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OUTUBRO 2023 54ª EDIÇÃO

R E V I S T A

A vida de luxo dos líderes


do Hamas no Catar

Oposição indica 7 pontos Boicote ao Bis, “O Som da


ignorados pelo relatório Liberdade”: a direita adere
oficial da CPMI do 8/1 ao ativismo de consumo
Índice

Editorial: A atitude certa pelos motivos errados 03

Sergio Moro: O Hamas e um pouco sobre nós 1o

J.R. Guzzo: Até Gilmar Mendes reconhece que


20
Lula só se elegeu graças ao STF

Com 65% de Gaza na miséria, líderes bilionários


26
do Hamas levam vidas de luxo no Catar

Oposição indica 7 pontos ignorados pelo


32
relatório oficial da CPMI do 8/1

“Lava Jato de Santa Catarina” tem 16 prefeitos


44
presos e expõe corrupção sistêmica

‘O Som da Liberdade’, ‘Os Escolhidos’, boicote ao


79
Bis: a direita adere ao ativismo de consumo

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Ministro Flávio Dino vem sendo cotado para assumir uma vaga no STF.| Foto:
Bruno Spada/Câmara dos Deputados

EDITORIAL.

A atitude certa pelos motivos


errados
O ministro da Justiça, Flávio Dino, parece ter se
consolidado como o nome preferido de Lula
para ocupar a vaga deixada por Rosa Weber no
Supremo Tribunal Federal. No entanto, ao

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contrário do que ocorreu meses atrás, quando o
presidente da República indicou seu advogado
pessoal, Cristiano Zanin, para o lugar de
Ricardo Lewandowski e viu seu escolhido ser
rapidamente aprovado, o caminho de Dino até a
cadeira de ministro do Supremo não será
simples – o que, no fim, seria ótimo para o país,
embora o mesmo não se possa dizer das
motivações que guiam a resistência ao nome.

Flávio Dino não é, nem de longe, um nome


adequado para o Supremo Tribunal Federal.
Apesar de ter feito carreira na magistratura (o
que o diferencia da maioria dos atuais dez
ministros), suas posições recentes demonstram
que, uma vez instalado no órgão máximo do
Judiciário brasileiro, ele não ajudaria a
reconduzir a corte no necessário caminho da
normalização institucional e do respeito às

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liberdades democráticas. Pelo contrário: sua
atuação no Ministério da Justiça deixou
evidente seu pendor liberticida, especialmente
durante a tramitação do chamado “PL das fake
news”, quando o ministro colaborou com a
repressão às manifestações contrárias ao
projeto, vindas das big techs, como se partes
diretamente atingidas pelo projeto não
tivessem o direito de tornar pública sua opinião.
Episódios como o “desaparecimento” de
imagens do 8 de janeiro, que evidenciaram a
arrogância e o desprezo de Dino por quem
discorda dele, e as críticas à Lava Jato também
colaboram para termos a certeza de que o
Supremo não é lugar para o atual ministro da
Justiça.

5
Uma vez instalado no órgão
máximo do Judiciário brasileiro,
Flávio Dino não ajudaria a
reconduzir a corte no necessário
caminho da normalização
institucional e do respeito às
liberdades democráticas

Antes fossem esses os fatores por trás das


objeções à possível nomeação de Dino, no
entanto. A verdadeira razão é bem mais
prosaica: as ambições do presidente da
Comissão de Constituição e Justiça do Senado,
Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), responsável
por agendar as sabatinas dos nomeados para o
STF. Ele quer voltar a comandar o Senado
quando Rodrigo Pacheco (PSD-MG) terminar
seu mandato, pretende colocar seu irmão na
prefeitura de Macapá, e gostaria de indicar mais

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aliados para cargos importantes. Para conseguir
tudo isso, precisa agradar senadores e líderes da
oposição a Lula, além de recorrer ao conhecido
método de criar dificuldades para vender
facilidades – segundo informações de
bastidores, Alcolumbre estaria disposto a fazer
Lula e Dino esperarem mais que os cinco meses
de chá de cadeira pelo qual passou André
Mendonça, o segundo indicado de Jair
Bolsonaro para o STF.

Em menor grau, conta também o cálculo


político do próprio Pacheco, que deve disputar a
reeleição para o Senado em 2026, mas se
desgastou com parte de seu eleitorado ao não
ter uma postura mais firme diante de abusos
cometidos pelo STF. O favorito do presidente do
Senado para o lugar de Rosa Weber era ele
mesmo, mas o plano não vingou, mesmo com o

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apoio de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
O “plano B” de Pacheco e Alcolumbre dá uma
boa ideia do deserto de possibilidades que o país
vive quando se trata de sua suprema corte: o
presidente do Tribunal de Contas da União
(TCU), Bruno Dantas, apadrinhado de Renan
Calheiros (MDB-AL) e o responsável pela
absurda perseguição movida pelo órgão contra
o ex-procurador e ex-deputado Deltan
Dallagnol, condenado pela corte de contas a
uma multa milionária por uma irregularidade
que ele jamais cometeu. No entanto, Dantas
também ficou pelo caminho na disputa pela
vaga no STF.

Estamos, então, diante de um caso em que o


Senado poderia fazer a coisa certa, barrando
alguém que não tem condições de se tornar
ministro do STF, pelos motivos mais errados

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possíveis, como jogos de poder, ambições
fisiológicas pessoais e a preferência por outros
candidatos também desqualificados. O Brasil
não padece de escassez de bons nomes para a
suprema corte, mas a desolação moral trazida
pelo petismo faz com que esses bons nomes
nem cheguem a figurar nas listas de favoritos,
restando apenas esperar que o Senado se
mobilize em torno da aprovação de alguém que
seja um mal menor em comparação com Dino
ou Dantas.

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Casa destruída e corpos cobertos no assentamento Beeri, no sul de Israel, onde ocorreu
um dos ataques mais letais da ofensiva do grupo terrorista Hamas.| Foto: EFE/Alejandro
Ernesto

OPINIÃO.

Sergio Moro
O Hamas e um pouco sobre nós
O Brasil não tem relevância internacional
suficiente para fazer qualquer diferença na
guerra no Oriente Médio. A crise serve apenas

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para Lula exercitar a sua megalomania
diplomática e para revelar o quanto a ideologia
comprometeu a capacidade de parte da política
brasileira de condenar atos terroristas. Vamos
aos fatos.

No dia 7 de outubro, o grupo Hamas atacou


Israel de diversas maneiras, com mísseis e a
invasão de seu território com agentes armados.
O Hamas promoveu o massacre de civis
indefesos e ainda fez reféns, levados ao
território da Palestina. Fala-se em cerca de 1,3
mil vítimas. Chocaram o mundo vídeos e fotos
que retrataram a brutalidade dos massacres, em
especial o promovido contra 260 vítimas
indefesas que estavam em uma rave.

O ataque deliberado a civis, o massacre de


vítimas indefesas e a tomada de reféns

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configuram crimes contra a humanidade e
crimes de guerra, conforme definições contidas
nos artigos 7.º e 8.º do Estatuto do Tribunal
Penal Internacional.

A prática desses atos com a finalidade de


provocar terror social ou generalizado permite
seu enquadramento como atos terroristas,
mesmo nos limites estreitos da lei brasileira.

O Hamas é um grupo terrorista e


deve ser destruído. A população da
Faixa de Gaza não é criminosa; em
realidade, ela é vítima da ditadura
que lhe é imposta pelo Hamas

Há, certamente, demandas legítimas pela


criação de um Estado próprio para a Palestina e
por melhores condições de vida para o povo

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palestino. Isso, porém, não autoriza o massacre
deliberado da população civil por um grupo
terrorista.

Quando há uma guerra, o ataque a alvos


estratégicos, militares ou não, tem o potencial
de gerar danos colaterais consistentes na morte
de civis. Ainda que se entenda que o Hamas
esteja em guerra contra Israel, o fato é que os
massacres não foram resultado de danos
colaterais, pois os civis indefesos eram o alvo
direto e principal.

Não há, portanto, espaço para relativização ou


contextualização. Não há justificativas para
esses crimes atrozes.

Isso não significa criminalizar o povo palestino.


