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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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01/03/2023 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.116.485 R IO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : LUIS HENRIQUE DE OLIVEIRA
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO


GERAL RECONHECIDA. TEMA 477. CONSTITUCIONAL E PENAL.
LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEI Nº 7.210/84). ARTIGO 127.
ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI Nº 12.433/11. PERDA DE DIAS
REMIDOS. LIMITAÇÃO DE 1/3. DISCUSSÃO QUANTO À
NECESSIDADE DE REVISÃO OU CANCELAMENTO DA SÚMULA
VINCULANTE Nº 9. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 5º,
XLVI, E 93, IX, DA CF/88. NÃO OCORRÊNCIA. PERSPECTIVA
INTERINSTITUCIONAL NA ANÁLISE DAS ATRIBUIÇÕES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DE EDIÇÃO DE SÚMULAS
VINCULANTES E DO CONGRESSO NACIONAL DE EDIÇÃO DE
ATOS NORMATIVOS QUE POSSAM, EVENTUALMENTE,
CONTRAPOR AO QUE ANTERIORMENTE AFIRMADO EM
ENUNCIADO DE SÚMULA VINCULANTE. PLURALISMO DOS
INTÉRPRETES DA LEI FUNDAMENTAL. AUSÊNCIA DE
SUPREMACIA JUDICIAL. TEORIA DOS DIÁLOGOS
CONSTITUCIONAIS. POSTURA DEFERENTE, EM REGRA, DO
JUDICIÁRIO EM FACE DA PROMULGAÇÃO DE LEI
SUPERVENIENTE DE CONTEÚDO DIVERGENTE. CASO
CONCRETO. REAFIRMAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA
PERDA DOS DIAS REMIDOS DECORRENTE DA PRÁTICA DE

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RE 1116485 / RS

FALTA GRAVE. REVISÃO OU CANCELAMENTO DA SÚMULA


VINCULANTE Nº 9. VIA ADEQUADA. LEI Nº 11.417/06, ART. 5º.
PROPOSTAS DE SÚMULA VINCULANTES NºS 60 E 64. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO, COM FIXAÇÃO DE TESE.
1. Ancorado no princípio da separação dos Poderes, o exercício da
jurisdição constitucional deve pressupor seu papel dentro do arranjo
institucional democrático erigido pela Constituição que interpreta, sob
pena de solapar as contribuições igualmente relevantes das instituições
político-representativas, que assumem um papel igualmente legítimo e
relevante na construção dos significados constitucionais.
2. À luz do marco teórico dos diálogos institucionais, revela-se
necessário o compartilhamento da tarefar de interpretar o sentido da
Constituição, sem que se afirme a qualquer órgão a prevalência abstrata
de assumir sempre a última palavra.
3. A interpretação constitucional deve perpassar por um processo de
construção plural entre os Poderes estatais e os diversos segmentos da
sociedade civil organizada, como um mecanismo contínuo, ininterrupto e
republicano de construção de significados no qual cada um dos players
envolvidos contribui ao embate dialógico, com suas capacidades
específicas, sem se arvorar como intérprete único e exclusivo da
Constituição, em busca do aperfeiçoamento de soluções democráticas às
questões de interesse público.
4. In casu, revela-se constitucional o art. 127 da Lei de Execuções
penais (Lei nº 7.210/1984), conforme a redação atribuída pela Lei nº
12.433/2011, ao fixar limite temporal à perda de dias remidos, em
consequência da prática de falta grave.
5. Recurso extraordinário a que se NEGA PROVIMENTO.
6. Proposta de Tese de Repercussão Geral:
1. A revogação ou modificação do ato normativo em que se fundou a edição
de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua
revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.
2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos pelo
condenado que comete falta grave no curso da execução penal.

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RE 1116485 / RS

ACÓRDÃO

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de


julgamento virtual de 17/2 a 28/2/2023, por maioria, apreciando o tema
477 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e
fixou a seguinte tese: "1. A revogação ou modificação do ato normativo em que
se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante acarreta, em regra, a
necessidade de sua revisão ou cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal,
conforme o caso. 2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias
remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal". Por
fim, nos termos do artigo 5º da Lei nº 11.417/2006, segundo o qual
revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de
súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por
provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso,
entendeu-se no sentido de se aguardar o julgamento das Propostas de
Súmula Vinculante nºs 60 e 64 para que se delibere quanto à
oportunidade da revisão ou cancelamento da Súmula Vinculante nº 9, via
adequada para apreciação da questão. Tudo nos termos do voto do
Relator, vencido o Ministro Gilmar Mendes. Falou, pelo amicus curiae, o
Dr. Gustavo Zortéa da Silva, Defensor Público Federal.
Brasília, 1º de março de 2023.
Ministro LUIZ FUX - RELATOR
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RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : LUIS HENRIQUE DE OLIVEIRA
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

RE LAT Ó RI O

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de recurso


extraordinário interposto por LUIS HENRIQUE DE OLIVEIRA, com
fulcro no art. 102, III, “a”, da Constituição da República, contra acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que,
no âmbito de execução penal, deu parcial provimento a agravo em
execução penal interposto pelo ora recorrente para limitar a perda dos
dias remidos à fração de 1/3, conforme redação atual do art. 127 da Lei de
Execução Penal (LEP). O acórdão recorrido foi assim ementado (doc. 01,
p. 145), verbis:

“AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FATO


DEFINIDO COMO CRIME DOLOSO NO CURSO DO
LIVRAMENTO CONDICIONAL.
A prática de fato definido como crime doloso no curso do
livramento condicional traz como consequências legais, a serem
analisadas pelo juízo da execução, a suspensão da benesse até o
julgamento pelo novo delito e o eventual reconhecimento de falta
grave. Tais consequências independem do trânsito em julgado de
eventual condenação pelo novo delito, pois não se confunde a
presunção de inocência penal com eventuais sanções disciplinares por

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faltas cometidas no curso da execução penal. Precedentes.


REGRESSÃO DE REGIME. Cabível a regressão de regime com
o reconhecimento da falta grave, por expressa previsão legal.
ALTERAÇÃO DA DATA-BASE. POSSIBILIDADE.
Segundo a jurisprudência sedimentada nesta Câmara e no Superior
Tribunal de Justiça, a prática de falta grave acarreta a alteração da
data-base para futuros benefícios, exceto no tocante ao livramento
condicional.
PERDA DOS DIAS REMIDOS.
A prática de falta grave acarreta a perda de até 1/3 dos dias
remidos, fração que corresponde, no caso, à gravidade da conduta e
não viola qualquer direito adquirido do apenado, nos termos da
Súmula Vinculante nº 09 do STF. No caso, vai limitada a perda ao
limite máximo, diante da gravidade do novo fato em que se envolveu o
agravante durante o livramento.
AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.”

A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul,


representando o recorrente, interpôs o recurso extraordinário, alegando
que a decretação da perda dos dias remidos pelo acórdão recorrido
implica violação aos arts. 5º, XLVI, e 93, IX, da CRFB/88. Aduz, ainda, que
a alteração da data-base no âmbito da execução penal pela prática de falta
grave correspondente a crime doloso apenas poderia ocorrer nas
hipóteses de nova condenação judicial transitada em julgado, pelo que
sustenta afronta ao art. 5º, XXXIX, da CRFB/88 (doc. 01, p. 163-169).

Em contrarrazões, o Ministério Público do Rio Grande do Sul


sustenta, preliminarmente, que (i) os dispositivos constitucionais
alegadamente malferidos não foram objeto de debate pelo colegiado, a
incidir o óbice das Súmulas nºs 282 e 356 do STF; (ii) a ofensa à
Constituição Federal, caso existente, seria indireta; e (iii) o decisum
encontra-se em consonância com orientação jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal, assinalando a existência de fundamento não
impugnado suficiente à manutenção do acórdão, a atrair o óbice da
Súmula nº 283 do STF. No mérito, ratifica integralmente os argumentos

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despendidos pelo acórdão recorrido (doc. 01, p. 186-193).

O recurso foi admitido na origem, em substituição ao RE 638.239/RS,


leading case inicial, tendo em vista que tal extraordinário foi julgado
prejudicado em face da extinção da pena do recorrido (doc. 01, p. 212).

No âmbito daqueles autos, porém, o Plenário desta Corte


reconheceu a existência de repercussão geral da matéria nos seguintes
termos:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXECUÇÃO PENAL.


PERDA DOS DIAS REMIDOS. ART. 127 DA LEI DE
EXECUÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N°
12.433/2011. NATUREZA PENAL EXECUTIVA.
RETROATIVIDADE DA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. ART. 5°,
XL, DA CONSTITUIÇÃO. APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO
FIXADA PELA CORTE AOS RECURSOS PENDENTES E
FUTUROS. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DA SÚMULA
VINCULANTE N° 9. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA.”

No paradigma anterior, o Ministério Público do Estado do Rio


Grande do Sul insurgia-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do
mesmo Estado que manteve decisão do juízo de execução que deixou de
aplicar a perda dos dias remidos, embora tenha reconhecido a prática de
falta grave.

A controvérsia foi enquadrada no tema de repercussão geral de nº


477, abarcando tema de índole constitucional de maior amplitude:
possibilidade de revisão ou de cancelamento de Súmula Vinculante em
virtude da superveniência de lei de conteúdo divergente.

No presente caso (RE 1.116.485), o acórdão recorrido aplicou a nova


redação conferida ao art. 127 da LEP, nos seguintes termos:

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“Por fim, entendo que não assiste razão à defesa quanto ao outro
pleito, pois a perda dos dias remidos é uma consequência legal prevista
no art. 127 da LEP e que, segundo o entendimento do STF, não afeta
qualquer direito constitucional do apenado.
Veja-se o disposto na Súmula Vinculante nº 09:
O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução
Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe
aplica o limite temporal previsto no caput do art. 58’.
No entanto, a perda deve ser limitada, na espécie, a 1/3 do total
de dias do apenado, conforme a limitação do art. 127 da LEP, com sua
atual redação, bem como à luz da gravidade do novo fato em que se
envolveu.”

