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Supremo Tribunal Federal

Decisão sobre Repercussão Geral

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24/03/2023 PLENÁRIO

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO


1.418.846 R IO GRANDE DO SUL

RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE


RECTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
RECDO.(A/S) : NOELI DACAS BRAUN
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL

EMENTA

DIREITO PENAL. CRIME DE INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA


PREVENTIVA (CP, ART. 268). NORMA PENAL EM BRANCO. COMPLEMENTAÇÃO
POR ATO NORMATIVO ESTADUAL OU MUNICIPAL. ARTIGO 22, INCISO I, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO CONSTITUCIONAL. POTENCIAL
MULTIPLICADOR DA CONTROVÉRSIA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA
COM REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Nos termos da jurisprudência desta Suprema Corte a competência
para proteção da saúde, seja no plano administrativo, seja no plano
legislativo, é compartilhada entre a União, o Distrito Federal, os Estados e
os Municípios, inclusive para impor medidas restritivas destinadas a
impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.
2. A infração a determinações sanitárias do Estado, ainda que
emanada de atos normativos estaduais, distrital ou municipais, permite
seja realizada a subsunção do fato ao crime tipificado no artigo 268 do
Código Penal, afastadas as alegações genéricas de inconstitucionalidade
de referidas normas por violação da competência privativa da União.
3. Agravo em recurso extraordinário conhecido. Apelo extremo
provido.
4. Fixada a seguinte tese: O art. 268 do Código Penal veicula norma

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penal em branco que pode ser complementada por atos normativos infralegais
editados pelos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
respeitadas as respectivas esferas de atuação, sem que isso implique ofensa à
competência privativa da União para legislar sobre direito penal (CF, art. 22, I).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a


questão. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia. O Tribunal, por
unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia. No
mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a
matéria, vencidos os Ministros Luiz Fux, Nunes Marques e André
Mendonça. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia.

Ministra ROSA WEBER


Relatora

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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO


1.418.846 R IO GRANDE DO SUL

DIREITO PENAL. CRIME DE INFRAÇÃO DE


MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA (CP, ART.
268). NORMA PENAL EM BRANCO.
COMPLEMENTAÇÃO POR ATO NORMATIVO
ESTADUAL OU MUNICIPAL. ARTIGO 22, INCISO
I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO
CONSTITUCIONAL. POTENCIAL
MULTIPLICADOR DA CONTROVÉRSIA.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA COM
REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO A QUE SE DÁ
PROVIMENTO.

Manifestação da Senhora Ministra Rosa Weber (Presidente):


Contra o juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário,
proferido pela Segunda Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, maneja agravo o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL. Na minuta, sustenta que o recurso extraordinário
reúne todos os requisitos para sua admissão.
Na origem, a recorrida foi denunciada pelo Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul pela prática do crime de infração de medida
sanitária (art. 268 do Código Penal). O Juízo de primeiro grau arquivou o
processo, entendendo pela atipicidade da conduta atribuída ao acusado,
pois ausente norma reguladora ao art. 268 do Código Penal apta a ensejar a
persecução penal (eDOC. 4).
Manejado recurso de apelação, a Turma Recursal Criminal/RS
manteve a sentença, em acórdão assim ementado (eDOC. 8):

“APELAÇÃO. ARTIGO 268 DO CÓDIGO PENAL.


INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA PREVENTIVA.
NORMA PENAL EM BRANCO. AUSÊNCIA DE
REGULAMENTAÇÃO OU COMPLEMENTAÇÃO.
ATIPICIDADE. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO MANTIDA.

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Descumprimento de medidas sanitárias e distanciamento social


