto para explorar
qualquer oportunidade tanto para rever conceitos que os alunos
estudaram anteriormente como para lançar as bases para um
conceito a ser estudado posteriormente.
221
6
Compreensão profunda da matemática
fundamental: quando e como é atingida
qualidade. Os alunos que entrevistei eram de uma escola medíocre em Xangai, onde, quando
muito, metade dos alunos seria capaz de passar nos exames de admissão para a universidade.
217
capítulo anterior. A segunda parte deste capítulo expõe as
descrições dos professores sobre a forma como as suas condições
de trabalho apoiaram, e continuam a apoiar, o crescimento do seu
conhecimento matemático e a sua organização para o ensino.
218
recém-formados que providenciaram pelo menos uma histó-
ria-problema correcta, 20 (91%) usaram o modelo de repartição
(i.e., encontrar um todo, sabendo que metade é 1-|) e apenas 2
(9%) recorreram ao modelo de agrupamento (i.e., encontrar
quantas metades há em 1%). Contudo, entre os 8 alunos do nono
ano bem-sucedidos na criação de uma representação, os modelos
estavam igualmente distribuídos: o modelo de repartição foi
usado em quatro representações e o de agrupamento nas outras
quatro.
Todos os recém-formados que não forneceram uma história
disseram que eram incapazes de o fazer; nenhuma história
apresentou conceitos errados. Por outro lado, os doze alunos de
escolaridade média que falharam na criação de uma repre-
sentação conceptualmente correcta mostraram-se mais «cora-
josos» e menos «cautelosos». Exploraram o tópico em várias
direcções: oito criaram uma história que representava o signi-
ficado de 1% x 2 (um procedimento intercalar no cálculo), três
criaram uma história que representava ly Xy, e um disse que era
incapaz de apresentar uma história.
A diferença entre os dois grupos na representação do sig-
nificado da divisão por fracções pareceu reflectir a influência do
programa de educação para a docência no conhecimento
matemático dos recém-formados. O seu conhecimento sobre o
tópico parecia estar «limpo» — livre de conceitos errados. Con-
tudo, este processo pode ter estreitado as suas perspectivas.
Devido à cautela que tomavam acerca do que está correcto e
incorrecto, raramente tentavam formas alternativas quando fi-
cavam bloqueados.
Outra diferença entre os dois grupos foi que os recém-for-
mados mostraram preocupação por ensinar e aprender quando
debatiam um tópico matemático. Normalmente, eles forneciam
uma explicação após um cálculo, ainda que a maioria das suas
explicações fossem muito limitadas e breves. Por
219
exemplo, ao responder à questão sobre o erro do aluno na mul-
tiplicação com números de vários algarismos, os alunos do nono
ano afirmavam na maioria dos casos que os alunos estavam
errados e mostravam como se fazia o cálculo correctamente. Pelo
contrário, as respostas dos recém-formados frequentemente
incluíam três passos: primeiro, o problema era que os alunos não
tinham alinhado os produtos parciais correctamente; segundo,
eles explicariam aos alunos a fundamentação lógica subjacente ao
algoritmo; terceiro, pediriam aos alunos para resolver mais
problemas. Apesar de só um recém-formado ter debatido
especificamente a fundamentação lógica e nenhum ter debatido
em profundidade que tipo de exercícios seria providenciado aos
alunos, os recém-formados estavam claramente preocupados em
ensinar e aprender.
Em suma, apesar de os recém-formados e de os alunos do
nono ano terem uma competência algorítmica equiparável,
apresentaram duas grandes diferenças. Primeiro, os recém-for-
mados pareciam ter conceitos matemáticos «limpos», embora a
sua abordagem matemática pudesse ser considerada limitada.
Segundo, ao contrário dos alunos, os recém-formados estavam
preocupados com o ensino e a aprendizagem.
220
A actuação dos dois grupos de futuros professores chineses
nos dois tópicos mais avançados foi visivelmente melhor do que
a dos professores americanos. Todos os membros dos grupos
chineses foram bem-sucedidos a calcular VÁ : V2 e sabiam as
fórmulas para calcular o perímetro e a área do rectân- gulo. Em
comparação, apenas 43% dos professores americanos foram
bem-sucedidos no cálculo da divisão por fracções, e 17% deles
disseram que não sabiam as fórmulas para calcular o perímetro e
a área. Para as duas questões conceptualmente mais exigentes, a
diferença foi ainda maior. 85% dos recém-formados e 40% dos
alunos do nono ano criaram histórias-problema conceptualmente
correctas para representar o significado da divisão por fracções,
enquanto apenas 4% dos professores americanos o fizeram. 58%
dos recém-formados e 60% dos alunos do nono ano apresentaram
abordagens correctas à relação entre perímetro e área de um
rectângulo. De novo, só 4% dos professores americanos o
fizeram. Parece que, quanto mais avançado era o tópico e quanto
mais necessário era o pensamento conceptual, menos professores
americanos actuaram competentemente. A Fig. 6.1 resume estas
diferenças para o caso dos dois tópicos avançados.
221
As diferenças no conhecimento matemático entre os pro-
fessores chineses e os dois grupos de futuros professores chineses
eram de outro tipo. A respectiva competência algorítmica,
indicador de conhecimento matemático na perspectiva de um
leigo, era similar. Em termos das características de conhecimento
matemático de um professor, contudo, os dois grupos de futuros
professores diferiam substancialmente do grupo de professores.
