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13.1.2023

TERRORISMO
BOLSONARISTA
41
“Todo mundo sabe que tem vários
discursos do ex-presidente da
República estimulando isso. Ele
estimulou a invasão na Suprema
Corte. Ele estimulou a invasão nos
Três Poderes sempre que ele pôde. E
isso também é da responsabilidade
dele. Isso é da responsabilidade dos
partidos que sustentam ele e tudo
isso vai ser apurado com muita força
e com muita rapidez”

Lula,
presidente do Brasil
/ Editorial
4 | Fórum mostrou “contaminação” do
GSI há um mês, mas resto da imprensa
se calou
edição #41

/ Capa
TERRORISMO BOLSONARISTA
9 | Da tentativa de golpe à histórica união
pela democracia, por Ivan Longo
conteúdo |

/ Política
49 | O golpe fracassado, por Emir Sader
54 | O dia em que o “cidadão de bem”
deixou a máscara cair (junto com as
calças), por Cynara Menezes
59 | O governo eleito vai governar, por
Rosilene Corrêa

/ Entrevista
62 | Boaventura de Sousa Santos: Brasil é
um laboratório da extrema direita dos EUA

/ Cinema
69 | Infâncias mediadas pela memória, por
Cesar Castanha

/ HQ
75 | 15 dicas imperdíveis de Histórias em
Quadrinhos para ler nas férias, por Pio Gomes

91 / Expediente
EDITORIAL

Fórum mostrou
“contaminação” do GSI
há um mês, mas resto da
imprensa se calou
O desenrolar das investigações sobre os
ataques terroristas levados a cabo em Brasília
por extremistas bolsonaristas no último domingo
(8), sobretudo no que tange às “descobertas”
sobre uma omissão ou conivência de
integrantes do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) e de militares do Exército,
nomeadamente aqueles que formam o Batalhão
de Guarda Presidencial (BGP), tem feito a
imprensa reverberar uma espécie de “novidade”
no âmbito dessas apurações, noticiada aos
quatro cantos como “fato novo”.
A Fórum, desde 13 de dezembro, vem
trazendo periodicamente informações que
denunciam esses fatos, reportados de forma
exclusiva por uma fonte da Polícia Federal
que é lotada no Palácio do Planalto. Horas
após os ataques de 12 de dezembro, quando
a sede da PF e uma delegacia da PCDF
sofreram tentativas de invasão e a capital
federal transformou-se num mar de carros e
ônibus queimados, nossa reportagem já trazia
dados exclusivos mostrando que agentes do
GSI tinham participação direta nesses eventos
criminosos de sublevação e sedição, bem como
as unidades de policiamento ordinário da Polícia
Militar do Distrito Federal.
Em linhas gerais, os veículos da chamada
“grande imprensa”, assim como a maior parte
da mídia independente, ignoraram a reportagem
e fizeram ouvidos moucos. A razão para isso
não se sabe, mas talvez se suspeite, ainda que
não caiba aqui fazer ilações sobre o que se
passa nessas redações.
Após uma negativa da Presidência da
República ainda sob a batuta de Jair Bolsonaro
em reconhecer a autenticidade de nossa fonte,
num episódio em que o próprio general Augusto
Heleno publicou uma nota descredibilizando
a reportagem, recheada de ameaças veladas
ao repórter que a produziu, a fonte lotada no
Planalto transmitiu em tempo real uma reunião
fechada de dentro do Anexo I daquele palácio,
para comprovar sua existência e a veracidade
das informações passadas. Só que nada disso
foi suficiente para que sua denúncia fosse
repercutida por outros veículos.
Na ocasião em que um grupo de terroristas
implantou uma bomba num caminhão com 60
mil litros de querosene, com o intuito de explodir
o aeroporto de Brasília, o mesmo servidor
informou a organização do infame ato insano
por parte do mesmo aparato de Inteligência
do então governo sainte. A meticulosidade
técnica e as informações precisas mostravam
que a Fórum, mais uma vez, noticiava material
confiável e de extrema gravidade, que seguiu
sendo ignorado e não repercutido.
As informações eram claras, objetivas,
verossímeis e cercadas de dados técnicos
e precisos que corroboravam e provavam a
versão trazida desde o início por essa fonte
instalada no núcleo nervoso do poder político
nacional. Precisou, então, que um evento
de dimensões colossais, como a invasão do
Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e
do Supremo Tribunal Federal (STF), ocorresse
para que nossa fonte reportasse ao vivo,
com imagens, durante uma transmissão
extraordinária da TV Fórum, toda a ação eivada
de conivência e de “bom-mocismo” por parte
dos elementos militares que faziam a segurança
daquele local. Estava, fundamentalmente,
comprovada sua existência e a veracidade de
tudo aquilo que era reportado à Fórum havia
quase um mês.
Surpreendentemente, as imagens
disponibilizadas pela Fórum de dentro do
Palácio do Planalto, em tempo real, com
ações policiais e militares em pleno curso
contra terroristas, não foram suficientes para
que a maior parte dos veículos de imprensa
brasileiros estivesse convencida da participação
do GSI e de outros militares nos intentos
golpistas em curso no país. A fonte informa
há quase uma semana que vários integrantes
do antigo GSI bolsonarista seguiam lotados
nos mesmos locais, ainda que o governo
tivesse sido trocado, servindo como “espiões”
e “sabotadores” da nova gestão. Ou seja,
elementos-chaves nesse processo criminoso
de levante contra as instituições democráticas,
artífices do golpismo.
Foi também trazido à tona, ao vivo, durante
a transmissão do Fórum Onze e Meia da última
segunda (9), que integrantes desse mesmo GSI
teriam discutido calorosamente com peritos e
outros agentes da PF dentro do Planalto, no
auge da baderna ignominiosa produzida pelos
bolsonaristas, quando perícias precisavam ser
realizadas e foram dificultadas, ou questionadas,
por militares.
Agora, diante da investigação aberta pelas
mais diferentes instituições de Estado para
apurar essas condutas, e que inequivocamente
desembocaram nos fatos que já havíamos
revelado e reportado, as redações passam
a divulgar algo já dito e tornado público com
evidências, o que soa tão apenas como “notícia
velha” e uma tentativa de “reinvenção da roda”.
Se as informações trazidas pela Fórum
tivessem recebido a devida repercussão que
mereciam, talvez os intentos golpistas, desde
o segundo episódio, envolvendo o caminhão-
tanque, tivessem sido evitados e não se
desdobrariam para a alucinada invasão das
sedes dos Três Poderes e para a tal minuta
golpista do ex-ministro Anderson Torres, que
tentava sacramentar uma ditadura de tutela
militar no Brasil.w
Foto Reprodução
Capa

Terrorismo
bolsonarista
Da tentativa de golpe à histórica
união pela democracia
por Ivan Longo
Foto Ricardo Stuckert
Levante golpista contra as instituições
democráticas promovido por apoiadores
radicais de Jair Bolsonaro criou terreno fértil
para o resgate da ordem democrática em
torno da figura de Lula, ao mesmo tempo
que abre caminho para a tão aguardada
responsabilização do ex-presidente

Q
ue Jair Bolsonaro tem ímpeto autoritário
e golpista não é segredo para ninguém.
Fez fama na política como parlamentar
de baixo clero que elogiava torturadores e
pregava ódio contra a esquerda. Ao se eleger
presidente, estruturou uma máquina de fake
news e discurso de ódio que, ao longo dos
anos, foi forjando um grupo de apoiadores
altamente radicalizados e dispostos a tudo
para manter o “capitão” e sua tirania no poder.
O absurdo ataque terrorista promovido por
esses bolsonaristas contra as sedes dos Três
Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro de
2023, portanto, vem sendo gestado, de alguma
maneira, há muito tempo.
Quando Lula se reabilitou politicamente
e começou a despontar como favorito para
vencer a eleição de 2022, Bolsonaro passou
a trabalhar dia e noite no discurso de que as
Foto Reprodução
Acampamento bolsonarista em Brasília, de onde os terroristas partiram
para invadir os prédios dos Três Poderes

urnas são passíveis de fraude, inflamando seus


seguidores já radicalizados e, quando de fato
perdeu, ficou semanas calado, enquanto seu
partido, o PL, questionava o resultado do pleito
através de uma “auditoria” fajuta.
Em 1º de novembro, um dia após a
Justiça Eleitoral sacramentar a vitória de Lula,
bolsonaristas começaram, sob a anuência de
Bolsonaro, a montar acampamentos em frente a
quartéis generais, pedindo “intervenção militar”, e
a realizar paralisações e atos golpistas pelo país.
No final de dezembro, às vésperas da
cerimônia de posse de Lula, os acampamentos
golpistas continuavam de pé. Foi neste momento
que o primeiro sinal de até onde os fanáticos
orientados pelo incentivo de Bolsonaro poderiam
chegar veio à tona. No dia 12 daquele mês,
bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia
Federal e promoveram uma noite de terror na
capital federal, incendiando carros e ônibus.
Já no dia 24, a Polícia Civil do Distrito Federal
desarmou uma bomba em um caminhão-tanque
- repleto de combustível - próximo ao Aeroporto
de Brasília colocada pelo bolsonarista George
Washington de Oliveira Sousa, que antes estava
no acampamento golpista em frente ao QG do
Exército da capital federal. O criminoso foi preso
e, com ele, a polícia encontrou um arsenal de
armas e bombas.
Em 31 de dezembro, um dia antes de
encerrar o mandato, Bolsonaro fugiu para os
Estados Unidos - onde permanece até hoje.
Pouco antes de partir, o agora ex-mandatário
fez sua “última live” tentando se dissociar de
atos violentos e chegou até mesmo a chorar.
Algo, evidentemente, estava sendo planejado.
No dia seguinte, Lula tomou posse como
presidente da República em uma cerimônia
histórica. Bolsonaristas mal chegaram a aparecer
nas imediações do evento, que contou com
fortíssimo aparato de segurança. Naquele
momento, a sensação era de que o radicalismo
bolsonarista, finalmente, começava a se esvair e
a dar lugar a uma nova fase democrática do país.
Exatamente uma semana depois, no
entanto, o país assistiu a uma das cenas mais
lamentáveis de sua história: um ataque golpista
e terrorista sem precedentes, promovido por
bolsonaristas radicais, contra os edifícios do
Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal
(STF) e Congresso Nacional.