O Hamas é um grupo terrorista e deve ser

13
destruído. A população da Faixa de Gaza não é
criminosa; em realidade, ela é vítima da
ditadura que lhe é imposta pelo Hamas. Israel
tem o direito de se defender e destruir o Hamas,
mas espera-se que isso possa ser feito com os
menores danos colaterais possíveis. O tempo
dirá sobre esses desdobramentos.

O Brasil tem um papel muito limitado nesta


guerra no Oriente Médio. Se a crise fosse na
América Latina, o Brasil até seria relevante, já
que é uma potência regional. Sendo no Oriente
Médio, temos de reconhecer que estamos muito
distantes de termos uma influência relevante na
região e que possa fazer alguma diferença nos
desdobramentos do conflito.

Não faz maior diferença o fato de o Brasil


presidir momentaneamente o Conselho de

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Segurança da ONU. O cargo é rotativo, a
presidência dura um mês, e o país que a ocupa
não se torna uma potência mundial durante o
mandato. Aliás, o Brasil já ocupou essa posição
por outras 11 vezes no passado e não se tornou
uma potência mundial nessas ocasiões.

Embora a imprensa nacional e a população


brasileira concedam, como é natural, muita
atenção à posição do governo brasileiro em
relação à crise no Oriente Médio, o mesmo não
ocorre internacionalmente. Procurei, por
curiosidade, notícias ou comentários na
imprensa internacional sobre a posição do
governo brasileiro em relação à guerra, mas
nada encontrei.

Não devemos aqui apelar para um ufanismo


deslocado. Temos orgulho do Brasil, o nosso

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país, em vários aspectos, mas nosso peso
internacional para uma crise no Oriente Médio é
diminuta. A última vez que o Brasil se envolveu
em questões geopolíticas no Oriente Médio foi
na tentativa de promover um acordo com o Irã
sobre limites ao enriquecimento de urânio por
aquele país, e o resultado final foi um fracasso.
Aparentemente, essa lição não foi apreendida.
Não por coincidência, as mesmas pessoas
envolvidas naquele incidente agora tentam
superdimensionar sua relevância na nova crise.

A ideologia cegou parte de nossa elite


política e intelectual para a natureza
criminosa e terrorista do Hamas e dos
ataques promovidos contra civis indefesos

Os acontecimentos recentes no Oriente Médio


são mais relevantes no que dizem a respeito de

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nós. Foi surpreendente que os ataques
terroristas e o massacre de civis não tenham
recebido, desde o início, a reprovação unânime
da elite politica e intelectual brasileira. Foi
ultrajante a reação tíbia do governo brasileiro,
que demorou a qualificar os atos como
terroristas e que, até o momento, recusa-se a
qualificar o Hamas como um grupo terrorista.
Foi desmoralizadora a tentativa de alguns de
realizar uma falsa equivalência entre os
atentados promovidos pelo Hamas e a política
do governo de Israel em relação à Palestina.

A ideologia cegou parte de nossa elite política e


intelectual para a natureza criminosa e
terrorista do Hamas e dos ataques promovidos
contra civis indefesos. No ambiente polarizado
da política atual, a cegueira é até

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compreensível, embora não deixe de ser
censurável.

Cresce, porém, a percepção de que a visão


correta sobre os fatos e acontecimentos irá
predominar, com o repúdio aos crimes e atos
terroristas praticados pelo Hamas, sem que isso
signifique identificar o grupo terrorista com a
população da Palestina.

O Brasil tem uma comunidade judaica relevante


e uma imigração árabe muito expressiva. Não
temos histórico de ódio racial ou de ações
terroristas entre esses grupos aqui no Brasil. Ao
contrário, o país, nesse aspecto, tem lições a
ensinar sobre o convívio pacífico entre religiões
e grupos étnicos diversos. Não precisamos
importar essa crise. A missão mais relevante à
frente é apaziguar os ânimos internos. Para

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tanto, não cabe superdimensionar, por motivos
políticos, o papel que o Brasil pode ter em uma
guerra no Oriente Médio, distante de nós.
Também não cabe distorcer o que de fato
aconteceu por motivos puramente ideológicos.
A distorção diz mais sobre nós do que sobre os
fatos distorcidos. Terroristas e assassinos serão
sempre terroristas e assassinos.

Autor: Sergio Moro é senador da República e professor


universitário. Atuou como juiz da Operação Lava Jato, a
maior investigação contra a corrupção já realizada e foi
ministro da Justiça, quando combateu o crime
organizado e a criminalidade violenta. É autor do livro
“Contra o sistema da corrupção”. **Os textos do
colunista não expressam, necessariamente, a opinião da
Gazeta do Povo.

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Presidente Lula e os ministros do STF, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa
Weber. | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

OPINIÃO.

J.R. Guzzo
Até Gilmar Mendes reconhece que
Lula só se elegeu graças ao STF

É mais fácil um camelo passar pelo buraco de


uma agulha, como diz a Bíblia, do que fazer com
que um ministro do Supremo Tribunal Federal

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se manifeste apenas nos autos, como é princípio
elementar em qualquer democracia séria do
mundo. Os ministros do STF brasileiro são hoje
oradores políticos, principalmente em lugares
como Paris, Nova York ou Lisboa – onde em
geral falam em português para plateias de
brasileiros. No tempo que sobra das suas
palestras, seminários e conferências, atuam
como juízes. Mas no caso do último
pronunciamento, por parte do ministro Gilmar
Mendes, os brasileiros tiveram a oportunidade
de ouvir a verdade que nenhuma figura pública
deste país foi capaz de dizer até agora: a
presença de Lula na presidência da República se
deve ao STF. É, certamente, o maior chamado à
realidade que o Brasil já ouviu desde as eleições
presidenciais de 2022.

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É muito bom que o ministro Gilmar ter dito que
disse, pois assim não se poderá mais acusar de
“desinformação” ou de outros crimes “contra a
democracia”, o cidadão que vem dizendo
exatamente a mesma coisa há mais de um ano.
“Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula,
isso se deveu a uma decisão do STF”, afirmou o
ministro em Paris, no último evento
internacional de que participou.

Num país governado por um


sistema oficial de mentiras, é
realmente um conforto ouvir um
peixe graúdo do regime restabelecer
a verdade.

Esse é o tipo do benefício que pelo menos os 60


milhões de brasileiros, ou quase isso, que
votaram no adversário de Lula, não queriam

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receber do STF. Não se entende, também, como
possam ser a “elite” denunciada por ele em
Paris; se fossem, o Brasil teria a maior elite do
planeta, e todo mundo sabe que não tem. Mas o
que importa é a afirmação central de Gilmar
Mendes: Lula só é presidente do Brasil por causa
do STF. Ele próprio, a esquerda e as classes
intelectuais acham que ganharam “a eleição”.
Sempre foi falso. Quem ganhou a eleição para
eles foi o Supremo.

O STF fez tudo o que foi decisivo para Lula ser


declarado presidente. Não só decidiu anular a
sua própria jurisprudência e revogou a prisão
em segunda instância, o que tirou Lula da cadeia
onde estava cumprindo pena pelos crimes de
corrupção e lavagem de dinheiro. Também
anulou as quatro ações penais contra ele, com a
prodigiosa desculpa de que o endereço dos

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processos estava errado, o que suprimiu a ficha
suja que o impedia de se candidatar.

O braço eleitoral do STF, o TSE, trabalhou


sistematicamente a favor de Lula e contra seu
adversário e não permitiu nenhuma
investigação sobre a contagem dos votos. Ao
contrário: puniu, inclusive com multas de 22
milhões de reais, quem cometeu o delito de
apresentar uma petição ao próprio TSE para
solicitar um reexame da apuração.

Num país governado por um sistema oficial de


mentiras, é realmente um conforto ouvir um
peixe graúdo do regime restabelecer a verdade
dos fatos numa declaração pública. Lula não foi
colocado no Palácio do Planalto pelo eleitor
brasileiro; está lá pela vontade do STF. Deve
tudo aos ministros – sua autonomeação para o

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cargo de Deus, seu programa de volta ao mundo
junto com a mulher, as dezenas de empregos
“top de linha” que deu para os amigos que
perderam a eleição, e daí até o infinito. Não está
lá por seus méritos, a “vontade popular” ou a
vitória do amor sobre o ódio. Está lá porque o
STF quis; se não tivesse querido, Lula
continuaria até hoje trancado numa cela de
Curitiba, e ninguém estaria ligando
minimamente para ele.