Entrevistar os recém-formados e os alunos do nono ano levou
significativamente menos tempo do que entrevistar os
professores, ainda que as questões da entrevista fossem as
mesmas. Muitos dos recém-formados conseguiram explicar um
algoritmo, mas as suas explicações eram muito breves. Os alunos
não pensaram em fornecer explicações, mas gastaram mais
tempo com a representação da divisão por fracções e com a
relação entre perímetro e área. Nenhum dos grupos de futuros
professores levou a cabo um debate elaborado sobre qualquer
dos quatro tópicos, nem discutiu relações entre tópicos
matemáticos, soluções múltiplas para um problema51 ou ideias
básicas da disciplina relacionadas com os tópicos.
51Após lhes ter sido pedido para elaborarem mais do que uma história, se fossem
capazes disso, seis dos futuros professores providenciaram mais do que uma representação,
mas todas relativas ao modelo de repartição da divisão.
222
Cerca de um décimo dos professores chineses podia ser cate-
gorizado como não tendo CPMF de todo. A maioria dos outros
professores situava-se numa zona cinzenta entre os dois
extremos. Alguns deles mostraram um entendimento amplo,
profundo e abrangente da subárea da matemática elementar que
ensinavam, mas não de toda a área. Por exemplo, alguns
professores estavam particularmente familiarizados com o
conteúdo dos primeiros anos e outros com o de anos mais
avançados e propiciaram debates elaborados sobre os tópicos das
áreas com as quais estavam familiarizados, mas não sobre o resto.
De facto, durante as entrevistas, aqueles que originaram os
debates mais pormenorizados sobre os dois primeiros tópicos
estavam normalmente a ensinar os primeiros anos, e aqueles que
debateram os outros dois tópicos mais elaboradamente estavam
normalmente a ensinar anos mais avançados.
Parece que a CPMF, que encontrei num grupo de professores
chineses, se desenvolveu após estes se terem tornado professores
— ou seja, durante as suas carreiras de professores. A questão,
então, é: como é que os professores chineses desenvolveram
CPMF após se terem tornado professores? Para explorar esta
questão, entrevistei três professores que eu considerava terem
CPMF.
223
alternam entre disciplinas, mas actualmente isso é pouco fre-
quente.) Em geral, numa escola com professores especializados, a
especialização de um novo professor é determinada pelas
necessidades da escola, as notas do novo professor nos exames
para a docência e o interesse do próprio professor.
Diferentemente dos professores do ensino básico (do primeiro
e segundo ciclos) nos Estados Unidos, o Prof. Mao, a Prof.a Wang
e a Prof.a Sun davam três a quatro aulas de 45 minutos por dia.
Quando não estavam a ensinar, corrigiam trabalhos dos alunos
ou preparavam aulas nos gabinetes que partilhavam com os seus
colegas.
224
familiarizámo-nos com a imagem dos
225
tópicos ensinados nos três primeiros anos e o modo como
estão relacionados. Se ensinámos ao segundo ciclo,
ficámos a conhecer a imagem do que é ensinado nos dois
anos seguintes.
Se ensinámos ambos os ciclos, conhecemos a imagem total
do curriculum da matemática do ensino básico. Quanto
mais vezes ensinarmos um ciclo, mais familiarizados nos
tornaremos com os seus conteúdos. Mas ensinar apenas
não é suficiente. Só nos permite conhecer o conteúdo, não
necessariamente conhecê-lo bem. Para o conhecer bem,
temos que estudar materiais de ensino intensivamente ao
longo do ensino. (Prof. Sun)
226
Council of Teachers of Mathematics — NCTM), ou a documentos
oficiais como o Quadro de Referência de Matemática para as
Escolas Públicas da Califórnia (1985, 1992), do Departamento de
Educação da Califórnia. Na China, os manuais escolares
pretendem interpretar e incorporar o Quadro de Referência do
Ensino e Aprendizagem. O Departamento Nacional de Educação
publicou em tempos um único conjunto de manuais escolares
para todas as escolas públicas. Na última década, têm sido
produzidas várias séries diferentes de manuais escolares, que
interpretam o Quadro de Referência de forma mais adequada às
diferentes situações locais. Contudo, a qualidade dos manuais
escolares continua a ser rigorosamente controlada pelos governos
central e locais e as várias versões são na realidade bastante
similares. Cada conjunto de manuais escolares vem com uma
série de manuais do professor, que disponibilizam aos
professores os fundamentos do conhecimento contido nos
respectivos manuais escolares e trazem sugestões de como os
ensinar. Ambos, manuais escolares e do professor, são
cuidadosamente redigidos por professores experientes e peritos
em curriculum escolar reconhecidos a nível nacional. Tomando a
definição de curriculum de Walker (1990) como «o conteúdo e o
objectivo de um programa educativo em conjunto com a sua
organização» (p. 5), podemos dizer que, em certo sentido, os três
materiais podem ser considerados os componentes que integram
o curriculum nacional da China.
Os professores chineses estudam os três tipos de materiais de
maneiras diferentes. Normalmente, os professores estudam o
Quadro de Referência do Ensino e Aprendizagem durante o
Verão ou antes do começo de um semestre. Quando estudam o
Quadro de Referência, em particular a parte relacionada com o
ano que vão ou estão a ensinar, os professores traçam metas
gerais para o ano escolar e para cada semestre. Os professores
não «negoceiam» com este documento, seguem-no. Eles con-
sideram que uma das suas principais tarefas é ajudar os alunos a
alcançar os padrões de aprendizagem estipulados no Quadro de
Referência.
227
O manual escolar é o material no qual os professores chineses
investem a maior parte do seu tempo, dedicando a maioria dos
seus esforços ao seu «estudo intensivo». Estudam-no
constantemente quando o ensinam ao longo do ano escolar.
Primeiro que tudo, preocupam-se em entender o «que ele é».
