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Vídeo – 8 de Janeiro: Violência, Golpe ou Patriotismo?

O 8 de janeiro foi um ato de violência, terrorismo ou golpe? O que pretendia


aquele grupo de 5 mil pessoas, vestidas com a camisa da seleção brasileira,
empunhando bandeiras e se auto-declarando os verdadeiros patriotas do Brasil? Um ano
após o 8 de janeiro, como que o evento está sendo analisado? Como que a democracia
brasileira está? Analisar o 8 de janeiro não é uma tarefa fácil de se, ele vem de um
momento em que o capitalismo e as democracias liberais estão em crise, e de um Brasil
que há uma década vive intensa instabilidade política.
Fala, juventude, aqui quem vos fala é Artie Xavier e hoje vamos analisar os
eventos que culminaram no 8 de janeiro e como, 1 ano depois, está a democracia
brasileira.
Vou começar falando desse assunto indicando para vocês o podcast desenvolvido
por estudantes de Ciências Sociais da USP, no primeiro semestre de 2023, que vídeo
deu numa pesquisa orientada pela professora de sociologia política Angela Alonso, que
analisa os eventos que culminaram naqueles atos violentos em Brasília.
O podcast começa com a notícia de setembro de 2022, quando Rafael Oliveira
assassinou a golpes de machado Benedito dos Santos. O motivo? Rafael defendia
Bolsonaro e Benedito, Lula. O bolsonarista matou o defensor de Lula por conta de uma
discussão política que se tornou agressão física entre os dois, culminando na morte de
Benedito. Rafael foi condenado ano passado a 14 anos de prisão e disse em julgamento
que não se arrependia do crime.
A coleta empírica da pesquisa mapeou 115 eventos de violência política, sendo
24 ameaças, 74 agressões e 17 assassinatos em todas as regiões do país. Em 1/3 dos
casos houve uso de armas de fogo. Os picos dos eventos de violência politica ocorreram
no 1º e 2º turno das eleições presidenciais. Metade dos eventos violentos mapeados
ocorreram no 2ª turno e nas 3 semanas que se sucederam ao resultado eleitoral, 53% dos
assassinatos e todos os casos de tiro a queima-roupa.
Nenhum evento histórico acontece do nada, sem antes ter sido impulsionados
por diferentes fatores. Podemos colocar como data base o dia 30 de outubro de 2023,
quando o Lula é eleito presidente e Jair Bolsonaro é derrotado nas urnas. Com pouco
menos de 2 milhões de votos de diferença, foi a eleição mais acirrada da história. Mas
que tem como quadro geral uma ampla violência política de bolsonaristas versus
lulistas.
Para a pesquisa, a violência política nesse período foi polarizada, assimétrica e
generalizada. Polarizado pq as vítimas preferidas dos bolsonaristas foram os lulistas e
vice-versa. Entre as 83 vítimas agredidas por bolsonaristas, 56 eram lulistas. Já entre as
9 vítimas violentadas por lulistas, 6 delas eram bolsonaristas.
A violência política foi assimétrica, porque os bolsonaristas foram mais
violentos, totalizando 83 dos 115 casos. Apenas 9 casos foram protagonizados por
lulistas. Os lulistas foram os maiores alvos da violência política. Vítimas em 59, dos 115
casos. Já os bolsonaristas foram vítimas em apenas 11 dos casos.
Por fim, a violência política foi generalizada porque permeou as instâncias
cotidianos, não se reduzindo apenas aos espaços em que as pessoas acreditam se fazer
política.
Enquanto ocorriam as comemorações da vitória de Lula no segundo turno, em
belo horizonte, o bolsonarista Ruan Luz atirou em 8 pessoas que comemoravam o
resultado, matando uma menina de 12 anos e um jovem de 28.
Na pesquisa orientada por Angela Alonso, 126 performances analisadas, com
56% das performances realizadas pelos candidatos ou ocorreram na sua presença. Jair
Bolsonaro participou do dobro de performance na qual participou Lula. Tiveram 44
performances em prol de Bolsonaro sem a sua presença, 43 se deram durante ou após as
comemorações do 7 de setembro. Na fase 1, até o 1 turno, Das 7 realizadas contra
Bolsonaro, ocorreram no evento chamado grito dos Excluídos, também ocorrido no dia
7 de setembro. Quase 83% das performances constituíram ações sem violência ou
aparente descumprimento de lei. Dessas ações se destacam os 17 casos de motociatas.
Na fase 2, que era no 2ª turno, com 114 performances referentes a essa fase, com
casos de assédio eleitoral, destacamos aqui também as ações das policiais federais que
dificultaram acesos dos eleitores aos locais de votação, parando em blitz pelo menos
610 ônibus.
O resultado final da eleição de 2022, tem dois feitos institucionais inéditos: faz
com que Jair Bolsonaro seja o primeiro presidente da história a não conseguir reeleição
e coloca pela III vez Lula como presidente do Brasil. A partir daí, uma série de notícias
falsas são divulgadas em diferentes meios de comunicação e principalmente nos grupos
onde os apoiadores de Bolsonaro faziam parte. As notícias falsas divulgadas falavam
que a eleição de Lula era uma fraude e dizia que o então presidente Jair Bolsonaro
poderia invocar o Artigo 142 da Constituição, para pedir uma intervenção militar, com a
finalidade de reverter o resultado das urnas.
O artigo 142 diz: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República,
e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa
de qualquer destes, da lei e da ordem."
Segundo o parecer, emitido na quarta-feira (3), trata-se de "fraude ao texto
constitucional" a interpretação de que as Forças Armadas teriam o poder de se sobrepor
a “decisões de representantes eleitos pelo povo ou de quaisquer autoridades
constitucionais a pretexto de ‘restaurar a ordem’".
Essa ideia ganhou força numa reunião ministerial de Jair Bolsonaro em 22 de
abril de 2020, em que o ex-presidente defendia o cumprimento do Artigo 142, falando
que se houvesse necessidades os poderes poderiam pedir para as forças armadas