Após a referida substituição do recurso paradigma, a Procuradoria-


Geral da República opinou pelo não provimento do presente recurso
propondo, ainda, a fixação da subsequente tese: “É constitucional a perda
dos dias remidos, prevista em lei, pelo condenado que comete falta grave”. O
parecer foi assim ementado (doc. 17):

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO


GERAL RECONHECIDA. TEMA 477. SUBSTITUIÇÃO DE
PARADIGMA. EXECUÇÃO PENAL. PERDA DOS DIAS
REMIDOS. ART. 127 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.
SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.433/2011. REVISÃO DA
SÚMULA VINCULANTE 9.
I - Recurso Extraordinário leading case do Tema 477 da
sistemática da repercussão geral: Revisão de Súmula Vinculante em
virtude da superveniência de lei de conteúdo divergente.
II – Substituição de paradigma. O recurso em epígrafe
substituiu o RE 638.239/RS, leading case da repercussão geral, que foi
julgado prejudicado ante a extinção da pena do recorrido.
III – A Súmula Vinculante 9 enuncia: O disposto no artigo 127
da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem
constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto
no caput do artigo 58. Assentada a constitucionalidade de dispositivo

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legal que estabelece a perda dos dias remidos, em caso de falta grave.
IV – Não se verifica que a superveniente redação do art. 127 da
LEP, dada pela Lei 12.433/2011, conflite com o entendimento firmado
pela Súmula Vinculante 9, nem tampouco confira suporte à eventual
alegação de afronta aos direitos do condenado.
V - Novatio legis in mellius. Retroatividade para beneficiar o
condenado. Perda dos dias remidos limitada ao patamar máximo de
1/3, observado disposto no art. 57 da LEP.
VI – Revisão do teor da Súmula Vinculante 9, nos termos da Lei
11.417/2006 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Proposta de Súmula Vinculante 64.
VII - Proposta de tese de repercussão geral: É constitucional a
perda dos dias remidos, prevista em lei, pelo condenado que comete
falta grave.
‒ Parecer pelo desprovimento recurso e fixação da tese
sugerida.”

Em 15/3/2022, a Defensoria Pública da União requereu o ingresso no


feito na qualidade de amicus curiae (doc. 18). O pedido foi indeferido, haja
vista sua extemporaneidade, uma vez que o recurso extraordinário havia
sido incluído em pauta dia 17/12/2021, com previsão de julgamento para
17/3/2022 (doc. 20).

Reiterado o pedido de ingresso no feito em 18/3/2022, diante da


exclusão do feito da pauta de julgamento agendada para 17/3/2022,
admiti o ingresso da Defensoria Pública-Geral da União na qualidade de
amicus curiae (doc. 28).

É o relatório.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Cuida-se de recurso


extraordinário que veicula o tema nº 477 da repercussão geral (“Revisão de
Súmula Vinculante em virtude da superveniência de lei de conteúdo
divergente”), a partir de acórdão que, no âmbito de execução penal,
decretou a perda de um terço dos dias remidos, em virtude da prática de
falta grave consubstanciada na imputação da prática de crime de roubo
com emprego de arma (art. 157, § 2º, do CP) e de resistência (art. 329, § 1º,
do CP).

Presentes os requisitos de admissibilidade do presente recurso,


notadamente o da tempestividade, prequestionamento, legitimidade e o
do interesse recursal, além do indispensável reconhecimento da
repercussão geral da matéria pelo Plenário desta Corte (Tema 477),
impõe-se o seu conhecimento.

Nas razões de seu recurso, o recorrente sustenta que (i) a alteração


da data-base somente poderia ocorrer na hipótese de nova condenação,
tendo assim a decisão violado o art. 5º, XXXIX, da Constituição da
República; e (ii) a decretação da perda dos dias remidos imposta pela
decisão teria igualmente afrontado os arts. 5º, XLVI, e 93, IX, da CF/88.

Nada obstante a demanda concreta, ao reconhecer a repercussão


geral do presente tema, em 22/9/2011, este Supremo Tribunal Federal se
propôs a discutir tema de índole constitucional maior: a necessidade, ou
não, de revisão ou de cancelamento de Súmula Vinculante em virtude
de superveniência de lei de conteúdo divergente.

De modo mais específico, o caso envolve diretamente a Súmula


Vinculante nº 9, aprovada na sessão plenária de 12/6/2008, originária de

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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relevante proposta realizada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, sob a


Presidência, à época, do Ministro Gilmar Mendes. No contexto de uma
reduzida densidade normativa sobre o tema, o enunciado sumular foi
editado em razão do acúmulo de casos e de precedentes no Tribunal a
respeito da possibilidade, ou não, da perda dos dias remidos em razão da
prática de falta grave no curso da execução penal.

Na ocasião, assentou-se a recepção, pela ordem constitucional, da


redação então vigente do art. 127 da Lei de Execuções Penal – LEP (Lei nº
7.210/1984), que dispunha:

Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o
direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da
infração disciplinar. (redação anterior à Lei nº 12.433/2011)

À época, afastou-se a aplicação à hipótese do limite temporal de 30


(trinta) dias, estabelecido pelo art. 58 da mesma lei para situação diversa,
vez que esse dispositivo cuidava do tempo máximo de aplicação de
sanções de isolamento, suspensão e restrição de direitos, in verbis:

Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não


poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime
disciplinar diferenciado. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 2003)

Como resultado, fixou-se o seguinte enunciado: “O disposto no artigo


127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem
constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do
artigo 58”.

Supervenientemente, o Congresso Nacional editou a Lei nº 12.433,


de 29 de junho de 2011, que alterou a Lei de Execução Penal para dispor a
respeito da remição de parte do tempo de execução da pena por estudo
ou por trabalho. No teor de suas alterações, a referida lei alterou a
redação do art. 127 dessa Lei– ao qual a Súmula Vinculante nº 9 já fazia

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menção –, passando a estabelecer o limite objetivo de 1/3 (um terço) para


a perda dos dias remidos, em caso de falta grave. A propósito, veja-se a
diferença entre a redação anterior e atual do indicado dispositivo legal,
verbis:

Redação da LEP anterior à Lei nº 12.433/2011: “Art. 127. O


condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo
remido, começando o novo período a partir da data da infração
disciplinar.”
Redação atual: “Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz
poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o
disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da
infração disciplinar.”

Daí surgir a controvérsia expressa no presente tema de repercussão


geral reconhecida, relativamente aos limites e possibilidades da aplicação
de Súmula Vinculante, quando há superveniente norma legal que
modifique, complemente ou mesmo contrarie seu enunciado. Sobre o
tema, rememora-se que a Lei nº 11.417/2006, ao disciplinar o processo de
edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo
Supremo Tribunal Federal já trata da questão. Com efeito, seu art. 5º
estabelece que “Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição
de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de
ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento,
conforme o caso”.

Deveras, à luz desse dispositivo legal, cumpre ressaltar que há duas


Propostas de Súmula Vinculante (PSV’s) apresentadas para equacionar o
tema sob questão: PSV 60 e PSV 64. A primeira, proposta pelo Defensor
Público-Geral Federal, propõe o cancelamento da Súmula Vinculante nº
9. A segunda, proposta pelo Ministro Cezar Peluso, propõe a revisão da
referida SV sugerindo as seguintes redações: (a)“a previsão legal da perda
dos dias remidos pelo condenado que cometa falta grave não ofende a garantia
constitucional do direito adquirido” ou (b)“é constitucional a perda dos dias

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remidos, prevista em lei, pelo condenado que cometa falta grave, por não ofender
a garantia constitucional do direito adquirido”. Ambas as Propostas, no
entanto, foram sobrestadas até o trânsito em julgado deste Recurso
Extraordinário, por decisão do então Presidente desta Corte, Ministro
Dias Toffoli.

Destarte, nessa perspectiva interinstitucional e a partir da


controvérsia travada nestes autos, exsurgem relevantes questionamentos
a respeito das relações entre o Poder Judiciário– e mais especificamente o
Supremo Tribunal Federal, no que diz respeito à sua atribuição
constitucional de edição de Súmulas Vinculantes (art. 103-A da CRFB/88)
– e o Poder Legislativo, em específico, o Congresso Nacional, na edição de
atos normativos genéricos e abstratos que possam, eventualmente,
contrapor ao que anteriormente afirmado em enunciado de Súmula
Vinculante. Por um lado, sob uma perspectiva democrática, esta Suprema
Corte não pode ser considerada como o único ator responsável pelo
estabelecimento da interpretação constitucional, consequentemente,
fixando, de forma definitiva, os significados dos preceitos da
Constituição. Por outro lado, sob a ótica da rule of law, este Tribunal
possui a incumbência de guardar o conteúdo da Constituição, reprimindo
eventuais violações estruturais, mesmo quando resultem do processo
deliberativo e legislativo travado em instituições democraticamente
constituídas.

Tratando-se, assim, de caso com repercussão geral reconhecida e, por


conseguinte, versando sobre relevante questão de índole político-jurídica
para além dos interesses subjetivos do processo, impõe-se a discussão da
tese de maneira abrangente a fim de fixar standard decisório para futuras
questões similares. Nesse diapasão, sob a égide da complexa estrutura de
checks and balances firmada pela Constituição de 1988, o ponto central da
questão que se está a discutir é o seguinte: em que medida é legítima a
superação legislativa de entendimento firmado em Súmula Vinculante?