durante a pandemia de COVID-19. Assente perante esta Turma
Recursal Criminal o entendimento acerca da inexistência de
norma reguladora ao art. 268 do CP, considerado norma penal
em branco. Precedente: INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA
PREVENTIVA. ART. 268 DO CP. NORMA PENAL EM BRANCO.
COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE DIREITO PENAL (ART. 22, I, CF).
COMPLEMENTAÇÃO PELOS DEMAIS ENTES FEDERATIVOS
COM REFLEXOS NA LEGISLAÇÃO PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. O art. 268 do CP é norma penal em branco,
que necessita de complementação para sua exata delimitação e
produção de efeitos jurídicos. Na esfera criminal essa complementação
é de competência exclusiva da União, não competindo a Estados e
Municípios complementar ato normativo próprio do poder federal que
implique em reflexos na legislação penal. Ademais, o Decreto Estadual
nº 20.534/2020 RS, no qual se embasa o órgão acusador para oferecer
a denúncia, já contém as penalidades administrativas passíveis de
imposição no caso em exame, quais sejam, multa, interdição da
atividade e cassação do alvará de funcionamento, mais adequadas,
proporcionais e ágeis, inclusive, que a rigidez de uma resposta penal
que deve ser sempre tida como ultima ratio. RECURSO
DESPROVIDO. (Apelação Criminal, Nº 71010280196, Turma
Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella
Piccinin, Julgado em: 21-02-2022).
RECURSO DESPROVIDO.”

Não foram opostos embargos de declaração.


Nas razões do apelo extremo, o recorrente aponta violação do art. 22,
I, da Constituição Federal.
No tocante à configuração de repercussão geral, o recorrente afirma
a relevância jurídica e social da questão e pontua o potencial
multiplicador da controvérsia, que transborda os estreitos interesses das
partes que compõem a relação processual, de importância a nortear
concretamente diversas outras causas que versam sobre a proteção da
saúde coletiva e da incolumidade pública – bens jurídicos tutelados pelo tipo

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penal inscrito no artigo 268 do Código Penal.


Assevera, no mérito, que não há qualquer impedimento – legal ou
constitucional – à utilização de normas estaduais e municipais para a
complementação de tipos penais em branco. Nessa linha, pondera que os
atos emanados do Poder Executivo não instituem novas condutas
criminosas, limitando-se a complementar e dar sentido ao elemento
normativo do tipo penal inscrito no artigo 268 do Código Penal.
Argumenta que o art. 22, I, da Constituição da República não
admitiria, isto sim, a criação de novos tipos penais ou de condutas penalmente
relevantes por atos normativos diversos de legislação federal, sob pena de
violação do princípio da legalidade, porquanto a competência seria
privativa da União para legislar em matéria penal.
Acrescenta, em referência à alegada suficiência das penalidades
administrativas, que a análise realizada durante o processo legislativo
culmina na edição de uma norma penal já dotada desse juízo de
ponderação acerca do ilícito como um todo. De mais a mais, ressalta que
sabidamente as instâncias civil, penal e administrativa são independentes
entre si, de modo que a adoção de medidas em quaisquer delas não ecoa
nas demais, ressalvadas as hipóteses expressamente delimitadas em lei.
Requer o conhecimento e provimento do recurso extraordinário,
para afastar a alegação de atipicidade da conduta relativa ao artigo 268 do
Código Penal e determinar o regular prosseguimento do feito na origem.
A recorrida apresenta contrarrazões em que postula o não
conhecimento do extraordinário, porquanto não prequestionada a
questão constitucional. Caso conhecido o recurso, requer a manutenção
do acórdão recorrido.
Como adiantei, a Segunda Vice-Presidência do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul inadmitiu o recurso extraordinário,
porquanto não impugnado todos os fundamentos do acórdão recorrido,
em específico o de que, embora aos Estados e municípios tenha sido
assegurado pelo e. STF, no julgamento da ADPF n. 672/DF-MC, o exercício da
competência concorrente, cada qual no exercício de suas atribuições, para a
adoção de medidas restritivas durante a pandemia sanitária, estas evidentemente

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não se estendem à esfera criminal.


