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Supremo Tribunal Federal

Decisão sobre Repercussão Geral

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 17

29/03/2018 PLENÁRIO

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.093.553 R IO


GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
RECDO.(A/S) : ADRIANO MACHADO DE ABREU
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE


INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 233 DO CP. PRINCÍPIO DA
RESERVA LEGAL. QUESTÃO JURÍDICA QUE TRANSCENDE O
INTERESSE SUBJETIVO DA CAUSA. MANIFESTAÇÃO PELA
EXISTÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL E PELA
REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a


questão. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão
geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Edson
Fachin. Não se manifestaram as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Ministro LUIZ FUX


Relator

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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.093.553 R IO


GRANDE DO SUL

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE


INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 233 DO CP. PRINCÍPIO DA
RESERVA LEGAL. QUESTÃO JURÍDICA QUE TRANSCENDE O
INTERESSE SUBJETIVO DA CAUSA. MANIFESTAÇÃO PELA
EXISTÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL E PELA
REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.

MANIFESTAÇÃO: Cuida-se de recurso extraordinário interposto pelo


Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão
prolatado pela Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais
do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

“APELAÇÃO CRIMINAL. TIPO PENAL QUE VIOLA O


PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. (ART. 5º, XXXIX, DA CF).
INCONSTITUCIONALIDADE.
1. Inconstitucionalidade do artigo 233 do Código Penal, por
traduzir violação ao princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da
CF). Ausência de determinação do elemento ato obsceno, em tipo
penal que, por excessivamente aberto, importa em ofensa à
taxatividade.
2. Hipótese em que era perfeitamente possível ao legislador
alcançar um grau maior de determinação das condutas que podem ser
tidas por obscenas, tarefa que, sem que isso importe em flagrante
violação à taxatividade, não pode ser transferida ao Judiciário, que
estaria a avançar, induvidosamente, na seara legislativa.
3. Coordenadas do caso concreto onde não se faz presente o dolo,
ou seja, a intenção de ferir o recato ou a moralidade das pessoas.
RECURSO PROVIDO.”

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RE 1093553 RG / RS

Imputara-se ao réu, ora recorrido, a conduta de praticar ato obsceno


em lugar público, sob a justificativa de que, conforme descrição constante
na peça acusatória, “masturbou-se em via pública, exibindo seus órgãos
genitais a diversas pessoas que por ali passavam”. Em primeiro grau, a
pretensão acusatória foi julgada procedente, para o fim de condenar o réu
pela prática do crime previsto no art. 233 do CP a uma pena privativa de
liberdade de 04 (quatro) meses de detenção em regime aberto, substituída
pela pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade
pelo tempo da condenação.
Interposto recurso de apelação pela defesa, foi ele provido pela
Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do
Rio Grande do Sul, nos termos da ementa supratranscrita, para o fim de
absolver o réu sob o fundamento da atipicidade da conduta praticada.
Para tanto, em síntese, inicialmente, declarou-se a inconstitucionalidade
do art. 233 do CP, “por traduzir violação ao princípio da reserva legal (art. 5º,
XXXIX, da Constituição Federal), examinado este por uma de suas vertentes, ou
seja, a taxatividade”. Enfatizou-se que o art. 233 do CP, ao tipificar a
conduta de “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao
público” sem esclarecer quais ações poderiam ou não ser qualificadas
como “obscenas”, qualificar-se-ia como “um tipo penal excessivamente
aberto, (...) em violação à taxatividade”. Por fim, destacou-se “(...) que era
perfeitamente possível ao legislador alcançar um grau maior de determinação das
condutas que podem ser tidas por obscenas, tarefa que, sem que isso importe em
flagrante violação à taxatividade, não pode ser transferida ao Judiciário, que
estaria a avançar, induvidosamente, na seara legislativa.”
Os embargos declaratórios interpostos em face do acórdão
absolutório foram desprovidos.
O recurso extraordinário foi interposto pelo Ministério Público
Estadual com fundamento no art. 102, III, “a”, da CF, sob a alegação de
ofensa direta ao disposto no art. 2º (princípio da separação dos poderes) e
no art. 5º, XXXIX (princípio da reserva legal na seara penal), da CF.
No que pertine à preliminar de repercussão geral da questão

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constitucional, alegou-se que o debate travado no acórdão recorrido


