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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA

ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
AOS CONGRESSOS DA UNE
(1995-2021)

ORGANIZAÇÃO
RODRIGO CESAR
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA
AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)
2023, Página 13

Organização, revisão e notas


Rodrigo Cesar

Editor
Valter Pomar e Patrick Campos

Projeto gráfico e diagramação


Emilio Font

Conselho editorial Página 13


Elisa Guaraná, Francisco Xarão, Giovane Zuanazzi, Jandyra Uehara,
Luiz Momesso, Marcos Piccin, Pamela Kenne, Paulo Denisar, Pedro Pomar,
Pere Petit, Rodrigo César, Rosana Ramos, Rosângela Alves de Oliveira,
Sonia Fardin, Suelen Aires Gonçalves.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

O Brasil, a universidade e o movimento estudantil [livro eletrônico] : teses da


tendências petista, articulação de esquerda aos congressos da UNE (1995-
2021) / organização Rodrigo Cesar. -- 1. ed. -- São Paulo : Associação de
Estudos Página 13, 2023.
PDF
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-88850-15-2

1. Direito à educação - Brasil 2. Educação pública - Brasil 3. Ensino superior -


Brasil - História 4. Ensino superior - Estudantes 5. Militância 6. Movimentos
estudantis - Brasil - História 7. Universidades públicas - Brasil I. Cesar,
Rodrigo.

23-147245 CDD-379.1180981

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : União Nacional dos Estudantes :
Universidades públicas : Educação 379.1180981
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

www.pagina13.org.br
Rua Silveira Martins, 147, cj. 11. Sé, São Paulo, SP
CEP 01.019-000
CNPJ 10.445.600/0001-17
Sumário

PREFÁCIO

APRESENTAÇÃO

46o Congresso da UNE


Belo Horizonte (MG), 30 de junho a 4 de julho de 1999
TESE 10
AVALIAÇÃO 31

47o Congresso da UNE


Goiânia (GO), 13 a 17 de junho de 2001
TESE 33
AVALIAÇÃO 53

48o Congresso da UNE


Goiânia (GO), 18 a 22 de junho de 2003
TESE 56
AVALIAÇÃO 82

49o Congresso da UNE


Goiânia (GO), 29 de junho a 3 de julho de 2005
TESE 85

50o Congresso da UNE


Brasília (DF), 04 a 08 de julho de 2007
TESE 111
AVALIAÇÃO 150

51o Congresso da UNE


Brasília (DF), 15 a 19 de julho de 2009
TESE 154
AVALIAÇÃO 177

52o Congresso da UNE


Goiânia (GO), 13 a 17 de julho de 2011
TESE 179
AVALIAÇÃO 196

53o Congresso da UNE


Goiânia (GO), 29 de maio a 02 de junho de 2013
TESE 198
AVALIAÇÃO 213
54o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 03 a 07 de junho de 2015
TESE 218
AVALIAÇÃO 247

55o Congresso da UNE


Belo Horizonte (MG), 14 a 18 de junho de 2017
TESE 255
AVALIAÇÃO 283

57o Congresso da UNE


Brasília (DF), 10 a 14 de julho de 2019
TESE 287
AVALIAÇÃO 298

Congresso Extraordinário da UNE


14 a 18 de julho de 2021
TESE 301
AVALIAÇÃO 324

ANEXOS

44o Congresso da UNE


Brasília (DF), 14 a 18 de junho de 1995
TESE 327

45 Congresso da UNE
o

Belo Horizonte (MG), 02 a 06 de junho de 1997


TESE 342

46 Congresso da UNE
o

Belo Horizonte (MG), 30 de junho a 4 de julho de 1999


MANIFESTO 357

47 Congresso da UNE
o

Goiânia (GO), 13 a 17 de junho de 2001


MANIFESTO 365
PREFÁCIO

O movimento estudantil brasileiro conseguiu existir e resistir em mais de cem


anos de luta organizada. Um feito extraordinário, que sem nenhuma dúvida está
relacionado a história da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade com mais
de oito décadas de existência e a maior organização estudantil da América Latina.
Nascida das lutas em defesa da moradia estudantil, a UNE rapidamente se co-
locou na linha de frente das mobilizações contra o fascismo, o que contribuiu para
posicionar a entidade na vanguarda dos principais debates nacionais.
Foi assim com a campanha “O Petróleo é Nosso”, em 1953, que levou a criação
da Petrobrás; nas mobilizações pelas reformas de base; no combate e resistência
contra a ditadura militar; na luta pela redemocratização; e no enfrentamento as
políticas neoliberais
A UNE possui, assim, uma trajetória de lutas que a colocou durante a maior
parte de sua história como a principal referência de organização para a maioria das
estudantes e estudantes universitários no Brasil.
Apesar de com chamas e balas tentarem apagar suas lutas, a União Nacional
dos Estudantes sobrevive. Mas, infelizmente, seu vigor revolucionário tão presente
em alguns momentos de sua história, parece ter arrefecido ao longo das últimas
décadas
Sua presença no cotidiano da universidades diminuiu. A capacidade de liderar
grandes mobilizações, foi reduzida. E até mesmo sua representatividade e legitimi-
dade passaram a ser contestadas
Assim, entender os motivos que levaram a UNE para está situação é uma ta-
refa fundamental e urgente. Para quem considera que a UNE precisa ser a voz dos
estudantes, principalmente daqueles que são oriundos da classe trabalhadora, pe-
riféricos, marginalizados e violentados, conhecer a história desse período é uma
tarefa fundamental
Nesse sentido, o livro que você tem em mãos será de grande serventia. Ele
apresenta as teses apresentadas pelos estudantes organizados na tendência petis-
ta Articulação de Esquerda, que disputaram os rumos da direção da UNE desde a
década de 1990
Pensando uma UNE que não fique apenas no radicalismo de seu discurso,
mas na efetividade dele nas suas práticas, a juventude da Articulação de Esquerda
elaborou e defendeu teses a cada congresso da UNE, chamando atenção para a im-

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

portância de uma direção democrática, de uma entidade combativa, representativa


e presente no cotidiano das lutas estudantis
É possível localizar em todas as teses apresentadas a crítica as posições expres-
sa pela maioria dos dirigentes da UNE, bem como o papel que se buscou construir
através da organização dos estudantes petistas. Atribui-se uma responsabilidade
central aos estudantes petistas na luta pela democratização da entidade e de uma
política de combate ao neoliberalismo, as privatizações e ao sucateamento.
Neste livro vocês encontrarão todas as teses e avaliações construídas pela Ju-
ventude da Articulação de Esquerda, a partir de 1999, bem como teses e manifestos
apresentados conjuntamente com outras forças políticas entre 1995 e 2001. Nos
documentos é possível enxergar as mudanças brutais pelas quais o Brasil vem pas-
sando. Antes dos governos petistas, durante eles e após o golpe de Estado de 2016,
que retira a primeira presidenta democraticamente eleita da história do país.
O Brasil mudou, os estudantes mudaram e a própria UNE também. Para qual
direção caminha a maior entidade estudantil das Américas? Para o caminho da luta
ou da burocratização de suas ações? Sabe-se que é preciso enfrentar cada desafio e
não baixar a guarda nunca, muito menos quando acredita-se que está tudo ganho.
A vitória virá quando tivermos gerações e mais gerações de famílias com seus di-
plomas na mão e a universidade como algo possível, real e não mais desigual, nem
para entrar, nem em suas salas de aulas e corredores. Públicas e de qualidade, pin-
tadas de povo e reconstruídas para um novo jeito de fazer e produzir ciência. Lutar
por uma UNE democrática e radical é lutar por um Brasil mais digno e mais justo.
Aos que, antes de nós, ousaram lutar e defender a educação como o instrumen-
to revolucionário para uma verdadeira justiça social, meu eterno agradecimento.
Pela coragem em dizer e resistência ao fazer, vida longa e justa à União Nacional
dos Estudantes.
Amanda Oliveira,
Diretora de Assistência Estudantil da União Nacional dos Estudantes

6
APRESENTAÇÃO

O movimento estudantil, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e seus Con-


gressos são parte importante das lutas sociais brasileiras em defesa da soberania
nacional, da democracia e das pautas populares, especialmente a educação pública,
gratuita e de qualidade para todos e todas.
Ao reunir as teses defendidas por estudantes militantes ou simpatizantes do
Partido dos Trabalhadores (PT) e da tendência petista Articulação de Esquerda (AE)
nos Congressos da UNE, este livro pretende sobretudo contribuir para que as novas
gerações se engajem no movimento estudantil e nas lutas sociais conhecendo parte
dos caminhos já percorridos e do processo histórico no qual estão se integran-
do. Visa, igualmente, estimular as gerações anteriores de militantes do movimento
estudantil que se identificarem nestas páginas a compartilhar suas memórias. Se
pesquisas sobre o movimento estudantil e sua história também puderem se bene-
ficiar dos documentos disponibilizados, estará reiterada a pertinência da iniciativa.
O primeiro Congresso da UNE que contou com a participação de estudantes
da tendência petista Articulação de Esquerda, fundada em setembro de 1993, foi a
sua 44ª edição, realizada em 1995. Naquela ocasião e no Congresso seguinte, em
1997, a militância estudantil da AE construiu e apresentou a tese Não vou me adap-
tar em conjunto com estudantes de outras tendências petistas e independentes.
A tese Reconquistar a UNE, construída pela militância da AE, foi apresentada
pela primeira vez no 46º Congresso, em 1999. Naquela ocasião, fazíamos parte do
campo Rompendo Amarras, que lançou um manifesto àquele fórum deliberativo.
No Congresso seguinte, em 2001, o campo havia se dissolvido, mas, além de tese
própria, foi lançado um manifesto conjunto das teses Reconquistar a UNE e Demo-
cracia e mobilização.
Portanto, entre 1995 e 1997, a tese defendida pela militância estudantil da AE
nos Congressos da UNE foi construída e apresentada conjuntamente com outras
forças políticas. Entre 1999 e 2021, a militância da AE apresentou tese própria – o
que não a impediu de participar de iniciativas mais amplas e lançar manifestos con-
juntos, como em 1999 e 2001, ou em 2013 e 2015, com o Campo Popular.
Trazemos estas breves considerações para justificar a organização adotada
neste livro. Em respeito às demais organizações que construíram estas teses e mani-
festos conjuntos entre 1995 e 2001, tais documentos foram reunidos como anexos
ao final do livro. Apesar de desfazer a ordem cronológica da documentação reuni-

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

da, esta escolha demonstrou-se mais adequada por indicar o caráter plural de sua
autoria, além de não impedir a quem assim preferir que comece a leitura pelos
anexos.
Cabe ainda informar que foi priorizada a reprodução da versão mais definiti-
va possível da tese em questão. Assim, sempre que possível, optamos pelas teses
impressas que foram distribuídas nos respectivos congressos. Quando a versão
impressa não foi localizada, utilizamos o respectivo arquivo digital com o texto dia-
gramado para reprodução gráfica. Nos casos em que nenhuma destas versões foram
encontradas (50º Congresso, 2007) ou quando não haviam sido produzidas (56º
Congresso, 2019) optamos por reproduzir o texto completo que foi amplamente
divulgado em formato digital sem diagramação para reprodução gráfica.
Com o objetivo de fornecer mais elementos para contextualizar os Congres-
sos, adicionamos ao final de cada tese apresentada um ou mais textos de avaliação
do respectivo fórum deliberativo. Quanto a estes documentos, demos prioridade
aos artigos publicados no jornal Página 13. Quando não localizados nas edições do
jornal ou quando outros textos complementavam e enriqueciam a análise, decidi-
mos incluir avaliações originadas de outras fontes – indicadas em notas de rodapé.
Nenhum texto de avaliação do 49° Congresso (2005) foi localizado até o momento.
Sobre o trabalho de revisão, erros de digitação e ortografia foram revisados
de acordo com a norma ortográfica atualmente vigente em benefício da fluidez da
leitura. Inconsistências ortográficas ou gramaticais em benefício do estilo de escrita
foram mantidas, mas a grafia das siglas e o uso de letras maiúsculas foram padroni-
zados. Nos casos em que a revisão precisou extrapolar os limites da ortografia para
contemplar a sintática e a semântica, as alterações foram indicadas com nota de
rodapé, onde é apresentada a redação original, cabendo às leitoras e leitores julgar
se a revisão foi adequada.
Cabe ainda uma explicação sobre a inexistência do 56º Congresso da UNE,
que seria realizado em 2019, mas foi convocado como a 57ª edição. Isso se deve
ao trabalho de pesquisa da Comissão Nacional da Verdade da UNE, que, a partir
de conteúdos produzidos ou reunidos pela Projeto Memória do Movimento Es-
tudantil, iniciado em 2005, contribuiu para o preenchimento de uma lacuna da
memória e da historiografia sobre o ME: a desarticulação definitiva do movimento
estudantil não se deu após o Congresso de Ibiúna (1968), mas somente em 1973,
com a dissolução da UNE. Devido à baixa representatividade decorrente da ad-
versa situação de clandestinidade em meio à brutal repressão da ditadura, o 31º
CONUNE (1971) não foi reconhecido posteriormente pela própria entidade. Mais
precisamente, o Congresso de Reconstrução da UNE (1979) foi declarado como

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O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

continuidade do Congresso de 1971.1 Tal situação foi ajustada somente durante a


gestão 2017/2019: o 67º Conselho Nacional de Entidades Gerais da UNE (CONEG),
realizado em São Paulo, nos dias 22 a 24 de março de 2019, convocou não o 56º,
mas o 57º CONUNE2.
Por fim, agradecemos a Daniela Matos, José Ricardo Fonseca, Bruno Elias e Lu-
cas Reinehr, que contribuíram com o fornecimento de documentos.
São Paulo, fevereiro de 2023
Rodrigo Cesar

1.  Cf. UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES. Comissão Nacional da Verdade da UNE. “Estilhaços de memória: sobrevida e dissolução
da UNE (1969-1973)”. Disponível em: https://www.une.org.br/noticias/estilhacos-de-memoria-sobrevida-e-dissolucao-da-une-1969-1973/.
Acesso: 30 jan. 2023.
2.  Cf. UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES. Carta de São Paulo do 67º CONEG. Disponível em: https://une.org.br/wp-content/
uploads/2019/03/CARTA-DE-SA%CC%83O-PAULO-DO-67%C2%BA-CONEG-OK.pdf. Acesso: 30 jan. 2023

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46o Congresso da UNE
Belo Horizonte (MG), 30 de junho a 4 de julho de 1999

TESE

RECONQUISTAR A UNE
CONTRIBUIÇÃO AO MOVIMENTO ROMPENDO AMARRAS

Dizem que guardam um bom lugar para mim no céu /


Logo que eu for pro beleléu / A minha vida só que sei como
guiar / Pois ninguém vai rir se eu chorar / Mas enquanto
o sol puder arder / Não vou querer meus olhos escurecer
/ Pois se eles querem o meu sangue / Verão o meu sangue
só no fim / E se eles querem meu corpo / Só se eu estiver
morto, só assim...

(Nando Reis, sobre música de Jimmy Cliff )

APRESENTAÇÃO

Será que eu falei o que ninguém ouvia


Será que eu escutei o que ninguém dizia
Eu não vou me adaptar, não vou me adaptar não

(Titãs)
Mundo desigual, Brasil miserável, educação em crise. Movimento Estudantil.
Nosso meio de mudar, nosso espaço.
Mas tudo anda cinza. Apesar de movimentações aqui e ali, de ter gente rea-
gindo, não enxergamos saídas, falta impulso, um gancho único, falta interligação.
A UNE, durante anos, entidade máxima do Movimento Estudantil, cumpriu
este papel. Tem história. Ajudou o país a ser um pouquinho melhor. Esteve na luta,
tanto tempo. Formou tanta gente. Deu espaço para milhares gritarem, organizando
o combate.
A UNE ajudou a combater o fascismo. Fez a grande campanha “o petróleo é
nosso”; defendeu as reformas de base, lutou e perdeu lutadores da guerra contra

10
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

a ditadura; impulsionou as “diretas já”. Nossa última grande página da história do


país, foi o “Fora Collor”.
Hoje, encastelada no poder, uma maioria a dirige. Não a UNE, mas uma má-
quina. Enferrujada. Feia. Distante fria. Não consegue gritar, não consegue falar, não
consegue ser ouvida. E quem ouve não entende. Ou se entende, não concorda.
Belo Horizonte. Mingas Gerais Julho. Mais um Congresso. Boa hora para fazer este
balanço. Boa hora são só para lembrar o que o movimento estudantil já fez, mas
para discutir o que ele pode fazer.
O que nós precisamos fazer. O que os estudantes, os trabalhadores, a maioria
oprimida precisa que façamos. Queremos combater os poderosos. Queremos cus-
pir neste sistema apodrecido, nesta máquina de moer gente, de deixar gente pobre,
de fazer infelicidade para quase todos.
Queremos estudar. Queremos ser gente, para brilhar sim, mas para brilhar jun-
to com nosso país, com a maioria do povo. Queremos defender nossa universidade.
Pesquisar, aprender, ser parte da vida vivida para o sonho de transformar.
Por isso estamos aqui. Por isso queremos mudar. E por isso começamos falan-
do de nossa UNE. O que foi, o que precisa voltar a ser. Aberta, plural. Que fale a
nossa língua. Que nos lidere. Que nos ouça, que nos represente. Queremos a UNE
discutindo a universidade, queremos a UNE nas ruas, chamando mudanças, con-
vencendo as pessoas a vir lutar junto.
A UNE dinâmica, jovem, disseminando cultura, provocando. A UNE lutando
contra o preconceito, impulsionando a luta das mulheres, repudiando a homofo-
bia, lutando junto com a negras e negros, valorizando gays e lésbicas, combatendo
sem tréguas o machismo, respeitando as diferenças – gostosamente radical.
Queremos discutir com você como fazer estas mudanças. Como alterar este es-
tado de coisas no movimento estudantil. Nós fazemos parte do Rompendo Amarras,
movimento de oposição que defende uma UNE democrática e de lutas. Muitos de
nós, no último Congresso participávamos da tese “Não vou me Adaptar”.
Esta contribuição desenvolve, sob nosso ponto de vista, as ideias contidas no
Manifesto do Rompendo Amarras para o 46º Congresso da UNE.3
Queremos trazer de volta as melhores tradições de luta da UNE. Fazer diferen-
te. Reconquistar a UNE para o conjunto dos estudantes, reconquistá-la para a luta.
Contamos com você. Temos certeza de que não estamos sozinhos nesta tarefa
de fazer diferente, de recuperar nosso patrimônio. A UNE é nossa!!! Queremos a
n 46o CONGRESSO DA UNE

UNE livre!!!
Belo Horizonte. 46º Congresso da UNE. Nossa hora de mudar esta história.
Nossa oportunidade de mudar o que é nosso.
Vamos ao debate, ou seja, ao bom combate!!!
3.  Documento disponível nos anexos desta publicação. [N.O.]

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

FIM DE SÉCULO, MUNDO EM CRISE

Oh, mundo tão desigual, tudo é tão desigual / De um lado


este carnaval, de outro a fome total

(Gilberto Gil)

Chuvas de bombas imbecis sobre a Iugoslávia. Refugiados na Europa, refugia-


dos na África. Poucos banqueiros especulando com dólares virtuais, transportando
bilhões de um lugar a outro do mundo, em poucos segundos. O planeta mais quen-
te, o sol trazendo câncer. O ar sujo, metrópoles inviáveis, águas nojentas, florestas
queimadas. A cada ano, 30 milhões de pessoas morrem de fome. Os deserdados e
famintos: legiões crescentes.
Quebradeira econômica: os tigres asiáticos, antes dentudos, viraram gatos
pobres. O Japão, todo poderoso, não cresce mais há meses e meses; nossa latino-
-américa, empobrecida um pouco mais a cada dia, cheia de candidatos a ditadores.
Mesmo a dita “exuberância” da economia dos Estados Unidos ameaça se reverter
numa grande recessão em breve. A África, esquecida, continente que não conta para
o sistema dos dólares eletrônicos.
Poucas, cada vez menos corporações gigantes com cada vez mais dinheiro. As
três pessoas mais ricas do planeta possuem hoje uma fortuna superior à riqueza
dos quarenta e oito países mais pobres. São cifras enormes, fortunas de trilhões.
O mundo é do Bill Gates, é do George Soros, é da Ford, da GM e do HSBC, é des-
tes bancos com nomes exóticos, que se fundem, imensos, cheios de tentáculos.
E criam instituições para ditar suas ordens: FMI, Banco Mundial, Organização do
Comércio – e a OTAN, para distribuir bombas por aí, toda vez que Clinton quiser
reafirmar o poder dos EUA.
O desemprego explode, atingindo quase um bilhão de pessoas no mundo.
Ameaça em se transformar em regra, não em exceção. O capitalismo dispensa a
grande massa de trabalhadores. Cada vez menos pessoas produzem mais merca-
dorias, com menos custo, com mais lucro para os empresários. Mesmo a produção
não é o setor mais forte da economia mundial. O que roda a roda são os lucros fan-
tásticos e crescentes no cassino virtual em que transformaram o mundo.
É o tal “mercado”. Tudo é feito em nome deste ente, que dita regras, sabe o
n 46o CONGRESSO DA UNE

que é bom e ruim, apoia governos, derruba ministros, faz e acontece. Quebra pa-
íses, deixa miséria para o povo, mas é bajulado como um bebê, por tecnocratas,
jornalistas e ministros do mundo todo.
É capitalismo o nome disso tudo. E capitalismo em crise. Capitalismo em fase
regressiva. Neoliberalismo. Capitalismo autoritário. O pensamento único que go-

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O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

verna o mundo através de presidentes fantoches, ditadores, primeiros-ministros


“social-democratas”, diretrizes do Banco Mundial e enviados especiais do FMI.
Sem mudar o sistema, não escaparemos de crises e mais crises, contínuas e
maiores. O capitalismo não é futuro, é este presente. A barbárie requentada, servida
todas as manhãs, é o que nos oferecem. Ou aprofunda-se a miséria de quase-todos
pelo lucro de poucos, ou partimos para construir outro mundo, outro sistema.
A nossa opção é pela mudança. É por construir um mundo sem exploração ou
opressão de classe, de gênero, raça, ou orientação sexual. Nossa opção é por demo-
cracia de verdade. Nossa opção é pelo socialismo.

BRASIL: MAIS UMA CRISE EM 500 ANOS DE OPRESSÃO

Vamos celebrar a estupidez humana. A estupidez de todas


as nações. O meu país e sua corja de assassinos, covardes,
estupradores e ladrões.

(Renato Russo)
Apesar da lavagem cerebral e do massacre ideológico que a Globo e o governo
tentam fazer ao povo, transformando a comemoração da invasão portuguesa a estas
terras que são hoje o Brasil, num grande carnaval, a realidade não pode ser escon-
dida. A verdade são outros 500. São 500 anos de massacres de índios, de escravidão
e preconceito, de exploração e miséria – e também de muita resistência popular.
Durante a maior parte de nossa história, as elites mudaram várias vezes de dis-
curso e de projeto. Mas, em nenhuma vez, houve o interesse da maioria levado em
conta. Foi assim na República Velha do Brasil agrário. Foi assim no desenvolvimen-
tismo getulista e dos militares, quando criaram infraestrutura, mas não distribuíram
renda, nem fizeram casa, educação e saúde para todos. O famoso “bolo” – do qual
falava Delfim Neto – cresceu várias vezes durante o século, mas nunca foi repartido.
Agora o bolo nem cresce mais. A partir de meados dos anos 80, as elites brasi-
leiras aderiram ao neoliberalismo, este capitalismo autoritário. Com o discurso da
globalização – e seguindo o tal Consenso de Washington – Sarney, Collor, Itamar e
Fernando Henrique doaram nossas estatais, escancararam o mercado, importaram
toda a espécie de buginganga, sucatearam a infraestrutura e os serviços públicos.
Tudo passou a ser feito para garantir os interesses supremos do deus-mercado.
n 46o CONGRESSO DA UNE

Articularam um discurso único: o Estado é mau, é grande, é um elefante. Que se


privatize então. Tudo que é público é ruim, tudo que é privado é bom. Cortaram
e cortam sem parar as verbas da saúde, da educação, das políticas sociais – é o fa-
migerado ajuste fiscal. Alguns fatos recentes ajudam a entender as consequências
práticas desta opção preferencial pelos ricos. Os telefones mudos em São Paulo,

13
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

os blecautes, os pedágios caríssimos são a contraface da política de privatizações.


Os grandes grupos compram a preço de banana as estatais – com empréstimos do
governo ainda por cima – e fazem sucata do equipamento, demitem funcionários
qualificados, pioram o serviço.
Flexibilização, modernização, globalização: um monte de palavras em “ão”,
chavões que justificaram quebras de direitos trabalhistas, desmonte da previdência,
redução de salários, demissões em massa, juros altos e recessão.
Desenvolver, crescer, distribuir renda, criar empregos, fazer reforma agrária,
tudo isto sumiu da pauta dos governos e da mídia. Só se fala em ajuda a bancos,
reformas, bolsas, mercados, ajuste, enxugamento da máquina.
Desde 93, quando era ministro da Fazenda, Fernando Henrique aplica à ris-
ca essas receitas. Durante um certo tempo, havia dólares de sobra no mercado
mundial, que vinham aqui engordar, com as taxas estratosféricas praticadas pelo
governo. Durante algum tempo, esta quantidade de capital estrangeiro passou a
impressão de que tudo ia bem na terra brasilis. Anos de ouro do Real. É a época do
frango, do iogurte, da dentadura, da falácia de que o Real diminuiu a pobreza, dos
altos índices de popularidade de sua majestade...
Mas desde 1997, com a crise econômica no mundo, estes capitais especula-
tivos começaram a procurar ninhos mais quentes. Ficou claro: estes capitais não
tinham compromisso com o desenvolvimento, só estavam aqui atrás de lucros rá-
pidos proporcionados pelas privatizações/doações, juros altos, subsídios de toda
ordem. Para não perder a reeleição, Fernando Henrique foi segurando as pontas
– um aumentozinho de imposto aqui, uma facada nas verbas alí, um CPMF de so-
bremesa. Claro que para isto, contou com a ajuda do sempre tão prestativo FMI,
que prometeu 41 bilhões de d´lares de empréstimo, desde que o Brasil continuas-
se obediente, fazendo dever de casa, como eles adora dizer.
Passadas as eleições, vimos o que aconteceu. O Real acabou. Desvalorização
bruta, juros mais altos ainda, mais desemprego, mais recessão, ameaça de inflação.
A dívida interna explodiu, a externa aumentou demais.
Na verdade, em troca do empréstimo com o FMI, que assegurou um fôlego
mínimo para as nossas combalidas reservas, o governo federal abriu mão inclusive
de ter qualquer autonomia, por mínima que seja, na política econômica. O acordo
com o FMI é uma aberração: juros, valor da moeda, política monetária, tudinho
quantificado, tudo na cartilha, só nos restando obedecer. A intervenção do Fundo é
n 46o CONGRESSO DA UNE

tão grande que virou piada, caricatura. Stanley Fischer, um dos seus mandachuvas,
veio aqui ditar ordens e apoiar o ministro da Fazenda – em inglês, claro.
Resumindo, é mais ou menos assim: o Brasil deve mais de 235 bilhões de dó-
lares de dívida externa. Já a dívida total dos governos federal, estadual e municipais
(a dívida interna) chegou a absurda quantia de 500 bilhões de reais – mais da me-

14
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

tade do PIB anual do país. Este ano, mais de 130 bilhões do “meu, do seu, do nosso
dinheiro”, vão pagar juros desta dívida.
Claro que a crise não é para todos. A maioria perde muito, muito poucos ga-
nham demais. Os banqueiros e especuladores ganham incontáveis bilhões nestes
três meses de turbulência. Os cálculos variam muito, mas sabemos que o grosso do
aumento do déficit público em janeiro e fevereiro foi parar nas contas bancárias
dos Cacciola da vida. Os quase dois bilhões de dólares doados aos bancos Marka e
FonteCindam, tão escancarados na CPI, são só a pontinha do iceberg.
Existe um imenso ralo que suga o dinheiro de todos nós. É uma transferência
absurda de dinheiro da sociedade para o sistema financeiro. Os bilhões que esses
senhores lucraram em poucas semanas melhorariam a vida dos brasileiros se fos-
sem empregados em habitação, reforma agrária, saúde, geração de empregos. O
governo Fernando Henrique existe para dar lucro – para eles.
Estão tentando abafar a CPI do Bancos para poder continuar levando as coisas
como antes. O remédio do governo para a crise é sempre mais do mesmo. Vene-
no para moribundo. Tanto assim, que nomearam Armínio Fraga, um despachante
do maior especulador do mundo, para ser presidente do Banco Central. A receita
agora é a seguinte: continuar com os altos juros, retirar mais direitos trabalhistas e
previdenciários, estrangular os salários não repondo a inflação, e privatizar o que
sobrou: Correios, Banco do Brasil, Petrobrás, Caixa Econômica, universidades. Va-
mos voltar à época de colônia mesmo. Fecham o ciclo: uma das primeiras medidas
que o rei português D. João VI tomou ao chegar ao Brasil, lá nos idos de 1808, foi
criar o Banco do Brasil e os Correios – os mesmos que nosso querido presidente-
-poliglota quer dar de presente para alguns empresários necessitados.
E, para não faltar nada, mais fitas descobertas das gravações de negociatas
desta republiqueta tucana. Desta vez não teve como esconder. Fernandinho não só
sabia das tramoias da privatização da Telebrás, como ajudou a manipular o “leilão”
para beneficiar seus amiguinhos do Banco Opportunity. É assim, são bilhões de pa-
trimônio estatal que eles brincam, fazem joguete, decidindo quem ganha e quem
não ganha fortunas. São máfias organizadas nos governando. Uma CPI da privati-
zação da Telebrás é o caminho para começarmos a desvendar grandes maracutaias
com dinheiro público.

E NÓS COM ISSO???


n 46o CONGRESSO DA UNE

Para tudo continuar como está eles precisam da nossa ajuda. E se depender
da gente, eles não terão colaboração. Mais do que nunca, nosso lugar é na rua. As
próximas eleições presidenciais estão marcadas para 2002. Fernando Henrique não
tem legitimidade para destruir o país.

15
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Se os movimentos sociais, os partidos de esquerda, os sindicatos, o movimento


estudantil, se articularem e unificarem uma ampla campanha pelo fim deste gover-
no e antecipação das eleições podemos estar começando a mudar nossa história.
Hoje existe muito mais espaço para oposição ao governo, para a luta contra o
neoliberalismo. Últimas pesquisas: 65% da população não confia no presidente. E
isto foi antes do novo escândalo do grampo das privatizações. Fica cada vez mais
evidente. Não há espaço para meios-termos, vacilações, conciliações ou moderação.
As elites já armam saídas para o caso de terem de abandonar o navio. Pela direita-
-brava, o coronel baiano, ACM, se assanha e procura se diferenciar do governo e
arrumar palanques, como a CPI do Judiciário. Pela “centro-esquerda”, Itamar Fran-
co – o mesmo pai do Fernando Henrique e ex-vice do Collor – faz discurso radical,
declara moratória, condecora a oposição, procurando também se cacifar como al-
ternativa. Daquelas que “mudam para não mudar”, já que Itamar foi e continua
sendo “do lado de lá”. Ou seja, oposição por dentro, muda detalhes e mantém o
principal do sistema.
Por isso, sem ilusões com a oposição de mentirinha, ou acordos com Itamar,
a UNE deve estar na linha de frente do movimento pelo Fora FHC e FMI. Deve
apoiar a unidade dos movimentos e partidos de esquerda, que está se constituin-
do no Fórum Nacional de Lutas. O Fórum teve papel importante na definição das
mobilizações nacionais que já ocorreram: o 26 de março, o 21 e o 30 de abril e o
1º de maio.
A UNE precisa impulsionar o Fórum de Lutas e, também, ter calendário pró-
prio e pauta específica. Unir a luta em defesa da universidade pública para todos,
com a luta por outro país. Grandes mobilizações, estudantes nas ruas: é nosso
dever imediato. Tirar a UNE e o Movimento Estudantil do imobilismo, retomando
nosso lugar na história.
Vitórias, mesmo que pontuais, só com luta. Estudantes junto com trabalha-
dores, funcionários públicos com os sem-terra. O lugar da UNE é na sala de aula,
chamando os estudantes politizando, discutindo, conhecendo os problemas que
são de um e são de todos. Despertando a indignação e garantindo ações concretas
de mudança.
Em toda a América Latina existem protestos contra as receitas do FMI aplica-
das nestes países. Na argentina, por exemplo, nos últimos dias, grandes passeatas
e greves estudantis derrotaram a política do FMI e do Menen de corte massivo de
n 46o CONGRESSO DA UNE

verbas. Aqui, os estudantes da Federal de Viçosa, da PUC-RS, da Federal de Santa


Maria, Unisinos, UFPel, da PUC-MG e de muitos outros lugares já estão fazendo
mobilizações para garantir direitos. São exemplos a seguir. É este nosso caminho.
Algumas medidas são chaves para construir a mobilização. Uma plataforma de
lutas gerais, que coloque em xeque o próprio modelo econômico. Não são propos-

16
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

tas para consertar este regime falido. São propostas de outra natureza. De natureza
democrática, popular e socialista. Medidas contra o capital, os monopólios e os
latifúndios – que representem de fato enfrentamento com o nosso capitalismo tupi-
niquim, e que permitam iniciar um processo diferente, de construção do socialismo.
As medidas
Defendemos, entre outras propostas:
- Fora FHC – Eleições já!!
- CPI das privatizações;
- Ruptura com o FMI;
- Não pagamento da dívida externa;
- Não pagamento da dívida interna;
- Democratização dos meios de comunicação; quebra do monopólio da Globo;
- Apoio à criação de rádios e TVs comunitárias;
- Reforma Agrária nos moldes reivindicados pelo MST;
- Reestatização das empresas privatizadas;
- Estatização do sistema financeiro;
- Aumento dos impostos para os que ganham mais; criação do imposto sobre gran-
des fortunas;
- Programa de grandes obras públicas de infraestrutura;
- Investimentos maciços e emergenciais em saúde, educação e habitação.