Estudam como ele interpreta e ilustra as ideias no Quadro de
Referência do Ensino e Aprendizagem, porque é que os autores
estruturaram o livro de certa forma, quais são as relações entre os
conteúdos, quais são as relações entre os conteúdos de um certo
manual e os seus antecessores ou sucessores, o que é novo num
manual escolar por comparação com uma versão antiga e porque
é que foram feitas alterações, e por aí fora. A um nível mais
detalhado, estudam como cada unidade do manual escolar está
organizada, como o conteúdo é apresentado pelos autores e
porquê. Estudam que exemplos existem numa unidade, porque é
que estes exemplos foram escolhidos e porque é que os exemplos
foram apresentados numa certa ordem. Revêem os exercícios em
cada secção de uma unidade, o objectivo de cada secção de
exercícios e assim por diante. De facto, conduzem uma pesquisa
muito cuidadosa e crítica do manual escolar. Apesar de os
professores normalmente acharem as ideias dos autores
engenhosas e inspiradoras, por vezes também encontram partes
nos manuais escolares que são insatisfatórias na sua perspectiva,
ou fornecem ilustrações inadequadas de ideias do Quadro de
Referência.
Os manuais escolares na China (e nalguns outros países
asiáticos) são bastante diferentes dos manuais nos Estados
Unidos. Stevenson e Stigler (1992) descreveram-nos como:
228
apresentam o essencial da lição, na expectativa de que o professor
venha a trabalhar e a complementar a informação com outros
materiais, (p. 139)
229
linguagem, «como lidar com o material de ensino [chuli jiao-
cai]» 54 . De facto, na investigação «do que o material é», está
sempre implícita e incluída a preocupação de «como o ensinar».
Afinal, um manual escolar é composto com o propósito de ser
ensinado. Indo directos ao problema de «como lidar com o
material de ensino», os professores consideram a melhor forma
de ensinar com o manual escolar — como apresentar a matéria,
explicar um tópico, conceber exercícios apropriados para os
alunos, etc. —, em suma, tal como o Prof. Mao disse, «como
promover o máximo de aprendizagem no mais curto espaço de
tempo, como beneficiar o mais possível todos os alunos numa
turma, tanto os adiantados como os atrasados». No processo de
estudar o que vem no manual e de como lidar com ele, ocorrem
interacções entre «o que ensinar» e «como ensiná-lo». É fácil de
ver que, através de tais interacções, o conhecimento de um
professor sobre a matéria irá desenvolver-se, estimulado pela
preocupação de como ensinar.
Entre os três materiais de ensino anteriormente descritos, os
professores chineses levam menos a sério o manual do professor.
Apesar de muitos professores, particularmente os novos, os
acharem muito úteis para uma exploração do que ensinar e como
ensinar, é normalmente sugerido que um professor não se deve
basear unicamente no referido manual e ser limitado por ele. Na
prática, os manuais do professor são normalmente estudados
como suplementos dos manuais escolares.
Os manuais dos professores não fizeram parte do estudo
descrito neste livro. Contudo, tal como os professores no meu
estudo, usei manuais quando era professora do ensino básico. A
descrição que se segue é baseada nessa experiência.
Os manuais do professor providenciam explicações sobre os
fundamentos matemáticos nos manuais escolares corres-
escolar». Apesar de num sentido lato jiaocai incluir manual escolar, manual do professor e o
Quadro de Referência de Ensino e Aprendizagem, na prática, a maioria das vezes significa
manual escolar.
230
pondentes e sugestões de como ensinar. A introdução de um
típico manual do professor dá uma panorâmica do manual es-
colar: os seus tópicos principais, a fundamentação lógica para a
sua organização, a relação entre os tópicos no manual escolar e os
tópicos dos volumes precedentes e dos que lhe sucedem. O corpo
principal do manual é uma explicitação, secção por secção, de
cada tópico e subtópico do manual escolar. O debate sobre cada
tópico foca estas questões:
231
de objectos como uma turma de alunos, um cesto de maçãs ou
uma pilha de livros. O manual continua:
55 1 i i J- 1
2 5 3 3 2 4
232
Alguns professores experientes disseram que não usavam
frequentemente o manual do professor porque já «sabiam o que
ele contém». Contudo, para professores principiantes e mesmo
para professores experientes que ensinam um dado ano pela
primeira vez, os manuais providenciam um enquadramento para
orientar o pensamento sobre o que irão ensinar e informação que
facilita os primeiros passos de um entendimento mais profundo.
Todos os professores que entrevistei sentiram que «estudar
materiais de ensino de forma minuciosa» era muito importante
para eles:
233
temos nada mais a aprender com o estudo dos materiais de
ensino. (Prof. Mao).
234
«Estudar materiais de ensino» ocupa um lugar significativo
no trabalho dos professores chineses. Por vezes é usado como
sinónimo de «planificação de aulas»:
235
coisas repetidamente quando estudamos materiais de
ensino. Acreditem, parece simples quando falo sobre isso,
mas quando realmente o fazemos, é muito complicado,
subtil e leva muito tempo. É fácil ser um professor do ensino básico,
mas é difícil ser um bom professor do ensino básico. (Prof. Wang)
236
Paine & Ma, 1993). Estes grupos, que se encontram normalmente
uma vez por semana durante cerca de uma hora, juntam-se
formalmente para partilharem as suas ideias e reflexões sobre o
ensino. Durante este período de tempo, estudar materiais de
ensino é para eles uma actividade central. Além disso e porque os
professores chineses não têm secretárias próprias numa sala de
aula, partilham um gabinete com os seus colegas, normalmente
com outros membros dos seus grupos de investigação de ensino.
Os professores lêem e corrigem trabalhos dos alunos, preparam
as aulas, têm conversas individuais com alunos e passam o seu
tempo não lectivo nos seus gabinetes. Portanto, têm muitas
interacções informais com colegas de profissão fora das reuniões
formais dos seus grupos de investigação de ensino.
