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revistaoeste.com/revista/edicao-200/nem-churchill-escapou
O País do Carnaval parece estimular seus figurões a enxergarem no espelho a fantasia que
lhes der na telha. Lula, por exemplo, já se comparou a Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas,
Tiradentes, Nelson Mandela e Jesus Cristo, fora o resto, sem que fosse encaminhado ao
hospício mais próximo. Há 30 anos caprichando no papel de Madre Teresa de Calcutá da
floresta, Marina Silva está neste momento em Davos, empenhada em salvar o planeta dos
nanomísseis ambientais. Mas ninguém imaginava que, neste começo de 2024, o grande
viveiro de megalomaníacos acabaria incorporando até um Winston Churchill à brasileira.
Seu nome de batismo é Alexandre de Moraes.
Como Moraes discorria sobre a Operação Lesa Pátria, concebida para punir gente envolvida
na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, ficou claro que, na cabeça do ministro, o
crocodilo é o bando de golpistas a serviço de Jair Bolsonaro. Os defensores da multidão
encarcerada ilegalmente seriam discípulos de Chamberlain, o que transforma o superjuiz no
“Chôrchiu” do novo século. Haja ignorância histórica. O notável líder britânico resistiu ao
mais feroz inimigo sem provocar quaisquer danos ao regime democrático. Enquanto
resgatava o exército inglês acuado em Dunquerque, por exemplo, enfrentou sem queixumes
moções de desconfiança apresentadas pela oposição. Moraes, obcecado com perigos
imaginários, sepultou a Constituição e submete o sistema judicial a medonhas sessões de
tortura.
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Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: Jose Cruz/Agência Brasil
Sem ter divulgado as gravações do incidente no Aeroporto de Roma que tentou transformar
em atentado à segurança nacional, apostou na criação de sucursal carnavalesca da Ku Klux
Klan: os golpistas de 8 de janeiro, jurou, também planejavam matá-lo por enforcamento. A
denúncia sem pé nem cabeça é agravada por delírios geográficos. Alguns queriam pendurá-
lo numa árvore à beira da rodovia que liga Brasília a Goiânia, outros preferiam a Praça dos
Três Poderes. O impasse pode ter recomendado o cancelamento da execução. Sem ter
esclarecido mais uma história muito mal contada, resolveu nesta quarta-feira atirar ao lixo a
Constituição, a sensatez e a harmonia entre os Poderes com uma bofetada no rosto do
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Legislativo. Sem pedir licença ao Congresso, sem apresentar qualquer prova que
merecesse atenção, anexou o deputado federal Carlos Jordy e mais um punhado de
brasileiros à multidão dos perseguidos por um carcereiro vocacional.
Moraes costuma gabar-se de ler com muito cuidado tudo o que assina. Como subscreve o
documento, cabe-lhe explicar tanto o desfile de crimes inexistentes, deformações
processuais, arbitrariedades flagrantes e outros pecados jurídicos quanto o tratamento
brutal dispensado à língua portuguesa. Se em 8 de janeiro começou uma tentativa de golpe,
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por exemplo, o que fariam os inimigos da democracia no dia 9? Com Jair Bolsonaro nos
Estados Unidos, quem assumiria a Presidência? Seria o primeiro golpe da história
consumado por civis desarmados? O carrinho do vendedor de algodão-doce era parte do
esquema de suprimento da tropa? O que fazia o general Gonçalves Dias, amigão de Lula,
no meio de inimigos mortais do chefe?
(O certo é vulgo, expressão que precede o apelido pelo qual alguém é conhecido. Vale para
homens e mulheres. Até Dilma Rousseff deve saber disso.)
Ainda bem que Churchill escapou de citações nominais na extensa discurseira. Democrata
irredutível, o admirável homem público jamais endossaria um documento que celebra a
perseguição sofrida pelo deputado Carlos Jordy, desrespeita as fronteiras que delimitam as
atribuições dos Três Poderes e reafirma a crescente insolência de um Supremo
transformado em partido político. Moraes também precisa saber que Churchill, escritor e
orador brilhante, conquistou em 1953 o Prêmio Nobel de Literatura. Ele detestaria ter seu
nome incluído num palavrório que obriga seu redator a matricular-se ainda neste janeiro
num curso intensivo de alfabetização de adultos.
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Sir Winston Churchill, em 1941 | Foto: National Portrait Gallery (London)/Wikimedia Commons
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