EDUCAÇÃO COMO MERCADORIA


Claro que dentro deste quadro de horrores neoliberal, a educação pública não
poderia estar bem. E muito menos a educação particular, tratada como mercearia
de esquina, onde cidadão é consumidor de segunda classe: paga muito por péssi-
mos serviços.
Para analisar o quadro educacional brasileiro partimos de um princípio: educa-
ção deve ser pública, para todos, e é dever do Estado. Tem de ser, portanto, gratuita
e de qualidade. Da educação fundamental à pós-graduação. Disto não abrimos mão.
Isso é exatamente o contrário da visão neoliberal/tucana/pefelista de educação. Para
esta direita, que segue as ordens do Banco Mundial, FMI e dos formuladores do
consenso de Washington educação é mercadoria, que deve ser adquirida por quem
pode pagar. O Estado deve se envolver o mínimo com educação, deve descentrali-
n 46o CONGRESSO DA UNE

zar recursos (cada vez mais escassos), deve fazer “parcerias” com a “sociedade civil”
para que esta assuma as escolas e universidades públicas.
Na verdade, a reforma educacional implementada pelo MEC, desde o primeiro
mandato de Fernando Henrique só tem um objetivo: desmontar o sistema público
de ensino superior e aumentar o bolo do ensino privado. Não é casual que, nos úl-

17
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

timos anos, tenham aumentado significativamente as matrículas no ensino privado


– juntamente com as mensalidades e com a queda da qualidade do ensino.
De 1994 a 1998, o número de alunos matriculados no ensino superior aumen-
tou 30%, segundo o MEC. O Brasil passou de 1,6 milhão de alunos matriculados
para 2,1 milhões. Só que a grande maioria destes estudantes foram parar em escolas
privadas. 61% estão nas pagas, contra 28% nas federais, 7% nas estaduais e 5% nas
municipais – em números redondos.
Ou seja, as federais e estaduais, além de não se expandirem estão sendo des-
montadas. Enquanto isto, se proliferam as verdadeiras fábricas de diplomas.
A desresponsabilização do Estado com o ensino público e sua vinculação cada
vez maior com a iniciativa privada são o norte das reformas educacionais. Mas exis-
tem outras diretrizes.
O que sobrar de ensino superior estatal deve estar sob os parâmetros de fle-
xibilização, adequação ao mercado, fragmentação curricular. Trata-se de formar
técnicos qualificados e profissionais de ponta em algumas faculdades e universida-
des – os tais centros de excelência – e, pagar, em cursos de qualidade duvidosa e
para atuar em alguns setores menos desenvolvidos da economia.
É o ensino para o mercado, não para formar pessoas críticas, comprometidas
com uma nova sociedade, e com valores solidários. É o ensino tecnicista e indivi-
dualista, feito para uma elite cada vez menor. Ou, o ensino de péssima qualidade,
oferecido para os setores médios, empobrecidos, que têm ainda o curso superior
como tentativa de “subir na vida”.
Grande parte de todas as orientações seguidas pelo MEC estão contidas num já
célebre documento do Banco Mundial – e não esqueçamos que o garoto-propagan-
da de FH, Paulo Renato, saiu diretamente do alto escalão do Banco para coordenar
o programa de governo de FH e depois para o MEC.
O tal documento, chamado O Ensino Superior, diz basicamente o seguinte:
Este negócio de país de terceiro-mundo, latino-americano, ter universidade
pública, gratuita, e ainda por cima com assistência ao estudante está totalmente
equivocado. São países pobres, precisam priorizar o ensino fundamental (já ouvi-
ram o Paulo Renato falar isso antes??). E não deem ter estas universidades grandes,
metidas a fazer pesquisa, e com esta geringonça chamada extensão – coisa esdrúxu-
la, que não serve para nada. O negócio é mudar. Modernizar. Universidades devem
ser eficientes, como as empresas. Para isto, primeiro: Estado deve investir em outras
n 46o CONGRESSO DA UNE

coisas. Cobre-se mensalidades, corte-se as bolsas de assistência: nada de mamata.


Quem quiser fazer faculdade que pague por isto. Pesquisa é luxo, só deve ser feita
em alguns centros, que tenham vocação, e olhe lá. Para que pesquisa no terceiro-
-mundo? É caro. Aproveitem as vantagens da globalização e adquiram tecnologia
americana, deixe isto para quem entende. A maioria das faculdades e universidades

18
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

deve é ensinar. E este negócio de democracia é outra bobagem de terceiro-mundo,


populismo. Nos EUA, onde tudo dá certo, reitor é funcionário, gerente, executivo.
Ideia mais maluca eleger reitor, estudante participar de conselho com peso igual
ao professor. Funcionário, então, participar de Conselho Superior é piada de mau
gosto. Vamos reformar. Reformas na América Latina.
E isto tudo foi seguido, quase igual, no Chile, na Argentina, no Uruguai, e é
claro, aqui. Todas as leis aprovadas no último período: LDB (Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação), o Provão, a lei que impede eleições paritárias para reitor, as várias
propostas e projetos de autonomia e, agora, esta picaretagem dos cursos sequen-
ciais, são todos meios para implementar o que está na cartilha do Banco Mundial.
E ainda tem o golpe de misericórdia: um projeto de “autonomia”, que é a ofi-
cialização do descompromisso do governo. Eles se apropriaram de uma bandeira
histórica dos estudantes, funcionários e professores e querem aprovar uma lei que
deixa cada universidade ao Deus dará, correndo ao mercado para conseguir recur-
sos, pagando cada uma o quanto quiser aos seus professores. Enfim, é a quebra
da ideia de sistema público superior de ensino. Autonomia de verdade pressupõe
financiamento público e democracia nas universidades. Autonomia é o oposto do
que eles propõem. É garantia de um sistema público de ensino e não o desmonte
do sistema!
Afora isto, vira e mexe, o Paulo Renato dá uma entrevista defendendo o paga-
mento de mensalidades, dizendo que é assim que deve ser, e que será assim em
breve. Mas nós vamos dizer em alto e bom som, que não vamos pagar nada.

O DESMONTE DAS PÚBLICAS

Longe dos cadernos, bem depois / A primeira mulher e


um 22 / Prestou vestibular no assalto do busão / Numa
agência bancária se formou ladrão

(Racionais)
Diferente da Europa e dos EUA, o sistema universitário brasileiro é bem novo.
Foi durante o regime militar e início dos anos oitenta, que se constituiu a maioria
das universidades públicas brasileiras – federais e estaduais.
Era a época do “Brasil-grande”, do Brasil-potência. Interessava às elites e aos
n 46o CONGRESSO DA UNE

militares construir uma estrutura estatal que desse conta das necessidades de
desenvolvimento do país, de formar cientistas, de criar tecnologia. Petróleo, te-
lecomunicações, agricultura, aviação, uma série de setores deu saltos através da
pesquisa produzida principalmente nas federais, institutos independentes e nas
estaduais paulistas.

19
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Era uma estrutura estatal fechada, hierarquizada e tecnicista. A cara dos mi-
licos. Com a abertura, o movimento estudantil, dos professores e dos técnicos se
mobilizou e teve uma série de conquistas. Neste momento, o projeto da classe do-
minante estava em crise, bem como o projeto para a universidade. Construímos,
então, um outro projeto de universidade baseado na democracia, na participação,
na qualidade do ensino, na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A
ideia-força dos movimentos: é preciso mudar. Queremos uma universidade autôno-
ma, para a maioria, uma universidade democrática, uma universidade cidadã para
os trabalhadores, a serviço da transformação social.
Houve avanços, principalmente na conquista da paridade ou mesmo do voto
universal na eleição dos dirigentes universitários. Ou na discussão da autonomia
universitária. Ou no debate sobre projeto de universidade. Ou na garantia de um
plano nacional de carreira para professores e funcionários e na exigência de con-
curso público para ingressar nas universidades. Simultaneamente, a construção de
vários programas de extensão com participação do ME, tentava aproximar a univer-
sidade das necessidades da maioria da população. Começava a se formar um caldo
progressista no interior das universidades públicas brasileiras. Anos 90. A escalada
neoliberal vem com tudo pra cima das universidades. O programa da direita é co-
erente. Vamos privatizar. E começou o desmonte. O corte de verbas é progressivo.
A cada ano nossos laboratórios não têm frascos. A cada ano nossos livros nas bi-
bliotecas não são repostos. As assinaturas dos periódicos, atrasadas. Os salários
dos professores, sem aumento. O governo proíbe contratar novos professores, pre-
cariza a relação de emprego. As bolsas de pesquisa e pós-graduação, congeladas
também (e em número cada vez menor). O tempo dos mestrados e doutorados,
reduzidos – e ainda puseram o gerentão Bresser Pereira para acabar de vez com o
CNPq. O preço das refeições nos Restaurantes Universitários, onde eles ainda exis-
tem, cada vez maior. Os alojamentos ou moradias, deteriorados, com menos vagas,
sem construção de novos.
Os Hospitais Universitários são um caso à parte. Com a destruição geral da
saúde pública, acabaram se transformando – em várias regiões – no último lugar
de socorro da maioria pobre, dos sem-plano de saúde. E dá-lhe corte de recursos
para os Hospitais. Crises permanentes, recorrentes. Dramas repetidos e cotidianos.
Há muito os HUs estão deixando de ser espaço de ensino-pesquisa-extensão e se
transformando em megapostos de saúde desaparelhados. E agora inventam nova
n 46o CONGRESSO DA UNE

moda: encher os HUs de convênios privados.


Mesmo nas estaduais paulistas, que sempre tiveram um pouco mais de fôlego,
a crise está instalada. Diminuem-se os repasses, faltam professores, há salas super-
lotadas, laboratórios começam a se precarizar. Nos campi da UNESP, as luzes já são
desligadas às 21h para economizar energia!! Já no Paraná, por exemplo, o aprendiz

20
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de ditador de província, Jaime Lerner, impôs a autonomia para as estaduais, nos


moldes do projeto de Efeagá para as federais, obrigando os reitores a assinarem um
“termo de compromisso”.
Não sobra espaço para pensar em ensino de qualidade, ou para discussões
mais ousadas, ou grandes debates sobre o projeto de universidade que queremos.
Cada vez mais, estamos obrigados a lutar pela sobrevivência do sistema público de
ensino no Brasil. Só venceremos esta luta, vencendo o governo Fernando Henrique
e o projeto dominante, construindo uma aliança dos estudantes com o conjunto
dos trabalhadores e setores em luta.

S.O.S. universidade pública


- Em defesa do ensino público, gratuito, universal para todos;
- Expansão do ensino superior: aumento de vagas já!
- Não pagamento de taxas e mensalidades;
- Contra os cortes no orçamento da educação;
- Aumento imediato das verbas destinadas ao ensino superior;
- Contra a reforma educacional de Banco Mundial/Paulo Renato;
- Não à proposta de autonomia do MEC;
- Pela autoaplicabilidade do artigo 207 da Constituição: autonomia de verdade;
- Por uma política de assistência estudantil;
- Verbas para moradia estudantil;
- Verbas para os Restaurantes Universitários;
- Recuperação dos Hospitais Universitários, contra os convênios privados;
- Garantia da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão;
- Democracia nas Universidades!
- Eleição paritárias (no mínimo!). Reitor eleito, reitor empossado!
- Barrar as reformas estatutárias autoritárias: estatuintes soberanas e paritárias;
- Não à adaptação dos currículos aos interesses das grandes empresas;
- Contra os cursos sequenciais;
- Garantia de qualidade em todas as universidades;
- Fim do Provão, por uma avaliação de verdade!
- Contra o fechamento arbitrário de cursos pelo MEC;
- Recuperação dos laboratórios e bibliotecas;
- Contratação imediata de professores;
n 46o CONGRESSO DA UNE

- Aumento de Bolsas para iniciação Científica, monitoria e PET;


- Contra o corte de bolsas de pós-graduação;
- Contra o mestrado profissionalizante (“sem tese”);
- Por uma nova LDB, democrática, que garanta o ensino público;
- Aplicação do Plano Nacional de Educação, discutido pela comunidade universitária.

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

O DILEMA DO ENSINO PRIVADO


Para começar essa discussão voltamos ao nosso princípio. Enquanto não hou-
ver ensino público e gratuito, continuará o dilema das mensalidades e os paliativos
do tipo crédito educativo. Por isso, somos a favor da expansão contínua do ensino
superior gratuito, rumo à universalização.
As faculdades privadas, com raras exceções não oferecem ensino decente, não
fazem pesquisa e muito menos extensão. Salas cheias, professores pouco qualifica-
dos, bibliotecas precárias – quando existem. São, quase sempre, supermercados
de diplomas, aos quais a maioria dos estudantes tem de recorrer para conseguir
se formar. E, cada vez, mais, aumentam o preço das mensalidades, e se excluem os
que não podem pagar. Ou seja, além de percentualmente ser muito baixo o número
de estudantes brasileiros no ensino superior, a maioria deles está nas escolas pagas
de má qualidade e muitos desses não estão mais conseguindo arcar com os custos
das mensalidades.
A discussão sobre qualidade e democracia nas particulares é urgente. Edu-
cação é serviço público. Não é possível aceitar que os donos de escola armem as
arapucas que bem entendam, sem qualidade, sem espaços democráticos, e saiam
distribuindo diplomas por aí.
E como garantir que os estudantes hoje nas pagas permaneçam estudando?
O CREDUC não tem resolvido o problema do financiamento. Por um lado, ele aca-
ba repassando recursos para os donos das escolas. Por outro lado, o número de
atingidos pelo programa é cada vez menor, e o índice de inadimplência dos con-
templados também cresce.
Neste sentido, defendemos o aumento imediato de vagas nas escolas pú-
blicas, criação de novos cursos e expansão da rede pública. Defendemos também
uma maior fiscalização do governo às escolas privadas, que não podem fazer o que
bem entendem, nem cobrar quanto quiserem. Qualidade já!
Não aceitamos nenhum estudante fora da sala de aula. Inadimplência não
é crime. Defendemos a redução das mensalidades, imediatamente. E que se re-
negocie as mensalidades atrasadas. Educação não é para dar lucro. O preço das
mensalidades é um abuso, enquanto os inadimplentes são tratados como bandi-
dos. Isto não pode continuar. Agora, de imediato, e simultaneamente ao aumento
de vagas, é preciso discutir um programa de financiamento aos estudantes que não
têm como pagar as mensalidades e precisam concluir o curso. Isto não resolve o
n 46o CONGRESSO DA UNE

problema – é um paliativo – mas é um meio imediato de garantir a permanência


no ensino superior de milhares de pessoas.
Há vários projetos no Congresso Nacional que tratam desta questão. E o go-
verno federal acaba de lançar um projeto que privatiza o CREDUC, entregando nas
mãos dos bancos este financiamento, que só tem interesse em lucrar com altas taxas

22
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de juros. Paulo Renato quer criar uma Agência Nacional de Crédito, com recursos
dos banqueiros e do Banco Mundial. Criar dependência de quem precisa estudar
para com o sistema financeiro, que vai tratar os estudantes como um cliente qual-
quer, ou seja: exploração total. Por que no lugar desta armação não se investe em
criação de vagas nas universidades públicas?
Somos radicalmente contra entregar para os banqueiros o crédito aos estu-
dantes. Por isso, defendemos, emergencialmente, uma total reformulação do
CREDUC, baseado em alguns princípios. Defendemos:
- Nenhuma verba orçamentária/pública para as particulares. Verba pública só
para universidade pública. Que o dinheiro do crédito ao estudante venha de ex-
trações especiais de loteria e dos recursos compulsórios depositados pelos bancos
no Banco Central;
- Criação de um Fundo Nacional que financie o crédito ao estudante – fundo admi-
nistrado com a participação dos estudantes, governo e faculdades;
- Que em cada instituição haja uma Comissão de Seleção dos beneficiados com a
participação estudantil;
- Que só recebam recursos as faculdades que oferecerem pelo menos 30% de bolsas
com recursos próprios;
- Que todas as particulares sejam obrigadas a destinar um percentual de seus lucros
a bolsas de ensino;
- Que o aluno possa renegociar a dívida se demonstrar incapacidade de pagamento;
- Prazo maior para o estudante começar a pagar a dívida;
- Juros subsidiados para os empréstimos.

RECONQUISTAR A UNE

Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?

(Titãs)
Vinte anos depois de sua refundação, nossa UNE parece uma senhora que vive
de memórias de tempos antigos. Apática, enferrujada, dura, imóvel, impermeável,
triste. Podemos escolher um monte de adjetivos para dizer como anda nossa entida-
de, mas talvez um deles sintetize bem o estado atual: a UNE, hoje, está totalmente
burocratizada.
n 46o CONGRESSO DA UNE

Mas isto não é um fenômeno natural, obra do acaso. Existe uma crise geral
nos movimentos sociais na década de noventa, isto é verdade. Existe uma dificul-
dade crescente de mobilização por conta da crise geral, isto também é verdade. O
Movimento Estudantil tem de mudar, reinventar formas de organização, se renovar,
saber dialogar com a grande massa de estudantes. Concordamos com isto também.

23
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Só que existem responsáveis por uma política, que, ao invés de nadar contra
a maré ruim – e tentar inclusive reaprender a nadar – se deixa levar e, às vezes, até
ajuda esta maré. Estamos falando da maioria da direção da UNE, dos companheiros
que, desde 1991, dirigem a entidade. Estamos falando da União da Juventude So-
cialista (UJS), ligada ao PCdoB.
A UJS não só burocratiza cada vez mais a UNE, como também leva a entidade
para a apatia e para políticas de conciliação, o tempo todo. São dois movimentos:
por um lado, fecham a estrutura, se distanciam dos estudantes e transformam a
UNE num imenso departamento de emissão de carteirinhas. Por outro lado, agra-
dam a Itamar Franco, indicam pessoas para participar do viciado Conselho Nacional
de Educação e boicotam as mobilizações que teimam em continuar acontecendo,
como no episódio da greve das federais em 1998.
Aliás, a questão do Conselho Nacional de Educação é bem ilustrativa desta
postura conciliadora. Este Conselho é braço do MEC e implementa sua política.
Nenhuma entidade da comunidade universitária o reconhece como espaço demo-
crático, não participam, nem indicam ninguém para participar deste convescote.
Ah, mas para a UJS/PCdoB/Refazendo aquilo ali é um “espaço em disputa”. É, o chá
dos amigos do Paulo Renato virou conselho disputável...
Para realizar uma política de “centro-esquerda”, conciliadora, e manter o con-
trole do movimento a qualquer custo, a UJS não tem poupado esforços, levando o
movimento estudantil a tensões permanentes, levando a própria UNE ao descrédito
total perante grande parcela dos estudantes. E ainda inventam propostas autoritá-
rias para mandarem mais fácil. Foi assim com os famigerados “funis” (que acabavam
com as eleições dos delegados ao Congresso da UNE pela base), rechaçados pelos
estudantes do CONEB de Viçosa.
Os estudantes a todo momento se perguntam: onde está a UNE? Não conse-
guimos enxergar iniciativas, não conseguimos ver a entidade. A UNE não tem plano
de lutas, não tem política de comunicação, não acompanha os projetos privatistas
a todo momento votados no Congresso Nacional, não se comunica com as entida-
des de base, não convoca os fóruns do movimento. Custam a reunir até a diretoria.
Fazem CONEGs (Conselho Nacional de Entidades) uma vez por ano, e olhe lá. Já o
CONEB (Conselho de CAs e DAs) só aconteceu uma vez (novembro/98) desde que
a UJS domina a UNE. Foi o primeiro CONEB em oito anos. E ainda tentam trans-
n 46o CONGRESSO DA UNE

formar o Congresso – que só acontece de dois em dois anos – num grande circo,
impedindo debates e tratando os delegados como “gado marcado”.
São constatações óbvias e rápidas, mas que já nos permitem uma conclusão.
Está falida a atual hegemonia da UJS. Não tem base no movimento real, não tem
respaldo nas ruas, não articula mais nada. Não tem representatividade.

24
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A UNE tem história de lutas e é, sim, um patrimônio dos estudantes brasileiros.


Mas não pode viver de passado. Tem de ser presente e futuro. Por isso, é hora de
recuperarmos a UNE para os estudantes. É hora de democratizarmos a UNE e mo-
dificá-la nas ruas, na luta, sem conciliação, sem vacilo. Para isto, é preciso derrotar
fragorosamente a UJS (a tese Refazendo). Do jeito que a coisa anda, a UNE corre o
risco de deixar de ser referência perante os estudantes. Isto nós não podemos dei-
xar acontecer. ESTÁ NA HORA DE RECONQUISTARMOS A UNE.

GESTÃO CAPELLI: VAI ENTRAR PARA A HISTÓRIA


Desde o ascenso do “Fora Collor” que a crise se aprofunda e a UNE se buro-
cratiza incessantemente. Mas a gestão 97-99 com certeza deve entrar para a história.
Mas pelo lado negativo: é uma das piores de toda história da entidade. Será reco-
nhecida inegavelmente como uma das piores gestões da UNE, sem dúvida uma
gestão desastrosa.
Aliás, diga-se de passagem que até a UJS reconhece isto, de maneira transversa,
quando dá o nome de Refazendo à sua tese e diz que é preciso refazer o movimento
estudantil. Só uma gestão fracassada mesmo para adotar um nome de oposição na
sua chapa de continuação! Nisso nós concordamos com os companheiros. É preci-
so refazer o movimento. Só que não são eles que vão conseguir isto, afinal, estão aí
desde 1991 e são os responsáveis pelo atual estado da entidade. Mas não adianta
querer esconder o fracasso atrás do nome. Os estudantes não vão cair nessa.
A gestão já começa pouco representativa, já que amplos setores do movimen-
to, entre eles nós que assinamos esta contribuição, se recusaram a participar da
diretoria eleita em BH, como protesto pelo golpe dos funis, felizmente derrotados
no CONEB. Nos primeiros seis meses não vimos uma mobilização.
O incrível é que conseguiram fazer uma gestão que, além de não liderar os
principais movimentos do período se colocou contra o principal deles: a greve das
federais em 98, chamada pelo presidente da UNE, Ricardo Capelli, de “greve de
pijamas”. A UJS foi contra a greve dos estudantes e ficou o tempo todo boicotan-
do o trabalho do Comando Nacional de Greve e Mobilização, formado por DCEs
que queriam lutar ao lado dos professores contra a destruição das federais. Neste
episódio a UNE perdeu o trem da história. O mais grave é que na hora de fazer o ba-
lanço da gestão, a UJS tem a cara-de-pau de mudar a história e dizer que, pasmem,
a “UNE esteve na linha de frente da greve” e ainda atribuem à entidade o sucesso
n 46o CONGRESSO DA UNE

que foram as várias ocupações de Delegacias do MEC. Quem participou da greve,


esteve em Brasília no Comando, ou lutando na sua universidade sabe o tamanho
desta mentira.
E a “Campanha da Paz”? Durante mais da metade da gestão, a UNE foi vista ao
lado de Covas, da Globo, e de outras ilustres companhias fazendo uma campanha

25
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

que parece simpática, mas é boba e despolitizada. Não discute as causas da violên-
cia, não denuncia o sistema, nem os meios de comunicação. É só aparentemente
simpática, mas politicamente conservadora. Tanto assim que recebeu o apoio da
Globo e de toda a classe média reacionária. Na hora de chamar para a luta, vimos
nossa entidade clamando por uma “paz” vazia, conformista, pelega mesmo. Um
tiro no pé, esta campanha. Único objetivo: dar espaço na mídia para os diretores
da UNE.
A UNE nunca esteve tão longe dos estudantes e afastada da luta que nesta
gestão. Mas a gestão de Capelli é só o desfecho do fracasso da política da UJS nos
últimos anos. A política da UNE tem se baseado somente no marketing e na estrutu-
ra de carteiras conquistada. Se perguntarmos qual o papel da entidade nas últimas
grandes mobilizações, veremos que a UNE não esteve no centro de nenhuma, no
máximo pegou carona – quando não atrapalhou! Qual foi o papel na Marcha do
MST no dia 17? Qual foi o papel da UNE na greve dos servidores da federais? Qual
foi o papel da UNE na última eleição?? Qual foi o papel da UNE na greve dos es-
tudantes?? Qual foi o papel da UNE nas várias lutas que ocorreram no interior das
universidades, como ocupação da reitoria da UFRJ? Na verdade, nos lembramos da
UNE mais pela sua ausência e pelas famigeradas carteiras.
E por aí vai, poderíamos gastar mais páginas fazendo o tal “balanço” desta ges-
tão. Mas nem precisa tanto. Quem viveu sabe o tamanho do buraco onde a UJS tem
metido nossa entidade.
Quem partidariza, cara pálida?
E já que falávamos em cara-de-pau, vamos destacar mais uma sandice escrita
na tese da Refazendo e constantemente repetida. Todo mundo sabe que a UJS é a
juventude do PCdoB – embora às vezes eles neguem isto, para trazer gente nova.
Até aí nenhum problema. Não somos contra a participação dos estudantes
em partidos políticos, nem contra a organização de juventudes partidárias. Pelo
contrário. Os partidos políticos progressistas têm compromissos com a transforma-
ção social e com a construção dos movimentos – sindical, popular, estudantil. Por
isso atuam nestes movimentos e defendem, através dos militantes dos movimentos
filiados a cada partido, suas propostas. O movimento estudantil é, portanto, plu-
ral, deve ter espaço para os estudantes organizados em partidos e para os que são
independentes. Não pode e não deve ser “neutro”, ou apolítico. Tem que ter po-
sições, ter lado. O que devemos fazer é lutar para preservar a democracia interna
n 46o CONGRESSO DA UNE

do movimento.
O que não admitimos é o aparelhismo. Ou seja, militantes de um ou outro
partido se apoderarem da entidade estudantil, sufocarem a democracia interna, se
beneficiarem da estrutura e até das finanças da entidade em proveito do partido
político. Isto está errado e deve ser combatido. Agora, responsa rápido: quem di-

26
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

rige a UNE hoje?? Quem aparelha a UNE? Quem partidariza a UNE? Quem montou
um balcão de carteiras lucrativo, que gera recursos que ninguém sabe direito para
onde vai??
Se você respondeu UJS, juventude do PCdoB, acertou. A UJS/PCdoB/Refazen-
do consegue ao mesmo tempo ser responsável pelo maior aparelhamento que a
entidade já passou em toda a sua história e ainda por cima tem a coragem de escre-
ver na sua tese que é contra o partidarismo, e que a oposição defende uma entidade
fechada. Por isso, o troféu cara-de-pau. Na verdade, fazem um discurso despolitiza-
do, bobo, que tem um único objetivo: convencer aquele estudante desprevenido,
que não conhece a história inteira, que eles são bonzinhos, amplos, democráticos,
apartidários, e blá, blá, blá... e a oposição é sectária, partidária, ranzinza.

DEMOCRATIZAR A UNE E ACABAR COM O


BALCÃO DE CARTEIRAS
Para reconquistar a UNE, além de derrotar a UJS/Refazendo, vamos ter que
democratizá-la, reestruturar, abrir, convocar os fóruns regularmente, diminuir o
mandato da diretoria, fazer uma política de comunicação efetiva, investir em gru-
pos de trabalho, enfim, uma série de medidas deste tipo.
Não dá pra imaginar que nossa entidade continue com uma estrutura tão
vertical, personalista, centrada na figura do presidente. É preciso acabar com o
presidencialismo, onde só o “presidente” fala e representa a entidade. A diretoria
deve ser colegiada, com coordenação, divisão de tarefas, democracia interna. Como
já funcionam os nossos CAs e DAs, as executivas de Curso, a maioria dos DCEs...
A comunicação é um gargalo permanente. Onde está a UNE? Não sei, ninguém
viu. Uma entidade estudantil nacional que não consegue mandar regularmente cor-
respondências, fax, e-mails nem para os principais DCEs do país tem alguma coisa
errada. Em época de revolução tecnológica, a UNE não tem nem boletim impresso
regular. Mudar isso é urgente. A internet está aí, vamos usá-la. Capilarizar a en-
tidade é levar informações. Será tão difícil assim fazer um cadastro nacional de
entidades e mandar informações regularmente, via fax e correio eletrônico, por
exemplo?? O que falta, na verdade, é vontade política de fazer. Afinal, as prioridades
têm sido outras...
Mas há um outro debate fundamental e que está relacionado com o combate à
n 46o CONGRESSO DA UNE

burocratização: a forma de financiamento da entidade.


Aí é que entra a questão das carteirinhas. Nos últimos anos, transformaram o
direito à meia-entrada na obrigação de adquirir carteira da UNE/UBES. Ao vincular
o direito a meia-entrada para estudantes à carteirinha, a UJS criou um grande apara-
to. Aumentou o preço das carteiras, criou um Departamento Nacional de Carteiras,

27
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

associou entidades estudantis a empresas estrangeiras para emitir a tal “carteira


mundial”, enfim, entrou numa lógica mercantil absurda. O que era direito, virou
mercadoria. A carteira da UNE, que deveria ser instrumento político de adesão de
apoio à entidade, virou um mecanismo de acesso à direitos, caro, monopólio das
entidades nacionais. Taxas administrativas, repasses que não chegam nunca, preços
altos, desmandos de todo tipo. E agora ainda querem unificar a carteira nacional
com a internacional (controlada por uma empresa chamada STB), o que só serve
para aumentar o preço da carteira, e, em consequência, os lucros da STB.
Meia-entrada é conquista, é direito. Por isso, defendemos a meia-entrada para
a juventude (até 21 anos), democratizando o acesso à cultura. E, para os univer-
sitários com mais de 21, defendemos que a carteira da UNE deixe de ser o único
instrumento para a meia-entrada, valendo qualquer identificação estudantil.
As entidades estudantis precisam de outros mecanismos de financiamento.
Acima de tudo, as entidades estudantis devem ser custeadas pela contribuição vo-
luntária dos estudantes.
Isso não acaba com a carteirinha da UNE. Mas muda seu caráter. Ela poderá
ser feita a preço de custo para todo mundo e com opções diferenciadas de preço,
para quem quiser ou puder contribuir com a entidade. E isto obriga a entidade a
dar motivos de orgulho para o estudante, ou seja, força a entidade a estar presente
no cotidiano, combate a burocratização.

A ALTERNATIVA É: ROMPENDO AMARRAS

Well, the opressors / are trying to keep me down / Trying


to make me feel like a clown / And They think that / They
have got the battle won / I say forgive them, Lord / They
know not what they’ve done / ‘Cause as sure as the sun
will shine / I’m gonna get my share now, what’s mine / And
the harder they come / The harder they fall one and all /
The harder they come / The harder They fall one and all.

( Jimmy Cliff )

Se os opressores / estão tentando me derrubar / me fazer


n 46o CONGRESSO DA UNE

sentir como um palhaço / E se eles acham / Que ganharam


a batalha / Eu digo, Deus, perdoe-os4 / Eles não sabem o
que fizeram / Porque tão certo quanto que o sol brilhará /
E que eu vou pegar minha parte agora, pegar o que é meu
4.  No original: “esqueça”. [N.O.]

28
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

/ E quanto mais fortes eles vierem / Mais duros cairão, um


e todos / E quanto mais fortes eles vierem / Mais duros
cairão, um e todos.