O ataque: anuência do governo do DF,


destruição simbólica e material
Dias antes do fatídico domingo, 8 de janeiro,
o levante golpista já estava sendo anunciado
nas redes sociais e em grupos de Telegram
bolsonaristas. Caravanas de ônibus com
radicais vindos de todas as regiões do país
chegavam a Brasília sem serem interpelados
pela Polícia Rodoviária Federal.
Entre os grupos bolsonaristas, a mobilização
estava sendo tratada como uma “guerra”.
Foram convocados, inclusive, aqueles que
possuem armamentos, os Colecionadores
Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs).
Não à toa, no dia 7 de janeiro, o ministro da
Justiça, Flávio Dino, anunciou que colocou a Força
Nacional à disposição do governo do Distrito
Federal para fazer frente às ameaças dos atos
antidemocráticos que estavam sendo articulados.
“Além de todas as forças federais disponíveis
em Brasília, e da atuação constitucional do
Governo do Distrito Federal, teremos nos
próximos dias o auxílio da Força Nacional.
Assinei agora Portaria autorizando a atuação,
em face de ameaças veiculadas contra a
democracia”, disse Dino na ocasião.
Por volta das 14h30 daquele 8 de janeiro,
porém, uma turba de fanáticos rompeu o
cordão policial e invadiu, primeiro, o prédio do
Congresso Nacional, para depois adentrar no
Palácio do Planalto e, finalmente, na sede do
STF, edifício mais atingido pelos terroristas.
Vídeos amplamente divulgados nas redes
sociais e pela imprensa mostram que policiais
militares e oficiais do Exército não só deixaram
de agir para impedir o ataque, como também
auxiliaram os golpistas, os “escoltando” até os
prédios oficiais pouco antes das invasões.
Outras gravações mostram, ainda, a Tropa
de Choque da PM-DF abrindo espaço dentro
dos palácios para que os golpistas realizassem
as depredações. Viralizou, por exemplo, um
vídeo que mostra PMs comprando água de
coco enquanto os bolsonaristas empreendiam
o ato de terror. Somente horas depois as
forças de segurança decidiram reagir com
firmeza, realizando dispersão, esvaziando
os palácios e prendendo fanáticos que
participavam da ação golpista.
Não é de se surpreender o motivo pelo
qual a Polícia Militar não agiu como deveria.
Foto Valter Campanato / Agência Brasil
Foto Reprodução Twitter

Ibaneis Rocha, governador do DF, foi afastado do cargo por suposta conivência
com os atos golpistas. E o bolsonarista Anderson Torres, secretário de Segurança
Pública do DF, exonerado

O ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, o


bolsonarista Anderson Torres, ocupava naquele
momento o cargo de secretário de Segurança
Pública do DF. Dois dias antes dos ataques,
viajou para Orlando, nos Estados Unidos, e teria,
inclusive, se encontrado com o ex-presidente,
também “foragido” no país da América do
Norte. Foi a ele que o governador Ibaneis Rocha
imputou a culpa pela anuência da polícia diante
do terrorismo, exonerando Torres do cargo horas
após o ataque. Pouco tempo depois, o próprio
Ibaneis foi afastado do cargo por determinação
de Alexandre de Moraes, que apontou conivência
do governador com os atos golpistas.
As horas de ataque antes da dispersão foram
mais que suficientes para a destruição total dos
palácios. Além da depredação da estrutura dos
edifícios, o que se viu foram cenas que beiram
a barbárie, como a que mostra um bolsonarista
defecando em uma mesa do gabinete do
ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Além dos danos materiais, os golpistas
fizeram questão de depredar e roubar obras de
arte históricas que estavam nos edifícios oficiais,
muitas delas com valor simbólico imensurável e
que sequer poderão ser reparadas.
Uma delas é a tapeçaria Mulatas, de Di
Cavalcanti, avaliada em mais de R$ 8 milhões. A
peça, esfaqueada pelos bolsonaristas, decorava
o Salão Nobre do Palácio do Planalto e se
insere em um contexto em que seu autor, morto
em 1976, buscava retratar o Brasil real, popular,
através do próprio povo brasileiro.
Entre as áreas do Planalto mais brutalizadas
pelos bolsonaristas está o corredor do segundo
andar, que dá acesso aos ministérios. São
inúmeras as obras destruídas ali que ainda
precisarão de uma avaliação quanto aos danos
causados. Entre elas destaca-se a escultura O
Flautista, de Bruno Jorge. Avaliada em R$ 250
mil, a peça foi encontrada estilhaçada pelo chão.
Uma escultura de parede feita em madeira
por Frans Krajcberg e avaliada em R$ 300 mil
também teve o mesmo destino, assim como a
mesa de trabalho do ex-presidente Juscelino
Kubitscheck que acabou destruída ao ser usada
Foto Ricardo Stuckert
A tapeçaria Mulatas, de Di Cavalcanti, avaliada em mais de R$ 8 milhões. A peça,
esfaqueada pelos bolsonaristas, decora o Salão Nobre do Palácio do Planalto

como barricada pelos terroristas.


Outra peça de relevância do Palácio do
Planalto completamente destruída pelos
bolsonaristas foi o Relógio de Balthazar
Martinot, uma peça de pêndulo datada do
século XVII presenteado a Dom João 6º. O
autor da obra era o relojoeiro oficial do então
Rei da França, Luís XIV. Só existiam, no
mundo, dois relógios feitos por Martinot: um
está no Palácio de Versalhes, na França, e o
outro acabou sendo completamente destruído
pelos golpistas.
Indo para a Câmara dos Deputados, também
invadida pelos apoiadores de Bolsonaro, há
Foto Ricardo Stuckert
mais destruição de bens artísticos do povo
brasileiro. Entre inúmeras outras depredações,
a escultura de bronze A Bailarina, produzida em
1920 por Victor Brecheret, foi roubada. Também
o painel Araguaia, um vitral de Marianne Peretti
datado de 1977, foi quebrado.

As primeiras reações
Naquele 8 de janeiro, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva tinha acabado de desembarcar na
cidade de Araraquara, no interior de São Paulo,
para vistoriar os estragos feitos pelas chuvas
na região e oferecer o apoio do governo federal
quando chegaram as primeiras notícias sobre
o levante terrorista praticado por apoiadores de
Bolsonaro em Brasília.
O que era para ser uma agenda corriqueira
de um mandatário se transformou em palco
da primeira reação do Estado brasileiro ao
golpismo. De maneira improvisada, Lula
convocou a imprensa para uma pequena sala
no município do interior paulista, já com um
decreto pronto em mãos, e anunciou de que
maneira o governo federal reagiria para garantir
a manutenção da democracia no Brasil.
O presidente não se furtou de chamar os
fanáticos que promoveram a tentativa de golpe
de “fascistas” e “nazistas”, e nem mesmo de
associar diretamente a Jair Bolsonaro o episódio
Foto Ricardo Stuckert
Em Araraquara, onde estava no momento das invasões, o presidente Lula
assinou o decreto de intervenção federal na segurança do DF

lamentável. De maneira firme, Lula garantiu


punição a todos os envolvidos, incluindo agentes
públicos e financiadores do levante terrorista.
“Todo mundo sabe que tem vários discursos
do ex-presidente da República estimulando
isso. Ele estimulou a invasão na Suprema Corte.
Só não estimulou invasão no Palácio do Planalto
porque ele estava lá dentro. Ele estimulou a
invasão nos Três Poderes sempre que ele pôde.
E isso também é da responsabilidade dele.
Isso é da responsabilidade dos partidos que
sustentam ele e tudo isso vai ser apurado com
muita força e com muita rapidez”, disparou o
chefe do Executivo.
Em seu pronunciamento, o presidente
afirmou que houve “incompetência, má vontade
ou má-fé” por parte das forças de segurança
do governo de Brasília. “As imagens mostram
que eles guiaram as pessoas. Isso não se
Foto Marcelo Camargo / Agência Brasil
Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, foi nomeado por
Lula para o cargo de interventor da segurança pública do DF

repetirá. Vamos identificar quem pagou ônibus,


moradia e churrasco para essas pessoas. E se
houve omissão do governo federal, todos serão
punidos”, acrescentou.
No mesmo ato, o mandatário ainda anunciou
decreto de intervenção federal - posteriormente
aprovado pelo Congresso Nacional - até 31 de
janeiro na Segurança Pública do DF. Para o cargo
de interventor foi nomeado o secretário-executivo
do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli,
diretamente subordinado ao presidente.
A primeira reação de Lula foi sucedida por
pronunciamentos de dezenas de parlamentares
condenando a ação golpista, bem como por
chefes de Estado de diferentes partes do
mundo, que ainda prestaram solidariedade às
instituições e ao presidente brasileiro.
O ministro Alexandre de Moraes, um dos
principais alvos dos bolsonaristas, foi um dos
primeiros a emitir declaração, prometendo
punição aos golpistas. “Os desprezíveis ataques
terroristas à Democracia e às Instituições
Republicanas serão responsabilizados, assim
como os financiadores, instigadores, anteriores
e atuais agentes públicos que continuam na
ilícita conduta dos atos antidemocráticos. O
Judiciário não faltará ao Brasil!”, escreveu,
através das redes sociais, o magistrado.
Representantes dos Poderes, além de
Lula, também se manifestaram. Rosa Weber,
presidenta do STF, divulgou nota oficial em que
diz que a Corte “atuará para que os terroristas
que participaram desses atos sejam devidamente
julgados e exemplarmente punidos”.
“O Brasil viveu neste domingo - 8 de janeiro
de 2023 - uma página triste e lamentável de sua
história, fruto do inconformismo de quem se recusa
a aceitar a democracia”, pontuou a ministra.
O presidente do Congresso Nacional,
Rodrigo Pacheco, que estava em viagem
internacional no dia da ação golpista, afirmou
através das redes sociais que repudia
“veementemente esses atos antidemocráticos,
que devem sofrer o rigor da lei com urgência”.
Já o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira, disse que “o Congresso Nacional
jamais negou voz a quem queira se manifestar
pacificamente, mas nunca dará espaço para a
baderna, a destruição e o vandalismo”.
“Os responsáveis que promoveram e
acobertaram esse ataque à democracia
brasileira e aos seus principais símbolos devem
ser identificados e punidos na forma da lei.
A democracia pressupõe alternância de poder,
divergências de pontos de vista, mas não admite
as cenas deprimentes que o Brasil é surpreendido
nesse momento. Agiremos com rigor para
preservar a liberdade, a democracia e o respeito à
Constituição”, prosseguiu o parlamentar.

