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Lula foi condenado. E agora?

No dia 24 de janeiro de 2018, o presidente Lula foi


condenado a 12 anos de prisão.
A decisão foi adotada por três desembargadores, que
integram a oitava turma do Tribunal Regional Federal da
4ª região (TRF4).
No sistema judicial brasileiro, o TRF é um órgão colegiado
de segunda instância, a quem cabe rever as decisões da
primeira instância, um juiz de apelido Moro.
Os três desembargadores não apenas validaram a
condenação da primeira instância, como ampliaram a
pena de 9 para 12 anos.
Detalhe importante: ao condenar o presidente Lula por
três votos a zero, a oitava turma do TRF4 reduziu a
possibilidade de recursos contra a decisão.
Se a condenação tivesse sido por 2 votos a 1, caberiam
mais recursos. Mas com uma decisão por 3 votos a zero,
os prazos serão curtos: assim que for publicada
oficialmente a decisão do TRF, haverá um prazo de dois
dias para a defesa apresentar os chamados embargos de
declaração.
Caberá aos mesmos desembargadores julgar estes
embargos, o que deve ocorrer rapidamente.
Quinze dias depois da publicação da decisão sobre os
embargos, será então possível fazer um recurso ao
Superior Tribunal de Justiça, ou seja, à terceira instância.
Mas este recurso não vai automaticamente para a
terceira instância. Cabe ao presidente do TRF4 decidir se
enviará ou não este recurso.
Caso o presidente do TRF4 decidir não enviar o recurso ao
STJ, ainda restará à defesa do presidente Lula a
possibilidade do chamado agravo junto ao Supremo
Tribunal Federal.
Entretanto, mesmo que haja recursos à terceira instância,
assim que for encerrado os trâmites da segunda instância,
o TRF4 deve determinar a execução da pena.
Dito de outra maneira: prender Lula.
Claro que há alguns mecanismos judiciais que podem ser
interpostos para tentar evitar a prisão.
Condenado e/ou preso, Lula poderá disputar a eleição
presidencial de 2018?
A legislação brasileira determina que a condenação em
segunda instância implica inelegibilidade. Mas isto não
impede que o Partido dos Trabalhadores registre a
candidatura Lula à Presidência da República, o que
poderá ser feito a partir do dia 15 de agosto.
A jurisprudência e a legislação estabelecem que uma
candidato, mesmo que tenha seu registro inicialmente
impugnado, pode recorrer e fazer campanha até que o
caso seja julgado na última instância.
Mas nada garante que a jurisprudência e o direito sejam
respeitados. Basta lembrar que a condenação de Lula –
tanto na primeira quanto na segunda instância -- foi
repleta de irregularidades e ilegalidades.
As duas principais irregularidades e ilegalidades são as
seguintes: este processo contra Lula não deveria ter sido
julgado pelo juiz Moro; e a condenação de Lula se fez sem
que houvesse provas do crime.
Explicando: Moro é o chamado “juiz natural” dos
processos envolvendo corrupção na Petrobrás. A
acusação é de que Lula teria recebido um apartamento
de uma empreiteira, por que esta empreiteira teria sido
corruptora em três contratos com a Petrobrás. Logo,
coube a Moro julgar.
Acontece que o próprio Moro reconheceu o seguinte:
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar
algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos
contratos com a Petrobras foram utilizados para
pagamento de vantagem indevida para o ex-presidente
Lula”.
Se é assim, então o juiz Moro não deveria ter sido o juiz
deste caso.
Para agravar a situação, nem Moro nem os
desembargadores conseguiram provar que Lula é
proprietário do apartamento que supostamente teria lhe
sido dado de presente pela OAS.
Ou seja: Lula foi condenado a 12 anos de prisão, por um
crime que ele não cometeu, por um juiz que não deveria
estar julgando ele.
Mas se é assim, por qual motivo o processo teve
prosseguimento? Por uma razão muito simples: os outros
6 processos que há contra Lula não serão julgados em
tempo hábil, leia-se, em tempo de impedir que Lula possa
se inscrever, disputar e vencer as eleições presidenciais
de 2018.
E para impedir Lula, não apenas ele será condenado,
como se tentará prender ele. Assim, não apenas ele, mas
também sua voz e movimentação poderão ser eliminados
da eleição presidencial de 2018.
Na noite da quinta-feira 25 de janeiro, um juiz federal
determinou a apreensão do passaporte de Lula e
consequente proibição da viagem de dois dias que ele
faria à Adis Abeba, sede da União Africana (UA).
Lula participaria, a convite da FAO/ONU, da conferência
semestral da UA, que reúne os presidentes dos 54 países
do continente. Na conferência, Lula comporia uma mesa
formada por ex-presidentes africanos e daria
continuidade ao seu combate permanente contra a fome
no Brasil e no mundo.
A intenção é mandar prender
A decisão de confiscar o passaporte do presidente, além
de constituir um atentado ao simples direito de ir e vir,
reforça a campanha pela prisão de Lula, campanha
intensificada ferozmente pela grande mídia nestes
últimos dias
Para os golpistas, trata-se de uma guerra de extermínio
contra uma “organização criminosa”: o Partido dos
Trabalhadores.