Subiram os autos por força de agravo interposto pelo Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul, no qual afirma a
inaplicabilidade da Súmula 283 desta Corte, pois não se caracteriza como
ratio decidendi do acórdão proferido pelo órgão colegiado local a afirmativa
indicada pela decisão agravada como fundamento supostamente inatacado.
Em contraminuta, Noeli Dacas Braun, ora recorrida, aduz que as
alegações do agravo foram genéricas e apenas reiteram os argumentos
referidos no recurso não admitido. Pugna pela manutenção da decisão
agravada.
É o relatório.
Presentes os pressupostos recursais intrínsecos e extrínsecos, afasto o
óbice apontado pela decisão agravada. Da leitura atenta dos autos,
observo que o recorrente impugna todos os fundamentos do acórdão
recorrido. Conheço, pois, do recurso e passo ao exame quanto à existência
de repercussão geral da matéria constitucional impugnada no apelo
extremo.
Em análise, no presente caso, a constitucionalidade de
complementação de norma penal em branco por ato normativo estadual
ou municipal, para aplicação do tipo de infração de medida sanitária
preventiva (art. 268 do Código Penal).
Em resumo, cumpre verificar se o descumprimento de determinação
dos poderes públicos Estaduais, Municipais e Distrital, no contexto de
combate à propagação do vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, se
mostra apto a enquadrar-se, abstratamente, na violação da norma penal
de infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal). O
ponto central é a adequação de normas infralegais, emanadas de
quaisquer esferas de governo, para a complementação de norma penal
em branco, considerada a competência privativa da União para legislar
sobre direito penal (art. 22, I, da Constituição da República). Inegável,
portanto, a presença de questão constitucional.
Passo ao exame da existência de repercussão geral da matéria
constitucional impugnada.

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Em diversas oportunidades, esta Suprema Corte tem se deparado


com a controvérsia sobre a competência dos entes federados para
legislar e adotar medidas administrativas sanitárias preventivas de
enfrentamento à Covid-19. Destaco o seguinte julgado do Plenário, no
qual se definiu a possibilidade de Governadores e Prefeitos, mediante
decretos, e no âmbito de suas respectivas competências, disciplinarem ou
estabelecerem as atividades e serviços públicos essenciais:

“REFERENDO EM MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO


DIRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO
CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. EMERGÊNCIA
SANITÁRIA INTERNACIONAL. LEI 13.979 DE 2020.
COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS PARA LEGISLAR
E ADOTAR MEDIDAS SANITÁRIAS DE COMBATE À
EPIDEMIA INTERNACIONAL. HIERARQUIA DO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE. COMPETÊNCIA COMUM. MEDIDA
CAUTELAR PARCIALMENTE DEFERIDA.
1. A emergência internacional, reconhecida pela
Organização Mundial da Saúde, não implica nem muito menos
autoriza a outorga de discricionariedade sem controle ou sem
contrapesos típicos do Estado Democrático de Direito. As
regras constitucionais não servem apenas para proteger a
liberdade individual, mas também o exercício da racionalidade
coletiva, isto é, da capacidade de coordenar as ações de forma
eficiente. O Estado Democrático de Direito implica o direito de
examinar as razões governamentais e o direito de criticá-las. Os
agentes públicos agem melhor, mesmo durante emergências,
quando são obrigados a justificar suas ações.
2. O exercício da competência constitucional para as ações
na área da saúde deve seguir parâmetros materiais específicos,
a serem observados, por primeiro, pelas autoridades políticas.
Como esses agentes públicos devem sempre justificar suas
ações, é à luz delas que o controle a ser exercido pelos demais
poderes tem lugar.
3. O pior erro na formulação das políticas públicas é a
omissão, sobretudo para as ações essenciais exigidas pelo art. 23

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da Constituição Federal. É grave que, sob o manto da


competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do
governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no
âmbito de suas respectivas competências, implementem as
políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos
fundamentais não é apenas a União, mas também os Estados e
os Municípios.
4. A diretriz constitucional da hierarquização, constante do
caput do art. 198 não significou hierarquização entre os entes
federados, mas comando único, dentro de cada um deles.
5. É preciso ler as normas que integram a Lei 13.979, de
2020, como decorrendo da competência própria da União para
legislar sobre vigilância epidemiológica, nos termos da Lei
Geral do SUS, Lei 8.080, de 1990. O exercício da competência
da União em nenhum momento diminuiu a competência
própria dos demais entes da federação na realização de
serviços da saúde, nem poderia, afinal, a diretriz
constitucional é a de municipalizar esses serviços.
6. O direito à saúde é garantido por meio da obrigação
dos Estados Partes de adotar medidas necessárias para
prevenir e tratar as doenças epidêmicas e os entes públicos
devem aderir às diretrizes da Organização Mundial da Saúde,
não apenas por serem elas obrigatórias nos termos do Artigo 22
da Constituição da Organização Mundial da Saúde (Decreto
26.042, de 17 de dezembro de 1948), mas sobretudo porque
contam com a expertise necessária para dar plena eficácia ao
direito à saúde.
7. Como a finalidade da atuação dos entes federativos é
comum, a solução de conflitos sobre o exercício da competência
deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde,
amparada em evidências científicas e nas recomendações da
Organização Mundial da Saúde.
8. Medida cautelar parcialmente concedida para dar
interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei
13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada
esfera de governo, nos termos do inciso I do artigo 198 da