O “day after”
Na segunda-feira, 9 de janeiro, “day after”
do levante golpista de apoiadores fanáticos
de Bolsonaro, equipes da presidência, do STF
e do Congresso Nacional, enquanto a Polícia
Federal empreendia operações para prender
os bolsonaristas envolvidos nos atos de terror,
constatavam a destruição deixada nas sedes
dos Poderes.
O presidente Lula agiu rápido e convocou,
para o mesmo dia, uma reunião no Palácio
do Planalto com todos os 27 governadores
de estado, além do presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira, o presidente em
Foto Ricardo Stuckert
Um dia após os atos golpistas, o presidente Lula se reuniu com a ministra Rosa
Weber, do STF, Vital do Rêgo, presidente em exercício do Senado, e Arthur Lira,
presidente da Câmara dos Deputados. Os poderes da República se uniram para que
providências institucionais fossem tomadas contra os terroristas

exercício do Senado, Venesiano do Rêgo, e


ministros do Supremo Tribunal Federal, entre
eles a presidenta Rosa Weber, e o procurador-
geral da República, Augusto Aras.
O encontro configurou um momento histórico
de união em prol da democracia. Todos os
presentes, independentemente de partidos
e ideologias, fizeram falas contundentes
condenando os atos terroristas e expressando
sentimento de união em torno do governo Lula
para garantir a manutenção da democracia no
país, bem como a punição aos golpistas, seus
incentivadores e financiadores.
Em seu pronunciamento, Lula foi enfático
ao relacionar Bolsonaro e o PL, partido do ex-
presidente, com os terroristas. “O que vimos
ontem já estava previsto. As pessoas que
estavam nas ruas e em portas de quartéis não
tinham nenhuma reivindicação. Eu sempre
negociei, e nunca tive problemas para negociar.
Mas essa gente não tem uma pauta de
negociação. A única negociação que essa gente
poderia ter, é que se entrou com um recurso
para negar o resultado do processo eleitoral e
o ministro Alexandre de Moraes, por sua vez,
negou o pedido e multou o partido que o fez
para que seu presidente parasse de ser massa
de manobra”, declarou.
O presidente ainda ressaltou que os
mandantes e financiadores dos ataques não
deram as caras nas ruas e que o governo
agora irá se empenhar em investigar quem
são esses mandantes. “Eu sou especialista em
acampamento e em greve e digo para vocês:
não é possível um movimento durar o tempo
como eles duraram na porta dos quartéis,
sem financiamento. Em nome de defender a
democracia, não seremos autoritários com
ninguém, e nem mornos com ninguém. Vamos
investigar e descobrir quem financiou. A
democracia é o nosso bem maior e a razão pela
qual me candidatei à presidência da República.
Quando acabar meu mandato, quero entregar
o país muito melhor do que recebi e com a
Foto André Góis/ Equipe Fatima Bazerra
Após reunião com governadores, o presidente Lula, acompanhado por
autoridades, fez uma caminhada simbólica do Palácio do Planalto até
a sede do Supremo Tribunal Federal (STF)

democracia consolidada”, finalizou.


Logo após a reunião, Lula protagonizou outra
cena histórica e que deixou claro o sentimento
de união nacional contra o golpismo: o
mandatário liderou uma caminhada do Palácio
do Planalto até o prédio do STF, principal alvo
dos ataques.
No ato simbólico, Lula deu as mãos a Rosa
Weber, presidente do STF. “Muito simbólica a
caminhada de Lula, Janja, Rosa Weber e os
governadores saindo do Planalto em direção
ao STF. É um recado aos golpistas. Não será
mais tolerado nenhum ato terrorista em nome
do genocida”, repercutiu a deputada federal
Talíria Petrone.
À imprensa, o ministro Luís Roberto Barroso,
do STF, comentou os ataques e disse ser muito
doloroso ver o Supremo na condição em que
se encontra. “Nossa preocupação agora é
reconstruir o Supremo e, para isso, devemos
também punir os responsáveis pelo estrago”,
afirmou. O ministro ainda disse que o episódio
envergonhou o Brasil diante do mundo.
Já o ministro da Justiça, Flávio Dino,
afirmou durante a caminhada que a crise está
solucionada: “Temos evidentemente as marcas
terríveis mas podemos afirmar que há uma
normalidade institucional no país e essa reunião
de hoje reafirma que há uma ampla união e que a
paz institucional restabelecida será duradoura”.

Foto Agência Brasil

Golpistas e comandante da PM na cadeia


e prisão de Anderson Torres
Nos primeiros dias após o ataque aos
prédios das instituições em Brasília, a Polícia
Federal, sob as ordens do ministro da Justiça,
Flávio Dino, começou a prender os golpistas
envolvidos nos atos de terror.
A princípio, foram detidas 1843 pessoas,
levadas para um ginásio da PF em Brasília
para passar por uma triagem. Após essa
primeira etapa, 684 foram liberadas por
ordem do ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal, a maioria mulheres,
crianças e idosos.
1159 golpistas, no entanto, permanecerão
presos enquanto são investigados pelos
atos antidemocráticos. A Secretaria de
Administração Penitenciária do Distrito Federal
informou que os homens foram encaminhados
para o Centro de Detenção Provisória 2 (CDP),
o Complexo da Papuda, enquanto as mulheres
estão na Penitenciária Feminina de Brasília,
popularmente conhecida como Colmeia.
A investigação está no âmbito do inquérito
4879, instaurado por Alexandre de Moraes,
sobre as manifestações antidemocráticas.
Segundo Flávio Dino, foram lavrados, ao
todo, 1.261 autos de prisão e apreensão pela
Polícia Federal, “em trabalho ininterrupto nos
últimos dias”.
“Tivemos também as prisões em flagrante
efetuadas no domingo. E segue a execução dos
mandados de prisão temporária e preventiva.
Todos os presos são apresentados ao Poder
Judiciário, instância competente para decidir o
que acontecerá com cada um deles”, anunciou
Foto José Cruz / Agência Brasil
Flávio Dino, ministro da Justiça: “Tivemos prisões em flagrante no
domingo. E segue a execução dos mandados de prisão temporária e preventiva.
Todos os presos são apresentados ao Poder Judiciário”

ainda o ministro.
Também como consequência dos atos
terroristas, o ministro Alexandre de Moraes, do
STF, determinou a prisão de Anderson Torres,
ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e secretário
de Segurança Pública do DF quando ocorreram
os atos golpistas. De “férias” nos Estados
Unidos, Torres nega que tenha compactuado
com os terroristas e diz que vai se entregar à
Justiça brasileira.
No mesmo dia em que emitiu a ordem de
prisão, Moraes determinou operação de busca
e apreensão na residência de Torres em Brasília.
No local, policiais federais encontraram uma
minuta (proposta) de decreto para o então
presidente Bolsonaro instaurar estado de defesa
na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Foto Reprodução
Anderson Torres e a minuta golpista
encontrada pela PF na casa dele

O objetivo era reverter o resultado da eleição


vencida pelo presidente Lula. O material tem
indicação de ter sido produzido depois do
resultado do segundo turno das eleições e a
alegação para a intervenção no TSE seria apurar
abuso de poder, suspeição e medidas ilegais
adotadas pela presidência do tribunal, antes,
durante e depois do processo eleitoral. Trata-
se, portanto, de uma clara evidência do ímpeto
golpista de Bolsonaro e Torres, que foi o mesmo
dos radicais que promoveram atos terroristas
em Brasília.
Ainda solto, logo que soube da apreensão
do documento em sua casa, Torres foi às redes
sociais e deu uma justificativa absurda: disse
que a minuta teria sido uma “sugestão” de um
eleitor e que ele estava a mantendo em sua
casa para, depois, descartá-la em um triturador.
Foto TSE
Além de determinar a prisão de Anderson Torres, o ministro Alexandre de Moraes
tomou várias outras medidas para investigar e prender quem participou,
direta ou indiretamente, das invasões em Brasília

Flávio Dino, então, reagiu à desculpa dada


pelo ex-secretário e ex-ministro: “Única coisa
que posso afirmar para a nação brasileira: se
um dia alguém me entregar um documento
dessa natureza, na condição de Ministro da
Justiça, será preso em flagrante”.
Além dos golpistas que participaram
diretamente da ação de terror e de Anderson
Torres, o agora ex-comandante da PM-
DF, que era responsável pela operação que
deveria evitar os atos golpistas no domingo (8),
também vai sofrer as consequências. O ministro
Alexandre de Moraes determinou a prisão de
Fabio Augusto Vieira, que já havia sido afastado
do cargo pelo interventor nomeado por Lula,
Ricardo Cappelli.
“O que faltou no domingo foi comando,
foi o comando e a liderança da Secretaria de
Segurança do Distrito Federal. Nessas poucas
horas à frente da secretaria, eu posso afirmar
que o que aconteceu não foi por acaso. Foi
um ato de sabotagem do secretário Anderson
Torres”, disparou Cappelli.
“No domingo, dia 1º, na posse do presidente
Lula, nós tivemos uma posse com milhares de
pessoas e uma posse com uma operação de
segurança extremamente exitosa e elogiada
por todos. O que mudou em sete dias? Do dia
1º para o dia 8? É simples. No dia 2, Anderson
Torres, ex-ministro de Bolsonaro, assumiu a
Secretaria de Segurança do Distrito Federal,
exonerou todo o comando da secretaria,
mudou todo o comando e viajou”, prosseguiu
o interventor.