Por isto, o plano é cassar o registro eleitoral do PT.
condenar e prender o maior número possível de seus
líderes, criminalizar a luta social e estigmatizar o
pensamento de esquerda.
Neste sentido, o objetivo vai muito além de impedir que
Lula dispute a eleição presidencial de 2018.
Claro que há contradições entre as forças golpistas, se
expressando por exemplo em diferentes pré-candidaturas
presidenciais, em diferentes visões acerca do ativismo
judicial, em maior ou menor disposição de aplicar todos
os itens do programa neoliberal.
Mas estas contradições não são de monta a impedir que,
por ação ou por omissão, o conjunto das forças golpistas
participe da guerra de extermínio contra o PT.
É nula, por exemplo, a possibilidade de seduzir setores do
grande empresariado com promessas de que o regresso
de Lula ao governo traria de volta os bons tempos de
“crescimento” e a “paz social” verificados em alguns anos
dos governos nacionais petistas.
O grande empresariado é o principal autor do golpe, seu
mandante e fiador. E, como se percebe em todo o
mundo, o grande capital, especialmente o financeiro, não
tem medo da recessão, do desemprego, da crise social.
Pelo contrário, estimula tudo isto.
É bom lembrar, aliás, que o grande empresariado lutou
contra os poucos aspectos progressistas existentes na
Constituição de 1988.
O PT não votou no texto final daquela Constituição, por
considerar que ele traduzia uma hegemonia de centro-
direita. Mas a direita e o grande empresariado
considerava que a Constituição de 1988 deixava o país
“ingovernável”.
Durante os governos Collor, Itamar e Fernando Henrique,
a direita e o grande empresariado fizeram de tudo para
descumprir e reformar a Constituição. E se insurgiram
contra os governos petistas, que nada mais fizeram do
que cumprir os dispositivos constitucionais previstos em
1998.
A fraqueza relativa do campo popular
A esquerda foi vitoriosa em quatro eleições presidenciais
seguidas. Mas não conseguiu impedir o golpe. Não
conseguiu impedir a aprovação, no Congresso, de
importantes medidas antinacionais e antipopulares. Não
conseguiu impedir a condenação de Lula em segunda
instância.
Claro que devemos valorizar a resistência democrática e
social contra o golpe, valorizar nossa capacidade de
mobilização, o apoio popular que se revela nas pesquisas
de intenção de voto. Mas nada disto foi suficiente, até
agora, para derrotar a ofensiva golpista.
Ofensiva que, sempre é importante destacar, usa e abusa
de instrumentos que deixamos intocados — como as
Polícias Militares e o oligopólio da comunicação — e
também de instrumentos que criamos e fortalecemos,
por exemplo ao conceder amplo protagonismo e
autonomia ao Ministério Público Federal e à Polícia
Federal, ou ao endossar legislações como a “Lei da Ficha
Limpa” (que quase toda a esquerda apoiou sem se dar
conta do que implicava) e a “Lei Antiterrorismo”, esta
última na contramão dos movimentos sociais.
Mesmo no terreno eleitoral, não devemos superestimar
nossas forças. Lula lidera as pesquisas, mas a maior parte
do eleitorado ainda não tem candidato. E não se deve
minimizar o desgaste causado por anos de propaganda
negativa. Além disso, caso ao fim e ao cabo prospere a
interdição eleitoral de Lula, a esquerda brasileira como
um todo e o PT em particular enfrentarão um dilema de
difícil solução.
Se eleição sem Lula é fraude, caso a direita impeça a
participação eleitoral de Lula, só há duas alternativas: ou
legitimar a fraude, apoiando outro nome; ou boicotar as
eleições presidenciais. Afinal, não havendo chance
alguma de vitória da esquerda em eleições previamente
fraudadas, a denúncia nos colocaria em melhor posição
para enfrentar o governo de direita que sairá das urnas.
Lembremos que para as forças de centro-direita e direita,
para o oligopólio da mídia, para a cúpula do sistema
judiciário e das Forças Armadas, para o grande capital
especialmente financeiro, é absolutamente inaceitável
que o PT e a esquerda possam voltar a governar o Brasil.
Por isso “escalaram”: do impeachment foram para a
condenação de Lula, agora estão se preparando para sua
prisão, e se necessário for recorrerão à intervenção
militar aberta.
A cúpula do sistema judiciário está majoritariamente
comprometida, por ação ou por omissão, com o
golpismo.
Portanto, embora os defensores de Lula pretendam
utilizar todos os mecanismos jurídicos que estão à nossa
disposição, é preciso ter consciência de que por mais
competente que possa ser, a simples defesa jurídica não
será capaz de retardar e/ou reverter a decisão de
condenar e prender o presidente Lula.
A decisão de condenar e prender o presidente Lula tem
como principal motivo evitar o risco de uma vitória
petista nas eleições presidenciais de 2018.
Portanto e paradoxalmente, se Lula viesse a cair nas
intenções de voto e/ou se uma candidatura golpista
viesse a assumir liderança folgada na eleição presidencial,
também seria mais fácil retardar ou até mesmo reverter a
operação em curso. Mas neste caso, não estaríamos
diante de uma vitória, mas sim de uma derrota.