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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Para desenvolver tal reflexão, o presente voto se divide em 3 (três)


partes. Na primeira, estabelecem-se as premissas teóricas fundamentais a
respeito da interação institucional entre Judiciário e Legislativo, no afã de
que seja possível a fixação de tese conclusiva quanto ao tema de
repercussão geral formulado. Na segunda, dá-se solução ao caso concreto
no tocante à compatibilidade da Súmula Vinculante nº 9 em relação à
nova redação do art. 127 da Lei de Execução Penal (LEP) dada pela Lei de
nº 12.433/2011. Por fim, na terceira parte, apresenta-se o conteúdo
dispositivo da presente decisão.

I. SEPARAÇÃO DE PODERES, DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS E


ESTRUTURA DE INCENTIVOS

1.1 Separação de Poderes e a Pluralização da Interpretação


Constitucional:

Ab initio, cumpre ressaltar que a questão atinente ao papel da


jurisdição constitucional em um ambiente democrático e de separação
dos poderes tem levantado virtuosos debates acadêmicos e
jurisprudenciais, dentro e fora do Brasil (BARROSO, Luís Roberto. A
Razão Sem Voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da
maioria.In: Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 5, número
Especial, 2015). Nesse contexto, dois vetores principais parecem pautar
esse debate de forma mais contundente: (i) a compreensão
contemporânea do princípio da separação de Poderes; e (ii) a relevância
da participação popular na construção dos significados constitucionais. A
despeito dos distintos adensamentos conceituais e de suas diferentes
perspectivas, para os fins do presente caso, ambos os vetores exprimem
uma premissa comum relevante: em um ambiente democrático, o
exercício de interpretação constitucional não deve residir exclusivamente
nas Cortes, sob pena de se recair em sufocante paradigma de Supremacia
Judicial.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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Com efeito, na linha do que afirma Larry Kramer, professor da


Universidade de Harvard, a supremacia judicial representa “a noção de
que juízes possuem a última palavra no que diz respeito à interpretação
constitucional e que, consequentemente, suas decisões definiriam o significado da
Constituição para todos” (KRAMER, Larry D. The People Themselves:
popular constitutionalism and judicial review. Cambridge: Oxford
University Press, 2005, p. 125). Em contraste a tal paradigma, acredito
que, em um ambiente de Supremacia Constitucional, deve-se reconhecer
como igualmente legítimas (i) as contribuições dos outros atores político-
institucionais no processo de interpretação constitucional; e (ii) a
participação dos diversos atores sociais, por meio de complexas
interações e diálogos, na construção dos significados da Constituição.

Quanto ao primeiro ponto, em consagrado trabalho sobre o tema,


Bruce Ackerman, professor da Yale Law School, aponta 3 (três) ideais
justificadores para a separação dos Poderes (destaquei):

“O primeiro ideal é a democracia. De um modo ou outro, a


separação pode servir (ou dificultar) ao projeto popular de
autogoverno. O segundo ideal é a competência profissional. As
leis democráticas permanecem no plano puramente simbólico, a menos
que os tribunais e as burocracias possam implementá-las de um modo
relativamente imparcial. O terceiro idealconstitui-se
pelaproteção e ampliação dos direitos fundamentais. Sem estes,
o regramento democrático e a administração técnica podem facilmente
tornar-se instrumentos de tirania” (ACKERMAN, Bruce. The new
separation of powers. Harvard Law Review, v. 113, n. 3, Janeiro
2000, p. 639-640).

Nessa linha, ao longo dos anos, modelos mais complexos e


concepções menos estanques foram moldando de forma mais realística
essa estrutura de separação almejando, por meio de uma dinâmica
interinstitucional com interferências recíprocas entre os Poderes, alcançar
um ponto ótimo de conflito de maneira que nenhum Poder se

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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sobrepusesse em relação ao outro, tampouco cometesse abusos aos


governados (MIRANDA, Jorge. Funções do Estado. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 189, p. 85-99, jul./set. 1992).

Dentro dessa estrutura, especialmente após a ascensão das Cortes


Constitucionais como importantes atores decisórios na vida política,
social e econômica das mais variadas nações por meio do exercício da
judicial review (ACKERMAN, Bruce.The Rise of World Constitutionalism.
Virginia Law Review, v. 83, n. 4, p. 771-797, 1997),não é novidade que o
exercício da jurisdição constitucional sofreu e sofre relevantes reflexões
críticas, principalmente, acerca de sua legitimidade democrática para
ocupar tal posição (WALDRON, Jeremy. The Core of the Case Against
Judicial Review. The Yale Law Journal, v. 115, n.6, p.1346-1406, 2006).

Essas críticas decorrem, essencialmente, da situação complexa de


que juízes, não submetidos ao escrutínio do processo eleitoral, detém a
prerrogativa de infirmar leis aprovadas, após amplo processo
deliberativo, por instituições representativas, baseando-se, para tanto, não
raras vezes, em mandamentos e em princípios constitucionais abertos e
vagos – situação delicada essa que, classicamente, foi denominada como
“dificuldade contramajoritária” (BICKEL, Alexander M. The Least
Dangerous Branch: the Supreme Court at the Bar of Politics. New Haven:
Yale University Press, 2ª Ed, 1986).

A despeito da profundidade do referido debate, a partir de uma


perspectiva crítica, 2 (dois) conceitos correlatos se apresentam como
prescrições comportamentais relevantes para o Judiciário e,
consequentemente, para o presente debate à luz da própria divisão de
Poderes.

O primeiro é a autocontenção judicial (judicial self-restraint), termo


que pode ser, resumidamente, exposto como a ideia de que os tribunais
devem adotar uma abordagem cautelosa e contida em relação às escolhas

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que lhes são apresentadas em sede de sua função adjudicativa(DALEY,


John. Defining Judicial Restraint. In: CAMPBELL, Tom;
GOLDSWORTHY, Jeffrey. Judicial Power, Democracy and Legal
Positivism. Aldershot: Ashgate, 2000). O segundo, consequente lógico do
primeiro, diz respeito à postura de deferência judicial (judicial deference),
que impõe ao Judiciário o dever de respeitar o papel e as atribuições
conferidos a cada um dos Poderes pela Constituição Federal, acatando,
como regra, as decisões dos representantes majoritários, especialmente
quando tratarem de questões socialmente sensíveis.

Ancoradas no princípio da separação dos Poderes, essas duas


prescrições comportamentais demonstram que, ao exercer sua atividade
interpretativa de definição de mandamentos presentes na Constituição, o
Judiciário deve ter sempre em mente o seu papel dentro do arranjo
institucional democrático erigido pela mesma Carta que interpreta, sob
pena de solapar as contribuições igualmente relevantes das instituições
político-representativas. Nesse diapasão, tais prescrições retomam o que
bem aduz o Justice Stephen Breyer, da U. S. Supreme Court: “A
Constituição exibe uma preferência democrática por soluções elaboradas por
aqueles que o povo elegeu” (BREYER, Stephen. Making our Democracy
Work: a Judge’s view. New York: Vintage Books, 2010, p. 121).

Dessa maneira, torna-se imperioso ao Judiciário reconhecer que, em


meio ao corolário não-rígido da separação dos poderes e do democrático
mandamento dos checks and balances, os outros atores político-
institucionais possuem um papel igualmente legítimo e relevante na
construção dos significados constitucionais (FISCHER, Louis. Interpreting
the Constitution: More than What the Supreme Court Says. Extensions,
Journal of the Carl Albert Congressional Research and Studies Center,
Oklahoma, 2008).

Quanto ao segundo ponto, de igual modo, a própria concepção de


limitação do poder, ínsita aos sistemas de separação de poderes e de

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freios e contrapesos, milita em favor de uma pluralização dos intérpretes,


e não de um monopólio, do sentido da Constituição, concretizando a
ideia de “sociedade aberta aos intérpretes da constituição”. Segundo
Peter Häberle, artífice da tese, “no processo de interpretação constitucional
estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências
públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco
cerrado ou fixado numerus clausus de intérpretes da Constituição. (...) quem
vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por cointerpretá-la.”
(HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta aos
intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e
“procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1997, p. 13).

Em sentido convergente, a despeito de certas distinções


metodológicas, autores adeptos ao constitucionalismo popular e ao
constitucionalismo democrático também sustentam que a Corte não
deveria monopolizar a interpretação constitucional. Sob essas
perspectivas, no entanto, advoga-se que outros atores político-sociais são
igualmente legítimos para, por exemplo, promover mudanças informais
na forma como direitos fundamentais são lidos e aplicados. Em sede
doutrinária, já procurei esclarecer alguns desdobramentos dessas teorias,
verbis (destaquei):

“Autores norte-americanos como Larry Kramer e Mark Tushnet


encabeçaram tal teoria no âmbito da Universidade de Harvard. A
despeito das particularidades de cada adensamento teórico, o
constitucionalismo popular rejeita modelos de intenso
protagonismo judicial e suscita um papel mais proeminente
por parte da sociedade na construção do direito constitucional.
Para Kramer, por exemplo, em um sistema de constitucionalismo
popular, o papel do povo não se limita a atos ocasionais de decisão
constitucional. Em verdade, a população seria detentora de
grande poder por meio de um controle constante e ativo sobre a
interpretação constitucional e sobre o enforcementdo próprio

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direito constitucional (KRAMER, Larry D. Popular