“revela-se capaz de influir concretamente e de maneira generalizada em uma
grande quantidade de casos, notadamente porque, como sói acontecer, tem virado
rotina, por parte da Turma Recursal Criminal, a declaração de
inconstitucionalidade de dispositivos de lei federal (v.g., artigo 305 do CTB,
artigos 330 e 331 do Código Penal, artigo 50 da DL nº 3.688/41, entre outros),
imiscuindo-se na esfera de competência do poder legislativo”.
Aduz o recorrente que “o debate (...) ultrapassa os limites do interesse
subjetivo (...), vinculando-se à defesa da aplicabilidade da norma posta no
ordenamento jurídico, porquanto a declaração de atipicidade da conduta sob
análise (ato obsceno) provavelmente tornar-se-á em uma nova tendência no órgão
julgador”. Para reforçar esse argumento, enfatizou-se que “(...) no Estado
do Rio Grande do Sul, há uma única Turma competente para o julgamento de
questões afetas à prática de delitos de menor potencial ofensivo, de forma que, em
breve, constatar-se-á, pela lógica, que os juízos de piso passarão a aplicar, em seus
julgados, a nova orientação acerca da atipicidade do crime de ato obsceno,
determinando, inclusive, de plano, o arquivamento de expedientes policiais que
lhes sejam submetidos, declarando extinta a punibilidade de agente cuja
imputação da autoridade policial for o delito previsto no art. 233 do CPP. (...)
Esse, portanto, é o efeito multiplicador que se busca obstar: a concessão de
verdadeiro ‘salvo-conduto’ judicial a comportamentos penalmente reprováveis e
lesivos ao meio social”.
Por fim, no que tange à natureza constitucional do mérito recursal,
destacou o recorrente, em síntese “que a Turma Recursal, ao declarar a
inconstitucionalidade do art. 233 do Código Penal sem verificar a possibilidade
de empregar outra técnica existente no controle de constitucionalidade para
harmonizar a norma jurídica com o princípio constitucional tido por violado,
ônus que lhe competia por se tratar de hipótese onde a exclusão da norma do
ordenamento jurídico ocasiona mais danos que sua manutenção, pois fragiliza a
tutela penal do bem jurídico tutelado, acabou por violar o art. 5º, XXXIX, da
Constituição Federal. Acrescenta-se que tal hipótese era possível mediante
interpretação conforme a Constituição Federal, pois o emprego da expressão ato
obsceno não representa a abertura do tipo penal em grau que não o torne

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compatível com o princípio da taxatividade e, além disso, ele permite a


construção de um conceito jurídico-penal de obscenidade que, a um só tempo,
viabiliza a incriminação das condutas lesivas ao bem jurídico e proscreve as
significações que venham a redundar em desnecessária imprecisão”.

É o relatório.

O que se discute, em suma, é a constitucionalidade do tipo previsto


no art. 233 do CP, declarado pelo acórdão recorrido como contrário à
Carta Magna em virtude de apontada incompatibilidade com o princípio
fundamental consagrado no art. 5º, XXXIX, da CF.
Trata-se de quadro que, diante da declaração expressa de
inconstitucionalidade combatida, caracterizaria inequívoca adequação à
hipótese de cabimento do recurso extraordinário prevista na alínea “b”
do inciso III do art. 102 da CF, o que, por si só, já evidenciaria a efetiva
existência de questão constitucional no corpo do debate a que se propõe o
recorrente. De qualquer modo, mesmo que analisado o problema sob o
ângulo estrito da hipótese de cabimento invocada na peça recursal – a
alínea “a” do inciso III do art. 102 da CF -, é inquestionável a natureza
constitucional do debate, uma vez que a suposta inadequação do tipo
penal analisado ao princípio da reserva legal penal (ou princípio da
taxatividade), com assento no inciso XXXIX do art. 5º da CF, consistiu no
fundamento justificante da declaração de inconstitucionalidade exarada,
o que significa dizer que eventual acolhimento da tese do recorrente
implicará reconhecer que o acórdão recorrido contrariou diretamente
dispositivo da Constituição, justamente, a hipótese de cabimento
invocada.
Por outro lado, é inequívoca a repercussão geral da discussão
constitucional suscitada no recurso, diante, sobretudo, não se pode deixar
de enfatizar, da expressa declaração de inconstitucionalidade combatida.
É sabido que tal declaração não foi realizada pelo voto da maioria
absoluta dos membros do Tribunal a quo ou do seu respectivo Órgão
Especial, a obstar que se opere a presunção absoluta de repercussão geral