Financiadores e “mentores intelectuais”


A Justiça brasileira e a Polícia Federal
trabalham ainda com a responsabilização
não só dos golpistas que praticaram a ação
direta, mas também dos financiadores e
“mentores intelectuais”.
Na quinta-feira (12), a Justiça Federal em
Brasília acatou pedido feito pela Advocacia-Geral
da União e determinou o bloqueio de pouco mais
de R$ 6,5 milhões em bens dos 59 suspeitos de
financiarem os ataques bolsonaristas.
“É absolutamente plausível a tese da União
de que eles, por terem financiado o transporte
de milhares de manifestantes que participaram
dos eventos ilícitos, fretando dezenas de
ônibus interestaduais, concorreram para a
consecução dos vultosos danos ao patrimônio
público, sendo passíveis, portanto, de bastante
responsabilização civil”, escreveu o juiz
Francisco Alexandre Ribeiro.
O governo Lula possui uma lista com nomes
de 52 pessoas e 7 empresas identificadas como
responsáveis por terem patrocinado viagens de
apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro à
capital federal para cometerem os atos terroristas.
Desses financiadores, 6 doaram dinheiro
para a campanha de Bolsonaro e outras 4
contribuíram com dinheiro para as campanhas
de aliados do ex-presidente, como Carlos Viana
(PL-MG) e Carla Zambelli (PL-SP). A maioria
das pessoas físicas estão registradas em São
Paulo, enquanto a maior parte das empresas
apontadas é paranaense. As informações são
públicas e as investigações do governo, por
meio da AGU, não terminaram.
Em outra ponta, a ministra Rosa Weber,
presidenta do STF, recebeu um pedido da
Procuradoria-Geral da República (PGR) para
que haja a abertura de um inquérito visando
investigar os ‘autores intelectuais’ dos ataques.
O pedido não está citando o ex-presidente
Jair Bolsonaro, até porque trata-se de autores
‘intelectuais’. A ideia da PGR, em troca, é que
sejam investigados todos os comunicadores
públicos que fizeram ataques às urnas,
insinuações a supostas fraudes eleitorais,
deslegitimação do processo eleitoral e ataques
ao Supremo. “Mesmo estando no exterior”,
destaca o pedido.

Repercussão internacional
O ataque terrorista promovido por
bolsonaristas radicais em Brasília foi condenado
por lideranças e chefes de Estado de todo o
mundo, que ainda prestaram solidariedade ao
presidente Lula e às instituições
brasileiras.
“A vontade do povo
brasileiro e as instituições
democráticas devem ser
respeitadas! O presidente
Lula pode contar com o apoio
incondicional da França”, disse, por exemplo, o
presidente francês Emmanuel Macron.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,
que chegou a telefonar para Lula, também se
manifestou. “Condeno o ataque à democracia
e à transferência pacífica do poder no Brasil. As
instituições democráticas do Brasil têm todo o
nosso apoio e a vontade do
povo brasileiro não deve ser
prejudicada. Estou ansioso
para continuar a trabalhar com
Lula”, declarou o mandatário
estadunidense.
Pedro Sánchez, presidente do
Governo da Espanha, por sua vez, disse que
Lula tem todo o seu apoio e que condena
“veementemente o assalto ao Congresso
brasileiro”. “Pedimos o retorno imediato à
normalidade democrática”, pontuou o líder
espanhol.
Chefes de Estado da América Latina se
somaram a outros governantes na defesa da
democracia brasileira. O presidente
do Chile, Gabriel Boric,
classificou a investida
bolsonarista contra os Três
Poderes brasileiros como
“inadmissível”. “O governo
brasileiro tem todo o nosso
apoio diante desse covarde e vil ataque à
democracia”, atestou.
“Como presidente da Celac [Comunidade
de Estados Latino-Americanos e Caribenhos]
e do Mercosul, ponho em alerta os países
membros para que nos unamos nesta
inaceitável reação antidemocrática que tenta se
impor no Brasil. Demonstremos com firmeza e
unidade nossa total adesão ao governo eleito
democraticamente pelos brasileiros
que encabeça o presidente
Lula. Estamos junto do povo
brasileiro para defender a
democracia e não permitir
nunca mais o regresso dos
fantasmas golpistas que a direita
promove”, afirmou, por sua vez, o presidente da
Argentina, Alberto Fernández.
Já a Organização das Nações Unidas (ONU)
emitiu um comunicado oficial dizendo que
“condena veementemente qualquer ataque
dessa natureza, que representa uma séria
ameaça às instituições democráticas”. “A
ONU pede às autoridades que priorizem o
restabelecimento da ordem e que defendam a
democracia e o Estado de direito”, concluiu a
entidade global.
Em entrevista à Fórum, a professora Ariane
Roder, que é cientista política e especialista em
relações internacionais na Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), considerou que “a
demonstração de união das instituições da
República aqui do país, repudiando os atos e a
construção de um plano conjunto de resposta
ao que está acontecendo no Brasil é essencial e
fortalece o Estado democrático de direito”.
“Com o apoio internacional o gesto ganha
ainda mais força, demonstrando que a
democracia é vista como um bem inviolável
para qualquer nação. Isso fortalece o Estado
brasileiro neste momento difícil e demonstra
para a sociedade que as autoridades, mesmo
as que se posicionam ideologicamente contrária
ao atual governo, percebem a relevância da
democracia e a gravidade do episódio de
depredação do patrimônio público, ameaçando
as instituições”, analisa.

Foto Reprodução

E o Bolsonaro?
Nas primeiras horas após os ataques de
bolsonaristas em Brasília, Jair Bolsonaro foi
apontado como um dos responsáveis não só
por Lula, mas também por parlamentares de
diferentes partidos, que já se movimentam para
que o ex-mandatário seja investigado no âmbito
do inquérito dos atos antidemocráticos - o
mesmo que levou os golpistas que participaram
da ação direta à cadeia.
Como se já soubesse do que aconteceria, o
ex-presidente, no dia 31 de janeiro, fugiu para
os Estados Unidos - e lá está até agora. Por
este motivo, a Justiça brasileira vem recebendo
ações que visam obrigar Bolsonaro a voltar ao
Brasil para que, assim, possa ser investigado
e, eventualmente, responsabilizado por ligação
com os terroristas.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), por
exemplo, protocolou uma petição junto ao STF
exatamente com este objetivo. “É importante
pontuar que o atentado à democracia foi
resultado do acúmulo das falas golpistas
e antidemocráticas de JAIR MESSIAS
BOLSONARO, proferidas desde sempre,
mesmo antes de sua eleição para a presidência
da República, mas, principalmente, durante
os quatro anos em que ocupou o Palácio do
Planalto”, diz Calheiros na ação.
“Não há dúvidas de que os atos terroristas
lamentáveis foram a colheita da conduta
golpista plantada por JAIR MESSIAS
BOLSONARO durante toda sua vida
pública”, prossegue o senador, anexando na
representação diversas notícias com falas
e atitudes do ex-presidente incentivando a
conduta golpista dos radicais.
Foto Reprodução
Renan Calheiros (MDB-AL), Luciene Cavalcante (PSOL-SP) e
Sâmia Bomfim (PSOL-SP): parlamentares que entraram com representação
contra Bolsonaro pelos atos terroristas em Brasília

Entre as solicitações, Renan Calheiros pede


para que o STF intime Bolsonaro a retornar
ao Brasil e que, caso descumpra a ordem de
retorno, seja decretada sua prisão preventiva.
A deputada federal Luciene Cavalcante
(PSOL-SP) também acionou o STF pedindo
a extradição de Bolsonaro. “É urgente a
extradição do ex-presidente Bolsonaro para o
território nacional para que ele responda perante
à nossa Constituição pelos inquéritos dos atos
antidemocráticos em curso no nosso país. O
Estado brasileiro tem acordo de cooperação
com os EUA para que o ex-presidente seja
extraditado e seus aparelhos de comunicação
sejam confiscados. Por isso acionamos o STF
para que essa medida seja tomada com a
urgência que essa situação necessita”, disse a
parlamentar à Fórum.
Apesar de ser apontado como mentor do
ódio que motivou os atos terroristas, Bolsonaro,
apenas 3 dias após os ataques, voltou a agir
de maneira golpista e inflamar seus apoiadores
radicais ao publicar, em suas redes sociais, um
vídeo de um procurador bolsonarista colocando
em xeque o resultado das eleições, afirmando
que “Lula não foi eleito” e, sim, “escolhido pelo
STF e TSE”.
O incentivo de Bolsonaro a ações golpistas
e a nova publicação do ex-presidente
questionando a legitimidade do sistema eleitoral
brasileiro motivou um grupo de parlamentares
do PSOL, então, a protocolar uma
representação junto ao STF em que solicitam
medidas cautelares contra o ex-mandatário no
âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos.
“Depois da invasão e da quebradeira dos
palácios dos três poderes no último domingo,
Bolsonaro postou um vídeo nas suas redes
sociais dizendo que não reconheceu o
resultado das eleições, insinuando que o STF
havia colocado Lula na cadeira da Presidência
e instigando seus seguidores a seguirem
questionando a vontade popular. Pois bem. Nós,
então, estamos pedindo ao ministro Alexandre
de Moraes, que é o relator do inquérito dos atos
antidemocráticos, que tome a mesma sanção
que já fez com outras figuras públicas, como
parlamentares como Carla Zambelli. Para que as
redes dele sejam derrubadas porque elas estão
sendo utilizadas para propagar o autoritarismo, o
golpismo e para questionar as eleições”, afirma
a deputada federal Sâmia Bomfim, uma das
autoras da ação.
“Nesse momento em que as autoridades
estão atuando para coibir essas ações e
responsabilizar os criminosos é, sem dúvida,
necessário que as redes do Bolsonaro sejam
derrubadas porque ele está atuando como um
dos principais responsáveis por seguir essa
escalada golpista e de desrespeito ao resultado
das eleições do Brasil”, prossegue a parlamentar.
Além do bloqueio dos perfis de Bolsonaro
nas redes sociais, o PSOL solicita ao STF
tomada de depoimento do ex-presidente,
quebras de sigilos telefônicos e telemáticos,
apreensão do passaporte e decretação de sua
prisão preventiva.
“É urgente que tais episódios sejam
investigados pelas instâncias competentes,
não só para elucidação do caso, mas
também para punição do ex-presidente Jair
Bolsonaro, que vem enfraquecendo, profunda
e sistematicamente, a democracia brasileira.
É fundamental que os poderes constituídos
tomem as providências cabíveis para punir Jair
Bolsonaro pelos atentados recorrentes contra
o Estado Democrático de Direito”, diz trecho
da representação.
O PT, por sua vez, informou que vai incluir
os atos terroristas de Brasília em ações que
tramitam contra Jair Bolsonaro no STF e
também no Tribunal Superior Eleitoral (STF),
com o objetivo de responsabilizar o ex-
mandatário no âmbito criminal e também torná-
lo inelegível.
Paralelamente às movimentações no
Brasil, em ao menos dois países do exterior
considerados “estratégicos” para Bolsonaro
há articulações no sentido de colaborar com
a Justiça brasileira nas investigações contra
o ex-mandatário.
Na Itália, país apontado como possível
“refúgio” de Bolsonaro para se livrar da prisão,
visto que dois de seus filhos já solicitaram
a cidadania italiana, os atos golpistas foram
assunto no parlamento. Durante a sessão
da Câmara italiana na segunda-feira (9), o
deputado Angelo Bonelli, da Aliança Verde e
de Esquerda, pediu a palavra para solicitar
que a casa legislativa atue junto ao Itamaraty
e ao Ministério das Relações Exteriores de
seu país para que se obtenha informações
sobre os pedidos de cidadania feitos por
Eduardo e Flávio Bolsonaro e também sobre a
possibilidade de Bolsonaro fazer o mesmo.
Bonelli, que em novembro de 2022 já havia
Foto Reprodução
O deputado italiano Angelo Bonelli, da Aliança Verde e de Esquerda, alertou
sobre o pedido de cidadania feito pelos filhos de Bolsonaro