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Constituição, o Presidente da República poderá dispor,


mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades
essenciais.”
(ADI 6.341-MC-Ref/DF, Red. p/ acórdão Min. Edson
Fachin, Tribunal Pleno, j. 15.4.2020, DJe 13.11.2020)

Reproduzo excerto do voto que proferi naquele julgamento:

“À luz do seu ensinamento, cabe ao Brasil, por


conseguinte, valer-se da estrutura federal exatamente para
evitar o caos, com o estabelecimento de parâmetros mínimos,
possibilitando, onde necessário, a implementação de medidas
diferenciadas – inclusive mais rígidas, se o caso – de controle
do novo coronavírus (COVID 19), no quadro das
competências comuns e concorrentes, com o estabelecimento
de isolamento, quarentena, enfim, de todas as medidas já
previstas, sempre à luz do princípio da proporcionalidade.
[...]
Não detecto qualquer inconstitucionalidade por vício
formal, pois não se trata de normas gerais de cooperação, estas,
sim, confiadas constitucionalmente à lei complementar, mas de
medidas específicas e pontuais de logo necessárias à imediata
coordenação de ações de combate e prevenção nacional à
pandemia.
[...]
Isso porque o exercício do poder de polícia sanitário é
também decorrência do federalismo cooperativo, como deflui,
na minha leitura, dos artigos 198 a 200 da Carta Magna, que
traçam as linhas constitucionais de proteção à saúde e
estabelecem diretrizes ao Sistema Único de Saúde – SUS –, que
é universal, regido, inclusive, pela descentralização.
A ação de política sanitária e fiscalizatória dos entes
permanece preservada, desde que, quanto aos serviços e
atividades essenciais, haja atuação de maneira previamente
articulada, nos termos da Medida Provisória em análise.
Em casos de omissão da regulação devida ou de ausência

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de matéria que afete serviços públicos e atividades essenciais,


subsiste, de modo pleno, a possibilidade de adoção de medidas
à luz da autonomia federativa.
Como bem destacado pelo eminente Relator, ao afirmar
que ‘Há de ter-se a visão voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública,
mostrando-se interessados todos os cidadãos’ e, permito-me
acrescentar que interessados são também todos os entes
federativos, de modo a reafirmar o quadro constitucional de
distribuição das competências legislativas concorrentes e
político-administrativas comuns. Afinal, como salientei,
‘pandemia’ diz com ‘o povo inteiro’.
[...]
Desse modo, adiro à proposta justificada pelo Ministro
Edson Fachin da adoção da técnica de interpretação conforme
ao §9º do art. 3º da Lei n. 13.979/2020 no seguinte sentido:
‘preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do
inciso I do artigo 198 da Constituição, o Presidente da República
poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades
essenciais’.
Ou seja, reafirmada a possibilidade de Governadores e
Prefeitos, mediante decretos, e no âmbito de suas respectivas
competências, disciplinarem ou estabelecerem as atividades e
serviços públicos essenciais.”

Nessa mesma linha, atenta às competências comuns e concorrentes


dos demais entes federados para adoção de medidas na contenção à
disseminação do coronavírus, esta Suprema Corte, na sessão plenária de
13.10.2020, ao julgamento da ADPF 672-MC-Ref/DF, de relatoria do
Ministro Alexandre de Moraes, decidiu, por unanimidade:

“confirmar a medida cautelar e, no mérito, julgar


parcialmente procedente o pedido formulado na arguição de
descumprimento de preceito fundamental, para assegurar a
efetiva observância dos arts. 23, II e IX; 24, XII; 30, II e 198,
todos da Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/2020
e dispositivos conexos, reconhecendo e assegurando o

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exercício da competência concorrente dos Estados, Distrito


Federal e Municípios, cada qual no exercício de suas
atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a
adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente
permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de
distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de
atividades de ensino, restrições de comércio, atividades
culturais e à circulação de pessoas, entre outras, sem prejuízo
da competência geral da União para estabelecer medidas
restritivas em todo o território nacional, caso entenda
necessário, ressaltando-se, como feito na concessão da medida
liminar, que a validade formal e material de cada ato
normativo específico estadual, distrital ou municipal poderá
ser analisada individualmente, nos termos do voto do
Relator.”