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de que trata o art. 1035, §3º, III, do CPC. Todavia, conforme bem
destacado pelo recorrente, abriga, no caso específico, questão jurídica que
extrapola os interesses subjetivos do processo.
Ocorre que o órgão jurisdicional prolator do acórdão recorrido
consiste no único que, no Estado do Rio Grande do Sul, possui
competência para processar e julgar recursos que versem sobre delitos de
menor potencial ofensivo e, consequentemente, sobre o tipo penal em
análise. Nesse contexto, as decisões da Turma Recursal dos Juizados
Especiais Criminais, senão possuem efeito vinculante, exercem
inequívoco efeito vinculativo, fazendo as vezes, naquele Estado, de vetor
interpretativo da atuação das demais autoridades, não apenas
jurisdicionais, que operam no âmbito dos delitos em questão.
A título exemplificativo, cabe mencionar os recentes precedentes do
aludido órgão recursal nos quais, de forma similar à ora analisada, se
declarou a atipicidade de condutas em perfeita adequação formal aos
tipos previstos no art. 50 da LCP (contravenção de promover jogos de
azar) e no art. 305 do CTB (crime de fuga do local do acidente), esses
últimos posteriormente acolhidos pelo Órgão Especial do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, com expressa declaração de
inconstitucionalidade do dispositivo. Em ambos os casos, o
posicionamento assumido pela Turma Recursal consistiu em fator
irradiante não apenas quanto à multiplicação de decisões jurisdicionais
reconhecendo, em primeira instância, a atipicidade das condutas, como
também quanto à negativa de representantes dos órgãos policiais para
formalizar ações de repressão e investigação das condutas, obstando por
completo, nesses últimos casos, qualquer possibilidade de êxito da
persecução penal. Tanto assim o era que, quanto a ambos os referidos
casos, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, em julgamentos
virtuais realizados nas datas de 06/08/2016 (Tema 907 –
constitucionalidade do art. 305 do CTB – RE 971959, Rel. Min. Luiz Fux) e
04/11/2016 (Tema 924 – tipicidade da conduta de estabelecer e explorar
jogos de azar – RE 966177, Rel. Min. Luiz Fux), reconheceu a repercussão
geral da questão constitucional discutida no âmbito dos respectivos

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recursos extraordinários paradigma.


Destarte, manifesto-me pela existência de questão constitucional e
pela repercussão geral da matéria.
Brasília, 8 de março de 2018.
Ministro Luiz Fux
Relator
Documento assinado digitalmente

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GRANDE DO SUL

PRONUNCIAMENTO

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR –


ARTIGO 233 DO CÓDIGO PENAL –
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE –
TIPIFICAÇÃO ABERTA –
AFASTAMENTO NA ORIGEM –
RECURSO EXTRAORDINÁRIO –
REPERCUSSÃO GERAL
CONFIGURADA.

1. A assessora Dra. Raquel Rodrigues Barbosa de Souza prestou as


seguintes informações:

Eis a síntese do discutido no recurso extraordinário nº


1.093.553, relator o ministro Luiz Fux, inserido no sistema
eletrônico da repercussão geral em 9 de março de 2018, sexta-
feira, com termo final para manifestação no próximo dia 29,
quinta-feira.

O Juízo condenou o réu pela conduta prevista no artigo


233 do Código Penal (realizar ato obsceno em lugar público, ou
aberto ou exposto ao público), em virtude da prática de
masturbação em via pública, com exibição dos órgãos genitais
aos transeuntes. Fixou a sanção definitiva em quatro meses de
detenção, substituindo-a por restritiva de direitos concernente
na prestação de serviços à comunidade, pelo período da pena
privativa de liberdade, durante seis horas semanais.

A Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais


Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, reformando a
sentença, consignou a atipicidade da conduta e absolveu o réu
considerado o artigo 386, inciso II, do Código de Processo

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Penal. Assentou inconstitucional o artigo 233 do Código Penal,


ante a ofensa ao princípio da reserva legal consubstanciado na
taxatividade. Ressaltou a existência de tipificação aberta, tendo
em vista a ausência de parâmetros para a identificação da
conduta reputada como ato obsceno. Disse possível ao
legislador alcançar maior grau de determinação das condutas
tidas por obscenas. Destacou a presença de sinais clínicos de
intoxicação aguda por álcool durante o ato, circunstância a
afastar o dolo de ofender a moral pública.

Os embargos de declaração foram desprovidos.