enviado ofício ao Ministério das Relações


Exteriores de seu país alertando sobre o fato
de que a família Bolsonaro é investigada por
casos de corrupção, resolveu fazer a nova
intervenção após os atos terroristas em Brasília
- aproveitando para prestar solidariedade ao
presidente Lula (PT) e ao povo brasileiro.
“Pedi a palavra porque acho que é dever da
Câmara relembrar e apontar acontecimentos
dramáticos do momento, uma tentativa de
golpe no Brasil, de bolsonaristas que atacam
as instituições democráticas e questionam a
eleição legítima do presidente Lula. É dever da
Câmara dar um forte recado ao presidente Lula
e ao povo brasileiro”, disse Bonelli no início de
seu discurso.
E prosseguiu: “Há rumores da imprensa
brasileira de que Jair Bolsonaro, que está
atualmente na Flórida, solicitou cidadania
italiana. Você sabia que os filhos de Bolsonaro
também solicitaram cidadania? Isso seria um
grande problema para a república italiana
porque, diante dos acontecimentos, que todos
nós condenamos, não pode haver incerteza de
não dar a cidadania italiana à família Bolsonaro,
sobre quem tramitam processos judiciais na
Justiça brasileira”.
Já nos EUA, país onde Bolsonaro passa
“férias” com a família, congressistas se
movimentam para tentar deportar o ex-
presidente brasileiro. Na quinta-feira (12), 46
deputados e deputadas do Partido Democrata
enviaram ao presidente Joe Biden um ofício em
que solicitam a revogação de qualquer visto que
Bolsonaro porventura tenha para estar vivendo
no país. Eles pedem, ainda, investigação do FBI
sobre suposta articulação do ex-presidente, em
território norte-americano, que possa estar por
trás dos atos terroristas na capital brasileira.
No documento, os congressistas classificam
o levante golpista de apoiadores de Bolsonaro
contra as instituições brasileiras como “ilegal
e violento” e afirmam que o ataque “foi
construído sobre meses de invenções pré e
pós-eleitorais do Sr. Bolsonaro e seus aliados,
alegando que a eleição presidencial de 30 de
outubro havia sido roubada”.
“O Sr. Bolsonaro voou para a Flórida antes
do final de seu mandato (…) e estamos
preocupados com os relatos de que ele
atualmente reside em Orlando. Os EUA não
devem dar abrigo a ele ou a qualquer autoritário
que tenha inspirado tamanha violência contra as
instituições democráticas”, dizem os deputados
dos EUA.
“Segundo nosso entendimento, já que o Sr.
Bolsonaro entrou nos Estados Unidos quando
ainda era presidente do Brasil, ele pode ter feito
isso com um visto A-1, que é reservado para
indivíduos em visitas diplomáticas ou oficiais.
Como ele não é mais o Presidente do Brasil e
tampouco exerce atualmente o cargo de oficial
brasileiro, solicitamos que reavalie sua situação
no país para verificar se há base legal para sua
estada e revogue qualquer visto diplomático que
ele possa possuir”, prosseguem.
Quando retornar ao Brasil, voluntariamente
ou obrigado, Bolsonaro deverá enfrentar
uma série de processos e investigações na
condição de ex-presidente - sem, portanto, o
foro privilegiado. No Congresso Nacional, já há
número suficiente de assinaturas para se instalar
uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
do terrorismo, que pretende apurar todos os
detalhes do levante golpista e que pode chegar
Foto Reprodução
Ariane Roder, cientista política da UFRJ

à comprovação de que Bolsonaro, de fato, é o


grande mentor dos atos de terror.
Para além da CPI, que deve ser constituída
para iniciar os trabalhos em fevereiro, 80
procuradores e procuradoras da República
entraram com uma representação na PGR para
que Bolsonaro seja investigado por incitação
ao crime.
Entre outras ações, o senador Randolfe
Rodrigues (Rede-AP), líder do governo no
Congresso Nacional, anunciou uma nova
na quinta-feira (12): “Peticionamos no STF
a instauração de um novo inquérito sobre a
tentativa de golpe de Estado, incluindo o Sr.
Anderson Torres e o Sr. Jair Bolsonaro”.
Para a professora Ariane Roder, cientista
política da UFRJ, “a postura de Bolsonaro
ao longo do seu mandato, ensejando
desconfianças às instituições democráticas,
no sistema de votação, na justiça eleitoral e
alimentando o anti-republicanismo foi notória.
O sistema de fake news que foi montado,
associado ao discurso religioso e conservador,
também é um fato e possibilitou o avanço de
uma extrema direita que se encontrava dispersa
no país. Politicamente ele tem responsabilidade
sim, mas judicialmente as medidas cabíveis
ainda serão avaliadas, além de outras inúmeras
ações e denúncias contra ele”.
“Sua imagem, que nunca foi muito positiva
no âmbito global, sem dúvida já está sendo
impactada, pois ele está e sempre esteve na
contramão dos principais líderes mundiais,
passando seu mandato com uma agenda
internacional pífia. Com o episódio de
vandalismo em Brasília, no qual é impossível
não associá-lo a sua imagem, certamente ele
terá o ônus”, avalia a especialista.w
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Foto Marcelo Camargo / Agência Brasil
Política

O golpe
fracassado
Ao invés de representar uma recuperação
dos bolsonaristas, levam o movimento a um
isolamento e decadência, que comprometem
sua sobrevivência política
por Emir Sader

F
oi uma tentativa de golpe, fruto da não
aceitação do resultado das eleições, que já
havia se expressado de distintas maneiras,
desde o reconhecimento da vitória do Lula e
sua posse.
Apenas uma semana desde que Brasília tinha
sido o cenário das manifestações democráticas
mais importantes que o Brasil tinha vivido,
para a posse do Lula. Mas as manifestações
de bolsonaristas se mantiveram, apoiadas na
atitude do próprio ex-presidente, que seguiu se
recusando a aceitar o resultado eleitoral, o que
serve de alento às manifestações golpistas.
A tentativa de golpe do último domingo (8)
teve características específicas. A primeira é
que foi antecedida de várias manifestações
violentas que anunciavam uma escalada de
ações dos que se negam a aceitar o resultado
das eleições. A chegada de dezenas de ônibus
desde a sexta-feira (6) fazia prever que alguma
ação de monta estava por vir.
O caráter que teve a manifestação foi outro
elemento específico. As invasões de alguns
milhares de pessoas davam um caráter de
massa às manifestações.
O objetivo imediato era o de criar uma
desordem, um caos, com apelos aos militares
para que interviessem, alegando a incapacidade
do governo de garantir a ordem no país.
Os slogans “intervenção militar” e “SOS
FFAA” confirmam que tratavam de buscar
que os militares se colocassem à cabeça do
movimento. Foi o que falhou na operação dos
golpistas, que ficaram órfãos politicamente.
A condenação unânime dos meios de
comunicação, das forças políticas, dos
Foto Marcelo Camargo / Agência Brasil
O desespero das manifestações revela o sentimento de derrota que permeia a
oposição radical. O discurso de vários deles revelam que foram movidos pela
sensação de que Bolsonaro não tem futuro político

governos de todas as regiões do mundo


enfraquece ainda mais Bolsonaro. Enquanto
Lula sai fortalecido, recebe o apoio de todos os
27 governadores, consolida suas relações com
o Judiciário e com o Congresso.
O desespero das manifestações revela o
sentimento de derrota que permeia a oposição
radical. O discurso de vários deles revela que
foram movidos pela sensação de que Bolsonaro
não tem futuro político, de que Lula subiu a
rampa do Planalto e governa.
A intervenção no governo de Brasília
reitera as responsabilidades do governador,
cujos vínculos com Bolsonaro se mantinham
e respondem pelo fracasso total na proteção
dos edifícios fundamentais com sede na
capital do país. Todas as evidências permitiam
tomar medidas preventivas, mas Brasília ficou
totalmente inerme, ocupada pelos terroristas.
Houve erros que permitiram o sucesso
imediato dos ataques. Houve confiança
injustificada no governo de Brasília. O
ministro da Defesa do governo já havia
dado declarações que não permitiam
nenhuma confiança nele. Desde afirmar que
Bolsonaro seria um democrata, até de que
as manifestações seriam democráticas. Suas
relações promíscuas com as FFAA fizeram com
que tivesse uma postura de promiscuidade com
os militares.
Configuram-se agora os mecanismos pelos
quais o governo e o Judiciário vão agir contra
os manifestantes que praticaram o vandalismo
generalizado em Brasília. Há consenso de que
há que processar todos os envolvidos, desde
os que praticaram as violências, aos que
organizaram os atos até os que os financiaram.
Ao invés de representar uma recuperação
dos bolsonaristas, levam o movimento a um
isolamento e decadência, que comprometem
sua sobrevivência política.
Agiram para testar a reação dos seus
adversários, para medir com que forças
teriam que se enfrentar e com que unidade
e disposição teriam resposta às suas ações.
Os resultados parecem ter sido muito
negativos para os bolsonaristas. A prisão
de cerca de 1500 deles, a condenação
generalizada na opinião pública, o isolamento
ainda maior de Bolsonaro – agora também
com o fantasma de eventual extradição – e o
fortalecimento de Lula, permitem um balanço
das operações de domingo em Brasília e das
perspectiva futuras do governo Lula e das
forças debilitadas da oposição.w
Política

Foto Reprodução

O dia em que o
“cidadão de bem”
deixou a máscara
cair (junto com
as calças)
por Cynara Menezes
Mesmo com a baderna promovida
no domingo, quem votou em Bolsonaro
vai continuar alegando apoiá-lo “em
defesa da ordem”?