Mas chega de mazelas. O 46º Congresso da UNE pode alterar os rumos do Mo-
vimento Estudantil. Existe uma alternativa à falência da atual maioria. Alternativa
que não surge nos aparelhos ou na cúpula, mas surge da luta, do contato direito
com os estudantes nas salas de aula, das mobilizações. Uma alternativa para romper
as amarras que prendem a UNE, libertá-la do hegemonismo estéril e burocrático e
começar a modificá-la dos estudantes de verdade.
Rompendo Amarras: por um movimento estudantil democrático e de lutas é
um movimento, surgido depois da experiência vitoriosa da greve das federais, que
agrega vários DCEs, Executivas de curso, DAs, estudantes independentes, militantes
de diversas correntes políticas. Mas todos com um objetivo comum: reconquistar a
UNE. Democratizá-la, acordar este verdadeiro “gigante adormecido”. Colocar nossa
entidade nas ruas, lutando contra Fernando Henrique.
Colocar nossa entidade presente nas faculdades e universidades. Mantê-la em
contato com os estudantes, propondo, liderando, mobilizando. Defender a assis-
tência estudantil, debater a autonomia universitária, garantir que o inadimplente
estude, incentivar a formação de CAs e DAs, se articular nacionalmente com a AN-
DES e FASUBRA, discutir cultura, encaminhar debates e projetos de extensão, se
aproximar dos movimentos sociais, principalmente do MST. Enfim, queremos a
UNE viva.
Mas não estamos parados esperando isso acontecer. Enquanto a UNE não faz,
e enquanto não chega o dia do Congresso, estamos construindo o movimento, fa-
zendo mobilização, impulsionando lutas. Rompendo Amarras não foi construído
somente para disputar e ganhar o Congresso da UNE (o que já seria uma tarefa no-
bre), mas para, na prática, instituir uma referência para os estudantes mesmo sem
ser maioria na entidade. É por isso que assustamos a UJS. É por isso que tentam
nos desqualificar. Porque sabem que estamos, devagar, juntando gente, politizando,
nos credenciando enquanto oposição na luta, não oposição somente de Congresso.
E somos diversos, plurais, temos divergências entre nós. E esta é a nossa ri-
queza, porque estamos conseguindo construir, dentro das diferenças, um espaço
de debate, o espaço dos inconformados, que querem outra UNE. Acreditamos que
n 46o CONGRESSO DA UNE

o Rompendo Amarras pode ter um papel inclusive a médio prazo, fortalecendo um


bloco de esquerda, que acredita que transformação social de verdade, só com muita
luta, com muita gente na rua.
Esta é uma contribuição de um conjunto de companheiros ao debate do Rom-
pendo Amarras; contém e/ou desenvolve uma série de propostas contidas nos

29
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

textos anteriores do movimento e no texto com a síntese das ideias do bloco escri-
to para o 46º Congresso da UNE.
Até Belo Horizonte, onde daremos um passo para reconquistar a UNE e ajudar
a mudar o Brasil! Um forte abraço!
n 46o CONGRESSO DA UNE

30
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

AVALIAÇÃO

Fora com efeagá, mas fica o PCdoB 5

46º CONGRESSO DA ENTIDADE APROVA CALENDÁRIO DE LUTAS


PARA DERRUBAR FHC, MAS ELEGE NOVA DIRETORIA MANTENDO A
MAIORIA DO PCDOB

Por Julian Rodrigues


O 46º Congresso da UNE, ocorrido em BH, de 30/06 a 04/07 marcou um gol na
conjuntura, aprovando como eixo de luta para o próximo período a campanha pelo
Fora FHC e o FMI. A tarefa central do movimento estudantil passa a ser a constituição
dos comitês em todas as faculdades impulsionando a luta pela derrubada do governo.
Assim, a UNE se junta ao Movimento Sem Terra, à Central dos Movimentos Po-
pulares e a outras entidades, na adoção de uma palavra de ordem mais contundente,
exigindo claramente o fim do governo e convocação de novas eleições presidenciais.
Contudo, o Congresso não foi um primor de democracia, pelo contrário. As prá-
ticas burocráticas e autoritárias da direção majoritária (UJS, a juventude do PCdoB),
têm se intensificado cada vez mais e chagaram ao cúmulo neste Congresso. Esva-
ziamento dos grupos de discussão, manobras para impedir contagens nas votações
polêmicas, restrição à intervenção de delegados em plenário, seguranças profissionais
restringindo o acesso à mesa, delegados sendo credenciados fora do horário determi-
nado, confusões no credenciamento, votações sem a lista dos credenciados. Enfim,
antes e durante o processo congressual, o que se viu foi um festival de medidas para
garantir, artificialmente, a continuidade da hegemonia da atual direção, tudo feito de
maneira truculenta.
Suspeita de fraude
Desde a eleição dos delegados, muita coisa estranha acontece. Faculdades em
que não se tem notícias de movimento estudantil aparecem com dezenas de dele-
gados, em listas onde as assinaturas de presença têm uma estranha semelhança em
sua grafia. O processo para garantir a maioria começa na tirada de delegados, mas
só termina na plenária final. Neste ano, por exemplo, aconteceu um fato inédito:
uma porcentagem muito alta de credenciados votando na plenária final. Isto para
não falar dos inúmeros militantes secundaristas conhecidos, vistos, sorridentes,
portando crachás de delegados.
n 46o CONGRESSO DA UNE

Mesmo com todo este aparato em ação, a vitória do PCdoB e sua chapa Refa-
zendo (da qual, diga-se de passagem, fazem parte – além do PSB, PCB e PDT – o
PTB e outros setores de direita) tiveram apenas 52% dos votos (ver box). Ou seja,
5. : Página 13, n. 4, jun.-set. 1999, p. 17.

31
nem tudo são flores para “nova” maioria da UNE, que vai ter que se defrontar com
um bloco de oposição de esquerda consolidado, alternativa real à sua hegemonia.

A chapa de oposição Rompendo Amarras (reunindo militantes petistas ligados à


Articulação de Esquerda, Democracia Socialista, Força Socialista, Tendência Marxis-
ta, Corrente Socialista dos Trabalhadores, bem como ao PSTU) recebeu 28% dos votos.
A chapa Mudança (ligada à Unidade na Luta, tendência majoritária no Diretório Na-
cional do PT) recebeu 11%. A chapa Nós não vamos pagar nada (O Trabalho) recebeu
4% dos votos. E a chapa Liberdade (PSDB/PPS) recebeu 3,5% dos votos.

Internamente ao Rompendo Amarras, a Articulação de esquerda apresentou


uma tese intitulada Reconquistar a UNE, que acabou aglutinando um maior nú-
mero de delegados e indicando o vice-presidente da entidade, o companheiro da
Universidade Federal de Pelotas, Adriano de Oliveira. Indicamos também a compa-
nheira da Universidade Federal de Juiz de Fora, Daniela Matos, para a diretoria de
relações internacionais, além de outros três diretores (do RS, SC e BA).
Vitória da oposição
Na tentativa de impedir a contagem de duas propostas nas quais provavel-
mente seriam derrotados, o PCdoB acabou recuando e aceitando sua derrota em
questões centrais para a entidade: a polêmica sobre se a UNE deve ou não indicar
nomes para compor o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a questão da unifi-
cação compulsória da carteira estudantil nacional e mundial.
O CNE, apesar de ser um órgão colegiado, com representantes não-gover-
namentais, é um mero instrumento de formulação e ratificação da política de
desmonte do ensino público do MEC. Seria um absurdo que a UNE continuas-
se fazendo indicações para este “conselho”. O recuo na proposta de unificação é
um passo atrás na política do balcão de carteiras. Em São Paulo, já não era mais
confeccionada a carteira nacional, somente a carteira mundial, que é mais cara, au-
mentando o lucro da STB, empresa provada “sócia” da UNE, retirando do estudante
o direito de optar. No entanto, no geral, continua a atual política de carteiras, já que
as outras propostas da oposição foram derrotadas.
Os DCEs e entidades de base estarão se concentrando na preparação dos comi-
tês pelo Fora FHC. No final de agosto ou início de setembro, será realizado o Fórum
de Públicas, em Uberlândia, organizado pelo DCE da UFU. O Fórum de Públicas
será um espaço importante para a discussão das políticas do governo federal, com
destaque para o projeto de “autonomia” universitária. Será também um espaço que
vai preparar o processo de ocupação nacional e simultânea das reitorias das públi-
cas e um acampamento nacional em Brasília.

32
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

47o Congresso da UNE


Goiânia (GO), 13 a 17 de junho de 2001

TESE

RECONQUISTAR A UNE
ROMPENDO AMARRAS
UNIFICAR A OPOSIÇÃO
POR UMA UNE DEMOCRÁTICA E DE LUTAS

A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto


houver burguesia / Não vai haver poesia / A burguesia
não tem charme nem é discreta / Com suas perucas de
cabelos de boneca / A burguesia quer ser sócia do Country
/ A burguesia quer ir a New York fazer compras / São
caboclos querendo ser ingleses / A burguesia não repara
na dor / Da vendedora de chicletes / A burguesia só olha
pra si / A burguesia é a direita, é a guerra / Enquanto
houver burguesia / Não vai haver poesia / As pessoas vão
ver que estão sendo roubadas / Vai haver uma revolução
/ Ao contrário da de 64 / Vamos pegar o dinheiro roubado
da burguesia / Vamos pra rua / Vamos acabar com a
burguesia / Vamos dinamitar a burguesia.

(Cazuza, Burguesia)

APRESENTAÇÃO
Mais uma vez nos encontraremos, agora em Goiânia, de 13 a 17 de junho. Va-
mos para o 47º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), o espaço mais
importante do movimento estudantil brasileiro. Momento privilegiado para discu-
n 47o CONGRESSO DA UNE

tirmos o mundo, o nosso país, o buraco em que nos meteram. Hora de debater o
movimento estudantil, seu papel, seu potencial de mudança, sua crise, afinal.
Cada vez fica mais claro que não é esse o mundo e o Brasil que queremos. Não
é essa também a universidade que nos serve. Precisamos construir o novo. O movi-
mento estudantil é um meio importante para lutar por outro Brasil e outro mundo.

33
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A UNE, entidade máxima do movimento estudantil, durante anos cumpriu


esse papel. Tem história. Esteve na luta, tanto tempo. Formou tanta gente. Deu es-
paço para milhares gritarem, organizando o combate.
A UNE ajudou a combater o fascismo, fez a grande campanha “o petróleo é
nosso”; defendeu as reformas de base, lutou e perdeu lutadores na guerra contra
a ditadura; impulsionou as “diretas já”. A última grande página na história do país
foi o “fora Collor”.
Mas há tempos nossa entidade não consegue superar a crise, e o movimento
estudantil, com altos e baixos, também não está à altura dos desafios que temos. Por
isso propomos mudar. Modificar a UNE, modificar o movimento.
É preciso abrir, desburocratizar, dinamizar. Dar vida ao que hoje está parado.
Integrar. O movimento precisa debater alternativas a essa ordem corrompida. E,
mais importante do que debater alternativas, lutar por elas nas ruas.
Por isso estamos aqui. E por isso começamos falando da UNE. O que foi, o que
precisa voltar a ser. Aberta, plural. Que fale a nossa língua. Que nos ouça, que nos
represente. Queremos a UNE democrática e transformadora.
Queremos a UNE viva, atual, discutindo os problemas do cotidiano dos estu-
dantes. Queremos a UNE lutando contra todo tipo de preconceito e discriminação:
nossa entidade deve beber da seiva dos que lutam contra a opressão secular, sejam
mulheres, negros, gays e lésbicas, índios, idosos, portadores de deficiência, todos
aqueles que, de qualquer modo, são considerados “diferentes”.
Entretanto, uma política burocrática e autoritária há tempos se encontra en-
castelada na maioria da diretoria da UNE, que é a UJS, a juventude do PCdoB, que
nesse Congresso apresenta a tese “Agora Só Falta Você”. É só olharmos para a falta
de criatividade, para a apatia, para a absoluta insuficiência de mobilizações e para o
controle fechado dos rumos da entidade. Indignados com esse estado de coisas, mi-
litantes do movimento estudantil de todos os cantos do Brasil, muitos aglutinados
inicialmente na tese “Não vou me adaptar” constroem, desde 1998, nas faculdades,
nas salas de aula, o movimento Reconquistar a UNE, participando decisivamente
da construção do bloco Rompendo Amarras, formado por DAs, DCEs, Executivas e
Federações de Curso e estudantes.
Esse é um processo de construção histórica onde, a cada dia, mais estudantes
e entidades vão se incorporando. Estivemos juntos nas ocupações das delegacias
regionais de ensino, nos comandos de greve nas universidades e na construção de
n 47o CONGRESSO DA UNE

grandes mobilizações. Debatendo e agindo, criticando e construindo um novo mo-


vimento estudantil.
O objetivo do Reconquistar a UNE é construir uma nova dinâmica para o co-
tidiano da entidade, que aponte para um novo movimento – combativo e diverso
– mas coeso no encaminhamento das lutas; que construa um projeto transfor-

34
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

mador para a universidade brasileira; que faça o debate na sala de aula, que seja
referência para os estudantes. Para tanto é necessário derrotar a atual maioria, e,
ao mesmo tempo, começar a reconstruir e revolucionar o movimento estudantil.
Para essa tarefa – que não começou e não vai acabar em Goiânia – é preciso
unificar todos os que defendam uma entidade de lutas e democrática, incluindo
setores importantes que não compõem a atual frente Rompendo Amarras. Vamos
elevar o nível do debate e ajudar a fazer do 47º CONUNE um momento fundamen-
tal na articulação das lutas dos estudantes brasileiros. Queremos trazer de volta as
melhores tradições da UNE. Fazer diferente, mudar a cara do movimento estudan-
til. Reconquistar a UNE para o conjunto dos estudantes, reconquistá-la para a luta.
Contamos com você nessa batalha. Nos vemos em Goiânia! Até lá!

UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL

E depois do começo, o que vier vai começar a ser o fim

(Renato Russo)
Há dez anos atrás eles nos diziam que a história tinha acabado, que, após a
queda do muro de Berlim, os grandes conflitos estavam todos resolvidos. Entraría-
mos numa era de paz, e prosperidade, regida pelo livre mercado, sob liderança dos
EUA: seriam os anos dourados do neoliberalismo.
Quanta bobagem!!
Nas greves, nas mobilizações, nas selvas de Chiapas, nas ações do MST, nos
protestos da juventude, em Seattle, em Praga, em Québec e Buenos Aires, na luta
das FARC, nos 500 anos de resistência indígena, negra e popular, em todas estas
lutas e de muitas outras formas, a humanidade reage à imposição da globalização
neoliberal, e à ideia de que o mercado capitalista é o senhor de todas as coisas.
Nos últimos dez anos, o mundo inteiro só se tornou mais pobre, mais doente e
mais violento. A cada dia fica mais evidente a total incapacidade do capitalismo neo-
liberal de promover a prosperidade para todos: o aumento de taxa de desemprego,
dos conflitos armados, a crescente polarização da sociedade entre ricos (cada vez
mais ricos) e pobres (cada vez em maior número e mais pobres) e o brutal aumen-
to do peso do capital financeiro em detrimento do setor produtivo, evidenciam o
n 47o CONGRESSO DA UNE

caráter predatório e parasitário do capitalismo.


Todos os dados divulgados recentemente, inclusive pelas grandes agências in-
ternacionais propagadoras das diretrizes liberais, como o Banco Mundial e o FMI,
demonstram cabalmente a instabilidade econômica e a piora do quadro social no
mundo, com destaque para a tragédia africana, um continente que está sendo des-

35
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

truído pela AIDS porque as multinacionais farmacêuticas não abrem mão dos seus
lucros exorbitantes.
Os grandes impérios, que supostamente garantiriam crescimento econômico
ininterrupto, estão em crise. O Japão vive estagnado há uma década. Os EUA ame-
açam mergulhar o planeta numa crise sem paralelo, que pode levar a devastação
financeira aos demais países, num cenário que muitos associam ao crash de 1929.
Para tentar diminuir o impacto da desaceleração de sua economia, os EUA
fazem de tudo para ampliar sua hegemonia política, econômica e militar sobre os
povos latino-americanos. Esta política sintetiza-se, hoje, em duas iniciativas: a Área
de Livre Comércio das Américas (Alca) e o Plano Colômbia.
Com a ALCA, os EUA querem aumentar suas exportações de bens e serviços e
seu saldo comercial com esta região. Ao mesmo tempo, ao adotar políticas restriti-
vas contra o livre trânsito dos trabalhadores – o que inclui o vergonhoso “muro” na
fronteira com o México –, os EUA mantém um “mercado de força de trabalho mal
remunerada” à sua disposição.
Ao aderir a Alca, cada país latino-americano sacrificará sua autonomia eco-
nômica (moeda, subsídios, compras governamentais, patentes) em troca de uma
suposta abertura do mercado norteamericano, para produtos primários e manufa-
turados com pequeno valor agregado. E o pior: as negociações “por cima” da Alca
correm em paralelo ao processo de dolarização de vários países do continente:
Guatemala, Equador, El Salvador, Argentina.
Já com o Plano Colômbia, o governo dos EUA tenta enfrentar o avanço das
guerrilhas colombianas, especialmente das FARC, bem como o governo Chávez na
Venezuela e a rebeldia social crescente no Peru e no Equador. Através dele, o go-
verno dos EUA pretende estabelecer seu domínio militar sobre a região amazônica,
cuja extraordinária importância em termos de biodiversidade, reservatório de água
doce, fonte de oxigênio e de jazidas minerais todo mundo conhece.
É por isso que é tão importante impulsionar a resistência latino-americana e
mundial. É por isso também que a grande novidade é a realização do Fórum Social
Mundial no Brasil, e em Porto Alegre, o anti-Davos, que enterrou de vez o “pensa-
mento único”, e bradou em alto e bom som: um outro mundo é possível!!
Durante cinco dias, reuniram-se forças das mais distintas origens e opiniões,
convergindo em torno da ideia de que é preciso construir outro mundo. Eviden-
n 47o CONGRESSO DA UNE

temente, no Fórum Social Mundial prevaleceram as posições que pretendem


humanizar o capitalismo, buscando conter seus efeitos através de medidas impor-
tantes, mas paliativas, como a Taxa Tobin. Nesse sentido, infelizmente, o Fórum
ainda não superou as limitações presentes na maior parte dos movimentos anti-
globalização, que tomaram conta do cenário internacional, desde Seattle: trata-se

36
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ainda de movimentos contra o neoliberalismo, não de movimentos anticapitalistas


e socialistas.
Acontece que essa “ordem neoliberal” é apenas uma forma particular da ordem
capitalista. As crises recentes são, portanto, crises do capitalismo. Mas a superação
do capitalismo depende da existência de uma força política e social alternativa. Nós
nos somamos aqueles que querem construir essa força, como os jovens reunidos
no Acampamento de Juventude do Fórum, que em seu manifesto proclamaram que
outro mundo é possível, sim e disseram que mundo querem ajudar a construir. Seu
manifesto se chama: um mundo socialista é possível!
Definitivamente, é o fim do fim da história.

OUTRO BRASIL TAMBÉM É POSSÍVEL

Na verdade, o Brasil o que será? / O Brasil é o que tem


talher de prata / Ou aquele que só come com a mão? / Ou
será que o Brasil é o que não come / O Brasil gordo na
contradição? / O Brasil é uma foto do Betinho / Ou um
vídeo da favela naval? / São os trens da alegria de Brasília
/ Ou os trens de subúrbio da Central?

(Celso Viáfora e Vicente Barreto)


O governo FHC está se decompondo. Não param de surgir novas denúncias de
corrupção. Além disso, a cada dia que passa, fica mais claro para todos os brasileiros
o desastre causado pela aplicação cega das políticas neoliberais no país, desde os
idos do governo Collor.
Particularmente desde 1993, quando o “príncipe do apagão” vem dando as
cartas no Brasil, na verdade apenas retransmitindo as ordens dos seus chefes do
FMI e dos EUA, o país piorou, e muito.
Foram mais de dez anos de privatizações, desemprego, recessão, desmonte da
educação, da saúde, dos serviços públicos e da infraestrutura. E muito, mas muito
mesmo, arrocho, violência e miséria.
Pouco a pouco, vamos tomando conhecimento de toda a sorte de crimes pra-
ticados pelo governo FHC. E alguns pontos são fundamentais para a compreensão
n 47o CONGRESSO DA UNE

da verdadeira natureza desse governo, antes que a nossa luta tome aspectos de
combate a corrupção pura e simplesmente.
O primeiro ponto é que FHC não foi eleito presidente da República para go-
vernar o Brasil, tocar um projeto para a maioria dos brasileiros. Não. Foi eleito para
cumprir as metas determinadas pelo FMI, que por sua vez, receita o que receitam

37
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

os bancos internacionais, as grandes corporações, que, grosso modo, podem ser


sintetizados no governo dos EUA, a sede do império.
A corrupção é parte inseparável do neoliberalismo e das políticas aplicadas no
país. É o preço que o império paga para transformar países como o Brasil, a Argenti-
na, a Tailândia etc., etc., em províncias. E paga sem chorar, pois lucra o dobro. Paga
com o lucro do suor dos trabalhadores.
Na outra ponta é o custo de FHC, Malan, ACM, Arruda, Alckmin, Armínio Fra-
ga, Jáder, Aécio, a turma toda, que, evidentemente, bobos não são e garantem um
futuro tranquilo e sem problema algum. As novas relações econômicas ditadas pela
tal globalização, as relações de trabalho e capital, fundadas na exploração de mão
de obra barata, escrava, implicam nesse caráter putrefato de qualquer governo das
novas “províncias”.
FHC não é exceção (lembram-se de Menem, Collor, Fujimori, Gortari?), é ape-
nas um dos mais diligentes servidores do seu patrão (e ele e sua turma são também
dos mais caros). A corrupção, que é revoltante – afinal, quem paga as contas so-
mos nós – é apenas adereço no processo de desmonte da infraestrutura do Brasil e
transferência de renda, riqueza e poder para os mais ricos.
Acontece que toda essa corrupção não vai ser extirpada só com uma CPI. É
preciso – e fundamental – a CPI para revelar ao povo o caráter corrupto do gover-
no, mas também para mostrar os crimes cometidos com as privatizações, a entrega
de patrimônio público. Ou com a crise de energia, e tudo o que ela representa,
entre outras coisas porque um funcionário borra botas do FMI disse ao Malan que
não era para investir em maior geração de energia, para não desequilibrar as con-
tas. São piores que meros criminosos, piores que qualquer Fernandinho Beira Mar.
Toda essa crise econômica, essa crise política, essa descrença com FHC e a pro-
ximidade das eleições de 2002 nos colocam claramente a possibilidade de enterrar
de vez os tucanos e sua política a favor dos grandes empresários e do capital finan-
ceiro. E eles – PSDB, PFL, PTB, PMDB, PPB – já sentiram que o vento não sopra
mais para o lado do neoliberalismo. Por isso, bateu o desespero e estão brigando
tanto entre si, um denunciando o outro, um vazando os podres do outro para a
imprensa.
Mas para derrotar esse modelo e essa quadrilha vai ser preciso ainda muita
luta e muito debate para construir uma alternativa diferente para o Brasil. Uma al-
ternativa que contemple os interesses da maioria da população, dos sem-terra, dos
n 47o CONGRESSO DA UNE

trabalhadores, dos oprimidos, dos estudantes, dos pequenos produtores do campo


e da cidade. Uma alternativa de caráter antineoliberal e anticapitalista.
Precisamos parar de pagar a dívida externa, cessar a sangria da dívida interna,
acabar com a farra dos banqueiros estatizando o sistema financeiro, garantir terra
para quem quiser trabalhar fazendo a reforma agrária; detonar o “pensamento úni-

38
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

co” da mídia questionando o monopólio dos meios de comunicação, a começar da


Rede Globo.
Precisamos de crescimento econômico e investimento em infraestrutura: mas
para isso, é preciso reestatizar as empresas que foram doadas aos grandes capita-
listas, como o Banespa, as energéticas, as empresas de telefonia. É preciso investir
maciçamente em políticas sociais, principalmente em saúde e educação, abrindo
novas escolas e universidades públicas, bem como novos hospitais.
Só conseguiremos levar adiante esse programa alternativo se conseguirmos
acumular força nas lutas sociais, nas greves, nas mobilizações, nas ocupações, nos
movimentos populares e, também na luta político-institucional. Se não conse-
guirmos enxotar FHC do Planalto antes das eleições, vamos fazer isso em 2002,
elegendo um presidente da República do PT, numa coligação de esquerda, compro-
metido com um programa democrático-popular, de caráter socialista
Por isso a, a UNE, as entidades estudantis têm que se somar a todas as lutas,
estar presente em todos os movimentos. Nas ruas e nas urnas começamos a cons-
truir um outro Brasil!!

Algumas propostas:
- Fora FHC /FMI – CPI da corrupção e das privatizações;
- Ruptura com o FMI;
- Não pagamento da dívida externa;
- Não pagamento da dívida interna;
- Democratização dos meios de comunicação; quebra do monopólio da Globo;
- Apoio à criação de rádios e TVs comunitárias;
- Reforma Agrária, nos moldes reivindicados pelo MST;
- Reestatização das empresas privatizadas;
- Estatização do sistema financeiro;
- Aumento de impostos para os que ganham mais. Criação do imposto sobre gran-
des fortunas;
- Programas de grandes obras públicas de infraestrutura;
- Investimentos maciços e emergenciais em saúde, educação e habitação.

PAGAS
n 47o CONGRESSO DA UNE

A luta pelo direito de estudar


A política tucana para a educação não é diferente da aplicada nas demais áreas
sociais: desmonte do público, intensificação do privado.

39
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Na década de 70, 81% das vagas era em universidades públicas e, hoje, esse
percentual é justamente o contrário, ou seja, praticamente 85% das vagas se encon-
tram em universidades particulares.
Se é verdade que a expansão do ensino pago faz parte do projeto neoliberal
que privilegia o privado em detrimento do público, então é certo que precisamos
de políticas efetivas de combate a isso.
Assim, temos que desmistificar os paliativos oferecidos pelo governo, que, no
desespero, às vezes são tidos como salvação pelos estudantes, como o FIES, que
nem mais custeio é, mas financiamento bancário. Além do escárnio que é a MP de
mensalidade, que regulamenta a expulsão do inadimplente da universidade.
Para começo de conversa, não dá para abrir mão de que a qualidade de ensino
seja garantida (e o que tem se visto são fábricas de diploma espalhados por todo o
país), e de que haja democracia interna, com eleição de dirigentes e participação
dos estudantes de forma paritária nos conselhos, além de um novo tipo de crédito
educativo que beneficie o estudante, e não a instituição, com verbas oriundas de
fundos não públicos, como loterias, depósitos compulsórios dos bancos no Banco
Central.
A campanha pela redução das mensalidades, que teve seu surgimento espontâ-
neo com os estudantes lutando por REDUÇAO JÁ! E pela garantia da permanência
de tantos inadimplentes na sala de aula, deve ser não só mantida, mas revitalizada.
Contudo, a atual direção majoritária da UNE mantém uma política vacilante,
aprovando, em seus fóruns, a campanha pela redução, mas trabalhando na defe-
sa da aplicação da legislação vigente (que proíbe aumentos “abusivos”) e fazendo
marketing de um convênio assinado com o Procon, como se ele fosse uma pana-
ceia, verdadeira redenção dos estudantes espoliados.
Não somos contra que os estudantes se utilizem de mecanismos como esse
convênio com o Procon, mas acreditamos que ele deve ser utilizado em última
instância, depois que a campanha de redução, paralisação e outras formas de luta
tiverem se esgotado.
Já o FIES deve ser combatido, e as entidades estudantis não podem – de forma
nenhuma – participar de seu Conselho (ConFIES), que é braço não só do MEC, mas
também das universidades pagas e Bancos.
O antigo Crédito Educativo era muito ruim, mas o atual FIES é inaceitável. Por
isso, defendemos que é preciso, emergencialmente, que se recriem mecanismos de
n 47o CONGRESSO DA UNE

Crédito Educativo que devem ser sustentados com verbas outras que não as públi-
cas. Por exemplo, é possível cobrar taxas dos donos de escolas pagas e, com elas,
custear o ensino de quem não consegue vagas em universidades públicas.
Todas essas lutas dos estudantes das escolas pagas têm um caráter emergen-
cial, de garantir a permanência na escola.

40
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Contudo, o grande eixo de luta, tanto do movimento das públicas, como das
pagas e dos estudantes secundaristas é a luta pela expansão do ensino público su-
perior, rumo à sua universalização.
É preciso lutar incessantemente pela garantia de ampliação do acesso às atuais
universidades públicas (com a criação de novas vagas, principalmente em cursos
noturnos) e lutar pela criação de novas universidades públicas, como as Universida-
des do ABC e da zona leste em São Paulo, ou a Universidade do Rio Grande do Sul.

Educação não é mercadoria!


- Aumento de vagas nas universidades públicas;
- Fim do FIES, empréstimo bancário não dá!
- Redução de mensalidade!
- Inadimplência não é crime, pelo direito ao acesso e permanência nas universidades;
- Pela abertura dos livros caixas, publicação da planilha de custos;
- Nenhuma verba orçamentária/pública para as particulares. Verba pública só para
universidade pública. Que o dinheiro do crédito ao estudante venha da taxação dos
donos de escolas e de extrações especiais de loteria;
- Criação de um Fundo Nacional que financie o crédito ao estudante – fundo admi-
nistrado com a participação dos estudantes, governo e faculdades;
- Que, em cada instituição, haja uma Comissão de Seleção dos beneficiados com a
participação estudantil;
- Que só recebam recursos as faculdades que oferecerem pelo menos 30% de bolsas
com recursos próprios;
- Que todas as particulares sejam obrigadas a destinar um percentual de seus lucros
a bolsas de ensino;
- Pelo fim dos cursos de dois anos, pela qualidade de ensino.

PÚBLICAS

Racionamento de educação
Além do racionamento de energia, estamos vivendo há tempos um outro tipo
de racionamento, que, no entanto, ainda não apareceu na telinha da “amiga da es-
cola”, da Rede Globo.
n 47o CONGRESSO DA UNE

Desde o início da década de 1990, estamos vivendo o que podemos chamar de


“racionamento” de educação. Em 1999, a população de jovens entre 18 a 24 anos
era de 1uase 21 milhões e o número total de estudantes no ensino superior era de
2,4 milhões (um percentual de 11%), enquanto nos nossos vizinhos Chile e Bolívia
o percentual é de 21%, na Venezuela é de 26%.

41
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Para atender às necessidades de expansão do ensino superior, o Plano Nacio-


nal de Educação (PNE), aprovado pelo Congresso Nacional, estabeleceu que para
os próximos 10 anos, a oferta de educação superior a ser atingida seria de pelo
menos 30% da população da faixa entre 18 a 24 anos. Atingir essa meta significa
elevar o número de estudantes dos atuais 2,4 milhões para 6,3 milhões de estudan-
tes. Para isso, o PNE estabeleceu como parâmetro o aumento do percentual do PIB
gasto na educação pública, dos atuais 4,5% para 7%. Como a ordem é racionar, o
presidente vetou este artigo do PNE, com o argumento simplista de que a “lei da ir-
responsabilidade social”, conhecida no Brasil como Lei de Responsabilidade Fiscal,
impede essa previsão de expansão das despesas, arma utilizada para proibir qual-
quer projeção maior para gastos sociais.
Para não parecer que essa coisa de racionamento de educação é nova, da últi-
ma moda, vamos contar um pouco dessa história.

Um pouco de história
Foram duas as opções dos governos da ditadura militar para a educação supe-
rior: 1) expandir o sistema a partir do aumento indiscriminado do ensino privado,
tanto que, hoje, o Brasil junto com o Chile é um dos “campeões mundiais” do en-
sino privado; 2) constituir um sistema universitário público, sedimentado em um
modelo que dividia as diversas áreas do saber por profissões (modelo pedagógico-
-tecnicista), com o objetivo de dar suporte tecnológico e de recursos humanos ao
projeto nacional-desenvolvimentista implantado no período.
Passados 30 anos, o governo FHC, na sua lógica de inserção subordinada à
nova ordem imperialista, resolveu “abrir” a educação. Primeiro, abrir uma cruzada
contra as universidades públicas, e, depois, abrir mão das regras de controle e de
qualidade para que os empresários donos das escolas privadas enchessem os bol-
sos de dinheiro.

Os passos do governo
Em defesa do projeto neoliberal e sustentando a propaganda do Estado mí-
nimo, o governo FHC implanta estratégias fundamentadas na “racionalização” dos
processos de controle administrativo e financeiro, buscando a “produtividade” a
baixo custo e promovendo a privatização dos serviços das universidades, o que
chamamos de “privatização interna”. O objetivo é circunscrever o sistema federal à
sua dimensão de hoje, cortando arbitrariamente ações internas de manutenção das
n 47o CONGRESSO DA UNE

instituições e impedindo a conclusão de obras e projetos essenciais.


A agência do Banco Mundial no Brasil, conhecida pela sigla MEC, através de
seu gerente, o sr. Ministro Paulo Renato, pretende reduzir a luta histórica da uni-
versidade por autonomia à mera gestão de receitas e despesas, de acordo com um
contrato de gestão através do qual o governo estabelece metas e indicadores de

42
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

desempenho. A autonomia, na lógica deles, significa, portanto, gerenciamento em-


presarial da instituição e prevê que, para cumprir as metas e alcançar os indicadores
impostos pelo contrato de gestão, a universidade tem liberdade para “captar recur-
sos” de outras fontes, fazendo parcerias com as empresas privadas.
Abaixo, vemos os passos do que o governo FHC e o Banco Mundial têm dado
para desmontar a universidade pública brasileira:
Corte linear e progressivo das verbas
Desde 1995, o montante de recursos destinados às universidades federais
vem diminuindo. As verbas para assistência estudantil foram extintas em 1997. A
estrutura física (bibliotecas, salas de aula e laboratórios) das universidades está su-
cateada e as instituições estão estranguladas em dívidas.
Lei da escolha de dirigentes
Nas palavras do ministro, “no final de 1995, foi aprovada a lei que regulamen-
tou o processo de escolha de dirigentes das instituições federais, que outorgou
peso maior ao corpo docente nos processos de elaboração das listas de candidatos,
que voltaram a ser tríplices, rompendo com as práticas ‘paritárias’ vigentes a par-
tir dos anos 80. Temos hoje reitores e dirigentes mais comprometidos com valores
acadêmicos e zelosos do uso eficiente dos recursos públicos” (Folha de São Paulo,
20/06/2000).
Traduzindo no dicionário do Banco Mundial: os reitores são os gerentes do
MEC, “pau-mandados”, aplicam internamente nas universidades a cartilha; mesmo
quando eles perdem a eleição, dão um jeito de entrar para as listas tríplices e são
nomeados pelo presidente.
LDB – Lei de diretrizes e bases da educação
Entre muitos outros problemas, abre a possibilidade para flexibilizar, que é
igual a adaptar os currículos de graduação e pós-graduação às necessidades profis-
sionais das diferentes regiões do país, isto é, às demandas das empresas locais. Dá
a possibilidade de diminuir o tempo de integralização dos cursos. Cria os cursos
sequenciais, dando a possibilidade das universidades, principalmente as privadas,
ganhar rios de dinheiro com a lacuna existente a partir do desmonte do ensino téc-
nico de 2º grau do país e precarizar a graduação. Cabe ressaltar que a LDB não se
prestou ao papel de estabelecer uma norma sequer para garantir a qualidade no
ensino superior privado, ou exigências para a sua expansão ou para a democratiza-
n 47o CONGRESSO DA UNE

ção da estrutura de poder.