Da mesma forma, em recente julgamento este Supremo Tribunal


Federal reafirmou que o art. 3º, caput, I, II e § 9º, da Lei 13.979/2020
autoriza a edição, pelas autoridades locais, dentro do âmbito das
respectivas competências, de decretos voltados à adoção de medida de
isolamento social e quarentena. Na mesma ocasião, asseverado que a
disciplina federal não condiciona a atuação do gestor local à edição de lei
ou prévia autorização do Poder Legislativo local, a reforçar, mais uma
vez, a competência administrativa dos órgãos de saúde, nas esferas federal,
estadual e municipal (art. 3º, §§ 5º e 7º). No cenário epidemiológico da pandemia
da COVID-19, a tomada de decisões rápidas e eficientes pelos gestores locais é
imprescindível para a contenção do avanço da contaminação, evitando-se o risco
de colapso do sistema de saúde (ADI 6.855/RN, Rel. Min. Roberto Barroso,
Tribunal Pleno, j. 22.02.2023).
Desse modo, fica evidente que a competência para proteção da
saúde, seja no plano administrativo, seja no plano legislativo, é
compartilhada entre a União, o Distrito Federal, os Estados e os
Municípios, inclusive para impor medidas restritivas destinadas a
impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.
Assim, reconhecida a competência concorrente da União, do Distrito

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Federal, dos Estados e dos Municípios para estabelecerem medidas e atos


normativos de controle epidemiológico previstas na Lei 13.979/2020, em
prol da incolumidade pública, há de se extrair as consequências
derivadas do seu descumprimento no campo do direito penal.
O art. 268 do Código Penal preceitua:

“Infração de medida sanitária preventiva


Art. 268 - Infringir determinação do poder público,
destinada a impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o
agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de
médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.”

É preciso ressaltar que o art. 268 do Código Penal veicula em sua


redação o preceito primário incriminador, vale dizer, o núcleo essencial
da conduta punível. Disso resulta que a União exerceu, de forma legítima
e com objetivo de salvaguardar a incolumidade da saúde pública, sua
competência privativa de legislar sobre direito penal (CF, art. 22, I).
O fato de tratar-se, na espécie, de norma penal em branco heteróloga
significa apenas a necessidade de complementação (HC 128.894/RS, Rel.
Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, j. 23.8.2016, DJe 28.9.2016), por atos
normativos infralegais (decretos, portarias, resoluções, etc.), de modo a se
tornar possível a aferição da conduta nuclear tipificada, qual seja,
infringir normas estabelecidas pelo Poder Público para evitar a introdução
ou disseminação de doença contagiosa.
Sobre o referido dispositivo, Nelson Hungria leciona que poder
público quer dizer, aqui, autoridade competente (federal, estadual ou municipal)
(HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. IX, Arts. 250 ao 361.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958, p. 101).
Tratando-se de norma penal em branco heterogênea, sua
complementação se faz por ato do poder público, compreendida a
competência de quaisquer dos entes federados, segundo entendimento

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exarado, dentre outros, na ADI 6.341-MC-Ref/DF, na ADPF 672-MC-


Ref/DF e na ADI 6.855/RN.
Vale destacar, nesse contexto, que a complementação de que
necessita a norma penal em branco não se reveste, só por esse motivo, de
natureza criminal, mas sim, via de regra, de caráter administrativo e
técnico-científico, a justificar seja o ato normativo suplementador editado
por ente federado que possua competência administrativa para tanto.
Ademais, a prevalecer a tese adotada pela Turma Recursal
Criminal/RS restringir-se-ia a competência concorrente e outorgar-se-ia,
ao Poder Executivo federal, competência exclusiva na matéria,
legitimando o afastamento das deliberações levadas a efeito pelos entes
estaduais, municipais ou distrital, em absoluta contrariedade à
jurisprudência desta Casa (ADI 6.343-MC-Ref/DF, Red. p/ acórdão Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. 06.5.2020, DJe 17.11.2020).
Portanto, a infração a determinações sanitárias do Estado, ainda que
emanada de atos normativos estaduais, distrital ou municipais, permite
seja realizada a subsunção do fato ao crime tipificado no artigo 268 do
Código Penal, afastadas as alegações genéricas de inconstitucionalidade
de referidas normas por violação da competência privativa da União.
Acentuo que o Superior Tribunal de Justiça, aplicando o
entendimento firmado por esta Suprema Corte, se pronunciou na mesma
linha em caso similar:

“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


HABEAS CORPUS. GOVERNADOR DE ESTADO APONTADO
COMO AUTORIDADE COATORA. ATO NORMATIVO
ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE AMEAÇAS À LIBERDADE DE
LOCOMOÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ATO CONCRETO.
INADMISSIBILIDADE DO WRIT, NA ESPÉCIE. AGRAVO
DESPROVIDO.
1. Conforme já decidido no âmbito desta Corte, ‘serve o
habeas corpus à proteção do direito de locomoção: permite a
liberação de quem retido se encontra. Inadmissível o habeas
corpus para discutir direito de acesso (ir por local ou a local

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específico), de propriedade (permanecer em local) ou, como na


espécie, de atividade a desempenhar em local específico. A
proteção constitucional é forte, célere, mas para afastar apenas a
restrição ao direito de sair de onde se encontra – liberdade’
(AgRg no RHC n. 104.926/SP, relator Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/4/2019, DJe
25/4/2019).
2. No caso dos autos, a impetração voltou-se contra ato
normativo expedido pelo Governador, que teria se valido da
referida norma para justificar as ameaças à população
fluminense caso ela viesse a sair de casa em tempos de
pandemia.
3. A irresignação - de jaez preventiva - não encontrou,
contudo, eco na jurisprudência desta Corte, que não raras vezes
já consignou que ‘o remédio constitucional, em sua feição
preventiva, não tem cabimento contra o chamado ato de
hipótese, futuro e incerto’ (STJ, AgRg no HC n. 520.143/RJ,
relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
DJe de 15/10/2019), máxime em situações como a presente pois,
para legitimar o manejo do writ, in casu, ‘exige-se uma real
ameaça ao direito de locomoção, não bastando uma suposição
infundada de que venha a ocorrer algum constrangimento
ilegal’ (STJ, AgRg no RHC n. 83.730/SP, relatora Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de
25/5/2017).
4. Quanto à alegação de bravatas por parte do Governador
e da Autoridade Policial, não se pode ignorar que a situação
delicada que acomete não só o Estado do Rio de Janeiro, mas
também todo o País pode exigir, por vezes, que as autoridades
estatais atuem de forma mais enérgica, com expressões que,
ictu oculi, possam exceder o hodierno, mas que não
necessariamente isso implique em obstáculo ante tempus à
liberdade de locomoção.
5. Ademais, o art. 268 do Código Penal é norma penal em
branco heterogênea e, como tal, depende de complementação
por ato normativo diverso da fonte legislativa que editou o

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precitado tipo penal. Na hipótese dos autos, o decreto exarado


pelo Poder Executivo estadual foi editado para o fim de
complementar a norma extraída do referido dispositivo.
Portanto, não há que se falar em ilegalidade no que tange à
liberdade de locomoção por ser o Estado do Rio de Janeiro
legitimado para tal mister, como recentemente decidido pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento da ratificação da
liminar deferida nos autos da ADI n. 6.341/DF.
6. Agravo regimental desprovido.”
(HC 573.739-AgRg/DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, j. 02.6.2020, DJe
09.6.2020)

De mais a mais, consoante destacado em precedente da Primeira


Turma desta Casa, o trancamento de ação penal só é possível quando estiverem
comprovadas, de logo, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a
evidente ausência de justa causa (RHC 120.980-AgR/PA, Rel. Min. Roberto
Barroso, j. 25.3.2014, DJe 10.4.2014). Nesse sentido, transcrevo trecho do
voto do Relator:

“2. Além disso, o trancamento de ação penal só é possível


quando estiverem comprovadas, de logo, a atipicidade da
conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de
justa causa (v.g HC 103.891, Redator para o acórdão o Min.
Ricardo Lewandowski; HC 86.656, Rel. Min. Ayres Britto; HC
81.648, Rel. Min. Ilmar Galvão; HC 118.066-AgR, Rel.ª Min.ª
Rosa Weber, e HC 104.267, Rel. Min. Luiz Fux).
3. No caso, da leitura denúncia e demais peças de
informação que instruem o recurso não se visualiza a alega
inépcia da acusação. Da mesma forma, em linha de princípio, a
imputação da prática do crime do art. 268 do Código Penal está
baseada em dados objetivos, que indicariam o descumprimento,
pelo Secretário de Saúde Municipal de Saúde, de determinação
destinada a impedir a introdução ou propagação de doença
contagiosa.”