O
s ataques terroristas promovidos
pelo bolsonarismo no domingo, dia 8
de janeiro, em plena capital do país,
colocam boa parte dos apoiadores do ex-
presidente num momento decisivo. As cenas
de baderna generalizada e depredação de
patrimônio público resultaram até agora em
1500 presos, no afastamento do governador
do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e na
exoneração do bolsonarista Anderson Torres,
por ele nomeado secretário de Segurança
havia uma semana.
Mesmo depois das 700 mil mortes na
pandemia e do absoluto descaso do ex-
presidente com as vítimas da covid-19, da volta
da fome e das reiteradas demonstrações de
incompetência, muitos brasileiros ainda votaram
em Jair Bolsonaro em 2022 sob a justificativa
de “defender a ordem”. Por ilógico que pareça,
o capitão que saiu do Exército pela porta dos
fundos, que nunca trabalhou enquanto esteve
no Parlamento e que defende o fuzilamento de
adversários conseguiu convencer incautos de
que é o legítimo representante dos “cidadãos
de bem”, da moral e dos bons costumes, da
propriedade privada e da família.
Mas o que se viu em Brasília no domingo
obriga estes “cidadãos de bem” a uma tomada
de posição. Como podem se dizer defensores
da ordem diante da desordem, da balbúrdia,
da arruaça? Como podem se dizer defensores
da propriedade privada diante da depredação
do bem público? Como podem se dizer
defensores da pátria diante da destruição de
edifícios tombados pelo patrimônio histórico,
de obras de arte, de símbolos nacionais? É no
mínimo incoerente.
Uma cena repulsiva em particular coloca os
eleitores de Jair Bolsonaro que não são iguais
a ele, que não concordam com sua visão
radical de mundo e que votaram nele apenas
“para ganhar do Lula”, ainda mais em xeque.
Um dos invasores “patriotas”, com a bandeira
do Brasil no ombro, tendo ao lado móveis
destroçados pela fúria dos que não aceitam
eleições democráticas, sobe em uma bancada,
abaixa as calças e grita, à semelhança do ex-
presidente: “Irru!”. São esses os defensores da
família? São esses os defensores da moral?
As calças arriadas do terrorista arrancam
de vez as máscaras do bolsonarista, deixam-
Foto Reprodução
O BOLSONARISMO – AS CENAS
CRIMINOSAS DE DOMINGO COMPROVAM
– É UM BANDITISMO. QUEM PERMANECER
DO MESMO LADO DOS ARRUACEIROS DA
ESPLANADA É, NO MÍNIMO, CÚMPLICE DO
QUE ACONTECEU. QUEM PERMANECER DO
LADO DOS FORA-DA-LEI, DOS VÂNDALOS
QUE DESTRUÍRAM O CONGRESSO,
O STF E O PLANALTO, TAMBÉM É
FORA-DA-LEI E VÂNDALO.

no com vergonha de encarar sua verdadeira


face no espelho. “Então é essa a minha cara?”,
pergunta-se o “cidadão de bem”. “Mas não era
isso que acusávamos a esquerda de fazer?”.
Se você votou em Bolsonaro e concorda com o
vandalismo promovido por este setor não pode
mais se esconder detrás do voto “contra Lula”,
do voto “contra o comunismo”, do voto “em
nome da ordem”, do voto “em favor da polícia e
contra os bandidos”.
O bolsonarismo – as cenas criminosas de
domingo comprovam – é um banditismo. Quem
permanecer do mesmo lado dos arruaceiros
da Esplanada é, no mínimo, cúmplice do que
aconteceu. Quem permanecer do lado dos
fora da lei, dos vândalos que destruíram o
Congresso, o STF e o Planalto, também é
fora da lei e vândalo. Não há mais desculpas
possíveis para apoiar este movimento fascista
sem ser fascista.
Que o terror promovido pelo bolsonarismo
em Brasília sirva pelo menos para alertar
eleitores do ex-presidente de que ele só trouxe
e trará desgraça e ódio a nosso país. “Então se
abrirão os olhos dos cegos e os ouvidos dos
surdos se desobstruirão”, diz o profeta Isaías
na Bíblia, tão citada por esses cristãos que
continuam a ver em Jair Bolsonaro, não se sabe
como, um ungido por Deus, quando tem dado
todas as provas de ser, isso sim, um cavaleiro
do Apocalipse.w
Foto Ricardo Stuckert
Política

O governo eleito
vai governar
Como diz aquele lindo samba-enredo
da Mangueira, “eu quero um país que não
está no retrato”
por Rosilene Corrêa

E
m poucos dias de 2023, nosso país já
viveu emoções de naturezas opostas. Dia
1º de janeiro, centenas de milhares de
pessoas tomaram a Esplanada dos Ministérios e
a Praça dos Três Poderes para celebrar a volta à
Presidência da República de um verdadeiro líder
popular, um dos mais importantes da história do
mundo. Sete dias depois, o cenário que foi de
festa se tornou uma guerra onde havia apenas
um combatente, um lado só.
Brasília, patrimônio cultural da humanidade,
cidade desenhada e erguida sob a arte de
Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, foi ameaçada
- não pela primeira vez - pelo extremismo
alimentado pelo ex-presidente que não aceita a
derrota nas urnas.
Invadiram as casas dos três poderes,
depredaram prédios, destruíram obras de arte,
deixaram um rastro de ódio e de intolerância
que, todos sabemos, são de uma parcela
restrita do próprio bolsonarismo! Tudo, no último
domingo, aconteceu em contraste com a festa
que se viu uma semana antes, onde todos e
todas e todes eram bem-vindos, onde há lugar
para quem quiser chegar e muito respeito pela
coisa pública.
Eu sei que o que se viu no último domingo
em Brasília não tem a aprovação da maioria
dos eleitores e eleitoras do ex-presidente.
Mas sei também que o silêncio é cúmplice,
sobretudo o silêncio de quem sempre deu voz
de comando à barbárie, através da alimentação
das intolerâncias de todos os tipos - inclusive
através de fake news.
Do lado de cá, há mulheres, homens, negros
e negras, pessoas com deficiência, crianças,
adultos, idosos, indígenas, população LGBTQIA+.
Do lado de cá há diferentes credos, e muita
esperança num Brasil que acolha todo mundo.
Como diz aquele lindo samba-enredo da
Mangueira, “eu quero um país que não está
no retrato”. Aquele retrato de destruição, de
desprezo pela nossa história, pelas nossas
instituições, pela nossa arte... esse retrato, eu
não quero sair nele. Eu quero um país onde
caibam todos, onde diferenças políticas são
equacionadas. Violência, ameaça e crimes
contra a democracia, não podem ser tolerados
nem minimizados.
Que os responsáveis sejam criminalmente
responsabilizados. Que quem quer reconstruir
o país possa fazê-lo em paz. Paz que nosso
povo merece.
Aqui, há braços. E há também muita
determinação e firmeza: o governo
legitimamente eleito vai governar.w

*Rosilene Corrêa é professora, ex-dirigente do Sinpro-


DF. Atualmente é secretária de Finanças da CNTE
(Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e
vice-presidenta do PT-DF. Foi candidata ao Senado pelo PT.
Foto Reprodução
Entrevista

Brasil é um
laboratório da
extrema direita
dos EUA
Um dos mais consagrados sociólogos
e intelectuais do mundo, o português
Boaventura de Sousa Santos deu uma
entrevista exclusiva à TV Fórum

por Henrique Rodrigues


A
os 82 anos e com absoluto vigor e
total lucidez, o português Boaventura
de Sousa Santos é um dos mais
reverenciados intelectuais do planeta em
atividade. Professor catedrático da Faculdade
de Economia da Universidade de Coimbra,
ele é autor de uma vasta obra que analisa
fenômenos sociais por todo o globo, ao longo
de várias décadas, com destaque especial
para os acontecimentos que ocorrem na
América Latina e, sobretudo, no Brasil.
Nesta semana, o professor Boaventura deu
uma entrevista exclusiva ao Fórum Onze e Meia
e falou de alguns temas, especialmente sobre a
onda fascista atravessada pelo Brasil e os últimos
trágicos acontecimentos de Brasília, devastada
pelo terrorismo bolsonarista.
Inicialmente, Boaventura afirmou que existe
uma similaridade impressionante entre a
forma de agir e de ser da extrema direita nos
EUA e no Brasil, o que o faz crer, claramente,
que os primeiros estão a usar o segundo
como uma espécie de campo de testes para
sua ideologia autoritária.
“Eu tenho acompanhado o avanço das
forças de extrema direita nos EUA e devo dizer
que vejo uma série de semelhanças entre os
comportamentos da extrema direita norte-
americana e a do Brasil. E não me custa crer
neste momento que para a extrema direita
norte-americana o Brasil seja um laboratório,
onde de alguma maneira estão a testar suas
ideias”, disse o veterano sociólogo.
O acadêmico luso também comentou como
uma de suas formulações mais consagradas
mundo afora, a do ‘fascismo social’, criada
há muito tempo, está cada vez mais atual no
Brasil, que tem comprovado como efetivamente
a quebra do contrato social de John Locke
é a antessala para que setores sociais mais
abastados massacrem os que podem menos.
“A minha tese do fascismo social, eu acho
que talvez nunca tenha sido, infelizmente,
tão atual... E eu distingo vários fascismos
sociais, que são aqueles que existem embora
formalmente exista um Estado democrático,
mas onde se criam relações do tipo fascista (...)
Eu inclusive acho que este fascismo social se
ampliou fortemente no Brasil nos últimos quatro
anos”, explanou o português.
Para Boaventura, as dantescas cenas de
depredação e vandalismo generalizado em
Brasília, ocorridas no último domingo (8), são
resultado dessa intensificação do fascismo em
nossas terras. A entrada no Palácio do Planalto,
Foto Ricardo Stuckert
Foto Reprodução