Constitutionalism, circa 2004. California Law Review, Berkeley, v.
92, n. 4, 2004, p. 959).
[...]
Mark Tushnet, por sua vez, descortina um sentido amplo e
participativo de interpretação constitucional, colocando a
Constituição para fora das Cortes. Para o autor, o próprio Direito
Constitucional seria um tipo especial de direito, um direito de cunho
político (TUSHNET, Mark. Popular Constitutionalism as a Political
Law. Chicago-Kent Law Review, v.81, p. 991-1006, 2006, p. 991).
Tushnet, ainda, não rejeita a ideia de constitucionalismo, tampouco se
opõe ao dogma da supremacia constitucional. Em verdade, o professor
estadunidense se insurge contra a associação entre supremacia
constitucional e supremacia judicial, na qual há uma visão
demasiadamente centrada nas Cortes Constitucionais. Isso
traria o efeito nocivo pelo qual respostas aos problemas
constitucionais advindas de outros espaços sociais somente
ganhariam reconhecimento e validade, caso respaldas pela
interpretação da Corte (TUSHNET, Mark. Taking the
Constitution away from the Courts. Princeton: Princeton
University Press, 1999, p. 186).
Em sentindo convergente, a professora Reva Siegel e o
professor Robert Post, ambos da Yale Law School, observam as
Cortes como atores relevantes e especiais na construção do significado
da Constituição. No entanto, buscam expor, por meio de um
modelo teórico cunhado de “constitucionalismo democrático”,
que eventuais discordâncias interpretativas por parte da
população para com alguma decisão da Corte fazem parte do
processo democrático regular de desenvolvimento do direito
constitucional. Nesse sentido, reforçam os efeitos construtivos
que um backlash social às decisões judiciais pode trazer.
Assim, o que Constituição prevê e o que a Corte Constitucional
interpreta representariam circunstâncias distintas e associá-
las de forma simbiótica consistiria em erro. Dessa forma,
discordar de uma decisão judicial ou de uma interpretação
constitucional não significaria discordar da Constituição.” (POST,

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Robert C; SIEGEL, Reva B. Roe Rage: Democratic Constitutionalism


and Backlash. Harvard Civil Rights-Civil Liberties Law Review,
v. 42, 2007)”.
(FUX, Luiz. Cortes Constitucionais e Democracia: o
Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988.
TOFFOLI, José Antônio Dias (Org.). 30 anos da Constituição
Brasileira: Democracia, Direitos Fundamentais e Instituições.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018).

Desse modo, percebe-se que um paradigma de Supremacia Judicial


absoluta ressoaria incompatível com o corolário da Separação de Poderes
e sufocaria o processo deliberativo democrático.

1.2 Diálogos Institucionais e a Estrutura de Incentivos:

Se é bem verdade que um paradigma de Supremacia Judicial pode


sufocar o necessário embate democrático, o enfraquecimento do Poder
Judiciário, no processo de defesa da Constituição, pode ser igualmente
indesejado e temerário para uma nação. Isso, pois, especialmente nas
democracias de países em desenvolvimento, o Poder Judiciário pode
atuar como importante ator na concretização dos compromissos
constitucionais estabelecidos, bem como na fiscalização do cumprimento
desses por parte dos demais atores políticos (LANDAU, David A.
Political Institutions and Judicial Role in Comparative Constitutional
Law. Harvard International Law Journal, v. 51, n. 2, 2010). Como já
anotei doutrinariamente (destaquei):

“É preciso admitir que estruturas constitucionais, por si,


não necessariamente sustentam o processo político ou
conduzem à democracia. Não há democracia sustentável que esteja
amparada apenas em estruturas normativas que preveem direitos
fundamentais, eleições, separação de poderes e judicial review. Deve-se
analisar o constitucionalismo também sob o viés funcional, de modo a
se verificar se a rule of law [está] efetivamente regula[ndo] o
processo político, bem como se os poderes instituídos e os

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atores sociais mantêm firme compromisso com os valores do


constitucionalismo”.(FUX, Luiz. SANTOS, Pedro Felipe de
Oliveira. Constituições e Cultura Política: para além do
constitucionalismo contramajoritário. In: George Salomão
Leite; Marcelo Novelino; Lilian Rose Lemos Rocha. (Org.).
Liberdade e Fraternidade: A contribuição de Ayres Britto para
o Direito. 1ed.Salvador: Juspodivm, 2017, p. 47-62).

Tendo em vista tais preocupações, o Supremo Tribunal Federal deve


examinar a presente discussão sob as lentes do hodierno marco teórico
dos diálogos constitucionais/institucionais. Segundo Cristine Bateup, da
New York University Law School, a metáfora dos diálogos (destaquei):

“é comumente utilizada para descrever a natureza das


interações entre Cortes e as instituições políticas de Governo no
âmbito decisório constitucional, especialmente em relação à
interpretação de direitos fundamentais. As teorias dialógicas
enfatizam que o Judiciário não tem (sob um viés empírico),
tampouco deveria ter (sob um viés normativo) o monopólio da
atividade de interpretação constitucional. Em verdade, ao
exercer o poder da judicial review, juízes se engajam em uma
conversa interativa, interconectada e dialética a respeito dos
significados constitucionais. Assim, em resumo, decisões a respeito
desses significados são, ou ao menos idealmente deveriam ser,
produzidas a partir de um processo de elaboração compartilhada entre
o Judiciário e os outros atores constitucionais” (BATEUP, Cristina.
The Dialogic Promise: Assessing the Normative Potential of
Theories of Constitutional Dialogue. Brooklyn Law Review, v.
71, 2006).

No entanto, não se trata de concepção ingênua de diálogos. Como


bem suscita Louis Fischer, notório cientista político norte-americano, o
diálogo constitucional entre instituições do Executivo, Legislativo e
Judiciário se dá a partir de abrangentes interações e disputas de natureza
política entre esses (FISCHER, Louis. Constitutional Dialogues:

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interpretation as political process. Princeton: Princeton University, 1988).


Desse modo, a remarcação dos espaços de poder e das funções exercidas
pelos Poderes se dão a partir de uma dinâmica conflitiva e competitiva,
de forma constante e mutável ao longo do tempo.

Com base nessa teoria dialógica, o Poder Judiciário, ciente de suas


limitações técnico-institucionais, pode enfrentar a questão detendo a
prerrogativa de gerar incentivos para que os outros atores contribuam na
solução do caso. É dizer: ao revés do mero enfrentamento direto da
questão, muitas vezes inócuo, eventual interferência judicial pode se
utilizar de técnica decisória democrática: o diálogo com os demais
poderes por meio de uma “estrutura de incentivos” (MAGALHÃES,
Andréa. Jurisprudência da Crise: uma perspectiva pragmática. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2017).

Dessa maneira, a intervenção judicial cria incentivos para a ação ou a


reação dos atores envolvidos na lide e, por consequência, estimula ou
desestimula certos comportamentos por parte desses, o estabelecimento
de soluções negociais ou legislativas para a discussão ou até mesmo que
atores com maior expertise técnica possam colaborar na solução do
conflito (PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e
consequência no Brasil: em busca de um discurso sobre o método.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 262, jan/abr, 2013, p.
126).

De forma recíproca, outros atores envolvidos, em especial os outros


dois Poderes, podem também oferecer incentivos para nova atuação
jurisdicional sobre a questão. Cria-se, assim, um contínuo diálogo
republicano possibilitando a abertura constitucional da questão em razão
da existência de uma pluralidade de concretizações possíveis para o
impasse, especialmente com a passagem do tempo. Tal perspectiva foi
bem ressaltada por esta Corte no julgamento do RE 661.256 (destaquei):

“Havendo, no futuro, efetivas e reais razões fáticas e

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políticas para a revogação dessas normas, ou mesmo para a


instituição e a regulamentação do instituto da
desaposentação, como foi também salientado na parte final do
respeitável voto do eminente Ministro Relator, o espaço
democrático para esses debates há de ser respeitado, qual seja,
o Congresso Nacional, onde deverão ser discutidos os impactos
econômicos e sociais mencionados pelas partes e interessados
não só nas sustentações orais mas também nos memorais”(RE
661.256, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Rel. p/ acórdão Min.
Dias Toffoli, DJe 28/9/2017).

Em ordem de gerar tais incentivos, o Judiciário, ao repensar o seu


papel decisório frente aos demais atores judiciais e não-judiciais
envolvidos, passa a se preocupar com os fatores institucionais ao seu
redor e avalia, assim, suas habilidades e limitações técnico-institucionais
para imprimir, no caso concreto, uma decisão socialmente efetiva no
tocante à promoção dos objetivos desejados.

Como bem apontam Cass Sunstein e Adrian Vermeule, para a


consecução de tal intuito, é preciso levar em conta, ao menos, dois fatores.
Primeiro, as capacidades institucionais da pluralidade de atores
envolvidos, incorporando, assim, considerações acerca dos recursos e das
limitações de cada instituição para solucionar o problema apresentado.
Segundo, a dinâmica dos efeitos sistêmicos gerados a partir da
“outorga”do poder decisório para uma instituição ou outra.
(SUNSTEIN, Cass; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions.
Michigan Law Review,v. 101, p. 886).

Com efeito, a operacionalização de tal tarefa não é simples e


demanda um olhar empiricamente informado, bem como uma análise
contextual robusta da problemática em questão, sendo necessário, antes
de tudo, estabelecer “o quadro normativo e fático no âmbito do qual as
instituições desempenham os seus papéis e inclui-lo na análise consequencialista
que determinará qual postura institucional ou método de decisão é o mais

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apropriado para promover dinamicamente valores sociais relevantes”


(ARGUELHES, Diego Werneck; LEAL, Fernando. O argumento das
“capacidades institucionais” entre a banalidade, a redundância e o
absurdo. Direito, Estado e Sociedade, n. 38, p. 6-50, jan/jun 2011, p. 33).