Autor: J.R.Guzzo é jornalista. Começou sua carreira


como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo,
passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um
dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em
1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a
guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do
presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor
de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que
a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais
de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e
Exame. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a
opinião da Gazeta do Povo.

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Líderes do Hamas vivem no Catar, longe da rotina de privações dos moradores de Gaza.
Foto: Pixabay/Gooseb

GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Com 65% de Gaza na miséria,


líderes bilionários do Hamas levam
vidas de luxo no Catar
Por Fábio Galão

Segundo dados de 2022 do Escritório das


Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos

26
Humanitários (Ocha, na sigla em inglês), 65%
da população da Faixa de Gaza vive em situação
de insegurança alimentar e abaixo da linha da
pobreza.

Entretanto, para os líderes do grupo terrorista


Hamas, que controla o enclave desde 2007,
fome e pobreza não passam de uma realidade
muito distante.

Uma reportagem de junho de 2021 do Canal 13,


de Israel, descreveu uma rotina de festas, casas
e carros luxuosos das lideranças do Hamas e
suas famílias e apontou que o grupo tem ao
menos três bilionários: Mousa Abu Marzook
(que tem um patrimônio estimado em US$ 3
bilhões), Ismail Haniyeh (entre US$ 3 e 4
bilhões) e Khaled Mashal (US$ 5 bilhões).

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Marzook é um membro sênior da direção do
Hamas e foi vice-presidente do diretório
político do grupo terrorista entre 1997 e 2014;
Haniyeh é o presidente do diretório desde 2017;
e Mashal foi seu antecessor, entre 1996 e 2017.

Em 2014, Moshe Elad, especialista em Oriente


Médio da Faculdade da Galileia Ocidental, disse
em entrevista ao jornal israelense Globes que as
fortunas dos líderes de Hamas têm várias
origens.

Uma primeira fonte são as doações, de


familiares de pessoas mortas, de caridade e de
outros países islâmicos. O analista citou
também campanhas para arrecadar dinheiro
entre muçulmanos ricos nos Estados Unidos,
que ajudaram na criação de vários fundos de
valores estratosféricos.

28
Em grande parte, essas doações são desviadas
para o ralo da corrupção e um dos caminhos são
funcionários fantasmas: apoiadores no
estrangeiro recebem listas com nomes fictícios
de servidores da administração de Gaza, cujos
salários acabam embolsados por membros
sêniores do Hamas.

“O que chama a atenção nos líderes palestinos


ao longo dos anos é o lema ‘Fique rico
rapidamente’. Esses líderes não têm vergonha.
Eles assumem o controle de indústrias cruciais,
como comunicações e gasolina, assim que
assumem as rédeas”, disse Elad, que destacou a
cultura de corrupção escancarada entre as
lideranças do Hamas.

O contrabando pelos túneis de Gaza é outra


fonte de renda para as lideranças do Hamas, que

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cobram taxas de 25% do valor das mercadorias
que chegam ilegalmente à faixa. O Hamas
também impõe taxas a todos os comerciantes
em Gaza e fatura com a especulação imobiliária.

Em 2021, uma reportagem do jornal The Arab


Weekly destacou que vídeos nas redes sociais
mostraram Haniyeh jogando futebol ao lado dos
arranha-céus com imponentes fachadas de
vidro do Catar e sendo recebido com tapete
vermelho por altos funcionários do país.

Akram Atallah, colunista do jornal Al-Ayyam,


com sede na Cisjordânia, disse ao Arab Weekly
que os líderes do Hamas contiveram a revolta da
população de Gaza por meio da “dualidade” de
serem ao mesmo tempo um governo e um
“grupo militante”.

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“Quando criticado por não fornecer serviços
básicos, [o Hamas] afirma ser um grupo de
resistência. Quando criticado por impor
impostos, diz que é um governo legítimo”,
argumentou.

Entretanto, Atallah afirmou que o desgaste dos


líderes terroristas já vinha crescendo antes da
guerra deflagrada após os ataques do Hamas a
Israel.

“O Hamas, como autoridade, foi exposto. O


povo descobriu que seus líderes vivem muito
melhor do que eles”, afirmou.

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Deputados e senadores da CPMI do 8/1 votam relatórios oficial e alternativo no
encerramento do trabalho.| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

GUERRA DE NARRATIVAS

Oposição indica 7 pontos ignorados


pelo relatório oficial da CPMI do 8/1
Por Sílvio Ribas

O voto em separado, apresentado


conjuntamente por 16 oposicionistas na
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito

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(CPMI) de 8 de janeiro, em contraposição ao
relatório oficial, elaborado pela senadora
Eliziane Gama (PSD-MA), aborda
minuciosamente diversas situações cuja
investigação não progrediu devido às barreiras
estabelecidas pela maioria governista. A ele foi
juntado o voto independente do senador Izalci
Lucas (PSDB-DF), que se concentrou nas
omissões do ministro Flávio Dino (Justiça) e do
ex-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) general Marco Gonçalves
Dias.

Os pareceres alternativos foram lidos na


terça-feira (17). Na quarta-feira (18), foi
aprovado apenas o texto da relatora, que
sustenta a narrativa de golpe de Estado
fracassado, tendo o ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) como mentor intelectual. O

33
documento a ser encaminhado ao Ministério
Público Federal (MPF) pede o indiciamento de
61 indivíduos, entre os quais oito generais.

Apesar de sua rejeição pela comissão, o relatório


paralelo é visto pela oposição como cobrança
por esclarecimento de vários pontos
relacionados aos atos de vandalismo, além de
servir como manifesto político.

Com ênfase nas omissões das forças de


segurança do governo federal no 8 de janeiro e
em ações do Supremo Tribunal Federal (STF)
tidas como ilegais e abusivas, seja nas prisões
de envolvidos e em outros procedimentos, o
relatório da oposição também requeria uma
distinção clara entre os conceitos de
manifestações pacíficas, vandalismo e atos de
terrorismo, que estão confusos no parecer da

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CPMI. A seguir, destacam-se os principais
tópicos destacados pelos dois votos em
separado da CPMI.

1. Ausência de individualização de
responsabilidades

A CPMI não atendeu a uma demanda, também


ignorada pela Justiça, de individualização das
condutas criminosas no 8 de janeiro, de modo a
separar os atos cometidos pela minoria de
vândalos do comportamento ordeiro da maioria
de manifestantes, garantindo a
proporcionalidade das punições. “Quase dois
mil presos foram juntados sob a pecha de serem
todos golpistas e terroristas”, disse o deputado
Delegado Ramagem (PL-RJ).

35
2. Irrazoável narrativa de um golpe de Estado
frustrado

A tese de uma tentativa de golpe de Estado


liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
no 8 de janeiro, que domina o relatório da CPMI
desde a primeira linha, é desconstruída pelos
parlamentares de oposição. Para eles, trata-se
de algo inexequível, por se tratar de evento
ocorrido no domingo, sem contingentes
armados, risco à rotina das autoridades no
poder. Sob a tese de crime de multidão, sem
rosto, lembram que foi ocultada a maioria
pacífica nos atos. “O próprio ministro José
Múcio (Defesa), do governo Lula, chamou o
ocorrido de uma baderna promovida por alguns
irresponsáveis”, comentou o deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG).

36
3. Ocupação governista da CPMI barrou
investigações e impôs versões

Apesar de ser iniciativa da oposição, a CPMI foi


dominada pelo governo, com maioria de dois
terços. Com isso, 38 dos 64 membros sequer
assinaram o pedido de sua instalação. Dos
quatro membros da mesa diretora, só um era
representante da oposição, o senador Magno
Malta (PL-ES). “Com isso, o plano de trabalho
se desvirtuou. Das 24 oitivas, só três não
tiveram apoio da relatora ou de governistas.
Centenas de requerimentos aprovados sem ter
relação com o objeto da comissão serviram à
perseguição de inimigos”, protestou o deputado
André Fernandes (PL-CE), autor do
requerimento da CPMI, assinado por 246
deputado e 40 senadores.