No extraordinário, protocolado com alegada base na


alínea “a” do permissivo constitucional, o Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul sustenta transgressão aos artigos
2º, 5º, inciso XXXIX, e 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Assevera imprópria a técnica utilizada em controle de
constitucionalidade, salientando que a exclusão da norma do
ordenamento jurídico produzirá mais danos do que a
manutenção. Aponta a lacuna legal a ser criada com a
declaração de inconstitucionalidade do artigo 233 do Código
Penal, a acarretar, segundo entende, proteção deficiente ao bem
jurídico tutelado e prejuízo à sociedade.

Assinala a possibilidade de compatibilização do


dispositivo com a Constituição Federal. Realça ser o grau de
abertura típica consequência da complexa realidade social.
Afirma viável a construção de conceito jurídico de obscenidade
dotado do grau de restrição exigido pelo Direito Penal.
Discorre sobre a complexidade do tema, sublinhando que a
expressão “ato obsceno” reflete nuances inerentes aos bons
costumes e à moralidade, devendo ser interpretada conforme a
conjuntura, a época e o público-alvo da ação. Alude ao habeas
corpus nº 83.996, relator o ministro Carlos Velloso, no qual,
consoante narra, a contextualização da conduta se fez
necessária. Menciona precedentes do Supremo.

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Sucessivamente, alega ofensa ao artigo 93, inciso IX, da


Constituição Federal. Aduz a deficiência na devida prestação
jurisdicional, considerada a falta de pronunciamento do
Tribunal de origem sobre questão suscitada a respeito do
afastamento do dolo pela embriaguez voluntária.

Sob o ângulo da repercussão geral, salienta ultrapassar a


matéria os limites subjetivos da lide, mostrando-se relevante
dos pontos vista jurídico e social. Frisa o efeito multiplicador da
controvérsia.

O recorrido, nas contrarrazões, aponta o acerto do acórdão


impugnado. Realça a ausência de prequestionamento,
enfatizando que o articulado nas razões do extraordinário não
foi enfrentado pelo Órgão julgador. Ressalta a necessidade de
reexame de fatos e provas quanto ao dolo.

O extraordinário foi admitido na origem.

O Relator submeteu o processo ao denominado Plenário


Virtual, manifestando-se pela configuração da repercussão
geral. Eis o teor do pronunciamento do ministro Luiz Fux:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO


DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 233 DO CP.
PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. QUESTÃO JURÍDICA
QUE TRANSCENDE O INTERESSE SUBJETIVO DA
CAUSA. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE
QUESTÃO CONSTITUCIONAL E PELA REPERCUSSÃO
GERAL DA MATÉRIA.

Manifestação: Cuida-se de recurso extraordinário


interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul contra acórdão prolatado pela Turma
Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do

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Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:


APELAÇÃO CRIMINAL. TIPO PENAL QUE VIOLA
O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. (ART. 5º, XXXIX, DA
CF). INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Inconstitucionalidade do artigo 233 do Código


Penal, por traduzir violação ao princípio da reserva legal
(art. 5º, XXXIX, da CF). Ausência de determinação do
elemento ato obsceno, em tipo penal que, por
excessivamente aberto, importa em ofensa à taxatividade.
2. Hipótese em que era perfeitamente possível ao
legislador alcançar um grau maior de determinação das
condutas que podem ser tidas por obscenas, tarefa que,
sem que isso importe em flagrante violação à taxatividade,
não pode ser transferida ao Judiciário, que estaria a
avançar, induvidosamente, na seara legislativa.
3. Coordenadas do caso concreto onde não se faz
presente o dolo, ou seja, a intenção de ferir o recato ou a
moralidade das pessoas.
RECURSO PROVIDO.

Imputara-se ao réu, ora recorrido, a conduta de


praticar ato obsceno em lugar público, sob a justificativa
de que, conforme descrição constante na peça acusatória,
masturbou-se em via pública, exibindo seus órgãos
genitais a diversas pessoas que por ali passavam. Em
primeiro grau, a pretensão acusatória foi julgada
procedente, para o fim de condenar o réu pela prática do
crime previsto no art. 233 do CP a uma pena privativa de
liberdade de 04 (quatro) meses de detenção em regime
aberto, substituída pela pena restritiva de direitos de
prestação de serviços à comunidade pelo tempo da
condenação.