Cumpre ressaltar que essa perspectiva não é estranha a esta


Suprema Corte, já tendo sido materializada em outras manifestações
jurisprudenciais (destaquei):

“O Judiciário não foi projetado pela Carta


Constitucional para adotar decisões políticas na esfera
internacional, competindo esse mister ao Presidente da República,
eleito democraticamente e com legitimidade para defender os interesses
do Estado no exterior; aplicável, in casu, a noção de capacidades
institucionais, cunhada por Cass Sunstein e Adrian Vermeule
(Interpretation and Institutions. U Chicago Law & Economics, Olin
Working Paper, Nº 156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper
nº 28).” (RCL 11.243, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel p/ acórdão
Min. Luiz Fux, PLENO, j. 8/6/2011, DJe 5/10/2011).
“A Jurisdição Constitucional, em face da tessitura aberta de
conformação legislativa prevista pelo inciso I do § 3º do art. 166 da
CRFB/1988, não detém capacidade institucional automática ou
pressuposta e não pode empreender, no âmbito do controle
abstrato, a tarefa de coordenação entre o Plano Plurianual
(PPA) e as respectivas Leis de Diretrizes Orçamentárias
(LDO’s) e Leis Orçamentárias Anuais (LOA’s).” (ADI 5.468,
Rel. Min. Luiz Fux, PLENO, j. 30/6/2016, DJe 2/8/2017). “A
limitação ao direito fundamental à privacidade que, por se revelar
proporcional, é compatível com a teoria das restrições das restrições
(Schranken-Schranken). O direito ao sigilo bancário e empresarial,
mercê de seu caráter fundamental, comporta uma proporcional
limitação destinada a permitir o controle financeiro da
Administração Publica por órgão constitucionalmente previsto
e dotado de capacidade institucional para tanto .”(MS 33.340,
Rel. Min. Luiz Fux, PLENO, j. 26/5/2015, DJe 3/8/2015).

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Em especial, essa perspectiva é coerente com manifestações acerca


do tema em outros casos julgados neste Plenário (destaquei):

“eu acho que aqui realmente entra em cena essa questão


do limite da jurisdição constitucional e confronto com a
denominada capacidade institucional. […] a partir do
momento em que há um conflito de conclusões da própria
comunidade científica, a melhor opção, à luz da doutrina da
Separação de Poderes, é uma deferência ao legislador, porque,
no caso, houve audiência pública não só aqui no Supremo, mas, mais
importante, houve audiências públicas no Congresso, e foi a partir das
conclusões das audiências públicas do Congresso que eles resolveram
estabelecer essa excepcionalidade do uso da crisotila. [...]
Então, da audiência pública, no meu entendimento, saltou aos
olhos que essas ações precisam necessariamente, para a solução
mais justa, não só da autocontenção judicial, mas, acima de
tudo, da expertise de quem julgará. E, hoje, essa é uma questão
hodierna constitucional do problema da capacidade
institucional das cortes com relação ao limite da jurisdição
constitucional. Então, quanto mais técnica é a questão, no meu
modo de ver, com a devida vênia, maior deve ser a deferência
do Poder Judiciário às opções políticas definidas pelo
legislador ordinário.”(ADI 4.066, Rel. Min. Rosa Webber,
PLENO, j. 23/8/2017, DJe 7/3/2018).
“A discricionariedade do administrador, frente aos direitos
fundamentais consagrados constitucionalmente, encontra limites no
texto constitucional. Assim, exige-se a atuação positiva do Estado-
Administração, bem como do legislador, para tutelar esse direito
fundamental, incumbindo-lhe implementar preventivamente as
políticas públicas tendentes à concretização do acesso à educação.
É que, delimitada a margem hermenêutica estabelecida pelo
constituinte, cabe ao poder público desenhar as políticas educacionais
conforme sua expertise. [...]
Afere-se, assim, que a fixação de uma data para ingresso
dos alunos em cada etapa do sistema de ensino constitui uma
decisão tecnicamente complexa, o que aponta para um controle

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judicial deferente. [...]


Quanto à idade cronológica de quatro e seis anos completos,
também é legítima sua adoção como critério para ingresso no ensino
infantil e fundamental, respectivamente. Embora tampouco seja essa a
única solução constitucionalmente possível, a escolha se insere no
espaço de conformação do administrador, sobretudo em razão
da expertise do Conselho Nacional de Educação e de as
resoluções terem sido expedidas após a realização de estudos e
audiências públicas.” (ADPF 292, Rel. Min. Luiz Fux, PLENO, j.
1º/8/2018, DJe 27/7/2020)

De todo o exposto, extrai-se, portanto, que, em um ambiente


democrático, é prudente que não se atribua a qualquer órgão, seja do
Poder Judiciário, seja do Poder Legislativo, a faculdade de pronunciar,
em solução de definitividade, a última palavra sobre o sentido da
Constituição, tanto em razão de uma perspectiva eminentemente
político-democrática, quanto por uma visão calcada em considerações
de ordem, essencialmente, institucional.

Não se nega que, em não raras vezes, Constituições preveem trajetos


de vocalização institucional para solução de conflitos, normalmente,
possuindo uma instância decisória final, desprovida de recursos
institucionais adicionais para questionar a sua decisão. No entanto,
justamente em vista dos mecanismos dinâmicos de interação entre
instituições democráticas e da variável “tempo”, em um ambiente
democrático, o que se tem é uma “última palavra” de caráter provisório,
relativo e mutável, podendo tal “decisão final” ser rediscutida e
revisitada a depender do contexto conjuntural posterior e das mudanças
fáticas oriundas do decorrer do tempo (MENDES, Conrado Hubner.
Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 116).

Portanto, a interpretação constitucional deve perpassar por um


processo de construção plural entre os Poderes estatais – Legislativo,

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Executivo e Judiciário – e os diversos segmentos da sociedade civil


organizada. Ao observar a dinâmica entre as instituições pelas lentes do
supracitado marco teórico, concebe-se o processo de interpretação
constitucional como um mecanismo contínuo, ininterrupto e republicano
de construção de significados no qual cada um dos players envolvidos
contribui ao embate dialógico, com suas capacidades específicas, sem se
arvorar como intérprete único e exclusivo da Carta Maior, e, por
conseguinte, propagando o avanço e o aperfeiçoamento de soluções
democráticas às questões de interesse público.

1.3 Súmulas Vinculantes e Legislação Superveniente

No contexto brasileiro, a partir de leitura sistemática da Constituição


Federal de 1988, parece forçoso concluir que a Carta Política direcionou o
processo de interpretação e de defesa da Constituição, precipuamente,
sob a guarda do Supremo Tribunal Federal (art. 102, caput). No entanto,
não obstante ter lhe concedido tal protagonismo, não o estabeleceu como
o único e exclusivo responsável por tais atividades. Não é por outro
motivo que, em seu art. 23, inciso I, preceitua ser competência comum de
todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
em seus diversos âmbitos, zelar pela guarda da Constituição, por
exemplo.

Assim, se é bem verdade que o arranjo institucional da ordem


constitucional de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o papel de
última instância decisória, órgão soberano sobre a interpretação
constitucional, daí não decorre que a Carta Política lhe tenha concedido
tal função de forma isolada e absoluta. Afinal, como bem leciona Larry
Kramer (destaquei):

“Existe, não obstante, um mundo de diferença entre ter a


última palavra e ter a única palavra: entre supremacia judicial
e soberania judicial.” (...) daí não segue que a Corte deva exercer
sua autoridade sobre toda e qualquer questão ou que, quando o faça, a

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Corte possa repudiar ou muito rapidamente suplantar os


pontos de vista dos outros, ainda mais de instituições
democráticas”(KRAMER, Larry D. We the Court. Harvard Law
Review, Vol. 115 (1), 2001, p. 13).

Em razão disso é que o Poder Legislativo possui a prerrogativa de


superar entendimentos vinculantes firmados pelo Supremo Tribunal
Federal. No entanto, a depender do instrumento normativo adotado pelo
Congresso Nacional, o caso concreto demandará posturas distintas por
parte do STF. Essa questão já foi por mim delineada na ADI 5105
(destaquei):

“À luz dessas premissas, forçoso reconhecer que, prima facie, o


legislador pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a
jurisprudência, reclamando, a depender do instrumento normativo
que veicular a reversão, posturas distintas do Supremo Tribunal
Federal. Se veiculada por emenda, há a alteração formal do
texto constitucional, modificando, bem por isso, o próprio
parâmetro que amparava a jurisprudência do Tribunal. Não
bastasse, o fundamento de validade último das normas
infraconstitucionais também passa a ser outro. Nessas situações, como
dito, a invalidade da emenda somente poderá ocorrer, assim, nas
hipóteses de descumprimento do art. 60 da Constituição (i.e., limites
formais, circunstanciais e materiais), endossando, em particular,
exegese estrita das cláusulas superconstitucionais.
Se, porém, introduzida por legislação ordinária, a lei que
frontalmente colidir com a jurisprudência da Corte nasce, a
meu sentir, com presunção de inconstitucionalidade, de sorte
que caberá ao legislador o ônus de demonstrar,
argumentativamente, que a correção do precedente se afigura
legítima. Ademais, deve o Congresso Nacional lançar novos
fundamentos a comprovar que as premissas fáticas e jurídicas
sobre as quais se fundou o posicionamento jurisprudencial
superado não mais subsistem. Não se trata em si de um problema,
visto que, ao assim agir, o Congresso Nacional promoverá verdadeira
hipótese de mutação constitucional pela via legislativa.

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Consoante afirmado, não se afigura legítima a edição de leis


ordinárias que colidam frontalmente com a jurisprudência fixada pelo
Supremo Tribunal Federal (leis in your face), sem que o legislador se
desincumba do ônus de trazer aos autos novos argumentos, bem como
de demonstrar o desacerto do posicionamento da Corte em razão de
mudanças fáticas ou axiológicas, tomando como parâmetro, por óbvio,
a mesma norma constitucional.
[…] Reitera-se ser possível, em tese, que o legislador
ordinário, enquanto não atingido pelos efeitos vinculantes,
proceda a correções jurisprudenciais,mas, precisamente porque em
oposição ao posicionamento da Corte, nasce com presunção relativa de
inconstitucionalidade,característica que se reforça se a orientação
fixada amparar-se nos limites materiais do art. 60, § 4º, IV, da Lei
Fundamental” (ADI 5.105, Rel. Min Fux, PLENO, j. 1º/10/2015,
DJe 16/3/2016).