Projeto de lei do emprego público
O projeto, que ainda não foi apresentado para o Congresso Nacional, é um
eixo fundamental da proposta do governo, pois visa eliminar o regime único de

43
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

trabalho dos docentes, o concurso público e a dedicação exclusiva, substituindo-os


por “contratos flexíveis”, isto é, temporários e precários; separar docência e pesqui-
sa, criando a figura do professor pesquisados (só pesquisa) e do professor docente.
Marilena Chauí (Folha de São Paulo, 09/05/1999) retrata bem como o governo
FHC vai “racionar” a docência: “A docência é entendida como transmissão rápida
de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os estudantes,
de preferência, ricos em ilustrações e com duplicata em CDs. O recrutamento dos
professores é feito sem levar em consideração se dominam ou não o campo de co-
nhecimentos de sua disciplina e as relações entre ela e outras afins; o professor é
contratado ou por ser um pesquisador promissor que se dedica a algo muito es-
pecializado, ou porque, não tendo vocação para a pesquisa, aceita ser escorchado
e arrochado por contratos de trabalho temporários e precários, ou melhor, ‘flexí-
veis’. A docência é pensada como habilitação rápida para graduados, que precisam
entrar rapidamente em um mercado de trabalho do qual serão expulsos em pou-
cos anos, pois tornam-se, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis, ou
como correia de transmissão entre pesquisadores e treino para novos pesquisa-
dores. Transmissão e adestramento. Desapareceu, portanto, a marca essencial da
docência: a formação”.
Como estão há mais de sete anos sem reajuste, os professores e funcionários
sem veem obrigados a fazer bicos, a quebrarem o regime de dedicação exclusiva e
até a vender os serviços da universidade e embolsar parte das receitas – como acon-
tece no caso dos cursos de especialização latu sensu e dos mestrados profissionais
– para poderem complementar os baixos salários.
Os investimentos de anos na formação e qualificação dos quadros humanos
docentes e técnicos administrativos são desperdiçados pela ameaça de perda de be-
nefícios legítimos de carreira, empurrando para a aposentadoria aqueles que estão
na fase mais produtiva de suas vidas profissionais.
Projeto de Lei de Autonomia Universitária
A UNE tem defendido que a universidade não precisa de lei de autonomia por-
que a Constituição, no artigo 207, já a garante (é autoaplicável).
Mas FHC quer simplificar os processos de compras (as licitações), a gestão
financeira e a prestação de contas (sobretudo para proteção das chamadas “ou-
tras fontes de financiamento”, que não pretendem se ver publicamente expostas
e controladas); quer estabelecer metas de qualidade para a universidade cumprir,
n 47o CONGRESSO DA UNE

sob pena de ser punida com perda de financiamento. Ocorre que a “qualidade” é
definida como competência e excelência, cujo critério é o “atendimento às neces-
sidades de modernização da economia e desenvolvimento social”, e é medida pela
produtividade, orientada por três critérios: quanto uma universidade produz, em
quanto tempo produz e qual o custo do que produz.

44
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Novamente, como nos mostra Marilena Chauí: “...em outras palavras, os crité-
rios da produtividade são quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de
gestão. Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz,
como se produz, para que ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipica-
mente ideológica da qualidade em quantidade”.
Resumindo a conversa: as universidades que se virem no mercado, porque o
governo não vai financiá-las. Produzam o que o mercado pedir, quiser ou impor.

Propostas:

Por uma universidade pública gratuita, democrática e popular


- Contra a reforma educacional do Banco Mundial/Paulo Renato;
- Expansão do ensino público superior: aumento de vagas já!
- Não ao pagamento de taxas e mensalidades;
- Por mais verbas para a educação pública;
- Aumento imediato das verbas destinadas ao ensino superior;
- Por uma política de assistência estudantil;
- Recuperação dos laboratórios e bibliotecas;
Pela autoaplicabilidade do artigo 207 da Constituição: autonomia de
verdade
- Pela revogação da lei de escolha de dirigentes: democracia nas universidades! Elei-
ções paritárias. Reitor eleito, reitor empossado!
Por uma nova LDB, democrática, que garanta o ensino público e gratuito
- Não à adaptação dos currículos aos interesses das grandes empresas;
- Contra os cursos sequenciais;
- Garantia de qualidade em todas as universidades;
- Aumento de bolsas para iniciação científica, monitoria e PET;
- Contra o corte de bolsas de pós-graduação;
- Contra o mestrado profissionalizante (“sem tese”);
Fim do Provão, por uma avaliação institucional de verdade!
- Pela valorização da docência; contra o projeto de emprego público. Em defesa do
Regime Jurídico Único;
- Contratação imediata de professores.
n 47o CONGRESSO DA UNE

OS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS
Precisamos de uma postura firme contra a privatização a quem vem sendo sub-
metidos gradativamente estes estabelecimentos de educação e saúde.

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Os HUs devem ser um espaço comprometido com a produção, aplicação e


transmissão/construção do conhecimento; devem constituir-se como espaço demo-
crático que fomente a crítica e que busque a formação de seus trabalhadores; e,
finalmente, devem estar ligados à produção de saúde para com a população, res-
peitando os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
No entanto, o desmonte da saúde pública pelo governo FHC faz com que os
HUs estejam cada vez mais sobrecarregados, ao mesmo tempo em que estão sendo
sucateados.
Hoje, ao contrário de estarem inseridos na rede pública de saúde, em diálogo
com esta rede e cumprindo um papel hierarquizado dentro dela, os HUs encontram-
-se muitas vezes isolados, com problemas que vão desde o acúmulo desnecessário
de ações de saúde até um gasto excessivo de verbas públicas que beneficiam o
complexo médico-industrial, dominado pelas empresas de medicamentos e equipa-
mentos, beneficiando com dinheiro público setores privados, portanto.
Além do descaso dos governos, o fato da maior parte destes hospitais não res-
peitarem o princípio de participação popular do SUS, tem contribuído para este
quadro e caracterizado uma privatização, por parte de alguns grupos, dos espa-
ços de definição de políticas públicas para o setor em detrimento dos interesses
populares.
Os HUs sempre tiveram uma importância histórica na atenção à saúde da
população. Em uma época que o Estado só garantia a atenção aos que portavam
carteira assinada, época pré-SUS, os HUs eram fundamentais para a atenção aos ex-
cluídos, além de sempre terem sido essenciais para a produção de conhecimentos
na área da saúde.
As pessoas reconhecem esses fatos, fazendo com que os HUs tenham um pa-
pel importante na legitimação da universidade pública sob a ótica da população.
Por todas essas razões, ganha importância particular a luta contra a transfor-
mação dos HUs em organizações sociais, contra o estabelecimento das duplas filas
(usuário privado e público) através dos convênios privados; a favor da participação
popular e do controle social na gestão; a favor da reorientação do modelo assis-
tencial (e desta maneira com fortes impactos no modelo educacional) dos HUs no
sentido de inseri-lo na lógica de atenção pública de toda a rede do Sistema Único
n 47o CONGRESSO DA UNE

de Saúde.
Essa luta específica, se articulada com as bandeiras gerais do movimento estu-
dantil e dos usuários de saúde, tem a capacidade de desnudar e combater a lógica
privatizante do neoliberalismo nos setores sociais.

46
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

MOVIMENTO ESTUDANTIL – RECONQUISTAR A UNE


Desde o congresso de refundação da UNE, há mais de vinte anos, muita água
já rolou. Hoje, a entidade parece um velho jogador de futebol, que vive das glórias
passadas... Indolente, passiva, enfadada, entorpecida, sonolenta. Para sermos mais
exatos: burocratizada.
Ora, não podemos deixar de assumir que a crise é geral, atingiu os movimen-
tos sociais como um todo. Os anos 90 não foram fáceis para aqueles que lutaram
contra a maré, contra o “pensamento único”. Mas os ventos estão mudando!
E convenhamos: será que a USJ/PCdoB/Um passo à frente/Refazendo/Agora só
falta você – não é culpa nossa, eles mudam de nome a cada congresso, talvez na
esperança de confundir os incautos – a maioria da direção da UNE, que dirige a en-
tidade desde 1991, é capaz de acompanhar essas mudanças? Acreditamos que não!
A UJS não só burocratiza cada vez mais a UNE, como também leva a entidade
para a apatia e para as chamadas políticas de conciliação, o tempo todo.
Na verdade, eles fazem dois movimentos: por um lado, fecham a estrutura,
se distanciam dos estudantes e transformam a UNE num imenso departamento de
emissão de carteirinhas.
Por outro lado, convidam Itamar Franco e Garotinho para o Congresso da
UNE, mantém uma relação promíscua com governos como os de Roseana Sarney,
do Maranhão e Mão Santa do Piauí (Aliás, nesse último, o vice-governador é do PC-
doB) e ficam pregando uma “amplitude” que, de tão ampla, chega até àqueles que
não devem ser nossos aliados.
(Aliás, a UJS tem conseguido ser tão ampla em seu movimento, que cabem em
suas chapas partidos como PTB, PPB, PPS, PFL... Ou seja: a base de apoio da UJS na
UNE é a base de apoio de FHC no governo!!!)
Para se ter uma ideia da verdadeira paixão que a UJS nutre pela conciliação,
estão dizendo por aí que o correto é rever a resolução aprovada, no último Con-
gresso da UNE, de retirada da entidade do Conselho Nacional de Educação. Ora,
este Conselho é braço do MEC e implementa sua política. Nenhuma entidade da
comunidade universitária o reconhece como espaço democrático, não participam,
nem indicam ninguém para participar deste convescote que só ratifica as ordens do
ministro-presidenciável Paulo Renato.
Para realizar essa política de “centro-esquerda”, boazinha, conciliadora, e man-
ter o controle do movimento estudantil a qualquer custo, a UJS/Agora Só Falta Você
n 47o CONGRESSO DA UNE

não tem poupado esforços, levando o movimento estudantil a tensões permanen-


tes, levando a própria UNE ao descrédito perante grande parcela dos estudantes.
Vira e mexe, um estudante em uma sala de aula qualquer deste Brasil se pergun-
ta: onde anda a UNE? É difícil enxergar iniciativas, não conseguimos ver a entidade.
A UNE não tem plano de lutas, não tem política de comunicação, não acompanha

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

os projetos privatistas a todo momento votados no Congresso Nacional, não se co-


munica com as entidades de base, não convoca os fóruns do movimento.
Custam a reunir até a diretoria. Fazem CONEGs (Conselho Nacional de Enti-
dades Gerais) uma vez por ano, e olhe lá! Já o CONEB (Conselho de CAs e DAs) foi
aprovado por várias vezes durante essa gestão, mas nunca saiu do papel. Só acon-
teceu uma vez (novembro/1998) desde que a UJS domina a UNE. E ainda tentam
transformar o Congresso – que só acontece de dois em dois anos – num grande
circo, ou num grande Seminário, impedindo debates (pois estão querendo acabar
com os grupos de discussão) e tratando os delegados como “gado marcado”.
Todas essas constatações óbvias e rápidas, nos permitem uma conclusão.
Está falida a atual hegemonia presente em nossa entidade. Não tem base sufi-
ciente no movimento real, não tem respaldo nas ruas, não se renova. Falta-lhe
representatividade.
A UNE tem história de lutas e é, sim, um patrimônio dos estudantes brasileiros.
Mas não pode viver apenas de passado. Tem de ser presente e futuro. Por isso, é
hora de recuperarmos a UNE para os estudantes. É hora de democratizarmos a UNE
e modificá-la nas ruas, na luta, sem conciliação, sem vacilo.
Para isto, é preciso derrotar fragorosamente a UJS/PCdoB (a tese Agora Só Fal-
ta Você). Do jeito que a coisa anda, a UNE corre o risco de deixar de ser referência
perante os estudantes. Isto nós não podemos deixar acontecer. Por isso, é hora de
reconquistarmos a UNE!

Gestão água com açúcar


Acertamos quando dissemos que a gestão Capelli (1997-1999) ia ficar para a
história. Não seria assim tão difícil realizar uma gestão melhor do que foi aquele
desastre!
Mas o que poderia explicar essa “melhora”?
Bom, nó, da Reconquistar a UNE, acreditamos que, em primeiro lugar, o retor-
no de um importante setor do movimento (inclusive aquele que assina esta tese) à
composição da diretoria da UNE (é importante lembrar do CONUNE de 97, quan-
do nos retiramos por causa do golpe dos funis), trouxe uma correlação de forças
menos tranquila para a UJS/PCdoB, já que a entidade passou a ser um pouquinho
mais plural.
O resultado disso? Por exemplo, a resolução, aprovada no CONEG de Juiz de
n 47o CONGRESSO DA UNE

Fora, em 2000, de greves dos estudantes das federais, que o PCdoB votou para não
recair no erro de 1998, mas não participou nem jogou a estrutura da UNE para
apoiar o movimento.
Assim como naquela greve, a UNE (a sua maioria, melhor dizendo) esteve dis-
tante da greve das estaduais paulistas, da greve da UFBA, da UFPel etc.

48
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Além disso, as principais atividades que a UNE realizou foram bancadas, po-
lítica e estruturalmente, pela oposição, mais especificamente, pelos diretores do
Rompendo Amarras.
A Plenária das Públicas em Uberlândia, em 1999, o Seminário de Avaliação
Institucional, também na UFU, o comando de greve de 2000, a SBPC paralela, em
conjunto com ANDES e FASUBRA, o III Encontro Unificado do Setor das Federais,
o acampamento de juventude no Fórum Social Mundial...
Se é verdade que nessa gestão não houve nenhum grande vacilo, como hou-
ve em 1998 com o boicote da greve das federais, por outro lado, também nada de
marcante aconteceu.
As tentativas que houve nessa gestão para que a UNE volte a formular sobre
políticas educacionais ainda não desaguaram num acúmulo considerável, mas é
preciso reconhecer que o Plano Emergencial pode ser um caminho, se bem discu-
tido na base do movimento...
Apesar das jornadas de março, a UNE prossegue longe dos estudantes e afasta-
da da luta. A política da UNE continua ancorada principalmente no marketing e na
estrutura de carteiras. É só tentar enxergar qual o papel que jogou a entidade nas
últimas grandes mobilizações: a UNE não esteve no centro de nenhuma, no máxi-
mo pegou carona e potencializou-as.
Mas, tudo bem... Para a UJS, “agora só falta você” para eles continuarem “refa-
zendo” o que não conseguiram fazer até hoje!
Acabar com o balcão de carteiras e democratizar a UNE
Para reconquistar a UNE, além de derrotar a UJS/Agora Só Falta Você, vamos ter
que democratizar, reestruturar, abrir, convocar os fóruns regularmente, diminuir o
mandato da diretoria, fazer uma política de comunicação efetiva, investir em gru-
pos de trabalho, enfim, uma série de medidas deste tipo.
Não dá para imaginar que nossa entidade continue com uma estrutura tão
vertical, personalista, centrada na figura do presidente. É preciso acabar com o pre-
sidencialismo, onde só o “presidente” fala e representa a entidade. A diretoria deve
ser colegiada, com coordenação, divisão de tarefas, democracia interna. Aliás, como
já funcionam os nossos CAs e DAs, as executivas de curso, a maioria dos DCEs...
A comunicação é um gargalo permanente. Onde está a UNE? Ninguém sabe,
ninguém viu. Em época de revolução tecnológica, a UNE não tem nem conseguido
distribuir maciçamente um boletim impresso regular. Mudar isto é urgente. O con-
n 47o CONGRESSO DA UNE

vênio com a zip.net, criando a estudantenet, serviu para quê? Alguém viu?
Mas há um outro debate fundamental e que está relacionado com o combate à
burocratização: a forma de financiamento da entidade.
Aí é que entra a questão das carteirinhas. Nos últimos anos, transformaram o
direito à meia entrada na obrigação de adquirir carteira da UNE/UBES. Ao vincular

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

o direito da meia entrada para estudante à carteirinha, o PCdoB/UJS criou um gran-


de aparato. Aumentou o preço das carteiras, criou um Departamento Nacional de
Carteiras, associou entidades estudantis a empresas estrangeiras para emitir a tal
“carteira mundial”, enfim, entrou numa lógica mercantil absurda.
O que era direito, virou mercadoria. A carteira da UNE, que deveria ser
um instrumento político de adesão e apoio financeiro ao movimento, virou um
mecanismo restrito de acesso a direitos, caro, numa relação com os estudantes ab-
solutamente empresarial. Taxas administrativas, repasses que não chegam nunca,
preços altos, desmandos de todo tipo.
No último Congresso, aprovamos uma resolução que acabaria com a uni-
ficação das carteiras nacional e mundial, fazendo com que o próprio estudante
pudesse optar pela carteira que desejasse. Aprovamos também o fim dos acordos de
cotas para meia entrada e passe escolar; a não utilização da carteira da UNE como
instrumento de restrição de direitos dos estudantes (como obtenção de notas aca-
dêmicas e acesso à instituição e a documentações). Mas, lamentavelmente, a UJS
nunca implementou essas decisões.
A meia-entrada é uma conquista, é um direito. Por isso, defendemos a meia-en-
trada para a juventude (até 21 anos), democratizando o acesso à cultura.
Temos consciência de que esse debate sobre a carteira, no entanto, não pode
deixar de levar em conta o papel que ela cumpre hoje ao garantir a sustentação fi-
nanceira do movimento. Para acabar de fato com o balcão de carteiras, sem quebrar
as entidades, é preciso que o conjunto do movimento não tenha como instrumento
único de financiamento a venda da carteira estudantil.
Por isso, deve ser tarefa prioritária da próxima direção discutir e implementar
novas formas de arrecadação e alternativas de sustentação financeira que preser-
vem a autonomia e independência da UNE. Propomos fazer, o quanto antes, um
Seminário Nacional de Financiamento.

Política de comunicação
Outra medida que a UNE deve tomar em sua gestão é construir uma política
sistemática de comunicação. Para isso, é importante a criação de uma Assessoria de
Comunicação, ou algo do gênero, integrada à Diretoria de Comunicação. Essa as-
sessoria deve produzir:
a)  Um boletim informativo que tenha como objetivo colocar os estudantes
n 47o CONGRESSO DA UNE

universitários a par dos acontecimentos, sobretudo das mobilizações e, que tenha


uma abrangência ampla e eficiente. Não adianta ter um belo jornal que não seja efi-
ciente e que não informe os estudantes;
b)  Boletim informativo on-line, remetido a todos os estudantes cadastrados
na lista de e-mail que a entidade deve organizar junto às entidades de base;

50
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

c)  Um jornal formativo/informativo, que seja barato e de periodicidade men-


sal e atinja o maior número possível de estudantes;
d)  Participação nas rádios universitárias e TVs universitárias, para apresentar a
agenda e a política da entidade.
Uma entidade do porte e com o perfil da UNE não pode prescindir de um tra-
balho permanente e eficiente de assessoria de imprensa. Uma de suas atribuições
deve ser cavar espaços na mídia tradicional e meios de comunicação alternativos
para a veiculação da agenda política da entidade, na contramão do tal “pensamen-
to único”: suas reivindicações, atividades e posicionamentos frente à conjuntura.
Agora, é muito importante: todos os materiais de comunicação da UNE devem
ser plurais, respeitando as divergências e as diferentes posições existentes no mo-
vimento estudantil. A defesa da universidade pública, gratuita, democrática e de
qualidade passa por uma política de comunicação eficiente.
Eleições diretas
O diagnóstico de que a UNE está burocratizada, longe dos estudantes, não
é novo. Por outro lado, acreditamos também que a entidade não voltará às ruas,
às lutas, às mobilizações, apenas com a mudança da direção. Mudar a direção é
importante, mas não é suficiente. É preciso fazer uma verdadeira “revolução” nas
estruturas, na forma, na cultura do movimento estudantil brasileiro.
Agora, a paralisia da UNE precisa ser imediatamente detida. A forma de eleger
a direção da entidade pode ajudar nisso. Hoje, a diretoria da UNE é eleita no Con-
gresso, onde votam os delegados tirados nos cursos e universidades.
Acreditamos que não é uma questão de princípio a forma de eleger a direção:
tanto as eleições congressuais como as direções podem ser democráticas e refletir
a opinião da base estudantil, dependendo do contexto e da forma como são feitas.
Ao mesmo tempo, ambos os formatos podem permitir distorções.
Contudo, no atual momento de afastamento da UNE do conjunto dos estu-
dantes, eleger a diretoria de forma direta pode significar uma oxigenação, uma
revitalização, muito importantes.
Não acreditamos que a eleição direta seja a resposta para todos os nossos
problemas, e nem que a UNE se transformará da noite para o dia, numa entidade
revigorada, renovada.
Mas acreditamos que só com um choque de participação poderemos tirar a
UNE do ostracismo, da letargia. Debater dentro de cada sala de aula, em cada fa-
n 47o CONGRESSO DA UNE

culdade e universidade, é a única forma do estudante resgatar o papel de nossa


entidade, se preocupar com os rumos e ajudar a defini-los.
Não será uma tarefa fácil, mas quem disse que organizar os estudantes para a
batalha em defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade se faz de
repente?

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A UNE e o “movimento de área”


As diferenças próprias do movimento geral para o movimento de área não jus-
tificam de forma alguma a atual distância e total desrespeito com que vem se dando
a relação da UNE com as executivas e federações de curso.
A desconsideração da importância do movimento de área e de suas entidades
nacionais representativas traz enormes prejuízos para o movimento estudantil.
O movimento de área teve sua importância aumentada na década de 1990,
com um considerável crescimento da participação dos estudantes nas entidades,
com um aprofundamento e ampliação de diversas pautas e lutas travadas por es-
tes movimentos, com a consolidação de um conjunto de executivas e federações e
criação de outras.
Hoje, sem dúvida alguma, esse movimento passa a ser uma força que deve ser
analisada para qualquer debate acerca do movimento estudantil brasileiro. Uma de
suas principais características é partir de questões mais específicas e setoriais, mais
relacionáveis com o imaginário dos estudantes não militantes, como as discussões
sobre qualidade de ensino, currículo, avaliação institucional e outras. Se, por um
lado, as executivas têm produzido diversos entendimentos e compreensões, além
de importantes lutas, por outro, tem tido grandes dificuldades de fazer o percurso
do específico para o geral e de se engajar em batalhas mais amplas e articuladas
com o movimento geral e com várias outras forças da sociedade.
Por isso, é preciso melhorar a relação da UNE com as executivas de curso, ao
mesmo tempo em que as executivas precisam fazer um esforço consciente para am-
pliar sua articulação com o movimento geral, potencializando e qualificando a luta
por uma nova universidade.
n 47o CONGRESSO DA UNE

52
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

AVALIAÇÃO

Considerações sobre o 47º CONUNE, a


UNE e o PT6
Por Adriano de Oliveira e Daniela Matos
A UNE foi, durante toda a história de sua existência, a mais importante entidade
estudantil e juvenil do país. Imersa hoje em uma grave crise de representatividade e
até legitimidade perante sua base social, continua sendo a mais importante entidade
do setor, encerrando potencialidades de mobilização social que, além de não pode-
rem ser desconsideradas, deveriam estar na pauta de atenção fundamental de um
partido como o PT
Nossa opinião que justifica o presente relatório é que o PT precisa reconsiderar a
atenção que tem dado ao seu trabalho organizativo junto à juventude e ao movimen-
to estudantil. Que a UNE terá papel importante na conjuntura do país antes e depois
– fundamentalmente depois para qualquer cenário – das eleições de 2002, e que o
PT precisa preparar-se para dirigir a UNE. Para tanto, é preciso construir um balanço
partidário deste Congresso, bem como as condições para disputar partidariamente o
próximo. É preciso, portanto, organizarmos nossa intervenção no movimento estu-
dantil para o próximo período e o trabalho junto à juventude do Partido e do país.
O PCdoB ganhou facilmente o 47º CONUNE (um dos maiores da história da
entidade), o que à primeira vista parece contraditório com o que representa social-
mente e na juventude. Arriscamos afirmar que a hegemonia de longa data do PCdoB
na EU não corresponde nem à opinião da base estudantil, nem da vanguarda organi-
zada. A direita cresceu enormemente em relação aos congressos anteriores, Já setores
como PSTU tiveram um modesto crescimento. Setores do partido cresceram, outros
diminuíram. A chapa identificada com o campo majoritário do partido teve uma vota-
ção inferior, proporcional e numericamente em comparação ao Congresso anterior.
A militância petista organizada ou influenciada pelas tendências encontrou-se em três
chapas distintas, sendo possível identificar muitos simpatizantes, e até mesmo filiados
ao PT, na tese do PCdoB – “Agora só falta você”. Como o PT perde espaço e influência
na UNE enquanto cresce social e institucionalmente como nunca?
A conhecida consigna da crise de direção no movimento estudantil, que em par-
te é verdadeira, é na nossa opinião uma crise da intervenção do PT na juventude e
n 47o CONGRESSO DA UNE

no movimento estudantil. Militantes que somos da juventude do Partido e da tendên-


cia – no caso, a Articulação de Esquerda –, operamos uma tática para o Congresso
que, apenas em parte, poderia superar as debilidades de nossa intervenção: unificar

6.  : documento impresso, disponibilizado por José Ricardo Fonseca em formato digital.

53
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

executiva da UNE, sendo que esta última fazia parte da executiva que encerrou seu
mandato no 47º Congresso.
O PCdoB venceu com folga mantendo a linha de uma política de alianças ex-
tremamente pragmática, sem nenhum problema de inclusão de todos os setores da
direita do movimento estudantil em sua chapa. Venceu porque tinha controle abso-
luto do Congresso. Pela primeira vez, ao que temos conhecimento, tinha maioria
isolada em todas as comissões: organização, credenciamento e sistematização. Venceu
por seus métodos golpistas e aparelhistas, com delegados “eleitos” de forma duvidosa
e boa parte chegando ao Congresso só para votar na plenária final, esvaziando o deba-
te e os grupos de discussão. Venceu porque tem uma enorme experiência acumulada
na mesma e no seu trabalho com a juventude. Mas venceu, fundamentalmente, pela
sua intervenção partidária no ME e pela crise de intervenção do PT.
Como contribuição inicial ao debate, propomos:
- Reunir, a partir de um chamamento da direção do Partido, os novos direitos petis-
tas que assumirão a entidade, se possível com os que terminam seu mandato, para
construir um balanço comum do congresso e iniciar um debate sobre a intervenção
do Partido no ME, a começar com um planejamento da gestão;
- Orientar um esforço partidário de elaboração sobre a situação educacional e uma
análise atual da base social da UNE e da juventude brasileira;
- Construir as condições para a recomposição da unidade da intervenção da juven-
tude do partido, a começar pela sua setorial, com atenção e acompanhamento da
direção do Partido ao encontro previsto da mesma;
- Anunciar ao conjunto do partido, a começar pela sua juventude, a necessidade
de se construir desde já as condições para disputar o 48º CONUNE e da entidade
ser dirigida pelo PT;
- Demonstrar o imediato acompanhamento partidário da entidade, aprovando nota
de repúdio às agressões feitas por militantes e seguranças pagos da UJS à militantes
do PT que no Congresso estavam.
Adriano de Oliveira – vice-presidente da UNE gestão 99/2001
Daniela Matos – diretora de relações internacionais da UNE gestão 99/2001
n 47o CONGRESSO DA UNE

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O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ANEXO: Resultado da eleição de diretoria


CHAPA VOTAÇÃO
OPOSIÇÃO UNIFICADA (Reconquistar a UNE e Democracia e 911
Mobilização, Pra Virar a UNE do Avesso, Kizomba, Antene-se)
AGORA SÓ FALTA VOCÊ (PCdoB, PPS, PTB, PSB, PDT) 2323
MUDANÇA (UL) 249
A UNE É PRA LUTAR (OT) 124
PCB 39
PCR 40

Forma de eleição da diretoria


DIRETAS: 1291
CONGRESSUAIS: 2415

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48o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 18 a 22 de junho de 2003

TESE

RECONQUISTAR A UNE

EPÍGRAFE
Por que então nos encontramos aqui de novo? Porque aqui é nosso lugar.
Os velhos e os novos guerreiros, com nossas lanças, burricos, escudos, sanchos e
panças. E continuamos tão teimosos quanto antes. Tão cheio de sonhos e ideias
malucas quanto antes. Absolutamente convencidos de que é preciso construir ou-
tro mundo.
É verdade que muitos tem desistido no meio do caminho. Isso acontece. É
verdade também que outros talvez tenham mesmo é mudado de lado. Outros mui-
tos estão decepcionados. Não deixam de ter sua razão. Afinal, foram duas décadas
(e milhares de pequenas e grandes batalhas) para tentar galgar os muros daquele
planalto seco.
Nós também estivemos nestas batalhas – em corpo, em alma e em identifi-
cação. Só que o sistema de moer gente viva não foi desmontado – nem mesmo
arranhado. Dono de banco continua contando dólar. A máquina de guerra do im-
pério está mais eficiente e cruel.
E nem todos acordaram ainda. Nós fazemos parte daqueles que nunca acre-
ditaram que apenas registrar votos eletrônicos de quando em vez iria construir o
mundo justo com o qual sonhamos. Somos daquela turma que nunca cultivou lí-
deres iluminados e que sempre preferiu as ruas aos gabinetes com ar-condicionado
e tapetes verdes aveludados. Daqueles que nunca negaram – pelo contrário – os
pequenos avanços. Sem transformar esses necessários e diminutos avanços em nos-
sa meta final.
Queremos então avisar e gritar bem alto: não mudamos de lado. E continu-
amos chamando as coisas pelo seu nome. Direita é direita, esquerda é esquerda.
Todo projeto e toda ação estão a serviço de uma classe. Tirar direito não é fazer
justiça. O neoliberalismo não acabou. O governo FH teima em não terminar, alma
penada arrastando suas correntes pelos corredores da capital.

56
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Ah, e é bom escrever: a luta de classes continua, crudelíssima! E nosso lado é


o dos de baixo. Por isso, continuamos socialistas. Por isso, nosso lugar é o mesmo
de sempre. Dele nunca saíamos. E nem pretendemos. Nosso lugar é junto aos estu-
dantes, junto às ruas, junto às greves, no meio das ocupações, na luta nossa de cada
dia. Metendo o dedo em cada ferida, apontando de novo cada injustiça.
Por isso, avisamos aos navegantes desavisados: o sonho não acabou. Aos que
desfraldaram as bandeiras e trocaram a camiseta surrada por gravata listrada, rela-
tório e fala empolada: boa viagem. Mas não contem conosco.
O nosso caminho é outro. O de sempre. E por isso estamos aqui de novo. Para
fazer acontecer mais um encontro de gente rebelde: o 48º Congresso da UNE. Bom
congresso a todos os quixotes lutadores.
Porque o tempo não para. E as ruas têm pressa.

APRESENTAÇÃO
Surgimos em 1995, há 8 anos apenas. Naquela época, conformávamos um
campo, denominado “Não Vou me Adaptar”, onde permanecemos até o Congresso
de 1997. Em 1998, uma greve vitoriosa dos estudantes, sem a participação da UNE,
desaguou na construção do bloco de esquerda, o “Rompendo Amarras”, do qual
fomos protagonistas, até seu fim.
De lá pra cá, construímos a “Reconquistar a UNE”, a partir de 1999. Em cada
canto do Brasil, em cada manifestação estudantil, em cada greve, em cada reivin-
dicação: lá estamos nós! Somos aqueles que acreditam que movimento não se faz
sem uma incessante luta contra a ordem estabelecida; somos aqueles que creem
que não se dá trégua aos donos do poder; somos aqueles que militaram incessante-
mente pela vitória de Lula e do PT, nas eleições de 2002; somo, ainda, aqueles que
acreditam que transformações se fazem por dentro dos partidos e, por isso, nossa
opção é pelo partido da classe, o Partido dos Trabalhadores, sejamos nós militantes
orgânicos ou simpatizantes.
Afinal de contas, nossa luta é pela construção de uma nova sociedade!