reestabelecerem a ordem no Brasil.
No documentário da BBC, mostra como seus apoiadores se alimentavam de
notícias falsas, Bolsonaro manteve silêncio e não reconheceu a derrota. A principal fake
News que se sucedeu ao seu silêncio foi de que ele deveria ficar calado por 72h, e seus
apoiadores deveriam ir para as ruas, pedir uma intervenção militar, de maneira
espontânea, para que Bolsonaro não fosse acusado de tentativa de golpe.
40h depois do Tribunal Superior Eleitoral confirmar o resultado das eleições,
Bolsonaro decide quebrar o silêncio e faz seu primeiro pronunciamento, nele, Bolsonaro
não reconhece formalmente a derrota na eleição. No momento do pronunciamento, os
apoiadores de Bolsonaro já estavam bloqueando diversas rodovias pelo país. Sua fala
também gerou ambiguidades, pois ele condenou depredação e fechamento de vias, mas
de outro lado declarou ser bem vindas manifestações contra a eleição, pois teria motivos
para indignação e injustiça no processo, fez com que o movimento de seus apoiadores
também ganhasse força.
Nesse momento, as ações violentas dos bolsonaristas pareciam mais planejadas e
premeditas, em grupo incendiavam e atiravam, além de promover o bloqueio de
diversas vias. Em dezembro, logo depois da diplomação de Lula, houve uma tentativa
de tomar a sede da polícia federal em Brasília, incêndio em diversos ônibus e
automóveis, depredação de delegacia e saque de um posto de gasolina. Pior que esses
eventos, foi a tentativa de provocar uma explosão no aeroporto internacional de Brasília.
Nesse contexto, os acampamentos em frente aos quartéis do exército começam a
ganhar fôlego, o maior acampamento era em frente ao quartel de Brasília, era uma
superestrutura com tendas, geradores de energia, banheiro químicos, estruturas de
alimentação, palco. No de Brasília existiam uma tenda chamada de: Tenda de
Youtubers. Onde tinha uma ampla estrutura com computadores de edição, câmeras,
roteador de internet... Tudo para conseguir divulgar os acampamentos. A estrutura para
alimentação também impressionava, com várias refeições ao longo do dia, mais de 1
tonelada de carne. Na rotina deles era basicamente de manhã o hino nacional, depois
faziam pelotões para marcharem, tinha o horário das refeições, depois tinha o momento
que iam até os caminhões fazer um buzinaço, tinha também 1 minuto de silêncio que
faziam em homenagem ao ex-presidente.
Para vocês terem uma ideia, só no Pará teve 12 bloqueios de rodovias.
Os eleitores de Bolsonaro são um grupo diverso, sendo uma parte antipetista,
outra neoliberal, votando pelo discurso do ministro da economia Paulo Guedes, outros
se identificavam com a pauta de costumes conservadora e ainda tinha o grupo de
identificação forte com a figura do capitão Jair Bolsonaro.
A socióloga Angela Alonso, diz que tem uma categoria muito forte de
bolsonarista que é aquele “bolsonarista de coração”, que não é racional, é um tipo de
adesão emotiva a esse líder.
Essa adesão emotiva em detrimento ao racional, esse vinculo com as ondas de
violência contra opositores, incrementados tbm pelo antipetismo, anticomunismo, o
ufanismo, o pedido de intervenção das forças armadas e o apoio tácito delas... Tudo isso
faz com que se aproxime do que chamamos de fascismo. Essas são características
básicas de um movimento fascista.
O professor de História Contemporânea da USP, Lincoln Secco, afirma que não
é porque o golpe não se concretizou, que o evento não serviu à tentativa de consolidação
do fascismo, essas ações geram descrédito ao Estado e encorajam os funcionários da
segurança a se solidarizarem com o fascismo. – Foi como vimos em algumas imagens
de policiais supostamente tirando selfies com os envolvidos no ato golpista.
Vi muitas pessoas comentando que a esquerda também comete quebra-quebra
em protestos, no entanto, não tem nem comparação. Os bolsonaristas só fizeram o que
fizeram naquele dia, invadir as sedes do governo naquela magnitude, com o amplo
apoio de forças policiais e do exército. E um movimento assim vindo de pessoas de
esquerda é muito impossível, se fossem militantes de esquerda ali, a polícia teria
massacrado todo mundo sem dó.
Para o historiador Lincoln secco, nossa democracia tem suas dificuldades,
limites e fragilidades, só que ela ainda incrivelmente superior ao que o movimento
fascista quer fazer de nós.
Apesar das circunstâncias distintas a invasão da esplanada se assemelha a
invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, com ingredientes de negacionismos,
belicismos, culto ao ódio e se utilizando do Novo Testamento, falas extremistas, ataques
roteirizados das instituições democráticas.
No dia 8 de janeiro, por volta da 13h o grupo com 5 mil pessoas de todo o Brasil
sai dos acampamentos em direção a praça dos três poderes. As 14:42 o grupo começa a
ultrapassar de maneira violenta as linhas de contenção da polícia. E ali começa as 5
horas de destruição que deixaria o 8 de janeiro como o dia de culminância do
extremismo e violência política.
Desde sua eleição em 2018, Bolsonaro acena para o golpe, falava em fazer as
próximas eleições de maneira impressa, para evitar fraudes, acusou o TSE, e sempre
buscou mobilizar seus apoiadores para fizesse de tudo para mantê-lo no poder.
Naquele momento do ocorrido, diversos discursos foram sendo colocados, a
mída chamava de manifestantes, apoiadores de Bolsonaro, terroristas, até o atual
consenso de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe. Podemos chamar estas ações
do 8 de janeiro como atos golpistas sim!, que foram frustrados, mas serviram como
semente para a continuação do movimento fascista no Brasil. Mostrando a força desse
movimento. Para você ter uma ideia hoje no Brasil existem cerca de 500 células
nazistas.