No tocante ao caso concreto, não é por outra razão que o


Constituinte Reformador, ao disciplinar o instituto da Súmula Vinculante,
em 2004, cuidou de reiterar, taxativamente, os efeitos vinculantes
oriundos desses enunciados sumulares, expressamente excluindo, no
entanto, a sua incidência nos órgãos de natureza legislativa. Isso, pois, do
contrário, engessar-se-ia todo o sistema de interpretação constitucional.
Vejamos (destaquei):

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício


ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder
à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Em igual sentido, o art. 5º da própria lei que regulamentou o art.


103-A da Constituição Federal, Lei nº 11.417/2006, já oferece solução para

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os casos em que haja modificação ou revogação do diploma legislativo


em que a edição da Súmula Vinculante tenha se fundado: sua revisão ou
cancelamento, conforme o grau da alteração legislativa. Dessa forma,
conclui-se que, como regra, o sistema constitucional brasileiro impõe ao
Poder Judiciário postura deferente à superação de seus enunciados
sumulares vinculantes em face da promulgação de lei superveniente de
conteúdo divergente.

O problema, em verdade, reside nas situações em que o legislador,


em tese, ultrapassa seu espaço de liberdade e acaba por ferir
sensivelmente a própria Constituição. Nessas hipóteses, por exemplo,
como decorrência da própria noção dialógica já mencionada, abre-se a
prerrogativa ao Judiciário de se debruçar sobre a questão novamente,
havendo manifesta dúvida sobre a constitucionalidade da medida
legislativa adotada. Como bem aponta Gustavo Gama Vital de Oliveira
(destaquei):

“(...) fato de a CRFB/1988 não estender ao Poder


Legislativo o efeito vinculante das decisões proferidas nas
ações de controle concentrado e na hipótese da súmula
vinculante (art. 102, § 2º e art. 103-A) não pode conduzir o
legislador a utilizar de forma abusiva a prerrogativa de editar
leis infraconstitucionais que busquem modificar a
interpretação constitucional do STF.” (OLIVEIRA, Gustavo
Gama Vital de.Direito Tributário e Diálogo Constitucional.
Niterói: Impetus, 2013, p. 138).

De todo o exposto, no âmbito doutrinário, sobre as questões


democráticas e institucionais presentes, levando, ainda, em consideração
os preceitos já fixados pela jurisprudência desta Corte, bem como
observando o próprio ordenamento legislativo e constitucional sobre a
questão, é possível concluir, nesse ponto inicial, que:

a) como regra, o disposto na lei de conteúdo divergente prevalece

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sobre o estabelecido em sede de Súmula Vinculante. No entanto, caso


haja dúvida relativa de a lei afrontar a própria Constituição, cabe ao
Judiciário, quando provocado, manifestar-se sobre a
constitucionalidade dessa e, consequentemente, estabelecer se a SV
prevalecerá no caso concreto, mantendo assim seus efeitos.

b) como regra, por força do art. 5º da Lei nº 11.417/2006, são


necessários a revisão e/ou cancelamento das Súmulas Vinculantes
quando haja modificação ou revogação do diploma legislativo em que a
edição da Súmula Vinculante tenha se fundado. Fica, no entanto,
resguardada a prerrogativa de o STF afirmar, baseando-se nas
circunstâncias concretas do caso, a desnecessidade de tais ações.

c) demanda-se uma posição particularista por parte do Poder


Judiciário analisando, em cada caso, eventual abusividade da superação
legislativa, seja por meio de alteração da redação anterior, seja por meio
da revogação do dispositivo e/ou diploma legal.

II. DO TEMA EM CONCRETO

Delineadas as premissas teóricas da questão em debate e


apresentada, de maneira geral, as conclusões iniciais para a presente
repercussão geral, passo a examinar o tema concreto. Tal análise se
resume em 2 (duas) tarefas: (i) analisar se o presente caso se enquadra em
espécie de superação legislativa inconstitucional de entendimento
sumulado; e (ii) verificar se, in casu, procedem as alegações de violação
aos arts. 5º, incisos XXXIX e XLVI, e 93, inciso IX, todos da CF/88.

Quanto ao primeiro ponto, a despeito do acima debatido, o presente


caso nem ao menos representa espécie de superação legislativa em
relação aos mandamentos cristalizados na Súmula Vinculante de nº 9,
editada pelo Supremo Tribunal Federal. Em verdade, o que se impõe é o
aperfeiçoamento da redação sumulada, haja vista a superveniência da Lei

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nº 12.433/2011, que alterou a redação do art. 127 da Lei de Execução Penal


(LEP) – Lei nº 7.210/1984.

Da análise da ata do próprio debate que culminou na aprovação da


referida súmula, extrai-se que, em momento algum, o entendimento
firmado na Súmula Vinculante nº 9 pretendeu tecer considerações a
respeito do conceito de falta grave, tampouco da intensidade da perda
dos dias remidos (se total ou proporcional à falta grave cometida). A bem
da verdade, a súmula teve como intuito precípuo fixar a tese de que a
previsão legislativa de perda dos dias remidos foi recepcionada pela nova
ordem constitucional de 1988 e que, consequentemente, não haveria de se
falar em direito adquirido aos dias remidos em razão de estarem
submetidos a regras específicas, afastando-se, com isso, as teses
defensivas nesse sentido. Vejamos o debate de sua aprovação (destaquei):

“O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Senhor Presidente,


vou aderir, insistindo nas duas observações. O conceito de falta
grave está em aberto.Nós não estamos aqui fechando nenhum
compromisso com o conceito de falta grave. Depois,a perda dos
dias remidos pode se dar por forma proporcional à gravidade
da falta. Então, com essas duas ponderações, eu acompanho.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)-
De qualquer forma, submetida a controle judicial devido, claro.
O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Perfeito. Não
estamos dizendo que se perde tudo, que os dias remidos serão
totalmente perdidos a partir da constatação de falta grave.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)-
Só está-se dizendo da previsão da perda dos dias.
O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Apenas isso, que a
previsão da perda dos dias remidos é constitucional. É o que
nós estamos afirmando. Então, está certo.
O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)- E
que, portanto, não haveria falar em direito adquirido, porque
estaria submetido a regras específicas. É só isso.
O SR. MINISTRO CARLOS BRITTO - Perfeito.

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O SR. MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE)-


As manifestações são, portanto, no sentido da aprovação da Súmula
nos termos propostos pelo Ministro Lewandowski, vencido o Ministro
Marco Aurélio, que já aduziu as suas razões aqui.”

Destarte, a alteração redacional do diploma legislativo nem sequer


chegou a ferir o disposto no enunciado sumular, que estabelece: “O
disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi
recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite
temporal previsto no caput do artigo 58”.

O que se fez, pela alteração legislativa superveniente, foi limitar a


1/3 (um terço) o tempo remido suscetível de ser revogado pelo juiz em
caso de o condenado cometer falta grave. Resta afastada, assim, a
hipótese de superação de entendimento por parte do Legislativo.

Nesse sentido, destaca-se excerto do parecer do Parquet apresentado


nos autos da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 64, cristalino ao
elucidar que:

“A publicação da Lei nº 12.433/2011, alterando o art. 127 da Lei


de Execução Penal, não esvaziou o sentido da Súmula Vinculante nº
9, tendo em vista que não alterou a consequência jurídica da prática de
faltas graves, eis que mantida a perda dos dias remidos pelo trabalho.
A remissão continua dependendo do comportamento prisional futuro
do condenado, motivo por que permanece inalterado o entendimento
do Supremo Tribunal Federal que deu ensejo à edição da Súmula
Vinculante nº 9, no sentido de que a previsão de perda dos dias
remidos não afronta o direito adquirido e a coisa julgada.
Mesmo considerando a substituição pela nova lei do termo que
indica ato vinculado – “perderá” – por um termo que denota
faculdade do magistrado – “poderá revogar”, não houve mudança da
natureza condicional da remição.
Na realidade, com a publicação da Lei nº 12.433/2011, alterou-se
tão-somente a dimensão da remição, agora limitada à perda de até 1/3

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(um terço) do tempo remido, permanecendo igualmente íntegros os


fundamentos que afastam qualquer afronta ao direito adquirido e a
coisa julgada assegurados pelo artigo 5º, XXXVI, da Constituição
Federal, bem como impedem de limitar a 30 (trinta) os dias remidos
pelo condenado perdidos em razão da prática de falta disciplinar
grave, sendo, de qualquer modo, inaplicável o art. 58 da Lei de
Execução Penal.”

Quanto à necessidade de revisão da redação sumulada, entendo ser


ato conveniente e útil, em vista do risco de a nova redação dar azo à
multiplicação de processos mais uma vez.

No entanto, tal discussão será travada, em momento oportuno,


seguindo os devidos ritos estabelecidos no regimento interno do STF, no
âmbito das Propostas de Súmula Vinculante nºs 60 e 64, ambas
sobrestadas até o trânsito em julgado do presente recurso extraordinário.
Em todo caso, desde logo, já se reafirma o entendimento de ser
constitucional a perda dos dias remidos, prevista em lei, pelo
condenado que comete falta grave, conforme entendimento já
expressado por esta Corte.

Por oportuno, quanto às alegações de violação material à


Constituição Federal, entendo que nenhuma delas merece prosperar.