37
4. Criminalização e intimidação dos protestos
de rua da direita

A oposição criticou a abordagem das


investigações que, segundo os parlamentares,
evidenciaria uma tentativa de criminalização de
movimentos populares de rua espontâneos de
direita. “Não foi convocado ninguém flagrado
por fotos e vídeos depredando. Por quê? Porque
a tese de crime de multidão serve à narrativa
para criminalizar manifestações de direita,
quando se sabe que havia grupos distintos, com
a maioria pacífica. Mesmo assim, muitos
ficaram presos por nove meses”, disse o
deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

38
5. Flagrante omissão do ex-chefe do GSI e do
ministro da Justiça

Os relatórios do grupo oposicionista e do


senador Izalci Lucas pediram indiciamentos do
ministro da Justiça, Flávio Dino, e do ex-chefe
do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
general Marco Gonçalves Dias, devido à
omissão sem a qual as cenas de vandalismo não
teriam ocorrido. O parecer combinado pede a
isonomia de tratamento por parte do Supremo
Tribunal Federal (STF) para entender que
agentes públicos federais que se omitiram
devam responder por tais delitos. Os alvos de
pedido de indiciamento da oposição, que
incluem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), não foram citados no parecer oficial,
sendo que Dino sequer foi ouvido pela CPMI e o

39
depoimento de Dias trouxe a suspeita de
combinação de respostas, segundo a oposição.

“O ministro Dino sabia de tudo previamente e


optou dolosamente por não fazer o uso da Força
Nacional”, protestou o deputado Filipe Barros
(PL-PR). “Conforme confidenciou o próprio
presidente Lula em entrevistas, foram
permitidas invasões do Planalto e houve uma
cumplicidade em proveito de alguém”,
sublinhou o senador Esperidião Amim (PP-SC).
“Além da CPMI, o STF foi agredido pelo
ministro da Justiça quando não forneceu as
imagens demandadas e que estavam sob sua
responsabilidade. Elas chegaram a circular e
foram destruídas”, lembrou o senador
Esperidião Amim (PP-SC).

40
6. Prisões sugerem ilegalidades e desprezo pelo
devido processo legal

As prisões de quase 2 mil pessoas em razão do 8


de janeiro, sendo boa parte sem a situação de
flagrante, realizadas até mais de um dia após o
ocorrido, expuseram uma série de ilegalidades e
ocorrências abusivas, segundo a oposição.
Parlamentares apontam a ausência de denúncia
formal, participação de advogados e outras
situações inéditas e estranhas à jurisprudência,
como prisão preventiva indevida, inclusive de
mães com filhos pequenos.

As violações teriam avançado sobre direitos


essenciais dos investigados e prejudicado
famílias. Os réus do 8 de janeiro também não
gozaram do mesmo direito de serem julgados
pela justiça comum, que tiveram os envolvidos

41
na tentativa de invasão da sede da Polícia
Federal em 12 de dezembro e o atentado
debelado na véspera de Natal. Ficaram sem
chance de recorrer a instâncias superiores. “O
STF é incompetente para fazer esses
julgamentos de exceção. O abuso salta aos olhos
em um processo parcial, todos os quase dois mil
presos foram levados previamente sob a marca
de terroristas e golpistas”, disse a senadora
Damares Alves (Republicanos-DF).

7. Possível condenação indevida por omissão


de policiais militares

As falhas de segurança foram imputadas apenas


a integrantes da Polícia Militar do Distrito
Federal (PMDF), com suspeitas de omissão do
governador Ibaneis Rocha (MDB). A oposição
aponta o não acionamento do Plano Escudo do

42
governo federal, para proteger o Palácio do
Planalto, e contesta a condenação de oficiais,
sobretudo do ex-comandante de Operações,
coronel Jorge Eduardo Naime, que estava de
férias e, mesmo assim, lutou contra invasores.
“Ele sofreu prisão abusiva por cinco meses,
descolada de realidade, numa clara perseguição
política que o tornou bode expiatório”, afirmou
o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS).

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43
Considerada a “Lava Jato de Santa Catarina”, a Operação Mensageiro já é
considerada a maior ação contra a corrupção no estado.| Foto:
Divulgação/Ministério Público de Santa Catarina

OPERAÇÃO MENSAGEIRO

“Lava Jato de Santa Catarina” tem


16 prefeitos presos e expõe
corrupção sistêmica
Por Raphaela Suzin, especial para a Gazeta do Povo

Considerada a maior investigação de corrupção


da história de Santa Catarina, a Operação

44
Mensageiro apura o suposto esquema de
propinas e fraudes na contratação de coleta e
destinação de lixo em ao menos 20 cidades do
estado. As equipes de investigação apontam
para a suspeita de que a empresa Serrana
Engenharia, considerada pivô do escândalo,
pagaria uma “mesada” a prefeitos e agentes
públicos para vencer licitações e superfaturar
contratos. Em quatro fases, a operação levou à
prisão 16 prefeitos, sendo que um deles foi
condenado no fim de setembro. Todos os chefes
do Executivo declaram-se inocentes das
denúncias feitas pelo Ministério Público de
Santa Catarina (MP-SC).

As investigações da Operação Mensageiro


começaram em 2021 e, após um ano, a primeira
fase foi deflagrada. Segundo o MP, foi
desvendada uma organização criminosa

45
dividida em dois grupos: um de agentes
políticos e outro empresarial, vinculado à
Serrana. Além de fraudar licitações da coleta e
destinação de lixo, eles são suspeitos de
prejuízos causados a outro serviço: a iluminação
pública. Ao todo, segundo o Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco), o esquema teria pago mais de R$ 100
milhões em propina, e o lucro da empresa
passaria dos R$ 430 milhões.

Em sete meses da Operação


Mensageiro, foram ressarcidos aos
cofres públicos R$ 50 milhões e uma
aeronave, além da apreensão de R$
1,5 milhão em espécie.

No primeiro julgamento sobre as acusações, no


fim de setembro, o subprocurador-geral de

46
Justiça para Assuntos Jurídicos do MP-SC,
Durval da Silva Amorim, afirmou que "as
investigações demonstraram uma corrupção
sistêmica, complexa e que alcançou cifras
milionárias". Ao fim do júri, o prefeito de
Itapoá, Marlon Neuber (PL), e outras nove
pessoas, entre elas funcionários da Serrana, que
estariam envolvidas no esquema no município
do norte do estado, foram condenadas.

Mensageiro entregava envelope com dinheiro e


a letra inicial de cada município

De acordo com despachos do Ministério


Público, diversos municípios de Santa Catarina
teriam um “acerto” com o Grupo Serrana.
Funcionários da empresa ofereciam propina
para agentes públicos em troca de
favorecimento em licitações e contratos

47
públicos, para realização de coleta e destinação
de lixo, e, ainda, serviços de iluminação pública.

As investigações apontaram que o dinheiro era


entregue por um “mensageiro” a prefeitos e
agentes públicos em um envelope com a letra
inicial de cada município. A Serrana destaca que
o “mensageiro” não fazia parte do seu quadro
de funcionários havia 10 anos. Relatórios do MP
apontam que ele se apresentaria como “Paulo”,
“como subterfúgio para que agentes públicos
não soubessem sua verdadeira identidade”,
seria morador do Paraná e fazia viagens a Santa
Catarina para realizar os pagamentos de
propina.

Entre 2017 e 2021, de acordo com documentos


do MP, a empresa Serrana Engenharia teve
emitidas 3.056 notas de empenho (documento

48
de “contratação”), por 76 órgãos de Santa
Catarina, como municípios, secretarias, fundos
municipais, serviços autônomos de água e
saneamento. Esses contratos somaram mais de
R$ 419 milhões. O órgão destaca ainda que, dos
95 procedimentos licitatórios que participou, a
empresa venceu 72 neste período.

Por meio de delações premiadas, o MP mapeou


agentes envolvidos, locais de entrega da
propina e o modus operandi do esquema de
corrupção. Os documentos apontam que,
geralmente, um funcionário da Serrana entrava
em contato com prefeitos ou servidores
públicos para falar sobre a possibilidade de
ampliar ou fazer um novo contrato de coleta
seletiva no município. E, então, oferecia uma
“mesada” aos agentes. A maioria de R$ 5 mil.
Segundo relatos ao MP, esse funcionário

49
explicava todo o procedimento para os
envolvidos e orientava a apagar as mensagens
de telefone, enviadas via SMS, e a jamais
utilizar WhatsApp ou efetuar ligações
telefônicas.