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Ressalte-se que, no presente recurso extraordinário, não está em


análise o conteúdo de cada uma das medidas sanitárias adotadas ou o
teor da transação penal ofertada nos autos, mas tão somente a
possibilidade do prosseguimento da ação penal obstada ab initio, sem que
isso implique qualquer antecipação da análise de mérito da imputação.
Impõe-se, no entanto, destacar que a determinação do poder público,
editada com a finalidade de impedir introdução ou propagação de doença
contagiosa, precisa ser clara, baseada em evidências científicas, cogente –
não bastando a mera recomendação ou protocolos de conduta – e em
conformidade com o princípio da proporcionalidade. Mostra-se possível,
desse modo, o exame de constitucionalidade e de legalidade das normas
complementadoras a ser realizado a cada ato normativo e a cada fato
imputado.
A racionalização da prestação jurisdicional por meio do instituto da
repercussão geral provou-se hábil meio de realização do direito
fundamental do cidadão a uma tutela jurisdicional mais célere e mais
eficiente. O sistema de gestão qualificada de precedentes garante, ainda,
maior segurança jurídica ao jurisdicionado, ao permitir que o
entendimento desta Suprema Corte, nos temas de sua competência, seja
uniformemente aplicado por todas as instâncias judiciais e em todas as
unidades da federação.
Cumpre ressaltar que a Secretaria de Gestão de Precedentes do
Supremo Tribunal Federal identificou mais de 600 recursos semelhantes
em trâmite apenas no âmbito desta Presidência, desde que se iniciou o
monitoramento de sua repetitividade, em janeiro de 2023.
Desse modo, com o fito de evitar um desnecessário empenho da
máquina judiciária na prolação de inúmeras decisões idênticas sobre o
mesmo tema, além de salvaguardar os já referidos princípios
constitucionais informadores da atividade jurisdicional, submeto a
questão em análise à sistemática da repercussão geral, para que se lhe
imprimam os efeitos próprios do instituto.
Diante da uníssona jurisprudência deste Supremo Tribunal a
respeito, proponho, ainda, sua reafirmação, mediante o enunciado da

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seguinte tese:

“O art. 268 do Código Penal veicula norma penal em


branco que pode ser complementada por atos normativos
infralegais editados pelos entes federados (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios), respeitadas as respectivas
esferas de atuação, sem que isso implique ofensa à competência
privativa da União para legislar sobre direito penal (CF, art. 22,
I).”

Ante o exposto, reconheço o caráter constitucional e a repercussão


geral da controvérsia trazida neste recurso extraordinário e proponho a
reafirmação da jurisprudência, mediante fixação da tese acima
enunciada, submetendo o tema aos eminentes pares.
Com base na fundamentação acima, dou, ainda, provimento ao
recurso extraordinário, para, afastada a alegação de atipicidade da
conduta por ausência de norma complementadora do art. 268 do Código
Penal, determinar o prosseguimento da ação penal.
Brasília, 16 de março de 2023.

Ministra Rosa Weber


Presidente

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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO


1.418.846 R IO GRANDE DO SUL

VOTO VOGAL

O SENHOR MINISTRO NUNES MARQUES: Acompanho o voto


da eminente Relatora, rogando as mais respeitosas vênias para trazer
pequena ressalva quanto ao capítulo da reafirmação de jurisprudência.

Farei breve relatório a título de identificação dos aspectos de direito


pertinentes à espécie dos autos.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul apresentou


denúncia em desfavor de Noeli Dacás Braun na qual lhe imputou a
prática delitiva prevista no art. 268 do Código Penal, por haver mantido
em funcionamento o seu estabelecimento comercial, na data de 3.3.2021,
contrariando normas locais advindas em contexto pandêmico, mais
especificamente, o Decreto 55.764/2021 do Estado do Rio Grande do Sul e
as leis 21 e 27/2021 do Município de Viamão/RS.