MUNDO
A crise do capitalismo se agrava. A tal globalização, o tal neoliberalismo, o cha-
mado pensamento único mostraram sua face verdadeira: bombas, mísseis, invasão
n 48o CONGRESSO DA UNE

e mortes.
É tempo de guerra. Como nos velhos tempos coloniais, o império não precisa
mais de desculpas para atacar, invadir e pilhar um país.
Onde estão as tais “armas de destruição em massa” que o pateta Bush tão
categoricamente afirmava que o Iraque produzia? Sumiram? Ou já não existia há

57
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

muito tempo? Toda a cupidez e cinismo do império se desvelou. Os capitalistas


norte-americanos simplesmente foram ao Oriente Médio, cercaram, invadiram,
bombardearam, assassinaram e destruíram. E agora tomam posse e dividem o país.
Pegam o petróleo para si e ainda tem a desfaçatez de chamar suas empresas para
“reconstruir” aquilo que suas bombas destruíram.
Essa é a nova fase do capitalismo. Que se confunde cada vez mais com a barbá-
rie. Porque o capital precisa da guerra para se alimentar e se fortalecer. Porque há
recessão nos EUA, porque o Japão já não cresce há tempos e a Europa se estagnou
também.
Por isso eles precisam de tratados comerciais que permitam às grandes trans-
nacionais vender parar o mundo todo, comprar o mundo todo. Sem taxas, sem
interferências dos chamados Estados nacionais – anacronismo de épocas outras
que querem ignorar. A soberania é a soberania dos capitais, dos dólares flutuantes,
das megaempresas, das grandes fortunas. Por isso falam tanto em Alca, em novas
rodadas comerciais na OMC (onde querem chancelar a transformação da saúde e
educação em mercadorias).
Mas o mundo do capital e das mercadorias e das guerras e dos bushs não é
o nosso mundo. O nosso mundo é o das lutas, é o mundo dos que lutam em to-
dos os países e continentes. Daqueles que se organizam no Fórum Social Mundial,
daqueles que estão nas passeatas e nas ações denunciando o poder do chamado
grupo dos oito e de seus governantes que na maioria das vezes não representam a
maioria da população. Milhões foram às ruas denunciar a guerra de Bush e foram
ignorados pelos que se acham reis de seus países, como o sr. Blair, o sr. Aznar, o sr.
Berlusconi. Todos precisam ser enterrados pela mobilização popular. Nas ruas e nas
urnas. De todo o mundo.
O desafio é negar a barbárie e construir cotidianamente o novo mundo. Por-
que o velho nós já conhecemos. O velho é o capitalismo com seu circo de horrores,
miséria e morte.
Nós queremos o futuro. E o futuro só pode ser outro sistema político, social
e econômico. O futuro passa por romper com esse presente e começar a desenhar
outra sociedade.
Porque outro mundo é possível. Para nós, outro mundo é urgente. Um mun-
do socialista.

CONJUNTURA NACIONAL
n 48o CONGRESSO DA UNE

Crescimento já! Mudar a política econômica. Contra essa reforma da previdên-


cia. Romper com o neoliberalismo e garantir as mudanças.
Ao eleger Luís Inácio Lula da Silva presidente da República, a maioria do povo
brasileiro, especialmente os trabalhadores, indicou seu desejo de mudanças, prin-

58
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

cipalmente na política econômica. Este foi o significado da vitória do PT e seus


aliados, foi o sentido do mandato popular recebido das urnas, que não pode ser
frustrado pelo governo federal.
Os brasileiros, em sua maioria, votaram contra o neoliberalismo, contra a po-
lítica de FHC-Malan, contra o privilégio aos banqueiros, contra a submissão do
Brasil à lógica do corte de gastos, do “ajuste fiscal”, da obtenção de “superávits
primários” a qualquer custo. Os trabalhadores brasileiros votaram por crescimento
econômico, pela queda dos juros, por abrangentes políticas sociais e por soberania
nacional.
O resultado eleitoral simboliza, portanto, uma derrota das elites e seu can-
didato, embora parte das classes dominantes tenha participado da campanha e
ocupe importantes espaços no governo. O neoliberalismo foi reprovado nas urnas
e o Fora FHC se materializou por meio da votação recebida pela coligação Lula
Presidente.
No entanto, ao mesmo tempo, a campanha Lula se comprometeu a “respeitar
os contratos” firmados junto ao sistema financeiro. Ou seja, prometeu continuar
mantendo em funcionamento a máquina de transferência de recursos aos bancos
e ao capital internacional. Este compromisso foi selado num documento intitulado
“Carta aos brasileiros”, divulgado em junho de 2002.
Assim, o governo Lula nasceu comprometendo-se, de um lado, com a mudan-
ça e, de outro, com a manutenção da política econômica. A grande incógnita é:
durante quanto tempo os dois compromissos poderão ser mantidos?

Transição ou continuidade?
O governo Lula herdou um país no qual as reformas feitas pelo governo FHC
resultaram numa profunda intervenção na vida econômica, social e política. Elas
foram tão radicais, que alteraram vários setores da cadeia produtiva aqui instalada,
desnacionalizaram a economia e favoreceram a supremacia do capital financeiro.
Como resultado, tivemos o Brasil recorrendo por três vezes ao FMI em oito
anos e a duplicação das nossas dívidas interna e externa, num patamar em que o
próprio pagamento de juros e serviços serve como um torniquete ao investimento
estatal.
Diante deste quadro, para a esquerda só restava duas alternativas diante da
vitória eleitoral: fazer uma transição negociada rumo a um novo modelo ou partir
n 48o CONGRESSO DA UNE

para o enfrentamento e ruptura com o grande capital. Nós sempre estivemos entre
aqueles que defendem a necessidade da ruptura com o FMI, com o imperialismo e
com o capital financeiro. Sempre defendemos que é necessário suspender o paga-
mento da dívida externa, reestruturar a dívida interna, estatizar o sistema financeiro
e fazer a reforma agrária, entre outras medidas.

59
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

No entanto, a maioria da esquerda considerava a ruptura uma política de alto


risco, passível de levar a consequências muito graves, para as quais não estaríamos
preparados. Assim, na prática, a maioria da esquerda brasileira optou pela lógica
da transição negociada, a que parecia ser de menor risco. Vale ressaltar que mesmo
essa estratégia pressupunha a superação gradual do modelo econômico. Portanto,
Lula foi eleito sob o signo da mudança. Uma mudança gradual, tranquila e segura,
mas ainda assim mudança.
O problema é que o governo Lula parece ter abandonado, na prática, o obje-
tivo de operar uma transição em direção a um novo modelo. Não há mostras de
que haja no horizonte a mudança do modelo econômico. Ao contrário, os sinais
apontam claramente na direção oposta: a do aprofundamento do neoliberalismo.
Os exemplos mais evidentes são dois aumentos na já elevada taxa de juros básica
desde 1º de janeiro deste ano e a elevação da meta de superávit primário, consa-
grada em carta ao FMI, de 28 de janeiro. O índice planejado alcança inacreditáveis
4,25% do PIB, o que corresponde a cortes de R$ 68 bilhões no orçamento da União.
Mesmo assim, o patamar do primeiro trimestre de 2003 elevou-se a 6,17% do PIB,
o maior da história.
Essa opção continuísta ficou mais clara com a divulgação da carta de intenções
ao FMI, no final de fevereiro último. Lá estão definidos o aumento do superávit
primário, a reforma da previdência com o sentido de “acalmar mercados”, a auto-
nomia do Banco Central e a privatização de quatro bancos estaduais, dentre outras
medidas. Ao fazer isso, o governo joga por terra a ideia, por ele mesmo difundida,
de que as “reformas que o País exige” seriam decididas através de “uma ampla con-
sulta à sociedade”.
Mais uma evidência de que muita gente importante não quer mudanças é o
documento do Ministério da Fazenda, Política Econômica e Reformas Estruturais,
recentemente divulgado, que trabalha com a “hipótese de manutenção dos superá-
vits primários no nível de 4,25% ao longo dos próximos anos”. E vai além. Quando
critica a administração FHC, é para reclamar que ela não arrochou suficientemente
as contas públicas: “Caso o governo brasileiro tivesse realizado um superávit primá-
rio de 3,5% do PIB ao ano durante os últimos oito anos, a relação dívida/PIB hoje
seria a metade da observada”. Ou seja: o documento do Pallocci critica o governo
FHC pela direita!
As reformas erradas
n 48o CONGRESSO DA UNE

Outra grande contradição entre o mandato popular recebido e o que o gover-


no vem fazendo são as chamadas reformas – a reforma da previdência e a reforma
tributária.
A reforma tributária peca pela omissão, não mexe de verdade em nada de subs-
tancial. Faz pequenos arranjos contábeis que, no fundo, não mudam a estrutura de

60
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

impostos no país. O principal ela deixa de lado: não tributa o grande capital. Não
faz os bancos pagarem imposto de verdade, não taxa as grandes fortunas, não taxa
os capitais especulativos, não aumenta o ITR para punir o latifúndio. Ou seja: a re-
forma tributária como foi proposta apenas “maquia” uma coisa e outra e não faz o
que um governo popular deveria fazer: impor a progressividade como princípio e
tornar a estrutura tributária um mecanismo de distribuição de renda. Ou seja: fazer
com que os mais ricos paguem o suficiente para o Estado brasileiro financiar saúde,
educação, transporte e políticas sociais para toda a população.
Agora, a reforma da previdência como foi proposta, é um grande absurdo.
Uma grande contradição, porque vem de um governo que deveria fortalecer o ser-
viço público e ampliar o alcance das políticas sociais. Mas o viés da reforma é outro:
é economizar recursos, e para isso, sua diretriz fundamental é retirar direitos. Nin-
guém discorda de que é preciso mudar a previdência, mas mudá-la para aumentar
o valor dos benefícios, para incluir mais gente no sistema, para cobrar dos grandes
devedores.
Infelizmente, essa reforma apresentada tenta fazer aquilo que FHC não con-
seguiu, porque foi impedido por nós. Para conseguir isso, é feita uma verdadeira
demonização dos servidores e do serviço público, transformando-os nos inimi-
gos da nação. Engraçado, porque enquanto isso, os banqueiros continuam rindo
à toa com os juros de 26,5%! Para as universidades públicas, essa reforma é par-
ticularmente perniciosa. E só o seu anúncio já provocou uma nova corrida por
aposentadorias, atingindo ainda mais a qualidade do ensino público.
O que mais tem despertado a atenção nesta reforma é a taxação dos servidores
inativos. Ela pune aqueles que trabalharam toda uma vida e que, na velhice, lutam
para viver com dignidade. Mas esta não é a face mais polêmica da proposta original
de reforma. Sob o argumento de se fazer justiça social, o governo busca estabelecer
um teto nas aposentadorias milionárias de eternos privilegiados. Mas, ao nivelar as
aposentadorias em bases pouco superiores a R$ 1 mil, o que ocorre, na verdade, é
que o filé mignon das contas, aquelas mais elevadas, cuja arrecadação ajuda a redu-
zir possíveis déficits, serão direcionadas para fundos de pensão privados. Ou seja,
uma quantia muito grande de dinheiro pode ser drenada para o sistema financeiro.
Na prática, é uma forma de se privatizar a previdência social. E isto não pode
acontecer, sob pena de colocarmos sob as leis do mercado um sistema que, com
todos os seus problemas, ainda beneficia indiretamente quase 70 milhões de bra-
n 48o CONGRESSO DA UNE

sileiros. Seria o desvio de recursos do sistema público para fundos privados, como
querem os banqueiros.
Aliás, falar em déficit da previdência por si só é errado, já que se trata de parte
do sistema de seguridade social, dever do Estado, com financiamento constitucio-
nalmente previsto. O suposto déficit anunciado pelo governo só existe por conta da

61
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

desvinculação orçamentária, que permite que recursos originalmente destinados à


seguridade social (saúde, educação, previdência) possam ser usados para outros
fins – normalmente para pagar juros e amortizações da dívida pública.
Por outro lado, é preciso cobrar com afinco – e não perdoar – os grandes de-
vedores da previdência. Aponta-se uma dívida de inúmeras empresas para com o
sistema numa ordem de R$ 180 bilhões, montante que cobriria qualquer possível
déficit.

Consequências
Esse cenário de desgaste acelerado da administração federal teria graves des-
dobramentos para a esquerda brasileira. Os sinais estão aí: os juros não caem, a
recessão bate às portas, o desemprego é recorde. Renomados intelectuais assinam
manifesto contra a reforma da previdência; deputados da esquerda petista exigem
“crescimento já”; duzentos economistas redigem manifesto por outra política eco-
nômica. Tem alguma coisa errada no ar. É preciso mudar o rumo, antes que seja
tarde demais.

Romper com o neoliberalismo


A ampliação da democracia, a afirmação da soberania nacional, a extensão dos
direitos sociais, exigem que a economia brasileira deixe de ser organizada em tor-
no dos interesses do grande capital, particularmente do grande capital financeiro.
Mas, para romper com o neoliberalismo é preciso que o governo federal am-
plie seus instrumentos de controle sobre a política econômica, motivo pelo qual
somos favoráveis às medidas que visem alterar o estatuto legal das agências regu-
ladoras, a aumentar o controle do governo sobre o Banco Central (e não diminuir
como alguns pretendem) e adotar uma política firme frente às empresas de infraes-
trutura que foram privatizadas.
Somos contrários à ampliação do superávit primário, bem como à alta de ju-
ros como mecanismo anti-inflacionário, além de não estarmos de acordo com a
mensagem enviada ao FMI pelo governo brasileiro e repudiarmos o documento de
Pallocci de diretrizes econômicas.
O governo deve perseguir um novo ciclo de desenvolvimento econômico, cal-
cado no mercado interno de massas, na substituição de importações, no incentivo
às pequenas e médias empresas, no investimento estatal em grandes obras de ha-
bitação, saneamento e transporte, no controle do regime de câmbio, nas restrições
n 48o CONGRESSO DA UNE

ao ingresso de capital volátil, na limitação da remessa de lucros e dividendos, na


renegociação soberana da dívida externa e no alongamento compulsório do perfil
da dívida interna. Ou seja, um novo ciclo virtuoso de desenvolvimento depende de
um Estado forte, que seja indutor do desenvolvimento, que enfrente o mercado e
que assuma seu caráter público.

62
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Ou seja, se não for alterado o atual rumo da política econômica, conduzida


pelo sr. Pallocci (ou seria Palan, ou talvez Malocci?) não é possível fazer política
social de verdade, muito menos atingir o objetivo reiterado por Lula, de fazer com
que todos os brasileiros comam três vezes ao dia.
O que está em jogo na disputa de rumos do governo Lula é o maior acúmulo
da luta dos trabalhadores em toda a nossa história e a possibilidade de fazer o Brasil
entrar em uma nova etapa.
Mas o governo Lula só terá condições de romper com a política neoliberal –
cumprindo o mandato popular e iniciando um novo ciclo de crescimento – se tiver
apoio maciço na população e nos movimentos sociais organizados.

Caminho da ruptura
Por seu caráter sistêmico, não existem saídas setoriais ou parciais ao neoli-
beralismo. Mesmo medidas específicas – sobre as questões do endividamento,
privatização, reforma agrária etc. – só terão potencial estruturante se tiverem um
nítido viés anticapitalista. Nesse caso, o importante é o conteúdo o mais avançado
possível das reformas e o método educativo, organizador e mobilizador de lutar por
elas. As reformas progressistas, pensadas e implementadas do ponto de vista do tra-
balho e não do capital, não devem ser valorizadas por si mesmas, mas como passos
em busca de uma nova sociedade.
Medidas assim implicarão tensões, fugas de capital, chantagens por parte do
sistema financeiro etc. O governo e o partido podem tomar medidas preventivas
para que o preço a pagar seja o menor possível. Mas não existem paliativos. É im-
possível lutar por mudanças sociais sem “assustar os mercados”.

Disputar a agenda
Portanto, o governo Lula só pode dar certo se atacar o capital e favorecer as
maiorias. O nosso papel é, portanto, disputar nossos interesses e denunciar todas
as ações do governo que sejam mera continuidade.
Precisamos disputar nossa agenda na sociedade, denunciar os grandes capi-
talistas e, ao mesmo tempo, pressionar o governo para que não abandone seus
compromissos de campanha e não frustre o sentimento de mudança da maioria
dos trabalhadores!
Para isso, a UNE deve manter sua independência e autonomia. Nosso lugar é
nas ruas, nas salas de aula, no debate e na luta. Lutaremos contra tudo o que de
n 48o CONGRESSO DA UNE

errado o governo Lula tente fazer. E pressionaremos para que ele faça o que a maio-
ria do povo espera. Somente o movimento social organizado, com destaque para o
movimento estudantil, realizando mobilizações e luta política, será capaz de fazer
com que o governo Lula tome a direção correta. E a saída é, como dizia o Leão da
Montanha, pela esquerda.

63
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Crescimento já! Mudança na política econômica;


- Pela retirada da PEC 40, contra essa reforma da Previdência;
- Fim do “superávit primário”;
- Controle do câmbio, controle de capitais;
- Juros menores, mais emprego;
- Ruptura do acordo com o FMI;
- Suspensão do pagamento da dívida externa;
- Reestruturação da dívida interna;
- Reforma Agrária já!
- Estatização do sistema financeiro;
- Não à Alca;
- Reestatização das empresas estratégicas;
- Aumento das verbas para as áreas sociais;
- Redução da jornada de trabalho, sem redução de salários.

EDUCAÇÃO

Os rebeldes que reformaram a universidade

Em 1190, estudantes europeus se rebelaram contra


o ensino superior oferecido pela Igreja Católica, e
fundaram as “Nações de Estudantes”. Estas instituições
eram administradas por eles próprios, e elegiam seu
reitor, definiam seu estatuto, contratavam os professores,
a autonomia universitária era resguardada e o ensino
era ministrado livremente.
No entanto, as movimentações por transformações nas
universidades estavam apenas começando.
Após sete séculos, eclodiu em Córdoba, Argentina, um
movimento que mudou a história das universidades da
América Latina. O movimento dos estudantes de Córdoba
lutou por uma profunda Reforma Universitária. E tinham
como bandeiras: 1) Co-governo estudantil; 2) Autonomia
política, docente e administrativa da universidade; 3)
Eleição de todos os mandatários da Universidade por
n 48o CONGRESSO DA UNE

assembleias com representação de professores, estudantes


e egressos; 4) Seleção do corpo docente através de
concursos públicos que assegurassem ampla liberdade de
acesso ao magistério; 5) Fixação de mandatos com prazo
fixo (cinco anos em geral) para o exercício da docência,

64
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

que só seriam renovados mediante a apreciação da


eficiência e competência do professor; 6) Gratuidade
do ensino superior; 7) Garantias, pela Universidade, de
responsabilidades políticas com a nação e a defesa da
democracia; 8) Livre frequência às aulas.

(Fonte: Caderno Reforma Universitária da UNE – 1996)

A necessária reforma universitária


O atual perfil das universidades foi construído durante a ditadura (virada
dos anos 60 para os 70): uma rede federal de instituições voltadas para atender às
demandas tecnológicas; e uma gigantesca rede de ensino privado atendendo, ao
mesmo tempo, dois objetivos: a demanda por mão-de-obra qualificada e a necessi-
dade de se abrir novas frentes de investimento para o capital privado.
Entretanto, no início da década de 80, este modelo de universidade começou
a entrar em crise, acompanhando a crise geral do modo de industrialização vigente.
Uma crise política, institucional e acadêmica, e até agora sem solução.
Nos anos 90, a ofensiva neoliberal tentou solucionar a crise do capital propon-
do políticas econômicas e sociais que entraram em choque com o antigo modelo. O
governo FHC trabalhou com a lógica neoliberal da desresponsabilização do Estado
cm as universidades da rede pública e com o incentivo à expansão desregulada do
ensino superior privado.
Esta desresponsabilização com as universidades públicas gerou a precariza-
ção de sua estrutura e funcionamento. As verbas para custeio, manutenção de
programas de pesquisa e desenvolvimento do ensino e investimentos, foram pau-
latinamente cortadas.
A vitória de Lula nas eleições abriu um novo período histórico no país. No
âmbito dos movimentos da comunidade universitária desapareceu a figura do ad-
versário externo (governo FHC), enquanto vilão culpado pela crise estrutural da
universidade. Mas, até agora, pequenas foram as sinalizações do novo governo
rumo às mudanças.
Na política educacional, e em específico no ensino superior, as ações do Mi-
nistério têm sido contraditórias. Se, por um lado, existe pleno diálogo com os
movimentos da área educacional, medidas que não envolvem custos têm sido to-
n 48o CONGRESSO DA UNE

madas na direção da mudança. Por outro lado, naquilo que envolve gastos a política
tem sido conservadora.
O ano começou com as verbas contingenciadas, impondo restrições às IFES.
Apesar da abertura de concurso para 2.000 docentes e 12.000 técnicos admi-
nistrativos, a insuficiência de vagas continuará agravada pela eminência da reforma

65
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

da previdência, que levará milhares de professore e funcionários a pedirem a con-


tagem do tempo de serviço para anteciparem a aposentadoria. Algumas previsões
apontam para a aposentadoria de 1.500 cientistas do CNPq.
Faltam recursos para recuperação da infraestrutura das universidades, como:
equipamentos de informática, laboratórios, prédios, acervos bibliográficos e veí-
culos. Faltam recursos, também, para o custeio das IFES, já que as despesas de
manutenção aumentaram, devido à elevação das tarifas de serviços.
Além disso, as declarações do Ministro da Educação, Cristovam Buarque, ora
são clamando por mais verbas para a educação, ora são a favor das fundações pri-
vadas e do projeto de lei que institui a criação de um Fundo Nacional mantido pela
cobrança dos formados em universidades públicas.
Nas universidades pagas, a conjuntura não está nada fácil, pois os tubarões do
ensino privado continuam com a sua poderosa estrutura de lobby no Congresso e
já articulam uma nova lei de mensalidades que criminaliza os inadimplentes.
Contudo, há algumas notícias boas. Este será o último ano do Provão. Uma
nova avaliação construída por uma comissão de especialistas com a participação
dos movimentos educacionais e inclusive com a participação estudantil vem aí.
E, ainda, o Ministério já enviou para a Casa Civil uma proposta de Projeto de
Lei que revoga o artigo 56 da LDB, que estabelece 70% de vagas nos órgãos co-
legiados para os docentes, que revoga a Lei de Escolha de Dirigentes, estabelece
nenhuma restrição para candidatos a reitor e dá autonomia para as universidades
decidirem como serão as escolhas dos dirigentes em todos os níveis e a composição
de todos os órgãos colegiados.
Contudo, muita reivindicação, muita luta e muita mobilização deve estar por
vir. Afinal, já faz algum tempo que a universidade passa por uma grande crise de
identidade. Hoje é difícil definir claramente seu papel na sociedade brasileira. Seria
o de garantir a independência tecnológica do país? O de formar mão-de-obra quali-
ficada para o mercado? O de colaborar na resolução dos grandes problemas sociais,
ambientais e econômicos que penalizam diretamente amplas parcelas da popula-
ção e acabam se refletindo na vida de cada brasileiro? Ou o de dar ascensão social a
uma ínfima parcela da população?
Todas estas questões vão sendo colocadas e as críticas e insatisfação com o
ensino superior se tornam cada vez maiores. Mas, uma coisa, no entanto, é certa:
a universidade tem que mudar. Uma instituição que consome bilhões anuais em re-
n 48o CONGRESSO DA UNE

cursos governamentais (vindos dos impostos pagos por toda a sociedade) não pode
estar em razão de ser ou a serviço de poucos.
Todas essas mudanças colocam as lutas pela transformação da universidade
brasileira em um novo patamar. É nesse sentido que defendemos a Reforma Univer-
sitária como bandeira principal de luta do movimento estudantil.

66
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Mas o que deve ser reformado na universidade? Quais devem ser os pontos a
serem modificados?
A reforma universitária que defendemos visa democratizar e popularizar a uni-
versidade. Para isso, tal reforma deve partir de três eixos: 1) ampliação do acesso ao
ensino superior; 2) revolução pedagógica; e 3) gestão democrática.

Ampliação do acesso ao ensino superior


O índice de acesso à educação superior no Brasil é bastante baixo se compara-
do aos dos países com nível de desenvolvimento similar. Em 2001, 4,2 milhões de
brasileiros se candidataram a 1,4 milhões de vagas oferecidas, sendo que dessas so-
mente 250 mil eram públicas (18%). Essas trágicas estatísticas demonstram o grau
de restrição que as universidades têm.
A ação do governo FHC em favor da oferta de vagas, via ensino privado, além
do problema de concepção, mostrou-se inadequada e ineficiente. Estudos demons-
tram que o sistema privado não comporta mais expansão, pois os limites estruturais
do ensino privado encontram-se na capacidade e no poder aquisitivo da população
brasileira. Das mais de 1,1 milhão de vagas oferecidas pelas particulares, somente
790 mil foram ocupadas (31% das vagas na rede privada estão ociosas).
Assim, a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil já não tem
como principal entrave a oferta insuficiente de vagas e sim a natureza dessas vagas
e/ou as condições impostas aos candidatos para ocupá-las.
Por isso, a única forma de realmente ampliarmos o acesso ao ensino superior
é combater o caráter elitista da universidade brasileira e expandir a rede pública. O
objetivo é inverter a proporção de estabelecimentos privados e públicos.
Outro aspecto importante a ser considerado na ampliação do ensino supe-
rior público é a questão dos cursos noturnos. Mesmo que nosso ideal seja que
todos pudessem estudar sem precisar trabalhar concomitantemente, dedicando-se
exclusivamente à vivência universitária, hoje, não podemos condenar parte de uma
geração a estar excluída do ensino superior, afinal não foram viabilizadas formas
alternativas de acesso.
Portanto, mesmo considerando o arrocho financeiro ao qual as universidades
públicas foram submetidas, é inadmissível que somente 24% dos cursos das fede-
n 48o CONGRESSO DA UNE

rais sejam noturnos. Assi, é fundamental garantir mais cursos noturnos.


Já que acreditamos que a EDUCAÇÃO É UM DIREITO DE TODOS, e lutamos
tanto para garantir isso na Constituição, o ensino superior não pode ser um direito
de poucos. Precisamos trazer outros setores para a universidade, que possam ser
novos atores na transformação desta instituição.

67
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Radicalizar a assistência estudantil


A assistência estudantil é um direito e não um favor. É um direito porque deve
atender todos os estudantes, em especial aqueles que precisam de auxílio para per-
manecer na universidade até a conclusão de seus cursos, cabendo à universidade,
assim, oferecer condições de moradia, transporte, alimentação, creche, atendimen-
to à saúde, atividades esportivas e culturais.
A assistência estudantil deve ser encarada sob a ótica de garantir uma vida
universitária completa, ou seja, incluir acesso aos livros, à informativa, às línguas
estrangeiras e a outros requisitos à formação acadêmica. E mais, a assistência estu-
dantil é condição indispensável para a democratização do acesso à universidade.
A luta pela assistência estudantil passa por dois espaços: o nacional e o local.
No nível nacional, um importante acúmulo foi produzido na greve de 2001. O co-
mando nacional de greve e mobilização da UNE realizou grupos de trabalhos que
produziram documentos e apontaram para a construção de uma política nacio-
nal. A UNE deve defender a existência de uma rubrica específica no orçamento do
MEC para atender a assistência estudantil (sendo incorporada à Lei Orçamentária
Anual e à Lei de Diretrizes Orçamentárias), além de mobilizar os estudantes para
pressionar o Congresso Nacional a aprovar o projeto de lei que institui o “Plano
Nacional de Assistência Estudantil”, em tramitação. A proposta do plano foi elabo-
rada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis
(Fonaprace).
Mas, é no espaço local onde as lutas precisam ser radicalizadas. As reitorias e
prefeituras/governos locais devem garantir e respeitar os direitos dos estudantes.
É necessário, também, o acompanhamento cotidiano na aplicação dos recursos.
Somente a conquista de uma rubrica específica para assistência estudantil não ga-
rantirá sua aplicação nas universidades.
Por isso, propomos: a realização de seminários sobre assistência estudantil,
para qualificar a pauta de reivindicações local e preparar mobilizações pela política
de assistência estudantil.
Propostas:
- Mais verbas para a educação pública;
- Ampliação do financiamento para a expansão do ensino superior público;
- Mais vagas nas universidades públicas;
- Obrigatoriedade de as instituições públicas oferecerem cursos noturnos em igual
n 48o CONGRESSO DA UNE

proporção dos cursos diurnos;


- Concursos públicos para contratação de mais docentes e técnicos-administrativos;
- Ampliação das políticas de assistência estudantil (RU, moradia, transporte,
creche...);
- Manutenção da rubrica de assistência estudantil na LDO;

68
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Aumento do valor destinado à assistência estudantil na lei orçamentária;


- Pela aprovação do Plano Nacional de Assistência Estudantil;
- Mais cursos noturnos nas universidades públicas.
A revolução pedagógica
Durante a história da universidade, muita coisa mudou, sempre procurando
ajustar a instituição universitária às necessidades históricas do Estado. As disputas
pelos modelos de universidade sempre decorrem das disputas por modelos de Es-
tado. Mas, uma coisa pouco mudou na história da universidade: a forma autoritária
e heterônoma de ensinar. Na universidade, os mecanismos de domesticação sem-
pre estiveram presentes.
Atualmente, os cursos universitários são obsoletos e, apesar da reforma im-
plementada nos últimos anos pelos neoliberais, formam profissionais que não
atendem nem às demandas do mercado, quanto mais profissionais capacitados a
resolver os problemas da realidade social brasileira.
Se quisermos que a universidade cumpra um papel além da mera forma(ta)
ção de técnicos, onde o confronto e o debate de ideias produzam solução para os
reais problemas da sociedade brasileira e, portanto, que ela possa estar a serviço de
um outro projeto de nação, nos dando a possibilidade de disputarmos uma outra
hegemonia na sociedade, teremos que intervir nos mecanismos de reprodução da
lógica de alienação daqueles que passam pela universidade, ou seja, sua pedagogia.
Mudar hábitos tradicionais é algo difícil. Compreender que a sala de aula li-
mita a formação universitária e que o currículo de um curso pode ser muito mais
complexo que uma grade de disciplinas é para a maioria na universidade, prin-
cipalmente privadas, algo utópico. Mas para que a universidade de fato paute as
questões de nosso tempo e cumpra sua função social ela precisará incorporar na
formação a práxis, a experimentação de situações concretas, a vivência das con-
tradições sociais e a teorização a partir disso como, por exemplo, os estágios de
vivência do movimento estudantil. E nos currículos deverá incorporar a pluralida-
de das formas de se aprender, considerando para a integralização dos cursos outras
atividades, além da pura e simples disciplina.
Propostas:
- Construção de um Projeto Político Pedagógico da universidade que leve em conta
a sua contribuição na resolução dos problemas sociais e sua inserção a serviço da
n 48o CONGRESSO DA UNE

construção de um outro projeto de nação;


- Construção dos Projetos Político-Pedagógicos em cada curso a partir do Projeto
Político Pedagógico da universidade;
- Reformas curriculares decorrentes dos Projetos Políticos Pedagógicos e que incor-
porem outras atividades acadêmicas;

69
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Integralização curricular, incluindo como créditos outras atividades acadêmicas


além das aulas, como por exemplo, os estágios de vivência, práticas de extensão,
grupos de estudo, pesquisas científicas; participação no movimento estudantil;
- Implementação de monitoria em todas as disciplinas.
Hospitais universitários
Colapso é o que define a situação dos Hospitais Universitários e de Ensino
(HUE), estruturas construídas para funcionar como campo de prática para forma-
ção profissional em saúde e para atender a demanda de saúde da população.
A crise dos HUEs abrange dois aspectos: 1) o modelo de saúde hegemônico
– “hospitalocêntrico”, em que um hospital atende a toda a carga de demandas de
saúde da população, da mais básica à mais alta complexidade; 2) sucateamento da
estrutura física e econômico-administrativa por causa da contenção de castos pú-
blicos no setor.
Assim, sofre a população, com as fias intermináveis, condições completamente
precárias de atendimento, falta de medicamentos. Sofrem os estudantes, diante da
falta de condições adequadas ao aprendizado e com a desmotivação dos professo-
res, seduzidos pelo setor privado.
A UNE e as Executivas de cursos têm que pressionar através da mobilização
não só o Ministério da Saúde para que assuma sua responsabilidade sobre a saúde
básica da população, como também o Ministério da Educação para que desenvolva
políticas estruturadas na estratégia de integração do ensino em saúde com o SUS,
assim estreitando a relação da universidade com a sociedade.
Propomos ainda:
- A garantia de acesso igualitário à saúde para toda a população;
- O fim da prática de “dupla porta de entrada” nos HUEs (atendimento em separado
aos planos de saúde privados);
- A garantia de gestão democrática dos HUEs por meio dos Conselhos Gestores com
participação de todos os segmentos que compõe o HUE.
Escolas pagas
Um projeto verdadeiramente democrático de sociedade não pode perder a
perspectiva de que, em qualquer nível, a educação deve ser pública e gratuita. Ape-
sar disso, a imensa maioria dos estudantes do ensino superior brasileiro paga, e
paga caríssimo para estudar!
n 48o CONGRESSO DA UNE

Os inúmeros problemas por que passam os estudantes de escolas pagas preci-


sam de respostas. A realidade dos sistemas educacionais pagos impõe ao movimento
estudantil um entendimento mais aprofundado sobre a sua ação e proposições.
As instituições privadas foram, durante todo o período de governos neolibe-
rais, incentivadas e promovidas pelo Estado. A grande maioria dessas instituições

70
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

tem ensino precário, não promovem pesquisa ou extensão, não têm laboratórios
ou bibliotecas básicas. São as universidades conhecidas como balcão de diplomas,
que abrem e fecham cursos de acordo com a lei da oferta e da procura, possuem
infinitos cursos “rápidos”, voltados para o mercado de trabalho (que não tem a
menor preocupação com a elaboração científica), são dispostas em estruturas que
mais parecem shoppings do que universidades. Enfim, são grandes mercados da
educação e da compra de diplomas.
O fato é que se faz necessário estabelecer o controle social sobre o ensino
pago, entendendo e diferenciando os serviços prestados por estas instituições. Não
se trata, aqui, de propor um modelo de regulação através de agências nacionais,
mas de proteger a maioria dos estudantes brasileiros encurralados pela necessidade
de estudar, e encarar o ensino superior pago, pela absoluta falta de vagas e condi-
ções estruturais da universidade pública.
Assim, precisamos de uma legislação que regulamente a atuação destas insti-
tuições, exigindo, para o seu funcionamento:
- Garantia do tripé ensino, pesquisa e extensão articulados;
- Um basta na injeção de verbas públicas nas instituições privadas;
- Pela qualidade de ensino;
- Pelo fim dos cursos de dois anos;
- Ampla democracia interna, com participação estudantil em todos os órgãos cole-
giados da instituição;
-Liberdade de organização sindical e estudantil. Chega de perseguição aos
dirigentes!
- Pela abertura dos livros caixas, publicação da planilha de custos;
- Controle na abertura de instituições de ensino pago e permanente avaliação da
qualidade dessas instituições;
- Redução de mensalidade!
- Inadimplência não é crime: pelo direito ao acesso e permanência nas universidades;
- Revisão dos estatutos e regimentos internos incompatíveis com a legislação federal;
- Garantia de espaço físico para a representação estudantil;
- Fim do FIES. Pela criação de um Fundo Nacional, que financie o crédito ao es-
tudante, administrado com a participação dos estudantes, governo e faculdades;
- Cassação do registro para instituições filantrópicas que não cumprirem as normas
n 48o CONGRESSO DA UNE

da lei;
- Que, em cada instituição, haja uma Comissão de Seleção dos beneficiados de bol-
sas, com a participação estudantil;
- Que só recebam recursos as faculdades que oferecerem pelo menos 30% de bolsas
com recursos próprios;

71
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Que todas as particulares sejam obrigadas a destinar um percentual de seus lucros


às bolsas de ensino;
- Taxação dos lucros das escolas privadas, revertida em bolsas;
- O Estado deve obrigar as instituições de ensino privado a ocupar gratuitamente
as vagas ociosas.