Uma Pesquisa da Genial/Quaest mostra que, um ano depois, 89% dos


entrevistados condenam os atos golpistas de 8 de janeiro —uma queda de cinco pontos
percentuais em relação a fevereiro do ano passado, quando eram 94%. Ou seja, ainda
são discursos que estão em disputa. Uma pesquisa do Datafolha divulgada em outubro
de 2023, demonstrou que a polarização política ainda está presente no cotidiano dos
brasileiros, com 29% do eleitorado apoiando lula e 25% apoiando Bolsonaro.
Em conclusão, o contexto político brasileiro apresenta desafios significativos
para a democracia, com elementos que se aproximam do fascismo e semeiam a
continuidade desse movimento. É crucial que a sociedade esteja ciente desses desafios,
promova o diálogo e busque soluções para fortalecer as instituições democráticas e
combater as tendências autoritárias. O engajamento cívico e a busca por compreensão
mútua são fundamentais para superar as divisões e construir um futuro mais inclusivo e
democrático.

REFERÊNCIAS:

Borges, Stella. Quaest: 89% reprovam atos golpistas de 8 de janeiro; há um ano, eram
94%. Uol, São Paulo, 2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-
noticias/2024/01/07/pesquisa-quaest-atos-8-de-janeiro.htm.

CARMO, Vendal. Brasil tem 30% de petistas e 25% de bolsonaristas, aponta


Datafolha. Carta Capital, 2023. Disponível em:
https://www.cartacapital.com.br/politica/brasil-tem-30-de-petistas-e-25-de-
bolsonaristas-aponta-datafolha/.

Documentário BBC: 8 de Janeiro: o dia que abalou o Brasil:


https://youtu.be/MxciQQRUMNk?si=UAvLmtxnqqPHWPFZ. 2023.

PASSETTI, Edson; LUCATO, Diego. 8 de janeiro de 2023: um golpe de ar azedo.


Mnemosine, V.19, n. 1, p. 2-35 (2023). Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/mnemosine/article/view/76206/46043.

PINASSI, Maria; SIFRONI, Gisele. Autocracia como gestão da democracia: o que virá
do 8 de janeiro?. Blog Boitempo. 2023. Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/18/autocracia-como-gestao-da-democracia-o-
que-vira-do-8-de-janeiro/.

Vídeo Youtube: Canal Tempero Drag. Um porco num palácio 🐷🏰 Pensar a partir dos
escombros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WH1yV3UOdxw.
2023.
Podcast: O 8 de janeiro.
https://open.spotify.com/show/5bIXrWgd9AUpxkMML6WHO2?
si=obfq_DeDRvKwQNgH_NaC7w. 2023.

SECCO, Lincoln. A intentona de 8 de janeiro de 2023. Blog Boitempo. 2023.


Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/11/a-intentona-de-8-de-janeiro-
de-2023/.

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