De acordo com a investigação, os pagamentos


de propina seriam organizados na sede da
Serrana, em Joinville, e eram todos feitos em
dinheiro em espécie. A propina era entregue
pelo “mensageiro”, mensalmente, em locais
distintos. Ele enviava mensagens, via SMS, para
agentes públicos, por um número de telefone
específico, que seria “um pequeno e singelo
aparelho celular, marca DL”, informando local e
hora para entrega do dinheiro.

50
Nos casos de disputa licitatória,
intermediários da empresa Serrana
forneceriam um pen drive com o
edital pronto para ser usado pela
prefeitura.

Esse edital era publicado pelo município, e a


empresa vencedora da disputa era a Serrana.
Um dos investigados informou, segundo o MP,
que “nas próprias composições de custos da
Serrana já colocavam valores a mais, na faixa de
pouco mais de R$ 10 mil ao mês, referentes a
propinas que seriam pagas”.

“Com o aprofundamento das investigações,


possível verossimilhança das alegações, quebra
de dados telefônicos e telemáticos,
interceptações telefônicas e diversas outras
medidas deferidas, descobriu-se, segundo

51
trazido pela equipe de investigação do Gaeco, o
maior e mais complexo esquema criminoso para
pagamentos de propina para agentes públicos e
políticos da história do Estado de Santa
Catarina”, resume o MP em um dos despachos
em que pede a prisão preventiva de parte dos
réus.

Em nota, a Serrana Engenharia destaca que “as


ações penais referentes à Operação Mensageiro,
estão sendo dirigidas exclusivamente às
pessoas físicas. No que tange à pessoa jurídica,
todos os contratos de prestação de serviços
seguem ativos, sem nenhum impedimento
jurídico para participação em processos
licitatórios ou renovação de contratos,
conforme já salientado nos processos em
trâmite no Poder Judiciário de Santa Catarina.”
E destaca ainda: “A Serrana Engenharia possui

52
um histórico de mais de 30 anos de excelente
execução dos contratos administrativos e todos
os fatos imputados à empresa na Operação
Mensageiro não possuem relação com a
qualidade da prestação dos seus serviços aos
municípios e à população.”

Primeiras condenações da Operação


Mensageiro aconteceram em setembro

Em 28 de setembro, a Mensageiro teve as


primeiras condenações na 5ª Câmara de Direito
Criminal do Tribunal Superior de Justiça de
Santa Catarina. Por unanimidade, 10 réus, que
estariam envolvidos no esquema de propina em
Itapoá, foram condenados. Entre eles, Marlon
Neuber (PL), ex-prefeito da cidade.

53
Ele foi condenado por organização criminosa e
corrupção ativa a mais de 59 anos de prisão. No
entanto, Neuber conseguiu redução da pena,
que agora está estipulada em 18 anos de
reclusão. O político também não poderá
concorrer a cargos públicos por oito anos após
cumprir a pena.

Outros dois agentes públicos e sete pessoas


ligadas à Serrana foram condenados. As penas
variam de um ano a 23 anos de reclusão. A
Justiça também determinou a devolução de R$
1,6 milhão ao município, referente a valores
obtidos por eles no esquema de propina.

54
A Operação Mensageiro em números

● Quatro fases: em 6 de dezembro de 2022; 2


de fevereiro de 2023; 14 de fevereiro de
2023; 27 de abril de 2023.
● 40 mandados de prisão, sendo que 33
pessoas são agentes públicos.
● 232 mandados de busca e apreensão.
● 367.643 documentos apreendidos e
digitalizados.
● 392 dispositivos apreendidos.
● 21 denúncias oferecidas.
● 20 municípios envolvidos no esquema:
Balneário Barra do Sul, Bela Vista do Toldo,
Braço do Norte, Canoinhas, Capivari de
Baixo, Corupá, Gravatal, Guaramirim,
Ibirama, Imaruí, Itapoá, Lages, Major
Vieira, Massaranduba, Papanduva, Pescaria

55
Brava, Presidente Getúlio, Schroeder, Três
Barras e Tubarão.

Investigações apontaram a participação de 20 prefeituras no esquema de


corrupção.| MP-SC/Divulgação

As semelhanças da Mensageiro com a Lava Jato

Logo que foi deflagrada, a Operação Mensageiro


não escapou das comparações com a Lava Jato,
que investigou crimes de corrupção na
Petrobras. De acordo com o professor de

56
Relações Internacionais, Direito e Comércio
Exterior da Univali Daniel da Cunda Corrêa,
assim como a Lava Jato, que começou em uma
investigação sobre um contrato específico da
Petrobras e que acabou se espalhando e
implicando em um esquema que atravessou a
estatal, a Mensageiro também começa com
algumas apurações na cidade de Massaranduba
sobre contratos ilícitos e desencadeia em uma
investigação mais complexa. “Nesse sentido,
existem semelhanças nessa operação que têm
certo efeito dominó, uma reação em cadeia que
se desenrola um novelo e vai se descobrindo que
é muito maior do que se imaginava”, explica.

Outra semelhança são as delações premiadas,


firmadas com investigados para desvendar mais
detalhes do esquema. O método foi amplamente
utilizado na Lava Jato e também aplicado na

57
Mensageiro. No entanto, Corrêa destaca as
provas robustas reunidas pela operação
catarinense. “Dada a solidez do processo e das
provas reunidas, eu diria que há um certo
aspecto de melhora na condução do rito
processual dessa investigação em comparação
ao que foi o legado da Operação Lava Jato, que
do ponto de vista jurídico tem inúmeras
inconsistências que acabaram levando à
anulação de processos e que teve impacto
político grande”. Além disso, ele destaca como
ponto comum das investigações a
espetacularização das prisões e o fato de elas
serem midiáticas.

Há no entanto uma diferença entre as


operações: o holofote voltado ao Judiciário. “Na
Lava Jato [isso] foi muito forte e projetou a
figura do juiz, com entrevistas e

58
posicionamentos”, explica o especialista,
complementando que o mesmo não acontece na
Mensageiro.

O que dizem os prefeitos:

Adilson Lisczkovski (Patriota), prefeito de


Major Vieira

Preso em abril, Lisczkvski virou réu na


Mensageiro em julho, após a 5ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (TJSC) aceitar a denúncia contra ele. O
prefeito perdeu o cargo em agosto em decisão
da Câmara de Vereadores. De acordo com o
advogado de defesa Marcelo Peregrino, a
instrução processual de Lisczkvski “vai
começar no primeiro grau”.

59
O MP diz que o prefeito teria entrado no
esquema ao confidenciar a outro chefe do
Executivo que desejava uma forma de “fazer
dinheiro”. Em 2022, o prefeito teria recebido da
Serrana mesadas de R$ 5 mil, que, juntas,
somam cerca de R$ 30 mil. O órgão afirma que
um dos encontros de Lisczkvski com o
“mensageiro” teria ocorrido próximo a um
trevo na BR-116. Para o MP, ele pode ter
praticado crimes de fraudes à licitação, peculato
desvio, corrupção passiva e organização
criminosa.

Adriano Poffo (MDB), prefeito de Ibirama

Preso em abril na quarta fase da Operação


Mensageiro, Poffo foi solto no último dia 5 por
decisão do Tribunal de Justiça de SC. Ele se
tornou réu na investigação em julho e, agora, o

60
processo vai para fase de diligências. Segundo o
advogado de defesa, Hélio Brasil, o prefeito se
declara inocente.

De acordo com o MP, Poffo teria feito “edições


em documentos licitatórios para beneficiar o
grupo empresarial, agindo inclusive de ofício,
defendendo os interesses da Serrana em
detrimento do município de Ibirama”. O órgão
afirma, ainda, que os investigadores acreditam
que Poffo e um secretário do município teriam
recebido, entre 2016 e 2022, R$ 310 mil em
suposto pagamento de propina.

Alfredo Cezar Dreher (Podemos), prefeito de


Bela Vista do Toldo

Réu na Mensageiro desde agosto, Dreher foi


preso em abril e conseguiu a liberdade em 10 de

61
outubro, em decisão do Supremo Tribunal de
Justiça (STJ). Essa é a primeira decisão da Corte
a favor de um investigado em toda a operação,
destaca o advogado de defesa Guilherme Araújo.
O defensor explica, ainda, que a instrução da
ação penal contra o prefeito ainda não iniciou e
está marcada para fim de outubro. Ele disse que
um dos secretários da prefeitura isentou Dreher
das acusações “e afirmou categoricamente que
o chefe do Executivo não sabia da negociata
ilícita”. “Confiando a defesa que durante a fase
de produção de provas o Ministério Público e o
Judiciário percebam a ausência de sua
participação nos fatos investigados e
reconheçam sua inocência”, complementa em
nota.