“Eu diria que, infelizmente, ela [a subida da rampa por Lula no dia da posse]
foi tão forte, tão violenta para os bolsonaristas que eles quiseram uma
semana depois desfazê-la”

por exemplo, um dos locais mais atingidos pela


fúria irracional dos terroristas, não teria sido um
mero acaso.
“Eu penso que a primeira estratégia é
esta, a de uma política simbólica de mostrar,
né? Porque aquela subida da rampa é
absolutamente notável e transformadora (de
Lula, com várias minorias oprimidas). Eu diria
que, infelizmente, ela foi tão forte, tão violenta
para os bolsonaristas que eles quiseram uma
semana depois desfazê-la... Há aí toda uma
simetria nítida, pois quis-se ali fazer subir a
rampa todos aqueles que foram excluídos (...)
Fica claro ali que nós estamos numa sociedade
dual, pois há ali dois Brasis, digamos assim... E
essas sondagens (pesquisas) mostram que há
dois Brasis, e que vamos ter uma luta renhida
nos próximos anos, em que se vão medir
forças... Ou são as forças democráticas que
ganham, ou são as forças antidemocráticas”,
analisou Boaventura.
A respeito da América Latina, o renomado
professor analisa que é necessário um
fortalecimento de mecanismos internacionais
democráticos para a região, para que o
continente não fique nas mãos da perversa
política externa dos EUA, que usa a
Organização dos Estados Americanos (OEA)
para exercer sua influência e subjugar as
nações do bloco. Ele começou respondendo a
uma pergunta específica sobre a importância
da próxima reunião da Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC),
marcada para o dia 24 de janeiro, em Buenos
Aires, na Argentina.
“É absolutamente fundamental. A OEA, basta
ver a sua história, é uma organização a serviço
dos EUA, o Luis Almagro é um dos homens mais
sinistros da América Latina e é um ‘embaixador’
dos EUA, aliás, do deep state dos EUA, lá sequer
é da política oficial. É um homem da pior espécie,
no meu entender. Eu fico muito pouco tranquilo
quando vejo a OEA, ainda recentemente,
assinando mais acordos com associações de
juízes de Estados da América Latina (...) Eu sou
totalmente favorável a se criarem contrapoderes,
neste sentido, e o contrapoder é esse. É
preciso uma CELAC que mostre aos EUA que
isso agora não é possível, porque os governos
são governos democráticos, que têm toda a
legitimidade, e que estão muito atentos aos
golpes”, considerou.
Boaventura ainda falou sobre a relação
da Europa com os EUA e advertiu para a
posição subserviente e submissa do Velho
Continente, que na sua visão não passa de
um aglomerado de países que se rende aos
desígnios da Casa Branca.
“A Europa é um conjunto de Estados
vassalos. A autonomia da política externa da
Europa não é muito maior que a de Porto Rico
neste momento. Basta olhar bem para a Guerra
da Ucrânia”, finalizou o sociólogo.w
ACESSE PARA
SABER MAIS
veneta.com.br/produto/
como-derrotar-o-fascismo/
Cinema

Infâncias
mediadas pela
memória
por Cesar Castanha

Foto Divulgação

Sophie (Frankie Corio), uma garota


de 11 anos, e Calum (Paul Mescal),
o seu pai, em Aftersun
Assisti a Aftersun e Sempre em frente em
um intervalo de poucos dias, e as experiências
com ambos se misturaram

A
ftersun, dirigido por Charlotte Wells, é
um filme em dois tempos. Um deles,
que pode ser tido como o núcleo central
do filme, é o da viagem feita por Sophie (Frankie
Corio), uma garota de 11 anos, e Calum (Paul
Mescal), o seu pai, para um resort nas férias
de verão. O segundo tempo apresenta Sophie
já adulta, com sua esposa e seu bebê de
poucos meses, aparentemente atormentada
por memórias e saudades de seu pai. O tempo
principal parece ser a lembrança desse segundo
tempo, mas entre os dois há mediações: uma
alucinada pista de dança e arquivos de vídeos
gravados durante essas mesmas férias.
Em Sempre em Frente, dirigido por Mike
Mills, um arquivo também se apresenta
como material de mediação da memória,
mas nesse caso a mediação não se dá entre
dois tempos diegéticos distintos, e sim entre
o relato pessoal e o geracional. No filme,
Johnny (Joaquin Phoenix), um jornalista de
rádio, precisa se tornar responsável pelo seu
sobrinho, Jesse (Woody Norman), em um
momento de dificuldade para a mãe dele, Viv
(Gaby Hoffmann), irmã de Johnny. A trama do
filme é pontuada por depoimentos, gravados
pelo protagonista e sua equipe como parte de
um grande projeto de reportagem de rádio, de
crianças e adolescentes refletindo verbalmente
sobre a existência, os afetos, as expectativas e
as visões de mundo que estão construindo.
Assisti a Aftersun e Sempre em Frente em um
intervalo de poucos dias, e as experiências com
ambos se misturaram. Não é apenas a trama
que os dois carregam em comum – a relação
familiar entre uma criança e um adulto que
não convivem tanto quanto estão convivendo
naquele espaço excepcional de tempo e nos
dois casos em uma viagem, um lugar também de
exceção às vivências da criança –, mas também
um princípio de ativação da memória através
do audiovisual. Em Aftersun, isso é literalizado
pelo uso do vídeo em cena. Em Sempre em
frente, é algo que se desdobra tanto do texto
quanto da estilização imagética e sonora do
filme – a fotografia preto e branco, uma apuração
específica com a composição das imagens como
imagens fotográficas, e a ideia de uma imersão
sonora mediada pela tecnologia, no que os
personagens praticam uma escuta das cidades
através de aparelhos de captação de som e,
Johnny (Joaquin Phoenix) e seu sobrinho Jesse (Woody Norman) em
cena do filme Sempre em Frente

na replicação desse som no filme, passamos a


partilhar a escuta dos personagens.
Já em Aftersun a questão do vídeo se torna
mais interessante por servir como mediador
material de dois tempos que estão em cena.
Em uma sequência particularmente potente (e
demonstrativa da inteligência criativa de Wells,
uma diretora estreante em longa-metragem),
a imagem de vídeo congela e é arrastada para
fora da cena por um movimento de câmera que
revela aquele vídeo projetado em uma parede.
Só então entendemos que é Sophie, adulta,
quem projeta esse material, naquele momento,
nas paredes de sua casa. Wells enquadra as
imagens e monta o filme enfatizando picos de
sensibilidade nas férias de Sophie (que, como
tem sido sugerido em algumas entrevistas, é
uma espécie de alter ego da própria diretora,
que de fato fez uma viagem com seu jovem
pai aos 11 anos e o perdeu aos 16 anos). As
memórias em Aftersun não se completam
porque não estão completas. Adulta, Sophie
tem acesso apenas a fragmentos, que chegam
a ela junto com os vídeos e um sonho reiterado
da pista de dança, onde ela encontra o seu pai
em meio à música e às luzes oscilantes.
Sempre em Frente consegue elaborar muito
bem essa ideia de uma memória que se perde.
Mas, apesar dos padrões mencionados de
estilização, essa ideia se desdobra mais no
texto do que na forma do filme. Isso não faz
do resultado menos impactante. A sugestão
de Johnny, por exemplo, de que Jesse vai se
lembrar apenas de pedaços da viagem que,
naquele momento, estão fazendo, soa como
algo avassalador para Johnny e também
para mim, enquanto assisto ao filme. O bom
texto tem também essa capacidade de afetar
sensivelmente. Mills, no entanto, não radicaliza
essa ideia na forma do filme do mesmo modo
como Wells o faz. Sempre em Frente é um filme
coming of age (narrativa de crescimento), no fim
das contas, maravilhoso, mas ainda bastante
convencional em termos de linguagem, não se
desviando do padrão de experimento do cinema
independente estadunidense dos últimos 10
anos. Aftersun, ao contrário, é um filme que
procura se situar no entre-lugar da memória, na
narrativa incompleta, na deriva da insônia.
Em um ano marcado por alguns dos
melhores filmes do gênero coming of age
dos últimos tempos – Licorice Pizza (Paul
Thomas Anderson), Armageddon Time (James
Gray), Pinóquio (Guillermo del Toro) e Os
Fabelmans (Steven Spielberg) aqui se incluem
–, Aftersun e Sempre em Frente se destacam
por talvez formularem (seja no texto ou na
audiovisualidade) um sentido do gênero, por
refletirem sobre os seus limites de alcance e
por proporem um condicionamento audiovisual-
narrativo que fique em um lugar entre a infância
inapreensível e a melancolia do adulto. Aftersun
está disponível para streaming no Mubi; e
Sempre em Frente, no Prime Video.w

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


Foto Divulgação
HQ

15 dicas
imperdíveis de
Histórias em
Quadrinhos para
ler nas férias
por Pio Gomes para Socialista Morena
1
Meu diário
de Nova York
A canadense Julie Doucet, que ganhou em
2022 o Grand Prix de Angoulême pelo conjunto
da obra, passou sua carreira em constante
experimentação de modos narrativos, cruzando
as fronteiras dos quadrinhos, literatura e artes
plásticas. Considerada uma das principais
figuras do feminismo contemporâneo, em
Meu Diário de Nova York ela traça um retrato
hilariante, emocionante e de uma franqueza
desconcertante a respeito das ambições,
angústias, sonhos e tropeços de uma jovem
mulher iniciando sua vida sexual e profissional.
A obra tem arte em P&B detalhada, no qual
o traço dos personagens mistura realismo e
caricatura numa diagramação dinâmica.
2