No tocante ao art. 93, IX, da CF/88 (motivação das decisões judiciais),


sustenta o recorrente que “a decisão que decretou a perda de um terço da
remição em razão do reconhecimento da prática de falta grave” contraria tal
dispositivo constitucional, sob o argumento de que, “ante as expressões
‘possibilidade’ e ‘até’, [conclui-se] que a perda de um terço dos dias remidos é
exceção e limite máximo, devendo [ser concretizada] de modo fundamentado
[mediante] uma gradação”. Ao revés, verifica-se que o Superior Tribunal de
Justiça, na unificação da interpretação da legislação infraconstitucional, já
assentou jurisprudência tranquila sobre o tema, assentando a necessidade
de que a aplicação da fração cabível a cada caso deve ser objeto de

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fundamentação específica pelo juízo da execução penal (destaquei):

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. EXECUÇÃO. FALTA


GRAVE. NÃO APLICAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS,
PELO JULGADOR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO
STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A
jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme quanto às
consequências do reconhecimento de falta disciplinar de natureza
grave praticada pelo Apenado no curso da execução penal: I)
regressão de regime prisional; II) perda de dias remidos; e III)
alteração da data-base para a concessão de novos benefícios da
execução (salvo o livramento condicional, a comutação de pena e o
indulto). Precedentes do STJ. [...] 3. Quanto à perda dos dias
remidos, com o advento da Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011,
que alterou a redação do art. 127 da Lei n. 7.210/1984, a prática
de falta grave no curso da execução implica em perda de até 1/3
(um terço) desses dias, devendo o Juízo das Execuções aplicar a
fração cabível à espécie, de forma devidamente fundamentada,
sendo a perda dos dias remidos medida impositiva, ficando no
juízo de discricionariedade do Julgador circunscrito à fração da
perda. Precedentes do STJ. 4. A falta grave também provoca alteração
da data-base para a concessão de novos benefícios da execução (salvo o
livramento condicional, a comutação de pena e o indulto). Precedente
do STJ (tema repetitivo 709). Incidência dos Enunciados 534 e 535 do
STJ. Assim, conforme já decidido no âmbito desta Corte, "[o] Tribunal
a quo não pode abster-se de aplicar os consectários legais invocando o
princípio da proporcionalidade". (AgRg no REsp 1.681.804/RS, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA
TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017.) 5. Recurso
especial conhecido e provido.” (REsp 1.960.812/RS, Sexta Turma,
Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 17/12/2021).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LEI


DE EXECUÇÃO PENAL. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR
DE NATUREZA GRAVE. PERDA DOS DIAS REMIDOS.
OBRIGATORIEDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA

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RE 1116485 / RS

PROVIMENTO. A prática de falta grave pelo reeducando impõe a


decretação da perda de até 1/3 (um terço) dos dias remidos, devendo a
expressão 'poderá' contida no art. 127 da Lei n.º 7.210/84, com a
redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 12.433/11, ser
interpretada como verdadeiro poder-dever do Magistrado,
ficando no juízo de discricionariedade do Julgador apenas a
fração da perda, que terá como limite máximo 1/3 (um terço)
dos dias remidos(AgRg no REsp 1.424.583/PR, Sexta Turma,
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 18/6/2014).

Indo além, no que toca à discricionariedade da aplicação da fração


por parte do órgão julgador, basta observar que o acórdão do Tribunal a
quo se apresenta plenamente justificado, colacionando robusta
jurisprudência e fundamentando tal opção decisória nos dispositivos
legais pertinentes em vista, principalmente, do cometimento do crime de
roubo com emprego de arma de fogo, a despeito de já ostentar anterior
condenação por delito de natureza idêntica (roubo duplamente majorado
pelo emprego de arma e pelo concurso de agentes).

Quanto ao art. 5º, XXXIX, da CF/88 (estrita legalidade), sustenta o


recorrente que “merece ser reformada a decisão do Tribunal a quo, visto que a
alteração da data-base somente pode ocorrer na hipótese de nova condenação na
superveniência da execução penal”, afirmando ainda que “a alteração da data-
base somente pode decorrer do trânsito em julgado de condenação superveniente
à execução penal unificada ou somada à pena em execução”. Entretanto,
destaca-se que a falta grave não assume, para fins das consequências da
execução, natureza de crime, mas de infração disciplinar. Nesse sentido,
revela-se desnecessário que a aplicação das sanções disciplinares
respectivas aguardem o trânsito em julgado de nova condenação, já que
se trata de esferas distintas de responsabilização do apenado. Por fim,
tampouco prospera a alegação do recorrente de violação ao art. 5º, XLVI,
da CF/88 (individualização da pena) ao sustentar que “a perda da remição
no máximo de um terço, sem fundamentação e análise da proporcionalidade de
modo individualizado caracteriza contrariedade ao art. 5º, XLVI, da CF”.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 46

RE 1116485 / RS

No aspecto, verifica-se que a nova redação do art. 127 da LEP, ao


estabelecer a limitação de 1/3 quanto à revogação do tempo remido,
impôs maior ônus ao Estado-juiz quando da decretação da perda dos dias
remidos, que deverá se dar de forma proporcional à luz das
circunstâncias individuais de cada apenado. Isto é, com a superveniência
de tal redação, o juiz passa a ter que levar em consideração as
circunstâncias do caso concreto e os pormenores do condenado para
estabelecer o quantum da perda, que fica limitado a 1/3, o que ocorreu
adequadamente no caso, haja vista ter o julgador fundamentado a perda
dos dias no patamar máximo em razão da gravidade da nova prática
delitiva de autoria do apenado. Em verdade, ao invés de violar a
individualização da pena também durante a sua execução, o dispositivo
permite, em verdade, a sua concretização, na medida em que a fração dos
dias remidos perdidos dependerá dos elementos concretos que
circundam cada caso sob análise.

Nesses termos, irretocável a conclusão do acórdão ora recorrido,


segundo o qual “a perda dos dias remidos é uma consequência legal
prevista no art. 127 da LEP e que, segundo o entendimento do STF, não
afeta qualquer direito constitucional do apenado”, bem como que “a
perda deve ser limitada, na espécie, a 1/3 do total de dias do apenado,
conforme a limitação do art. 127 da LEP, com sua atual redação”.

III. DISPOSITIVO

Ex positis, voto pelo DESPROVIMENTO do recurso extraordinário.

Proponho a fixação, ainda, da seguinte tese de repercussão geral:

1. A revogação ou modificação do ato normativo em que


se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante
acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou
cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 46

RE 1116485 / RS

2. É constitucional a previsão legislativa de perda dos dias


remidos pelo condenado que comete falta grave no curso da
execução penal.

Por fim, nos termos do artigo 5º da Lei nº 11.417/2006, segundo o


qual “Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de
súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação,
procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso”, voto no sentido de
aguardar o julgamento das Propostas de Súmula Vinculante nºs 60 e 64
para que se delibere quanto à oportunidade da revisão ou cancelamento
da Súmula Vinculante nº 9, via adequada para apreciação da questão.

É como voto.

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Voto Vogal

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01/03/2023 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.116.485 R IO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


RECTE.(S) : LUIS HENRIQUE DE OLIVEIRA
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Trata-se de recurso


extraordinário, com repercussão geral, em que se discute o tema 477,
relativo à necessidade, ou não, de revisão ou de cancelamento da Súmula
Vinculante 9, em virtude do advento da Lei 12.433/2011, que, ao alterar o
art. 127 da Lei de Execução Penal – LEP, permite ao magistrado, nos casos
de prática de falta grave, revogar até 1/3 do tempo da pena remido,
reiniciando-se a contagem a partir da data da infração disciplinar.
No processo-paradigma, que substitui o RE 638.239/RS, julgado
prejudicado ante a extinção da pena do recorrido, sustenta-se que o
acórdão recorrido afronta o princípio da individualização da pena ao
decretar a perda dos dias remidos nos seguintes termos:

“Por fim, entendo que não assiste razão à defesa quanto ao


outro pleito, pois a perda dos dias remidos é uma consequência
legal prevista no art. 127 da LEP e que, segundo o
entendimento do STF, não afeta qualquer direito constitucional
do apenado.
Veja-se o disposto na Súmula Vinculante nº 09:
O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de
Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente,

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Voto Vogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 46

RE 1116485 / RS

e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo


58'
No entanto, a perda deve ser limitada, na espécie, a 1/3 do
total de dias do apenado, conforme limitação do art. 127 da
LEP, com sua atual redação, bem como à luz da gravidade do
novo fato em que se envolveu.
Dispositivo
Isso posto, dou parcial provimento ao agravo para limitar
a perda dos dias remidos em 1/3”. (eDOC 1, p. 150)

No Recurso Extraordinário, a Defensoria Pública do Estado do Rio


Grande do Sul argumenta, em síntese, que "há contrariedade ao disposto no
art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, porquanto a alteração da data-base,
observada a legislação infraconstitucional somente pode decorrer de nova
condenação, não havendo previsão legal para que se altere a data-base para efeito
de progressão de regime em razão da prática de falta grave que não seja a nova
condenação". (eDOC 1, p. 165)
Pondera, acerca da nova redação do art. 127 da LEP, que "ante as
expressões ‘possibilidade’ e ‘até’ que a perda de um terço dos dias remidos é
exceção e limite máximo, devendo, se houver a perda de dias ser observada de
modo fundamentado uma gradação". (eDOC 1, p. 166)
Em contrarrazões, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul afirma que "a fixação da nova data-base é decorrência lógica da regressão de
regime, pois, do contrário, o apenado poderia obter futura progressão sem a
observância do requisito temporal previsto no artigo 112, caput, da Lei de
Execuções Penais, no caso, o cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior" e
que a Câmara teria aplicado o grau máximo na redução dos dias remidos
por levar em consideração a gravidade dos fatos em questão. (eDOC 1, p.
183)
Em 22.9.2011, esta Corte reconheceu, por maioria, a repercussão
geral do tema, mediante acórdão assim ementado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXECUÇÃO PENAL.