Interposto recurso de apelação pela defesa, foi ele


provido pela Turma Recursal Criminal dos Juizados

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Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, nos


termos da ementa supratranscrita, para o fim de absolver
o réu sob o fundamento da atipicidade da conduta
praticada. Para tanto, em síntese, inicialmente, declarou-se
a inconstitucionalidade do art. 233 do CP, por traduzir
violação ao princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da
Constituição Federal), examinado este por uma de suas
vertentes, ou seja, a taxatividade. Enfatizou-se que o art.
233 do CP, ao tipificar a conduta de praticar ato obsceno
em lugar público, ou aberto ou exposto ao público sem
esclarecer quais ações poderiam ou não ser qualificadas
como obscenas, qualificar-se-ia como um tipo penal
excessivamente aberto, (...) em violação à taxatividade. Por
fim, destacou-se (...) que era perfeitamente possível ao
legislador alcançar um grau maior de determinação das
condutas que podem ser tidas por obscenas, tarefa que,
sem que isso importe em flagrante violação à taxatividade,
não pode ser transferida ao Judiciário, que estaria a
avançar, induvidosamente, na seara legislativa.
Os embargos declaratórios interpostos em face do
acórdão absolutório foram desprovidos.

O recurso extraordinário foi interposto pelo


Ministério Público Estadual com fundamento no art. 102,
III, a, da CF, sob a alegação de ofensa direta ao disposto no
art. 2º (princípio da separação dos poderes) e no art. 5º,
XXXIX (princípio da reserva legal na seara penal), da CF.

No que pertine à preliminar de repercussão geral da


questão constitucional, alegou-se que o debate travado no
acórdão recorrido revela-se capaz de influir concretamente
e de maneira generalizada em uma grande quantidade de
casos, notadamente porque, como sói acontecer, tem
virado rotina, por parte da Turma Recursal Criminal, a
declaração de inconstitucionalidade de dispositivos de lei
federal (v.g., artigo 305 do CTB, artigos 330 e 331 do

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Código Penal, artigo 50 da DL nº 3.688/41, entre outros),


imiscuindo-se na esfera de competência do poder
legislativo.

Aduz o recorrente que o debate (...) ultrapassa os


limites do interesse subjetivo (...), vinculando-se à defesa
da aplicabilidade da norma posta no ordenamento
jurídico, porquanto a declaração de atipicidade da
conduta sob análise (ato obsceno) provavelmente tornar-
se-á em uma nova tendência no órgão julgador. Para
reforçar esse argumento, enfatizou-se que (...) no Estado
do Rio Grande do Sul, há uma única Turma competente
para o julgamento de questões afetas à prática de delitos
de menor potencial ofensivo, de forma que, em breve,
constatar-se-á, pela lógica, que os juízos de piso passarão a
aplicar, em seus julgados, a nova orientação acerca da
atipicidade do crime de ato obsceno, determinando,
inclusive, de plano, o arquivamento de expedientes
policiais que lhes sejam submetidos, declarando extinta a
punibilidade de agente cuja imputação da autoridade
policial for o delito previsto no art. 233 do CPP. (...) Esse,
portanto, é o efeito multiplicador que se busca obstar: a
concessão de verdadeiro salvo-conduto judicial a
comportamentos penalmente reprováveis e lesivos ao
meio social.

Por fim, no que tange à natureza constitucional do


mérito recursal, destacou o recorrente, em síntese que a
Turma Recursal, ao declarar a inconstitucionalidade do
art. 233 do Código Penal sem verificar a possibilidade de
empregar outra técnica existente no controle de
constitucionalidade para harmonizar a norma jurídica
com o princípio constitucional tido por violado, ônus que
lhe competia por se tratar de hipótese onde a exclusão da
norma do ordenamento jurídico ocasiona mais danos que
sua manutenção, pois fragiliza a tutela penal do bem

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jurídico tutelado, acabou por violar o art. 5º, XXXIX, da


Constituição Federal. Acrescenta-se que tal hipótese era
possível mediante interpretação conforme a Constituição
Federal, pois o emprego da expressão ato obsceno não
representa a abertura do tipo penal em grau que não o
torne compatível com o princípio da taxatividade e, além
disso, ele permite a construção de um conceito jurídico-
penal de obscenidade que, a um só tempo, viabiliza a
incriminação das condutas lesivas ao bem jurídico e
proscreve as significações que venham a redundar em
desnecessária imprecisão.

É o relatório.

O que se discute, em suma, é a constitucionalidade


do tipo previsto no art. 233 do CP, declarado pelo acórdão
recorrido como contrário à Carta Magna em virtude de
apontada incompatibilidade com o princípio fundamental
consagrado no art. 5º, XXXIX, da CF.