Quando lhe perguntaram se aprendeu alguma matemática
com os colegas, a Prof. Wang referiu-se imediatamente à sua
experiência quando começou a ensinar:
237
de casa escolhe e porquê, etc. No meu grupo de
investigação de ensino sou o mais velho e o que ensinou
por mais tempo; contudo, aprendo imenso com os meus
jovens colegas. Eles são normalmente mais flexíveis do que
eu nas formas de resolver os problemas. Por exemplo,
Jianqiang é um jovem professor, que ensina há apenas três
anos. Frequentemente resolve os problemas de uma forma
própria, engenhosa e muito motivadora. Pessoas mais
velhas têm uma experiência mais rica, mas normalmente
temos uma forma fixa de resolver um problema. A forma
como o ensinei antes pode limitar o meu raciocínio. Mas os
jovens não têm caminhos tão rígidos. Têm tendência para
pensar a várias dimensões, portanto podemos
estimular-nos uns aos outros.
238
relação entre colegas. Outro, partilhar ideias com colegas, au-
menta a motivação pessoal para estudar e tornar as ideias mais
claras e explícitas. Além disso, o debate em grupo é um contexto
onde facilmente se fica motivado. As interacções entre «o que
ensinar» e «como ensinar» parecem fornecer o impulso para o
crescimento do conhecimento da matemática escolar dos
professores chineses, enquanto a relação entre colegas reúne
ímpeto para o processo.
239
distributiva. Digo normalmente aos alunos: «Olhem, esta
figura, de cima para baixo, consiste em dois triângulos.
Existe algo em comum entre estes dois triângulos. O que
é?» Os alunos iriam descobrir que os dois triângulos
partilham uma base comum. Então, da esquerda para a
direita, a figura consiste também em dois triângulos que
também partilham uma base comum. «Comecemos pelos
triângulos de cima e de baixo. Uma vez que aprendemos
como usar uma letra para representar um número, porque
não tentamos usar letras para representar as alturas
desconhecidas? Se escrevermos a altura desconhecida
deste triângulo de cima como h\, como podemos
representar a altura do triângulo de baixo? J12. Ok, então
como podemos escrever a fórmula para as suas áreas? Um
aluno diria que para a área do triângulo de cima teríamos
25 x h\: 2 e para o triângulo de baixo 25 x /z2: 2. Portanto a
área de toda a figura seria 25 x h\: 2 + 25 x hi: 2. Uma vez
que aprendemos a propriedade distributiva, sabemos que
o factor comum 25 pode ser posto em evidência e o divisor
2 também. Portanto podemos reorganizar o problema
desta forma:
240
O comprimento do rectângulo é 25 cm e a largura 24 cm.
A sua área é 25 x 24. A nossa figura original no meio do
rectângulo é exactamente metade do rectângulo. Por isso,
divido 25 x 24 por 2 e saberei a área da figura.» Como
podem ver, a sua forma de resolver era bem mais simples
do que a minha.
Eu nunca tinha pensado nesta solução inteligente! Mas
percebi a sua ideia imediatamente. A maioria dos alunos
continuava intrigada. Precisava de os ajudar a
compreender como e porque é que esta forma de resolver
funcionava. Disse à turma: «Esta é uma boa ideia. Por
favor, olhem, quantos rec- tângulos pequenos existem
neste rectângulo grande?» «Quatro.» «Ok.» Apontei para
um desses rectângulos pequenos e perguntei: «O que é
esta linha neste rectângulo?» «Linha diagonal.» «E quanto
à área dos dois triângulos pequenos separados pela linha
diagonal?» «Têm a mesma área.» Depois os alunos
depressa descobriram que cada rectângulo pequeno estava
dividido em duas partes. Nós tínhamos encontrado quatro
partes dentro e quatro partes fora; as quatro de dentro, que
formavam a figura original, eram da mesma área das
quatro de fora. Portanto, a área da nossa figura original era
exactamente metade da do rectângulo grande...
Mas, para conseguirmos agarrar novas ideias dos
alunos como esta na sala de aula, temos que ter uma boa
compreensão da matemática. Temos que as agarrar no
momento, com toda a turma a aguardar a nossa
orientação.
241
A Prof. Wang também mencionou que tinha aprendido com
os seus alunos e disse que estava convencida que alguns alunos
adiantados eram mais conhecedores do que ela, quando começou
a ensinar. A Prof. Sun descreveu o que aprendeu com os alunos
dos primeiros anos:
242
pio, nunca tinha pensado que o problema da subtracção com
decomposição acerca do qual me entrevistou, podia ser resolvido de
tantas maneiras diferentes. Foram os meus alunos que propuseram as
soluções não usuais. De facto, as propostas deles aprofundaram a
minha compreensão do algoritmo.
243
vim pela primeira vez para esta escola em 1980, tinha
muito pouco conhecimento de matemática elementar, pois
fizera a minha própria escola básica e secundária durante a
Revolução Cultural, quando as escolas não ensinavam
seriamente os alunos. A princípio era ajudante do Prof. Xie
na sua turma do sexto ano. O meu trabalho era corrigir os
trabalhos de casa dos alunos e ajudar os alunos mais
atrasados. Nessa altura senti que muitos alunos na turma
de Xie eram mais espertos do que eu. Fiquei surpreendida
quando vi quão capazes eram os alunos mais rápidos a
resolver problemas complicados. Eu não conseguia fazê-lo
de todo. No ano seguinte fui destacada para ensinar o
terceiro ano. Depois segundo, depois terceiro, e depois
terceiro, terceiro, quarto, quinto, sexto. Em anos recentes
tenho ensinado os anos mais avançados. Uma das
maneiras como tenho aperfeiçoado o meu conhecimento
matemático é resolvendo problemas matemáticos fazendo
matemática. As formas inteligentes como professores
experientes como Xie, Pan e Mao, e mesmo os alunos mais
adiantados, resolviam problemas matemáticos
impressionavam-me mesmo. Para me aperfeiçoar a mim
própria, primeiro que tudo fiz com antecedência todos os
problemas que iria pedir aos meus alunos para resolver.