Segundo o MP, Dreher teria recebido em 2022 e


2023 cerca de R$ 8,4 mil de propina. Para o

62
órgão, ele pode ter praticado os crimes de
fraudes à licitação, peculato, corrupção passiva
e organização criminosa.

Antônio Ceron (PSD), prefeito de Lages

Preso em fevereiro, Ceron teve a prisão


revogada em julho, quando retornou à
prefeitura de Lages. Segundo o advogado de
defesa, Maurício Miguel, o processo contra ele
está na fase de alegações finais, após isso
aguardará a sentença. "A defesa confia
plenamente no Poder Judiciário. Ao final será
feita Justiça, com a absolvição do prefeito",
disse a defesa em nota.

De acordo com o MP, entre janeiro de 2020 e


dezembro de 2022, Ceron teria recebido mesada
de R$ 50 mil da Serrana. Os encontros teriam

63
ocorrido na sede da prefeitura e na casa de um
dos secretários da prefeitura.

Antônio Rodrigues (PP), prefeito de Balneário


Barra do Sul

Preso na primeira fase da operação, Rodrigues


teve o mandato extinto pela Câmara de
Vereadores em junho. O processo contra ele está
na fase de interrogatórios. Depois, terá prazo
para as partes em diligências complementares,
finalizando com as alegações finais. “O Sr.
Antônio jamais admitiu ter praticado qualquer
dos crimes pelos quais foi denunciado. A defesa
entende que toda a prova produzida até o
presente momento, seja na fase de inquérito e
na fase judicial, não trouxe provas de sua
culpabilidade. O histórico de honestidade do

64
prefeito fala por si”, diz, em nota, o advogado
de defesa Aldano José Vieira Neto.

Segundo o MP, a investigação apontou que, a


partir de 2021, ele teria recebido propina no
valor de R$ 5 mil por mês para facilitar aditivos
no contrato da Serrana com a prefeitura. Além
disso, ao realizar busca e apreensão, a equipe da
Mensageiro encontrou R$ 28 mil em um
envelope numa gaveta da prefeitura de
Balneário Barra do Sul. A denúncia afirma que o
dinheiro estaria na sala da secretária do
prefeito.

Armindo Sesar Tassi (MDB), prefeito de


Massaranduba

Preso desde 27 de abril, Tassi é réu na Operação


Mensageiro. No entanto, parte do processo

65
contra ele retornou à fase original. “Houve uma
questão processual, em relação a uma peça que
era de denúncia, em razão desse fato, o
processo teve que retomar o início. Vai ser
apreciada parte da denúncia no dia 26”,
explicou o advogado do prefeito Giancarlo
Castelan. A defesa aguarda, ainda, a análise de
um pedido de liberdade provisória pelo Tribunal
de Justiça de Santa Catarina e também a
apreciação de habeas corpus no STJ. Tassi se
declara “totalmente inocente”.

A cidade tem contrato com a Serrana para


setores de água e saneamento e iluminação
pública há 13 anos. Mas, segundo o MP, a partir
de janeiro de 2019, “foram constatadas trocas
de propina em dinheiro e vantagens recíprocas
indevidas”. Em denúncia, o MP afirma que

66
Tassi teria recebido mesada de R$ 5 mil, que
totalizaram R$ 240 mil.

Pelo apurado, os pagamentos das propinas


ocorreram de maneira periódica, de janeiro de
2019 até dezembro de 2022, sendo que a última
oferta e recebimento, considerando as
informações coletadas pelos agentes, ocorreu
em setembro de 2022, com um adiantamento
das parcelas finais.

Deyvison de Souza (MDB), prefeito de Pescaria


Brava

Foi preso em dezembro de 2022 e renunciou ao


cargo de prefeito de Pescaria Brava, cidade do
sul de Santa Catarina, em julho deste ano. No
fim de setembro, deixou a prisão. Em nota, o
advogado de Souza, Pierre Vanderlinde,

67
explicou que o processo contra o ex-prefeito
encontra-se na fase de diligências, que as
testemunhas foram ouvidas e os réus
interrogados. "Deyvison declara-se inocente",
finalizou o advogado. A reportagem não teve
acesso ao processo do pedido de prisão de
Souza.

Felipe Voigt (MDB), prefeito de Schroeder

Preso em abril, Voigt se tornou réu da


Mensageiro em julho. O processo tramita na
comarca de Guaramirim, já que ele renunciou ao
cargo, e está na fase de produção de provas. Em
breve, ocorrerão as audiências de oitiva de
testemunhas. Desde junho, o ex-prefeito está
em prisão domiciliar após a Justiça aceitar o
pedido feito para assegurar a integridade física
de Voigt. De acordo com o advogado de defesa,

68
Daniel Massimino, o político “segue confiante
de que conseguirá provar sua inocência no curso
da ação penal, e acreditando na Justiça como
expressão de um dos Poderes do Estado,
fundamental para a Democracia”.

Segundo a investigação, Voigt teria inserido


cláusulas no edital de processo de licitação que
beneficiaram a contratação da Serrana. Isso
teria ocorrido no início de 2021, quando,
segundo o MP, o prefeito começou a receber
mesada de R$ 10 mil. Em 2022, ele teria
recebido duas parcelas de R$ 80 mil. “Os
investigadores concluíram que as propinas
percebidas por Felipe Voigt, desde o início do
ano de 2021 até o final de 2022, totalizaram R$
240 mil”, diz o MP em despacho. Para o órgão, o
prefeito teria cometido os crimes de fraudes à

69
licitação, peculato, desvio, corrupção passiva e
organização criminosa.

Joares Ponticelli (PP), prefeito de Tubarão

Preso em fevereiro, na terceira fase da


operação, Ponticelli virou réu em abril e teve
liberdade concedida, com uso de tornozeleira
eletrônica, em 29 de junho. Em 10 de julho,
renunciou ao cargo de prefeito. Segundo o
advogado de defesa Nilton Machado, o processo
contra Ponticelli está na fase final de
diligências, depois terão as alegações finais e,
então, a sentença. “Estamos tranquilos para o
julgamento e insistimos na inocência dele”,
afirmou.

De acordo com o Ministério Público, Ponticelli


teria recebido mesada de R$ 30 mil da Serrana

70
ao menos 15 vezes em troca de facilitações no
contrato de destinação de lixo na cidade.

Luís Antônio Chiodini (PP), prefeito de


Guaramirim

Chiodini foi preso em maio após retornar de


uma viagem à Europa. O prefeito de Guaramirim
foi alvo da quarta fase da operação, que ocorreu
em abril. Segundo o advogado de defesa, Luis
Irapuan Neto, o processo está em fase de
instrução, e as oitivas devem ser finalizadas
ainda neste mês. Chiodini declara-se inocente
das acusações.

Segundo o MP, elementos apontam que


Chiodini teria recebido propina de R$ 15 mil
antes de assumir o cargo de prefeito, em 2017. O
pagamento seria para que ele intercedesse pelos

71
interesses da empresa. O órgão diz, ainda, que,
até o fim de 2022, ele teria recebido o montante
de R$ 231 mil.

Luiz Carlos Tamanini (MDB), prefeito de


Corupá

Tamanini foi preso em abril, na quarta fase da


Operação Mensageiro. Segundo o advogado de
defesa, Luis Irapuan Neto, o processo está em
fase de instrução, e as oitivas devem ser
finalizadas ainda neste mês. Tamanini
declara-se inocente das acusações.

Tamanini teria, segundo o MP, negociado


repasses mensais de R$ 21 mil com um
funcionário da Serrana, para defender os
interesses da empresa. De acordo com as
investigações, no fim de 2022, “em virtude de

72
desconfianças da Serrana de que havia
investigação”, um representante da empresa
teria efetuado o pagamento de R$ 126 mil a
Tamanini, referente a seis meses de propina. O
Ministério Público calcula que, durante o
mandato, Tamanini teria recebido ao todo cerca
de R$ 519 mil. De acordo com o órgão, no
cumprimento de mandado de busca e apreensão
contra o prefeito, foram apreendidos R$ 60 mil
em espécie na residência dele, “possivelmente
oriundos de propina”, defende o órgão.