PERDA DOS DIAS REMIDOS. ART. 127 DA LEI DE

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RE 1116485 / RS

EXECUÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N°


12.433/2011. NATUREZA PENAL EXECUTIVA.
RETROATIVIDADE DA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. ART.
5°, XL, DA CONSTITUIÇÃO. APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO
FIXADA PELA CORTE AOS RECURSOS PENDENTES E
FUTUROS. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DA
SÚMULA VINCULANTE N° 9. REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA”. (eDOC 9)

A Procuradoria-Geral da República manifesta-se pelo


desprovimento do recurso extraordinário, eis a ementa desse parecer:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO


GERAL RECONHECIDA. TEMA 477. SUBSTITUIÇÃO DE
PARADIGMA. EXECUÇÃO PENAL. PERDA DOS DIAS
REMIDOS. ART. 127 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.
SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.433/2011. REVISÃO DA
SÚMULA VINCULANTE 9.
I - Recurso Extraordinário leading case do Tema 477 da
sistemática da repercussão geral: Revisão de Súmula Vinculante
em virtude da superveniência de lei de conteúdo divergente.
II – Substituição de paradigma. O recurso em epígrafe
substituiu o RE 638.239/RS, leading case da repercussão geral,
que foi julgado prejudicado ante a extinção da pena do
recorrido.
III – A Súmula Vinculante 9 enuncia: O disposto no artigo
127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido
pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite
temporal previsto no caput do artigo 58. Assentada a
constitucionalidade de dispositivo legal que estabelece a perda
dos dias remidos, em caso de falta grave.
IV – Não se verifica que a superveniente redação do art.
127 da LEP, dada pela Lei 12.433/2011, conflite com o
entendimento firmado pela Súmula Vinculante 9, nem
tampouco confira suporte à eventual alegação de afronta aos
direitos do condenado.

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RE 1116485 / RS

V - Novatio legis in mellius. Retroatividade para


beneficiar o condenado. Perda dos dias remidos limitada ao
patamar máximo de 1/3, observado disposto no art. 57 da LEP.
VI – Revisão do teor da Súmula Vinculante 9, nos termos
da Lei 11.417/2006 e no Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante 64.
VII - Proposta de tese de repercussão geral: É
constitucional a perda dos dias remidos, prevista em lei, pelo
condenado que comete falta grave.
‒ Parecer pelo desprovimento recurso e fixação da tese
sugerida”. (eDOC 17)

Em 9.9.2020, o relator do feito, Min. Luiz Fux, incluiu o processo no


calendário de julgamento do Plenário para apreciação do mérito do
processo-paradigma.

É o relatório.

Decido.

1.1 Aprovação da Súmula Vinculante 9

No julgamento do RE 452.994/RS, o Plenário desta Corte decidiu que


não haveria direito adquirido do réu aos dias remidos, mas uma mera
expectativa. Transcrevo a ementa do julgado:

“Execução penal: o condenado que cometer falta grave


perde o direito ao tempo remido: L. 7.210/84, art. 127 -
constitucionalidade.
É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a
perda dos dias remidos se ocorrer falta grave, não a ofende a
aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença. Por
isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de
expectativa resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do
condenado em falta grave”. (RE 452.994, redator do acórdão

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RE 1116485 / RS

Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23.6.2005)

Posteriormente, o Plenário desta Corte, em 13 de junho de 2008, no


período da minha Presidência aprovou a redação da Súmula Vinculante
9, proposta pelo Min. Ricardo Lewandowski, nos seguintes termos:

“O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de


Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente,
e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo
58.”

Segundo o disposto no art. 127 da LEP, o condenado punido por


falta de natureza grave perdia os dias remidos e começaria um novo
período a partir da data da referida falta.

1.2 Inovação legislativa e seus efeitos

Com a superveniência da Lei 12.433/2011, que alterou o art. 127 da


Lei de Execução Penal, foi facultado ao juiz, nos casos de cometimento de
falta grave, revogar até 1/3 do tempo remido, reiniciando-se a contagem a
partir da data da infração disciplinar. Transcrevo:

“Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um
terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57,
recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.”

O art. 57 da LEP disciplina que o juiz deverá observar a natureza, os


motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa
do faltoso e seu tempo de prisão, nos seguintes termos:

“Na aplicação das sanções disciplinares levar-se-á em conta a


pessoa do faltoso, a natureza e as circunstâncias do fato, bem como as
suas conseqüências.”

Anteriormente, o art. 127 da LEP, previa a perda integral dos dias

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RE 1116485 / RS

remidos pelo condenado por falta grave, não se aplicando o limite de 30


dias, previsto no artigo 58.
Verifica-se que, com a edição da referida Lei, a remição passou a ter
uma regulamentação mais benéfica ao apenado, estimulando ainda mais
a reintegração e ressocialização, tão caras ao nosso sistema penitenciário.
A norma tornou a perda dos dias remidos facultativa ao juiz da
execução, possibilitando-lhe a análise das circunstâncias em que tenha
sido praticada a falta grave pelo réu, com critérios de proporcionalidade,
em observância ao princípio da individualização da pena, disposto no art.
5º, XLVI, da Constituição Federal.
Não restam dúvidas de que essa inovação legislativa veio para
beneficiar o apenado, uma vez que a lei anterior previa a perda
automática da totalidade dos dias remidos, sendo suficiente para tanto
somente a apuração da falta grave, sem se verificarem os termos de seu
cometimento, sendo assim, sua aplicação deve retroagir a fim de limitar a
perda dos dias remidos.
Cito decisões de ambas as Turmas sobre o tema:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.


EXECUÇÃO DA PENA. FALTA GRAVE. LIMITAÇÃO DA
PERDA DOS DIAS REMIDOS. ART. 127 DA LEP. SUPRESSÃO
DE INSTÂNCIA. RETROATIVIDADE DE LEI MAIS
BENÉFICA. LEI 12.433/2011. COMPETÊNCIA DO JUIZ DA
EXECUÇÃO. Não merece conhecimento recurso ordinário em
habeas corpus fundado em causa ainda não submetida nem
objeto de apreciação pela Corte ordinária e pelo Superior
Tribunal de Justiça. Todavia, a orientação prevalecente na 1ª
Turma foi pelo conhecimento do recurso ordinário e não
provimento do pleito recursal em razão da inovação da matéria.
Quanto ao mérito, diante da alteração legislativa introduzida
pela Lei 12.433/2011, que modificou a redação do art. 127 da
LEP, esta Suprema Corte tem admitido a retroatividade da
norma mais benéfica para limitar, nos casos de falta grave, a
perda dos dias remidos em até 1/3 (um terço). Precedentes.
Caberá ao Juízo da Execução Penal proceder à análise da

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RE 1116485 / RS

limitação da perda dos dias remidos, nos termos da Súmula nº


611/STF (“Transitada em julgado a sentença condenatória,
compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais
benigna”). Recurso ordinário em habeas corpus não provido.
Ordem concedida de ofício para determinar que o Juízo da
execução criminal proceda à aplicação retroativa da Lei
12.433/2011, observada a limitação da perda dos dias remidos
em até 1/3 (um terço).” (RHC 115.981, Rel. Min. Rosa Weber,
Primeira Turma, DJe 30.4.2013)

“Habeas corpus. Execução penal. Falta grave. Dias


remidos. Imposição automática da perda do patamar máximo
de 1/3 (um terço) dos dias remidos sobre todo o período
trabalhado. Critérios balizadores do art. 57 da Lei de Execuções
Penais. Necessidade de sua observância para se aferir a fração
ideal de perda desses dias (LEP, art. 127). Constrangimento
ilegal configurado. Ordem concedida. 1. O Superior Tribunal de
Justiça, ao prover monocraticamente o recurso especial do
Parquet estadual, impôs ao paciente a perda automática do
patamar máximo permitido de 1/3 (um terço) dos dias remidos
sobre todo o período trabalhado, sem considerar, contudo, os
critérios balizadores previstos art. 57 da Lei de Execuções
Penais, os quais reclamam sua observância pelo julgador para
aferir a fração ideal de perda desses dias (LEP, art. 127) . 2.
Ordem concedida para determinar ao juízo de direito da vara
das execuções criminais competente que aplique ao paciente a
fração cabível para a perda dos dias remidos até o patamar
máximo permitido de 1/3 (um terço), observando, para tanto,
os critérios balizadores previstos art. 57 da Lei de Execuções
Penais.” (HC 130.715, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma,
DJe 19.4.2016.

1.3 Revisão ou cancelamento da Súmula Vinculante 9.

Diante de todos os fatos narrados, faz-se necessário o cancelamento


da Súmula Vinculante 9, dada a inovação legislativa trazida pela Lei

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Voto Vogal

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RE 1116485 / RS

12.433/11, que disciplina a remição da pena.

1.4 Caso dos autos

Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, para


determinar que o juízo da execução, conforme as circunstâncias da falta
cometida, avalie a proporcionalidade da perda dos dias remidos, nos
limites previstos no art. 127 da LEP pela Lei 12.433/2011.

É como voto.

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Extrato de Ata - 01/03/2023

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.116.485


PROCED. : RIO GRANDE DO SUL
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
RECTE.(S) : LUIS HENRIQUE DE OLIVEIRA
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
RECDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA-GERAL DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 477 da


repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e
fixou a seguinte tese: "1. A revogação ou modificação do ato
normativo em que se fundou a edição de enunciado de súmula
vinculante acarreta, em regra, a necessidade de sua revisão ou
cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso. 2. É
constitucional a previsão legislativa de perda dos dias remidos
pelo condenado que comete falta grave no curso da execução penal".
Por fim, nos termos do artigo 5º da Lei nº 11.417/2006, segundo o
qual “Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de
enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de
ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento,
conforme o caso”, entendeu-se no sentido de se aguardar o
julgamento das Propostas de Súmula Vinculante nºs 60 e 64 para que
se delibere quanto à oportunidade da revisão ou cancelamento da
Súmula Vinculante nº 9, via adequada para apreciação da questão.
Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Gilmar
Mendes. Falou, pelo amicus curiae, o Dr. Gustavo Zortéa da Silva,
Defensor Público Federal. Plenário, Sessão Virtual de 17.2.2023 a
28.2.2023.

Composição: Ministros Rosa Weber (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André
Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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