Do que foi exposto, concluímos que somente a luta
política pode retardar e/ou reverter a decisão de prender
o presidente Lula e garantir que ele possa concorrer às
eleições presidenciais.
Entretanto, a luta política que travamos até agora não foi
intensa o suficiente para impedir o impeachment e a
condenação. Embora os atos de Porto Alegre e São Paulo
tenham sido intensos, a reação às decisões do TRF 4 foi
inferior à necessidade; e, mantida a mesma intensidade,
não será o suficiente para impedir a prisão e a
inelegibilidade.
Caso os golpistas levem adiante a intenção de prender o
presidente Lula, vários setores da esquerda tem
defendido ser necessário opor resistência física, cívica e
popular. As fardas e as togas, quando são utilizadas para
cometer ilegalidades e injustiças, não merecem respeito.
Neste sentido, devemos apresentar desde já a prisão
como um caso de sequestro.
Caso a prisão se consuma, é preciso deflagrar uma
campanha nacional e internacional pela imediata soltura,
campanha que deve ser acompanhada de cerco popular
ao local do sequestro, assim como de medidas de
desobediência civil e ação direta em todo o país.
Entretanto, a radicalização das formas de luta — embora
justa e necessária — pode conduzir não apenas à
repressão, mas também a certo isolamento dos setores
mais combativos, além de fornecer mais pretextos para
que os golpistas atinjam outras lideranças da esquerda
política e social e procurem criminalizar e se possível
ilegalizar partidos e movimentos comprometidos com a
resistência.
O antídoto para o risco de isolamento não é a
passividade, mas sim a adequada combinação entre a luta
em defesa do presidente e do PT, com a campanha
eleitoral e com a luta social. Há uma relação direta entre
a condenação e prisão de Lula, com a continuidade da
aplicação do programa golpista. E, pelo contrário, há uma
relação direta entre a eleição de Lula e a revogação das
medidas golpistas, como a reforma trabalhista. Ou seja:
defender Lula e o PT é também defender os direitos da
classe trabalhadora.
Intensificar a campanha eleitoral
Também no dia 25 de janeiro, o Diretório Nacional do PT
convidou e Lula aceitou ser candidato à presidência da
República em 2018.
No campo da esquerda e centro-esquerda, há duas outras
candiaturas: uma do PCdoB, outra do PSOL. Não se
questiona o direito de outras candidaturas de esquerda e
centro-esquerda disputarem a eleição presidencial.
Mas na atual conjuntura, interessa aos golpistas que haja
várias candidaturas presidenciais no campo de centro-
esquerda, pois isto não os ameaçaria eleitoralmente.
Além disso, passaria a impressão de que vivemos numa
situação de normalidade institucional.
O programa da candidatura Lula terá como fio condutor a
revogação das medidas adotadas pelos golpistas, bem
como a convocação de uma Assembleia Constituinte e um
programa de emergência para retomar o crescimento,
gerar empregos e retomar as políticas sociais..
Ampliar a luta social
É essencial derrotar a contrarreforma da Previdência.
Primeiro, pelo impacto que esta “reforma” teria sobre a
população pobre e trabalhadora. Segundo, porque uma
eventual aprovação significaria uma nova vitória da
ofensiva conservadora, antecipando outras.
O melhor instrumento para derrotar a reforma da
Previdência é uma greve geral, à semelhança do que
fizemos em 28 de abril.
Mas nossas possibilidades não se limitam à greve. Como
estamos às vésperas da eleição, os parlamentares de
direita estão mais sensíveis à pressão direta, por
exemplo: corpo a corpo nos gabinetes, corpo a corpo nos
aeroportos, visitas domiciliares aos parlamentares e
correligionários, panfletos distribuídos em suas bases
eleitorais alertando para os riscos decorrentes do voto
etc.
Um intenso calendário
O ano de 2018 será marcado não apenas pela luta contra
o governo Temer e suas contrarreformas, pela luta em
defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato,
pela campanha eleitoral em si, mas também por outras
iniciativas importantes da esquerda política e social,
como o Fórum Social Mundial, o Fórum das Águas, o
Congresso do Povo. E por efemérides como os 40 anos da
Constituição de 1988, os 130 anos da “Lei Áurea” e os 200
anos de Marx.
Uma nova etapa de acúmulo de forças
O golpe será derrotado, mais cedo ou mais tarde, nas
ruas e nas urnas. Mas importa que seja derrotado o mais
rapidamente possível, para evitar os devastadores efeitos
sociais, econômicos, políticos e ideológicos que resultam
do golpismo. E a única maneira de derrotar o golpe em
2018 é combinando mobilização social com a campanha
de Lula presidente.
Se a ofensiva golpista entrou em uma nova etapa, cabe à
esquerda brasileira entrar em uma nova fase de acúmulo
de forças.
Venceremos, mas para isso será preciso alterar
profundamente nosso modo de organização e
funcionamento, ampliando nossa combatividade e nosso
enraizamento na classe trabalhadora.

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