Luiz Henrique Saliba (PP), prefeito de


Papanduva

Preso em dezembro, Saliba teve o mandato


extinto por uma portaria da Câmara de
Vereadores. Com isso, perdeu o foro
privilegiado. A próxima fase do processo é o

73
início das audiências, que totalizaram cinco.
Saliba, que foi solto em 7 de outubro, se declara
inocente.

Segundo o MP, ele é suspeito de receber R$ 400


mil em propina em troca de supostas vantagens
em contratos de coleta de lixo.

Luiz Shimoguiri (PSD), prefeito de Três Barras

Preso em abril, virou réu e, em agosto,


renunciou ao cargo. A reportagem não
conseguiu contato com o advogado de defesa.
Segundo as investigações, Shimoguiri teria
recebido, entre janeiro de 2017 e dezembro de
2021, mesada de R$ 12 mil, “no intuito de zelar
pelos interesses privados do Grupo Serrana
perante o Município de Três Barras”. Ainda
segundo o MP, em 2022, o valor teria subido

74
para R$ 17 mil. O órgão calcula que, no atual
mandato, ele tenha recebido, ao todo, cerca de
R$ 805 mil em propina.

Para o Ministério Público, o político teria


cometido crimes de fraudes à licitação,
peculato, desvio, corrupção passiva e
organização criminosa.

Marlon Neuber (PL), prefeito de Itapoá

Neuber foi preso na primeira fase da operação,


renunciou ao cargo e teve o mandato extinto.
Ele foi condenado, no último mês, a mais de 18
anos de prisão. O ex-prefeito teria recebido
cerca de R$ 460 mil em propina da empresa
pivô da investigação. O advogado de defesa
Marcelo Peregrino disse que não pretende
recorrer do resultado.

75
Patrick Corrêa (Republicanos), prefeito de
Imaruí

Preso em 27 de abril, ele foi solto cinco meses


depois. O processo dele está na fase de
diligências da defesa e após será concedido o
prazo de alegações. "Nessa oportunidade a
defesa fará um apanhado de todas as provas
produzidas", explica o advogado Fábio de
Souza. "A defesa de Patrick Corrêa, na certeza
da sua inocência, acredita na sua absolvição,
cujas teses e linha de defesa serão discutidas
nos autos do processo", finaliza a nota.

De acordo com o MP, ele teria recebido mesada


de R$ 5 mil entre março de 2021 e maio de 2022.
As investigações apontam que, ao todo, Corrêa
teria recebido cerca de R$ 160 mil. O órgão
informa, ainda, que dentro do armário do

76
gabinete do prefeito, foram apreendidos R$ 10
mil em espécie, “o que leva a crer, diante do
cenário aqui retratado, que a importância é, ao
que tudo indica, pode ser proveniente do
recebimento de propina”.

Vicente Correa Costa (PL), prefeito de Capivari


de Baixo

Preso em fevereiro, ele renunciou ao cargo em


10 de julho e 15 dias depois foi solto por
determinação da Justiça. O processo está em
fase de diligências para encerramento da
instrução criminal. Para o advogado de defesa,
Eduardo Faustina, “o verdadeiro grupo
criminoso é o Grupo Serrana, que continua a
executar todos os contratos nas cidades de
Santa Catarina”. Faustina destaca ainda que “o
contrato de destinação de resíduos sólidos não

77
foi feito pela gestão do ex-prefeito Vicente e
continua sendo executado sem qualquer
insurgência dos órgãos de controle, inclusive do
Ministério Público”. E completa: “O ex-prefeito
nunca se encontrou com o mensageiro durante
o seu mandato”.

O MP afirma que o prefeito teria recebido


mesada de R$ 5 mil em troca de benefícios à
Serrana. A propina teria sido paga entre janeiro
de 2021 e março de 2022, somando cerca de R$
78 mil.

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78
Nova campanha da Lacta com Felipe Neto revoltou o público conservador.| Foto:
Reprodução / Twitter @Felipeneto

GUERRA CULTURAL

‘O Som da Liberdade’, ‘Os Escolhidos’,


boicote ao Bis: a direita adere ao
ativismo de consumo
Por Omar Godoy

Quem lacra ainda lucra. Mas isso pode estar


mudando. E a prova são dois casos recentes de

79
boicotes promovidos pelo público conservador
norte-americano que levaram empresas
"conscientes" a rever seus posicionamentos.

No início de agosto, a multinacional AB InBev


(detentora, por aqui, da Ambev) anunciou que
sua receita nos Estados Unidos caiu 10% no
segundo trimestre deste ano devido à queda nas
vendas de sua principal cerveja no país, a Bud
Light. O motivo do fiasco? Um backlash
("retaliação") por parte dos consumidores, em
protesto contra a associação da marca a pautas
identitárias e a um influenciador com posturas
consideradas "antifamília".

Um pouco antes, em maio, a rede varejista de


moda Target enfrentou uma crise parecida. As
ações da companhia perderam 9% de seu valor
de mercado após o lançamento de uma linha de

80
produtos voltados para "minorias". Neste caso,
o público não só propôs uma represália como
também invadiu as lojas exigindo a retirada das
araras com os novos modelos – e as roupas
acabaram sendo expostas apenas no fundo dos
pontos de venda.

A História mostra que, no geral, boicotes


dificilmente causam prejuízos efetivos às
empresas. No entanto, os revezes sofridos pela
Bud Light e a Target neste ano, e mesmo
arranhões menores causados nas imagens de
outras companhias, ligaram o alerta das
grandes corporações.

Em uma matéria publicada em junho, o Wall


Street Journal (um dos principais veículos
internacionais de notícias econômicas)
conversou com executivos de prestígio sobre

81
um possível cansaço do público com relação ao
ativismo corporativo. E muitos deles admitiram
estar reavaliando os planejamentos de suas
companhias no tocante ao envolvimento em
pautas políticas.

Tim Knavish, CEO da PPG Industries


(fornecedora de tintas, revestimentos e fibra de
vidro, com operações em 70 países), é um deles.
"Nós administramos um negócio. Não
administramos uma organização política,
religiosa ou social. Trabalhamos com clientes
que têm opiniões e visões variadas. Portanto,
precisamos levar tudo isso em consideração",
afirmou para a reportagem, intitulada
"Empresas que abraçaram questões sociais
agora têm dúvidas".

82
A apuração do Wall Street Journal ainda aponta
que os próprios executivos estão deixando de
mencionar, em seus pronunciamentos, siglas
como ESG (sustentabilidade ambiental, social e
governança corporativa) e DEI (diversidade,
equidade e inclusão) – até pouco tempo em
voga. "Estamos apenas olhando para os
números. Não somos um órgão eleito, não
estamos aqui para fazer leis", disse Lee Cutler,
diretor financeiro da Pinnacle West Capital,
holding americana do setor de energia elétrica.

Mesmo o poderoso Larry Fink, CEO da empresa


de investimentos BlackRock (a maior do planeta
em gestão de ativos e conhecida por sua política
ESG), reconhece que esses termos se tornaram
muito politizados. "Ainda somos
comprometidos com esses conceitos, mas não
estamos usando mais essas siglas. Elas estão

83
sendo utilizadas como armas tanto pela
esquerda quanto pela direita", afirmou, durante
a edição deste ano do Aspen Ideas Festival,
evento dedicado à discussão de temas atuais,
com a participação de personalidades de
diferentes áreas.

Declarações como a de Fink só comprovam o


óbvio: o ambiente dos negócios é volátil, e o
único norte a ser seguido é aquele em que o
dinheiro está.

"Acho que cada vez mais os consumidores estão


percebendo o cinismo de muitas corporações
que se envolvem na política. E entendem que as
empresas muitas vezes fazem isso apenas em
benefício próprio", disse, em entrevista à
emissora de televisão Fox News, o advogado e
cientista político Will Hild, diretor do

84
Consumers' Research – tradicional entidade de
proteção ao consumidor cujo maior foco nos
últimos anos é alertar as pessoas para o
oportunismo do ativismo progressista
promovido por empresas.