O Juízo da 3ª. Vara Criminal de Viamão/RS determinou o


arquivamento do feito, tendo em vista a atipicidade da conduta.

A Turma Recursal manteve a sentença, ao fundamento central de


que somente por meio de outra norma federal é que o art. 268 do Código
Penal poderia ser complementado, daí não sendo pertinente conferir tal
prerrogativa aos entes subnacionais.

Interposto o recurso extraordinário, não foi ele admitido, sob a


anotação de que suas razões não haveriam infirmado todos os
fundamentos do acórdão recorrido (Súmula 283/STF).

Esse o breve relatório.

Preliminarmente, entendo possível prover o agravo interposto (art.

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1.042/CPC), porquanto as razões do recurso extraordinário articularam


argumentos para infirmar os fundamentos centrais do acórdão recorrido.

Também reputo apresentar natureza constitucional a questão


trazida a conhecimento do Plenário, tendo em vista que o seu deslinde
perpassa, a um só tempo, pelo princípio da segurança jurídica, bem como
pela competência privativa da União para legislar sobre direito penal
(respectivamente, inciso XXXVI do art. 5º e inciso I do art. 22, ambos da
Constituição Federal).

De outra parte, converjo quanto à existência de repercussão geral,


nos termos exigidos no § 1º do art. 1.035 do Código de Processo Civil.

Isso porque a controvérsia em debate apresenta relevante interesse


jurídico e, ao mesmo tempo, há potencial de reprodução de demandas
dessa natureza no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dada a edição de
substancial quantidade de leis municipais e estaduais dispondo sobre a
questão de segurança sanitária durante o período pandêmico. Tanto
assim que a Presidência identificou algumas centenas de recursos
versando matéria análoga.

Todavia, a mim não me parece cabível a proposta de reafirmação de


jurisprudência.

Os precedentes indicados pela Ministra Presidente, com as mais


respeitosas vênias, não alcançam aspectos penais das normas editadas
pelos entes subnacionais quanto ao combate à pandemia.

Bem assim, embora o Supremo, na Medida Cautelar na ADPF


672/DF, tenha autorizado os Estados e Municípios, no âmbito da
competência concorrente, a adotarem medidas restritivas durante a
pandemia, tal prerrogativa não alcança a esfera criminal.

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Além disso, se já há sanções administrativas, tenho que não caberia,


em regra, também sanção penal pelo descumprimento de uma mesma
norma municipal ou estadual, cujo conhecimento, em regra, nem é
obrigatório. Ainda, muitas dessas normas municipais e estaduais foram
revogadas e reeditadas por diversas vezes, havendo, em algumas
situações, até mesmo conflito normativo entre elas, o que impediu, por
certo, o pleno e adequado conhecimento e cumprimento de todas as
normativas pelos cidadãos à época.

Ademais, caso tais normas subnacionais sejam consideradas válidas


também para fins penais, na prática, poderá ser delegada aos Municípios
e Estados competência legislativa criminal, cuja competência é exclusiva
da União; o que não pode ser admitido.

Com efeito, a sanção penal é muito mais grave do que a


administrativa e exige, portanto, uma ciência inequívoca daquele que a
descumpre. O infrator deve, assim, estar plenamente ciente que está
descumprindo uma ordem direta e clara e, assim, praticando um crime.
Por isso essa ordem precisava ser prévia e clara.

Ou seja, ressalto, há grande diferença entre descumprir normas


administrativas e descumprir normas penais. As consequências são muito
mais graves na segunda hipótese. O Supremo, aliás, possui entendimento
firme sobre a diferença entre essas duas esferas. Nesse contexto, nenhum
dos demais julgamentos referidos na judiciosa manifestação da relatora
autorizou qualquer ente federado, que não a própria União, a legislar
sobre direito penal. E nem poderia mesmo fazê-lo, porquanto, como
mencionei acima, trata-se de matéria expressamente inserida no rol de
competência legislativa privativa da União (inciso I do art. 22 da
Constituição Federal).

Por essa razão, com as renovadas vênias da relatora, manifesto a


minha divergência parcial, pois reputo descabida a pretendida

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reafirmação de jurisprudência para autorizar a complementação, por


Estados e Municípios, da norma penal em branco em análise.

É o voto.

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