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Terrorismo, Lula, Bibi, um veterano colunista do NYT e

os tontos dolosos
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Reinaldo Azevedo

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Opinião

Reinaldo Azevedo
Colunista do UOL

09/10/2023 07h15

Benyamin Netanyahu, o desastroso primeiro-ministro de Israel, e Thomas Friedman, o jornalista


insuspeito de simpatia por terrorismo: o colunista antecipou, com todas as letras, um Israel fragilizado
pelo fanatismo Imagem: Abir Sultan/AP; Reprodução

Tão logo vieram a público, na manhã de sábado, as primeiras informações sobre as


incursões terroristas feitas pelo Hamas contra cidadãos israelenses, o governo
brasileiro emitiu uma nota. E o fez em termos corretos. Como se sabe agora, os
eventos foram mais trágicos, mais devastadores, bem mais graves do que se sabia
então. Transcrevo, no entanto, a primeira reação e comento:

1/7
"O Governo brasileiro condena a série de bombardeios e ataques terrestres
realizados hoje em Israel a partir da Faixa de Gaza, provocando a morte de ao
menos 20 cidadãos israelenses, além de mais de 500 feridos. Expressa
condolências aos familiares das vítimas e manifesta sua solidariedade ao povo de
Israel.
Ao reiterar que não há justificativa para o recurso à violência, sobretudo contra
civis, o Governo brasileiro exorta todas as partes a exercerem máxima contenção
a fim de evitar a escalada da situação.
Não há, até o momento, notícia de vítimas entre a comunidade brasileira em Israel
e na Palestina.
O Brasil lamenta que em 2023, ano do 30º aniversário dos Acordos de Paz de
Oslo, se observe deterioração grave e crescente da situação securitária entre
Israel e Palestina.
Na qualidade de Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o
Brasil convocará reunião de emergência do órgão.
O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados,
com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras
mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. Reafirma, ainda, que
a mera gestão do conflito não constitui alternativa viável para o encaminhamento
da questão israelo-palestina, sendo urgente a retomada das negociações de paz."

O presidente Lula, de próprio punho, se manifestou depois, ainda no sábado. Chamou


terrorismo de "terrorismo". Mais adiante, falo a respeito. Voltemos à nota do Itamaraty.

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A súcia ideológica que não teme nem mesmo mercadejar a morte reclamou de o país
não ter citado o nome do Hamas e de ter reafirmado a solução em favor dos dois
Estados, como se isso fosse um mal e estivesse a indicar algum flerte com o caos.

A suposição é uma aberração. Pouco importa o que digam este ou aquele políticos ou
militantes, o fato é que o Brasil está na presidência do Conselho de Segurança da ONU
e lhe cabe, precipuamente, cobrar a cessação de qualquer hostilidade que ecloda
mundo afora, distinguindo, quando evidente e inequívoco, quem é o agredido. A
condenação é clara, sem subterfúgios ou ambiguidade. "Ah, mas não citou o Hamas..."
Nem deveria. Quem está na ONU na condição de "observador" é a Autoridade Nacional
Palestina, que não agrediu ninguém.

UM ANALISTA JUDEU DO NYT


A ilação de que a referência à questão dos dois Estados é imprópria é coisa de gente
disposta a pescar em águas turvas... de sangue. Há analistas de meia-tigela que estão
confundindo seu ódio ao governo Lula com os fatos objetivos. Na sequência, não vou
sugerir que vocês leiam o texto de algum moderado palestino. Recomendo, até como
um "detox" contra a burrice, dois artigos de Thomas Friedman no "New York Times".
Suponho que ele esteja entre os insuspeitos de simpatia pelo Hamas ou de viés
esquerdizante ou antissemita. Posso discordar dele às vezes, mas estúpido nunca foi.