Aldobrando
O aclamado Gipi se juntou ao também
italiano Critone para contar uma história capaz
de tocar o coração dos leitores de todas as
idades, com suspense da primeira à última
página: a aventura do jovem órfão Aldobrando
em um cenário medieval fantástico, que faz
lembrar histórias clássicas, como O Nome da
Rosa e Dom Quixote. Em um ambiente hostil,
onde a crueldade e a opressão prevalecem,
Aldobrando precisa partir ao encontro do
seu destino. Aldobrando é um conto sobre a
pureza de caráter, os enganos do poder e a
determinação necessária para perseguirmos
nossos sonhos. Arte clássica em cores que vão
do dia quente à noite fria.
3

Metamaus
Nas páginas deste livro, numa série de
entrevistas e material inédito, Art Spiegelman
volta a Maus, graphic novel vencedora do
prêmio Pulitzer. Metamaus vai a fundo nas
perguntas que Maus tem evocado ao longo
do tempo – por que o Holocausto? Por que
ratos? Por que quadrinhos? – e nos fornece
um documento essencial sobre a gênese deste
romance gráfico que tem encantado gerações.
O livro é acompanhado por um DVD com
Maus em versão digital, incluindo links para
um vasto arquivo de áudios (em inglês) com
entrevistas entre Art Spiegelman e seu pai - um
sobrevivente dos campos de concentração -,
documentos históricos e uma grande variedade
de cadernos de anotações e esboços do autor.
Para os que ainda não gastaram o 13º.
4

Fade Out
Ed Brubaker e Sean Phillips, autores
dedicados ao noir nas HQs, trazem um épico
ambientado nos tempos áureos de Hollywood.
O leitor segue as pistas do assassinato de
uma estrela em ascensão, partindo das
hospedagens de luxo rumo às entranhas de
Los Angeles. Tudo isso enquanto o roteirista
Charlie Parish é espremido entre o senso de
justiça do seu melhor amigo e o seu próprio
senso moral em decadência.
5

Sensor
Do alto de seus 35 anos de carreira no
mangá, o mestre do terror Junji Ito explora
novas fronteiras com um grande conto
de horror cósmico, no qual uma mulher
misteriosa se torna a única oposição contra a
manifestação das trevas do Universo. Em meio
a maquinações de uma seita megalomaníaca
e um mergulho no passado das campanhas
anticristãs no Japão, seguiremos os passos
de Kyoko sob a ótica de um jornalista que
descobre sua história e fica fascinado pelos
eventos sinistros que a rodeiam.
6
Rosie na
Floresta
Uma comédia ácida, absurda, erótica e
ultraviolenta, passada no coração da Amazônia,
em que uma jovem e encantadora traficante
se aproveita da paixão de seu cãozinho por ela
para usá-lo como mula de drogas. Mas após
um trágico acidente, os dois se veem presos
no meio da selva, com uma estranha calcinha
falante que parece ter outros planos… O inglês
Nathan Cowdry traz arte colorida que por vezes
abre mão dos detalhes, com um traço doce
para os personagens humanos e caricato para
os animais.
7
O Pequeno
Astronauta
Todos os anos, Juliette faz sua peregrinação
de bicicleta até o bairro onde cresceu. Este ano,
em frente ao antigo apartamento da família, há
um cartaz: “Vende-se”. Ao passar pelas portas
da casa de sua infância, as memórias vêm à
tona. Os amigos, as pequenas alegrias, mas
acima de tudo a lembrança avassaladora de seu
irmão Tom, um pequeno astronauta que mudou
a vida de todos. O álbum de Jean-Paul Eid é
uma ode à vida, uma celebração comovente da
diferença por meio da chegada à Terra de uma
criança com uma deficiência grave. Tom não
anda nem fala, mas seu sorriso mudo é uma
prova de sua felicidade e dará sentido à vida de
toda uma família. O autor é canadense e oferece
um traço clássico em cores vibrantes e algumas
pranchas cheias de ousadias na diagramação.
8
Che: Uma Vida
Revolucionária
Inspirada na obra de Jon Lee Anderson,
autor da melhor e mais completa biografia
sobre Ernesto Che Guevara já escrita, e com
arte poderosa do mexicano José Hernández,
este romance gráfico revive com assombrosa
precisão e dramaticidade a vida de uma figura
central da história do século 20. As três partes
que compõem a série – O doutor Guevara,
Os anos de Cuba e O sacrifício necessário –,
reunidas aqui num só volume, são um trabalho
impecável que faz jus às virtudes e contradições
deste personagem que mudaria para sempre o
rosto da América.
9

Criminal
O quadrinho de crime mais aclamado do
século 21. Vencedor de seis prêmios Eisner e
Harvey, incluindo Melhor Escritor e Melhor Nova
Série. A tradicional história de assalto é virada
de cabeça para baixo em Criminal, série em
seis volumes. O primeiro apresenta Leo, capaz
de planejar a jogada perfeita, mas apenas se
estiver convencido de que o trabalho é seguro,
porque não é o tipo de criminoso que atira
primeiro e pensa depois. Leo é um profissional,
cujo maior desejo na vida é não acabar
exatamente no lugar a que ele pertence: uma
cela de prisão. Criminal: Covarde é o primeiro
volume da série, dos premiados criadores de
Fatale, Fade Out e Matar ou Morrer.
10
A Casta dos
Metabarões
O guerreiro mais poderoso do universo,
que aterrorizou exércitos inteiros com a
simples menção de seu nome - o Metabarão!
O genial Jodorowsky (roteiro) se juntou ao
argentino Gimenez (arte) nesse primeiro
volume do spin-off de O Incal, série cult que
uniu o autor ao lendário Moebius nos anos
1980. Aqui ele traz as origens da linhagem
e os rituais envolvendo família, sacrifício
e sobrevivência pelos quais passam os
herdeiros da tradição, num visual que remete
ao clássico desenhado por Moebius.
11
Nectarina
Australiana que vive no Canadá, Lee Lai é
uma artista trans cujas histórias falam sobre
relacionamentos humanos, de uma perspectiva
realista e desencantada. Nessa HQ, Bron e
Ray são um casal queer, ligado por um amor
poderoso, que tudo consome. Suas aventuras
selvagens com Nessie, sobrinha de Ray, são
momentos de felicidade que elas esperam todas
as semanas. Movidas pelo poder da imaginação
da criança, elas podem ser elas mesmas e
esquecer suas vidas cotidianas, presas entre
tensões familiares, rejeição e isolamento. Mas
com os velhos demônios de Bron ressurgindo
e o relacionamento murchando, conseguirão
deixar de lado o ressentimento e encontrar
o caminho da reconciliação? Nectarina é
uma comovente história de amor, uma ode à
tolerância e ao vínculo fraterno, que traz arte
despojada, um duotone em tons azulados, e
mostra personagens realistas com toques de
surrealismo em algumas situações.
12
Afirma
Pereira
O francês Pierre-Henry Gomont adaptou
o romance de Antonio Tabucchi, tradutor
e romancista italiano com nacionalidade
portuguesa. Seus traços nos levam à Lisboa
da década de 1930, durante a ascensão da
ditadura salazarista. Pereira é um jornalista
idoso, viúvo, obeso, com o coração partido e
atormentado, que vive uma rotina sonolenta
até conhecer um certo Francisco Monteiro
Rossi. De forma inesperada, Pereira o contrata.
O jovem freelancer, em vez de escrever o
obituário da forma que Pereira tinha ordenado,
tece elogios, tão eloquentes quanto inéditos, a
Lorca ou Maiakovski, conhecidos inimigos do
regime fascista. Mais inesperadamente ainda,
Pereira não demite o perigoso colaborador.
Pouco a pouco, vai tornando-se amigo dele.
Também se aproxima de sua misteriosa e bela
companheira, que se revela uma fervorosa
combatente revolucionária a serviço dos
republicanos espanhóis.
13
Lovecraft /
Poe
No início dos anos 1970, durante uma viagem
de Madri a Milão, o aclamado Alberto Breccia
compra uma edição barata com os contos de H.P.
Lovecraft. O episódio o transporta imediatamente
para a sua adolescência em Buenos Aires,
quando nas páginas da edição argentina da
revista Weird Tales entrou pela primeira vez em
contato com o universo daquele que, segundo
Neil Gaiman, é “o começo de toda a literatura
de horror”. Nos anos seguintes, Breccia criaria
versões para clássicos de Lovecraft e também
de Edgar Allan Poe, testando diversas variações
estilísticas como experiências com colagem
e monotipo, decupagem cinematográfica
e minimalista, clima expressionista e traços
grotescos. O virtuosismo e a desenvoltura de
Breccia são... assombrosos!
14
Matar ou
Morrer
Outra série dos especialistas em crime
Ed Brubaker e Sean Phillips, narra em quatro
volumes a distorcida história de um jovem
forçado a matar pessoas más, e como ele luta
para impedir que seu segredo destrua sua vida.
Tanto um thriller quanto uma desconstrução
do vigilantismo, Matar ou Morrer é diferente de
tudo que os autores já fizeram.
15
Miyamoto
Musashi
A biografia em mangá do mais famoso
samurai do Japão pelas mãos de Shotaro
Ishinomori, considerado o rei do mangá.
Musashi foi um espadachim invicto que, com
sua vida e obra permeada de genialidade
estratégica e questionamentos filosóficos, virou
um ícone da história e da cultura japonesas,
inspirando numerosas obras literárias e
cinematográficas. Recheada de dramas e
combates de tirar o fôlego, esta edição definitiva
em volume único apresenta o desenvolvimento
do guerreiro e uma ótima introdução aos seus
textos, inclusive ao influente Gorin no Sho – O
Livro dos Cinco Elementos.
REVISTA

expediente | edição #41

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Ivan Longo
_ Emir Sader
_ Cynara Menezes
_ Rosilene Corrêa
_ Henrique Rodrigues
_ Cesar Castanha
_ Pio Gomes

Designer
_ Marcos Guinoza
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