Depois estudei como explicar e analisar os problemas com
as crianças. Para fazer mais problemas matemáticos
procurei livros de colecções de problemas matemáticos e
resolvi os problemas destes livros. Não sei quantos
problemas matemáticos fiz após me tornar professora,
muitos, muitos, já perdi a conta. Actualmente estou a
estudar uma colecção de problemas de competições
matemáticas. São problemas mais complicados do que
aqueles que ensinamos na escola, mas sinto que melhoro
quando os estudo. Partilho a forma como resolvo
problemas difíceis com outros professores, normalmente
com Jianqiang. Ele também gosta de resolver problemas
complicados de matemática. Gostamos de discutir várias
formas de os resolver.
244
«Fazer matemática» é a actividade principal dos matemáticos.
Lange (1964) escreveu:
245
tica elementar, preparando-se para as aulas, ensinando a matéria
e reflectindo sobre o processo. Portanto, o que eles aprendem irá
contribuir para e será usado nesse ensino.
SUMÁRIO
246
professores americanos foram bem-sucedidos no cálculo da di-
visão por fracções, mas apenas um deles (4%) criou uma his-
tória-problema que representava correctamente o significado da
divisão por fracções. Apenas um dos professores americanos
alcançou uma solução correcta ao expor a relação entre a área e o
perímetro de um rectângulo e 17% disseram que não sabiam as
fórmulas para calcular a área e o perímetro.
O segundo estudo investigou como os professores chineses
atingiram a CPMF. Entrevistei três professores com CPMF,
perguntando-lhes como tinham adquirido o seu conhecimento
matemático. Os professores mencionaram vários factores:
aprender com os colegas, aprender matemática com os alunos,
aprender matemática resolvendo problemas, ensinar, ensinar a
todos os ciclos de uma ponta à outra e estudar materiais de
ensino de forma exaustiva.
Durante os Verões e no início do período escolar, os pro-
fessores chineses estudam o Quadro de Referência de Ensino e
Aprendizagem, um documento com algumas semelhanças com
os Padrões para a Matemática Escolar (NCTM, 1989), do
Conselho Nacional de Professores de Matemática (National
Council of Teachers of Mathematics — NCTM), ou com do-
cumentos oficiais como o Quadro de Referência de Matemática
para as Escolas Públicas da Califórnia (1985,1992), do De-
partamento de Educação da Califórnia. O material mais
estudado é o manual escolar. Os professores estudam-no e dis-
cutem-no durante o ano escolar enquanto o ensinam. Compa-
rativamente, dedicam pouco tempo a estudar o manual do
professor, ainda que os professores novos o considerem útil.
Os dois estudos sugeriram que, apesar de a sua escolaridade
lhes fornecer uma base sólida, os professores chineses
desenvolvem CPMF durante as suas carreiras de ensino — es-
timulados por uma preocupação sobre o que ensinar e como o
ensinar, incentivados e apoiados pelos seus colegas e materiais
de ensino.
247
7
Conclusão
248
trabalhar no aperfeiçoamento da educação matemática dos
alunos, também precisaremos de aperfeiçoar o conhecimento dos
seus professores em matemática escolar. Tal como indicado na
introdução, a qualidade do conhecimento da matéria pelo
professor afecta directamente a aprendizagem dos alunos — e
pode ser imediatamente alvo de intervenção.
O conhecimento dos professores sobre a matéria desen-
volve-se num processo cíclico ilustrado na Fig. 7.1.
249
que os professores que não adquirem competência matemática
durante os seus estudos tenham outra oportunidade de a
adquirir. O estudo NCRTE (1991) dos programas de formação de
professores indica que a maioria dos programas de preparação
dos professores americanos se concentram em como ensinar
matemática em vez de focarem a matemática propriamente dita.
Após a preparação para o ensino, espera-se que os professores
saibam como e o que irão ensinar, sem requerer mais estudo
(Schifter, 1996a). Esta suposição reflecte-se na estrutura
educacional americana: a Comissão Nacional para o Ensino e o
Futuro da América (1997) não encontrou qualquer sistema em
funcionamento para assegurar que os professores têm acesso ao
conhecimento de que precisam. Esta lacuna pode ser um
importante obstáculo à reforma. Em 1996, após dois anos de
estudo intensivo, a comissão concluiu que «a maioria das escolas
e dos professores não pode alcançar os objectives estabelecidos
pelos novos padrões educacionais, não porque não tenham
vontade, mas porque não sabem como, e os sistemas em que
trabalham não os apoiam a fazê-lo» (p. 1).
Reflectindo sobre a educação matemática dos chineses, po-
demos constatar que a espiral ascendente não está lá por acaso,
mas porque é cultivada e apoiada pela robustez da substância
matemática escolar na China. Se a disciplina que eles ensinam
não tivesse profundidade e alcance, como poderiam os profes-
sores chineses desenvolver uma profunda compreensão a seu
respeito? De facto, pode existir outra espiral ascendente na
China — entre matemática elementar essencial e educação ma-
temática sólida, o que contrasta com os prolongados baixos
níveis nos Estados Unidos, onde uma matemática elementar
inadequada («capacidades básicas», «aritmética de balconista»)
reforça e é reforçada por uma educação matemática insa-
tisfatória. Nos Estados Unidos é largamente aceite que a
matemática elementar é «básica», superficial e facilmente com-
preendida. A informação neste livro desmascara este mito. A
matemática elementar não é de todo superficial, e quem quer
250
que seja que a ensine tem que a estudar de forma a entendê-la de
uma forma ampla57.