Trata-se de quadro que, diante da declaração


expressa de inconstitucionalidade combatida,
caracterizaria inequívoca adequação à hipótese de
cabimento do recurso extraordinário prevista na alínea b
do inciso III do art. 102 da CF, o que, por si só, já
evidenciaria a efetiva existência de questão constitucional
no corpo do debate a que se propõe o recorrente. De
qualquer modo, mesmo que analisado o problema sob o
ângulo estrito da hipótese de cabimento invocada na peça
recursal a alínea a do inciso III do art. 102 da CF -, é
inquestionável a natureza constitucional do debate, uma
vez que a suposta inadequação do tipo penal analisado ao
princípio da reserva legal penal (ou princípio da
taxatividade), com assento no inciso XXXIX do art. 5º da
CF, consistiu no fundamento justificante da declaração de
inconstitucionalidade exarada, o que significa dizer que

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eventual acolhimento da tese do recorrente implicará


reconhecer que o acórdão recorrido contrariou
diretamente dispositivo da Constituição, justamente, a
hipótese de cabimento invocada.

Por outro lado, é inequívoca a repercussão geral da


discussão constitucional suscitada no recurso, diante,
sobretudo, não se pode deixar de enfatizar, da expressa
declaração de inconstitucionalidade combatida. É sabido
que tal declaração não foi realizada pelo voto da maioria
absoluta dos membros do Tribunal a quo ou do seu
respectivo Órgão Especial, a obstar que se opere a
presunção absoluta de repercussão geral de que trata o art.
1035, §3º, III, do CPC. Todavia, conforme bem destacado
pelo recorrente, abriga, no caso específico, questão jurídica
que extrapola os interesses subjetivos do processo.

Ocorre que o órgão jurisdicional prolator do acórdão


recorrido consiste no único que, no Estado do Rio Grande
do Sul, possui competência para processar e julgar
recursos que versem sobre delitos de menor potencial
ofensivo e, consequentemente, sobre o tipo penal em
análise. Nesse contexto, as decisões da Turma Recursal
dos Juizados Especiais Criminais, senão possuem efeito
vinculante, exercem inequívoco efeito vinculativo, fazendo
as vezes, naquele Estado, de vetor interpretativo da
atuação das demais autoridades, não apenas
jurisdicionais, que operam no âmbito dos delitos em
questão.

A título exemplificativo, cabe mencionar os recentes


precedentes do aludido órgão recursal nos quais, de forma
similar à ora analisada, se declarou a atipicidade de
condutas em perfeita adequação formal aos tipos previstos
no art. 50 da LCP (contravenção de promover jogos de
azar) e no art. 305 do CTB (crime de fuga do local do

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acidente), esses últimos posteriormente acolhidos pelo


Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, com expressa declaração de
inconstitucionalidade do dispositivo. Em ambos os casos,
o posicionamento assumido pela Turma Recursal consistiu
em fator irradiante não apenas quanto à multiplicação de
decisões jurisdicionais reconhecendo, em primeira
instância, a atipicidade das condutas, como também
quanto à negativa de representantes dos órgãos policiais
para formalizar ações de repressão e investigação das
condutas, obstando por completo, nesses últimos casos,
qualquer possibilidade de êxito da persecução penal.
Tanto assim o era que, quanto a ambos os referidos casos,
o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, em
julgamentos virtuais realizados nas datas de 06/08/2016
(Tema 907 constitucionalidade do art. 305 do CTB RE
971959, Rel. Min. Luiz Fux) e 04/11/2016 (Tema 924
tipicidade da conduta de estabelecer e explorar jogos de
azar RE 966177, Rel. Min. Luiz Fux), reconheceu a
repercussão geral da questão constitucional discutida no
âmbito dos respectivos recursos extraordinários
paradigma.

Destarte, manifesto-me pela existência de questão


constitucional e pela repercussão geral da matéria.

Brasília, 8 de março de 2018.

Ministro Luiz Fux


Relator
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2. Na origem, o artigo 233 do Código Penal foi dosado ante o


disposto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal – ato obsceno
– ausência de determinação. Está-se diante de controvérsia a ser dirimida

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pelo Supremo presente a higidez ou não, sob o ângulo constitucional, do


citado artigo do Código Penal.

3. Pronuncio-me no sentido de encontrar-se configurada a


repercussão geral.

4. À Assessoria para acompanhar a tramitação do incidente,


inclusive quanto a processos que, versando a matéria estejam aguardando
exame no Gabinete.

5. Publiquem.

Brasília – residência –, 13 de março de 2018, às 20h25.

Ministro MARCO AURÉLIO

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