Num texto sobre os atos insanos, com tradução publicada no Estadão, faz
especulações de várias naturezas — o mundo está perplexo, e Friedman também.
Pergunta, por exemplo, se a razão principal do terror é uma encomenda feita pelo Irã,
um dos financiadores do Hamas, com o objetivo de interromper a aproximação da
Arábia Saudita com Israel, que já havia celebrado entendimentos, noto eu, com outros
países árabes, como Marrocos, Sudão, Emirados Árabes e Bahrein. Esses países
árabes teriam visto nesse caminho, também no horizonte dos sauditas, um modo de

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enfraquecer o regime dos aiatolás. Para quem sabe ler, nem é preciso cortar o "t", não
é? Reproduzo um trecho, mexendo um tantinho só na tradução em benefício da
precisão. Leiam com atenção:

"Por que o Hamas lançou esta guerra agora, sem qualquer provocação imediata?
É de se perguntar se não terá sido menos em nome do povo palestino e mais a
mando do Irã, um importante fornecedor de dinheiro e armas ao Hamas, para
ajudar a impedir a normalização das relações entre a Arábia Saudita, rival do Irã, e
Israel. Tal acordo, tal como estava sendo elaborado, também beneficiaria a
Autoridade Nacional Palestina na Cisjordânia, mais moderada — ao proporcionar-
lhe uma enorme injeção de dinheiro da Arábia Saudita, bem como restrições às
colônias israelenses na Cisjordânia e outros avanços para preservar uma solução
de dois Estados. Como resultado, os líderes da Cisjordânia poderiam ter ganhado
um impulso desesperadamente necessário de legitimidade por parte das massas
palestinas, ameaçando a legitimidade do Hamas.

O acordo EUA-Arábia Saudita-Israel também seria um terremoto diplomático que,


muito provavelmente, exigiria que Netanyahu abandonasse os membros mais
extremistas do seu gabinete em troca da formação de uma aliança entre o Estado
judeu e os Estados sunitas do Golfo Pérsico contra o Irã. No seu conjunto, seria
uma das maiores mudanças nas placas tectônicas da região em 75 anos. Na
sequência deste ataque do Hamas, esse acordo está agora congelado, uma vez
que os sauditas tiveram de se ligar mais estreitamente do que nunca aos
interesses palestinos, e não apenas aos seus próprios interesses."

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VAMOS VER
Um analista como Friedman não precisa ter receio de inserir a barbárie no contexto da
criação de um estado palestino -- e não para facilitá-la.... E não é nada sutil ao explicitar
que a eventual aliança não era exatamente a melhor notícia para a extrema-direita.

Mais: insuspeito de simpatias pelo Hamas ou de interesse na fragilização do "Estado


judeu", como ele próprio escreve, aponta sem receio o mal que o governante israelense
tem feito ao país. Acusa-o, sem meias palavras, de tentar um golpe judicial. Reproduzo:
"Como esta coluna tem assinalado, desde que regressou ao poder, a política de
divisão de Netanyahu causou danos terríveis a Israel. Bibi deu prioridade a um
golpe judicial para retirar do Supremo Tribunal de Israel o poder de supervisionar
o seu governo -- acima de todas as outras prioridades. Nesse processo, dividiu a
sociedade israelense e as suas Forças Armadas.
E há meses que as pessoas têm alertado para o perigo que isto pode representar.
Ainda nesta semana, citei um antigo diretor-geral do Ministério da Defesa
israelense, Dan Harel, que disse num comício democrático em Tel-Aviv que nunca

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viu 'a nossa segurança nacional num estado pior' e que já houve danos nas
unidades de reserva de formações essenciais das Forças de Defesa de Israel, 'o
que reduziu a prontidão e a capacidade operacional'"

NÃO FOI A PRIMEIRA VEZ


Foi a primeira vez que o veterano colunista associou as escolhas estúpidas do dirigente
a uma escalada violenta? A resposta é "não". Em artigo de março, este com tradução
publicada pela Folha, escreveu:
"Israel hoje é uma caldeira com vapor demais se acumulando em seu interior, e os
parafusos que a mantêm unida estão prestes a sair voando em todas as direções.
Ataques letais de jovens palestinos contra israelenses estão coincidindo com a
ampliação de assentamentos israelenses e com o incêndio de vilas palestinas por
colonos israelenses, além de um levante popular para resistir ao golpe de
Benyamin Netanyahu contra o Judiciário.
Juntos, esses fatores ameaçam provocar uma ruptura de governança que nunca
antes foi vista em Israel.
(...)
A violência entre colonos israelenses e palestinos não constitui novidade. Mas
quando ela coincide com o governo mais ultranacionalista e ultraortodoxo da
história de Israel -que hoje é impulsionado por fanáticos religiosos messiânicos
cuja meta é anexar a Cisjordânia inteira e que agora controlam pastas-chave--, os
tradicionais ministros israelenses prudentes que normalmente não permitiriam
que atos desse tipo fossem adiante deram lugar a ministros que querem acabar
com quaisquer limites."