Como pode este círculo vicioso — entre aprendizagem
insatisfatória dos alunos e conhecimento inadequado dos pro-
fessores, entre educação matemática insatisfatória e matemática
elementar inadequada — ser quebrado? Como podem os
objectivos da reforma ser atingidos? Concluo com algumas re-
comendações.
57 Outros eruditos, tal como Bali (1988d), também revelaram a falsidade da as- pretensão
252
colegas em início de carreira. Esta descoberta está de acordo com
a do Centro Nacional de Investigação sobre a Formação de Pro-
fessores (1991). A questão então é: porque é que ensinar mate-
mática neste país não produz CPMF entre os professores?
Tenho observado que ao ensino da matemática nos Estados
Unidos falta uma interacção entre o estudo da matemática en-
sinada e o estudo de como ensiná-la. Vários factores impedem os
professores de estudar cuidadosamente a matemática escolar que
ensinam. Um é a pretensão que já discuti — que a matemática
elementar é «básica», superficial e comummente compreendida.
Outra pretensão — que os professores não precisam de estudar
mais a matéria que ensinam — também impede os professores de
voltarem a estudar a matemática escolar. Schifter escreveu:
253
possivelmente porque não se espera que eles os leiam. Burkhardt
(comunicação pessoal, 11 Maio, 1998) disse:
254
escolar composto de uma forma atenta e cuidadosa encerra em si
mesmo sabedoria sobre o curriculum, com a qual os professores
podem «falar» e que os pode inspirar e elucidar. Na China, os
manuais escolares são concebidos não apenas para os alunos,
mas também para a aprendizagem dos professores sobre a
matemática que estão a ensinar. Os professores estudam os
manuais escolares muito cuidadosamente: pesquisam-nos
individualmente e em grupos, conversam sobre o seu
significado, fazem os problemas em conjunto e têm conversas
sobre eles. Os manuais do professor fornecem informação acerca
de conteúdo e pedagogia, pensamento dos alunos e coerência
longitudinal.
O tempo é aqui uma questão importante. Se, no seu muito
limitado tempo fora das salas de aula, os professores têm que
descobrir o que ensinar por si próprios e decidir como o ensinar,
que tempo lhes resta para estudarem cuidadosamente o que irão
ensinar? Os professores americanos têm menos tempo de
trabalho fora das salas de aula do que os professores chineses
(McKnight e tal., 1987; Stigler & Stevenson, 1991), mas precisam
de fazer muito mais neste tempo limitado. O que se espera que os
professores americanos alcancem é, então, impossível. Está claro
que eles não têm tempo suficiente nem apoio apropriado para
pensar do princípio ao fim, exaustivamente, sobre o que vão
ensinar. E sem uma ideia clara do que ensinar, como podem
determinar como o ensinar de uma forma reflectida?
255
universidade — é onde eles esperam aprender a ensinar. Mais ainda,
a tarefa é passível de ser gerida ao nível universitário... apenas cerca
de mil escolas universitárias formam professores. (Cipra, 1992, P. 5)
256
1992), que dependem do conhecimento e das crenças do leitor
acerca da matemática, do ensino e da aprendizagem.
Os Padrões Profissionais para o Ensino da Matemática
(NCTM, 1991, p. 32) referem que «os manuais escolares podem
ser recursos úteis para os professores, mas os professores tam-
bém devem ter liberdade para adaptarem os textos ou desvia-
rem-se deles, se as ideias e conjecturas dos alunos ajudarem a
definir a rota dos professores pelo conteúdo». Ferruci (1997) fez
notar que descontinuar o uso de manuais escolares pode ser visto
como sendo consistente com esta afirmação. Outros caracterizam
os professores reformistas como os que «usam o manual escolar
como um complemento do curriculum» para trabalho de casa,
prática e revisão; ao invés, os professores tradicionais dependem
do texto para orientar o âmbito e a sequência do curriculum
(Kroll & Black, 1993, p. 431).
Por causa do descontentamento com os manuais escolares
(Bali, 1993b; Heaton, 1992; Schifter, 1996b) ou porque eram en-
corajados a fazê-lo nos programas de formação (Bali & Feiman-
Nemser, 1988), alguns professores adeptos da reforma
organizam independentemente os seus próprios curricula, ela-
boram os seus próprios materiais e implementam as lições que
projectaram (Heaton, 1992; Shimahara & Sakai, 1995; Stigker,
Fernandez, & Yoshida, 199b, p. 216; para narrativas de profes-
sores do Programa de Verão de Matemática, ver Schifter, 1996c,
1996d). Bali e Cohen (1996) escreveram:
257
aos textos, juntamente com a imagem idealizada do profissional
individual, têm inibido uma consideração cuidadosa do papel
construtivo que o curriculum pode desempenhar, (p. 6)
258
matemática do estado. Alguns achavam que o foco principal do
quadro de referência de 1985, acima citado, era o que ensinar —
«conteúdo matemático importante»; outros que era como ensinar
— «um apelo ao uso de materiais manipuláveis e grupos
cooperativos» (p. 214). Durante 1992 e 1993, o Projecto de
Reconhecimento e Registo da Reforma em Educação Matemática
estudou escolas em todos os Estados Unidos. Fer- rini-Mundi e
Johnson (1994), membros do projecto, notaram que esforços
superficiais podem passar por mudança. «Salas de aula de
matemática podem aparentar ser muito orientadas por
competências, com máquinas calculadoras em evidência, alunos
trabalhando em grupo, materiais manipuláveis disponíveis e
problemas interessantes em discussão» (p. 191), mas os
investigadores precisam de uma compreensão mais profunda do
que está a acontecer nestas salas de aula.