“Façam as empresas pagarem caro”, diz


comentarista de direita norte-americano

Segundo os especialistas, a polarização política


tornou a identidade dos conservadores mais
definida – o que, consequentemente, aumentou
a união e o poder de coordenação dessa parte da
população. Por outro lado, a esquerda estaria
passando por um momento de maior
fragmentação e conflitos internos.

Em suma, agora há ações em bloco e estratégias


bem traçadas por parte da direita. Como ensina

85
o comentarista conservador americano Matt
Walsh: "Não precisamos boicotar todas as
empresas woke. Escolha alguns alvos
estratégicos. Faça elas pagarem caro. Isso é o
suficiente para tornar o 'consciente' muito
menos atraente para o mundo corporativo. Pare
de tentar derrubar todos os dominós de uma só
vez. Comece com um, e depois passe para o
próximo", disse o colunista do site The Daily
Wire, em sua conta no Twitter/X.

O chamado ativismo consumidor de direita, no


entanto, não se limita à recusa em comprar
itens de companhias cujo marketing segue a
agenda woke. Uma tendência igualmente em
alta é o oposto do boycott ("boicote"), o buycott
(trocadilho de difícil tradução em português,
mas que em inglês junta o verbo ‘comprar’ com
a palavra boicote, significando, na prática,

86
comprar ou consumir algo com o qual se alinha
ideologicamente).

O conceito pode ser observado especialmente na


cultura popular, vide o êxito comercial de
produtos com viés ideológico mais conservador.
Os filmes 'O Som da Liberdade' (sobre o tráfico
de crianças) e 'Top Gun: Maverick' (considerado
um resgate de valores perdidos da
masculinidade), a série 'Os Escolhidos' (que
narra a vida de Jesus) e as canções de artistas
country como Jason Aldean e Oliver Anthony
são amostras de hits dos últimos tempos
apoiados pela comunidade de direita.

Há quem diga, inclusive, que muitos desses


sucessos se devem, acima de tudo, à lealdade do
público – independentemente da qualidade das
obras. Como se fosse "obrigatório" consumi-las

87
apenas por serem produzidas por
conservadores. Em março, por exemplo, Donald
Trump chegou ao topo das paradas musicais
(isso mesmo), na categoria "vendas digitais",
com uma faixa estranhíssima, "Justice for All".

A música é uma versão do hino americano


cantada por um grupo de manifestantes presos
durante a invasão ao Capitólio, com a voz
sobreposta do ex-presidente recitando o
“Juramento de Fidelidade aos Estados Unidos”
(verso patriótico de reverência à bandeira do
país). O resultado, cá entre nós, não é dos mais
harmoniosos, porém os seguidores de Trump
adoraram. Foram registrados 33 mil downloads
da faixa e, de acordo com os produtores, o lucro
obtido será destinado aos réus.

88
Mas o ativismo da direita também tem suas
falhas, e uma delas dá conta do excesso de
teorias da conspiração envolvidas nas
mobilizações. Como aconteceu durante as
primeiras semanas de exibição de 'O Som da
Liberdade' nos EUA, quando espalhou-se o
boato de que a AMC, maior cadeia de cinemas do
mundo, estava sabotando as sessões do filme.

De acordo com os rumores, compartilhados


com fúria nas redes sociais, funcionários da
rede estavam sendo obrigados a desligar o
ar-condicionado das salas e forçar problemas
técnicos nos projetores para interromper a boa
carreira do longa. Tudo mentira.

O CEO da AMC, Adam Aron, teve de ir ao


Twitter/X para se defender. "Mais de um milhão
de pessoas assistiram a 'O Som da Liberdade'

89
nos cinemas da AMC. Mais do que em qualquer
outra rede do planeta. Isso é muito bizarro",
disse o executivo, que também é um dos donos
do time de basquete Philadelphia 76ers.

Para conter a crise, e sossegar a audiência,


Jeffrey Harmon, um dos fundadores da
produtora Angel Studios, responsável pelo
filme, também foi à internet e publicou uma
mensagem endereçada a Aron.

"Quero agradecer pessoalmente pelo incrível


parceiro que você tem sido. Muitos de seus
gerentes entraram em contato comigo e me
disseram que adoram o que está acontecendo e
estão trabalhando muito para proporcionar uma
ótima experiência aos fãs de 'O Som da
Liberdade'", afirmou, dando um banho de água
fria nos conspiracionistas de plantão.

90
Para especialista em marketing, consumidores
do Bis "se sentiram traídos"

No Brasil, o ativismo consumidor de direita


também dá sinais de vida. Principalmente por
conta da surpreendente trajetória de 'O Som da
Liberdade' por aqui. Embalada por uma intensa
campanha realizada junto à comunidade cristã,
a produção é a mais vista nas salas do país há
quase um mês – e não dá sinais de que sairá do
topo tão cedo.

No campo mais estritamente político, chama a


atenção a tentativa de boicote ao chocolate Bis,
após a divulgação da notícia de que o youtuber
Felipe Neto (notório por incentivar o
cancelamento de qualquer apoiador do
ex-presidente Jair Bolsonaro) estava entre os
novos garotos-propaganda do doce. Foi um dos

91
assuntos mais comentados do último final de
semana, e, até a conclusão desta matéria,
direitistas e esquerdistas (incluindo políticos
com cargos públicos) seguiam se digladiando
nas redes sociais.

Na guerra de narrativas, chegou-se a


compartilhar a notícia falsa de que as ações da
Mondelez, dona da Lacta e da marca Bis,
sofreram uma queda de 5% graças à retaliação
do público bolsonarista. O número procede,
mas, segundo o jornal Valor Econômico, o
desempenho da companhia na bolsa já estava
em rota de declínio desde o dia 10 de outubro,
devido às incertezas econômicas nos EUA e ao
acirramento do conflito no Oriente Médio.

Seja como for, a proposta de associar a imagem


controversa de Neto a um produto tão

92
tradicional quanto o Bis não fez bem à marca,
como explica Maiara Kososki, doutora em
Administração, Estratégias de Marketing e
Comportamento do Consumidor pela UFPR e
professora dos cursos de graduação em
Administração, Marketing e Administração
Internacional da PUCPR.

"Bis é uma marca que transcende gerações e,


por isso, também é consumida por um público
mais conservador, que possui valores contrários
aos que o Felipe Neto representa. E essas
pessoas acabaram se revoltando. Como no caso
da Bud Light, os consumidores se sentiram
traídos", diz.

"Faltou [à Lacta] entender as crenças de seu


público e se preparar melhor para a repercussão
da campanha", afirma a professora,

93
mencionando o fato de que a empresa saiu pela
tangente e apenas atribuiu a escolha do
youtuber à sua popularidade junto aos gamers
(a companhia é uma das patrocinadoras do
evento CCXP, programado para novembro, em
São Paulo, e dedicado à cultura pop e aos jogos
eletrônicos).

Maiara também discorda da máxima de que


"não existe publicidade ruim nos dias de hoje".
"Isso vale para artistas e celebridades que
precisam estar na mídia todos os dias. Mas, para
marcas construídas ao longo de décadas, como
o Bis, é muito perigoso."

A professora ainda destaca que o ativismo


consumidor sempre foi um expediente adotado
pelos progressistas – e colocado em prática em

94
um ambiente dominado por eles: os meios de
comunicação.

“Até pouco tempo, as pessoas de direita apenas


‘deixavam para lá’ e não entravam nesse tipo de
discussão. E, por ficarem mudas, acabavam
sendo retratadas como os ‘bandidos’ da história
pelos veículos de mídia, que, em sua grande
maioria, têm viés de esquerda. Mas, com as
mudanças sociopolíticas dos últimos anos, a
direita descobriu que têm voz e força”, afirma.

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PARA SE APROFUNDAR

● Homicídios cresceram no Rio e na


Bahia durante governo Lula e reação é
insuficiente

● “Dançar a música dos outros” na


transição energética pode custar caro
ao Brasil

● “Imposto do pecado” pode sobretaxar


bicicletas, celulares e outros produtos

● 16 declarações da esquerda brasileira


relativizando o terrorismo do Hamas

● Revistas femininas ignoram estupros


do Hamas em Israel

● As origens do atual conflito no Oriente


Médio: violência pode atingir o Brasil

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