MOVIMENTO ESTUDANTIL
Nesta tese, não será possível apresentar uma ampla definição do que seja movi-
mento estudantil, justificar sua importância, delinear suas especificidades enquanto
movimento social e dissecar o funcionamento de suas estruturas, análises que nos
trariam elementos fundamentais para começar a resolver os problemas do ME. Mas,
com base nas nossas reflexões acerca dessas questões, iremos, aqui, nos ater a fazer
um simples balanço da UNE e, à partir disso, contribuir com o debate sobre a “crise
do movimento estudantil”, na tentativa de formular soluções capazes de colocar o
movimento estudantil em outro patamar de organização e intervenção social.

Cadê a UNE?
Hoje, a pergunta que muitos se fazem é porque um movimento que deixou
marcas e em muitos momentos da história deu demonstrações de força e capa-
cidade de interferir na conjuntura, alterando-a, hoje não consegue nem mesmo
responder a demandas simples de organização e funcionamento?
Que fatores perversos são esses que fazem hoje a entidade nacional dos estu-
dantes (UNE), patrimônio da história brasileira, viver uma crise que a muito deixou
de ser uma crise de representatividade e chega hoje a ser uma crise de legitimidade?
Ou seja, os estudantes não só não veem seus interesses representados, como
a maioria não reconhece a UNE enquanto sua entidade, enquanto seu instrumen-
to coletivo. Muitos acham que a UNE e o movimento estudantil, como um todo,
são propriedade de alguns, “os que mexem com política” ou “os estudantes pro-
fissionais”, e que, portanto, não devem se aproximar nem se envolver, já que não
é coisa sua.
Mas qual é o diagnóstico dessa crise? Ou melhor, que fatores determinam essa
crise? Atribuímos, então, à crise quatro fatores: 1) a direção imobilista e antide-
mocrática; 2) a estrutura anacrônica, verticalizada, centralizada e burocrática; 3)
a conjuntura desfavorável à organização coletiva; e 4) as especificidades próprias
n 48o CONGRESSO DA UNE

do ME.
O movimento estudantil possui singularidades enquanto movimento social.
É um movimento muito mais determinado pela conjuntura do que tem capacida-
de de intervir e atuar nela para alcançar seus objetivos, como outros movimentos
fazem. Portanto, se o cenário político-social é de ascensão das mobilizações, o ME

72
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

se mobiliza. Se não, ele pouca capacidade tem de sair do refluxo. Além disso, dife-
rentemente dos movimentos sindical, social e partidário, o movimento estudantil é
marcado por extrema dificuldade na transmissão de sua cultura, isto é, sua histó-
ria, seus métodos de organização. Em boa medida, tal fato deve-se à curta vida do
estudante na universidade (enquanto o sindicalista permanece 10, 20, 30... anos na
ativa, o estudante não fica mais do que 4 ou 5 anos na militância), desenvolvendo,
muitas vezes, um papel “transitório” nas universidades, o estudante despede-se do
ME, no geral, sem socializar ensinamentos, lições e experiências adquiridas coti-
dianamente para os que estão chegando, levando consigo este conhecimento para
outros espaços. Diz-se, assim, que o ME é um “laboratório” de militância e um “ce-
leiro de quadros”.
Além das dificuldades intrínsecas à sua lógica, o movimento enfrenta um
problema comum a todos os movimentos sociais: a conjuntura desfavorável à orga-
nização coletiva. Todos os militantes sociais sofrem, cotidianamente, a dificuldade
de organizar as pessoas numa sociedade impregnada pela ideologia liberal, basea-
da na lógica do individualismo, do consumismo, do imediatismo e da competição.
Que, aliás, foi bastante reforçada nos últimos anos pela hegemonia neoliberal.
É certo que, sem reconhecer as dificuldades da conjuntura e as singularidades
do ME, será difícil modificá-lo e superar suas debilidades de organização.
Contudo, uma boa parte dos problemas enfrentados pelo ME são fruto de uma
política: a política da direção majoritária da UNE, que é hegemonizada pela UJS (ju-
ventude do PCdoB). Esse setor do ME opera uma política aparelhista, imobilista na
UNE que paralisou a ação de organização das entidades estudantis e dos estudantes
nos últimos 13 anos.
Um balanço necessário
A sensação de quem participa pela primeira vez de algum fórum da UNE é
sempre frustrante: grupos de discussão inviabilizados, denúncias de fraude de de-
legados, bandeiras queimadas, brigas que chegam às vias de fato – confusão, muita
confusão, e pouca política!!!!
Propositalmente, a direção majoritária (UJS/PCdoB), vem transformando a
entidade numa UNE para poucos, que exclui de sua construção e participação a
maioria dos estudantes brasileiros, a maioria das entidades de base e dos DCEs.
A fórmula encontrada para manter a atual situação foi aumentar o aparelho,
construindo uma geração de militantes cuja atuação central é reproduzir o apara-
n 48o CONGRESSO DA UNE

to e, ao mesmo tempo, fechar os canais de participação estudantil nas decisões da


entidade, além de rotular as vozes dissonantes de serem contra a entidade, criando
um muro de contenção que tenta inibir a oposição. Cada vez mais a UJS/PCdoB se
fecha em seu castelo, optando por alianças à direita e articulações institucionais em
detrimento das mobilizações.

73
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Quando a UJS retomou o controle da entidade, no início da década de 90, co-


meçou a haver um paulatino distanciamento, afastamento e abandono da entidade
pela oposição. A primeira reação foi, naturalmente, o refúgio no movimento de
área, encarado, muitas vezes, de forma dicotômica em relação ao movimento ge-
ral. Essa foi uma política que atingiu, inclusive, importantes DCEs cujas histórias se
confundem com a história da entidade nacional.
A situação piorou ainda mais quando, no CONUNE de 1997, setores expressi-
vos do ME, que se articulavam em torno da tese “Não Vou Me Adaptar” – esquerda
do PT e independentes, deixaram de compor a diretoria da entidade, por entender
que a UJS estava dando um golpe mortal na democracia interna, ao aprovar um me-
canismo de funil através de congressos estaduais.
Mas, a partir de 1999, com o retorno destes setores, e o consequente for-
talecimento da oposição dentro da entidade, pode-se realizar muitos fóruns,
mobilizações e conquistar importantes avanços na política e na organização do mo-
vimento estudantil nacional.
São expressões da disposição da luta desses setores, e de outros, também com-
bativos, as greves estudantis de 1998 e 2001, a vitória da oposição no CONEB de 98
(que reviu a proposta de funil congressual), o fim do delegado nato nos Congres-
sos, a conquista do voto das executivas de curso no CONEG, os Fóruns de Públicas,
o Seminário de Avaliação Institucional, as campanhas pela redução de mensalidade,
os Plebiscitos da Dívida Externa e Contra a ALCA, a luta contra a mercantilização da
educação, a politização do movimento e área, a luta contra o provão e por uma ava-
liação de verdade, as manifestações de politização da Bienal de Cultura da UNE etc.
Todas essas ações contribuíram para que o movimento pudesse perceber os
limites de cada entidade, DCEs, Executivas ou Federações de curso. Assim, enten-
demos que o vácuo deixado pela ausência da UNE, em vários momentos da luta, só
pode ser preenchido pela própria UNE.
Ao invés da apatia, do não reconhecimento ou do descaso para com a entida-
de, o movimento foi aprendendo a fazer ações pela UNE, a aplicar resoluções que
antes eram aprovadas e não encaminhadas, a construir pela base uma nova práti-
ca, disputando com a direção majoritária a hegemonia na construção da entidade.
No último período a direção majoritária se desmoralizou repetidamente. Te-
mos a compreensão das dificuldades financeiras, mas percebemos que a forma
como os poucos recursos são utilizados é péssima. Entendemos as dificuldades
n 48o CONGRESSO DA UNE

que existem em organizar os espaços coletivos do movimento estudantil, mas não


podemos aceitar a incompetência e a completa desorganização, que acabam por
desarticular e desmobilizar ainda mais os estudantes com vontade de participação.
A Bienal de Cultura de 2003 foi uma das demonstrações da falta de capacidade
que a direção majoritária tem em articular e se relacionar com as entidades gerais e

74
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de base. Além do descarado aparelhamento do evento, usando a atividade cultural


de abertura da Bienal como forma de propaganda da UJS, a comissão organizadora
centralizada e excludente, por pouco, inviabiliza a realização do maior evento de
cultura do movimento estudantil.
E a realização do último CONEG, então? Era um fórum que tinha como objeti-
vo discutir as políticas educacionais à luz da nova conjuntura e definir o regimento
e a organização deste CONUNE. Também, quase não se realizou porque a poucos
dias da realização do evento ainda não havia local definido! Essas são as opções fei-
tas para esvaziar os fóruns e dificultar a participação estudantil!
E a Jornada de lutas de março, alguém ouviu falar? Ah, mas do acordo com a
Globo, para fazer festival de Música Universitário todo mundo fica sabendo, né? São
essas as prioridades de nossos amigos da direção majoritária, UJS/PCdoB.
Mas, o exemplo mais claro e gritante do descompromisso da entidade, foi nas
eleições de 2002. A UNE, por decisão política de sua direção majoritária, ficou à
margem daquele processo. Enquanto milhares de ativistas faziam campanha e orga-
nizavam comitês pró-LULA em cada rincão do país, enquanto milhões de brasileiros
foram às ruas eleger um candidato de esquerda, a UNE ficou vendo a banda passar!
Foi a partir das entidades de base, de cada CA, DA e DCE, aproveitando o gran-
de potencial de mobilização de massa que havia naquele período, que construímos
uma grande campanha para eleger o primeiro presidente de esquerda no país.
Só esse fato já seria a demonstração cabal de que a UJS/PCdoB está superada
na direção da entidade!

Uma alternativa para a UNE e o ME

Nesse sentido, achamos que a primeira tarefa daqueles que querem mudar
o ME é derrotar a atual direção majoritária, porque ela se tornou um empecilho
para o avanço e organização do ME. É obvio que esse é um dos passos, pois, sem a
politização do conjunto dos estudantes e o seu envolvimento no movimento estu-
dantil através da organização das entidades de base e gerais, nada mudará no ME.
Além disso, não basta derrotar a direção majoritária por si só. É fundamental ter um
programa que apresente propostas concretas para a superação das debilidades do
movimento e aponte uma perspectiva de luta e reivindicações.
n 48o CONGRESSO DA UNE

Sem um programa efetivo, nada adiantará assumir a direção da UNE, porque


não teremos sequer o que propor para o conjunto do movimento estudantil e re-
petiremos, talvez, os mesmos erros.
É por isso que para Reconquistar a UNE propomos algumas ações:

75
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Programa de democratização da UNE


Hoje, para democratizar a UNE, não basta apenas fazer eleições diretas, mas é
necessário um conjunto de ações em várias frentes, para que, de fato, a entidade se
democratize e esteja mais perto do cotidiano dos estudantes.
Ação na estrutura organizativa da UNE
A UNE precisa mudar efetivamente suas estruturas para que ela seja dinâmica,
democrática e mais representativa. Atualmente, as estruturas da UNE são arcaicas,
verticalizadas, centralizadas, burocratizadas e, portanto, antidemocráticas. Por isso,
propomos:
- A realização de um seminário nacional de organização do movimento estudantil,
que apresente um projeto de reestruturação da UNE e reforma do seu estatuto;
- Definição da periodicidade dos fóruns da UNE. A começar pelas reuniões da
diretoria ampliada, que na última gestão aconteceram apenas duas. Passa principal-
mente, pelo CONEG e CONEB (o movimento estudantil brasileiro não pode ficar
à mercê da vontade da direção majoritária, é preciso tradicionalizar algumas datas
que garantam com ampla antecedência a organização para participar dos fóruns);
- Fim da Presidência da UNE! Pela criação da Coordenação Geral e a organização da
diretoria em coordenadorias;
- Montar grupos temáticos nacionais para subsidiar o trabalho político da entidade.
Ação na política de comunicação da UNE
Uma política de comunicação para a UNE tem que ter as seguintes caracte-
rísticas: 1) democrática e participativa; 2) ágil, dinâmica e atualizada; 3) massiva
e que atinja a maior parte dos estudantes; 4) ser não só informativa, mas também
formativa.
Nesta gestão, a (ausência de) política de comunicação levou a entidade ao
pouco fluxo de troca de informações com as entidades gerais e de base, quiçá com
os estudantes. Isto isola a entidade, despotencializa suas ações e mobilizações, além
de desgastá-la. É nesse sentido que propomos:
- Criar um jornal de circulação nacional nas entidades estudantis, aberto a todas
as opiniões do movimento estudantil (Se a UNE é a favor da democratização dos
meios de comunicação como ela pode aceitar o monopólio dos seus meios de co-
municação por apenas uma força política?);
n 48o CONGRESSO DA UNE

- Estruturar um conselho editorial dos meios de comunicação da UNE que tenha


composição plural e proporcional;
- Intensificar as visitas dos diretores da UNE nas universidades, com agendas previa-
mente organizadas e divulgadas, de forma que as entidades de base e gerais possam
preparar debates e passagens em salas de aula;

76
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Aprovar no início de cada gestão o Plano de Visitas de forma que os diretores da


UNE visitem todas ou quase todas as universidades do país (assim diminuindo o
distanciamento da UNE e de seus diretores da realidade cotidiana dos estudantes).

CONTRA TODA FORMA DE OPRESSÃO


A igualdade foi erigida em preceito universal lá pelos idos da Revolução Fran-
cesa (quem não conhece a máxima “igualité, fraternité, liberté”?). De lá pra cá,
muita coisa mudou, e aprendemos que lutar pelo direito à igualdade e ao respeito
mútuo é dever de todo indivíduo.
A União Nacional dos Estudantes tem o papel de impulsionar as lutas pelos
direitos das mulheres, dos negros e dos homossexuais.
Infelizmente, nossa entidade está aquém desta expectativa, na medida em
que não pauta essas ações como essenciais para a disputa da transformação da so-
ciedade. É necessária uma afirmação política da nossa entidade em apoio a esses
segmentos.

Mulheres

Mulher é bicho esquisito, todo mês sangra (...).


Por isso não provoque, é cor-de-rosa choque

Cor de rosa choque. Canção de Rita Lee [N. O.]


As mulheres não precisam mais queimar sutiãs em praça pública, mas esta for-
ma de opressão ainda é a primeira e mais generalizada relação de poder entre as
pessoas em quase todas as sociedades.
A emancipação feminina passa pelo combate ao machismo, à violência sexista,
às desigualdades entre homens e mulheres. Dentro do ME, temos tido dificuldade
em debater a questão de gênero de forma mais aprofundada, sem recorrer às aná-
lises maniqueístas, ao sendo comum. O pensamento machista, que se abriga nas
mentes de homens e mulheres, precisa ser exposto. Este debate deve ser de todos
aqueles que buscam compreender o papel da opressão de gênero na sociedade
capitalista.
Não basta ter uma secretaria, na UNE, se ela não tem condições de funcionar
na prática. Por isso, propomos:
n 48o CONGRESSO DA UNE

- Melhor funcionamento da secretaria, que deve ser de mulheres, não de gênero,


com base na aprovação de um orçamento para essa cadeira, a ser apresentado na
diretoria da UNE;
- Realização de um Seminário Nacional de Mulheres Universitárias para discutir e
aprovar políticas específicas e estratégias de atuação para a UNE;

77
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Incentivar o debate sobre gênero nos meios de comunicação da UNE, como forma
de integrar homens e mulheres neste debate.

Negros e negras

Respeitem meus cabelos, brancos. Chegou a hora de falar,


vamos ser francos. Pois quando o preto fala o branco cala
ou sai da sala com veludos de tamanco.

Respeitem meus cabelos, brancos. Canção de Chico César [N. O]


Na construção do projeto democrático-popular e na consolidação de uma es-
tratégia para o Brasil, devemos respeitar a diversidade étnico-cultural existente no
país, e incorporar o acúmulo das lutas contra a discriminação e o preconceito racial
ao povo negro.
O sistema educacional no Brasil reproduz, com frequência, práticas discrimi-
natórias e racistas. Existe um círculo vicioso que combina pobreza, fracasso escolar
e marginalização social. Para combater isso, é importante a adoção de mecanismos
que ampliem o ingresso e permanência de negros e negras na universidade. As po-
líticas de Ações Afirmativas visam eliminar desigualdades históricas, tendo como
objetivo a igualdade de oportunidades. As cotas, hoje, surgem com essa perspec-
tiva. A UNE deve fazer com que esse debate seja pautado em cada universidade,
como forma de garantir o acesso de afrodescendentes ao ensino superior. É bom
lembrar que políticas compensatórias como as cotas não resolvem todo o proble-
ma. Elas devem ser casadas com as lutas históricas do movimento estudantil em
defesa de uma universidade pública e gratuita, com uma assistência estudantil que
possibilite ao estudante algo tão importante quanto o acesso à universidade: sua
permanência. A UNE deve ser o elemento impulsionador de uma política concreta
de inserção do povo negro nas universidades brasileiras. Por isso, propomos:
- Que nos congressos e conselhos da UNE (CONUNE, CONEGs e CONEBs) sejam
formados GTs ou GDs específicos para discutir a questão da etnia;
- Que a União Nacional dos Estudantes se posicione, publicamente, favorável às po-
líticas públicas que envolvam os negros e negras;
- Melhor funcionamento da Secretaria de Combate ao Racismo, com base na apro-
vação de um orçamento para essa secretaria, a ser apresentado na reunião da
n 48o CONGRESSO DA UNE

diretoria da UNE;
- Realização de um seminário nacional “A questão da etnia nas universidades” para
discutir e aprovar políticas específicas e estratégias de atuação para a UNE;
- Incentivar o debate sobre as cotas para os negros(as) nas universidades, divulgan-
do nos meios de comunicação da UNE como forma de ampliar o debate.

78
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Gays, lésbicas, travestis e transexuais

Qualquer maneira de amor vale a pena /


Qualquer maneira de amor valerá

Paula e Bebeto. Canção de Milton Nascimento [N. O.]


A luta por uma sociedade mais justa e igualitária envolve a conquista da liberda-
de dos indivíduos desenvolverem suas personalidades, identidades e sexualidade,
libertos de qualquer coerção e discriminação. Ao contrário dos demais movimentos
sociais, que sofreram refluxo na última década, o movimento homossexual explo-
diu. A Parada Gay de São Paulo já reúne meio milhão de pessoas! A cada ano, mais
leis são aprovadas, em âmbito municipal, visando coibir a discriminação por orien-
tação sexual.
O ME deve pautar esse debate em seus fóruns de uma forma séria e respeitosa.
Nos últimos CONUNEs, propostas sobre gays e lésbicas foram aprovadas simbolica-
mente e nada se fez durante as gestões da UJS/PCdoB. Por isso, propomos:
- Criação de uma diretoria de gays, lésbicas, travestis e transexuais da UNE;
- Que nos congressos e conselhos da UNE (CONUNE, CONEGs e CONEBs – se este
acontecer!) sejam formados GTs ou GDs específicos para discutir a sexualidade;
- Que a executiva da UNE se posicione publicamente favorável a questões públicas
envolvendo gays e lésbicas;
- Que a UNE organize o seminário nacional sobre diversidade sexual;
- Que na Bienal da UNE ocorram oficinas específicas sobre sexualidade.
Legalizar as drogas
O debate sobre a questão da violência, do narcotráfico e da drogadição deve
ser feito abertamente, sem moralismos ou hipocrisias. A maneira como a mídia e a
maioria dos governos trata o tema é parcial e equivocada, que esconde interesses
escusos.
Afinal, o que são drogas? Drogas são substâncias tais como a cafeína, o álcool
etílico, a nicotina, o THC, a cocaína, a heroína e por aí vai, seus compostos e mis-
turas. O ser humano se utiliza hoje e sempre se utilizou desse tipo de produto,
ingerindo-o para obter estados alterados de consciência, os quais lhe causam pra-
zer. No presente momento histórico, alguns deles são legais e outros são ilegais.
n 48o CONGRESSO DA UNE

Todos eles produzem efeitos colaterais negativos à saúde humana em geral e, no


limite, são capazes de levar à morte.
No caso dos ilegais, contudo, tais efeitos deletérios à saúde se somam aos
efeitos sociais negativos advindos da própria situação de ilegalidade. O dependen-
te químico, ao invés de assistente social, médico, psicólogo e educador, que lhe

79
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

dariam uma chance de se livrar do seu problema, recebe do Estado apenas a trucu-
lência policial, que o mantém na posição de eterno e lucrativo consumidor.
Não é por acaso que algumas drogas são ilegais e outras são legais. Sabemos
que o álcool, o tabaco, alguns remédios vendidos legalmente têm mais potencial de
causar dependência do que várias drogas que hoje são ilegais. Então, porque esse
estigma sobre a maconha, o ecstasy, a cocaína e outros? Porque é melhor para quem
produz e comercializa essas drogas que elas sejam ilegais. É mais lucrativo.
Esse negócio movimenta, estima-se, um trilhão de dólares ano após ano. Ga-
nha de longe, em lucratividade, da produção e comercialização das drogas legais.
A altíssima lucratividade só existe PORQUE existe a proibição legal. A política mais
repressiva com relação às drogas é estimulada justamente pelos EUA, país líder
em consumo. Ou seja, além da repressão não funcionar, ela faz parte do aparato
policial-militar norte-americano. Funcionam juntos, numa mistura de interesses po-
líticos, econômicos e militares.
O consumo humano e consequentemente o comércio das drogas não deixa-
rá de existir no atual estágio da humanidade. Somente um moralista barato irá
proclamar que numa sociedade onde se consomem gigantescas quantidades de
drogas legalizadas não existirá demanda e mercado para outras drogas, estas não
legalizadas.
No exato instante em que a situação ilegal deixar de existir, contudo, a
lucratividade de tal negócio irá reduzir-se drasticamente. A história da máfia ítalo-
-estadunidense no período da “Lei Seca” demonstra claramente essa tese.
Defender a extensão da norma legal à produção e à comercialização das drogas
não significa fazer apologia de sua utilização. Ao contrário, defender a legalização
faz parte do combate à alienação das drogas, legais ou ilegais. Ao contrário de “dei-
xar rolar”, a extensão da norma legal à produção e comercialização das drogas,
destruindo a base material das quadrilhas que realizam o tráfico, permitirá uma
ação de saúde pública e de educação muito mais eficaz. As pessoas que adquiriram
a doença da dependência química só terão a ganhar com isso. Se no lugar do tráfico
auferindo lucros existir a ação governamental de esclarecimento, educação e saúde,
certamente muitas vidas serão salvas.
n 48o CONGRESSO DA UNE

80
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

NÃO HÁ VAGAS
Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
luz e telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açucar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.

Como não cabe no poema


o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,


está fechado:
“não há vagas”

So cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
n 48o CONGRESSO DA UNE

O poema senhores,
não fede
nem cheira
E a universidade?

81
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

AVALIAÇÃO

Congresso da UNE: uma nova


conjuntura7
Por Rafael Pops*

A polarização política desse Congresso deu-se entre os que fazem oposição ao


governo, os que disputam o governo e os totalmente governistas. Dentre os de opo-
sição ao governo estavam o PSTU, a Corrente Socialista dos Trabalhadores e parte
do Movimento de Esquerda Socialista, bem como setores menos expressivos, como
a Liga Bolchevique Internacionalista, o Partido da Causa Operária, entre outros.
Em toda sua participação no Congresso, este setor defendia que o governo
Lula não estava em disputa, que ele já tinha se tornado um governo de direita e
que a luta do movimento estudantil era em defesa de suas reivindicações históricas.
Alegavam, também, que a UNE estaria governista, acusando setores, tanto do PT
quanto do PCdoB, desta prática.
Dentre o setor que disputa o governo, as principais participações foram da
Articulação de Esquerda, Força Socialista, uma parte do Movimento de Esquerda
Socialista e a Democracia Socialista (DS). Esses setores tiveram uma importante
participação, não só ao polarizar a disputa do governo, mas também ao construir
críticas fundamentadas ao governo.
Dentre os governistas, destacamos a União da Juventude Socialista (UJS/PC-
doB), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Unidade na Luta. O
MR-8 teve participação expressiva nos painéis, sendo o principal grupo a se opor a
CST e ao PSTU. Já a Unidade na Luta teve participação efetiva só na plenária final do
Congresso; poucos de seus militantes participaram nos painéis e grupos.
A UJS/PCdoB teve uma atuação pouco crítica ao governo. Contudo, a parti-
cipação de seus militantes foi muito grande em todo congresso. Nos grupos de
discussões estiveram presentes em massa, não possuindo uma linha unitária, às
vezes até contraditória com que vinham defendendo.
O 48º CONUNE se deu num período importante das lutas de massas, porém,
suas resoluções e apontamentos foram bem aquém do que a conjuntura exige. As
n 48o CONGRESSO DA UNE

posições sobre a reforma da previdência e a greve dos servidores públicos federais


foram tímidas e não armaram a UNE para participar da disputa maior do governo.
As resoluções de educação pouco aprofundam a luta por uma reforma uni-
versitária necessária no país. Não se construiu claramente um calendário de lutas
7. Página 13, n. 27, jul. 2003, p. 13

82
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

para o próximo período; contudo, aprovou-se o dia 8 de julho como dia de luta do
movimento estudantil.
O PCdoB manteve sua hegemonia na UNE por mais dois anos, porém mudan-
ças ocorreram no interior da entidade. De sua chapa participaram o PPS, PDT, MR-8
e PCR. Além desses, fizeram parte da chapa o PTB (companheiro de chapa frequen-
te com a UJS) e o PFL, que nessa estreia teve a possibilidade inclusive de participar
da direção da entidade.
A executiva da UNE foi ampliada, de 11 para 13 diretores, sendo oito do campo
majoritário e cinco da oposição. Leve-se em conta que dentro da oposição existem
duas chapas: a do PT, com quatro diretores; e a do PSTU, com um diretor. Outra
mudança polêmica foi o aumento da proporção de estudantes para tiragem de dele-
gados. No último Congresso, a proporção era de um delegado para 600 estudantes
do curso; agora, foi aprovada a proporção de um delegado por 2000 estudantes no
curso. Isso deve diminuir em 25% o tamanho do Congresso. Essa medida dificul-
ta ainda mais a tiragem de delegados da oposição, pois sua inserção é maior em
grandes universidades, enquanto a UJS possui grande inserção nas pequenas uni-
versidades, nas quais essa proporção não influencia.
O Congresso mostrou um crescimento significativo da participação petista
na UNE. O PT dobrou o número de diretores na executiva da UNE, passando de
dois para quatro. Além de ter polarizado mais abertamente com a atual direção da
entidade.
Devemos reconhecer, porém, que o PCdoB caminha muito à frente do PT, em
termos de organização da juventude. Isso facilita sua estrutura para chegar ao Con-
gresso, diminui sua quebra de delegados e faz com que eles mantenham o controle
da plenária final. O fato de estar na direção do processo facilita, contudo, sua inter-
venção partidária na juventude é mais qualificada e preparada.
Para o próximo período, está posta a árdua tarefa de continuar construindo
a unidade petista na juventude e no movimento estudantil. Nossa bancada estava
convencida dessa política, o que gerou um grau de unidade e afirmação do PT. Por
muitas vezes, fomos a cara e a voz da juventude petista no Congresso. A política
adotada por nossa tese (“Reconquistar a UNE”) sempre deixou claro que somos um
campo petista e impulsionado pela Articulação de Esquerda. Essa clareza da tática
adotada para o Congresso foi importante para nosso crescimento. Em 2001 tínha-
n 48o CONGRESSO DA UNE

mos cerca de 270 delegados, em 2003 tivemos 464 delegados. Crescemos pouco
mais que o Congresso.
Os desafios dessa nova gestão da UNE são gigantes. A comissão de avaliação
institucional do MEC, responsável por construir a nova avaliação das universidades
brasileiras, já está funcionando a todo vapor e a presença da UNE já é cobrada. No

83
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

dia 8 de julho teve início a greve dos servidores públicos federais, que afeta forte-
mente as universidades brasileiras.
Assim como o MST vem fazendo, a UNE deve radicalizar na disputa dos rumos
do governo Lula. Somente com ampla mobilização dos movimentos sociais pode-
remos assegurar um governo de transformações. Sendo assim, essa gestão da UNE
deve estar ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras que iniciam a greve a partir do
dia 8 de julho e deve também participar desse movimento com sua bandeira pró-
pria, que é a reforma universitária.
Cabe à UNE capitanear um amplo movimento de massa pela reforma uni-
versitária, que deve ter um conteúdo democrático, tendo como eixos principais a
ampliação do acesso, a qualidade, a autonomia, a democracia e a ampliação do fi-
nanciamento da universidade pública. Para que isso se consolide é necessária uma
mudança urgente nos rumos da política econômica do governo.
* Vice-presidente da UNE
n 48o CONGRESSO DA UNE

84
49o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 29 de junho a 3 de julho de 2005

TESE

RECONQUISTAR A UNE
PARA A LUTA E PARA OS ESTUDANTES
OPOSIÇÃO

EPÍGRAFE
Pois agora já é 2005. E de novo nos encontramos no planalto goiano. As mes-
mas e outras, os mesmos e outros jovens. Meninas e meninos que não desistiram
ainda ou que acabaram de descobrir. Que a vida é luta. Ontem e agora. Porque o
amanhã espera pelos que lutam.
Nossas armas são poucas. Nossas vozes, nossas ideias, nossos gritos, nossas
almas, nossas pedras. Os inimigos são muito mais fortes e poderosos. Porque domi-
nam a máquina de moer gente. Dominam as fábricas de miséria e morte. O senhor
da guerra continua a sorrir estupidamente, vendo sangue iraquiano todos os dias,
e um pouquinho de sangue do seu povo também. Mas, não importa, ele sabe que
guerras dão dinheiro e movimentam o sistema a fazer milionários.
Já o novo senhor da batina, é mesmo igual ao outro. Não gosta das mulheres,
proíbe camisinha, amaldiçoa o aborto, persegue os iguais que se amam. E ainda é
amigo do senhor da guerra. Difíceis tempos. Acontece que muitos resistem, acon-
tece que resistimos. Sejam os franceses e holandeses que dizem não a uma Europa
dominada pelos ideais do mercado, sejam os palestinos ou iraquianos que não se
curvam nunca à ocupação estrangeira. Sejam os venezuelanos, que vão dia a dia,
construindo uma revolução na América. Ou os bolivianos, derrubando presidentes-
-fantoches e abrindo caminhos para uma América Latina socialista.
É preciso dizer bem alto: lutamos aqui e agora por um país diferente. Radi-
calmente diferente. Estivemos entre os que comemoraram a vitória de alguém dos
de baixo, gente como nós, para ocupar aquela cadeira no Planalto. Mas já faláva-
mos que, sem rebeldia e ruptura, era mais fácil que os tapetes verdes aveludados
seduzissem e domesticassem. Os inimigos sabem quem são e o que querem. Não
mudam de lado nem se esquecem quem representam.