"Ah, Reinaldo, então o governo é o verdadeiro culpado pela desgraceira?" A pergunta,


se feita fosse, ultrapassaria a linha da estupidez. Não. Os responsáveis são aqueles
que os perpetraram. Já demonstrei aqui que o estatuto de fundação do Hamas prega a
destruição de Israel e ponto. E que esconjura qualquer entendimento. Em 2017,
ensaiou-se matizar um tantinho as posições, mas não deu em nada.

A pergunta é outra: Netanyahu fez algum movimento para esfriar a "caldeira de vapor"
ou, até agora, só concorreu para elevar a temperatura? A resposta é estupidamente
evidente. E, para má sorte de quase todo mundo, o Hamas existe, e Bibi está no poder,
liderando o governo mais reacionário da história. São, já escrevi aqui, duelistas da sorte
alheia.

E AGORA?
O espetáculo macabro e sangrento protagonizado pelo Hamas fortalece, por ora, o
primeiro-ministro, contra quem havia se levantado parte considerável da sociedade.
Mas volto à sutileza de Friedman. Citando Nahum Barnea, um colunista do jornal
"Yediot", escreve:
"Por último, Nahum observou que as altas patentes das Forças Armadas e o primeiro-
ministro, que preside o gabinete de segurança, sabem neste momento que, no futuro,
haverá provavelmente uma comissão de inquérito sobre a forma como a invasão do
Hamas foi permitida.

5/7
Por isso, eles têm agora de conduzir esta guerra, tomar decisões penosas sobre os
compromissos entre a dissuasão, a retaliação, a recuperação de reféns do Hamas e
talvez mesmo a invasão de Gaza, sabendo sempre que, mesmo que consigam fazer
tudo isto na perfeição, no fim do caminho espera por eles algum tipo de inquérito. Não é
fácil pensar corretamente nestas condições."

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Sim, meus caros, há esta outra questão: seguem inexplicáveis as ações espetaculares
do Hamas, que teria enganado as forças de segurança mais bem-treinadas do planeta,
que dispõem daquele que é considerado o melhor serviço de Inteligência e de
Contrainteligência do mundo, ao qual não falta aporte tecnológico de ponta, que
costuma ser exportado para outros países. Friedman fala em inquérito, vale dizer: em
investigação. Não existe até agora explicação razoável.

ENCERRO
Não há causa que justifique as ações terroristas do Hamas. Ignorar, no entanto, o
contexto em que elas se dão é só picaretagem ou militância ideológica. Pode-se não
gostar dessa ou daquela opiniões de Friedman, por exemplo, mas pistoleiro não é.
Tampouco se confunde com um desses bobalhões que não se constrangem em usar
uma tragédia -- que é só a véspera de mais carnificina -- para produzir proselitismo
barato.

Ademais, há a mensagem do próprio presidente Lula nas redes sociais:


"Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel,
que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos
familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas
formas.
O Brasil não poupará esforços para evitar a escalada do conflito, inclusive no
exercício da Presidência do Conselho de Segurança da ONU.
Conclamo a comunidade internacional a trabalhar para que se retomem

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imediatamente negociações que conduzam a uma solução ao conflito que garanta
a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo
pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados."

Como se nota, ele chama terrorismo de "terrorismo", sem hesitação. Mas houve por
aqui canalhas que leram na defesa dos dois Estados uma "relativização" do horror. É
uma interpretação moralmente dolosa. Essa gente não está nem aí para o desastre em
curso. Têm apenas de cumprir a sua cota de antilulismo ou de antipetismo vagabundos,
ainda que sobre cadáveres. Infelizmente, vem muito sangue por aí para assanhar ainda
mais a sede desses canibais.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da


interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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