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Colonialismo e terrorismo andam de mãos dadas no


Oriente Médio; leia análise
Guilherme Casarões*

5 - 6 minutes

As terríveis cenas que assistimos nos últimos dias e o imensurável


sofrimento de civis dificultam qualquer análise sóbria sobre os ataques
terroristas do Hamas no contexto mais amplo do conflito israelense-
palestino. No momento em que precisamos de humanidade, a frieza da
geopolítica soa demasiadamente desumana. Mas é fundamental que
alguns elementos desse complexo quebra-cabeças sejam discutidos.

Primeiro: estamos falando de uma disputa entre dois projetos nacionais


em larga medida excludentes. Ainda que muitos israelenses e palestinos
sejam a favor da existência de dois Estados para os dois povos, a
radicalização de ambas as sociedades privilegia, hoje, o entendimento de
que a sobrevivência de um povo depende da eliminação do outro.

Após 15 anos no poder, o premiê Benjamin Netanyahu associa-se, cada


vez mais, com nacionalistas religiosos e ultraortodoxos que negam aos
palestinos o direito de existir. Governando Gaza com mão de ferro desde
2006, o grupo extremista Hamas defende que a Palestina só será livre
quando Israel desaparecer. O colonialismo de alguns anda de mãos
dadas com o terrorismo de outros.

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Palestinos observam as consequências de um ataque aéreo israelense na Cidade


de Gaza, em 09 de outubro de 2023. Foto: HAITHAM IMAD / EFE

Essas posições não são necessariamente majoritárias, mas refletem a


dinâmica do poder local. Políticos israelenses de centro e de esquerda,
geralmente mais abertos às negociações de paz com os palestinos,
encontram dificuldade de formular uma agenda que atenue o medo do
cidadão comum. Ao negarem uma lógica de segurança a qualquer custo,
perdem espaço político.

O mesmo ocorre entre os grupos em Gaza e na Cisjordânia. A Autoridade


Palestina, fruto das conversas com Israel sobre a criação de um Estado
palestino (que completam três décadas), tem sido incapaz de dar a seu
povo qualquer esperança de independência. Os anos de paralisia política
custaram-lhe legitimidade e força, abrindo caminho para o radicalismo.

Leia mais

• O pior dia de guerra de Israel; leia a coluna de Thomas Friedman

Acontecimentos deste sábado tornaram-se um golpe chocante para as


capacidades de dissuasão de Israel

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Vale também ressaltar, como segundo ponto, que o conflito se inscreve


num quadro geopolítico mais amplo. A força militar do Hamas vem do
Irã, um dos atores mais poderosos da região. Opondo-se ao regime
iraniano temos a Arábia Saudita, que vem dando passos concretos,
mediados pelos Estados Unidos, de aproximação com Israel.

A agressão do Hamas, portanto, pode ser compreendida como uma


tentativa iraniana de romper o eixo saudita-israelense. Como o Irã
também abastece militarmente o Hezbollah, grupo xiita que controla o

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sul do Líbano, não surpreendem os ataques contra Israel vindos da


fronteira libanesa.

O atual quadro poderá comprometer não só a aproximação entre Arábia


Saudita e Israel, como jogar por terra os esforços diplomáticos norte-
americanos de contenção do Irã na região. Esse é um desafio ao governo
Biden, que enfrentará uma eleição dura no próximo ano, com Donald
Trump liderando as pesquisas.

Foguetes são disparados contra Israel da Faixa de Gaza na segunda-feira, 9 de


outubro de 2023. Foto: Hatem Moussa / AP

Buscando desescalar as tensões entre israelenses e palestinos está a


Turquia de Recep Erdogan. Faz alguns anos que os turcos desejam
assumir mais protagonismo na geopolítica do Oriente Médio. Hoje,
buscam fazê-lo em contraposição aos interesses iranianos e sauditas,
beneficiando-se da interlocução que possuem com Israel e com o Hamas.

Mas esse será só o primeiro passo de um processo muito mais


complicado. Esse é o terceiro ponto: enquanto Netanyahu e seus aliados
de extrema direita estiverem no poder, a única linguagem na relação
com os palestinos será a do conflito. A oposição já sinalizou a
possibilidade de um governo de união nacional, mas que dependerá dos
rumos da guerra. Se Netanyahu tiver respaldo popular, essa hipótese se
esvai.

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O mesmo vale para os palestinos. Enquanto a Autoridade Palestina de


Mahmoud Abbas não conseguir retomar as conversas para a criação de
um Estado palestino, o Hamas e outros grupos extremistas seguirão
dominando a discussão. Sua única linguagem, como podem imaginar, é a
do conflito.

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É importante, por fim, olharmos para o futuro em busca de uma solução.


Ela passa pelo restante do mundo e o Brasil possui uma posição
privilegiada nesse sentido. Por sua trajetória de equilíbrio frente ao
tema, dialoga bem com Israel e com a Autoridade Palestina. A partir da
presidência do Conselho de Segurança da ONU, o país será fundamental
para buscar medidas coletivas que interrompam as agressões.

A diplomacia brasileira tem de atuar de maneira estratégica e resoluta


em defesa da paz e da solução de dois Estados. A recente expansão dos
Brics, com a entrada de sauditas e iranianos, confere ao Brasil
oportunidade única para resgatar as vias de diálogo. Se Lula quer deixar
um grande legado diplomático em seu terceiro mandato, esse pode ser
um caminho, que deverá ser perseguido com sabedoria e equilíbrio.

*Cientista político e professor da FGV EAESP

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