85
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Por isso, para quem achou que um acordo bom era melhor que uma boa briga,
e que se não fizessem o que tinha que ser feito seriam poupados pelos poderosos, a
realidade veio rápida. Os ricos não nos toleram. Sabem que estamos de outro lado e
queremos acabar com a sociedade que permite que vivam assim, como ilhas de luxo
em meio a um mar de miséria e tristeza. Inaugurando Daslus ao lado de favelas.
Fingindo não ver que algo está errado e podre. Que o ar é fétido e não há perfume
importado que esconda isso.
Voltamos então. Para dizer que é preciso ir para as ruas denunciar os inimigos.
Que é preciso ir para as ruas e dizer que superávit primário não é comida, juros
não constroem casas e responsabilidade fiscal é guardar o rico dinheirinho dos
banqueiros.
Aqui estamos para dizer fora. Fora os engravatados palloccis e meireles e jucás,
fora os tucanos escondidos num governo que não é deles, fora a mídia raivosa, fora
os tucanos pefelistas e neoliberais de todos os tipos que se riem e se divertem, com
saudades de efeagá, com saudades de voltar a dominar tudinho de novo, de viver
naqueles tempos cínicos de pensamento único.
É hora de reagir. De levantar nossas bandeiras rotas. De dizer que a reforma
universitária que queremos é para criar milhões de vagas em universidades públi-
cas, não em supermercados de diplomas. A hora é de gritar por mais democracia
nas universidades. Por mais conteúdo social, mais crítica e mais responsabilidade
de nossas faculdades com os de baixo.
Assim, por isso, nos encontramos de novo no planalto goiano. Apreensivos,
mas com grandes esperanças. Porque o peito arde de vontade de berrar e denun-
ciar o que está errado. Porque as ruas, com pressa, nos chamam para a luta. Porque
queremos derrubar os moinhos da hipocrisia e construir o novo.
De mãos dadas, de peito aberto, de espinha ereta. Com o coração cheio de
vontade. Quixotes do novo século. Mulheres e homens. Colocando alguns tijolos
para construir um mundo novo e melhor. Sem opressão, sem miséria, sem hipocri-
sia. Mundo da igualdade e do respeito à diversidade. Um mundo socialista.
Gritamos então.
Todos ao 49º Congresso da União Nacional dos Estudantes.
Boa luta para todos nós!

CONJUNTURA
n 49o CONGRESSO DA UNE

Novos ventos pela América Latina!


A política intervencionista de George W. Bush demonstra que o “xerife” do
mundo está cada vez mais fortalecido e não poupará forças para manter sua domi-
nação política, econômica e militar. A América Latina permanece um dos principais

86
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

alvos de Bush Filho. Essa predileção não só desperta a indignação dos povos latino-
-americanos, mas também fortes resistências.
A Venezuela de Chavez é considerada abertamente um inimigo pelo governo
norte-americano; no Uruguai, o povo elegeu um presidente apoiado pelo campo
democrático popular, Tabaré Vasquez; no México, o PRI, o partido centenário das
elites, sofre um enfraquecimento nunca visto; na Argentina, o governo Kirchner
mantém uma política de enfrentamento ao capital financeiro e ao FMI; no Equador,
Lucio Gutierres, presidente eleito pelo movimento indígena e sindical, foi depos-
to depois de ter perdido o apoio popular, uma vez que manteve uma política de
cunho neoliberal; na Bolívia, mais um presidente destituído.
É inegável o fato de que a eleição de Lula em 2002 foi importante para o avanço
das forças populares na América Latina. Muitas atitudes do governo estão potencia-
lizando a formação de um novo bloco latino-americano. Todavia, não podemos
dizer que esses novos ventos sopram com a mesma intensidade internamente.

É preciso mudar a rota no Brasil!


Já em terra brasilis, os anos 90 foram marcados pela hegemonia neoliberal
tucana. Foram anos de consecutivas privatizações e aprofundamento da política
do Estado mínimo. Na educação, as universidades públicas foram cada vez mais su-
cateadas e restaram indefesas frente à privatização pela carência de financiamento
público.
Em 2002, o povo votou pela mudança e elegeu Lula Presidente, ansioso por
um projeto político voltado para as reais necessidades da classe trabalhadora, não
mais subserviente aos interesses particulares e do capital financeiro. De fato, o
grande derrotado nesta eleição foi o modelo neoliberal – radicalizado por FHC.
Da eleição até hoje, prevaleceu a ideia de que o governo, frente à difícil situ-
ação encontrada, deveria operar uma “transição” lenta, segura e principalmente
gradual em direção a um outro modelo. Nesse mesmo período, prevaleceu, tam-
bém, a lógica da “governabilidade” a todo custo, que foi assentada mais em acordos
com o empresariado e com partidos de centro e direito, do que na mobilização po-
lítica e social das camadas populares.
Desta maneira, o que assistimos até agora foi a manutenção da agenda econô-
mica conservadora herdada de FHC, ovacionada pela grande mídia (Rede Globo),
pelos órgãos financeiros internacionais e pelo próprio bloco de oposição ao go-
n 49o CONGRESSO DA UNE

verno (PSDB/PFL). Basicamente, a continuidade da combinação de juros altos e


superávit fiscal primário exorbitante, resultam na inviabilidade de políticas sociais
que, de fato, atendam as demandas sociais, e reafirma a dependência do país em
relação ao mercado financeiro. Sem dúvida, a atual política econômica é o principal
obstáculo para o cumprimento das mudanças para as quais Lula foi eleito.

87
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Como resultado desta opção política, assistimos a uma contínua corrosão da


base de apoio do governo, dos setores populares aos setores médios e, inclusive,
junto a setores do empresariado. Corrosão que fica clara nas pesquisas de opinião
e no desencanto de setores crescentes da população. Ao mesmo tempo, essa po-
lítica abre espaço para uma ofensiva da direita, que vem derrotando o governo
seguidamente, como nas eleições 2004 e na eleição da Presidência da Câmara dos
Deputados. Isso mostra que a direita brasileira não está disposta a “terceirizar” a
implementação do modelo neoliberal e se arma para 2006.

Contra a corrupção e o golpismo da direita: a saída do governo


tem que ser pela esquerda!

Em 2003, logo após a eleição de Lula (quando o governo gozava de uma alta
popularidade), uma parte do governo avaliou que a direita e a elite brasileira esta-
vam moribundas. Na verdade, o que esse setor fazia era acumular forças e esperar
o momento de “dar o bote”. Por mais concessões que o governo faça, eles não es-
tão dispostos a abrir mão do poder central. O primeiro ataque foi no começo de
2004, com o caso Waldomiro, seguido pela derrota política nas eleições de 2004 e,
depois, na eleição de Severino Cavalcanti. Sem dúvida, nesse mês de junho chega-
mos ao ponto alto dos ataques da direita frente ao governo, que tenta de todas as
forças desestabilizar o governo. É preciso dizer que nenhuma denúncia do depu-
tado ROUBerto Jefferson foi comprovada, menos aquela que envolve ele mesmo.
Além de se afastar de sua base social histórica, o governo Lula vem optando em
construir uma maioria a todo custo negociada com partidos fisiológicos, ou seja,
com “os 300 picaretas com anel de doutor”. A questão é: para que nos serve essa
maioria? Essa maioria aprovaria um projeto avançado de reforma universitária? Essa
não foi a mesma maioria que mudou tanto o ProUni? Não é essa a turma que tenta
criminalizar o MST na CPMI da Terra? Não foi essa maioria que elegeu Severino?
Temos acordo na avaliação de que o governo está em disputa, mas quando esta
se dá simplesmente no parlamento burguês nós somos derrotados, pois quando
temos que negociar com Severino e seus picaretas surgem os esquemas de corrup-
ção. Quando a direita participa do governo com cargos estratégicos, os esquemas
de corrupção são mantidos. Ou seja, quem anda com cachorro corre o risco de
pegar pulga!
n 49o CONGRESSO DA UNE

É como se fosse um jogo de futebol: de um lado o time da direita e da elite


brasileira e do outro o nosso time do campo democrático e popular, mas no nosso
time tem gente jogando com a direita e fazendo gol contra. Não podemos deixar de
dizer que esse jogo tem nome: LUTA DE CLASSES!

88
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

O problema central é que precisamos mudar o campo de disputa do gover-


no: o parlamento é a casa da direita, das elites e dos banqueiros. Nosso lugar é nas
ruas, nas praças, nas universidades, nas escolas, nas portas de fábrica, nos bairros.
O governo tem a função de mostrar com clareza para a base social que o ele-
geu sinais de avanços para a esquerda. Para isso, é fundamental a formação de uma
nova maioria política e social baseada nos partidos de esquerda e nos movimentos
sociais, para efetivar uma correção de rota.
Nesse momento, além das mudanças necessárias, é indispensável que seja re-
alizado um rigoroso processo de investigação, liderado pelos órgãos competentes
como a Polícia Federal, o Ministério Público, a Justiça e com a instalação de CPI para
que sejam esclarecidas as denúncias, permitindo assim que todas as providencias
sejam tomadas.
- CPI com apuração real das denúncias e não um palco para a direita;
- Mudar a política econômica;
- Mudança na tática de governabilidade;
- Cadeia para todos os envolvidos nos esquemas de corrupção.
O tempo não para e as ruas têm pressa!
A atuação dos movimentos sociais, a partir de agora, deve ter seu eixo cen-
tral na mudança de rumos imediata do governo. Este deve adotar uma política de
alianças baseada na esquerda e nos movimentos sociais, na mudança na política
econômica com aumento dos investimentos sociais, na exigência da retirada da
burguesia e de seus interesses no governo, na recusa da ALCA, na suspensão e au-
ditoria da dívida externa, com a democratização dos meios de comunicação e na
implementação de uma reforma agrária nos moldes do MST.
Só a mobilização social pode pressionar o governo a cumprir as reivindicações
históricas dos movimentos sociais. Estes devem manter a sua autonomia e seu ca-
ráter reivindicatório, intensificando, assim, a luta por outra política econômica que
permita o atendimento às suas bandeiras.
Por isso, devemos tomar as ruas do país, e não podemos titubear em denun-
ciar de maneira clara as atuais opções adotadas pelo governo federal, exigindo as
mudanças necessárias para a maioria da população brasileira. O tempo não para e
as ruas têm pressa! Vamos à luta para mudar os rumos do governo Lula!
- Mudança imediata da política econômica: Fora Palocci e Henrique Meirelles e toda
a equipe econômica ligada ao pensamento neoliberal!
n 49o CONGRESSO DA UNE

- Não à autonomia do Banco Central; por um Banco Central autônomo em relação


ao capital financeiro!
- Suspensão do pagamento da dívida externa, auditoria já!
- Não à ALCA; a favor da integração soberana da América Latina!
- Fim do Superávit Primário e redução dos juros;

89
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Reforma agrária e urbana já!


- Não à reforma sindical! Pela retirada da PEC 369;
- Prisão e cassação de todos os envolvidos em corrupção!

EDUCAÇÃO

Universidade pública: luta história pela sua defesa


Os longos anos 90 na universidade brasileira foram de ataque direto ao ensino
público e favorecimento da iniciativa privada. O chamado “Consenso de Washin-
gton” orientou a implementação da cartilha neoliberal nos chamados países “em
desenvolvimento”, através do Estado mínimo para os investimentos sociais – e má-
ximo para os bancos, para o agronegócio e para o sistema financeiro, através dos
governos Collor, Itamar e FHC.
Esse período foi marcado pela expansão exorbitante do ensino privado no
país, chegando a atingir mais de 80% das matrículas do ensino superior. O patrocí-
nio do BNDES às investidas da iniciativa privada e um amplo e radical processo de
sucateamento sangraram a universidade pública, através de corte de verbas. Foi por
isso que realizamos grandes greves, como as de 1998 e de 2001, que conseguiram
algumas vitórias, ainda que insuficientes.
O movimento de educação sempre lutou por uma universidade pública,
gratuita, laica e de qualidade referenciada socialmente. Essa luta sempre esteve
acompanhada de a necessidade da universidade brasileira desempenhar um papel
estratégico na soberania do país. A garantia de sua autonomia para a produção de
ciência e tecnologia para o interesse da grande maioria da população é elemento
essencial.
O combate aos interesses privados e escusos dentro da universidade pública
foi acompanhado de um amplo processo de mobilização e luta que produziu o
“Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira”, que sistemati-
zou medidas profundas de recuperação e expansão do ensino público. Esse plano,
aprovado no Congresso Nacional em 2001, sofreu vários vetos do governo FHC.
Os setores que resistiram ao desmonte da educação pública fizeram uma apos-
n 49o CONGRESSO DA UNE

ta em 2002. Nas universidades brasileiras a candidatura Lula tinha mais de 80% de


apoio. O programa “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, apesar de fazer parte do
rebaixamento programático perpetuado pelo campo moderado do PT nos últimos
anos, tinha como eixo o fortalecimento do ensino público, a reversão do modelo
neoliberal e atendia boa parte das reivindicações do movimento social de educação.

90
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Universidades pagas: combater os tubarões do ensino


Se é verdade que mais de 80% das matrículas no ensino superior se dão nas
instituições privadas, é necessário que o movimento estudantil tenha uma pauta de
luta para os estudantes dessas instituições. São necessárias inúmeras medidas que
visem a regulamentação desse setor, que entendam educação como um direito e
não como mercadoria e que estejam em sintonia com a universalização do ensino
público e gratuito.
Essa não é uma batalha fácil. A educação privada é o terceiro setor que mais
lucrar no mercado brasileiro, por conta das verdadeiras fábricas de diplomas. As
chamadas filantrópicas, comunitárias, têm a obrigação de garantir 20% de seu lucro
em ações sociais, como bolsas, atividades comunitárias etc. Mas o que ocorre é um
“festival” de medidas que têm pouco de social e que acabam justificando a “pilan-
tropia” dessas universidades.
Como resultado de anos de privatização e elitização do ensino, grande parte
da juventude brasileira está à margem do ensino superior. O governo se aproveitou
dessa exclusão e usou o caráter populista do ProUni para buscar apoio a esse pro-
grama. Não podemos deixar de fazer o debate fraterno com os estudantes sobre a
questão central do ProUni, que estabeleceu uma lógica de que qualquer coisa serve
para os cerca de 100 mil estudantes que entraram por esse mecanismo, e que ga-
rante o desvio de verbas públicas e legalização dos lucros de muitas universidades.
É necessário ainda o fim do FIES (Financiamento Estudantil), pois este, além
de vir de verbas públicas, acaba por endividar o recém-formado, favorecendo ape-
nas os bancos, que cobram juros exorbitantes. É possível cobrar taxas dos donos
de escolas pagas e, com elas, custear o ensino de quem não consegue vagas em
universidades públicas. Acreditamos que outras medidas devem ser adotadas para
solucionar o problema dos estudantes das pagas, como a exigência de bolsas vin-
culadas aos lucros dessas universidades. É preciso garantir um novo tipo de crédito
educativo que beneficie o estudante – não a instituição, com verbas oriundas de
fundos não públicos, como depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central.
É urgente uma nova lei de mensalidades que regule os sucessivos aumentos
abusivos de mensalidades e que assegure a não punição do estudante inadimplen-
te, pois o acesso à educação é um direito. Ainda, é fundamental combater os cursos
sequenciais nas privadas e reivindicar qualidade na educação com a indissociabili-
dade entre ensino, pesquisa e extensão.
n 49o CONGRESSO DA UNE

Todas essas lutas têm caráter emergencial, pois visam garantir a permanên-
cia na escola. É preciso lutar incessantemente pela ampliação do acesso às atuais
universidades públicas (com a criação de novas vagas, principalmente em cursos
noturnos), além da criação de mais universidades para as regiões mais necessitadas
do país.

91
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A reforma universitária em curso!


Para o movimento social da educação, essa reforma deveria passar pela
recomposição de perdas do período neoliberal e pela necessidade de mudar pro-
fundamente as estruturas da universidade. Contudo, o que assistimos no primeiro
ano de governo foram as opções de continuidade prevalecendo sobre as mudanças.
Já no final de 2003 ficou claro que, no atual panorama, a política econômica
e de alianças eram um entrave para se iniciar qualquer processo de reforma pro-
gressista, e qualquer tentativa de transformação acabaria em mero ajuste neoliberal.
Dessa maneira, percebemos que o centro da ação do movimento estudantil deveria
ser a luta pelo atendimento das reivindicações históricas e a ênfase na recompo-
sição de perdas, ou seja, um plano emergencial para as universidades públicas
brasileiras.
Porém, assistimos a aprovação de medidas polêmicas e que favoreciam aos
tubarões de ensino, como o ProUni e a Lei de Inovação Tecnológica. O ProUni usa
uma pauta justa que é a ampliação do acesso ao ensino superior para legitimar um
programa de transferência de verba pública para o setor privado. A Lei de Inovação
radicaliza o processo de privatização da pesquisa nas universidades públicas.
Essas medidas caminham na contramão da reforma universitária que o ME
sempre defendeu e, por isso, não podíamos ficar calados!

Reforma universitária: 2ª versão do anteprojeto de lei-orgânica


No dia 30 de maio, o MEC lançou a segunda versão do anteprojeto de Lei Or-
gânica para as Universidades Brasileiras. Mais uma vez, optou em fazer o debate
separado com as entidades e envio de sugestões ao invés de promover um processo
verdadeiro de democracia participativa. Isso gera consequências óbvias no conte-
údo do projeto, pois o poder de pressão dos tubarões de ensino é muito maior na
institucionalidade.
Em linhas gerais, o projeto segue o mesmo modelo do anterior, contém algu-
mas mudanças significativas, mas ainda limitadas. Sem dúvida, acataram algumas
reivindicações do ME, mas cederam muito mais para os tubarões.
Assim centralmente, o projeto busca alguma forma de regulamentação do mo-
delo anterior, mas aceita e, às vezes, amplia a política anterior. Contudo, o projeto
incorpora parte das pautas do movimento, que se perdem em meio aos demais
pontos. Desta maneira, podemos definir o projeto como sendo conservador, mas
n 49o CONGRESSO DA UNE

tendo algumas inflexões progressistas conquistadas pelas mobilizações.


Desta forma, temos um panorama em que o conteúdo do anteprojeto não
unifica o movimento social para sua defesa; opções gerais do governo que não fa-
vorecem o sucesso de seus pontos positivos; e um Congresso Nacional dirigido por
Severino Cavalcanti. Nesse cenário, é preciso que o governo interrompa essa refor-

92
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ma universitária, não envie o projeto ao Congresso Nacional, encaminhe parte dos


pontos positivos do anteprojeto por medidas do Executivo e realize uma Conferên-
cia Nacional de educação para tirar as diretrizes de ação do MEC.

Pare essa reforma universitária! Não ao envio da lei orgânica ao


Congresso Nacional

O aprofundamento do refluxo dos movimentos sociais, consequência das


alianças estapafúrdias e da opção conservadora do governo e a manutenção da
atual política econômica tornam cada vez mais distante a possibilidade de con-
cessões que favoreçam a maioria da população. Além disso, a divisão em que se
encontram os movimentos sociais quando o assunto é a reforma universitária nos
mantém engessados perante uma conjuntura desfavorável, com o inimigo cada vez
mais fortalecido. Resumindo: é bastante improvável inverter a correlação de forças
e colocar em pauta um projeto afinado com as bandeiras históricas do movimento
social da educação.
Portanto, nesse ambiente de instabilidade política, seria um suicídio político
apoiarmos o envio ao Congresso de qualquer proposta de reforma universitária,
independe de seu mérito, pois seu resultado final estará mais próximo das pautas
da elite brasileira do que da demanda da maioria do povo brasileiro. Devemos de-
cretar uma moratória tática para a reforma universitária, exigir que o governo pare
esse processo de reforma universitária e não envie o anteprojeto ao Congresso Na-
cional. Apenas com a mudança da opção política do governo, dos rumos da política
econômica poderemos retomar a luta por uma reforma na universidade brasileira
que nos contemple.
É preciso que o governo use sua força político-social para deslocar a correla-
ção de forças para a esquerda e garantir melhorias na educação brasileira. Isso quer
dizer encaminhar um plano emergencial para a educação superior que acelere a
ampliação do número de universidades, que aumente de maneira radical o acesso
ao ensino público, crie uma rubrica específica para assistência estudantil, reverta o
processo de financiamento privado nas universidades públicas e aumente de ma-
neira significativa o controle sobre o ensino público privado. Essas seriam medidas
que permitiriam a reaproximação do governo com sua base social e prepararia ter-
reno para enfrentar os tubarões do ensino superior.
n 49o CONGRESSO DA UNE

Além disso, a realização de uma Conferência Nacional de Educação Superior é


de grande importância. Nesse processo, poderíamos definir quais as ações prioritá-
rias do governo e iniciarmos um processo que possa reverter o atual quadro. Essa
iniciativa deve ter hegemonia da sociedade civil e do movimento de educação, para
que possa servir como alavanca de impulso para os movimentos sociais.

93
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Pare essa Reforma universitária! Não ao envio do anteprojeto ao Congresso


Nacional;
- Por uma Conferência Nacional de Educação;
- Derrubada dos vetos do PNE;
- 7% do PIB para a educação;
Universidades públicas
- Verba de 1 bilhão para expansão das universidades públicas e de 1 bilhão para cus-
teio das universidades públicas;
- Contratação imediata de professores e funcionários;
- Retirada da DRU da educação;
- Plano Nacional de Assistência Estudantil com rubrica própria, recuperação dos
restaurantes universitários e moradias estudantis;
- Paridade Já! Eleições de dirigentes e composição dos conselhos de forma paritária;
- Expansão de 40% nas vagas presenciais das públicas até 2011;
- Abertura de cursos noturnos em todos os cursos oferecidos pelas IFES;
- Gratuidade em todos os níveis;
- Pelo fim dos cursos pagos e sequenciais na universidade pública;
- Não ao ensino à distância como meio de mercantilização do ensino e único meio
de formação;
- Ampliação e reajuste do PET para outros cursos;
- Cotas raciais e sociais por curso e turno;
Universidades pagas
- Não à mercantilização do ensino;
- Verbas públicas, somente para a educação pública;
- Pela revogação do ProUni; pela ocupação de vagas ociosas nas universidades pri-
vadas sem ônus ao Estado;
- Transferência dos estudantes do ProUni para as universidades públicas;
- Por bolsas concedidas pelos lucros das universidades privadas;
- Pelo fim do FIES. Empréstimo bancário não dá!
- Redução de mensalidade já!
- Inadimplência não é crime. Pelo direito ao acesso e permanência nas universidades;
- Pela abertura dos livros caixas, publicação da planilha de custos;
n 49o CONGRESSO DA UNE

- Pelo fim dos cursos de dois anos; pela qualidade do ensino;


- Por uma nova lei de mensalidades;
- Lutar pela proibição de financiamento de campanhas eleitorais por parte das man-
tenedoras de universidades privadas;
- Pela restrição do capital estrangeiro na universidade;

94
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Garantia de liberdade para organização sindical e estudantil e espaço físico para


DAs, CAs, DCEs, UEEs;
- Estatização das universidades comunitárias.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

O papel do movimento estudantil


Uma das perguntas mais frequentes hoje em dia, feita pela maioria da mi-
litância estudantil é: como esse movimento, que já protagonizou tantas batalhas
históricas, pode hoje ter um papel secundário? Um diagnóstico sério sobre o ME é
necessário, para não cairmos no espontaneísmo e no vanguardismo. Recolocar o
ME à frente das grandes lutas da educação e ao lado da classe trabalhadora é nossa
tarefa. Urgente e necessária. Sempre atual.
Os estudantes são uma categoria social que possui suas particularidades. A
primeira delas é de ser policlassista, ou seja, existem dentre os estudantes, grupos
de todas as classes sociais. A segunda é a sua transitoriedade, ninguém é estudante
para sempre. Essas características são fundamentais para debatermos e entender-
mos a ação do ME como movimento social.
Dessa forma, o ME não possui uma origem (e uma formação) classista que o
coloque no centro da luta de classes, o que traz e impõe limites à organização es-
tudantil. É por isso que o movimento estudantil deve produzir maneiras próprias
de organização.
Acreditamos que o ME deva ser de massas, onde todos os estudantes possam
propor e construir o movimento. Contudo, não abrimos mão das nossas posições e
opções. Acreditamos na luta de classes e frente a ela, temos lado: o dos trabalhado-
res(as). Disputaremos essa posição política em todos os espaços do ME e queremos
vê-lo nas ruas e nas lutas com demais movimentos populares.
Sendo assim, o ME deve se aliar aos trabalhadores e aos oprimidos. Deve ser
aliado do MST pela reforma agrária, do movimento sindical na defesa dos direitos
trabalhistas e sindicais, como os demais movimentos e entidades populares devem
se nossos aliados na luta pela educação pública e gratuita. O ME não pode se fechar
dentro das universidades, mas não pode se esquecer das lutas específicas, pois é
através da luta naquele espaço que este pode se inserir nas lutas gerais.
Quanto à transitoriedade, esta faz com que o movimento seja marcado por
n 49o CONGRESSO DA UNE

uma extrema dificuldade na transmissão de sua história, seus métodos de organi-


zação, suas pautas etc. Desta maneira, muitos saem da universidade sem conseguir
transmitir o acúmulo adquirido em seus anos de atuação.
Essas duas características acima levam o ME para uma terceira particularidade,
a conjuntural. O ME vem sendo determinado pela conjuntura e pouco consegue

95
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

intervir e atuar nela para alcançar seus objetivos, como outros movimentos sociais
fazem. Ou seja, se a conjuntura é favorável às mobilizações, o Me pode mobilizar.
Se não, ele tem pouca capacidade de sair do refluxo.
Hoje, isso torna o ME refém da realidade, dificultando que ele seja um dos
sujeitos dela. Contudo, este problema pode ser superado com uma eficaz pauta e
uma (re)organização das entidades estudantis, principalmente no que diz respeito
a combater a falta de transmissão de sua história e experiência entre as gerações e
as direções do movimento estudantil.
Um diagnóstico atual do movimento estudantil
Que fatores perversos são esses, que fazem hoje as entidades nacionais, pa-
trimônios da história, viverem uma crise que há muito deixou de ser uma crise de
representatividade, chegando a ser uma crise de legitimidade?
Os estudantes não só não veem seus interesses representados, como a maio-
ria não sabe o que é a UNE enquanto sua entidade, e instrumentos coletivos de
organização. Muitos acham que as entidades estudantis e o movimento como um
todo são propriedade de alguns, “os que mexem com política” ou “os estudantes
profissionais” e que, portanto, não devem se aproximar nem se envolver, já que
não é coisa sua.
Mas, qual é o diagnóstico dessa crise? Ou melhor, que fatores determinam essa
crise? Atribuímos, então, à crise, quatro fatores centrais:
1.  a transitoriedade própria do ME;
2.  a conjuntura desfavorável à organização coletiva;
3.  a estrutura anacrônica, verticalizada, centralizada e burocrática; e
4.  a sua atual direção imobilista e antidemocrática.
1. Já falamos que o ME possui características próprias como a transitoriedade.
A falta de políticas de transmissão da experiência no ME é sem dúvida um dos maio-
res obstáculos de nossa organização. Buscar uma prática de um ciclo virtuoso que
consiga formar novos quadros e dar um caráter mais contínuo à organização estu-
dantil é fundamental para enfrentarmos a conjuntura desfavorável aos movimentos
sociais e dar um salto importante pra organização do ME
2. Vivemos em um período de grande hegemonia das elites dominantes. A
criminalização dos movimentos sociais, as barreiras legais impostas para sua orga-
nização e o avanço de uma ideologia individualista e consumista são parte dessa
hegemonia que busca impedir as organizações sociais. O ME, assim como os demais
n 49o CONGRESSO DA UNE

movimentos, sofre com esses ataques, fica em uma postura defensiva e vive um
período de refluxo de suas mobilizações. É preciso criar mecanismo para enfrentar-
mos essa conjuntura e impulsionar um novo período de lutas sociais.
3. As estruturas do ME pouco evoluíram desde o surgimento de suas entida-
des. Reproduzimos desde então a lógica de organização sindical que remonta aos

96
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

anos 50. Superar a condição de uma direção encastelada nas entidades que se resu-
me a indicar política para a base para mecanismos democráticos que permitam uma
construção coletiva nas entidades está na ordem do dia. Para isso, aderir a gestão
por coordenadorias, a formação de coletivos e grupos de trabalhos plurais, a práti-
ca do planejamento, a periodicidade dos fóruns e uma comunicação dinâmica são
condições iniciais de mudança das estruturas atuais.
4. A análise mais profunda da crise de estrutura nos leva ao último diagnósti-
co da crise: a atual direção majoritária da UNE e hegemônica no movimento (UJS/
PCdoB). A prioridade é manter o aparelho antes mesmo da própria mobilização
estudantil. Desta maneira, a direção majoritária permanece encastelada e pouco faz
pra mudar e transformar o ME. Desmonta os fóruns do ME e distancia cada vez mais
a UNE de sua base social. Sem dúvida, essa direção é um entrave para mudanças
mais profundas no ME. É urgente uma nova prática e direção para a União Nacional
dos Estudantes e para o movimento estudantil.

UNE 2003-05: um abalanço necessário!


Chegamos a mais um Congresso da UNE e a situação de apatia e autoritarismo
em nossa entidade se aprofundou durante essa gestão. O desrespeito aos fóruns, o
esvaziamento político dos debates no interior da entidade, o “aniversário” de sete
anos sem a realização de um conselho de entidades de base, a centralização das
decisões e construções da entidade são marcas da política de sua direção majoritá-
ria, UJS/PCdoB, que se apresenta no 49º CONUNE com o nome “Na Pressão pelas
Mudanças”. Contudo, a situação se agravou no último período com o atrelamento
à pauta do governo e a “institucionalização” da entidade.
No ano passado, a situação se aproximou do caos com o adiamento do 53º
CONEG e com a convocação desse conselho para agosto, no meio do período elei-
toral, logo após os encontros de área e do recesso da maioria das universidades.
As reuniões da entidade praticamente não aconteceram. Convocadas de última
hora, muitas vezes, não conseguem cumprir a necessidade da pauta do movimento
estudantil e inviabilizaram a presença de grande parte da diretoria. \a executiva da
UNE pouco se reuniu. Isso leva a entidade a perder seu papel protagonista em in-
tervir na conjuntura e assumir, meramente, um papel coadjuvante.

A institucionalização da UNE
n 49o CONGRESSO DA UNE

Por diversas vezes, a direção majoritária da UNE abriu mão do papel reivin-
dicatório da entidade para assumir um papel de ONG de ação social. Por outras,
assumiu parcerias com setores conservadores e atrasados da sociedade que histori-
camente são combatidos pelo movimento social brasileiro, como a Rede Globo. O
pior é que, agora, servem de base de sustentação do ministro Tarso Genro.

97
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

O autofinanciamento do ME é condição fundamental para garantir a autono-


mia do movimento. É certo que assumir algumas parcerias com o poder público
para algumas atividades é legítimo. Contudo, assumir essa parceria para somente
defender a posição do governo federal é atrelar a entidade ao mesmo. A direção
majoritária vem usando a UNE inúmeras vezes para se inserir ou defender a pauta
do governo. O acriticismo é nítido!
Uma dessas atitudes foi o projeto Rondon, instrumento usado pela ditadura
militar para buscar cooptar os estudantes, principal foco de resistência à ditadura,
para defender o regime. Independente de qual seja o governo, é um absurdo o uso
da máquina pública para buscar cooptar o movimento social e atrelá-lo ao governo.
Desde que a discussão desse projeto foi lançada, a direção majoritária da UNE levou
a entidade a defender “cegamente” essa iniciativa, sem nem mesmo criticar o anti-
go nome! O movimento estudantil se transformou numa “ONG”, responsável por
propagandear e arregimentar os estudantes a participarem do projeto. Sem dúvida,
não é esse o papel que a UNE deve cumprir frente ao governo federal.
No debate da reforma universitária, a UJS/PCdoB omitiu, na maioria das ve-
zes, o caráter privatista das propostas do governo no movimento. Essa política
contribuiu para paralisar o movimento estudantil, evitando as mobilizações e o
enfrentamento necessário para o momento, deixando a UNE fora das ruas e das
mobilizações. Essa atitude teve seu ponto alto durante a Caravana da UNE. Nesse
evento, nem mesmo os campos de oposição que tinha posições críticas podiam de-
fendê-las nas mesas.
A Bienal da UNE sela uma polêmica aliança entre a direção majoritária da UNE
e a Rede Globo. Além da falta de democracia interna em sua construção, a opção
foi colocar o maior símbolo da desqualificação cultural e do monopólio das comu-
nicações no país como o principal parceiro de um evento que deveria fortalecer a
resistência da cultura popular e combater a cultura massificada. A Rede Globo é
um dos maiores inimigos da luta dos movimentos sociais pela democratização da
comunicação e suas histórias são conhecidas na manipulação da opinião pública,
como na eleição presidencial de 1989.
Outro debate necessário é sobre as carteiras estudantis. Nós defendemos o di-
reito à meia-entrada, além de uma forma de unificar as carteiras em nível nacional.
Demos uma batalha contra a atitude do ex-ministro da educação, Paulo Renato,
n 49o CONGRESSO DA UNE

que editou uma Medida Provisória que atacava o movimento estudantil e acabava
com a meia-entrada. Da mesma maneira, repudiamos setores da sociedade que
criam entidades fantasmas e cartoriais para fazer carteiras e extorquir o dinheiro
dos estudantes. Essa é uma luta que o movimento estudantil deve travar de manei-
ra unitária.