Esta dicotomia é avivada quando consideramos as salas de
aula dos professores chineses. Por um lado, o ensino da mate-
mática nas salas de aula chinesas, mesmo por um professor com
CPMF, parece bastante «tradicional», isto é, contrário ao
defendido pela reforma. O ensino da matemática na China é
claramente baseado no manual escolar. Nas salas de aula chi-
nesas, os alunos sentam-se em filas de frente para o professor, que
é obviamente o líder, o autor da agenda e o orientador da
aprendizagem. Por outro lado, podemos ver nas salas de aula
chinesas, particularmente naquelas com professores com CPMF,
características defendidas pela reforma — o ensino para uma
compreensão conceptual, o entusiasmo dos alunos e
oportunidades para exprimirem as suas ideias, a sua participação
e contribuição para o seu próprio processo de aprendizagem.
Como podem estas características aparentemente contraditórias
— algumas refutadas e outras defendidas pela reforma — ocorrer
ao mesmo tempo? O que pode este intrigante contraste implicar
para os esforços de reforma nos Estados Unidos?
A perspectiva de Cobb e dos seus colegas (Cobb, Wood,
Yackel, & Meneai, 1992) ajuda a explicar este imbróglio.
Cobb e os seus colegas vêem a essência da actual reforma como
259
uma mudança da tradição da matemática nas salas de aula, e
insistem que o ensino tradicional e o reformista diferem na
«qualidade dos significados normativos e nas práticas da
matemática» mais do que em «caracterizações retóricas».
No seu estudo de caso de duas salas de aula, uma com «tra-
dição de matemática escolar» onde o conhecimento era «trans-
mitido» do professor para «alunos passivos», e a outra com
«tradição de matemática de averiguação» na qual a «aprendi-
zagem matemática era vista como um processo interactivo,
construtivo e centrado nos problemas», estudiosos concluíram
que, em ambos os casos, os professores e os alunos contribuíam
activamente para o desenvolvimento da tradição da matemática
na sua sala de aula, enquanto em ambas as salas de aula os
professores expressavam a sua «autoridade institucionalizada»
durante o processo. Cobb e os seus colegas sugerem que
«aprendizagem significativa» pode ser mera retórica na
educação matemática porque «a actividade de seguir instruções
procedimentais também pode ser significativa para os alunos»
em certas tradições da matemática nas salas de aula. A metáfora
de transmissão que descreve o ensino matemático tradicional
como a tentativa de transmitir conhecimento do professor para
alunos passivos pode parecer apropriada apenas «no contexto
político da reforma» (p. 34).
Neste sentido, apesar de o ensino matemático nas salas de
aula dos professores chineses não ir ao encontro de algumas
«caracterizações retóricas» da reforma, ele enquadra-se de facto
na tradição da matemática nas salas de aula defendida pela
actual reforma. Na verdade, ainda que a sala de aula de um
professor chinês com CPMF possa parecer bastante «tradicional»
na sua forma, ela transcende a forma em muitos aspectos. É
baseada no manual escolar, mas não confinada aos manuais
escolares. O professor é o líder, mas as ideias e iniciativas dos
alunos são altamente encorajadas e valorizadas.
260
Por outro lado, que tipo de «ensino para a compreensão»
podemos esperar de um professor que não consegue dar uma
explicação matemática dos algoritmos da subtracção com rea-
grupamento, multiplicação com números de vários algarismos
ou divisão por fracções? Ou de um professor que não pode
fornecer uma representação correcta do significado de uma
operação aritmética tal como divisão por fracções? Ou ainda de
um professor que não está motivado para explorar novas
asserções matemáticas?
Para tornar a situação mais clara, podemos pensar numa sala
de aulas como a de Bali (1993a, 1993b, 1996), considerada por
alguns como um modelo da corrente reforma:
261
Bali, nem a matemática nem o pensamento matemático que os
alunos estão a desenvolver, nem o que o professor está a tentar
ajudá-los a perceber, são os da sala de Bali. O verdadeiro
pensamento matemático que ocorre numa sala de aula, de facto,
depende grandemente da compreensão da matemática por parte
do professor.
Outro ponto que gostaria de realçar é que a mudança da tra-
dição da matemática numa sala de aula pode não ser uma «re-
volução» que simplesmente deita fora o velho e adopta o novo.
Em vez disso, pode ser um processo no qual algumas caracte-
rísticas novas se desenvolvem a partir da tradição anterior. Por
outras palavras, as duas tradições podem não ser absolutamente
antagónicas: pelo contrário, a nova tradição envolve a antiga —
tal como um novo paradigma na investigação científica não
exclui completamente um antigo e o inclui como um caso
especial.
No verdadeiro ensino na sala de aula, as duas tradições
podem não se distinguir uma da outra claramente, ou podem
não ser tão «puras» como tem sido descrito. Por exemplo, o meu
estudo indica que professores com CPMF nunca ignoram o
papel da «aprendizagem procedimental», independentemente
do grau em que enfatizam a «compreensão conceptual».
Mais ainda, esta investigação sugere que o conhecimento da
matéria de matemática por parte dos professores pode
contribuir para uma tradição da matemática na sala de aula e
para a sua alteração. Uma «compreensão matemática parti-
lhada» que marca uma tradição não pode ser dissociada do
conhecimento matemático das pessoas na sala de aula, espe-
cialmente do conhecimento do professor que está encarregado
do processo de ensino. Se o conhecimento próprio do professor
em relação à matemática ensinada na escola básica estiver
limitado a procedimentos, como podemos nós esperar que a sua
sala de aula tenha uma tradição de averiguação matemática? A
mudança por que esperamos só ocorrerá se trabalharmos para
mudar o conhecimento matemático dos professores.
262
Gostaria de terminar com uma citação de Dewey (1902/1975):
263
Apêndice
Tabela A.l
Anos de experiência de ensino dos professores americanos experientes
Anos de ensino
Escola elementar (1° ciclo) Escola média (2° Ciclo)
Prof." Baird 14
Prof.3 Barbara 5
Prof. Barry 23
Prof." Belinda 12
Prof." Belle 19
Prof." Bernadette 17
Prof." Bernice 8
Prof." Beverly 15
Prof." Blanche 1
Prof. Brady 19
Prof." Bridget 2 14
Nota:Nenhum dos professores relatou experiência de ensino no pré-escolar ou jardim de
infância.
264
& Livros do professor
Grupos de investigação de ensino
Quadro de referência de ensino e
#-£ +
aprendizagem
#«f&#
Lidar com material de ensino
Fig. A.2.
265
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273
índice remissivo
274
211 ideias básicas, 212 119« operações inversas, 118
perspectivas múltiplas, 211, 212 propriedades básicas, 88«,
profundidade, 210-213 quando e 192-193«, 228« quarto ano, 117«,
como é atingida, 223-243, 246 193« sexto ano, 117« terceiro ano,
condições de trabalho dos 192«, 228 terceiro ciclo, 155«
professores, 30 na China, 223, 224 EUA, 109,190, 204
nos EUA, 246-252 condições de
validade, 170-173, 178
conectividade, 211 confiança,
66,124,151,176,177 conhecimento, ver
também compreensão profunda da
matemática fundamental
abrangência, 108,176,180, 210-213
alcance, 210-213 coerência
longitudinal, 212 conceptual,
64-68,106-108, 201, 207, 208
conectividade, 211
conteúdo pedagógico, 27, 30
crescimento em, ver crescimento do
conhecimento matemático dos
professores da matéria, 27, 30, 58,109,
176, 217, 222, 242, 246, 248 dos
professores, 24, 27, 29, 30, 189,
210«, 222, ver também base de
conhecimento pedagógico,
135-137 perspectivas múltiplas,
211,212 procedimental, 61-64,
201, 206-208
profundidade, 210-213 consultar
um livro, 162,165 convenção
matemática, 75, 91 crescimento do
conhecimento matemático dos
professores apoiado na China,
224-244, 246, 249
não incentivado nos EUA,
249-255 curriculum China
divisão, 117«, 119«, 228n
espiral, 109 figura fechada, 155
fórmulas para o cálculo de áreas,
165, 203« fracções, 117«, 121«
manter o valor de um quociente,
275
D I
decompor um 10, 42-44, 52-55, 64 ideias básicas, 47, 65, 66, 212, ver
decompor uma unidade de ordem também atitudes básicas; princípios
superior, 39-44, 47, 52, 234 básicos ideias gerais, ver ideias
desenvolvimento profissional, ver básicas
crescimento do conhecimento
matemático dos professores divisão J
base de conhecimento, 144-147
jiaoxue dagang, 225, ver também
enquanto operação inversa, 146
Quadro de Referência do Ensino e
modelo de agrupamento, 21,
Aprendizagem jiaoyanzu, 234
24,137-140 modelo de produto e
jie yi dang shi, 43, ver também
factores, 137,138,143,144
empréstimo
modelo de repartição, 21, 24,
jin lu, 45, ver também base para
137,138,140-142,148,153 modelos
compor uma unidade de ordem
de, 137,138,147 mudança no
superior jin yi, 42, ver também
significado, 140-143
compor uma unidade de ordem
no curriculum nacional da
superior
China, 117n, 119n, 228n por
justificação, 88, 89,107,118,152,
fracções, 25 propriedade
186,195
distributiva da, 123, 124
com derivação simbólica,
significado, 145
192-195
E
276
K 118
numa base de conhecimento, 207
keben, 225, ver também manuais
escolares ordem das operações, 125 P
277
8877,192«, 228n prova, 32-35,43,234 com reagrupamento, 28,
66,152,167,168,195 31, 36, 38, 47-51, 52, 53 enquanto
operação inversa, 59,65
Q
sem reagrupamento, 58 T
Quadro de Referência do Ensino e Terceiro Estudo Internacional de
Aprendizagem, 225-227, 234, 236, Matemática e Ciência, 22
244 tui yi, 41, ver também decompor uma
unidade de ordem superior
R
U
reagrupamento na subtracção, 28, 31,
36, 38, 47-51, unidade fraccionária, 230, 231 V
52,53
valor posicionai, 72, 73, 88, 91, 92,
reforma, 25, 26, 29, 247,
94,102,104 na multiplicação, 88, 92,
253-260
94, 102,104
relação entre colegas, 234-237, 242
numa base de conhecimento, 207
S
Y
saber como e saber também
porquê, 30,192 sinal de igual, yiti duojie, 240, ver também
194 sistema de numeração, 47, soluções múltiplas
65 sistema de número-palavra
chinês, 23, 52n Z
sistema de valor posicionai, 92-95,
99,107 zhi qi ran, zhi qi suoyi ran, 262, ver
na multiplicação, 92-95,99,107 também saber como e saber também
unidade básica, 92, 93 soluções porquê zuanyan jiaocai, 225
múltiplas, 125,126,195, 196
subtracção até 20,
50-58
base de conhecimento, 55-59,
63-68, 207
base para compor uma unidade
de ordem superior, 44-47, 56, 57, 65
com decomposição, 53, ver também
com reagrupamento com
decomposição de um 10, 52, 53, 64
com decomposição de uma
unidade de ordem superior, 39-44,
47, 52, 234 com empréstimo,
278
Temas de
Matemática
gradiva
ISB N
matemática de estudantes e profissionais com especial destaque
para os jovens professores, e também cativar o interesse de um
público não especialista interessado em textos de divulgação
científica.
9 789896 163242
jj