98
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Contudo, a direção majoritária vem tomando atitudes inaceitáveis. Median-


te todos esses ataques, é evidente que a arrecadação da UNE diminuiu. Mas, para
tentar contornar essa crise, vem buscando parcerias com as mantenedoras das
instituições privadas! Inúmeras universidades privadas vêm transformando suas
carteiras na carteira da UNE e tendo direito, inclusive, de propagandear seus logos
na carteira ou usando o logo da UNE para sua propaganda. Desta maneira, eles
atrelam a carteira da entidade à direção dessas instituições que atacam a livre orga-
nização do ME. A carteira da UNE deve ser uma opção dos estudantes e não uma
imposição das autoritárias direções das universidades privadas.
Sem dúvida, não é ao lado de nossos inimigos que queremos ver a UNE. Ou
mesmo atrelada ao governo federal. Defendemos que a UNE tenha papel ativo nas
mobilizações sociais, nas ruas lutando contra o monopólio das telecomunicações,
contra o capital financeiro, contra os tubarões de ensino e ao lado daqueles que
são nossos aliados. Não podemos admitir esse processo de “institucionalização” da
UNE. Portanto, é urgente que todas as entidades estudantis participem do proces-
so do Congresso da UNE para lutar e mudar os rumos de nossa entidade nacional.

Uma alternativa para a UNE e o ME


Neste sentido, achamos que a primeira tarefa daqueles que querem mudar o
ME é derrotar a atual direção majoritária, porque ela se tornou um empecilho para
o avanço e organização do ME. Mas, sem a politização do conjunto dos estudantes
e o seu envolvimento no movimento estudantil através da organização das entida-
des de base e gerais, nada mudará no ME. Além disso, não basta derrotar a direção
majoritária por si só. É fundamental ter um programa que apresente propostas con-
cretas para a superação das debilidades do movimento e aponte uma perspectiva
de luta e reivindicações.
Por isso, nós da Reconquistar a UNE propomos algumas ações:
Programa de democratização da UNE
Hoje, para democratizar a UNE, é necessário um conjunto de ações em várias
frentes, para que, de fato, a entidade se democratize e esteja mais perto do cotidia-
no dos estudantes.
Ação na estrutura organizativa da UNE
A UNE precisa mudar efetivamente suas estruturas para que ela seja dinâmica,
n 49o CONGRESSO DA UNE

democrática e mais representativa. Atualmente, as estruturas da UNE são arcaicas,


verticalizadas, centralizadas, burocratizadas e, portanto, antidemocráticas. Por isso,
propomos:
- Realização de um seminário nacional de organização do movimento estudantil,
que apresente um projeto de reestruturação da UNE e reforma do seu estatuto;

99
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Definição da periodicidade dos fóruns da UNE, a começar pelas reuniões da di-


retoria ampliada e executiva. Periodicidade do CONEG e CONEB (o movimento
estudantil brasileiro não pode ficar à mercê da vontade da direção majoritária, é
preciso tradicionalizar algumas datas que garantam com ampla antecedência a or-
ganização para participar dos fóruns);
- Fim da Presidência da UNE! Pela criação da Coordenação Geral e a organização da
diretoria em coordenadorias;
- Exclusão das empresas privadas na confecção das carteiras estudantis! Descentra-
lização da emissão, através das entidades estudantis, com a manutenção do caráter
nacional através do selo da UNE;
- Controle da movimentação financeira da UNE com orçamento elaborado por uma
comissão de entidades e aprovado no CONEG;
-Montar grupos temáticos que subsidiem o trabalho político da entidade;
- Por um seminário de cultura democrático que tenha participação de todos os cam-
pos do ME e das entidades de base e gerais.
Ação na política de comunicação da UNE
Uma política de comunicação para a UNE tem que ter as seguintes
características:
1.  Democrática e participativa;
2.  Ágil, dinâmica e atualizada;
3.  Massiva e que atinja a maior parte dos estudantes;
4.  Ser não só informativa, mas também formativa.
Nesta gestão, a (ausência de) política de comunicação levou a entidade ao
pouco fluxo de troca de informações com as entidades gerais e de base. Isto isola a
entidade, despotencializa suas ações e mobilizações, além de desgastá-la.
- Criar um jornal de circulação nacional, aberto a todas as opiniões do movimento
estudantil (se a UNE é a favor da democratização dos meios de comunicação, como
ela pode aceitar o monopólio dos seus meios de comunicação por apenas uma for-
ma política?);
- Estruturar um conselho editorial dos meios de comunicação da UNE que tenha
composição plural e proporcional;
- Intensificar as visitas dos direitos da UNE nas universidades, com agendas previa-
n 49o CONGRESSO DA UNE

mente organizadas e divulgadas, de forma que as entidades de base e gerais possam


preparar debates e passagens em salas de aula;
- Aprovar no início de cada gestão o Plano de Visitas de forma que os diretores da
UNE visitem todas ou quase todas as universidades do país (assim diminuindo o
distanciamento da UNE e de seus diretores da realidade cotidiana dos estudantes).

100
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Organizar a ação política e reivindicatória da UNE


Para que o ME e a UNE superem a condição de reféns da conjuntura é preciso
organizar coletivamente nossa pauta de reivindicações, dando a ela ampla divulga-
ção. Isso é condição fundamental para ampliarmos o caráter combativo e de luta do
ME e sem dúvida ampliarmos nossas vitórias. Por isso, propomos:
- Elaborar a agenda política da UNE com os principais projetos, leis e medidas de
interesse do movimento estudantil que estão em tramitação na institucionalidade
de todos os níveis;
- Por um Fórum de Públicas para elaborar um programa de reivindicações dos estu-
dantes dessas universidades;
- Por um Encontro das Pagas para elaborar um programa de reivindicações dos es-
tudantes destas universidades;
- Realização de um Seminário Nacional de Assistência Estudantil, com os morado-
res das casas de estudantes e demais setores da área para preparar a pauta local e
nacional de luta pela assistência estudantil;
- Realização de um Seminário Nacional sobre Reforma Curricular em conjunto com
as federações e executivas de cursos;
- Criação de um Grupo de Trabalho Nacional de Extensão Universitária, em con-
junto com federações e executivas de cursos, para discutir e elaborar uma política
nacional de extensão, que termine em um Seminário Nacional de Extensão da UNE;
- Participar ativamente no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
Ação na política cultural da UNE
É sintomático o descuido relativo às nossas manifestações culturais. A deten-
ção de uma grande fatia da produção pela principal empresa de comunicação do
país agrava este quadro. Este cenário, por sua vez, é emperrado por uma ampla bu-
rocratização da produção artística – perceptível na cata de patrocínios, de espaços
disponíveis a abrigá-la, no reduzido público. Sem contar os investimentos destina-
dos sempre aos mesmos grupos, que já detém grande visibilidade na mídia, seja por
parte de fomento estatal ou da iniciativa privada.
Entendemos que um dos problemas conjunturais, no Brasil, é cultural, e uma
das soluções é pela via educacional. Naturalmente, esta intervenção também é feita
no espaço universitário, pois uma parcela significativa da experimentação artística
é realizada nestes espaços. Portanto, uma contribuição efetiva da UNE pode ser a
de puxar o foco para este debate e proporcionar meios para o desenvolvimento ar-
n 49o CONGRESSO DA UNE

tístico em nossas universidades.


- Participação exclusiva de produções artísticas universitárias em eventos realizados
pela UNE, como o CUCA e sua respectiva Bienal;
- Fim de parcerias entre a UNE e a Rede Globo (detentora de um monopólio artís-
tico-cultural e maior reprodutora de estereótipos e padrões);

101
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Pela democratização do CUCA;


- Retomada imediata do projeto da memória estudantil sob o crivo e realização da
UNE;
- Realização de um Seminário sobre políticas culturais;
- Que nos congressos e conselhos da UNE (CONUNE, CONEGs, CONEBs) sejam
formados GTs e GDs específicos para discutir as temáticas artístico-culturais supe-
rando a lógica do CUCA;
- Suporte da UNE às reivindicações dos jovens artistas universitários.
A UNE e a luta pelo Passe Livre
Assistimos pelo Brasil o crescimento da luta estudantil pelo passe livre. A Re-
volta do Buzu de Salvador e Santa Catarina em 2004 e 2005 são apenas exemplos
de como essa luta vem sendo ampliada no movimento estudantil.
A UNE deve participar ativamente dessa luta, contribuindo com as demais en-
tidades e movimentos. É preciso colocar essa luta na puta da UNE, das UEEs, dos
DCEs e dos CAs. Em cada estado, devemos fazer articulações com o movimento es-
tudantil secundarista para viabilizar essa luta conjunta.
Não podemos deixar que esse movimento se desvirtue de seus objetivos e que
sirva efetivamente para ampliar os direitos dos estudantes. Nós, Reconquistar a
UNE, acreditamos na luta pelo passe livre e faremos com que a UNE esteja presente
em cada rua, praça ou terminal em defesa do passe livre!
- Passe Livre Já!!!
- Pela estatização dos transportes públicos, contra a máfia dos transportes;
- Melhoria e ampliação dos transportes públicos;
- Repúdio à violência contra os estudantes de Santa Catarina!
Saúde: esta luta também é nossa!
Ao se discutir saúde é importante ter a noção de que esta é determinada so-
cialmente. Assim, com a 8ª Conferência Nacional de Saúde e o advento do Sistema
Único de Saúde em 1990, parte da luta do movimento sanitário estava consolidado.
Os 17 anos de SUS mostraram ao povo brasileiro que a luta pela saúde como direito
de todos e dever do estado e pela mudança do modelo ainda hegemônico, cen-
trado na doença, no médico, no hospital e nos medicamentos ainda é necessária.
Lutamos pela consolidação do Sistema Único de Saúde por entender que
disputar esta ideologia também é fazer uma disputa mais geral de que sociedade
n 49o CONGRESSO DA UNE

queremos. Além disso, entendemos que o SUS deve ser coordenador da formação
em saúde. Estas são bandeiras sólidas e necessárias para a devida atenção e cuidado
com a população brasileira.
No último CONEG, reafirmamos nossa defesa pelo SUS, mas ainda faltam
ações organizadas no que tange ao protagonismo estudantil no seu controle social,

102
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

comprometendo gestores federais, estaduais e municipais na gestão conjunta das


políticas de educação e saúde para os níveis de 2º e 3º graus, além da reorientação
das atuais políticas de assistência nos quais educador, educando e cuidador confi-
guram-se como ente importante para a garantia da saúde do trabalhador.
Além disso, somos favoráveis à re-regulamentação dos atos profissionais como
forma de auferir a população o direito de um cuidado integral, quer dizer, contra
o Projeto de Lei do Ato Médico e a favor de ações do controle social do SUS com
gestores e trabalhadores por uma nova ordem, por um novo pacto de trabalho em
saúde, agora com o advento do Sistema Único de Saúde.
A UNE tem dois papéis centrais no próximo período. O primeiro, de introje-
tar o debate de saúde para dentro da entidade, de suas pautas políticas, como por
exemplo a discussão de assistência estudantil; o segundo, de fortalecer os laços
com as Executivas Nacionais dos Cursos da Saúde, que não seja apenas pelos seus
campos políticos, mas também entre entidades. Isto proporcionará o primeiro pa-
pel e ainda fortalecerá a representação desta no Conselho Nacional de Saúde.
- Pela defesa do Sistema Único de Saúde;
- Contra a mercantilização da saúde;
- Pela qualidade do ensino de graduação em saúde;
- Residências Multiprofissionais em Saúde;
- Contra o PL Ato Médico e por um novo pacto de trabalho no SUS;
- Construção de um seminário conjuntamente com as executivas de curso da saúde,
sobre o debate Movimento Estudantil e a Saúde;
- Formar um GT permanente de saúde, com as executivas de curso, para fortalecer
o vínculo entre as entidades;
- Por ações conjuntas entre MEC e MS na aplicação das novas diretrizes curriculares
e Plano Nacional de Educação;
- Garantia de 1% dos recursos da saúde para a qualificação da formação de traba-
lhadores em saúde, conforme o aprovado na 11ª Conferência Nacional de Saúde.

JUVENTUDE E OS MOVIMENTOS JUVENIS

O que é juventude?
Muitas pessoas falam de juventude, mas muito poucas compreendem esse fe-
nômeno social.
n 49o CONGRESSO DA UNE

Entretanto, discutir este tema, analisar os problemas enfrentados pelos jovens


e buscar soluções através de políticas públicas não é possível se o entendimento do
que é juventude for superficial e fruto do senso comum.
Por isso, todas as iniciativas de debate sobre essa temática devem começar de-
finindo o conceito juventude. Assim, pode-se qualificar as discussões para afirmar

103
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

o jovem enquanto sujeito de direitos e para superar uma visão negativa, reforçada
pela mídia e a opinião pública, onde o jovem é sempre suspeito, é um risco e um
problema para a sociedade e para si mesmo.
Mas, então, o que é juventude?
Muitos afirmam que ela está circunscrita a numa determinada faixa etária es-
tanque, outros entendem, de maneira reduzida, juventude enquanto um estado
de espírito. No entanto, nenhuma destas caracterizações é suficiente para definir
juventude.
Para nós, a juventude pode ser vista como uma fase da vida, mais ou menos
determinada, em que o ser humano se encontra em processo de formação e cons-
trução de perspectivas de estabilidade para a sua vida. É um momento de grandes
expectativas e apreensão em relação ao futuro, regado normalmente por uma pos-
tura inquieta e irreverente (Denisar, 1993).
Portanto, é neste espaço da vida onde se manifestam, com maior intensidade,
os problemas existenciais do ser humano, visto que é neste período que as pessoas
realizam as grandes escolhas de suas vidas. Devido a essa problemática socio-exis-
tencial, a juventude torna-se um constante pedido de respostas, que coloca em
xeque as estruturas da sociedade, independentemente de seus matizes ideológicos.
É por isso que a juventude reveste-se de irreverência e rebeldia (Denisar, 1993).
E o ME com isso?
“Uma das marcas da geração atual tem sido a proliferação de grupos juvenis
principalmente entre os setores populares que se configuram como espaços de
criação cultural e se tornam verdadeiros canais de articulação de identidades cole-
tivas. Transformam-se em referência para além dos participantes diretos do grupo,
sinalizando comportamentos e posturas éticas para grandes contingentes de jo-
vens, em escala nacional” (Documento final - Projeto Juventude, 2004).
O movimento estudantil é o movimento juvenil mais organizado e com a
atuação nacional mais consolidada. Apesar das enormes dificuldades que esse
movimento possui na sua organização, a rede que ele constitui durante décadas
possibilita uma maior visibilidade e reconhecimento na sociedade que outros mo-
vimentos juvenis.
No entanto, boa parte do ME ainda não foi capaz de perceber as inúmeras
possibilidades de articulação e atuação com grupos juvenis que existem fora do
ambiente educacional. Grupo estes que organizam muitos jovens e que possuem
n 49o CONGRESSO DA UNE

pautas de reivindicação muito semelhantes às pautas do ME.


Ressalvadas honrosas exceções, a relação do ME e suas entidades com ou-
tros movimentos de jovens não ultrapassou o limite de pequenas realizações com
grupos culturais ligados ao meio universitário. Além da participação nas recentes
iniciativas institucionais de discussão sobre o tema Juventude e Políticas Públicas, o

104
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ME ainda está restrito às discussões tradicionais, discute pouco e superficialmente


a questão atual da juventude.
Portanto, considerando a importância conjuntural do tema juventude e a ne-
cessidade estratégica de atuação conjunta com outros movimentos juvenis, a UNE
deve estimular que a rede do movimento estudantil estabeleça articulações locais e
regionais com outros movimentos juvenis, a partir da discussão de pautas que uni-
fiquem a atuação dos movimentos e organizações juvenis.
Para isso, propomos que a UNE:
- Elabore uma cartilha de orientações para as entidades de base sobre a atuali-
dade da temática juventude e de como se pode estabelecer articulações locais e
regionais;
- Realize uma oficina de capacitação sobre o tema “Juventude: conjuntura e políti-
cas públicas” para os diretores da UNE;
- Participe, através de dois membros da executiva da entidade, do Fórum Nacional
de Movimentos e Organizações Juvenis;
- Oriente a participação das entidades gerais e de base nos Fóruns Estaduais de Mo-
vimentos e Organizações Juvenis que estão se formando pelo país;
- Discuta nos espaços do ME as pautas dos movimentos juvenis e contribua na for-
mulação de uma plataforma unificada de propostas, políticas e reivindicações dos
movimentos juvenis;
- Reivindique, junto com outros movimentos juvenis, a implementação, no âmbi-
to municipal, estadual e federal, de políticas públicas de juventude fundamentais
na concepção de que os jovens são sujeitos de direitos e não objetos de tutela e
assistencialismo;
- Realize anualmente o encontro de diálogos de juventudes.

CONTRA TODA FORMA DE OPRESSÃO

Mulheres

Mexo, remexo na inquisição / Só quem já morreu na


fogueira sabe o que é ser carvão / Eu sou pau pra toda
obra. Deus dá asas à minha cobra / Minha força não é
bruta, não sou freira nem sou puta / Porque nem toda
n 49o CONGRESSO DA UNE

feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda / Meu


peito não é silicone, sou mais macho que muito homem
/ Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é
bunda / Meu peito não é silicone, sou mais macho que
muito homem / Sou rainha do meu tanque, sou Pagu

105
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

indignada no palanque / Fama de porra-louca, tudo bem,


minha mãe é Maria ninguém / Não sou atriz, modelo,
dançarina / Meu buraco é mais em cima / Porque nem
toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda
/ Meu peito não é silicone, sou mais macho que muito
homem / Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda
brasileira é bunda / Meu peito não é silicone, sou mais
macho que muito homem.

(Rita Lee, Pagu)


Prostitutas contratadas para encontros de história (ENEH 2004), pôsteres de
mulheres nuas nos encontros de direito (ENED 2004), agressão a palestrantes no
debate de gênero (ERED 2005), tentativa de estupro no encontro de comunicação
(ENECOM 2004), inúmeros estupros no FSM 2005 (Fórum Social Mundial), além
dos deboches e piadas cotidianas, que são regras e não exceção no movimento
estudantil.
Práticas como essas são recorrentes entre os mais revolucionários dos com-
panheiros e camaradas. Entretanto, várias mulheres também não se libertaram das
amarras da opressão cultural machista brasileira. Mas se a ofensiva foi grande, a
resistência também. Em cada encontro de área, as mulheres resistiram com mani-
festações, atos e protestos. Nenhuma ofensa foi escutada em silêncio.
A opressão à mulher ainda é a primeira e mais generalizada relação de poder
entre as pessoas em quase todas as sociedades. A opressão de gênero só favore-
ce e alimenta o capitalismo. As mulheres, que um dia já foram caladas pelo fogo
da inquisição, queimaram sutiãs em praça pública, lutaram em busca da liberdade
durante séculos e, ainda hoje, precisam permanecer em luta pela sua tão sonhada
emancipação.
A necessidade de compreendermos que a luta pelo fim da desigualdade de gê-
nero deve ser tarefa de todos e todas que se movimentam por uma sociedade mais
justa, por um mundo diferente, sem explorados e exploradas e nem exploradores e
exploradoras, é fundamental para entendermos qual o papel do ME nessa batalha.
Temos tido dificuldade em debate a questão de gênero de forma mais apro-
fundada, sem recorrer às análises maniqueístas e ao senso comum. Mas dentro do
próprio ME começamos a batalha!
n 49o CONGRESSO DA UNE

A grande vitória do último período foi a articulação das mulheres feministas


do ME que, sem recursos ou apoio político significativo da maioria que dirige a
UNE, construíram o EME (Encontro de Mulheres Estudantes – UNE), que não só
aprofundou mais o debate de gênero, como trouxe novas militantes para tomarem
a dianteira da luta e resistência feminista.

106
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A construção desse espaço foi um momento importante para o movimento


estudantil brasileiro em 2005, mas é muito pouco em relação ao que ainda precisa-
mos fazer. Em vista deste cenário, é urgente e necessária a melhor organização das
mulheres estudantes da UNE.
- Pelo melhor funcionamento da diretoria de mulheres;
- Pela realização do II Encontro de Mulheres da UNE e torná-lo atividade ordinária
da entidade;
- Pelo incentivo ao debate sobre gênero nos meios de comunicação da UNE, como
forma de integrar homens e mulheres neste debate;
- Que a UNE se posicione publicamente favorável à legalização do aborto, assim
como o respeito e à efetivação dos seus direitos sexuais e reprodutivos;
- Por creches estudantis como uma das pautas prioritárias da UNE;
- Que nos congressos e conselhos da UNE (CONUNE, CONEGS e CONEBS se este
acontecer!) sejam formados GTs ou GDs específicos para discutir as temáticas rela-
cionadas às mulheres;
- Que os debates e mesas dos fóruns da UNE sejam conduzidos de forma a levar em
consideração uma linguagem não sexista com recorte de gênero transversal;
- Pela maior articulação entre os coletivos universitários de mulheres;
- Pelo incentivo à criação de núcleos de mulheres nas universidades brasileiras.

Qualquer maneira de amor vale a pena: a universidade fora do


armário
O movimento estudantil como um todo e a UNE em particular ainda não prio-
rizaram o debate e a organização das demandas dos estudantes gays, bissexuais,
lésbicas, travestis e transsexuais. A UNE ainda caminha a passos de tartaruga na incor-
poração das lutas contra a opressão, secundarizando totalmente a luta pela igualdade
racial e a luta contra a homofobia.
É como se os estudantes brasileiros fossem todos brancos, homens e heterosse-
xuais. E não sofressem nenhum preconceito. O movimento estudantil parece ignorar
a discriminação e o preconceito, abertos ou velados a que estão submetidos milha-
res de estudantes universitários, lésbicas, gays ou travestis, cotidianamente. Seja por
parte dos colegas, seja por parte dos professores, seja por parte das direções das
universidades. Dentro do próprio movimento estudantil percebemos traços de discri-
n 49o CONGRESSO DA UNE

minação. As piadinhas, os cochichos, os comentários homofóbicos fazem parte, ainda,


da cultura do nosso movimento.
Por isso é fundamental que o 49º Congresso da UNE discuta essas questões e
trace um plano de ação para o movimento estudantil, com o objetivo de trazer esse
debate para o dia a dia dos CAs, DCEs e universidades.

107
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A universidade brasileira ainda está dentro do armário. A diversidade sexual não


é um valor presente e muito menos um objetivo acadêmico, político, estético ou
científico. São tão poucos ainda os trabalhos acadêmicos que se debruçam sobre a
realidade de, no mínimo, dez por cento da população. Os trabalhos que existem ain-
da não ultrapassaram os limites da psicologia, antropologia, educação ou literatura.
Mas são pesquisas que ainda não se articulam, em fortes associações nacionais, multi-
disciplinares, que constituam um ambiente forte de estudos de gênero e diversidade
sexual na academia brasileira.
Quantos professores e professoras universitários assumem livremente sua
homossexualidade? Quantas alunas, quantos reitores, quantos diretores de departa-
mento assumem que são lésbicas ou gays, discutem abertamente sua orientação e
militam pela livre expressão sexual? Quantos artigos, monografias, dissertações, teses
e papers são publicados sobre o tema? Quantos seminários? Quantos grupos existem,
dentro das universidades brasileiras defendendo os direitos dos GLBT e estudando o
fenômeno da diversidade sexual?
Está passando da hora de o movimento estudantil e da universidade brasileira se
pintarem com as cores do arco-íris. Está na hora da bandeira gay começar a tremular
dentro das universidades.
A universidade brasileira precisa sair do armário!!!
O movimento estudantil e o movimento GLBT
O movimento GLBT é, hoje, um dos movimentos que mais crescem no mundo e
no Brasil. As Paradas do Orgulho GLBT – gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (tra-
vestis e transexuais) já são mais de sessenta, em todo o Brasil, colocando milhões de
pessoas nas ruas, por cidadania plena, por direitos iguais, contra a discriminação. No
entanto, a realidade ainda é cruel com os homossexuais, considerados cidadãos de
segunda classe. A cada dois dias, pelo menos um homossexual é assassinado devido à
sua orientação sexual, segundo os dados do GGB, Grupo Gay da Bahia.
Os GLBT no Brasil ainda não conseguiram vencer a pressão dos conservadores
e homofóbicos e aprovar nenhuma lei, em nível federal, que proteja e iguale os ci-
dadãos homossexuais aos cidadãos heterossexuais. As principais demandas dos gays
brasileiros são pelos direitos civis, pela igualdade plena. Isso significa aprovar a união
civil entre pessoas do mesmo sexo (PL 1.151/95, da Marta Suplicy) e uma lei federal
que criminalize as condutas discriminatórias (PL 50.003/2001, da Iara Bernardi). São
conquistas fundamentais que estão no centro da pauta de reivindicações do movi-
n 49o CONGRESSO DA UNE

mento GLBT e das paradas gays, cujo tema em 2005 é: “Direitos iguais, nem mais,
nem menos”.
Neste sentido, o movimento estudantil deve assumir essa pauta de reivindica-
ções e fortalecer a luta do movimento homossexual, que é uma luta pelos direitos
humanos, pela igualdade plena, uma luta que radicaliza a democracia, ao reconhecer

108
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

que a diversidade é um valor, e que ninguém pode ser discriminado em função de


sua orientação sexual.
Mais do que isso, a UNE deve estimular que o conjunto do movimento estudantil
a discutir os direitos dos GLBT e organizar grupos, círculos, seminários que discutam
a diversidade sexual na universidade.
Os GLBT na universidade têm se organizado através do ENUDS: Encontro Na-
cional Universitário pela Diversidade Sexual. A participação da maioria da UNE tem
sido nula. Apenas alguns setores da oposição de esquerda e a Reconquistar a UNE
têm estado presentes na construção destes encontros. É preciso que a UNE como um
todo assuma o ENUDS, um encontro que também é seu. Que viabilize política e es-
truturalmente sua realização.
Além disso, a reivindicação principal que os estudantes homossexuais e transgê-
neros trazem para este CONUNE é a criação de uma Secretaria GLBT na UNE. Essa
secretaria será a responsável por articular a luta dos gays na UNE, mobilizando CAs,
DAs, DCEs e UEEs, fazendo publicações, seminários, debates, mobilizações. Apoiando
as Paradas do Orgulho GLBT, se articulando com os grupos homossexuais nos esta-
dos, ajudando nas grandes mobilizações do movimento, como o EBGLT (Encontro
Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros), que acontece em novembro, em Brasília.
Essa secretaria seria responsável também por ajudar a organizar o ENUDS junto com
os grupos que já estão à frente do processo.
Propostas:
- Criação da Secretaria GLBT da UNE;
- Que a UNE apoie e ajude a organizar o ENUDS;
- Que a UNE participe da mobilização para o EBGLT em Brasília (nov. 2005);
- Apoio ao projeto de união civil entre pessoas doo mesmo sexo;
- Apoio ao projeto que criminaliza a homofobia;
- Apoio às transgêneros e os direito da cirurgia de redesignação genital feita através
do SUS;
- Estímulo à criação de grupos nas universidades que defendam os direitos dos
GLBT e promovam a diversidade sexual;
- Realização de painéis, debates, seminários, pesquisas e discussões sobre a livre
orientação e expressão sexual nas universidades;
- Que os direitos dos GLBT sejam um dos temas incorporados nas publicações da
UNE;
- Estímulo à publicação de artigos, teses, monografias sobre a livre orientação se-
n 49o CONGRESSO DA UNE

xual e a questão GLBT.

109
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

ELOGIO DA DIALÉTICA

(Bertold Brecht)

A injustiça avança hoje a passo firme


Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandas
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o começo
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos
Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nós
De quem depende que ela acabe? Também de nós
O que é esmagado que se levante
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí o que retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã!
n 49o CONGRESSO DA UNE

110
50o Congresso da UNE
Brasília (DF), 04 a 08 de julho de 2007

TESE

RECONQUISTAR A UNE
PARA A LUTA E PARA OS/AS ESTUDANTES

INTRODUÇÃO

Reconquistar a UNE e construir a Universidade Democrática e


Popular
Neste ano a União Nacional dos Estudantes completa 70 anos de história. Mui-
tas lutas aconteceram ao longo dessa trajetória em torno da defesa da educação
pública e de qualidade, pela construção de um Brasil mais justo e soberano.
Durante os dias 04 a 08 de julho acontece o 50º Congresso da UNE na cidade
de Brasília – DF. Esse congresso será um marco na história da UNE, pois após 43
anos, a UNE retoma sua sede histórica na Praia do Flamengo 132 na cidade do Rio
de Janeiro.
A retomada da sede é simbolicamente importante para a entidade, representa
a volta pra casa de forma triunfante, depois da ditadura militar em 1964 destruir a
sede da UNE como o seu primeiro ato do regime de exceção.
Portanto, saudamos e participamos dessa conquista histórica da UNE, pois
agora será possível à nossa entidade retomar a todo o vapor suas atividades de cul-
tura e arte, onde antes funcionava o CPC (Centro Popular de Cultura), no ano de
comemoração dos seus 70 anos.
Contudo, muito além de comemorarmos a retomada da nossa sede e os 70
anos da UNE, o 50º Congresso da UNE deverá apontar sobre os desafios do Movi-
mento Estudantil brasileiro para os próximos anos.
Nesse sentido, nós da “Reconquistar a UNE” apresentamos nessa tese pro-
postas para uma construir o Movimento Estudantil de uma forma mais ousada,
autônoma e diferente.
“Reconquistar a UNE” para a luta e para os/as estudantes significa democrati-
zar profundamente a UNE para que esteja presente junto com as entidades de base
organizando a luta em defesa do direito a educação.

111
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A “Reconquistar a UNE” entende como necessário abrir um novo momento no


Movimento Estudantil para que sejamos capazes de realizar uma forte disputa de
projeto de Universidade onde os Movimentos Sociais e a sociedade possam estar
interagindo com a produção de conhecimento da universidade brasileira de acordo
com suas demandas.
Essa grande disputa de projeto de Universidade, para a “Reconquistar a UNE”,
somente será vitoriosa se impulsionarmos nesses próximos anos a luta pela Univer-
sidade Democrática e Popular.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

O papel e a importância da UNE


Em muitos países, o Movimento Estudantil é fragmentado em mais de uma
entidade estudantil nacional. A consequência direta é o enfraquecimento da mobi-
lização e da organização das lutas estudantis.
No Brasil há a União Nacional dos Estudantes, uma entidade que possui várias
posições políticas representadas em seu interior, que fortalece a unidade do Movi-
mento Estudantil brasileiro e tem como objetivo a construção das lutas em torno
das reivindicações específicas dos estudantes e a defesa de um projeto de país.
Criada na década de 30, a UNE esteve na luta contra a ditadura de Vargas,
construiu a campanha “O Petróleo é nosso” e lutou pelas reformas de base, parti-
cularmente a reforma universitária, protagonizadas pelo governo Jango no início
dos anos 60. A UNE também lutou muito, mesmo que na clandestinidade, contra a
ditadura militar, combatendo duramente a reforma conservadora da Universidade
Brasileira em 1968 e esteve presente de forma intensa nas lutas pelas Diretas Já, nos
debates da Constituinte e nas mobilizações pelo Fora Collor.
Durante a década de 90, a resistência à implementação das mudanças neolibe-
rais no país e na universidade brasileira tornou o centro da agenda do Movimento
Estudantil. O sucateamento da Universidade Pública, a expansão descontrolada do
ensino privado e o alijamento dos setores populares do Ensino Superior foram
acompanhados pela diminuição da capacidade da UNE em mobilizar suas bases,
tendo como resultado o afastamento e a perda da referência da nossa entidade pe-
rante uma ampla parcela dos estudantes universitários brasileiros.
Esse breve histórico demonstra nitidamente que a UNE, quando usou de seu
n 50o CONGRESSO DA UNE

grande potencial de mobilização dos estudantes, foi capaz de aliar as pautas mais
específicas dos estudantes brasileiros com um projeto de Brasil democrático, justo
e soberano.
Ainda que a ação da UNE tenha se orientado em muitos momentos por uma
política tímida e, às vezes, conciliatória em relação aos desafios enfrentados, acredi-

112
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

tamos ser um grande erro a opção daqueles grupos do Movimento Estudantil que
optaram por sair da UNE para criar sua “entidade alternativa” particular. Além de
criarem uma nova organização estudantil que representa apenas os interesses de
um determinado grupo político, reproduzem os mesmos erros da direção majoritá-
ria da UNE, dividem e enfraquecem o Movimento Estudantil brasileiro.
Nós, da tese Reconquistar a UNE, acreditamos que a UNE possui um papel
importantíssimo no combate à mercantilização, na defesa do direito à educação
pública e gratuita para todos(as) e no fortalecimento do Movimento Estudantil bra-
sileiro. É com essa convicção que participamos, construímos e disputamos seus
rumos no dia a dia das lutas estudantis.

Movimento estudantil como movimento social


O Movimento Estudantil (ME) é um movimento social que, a partir da escola
ou universidade, organiza a ação coletiva de uma parcela da sociedade, que não é
uma classe social. Os estudantes fazem parte de uma categoria social que vivencia
realidades e demandas específicas dentro de um mesmo local. É a partir dos limites
e possibilidades desse contexto social que surge a sua organização e sua interven-
ção na sociedade.
O ME possui particularidades. A primeira delas é de ser policlassista, ou seja,
os estudantes pertencem a grupos de várias classes sociais. Essa característica faz
com que o ME não possua origem e formação classistas que o coloquem no centro
das lutas de classes, o que impõe limites à sua organização e intervenção. Com-
preender esse caráter não-classista também é necessário para se perceber que a
amplitude de sua base social é fruto de um processo histórico de exclusão dos seg-
mentos populares.
Outro fato é que o movimento é marcado por grande transitoriedade dos seus
participantes, cuja participação acontece, em média, durante os quatro ou cinco
anos em que frequentam a faculdade.
Através da opção política de parcela dos estudantes, em particular a de seus
dirigentes, o ME se insere, ou não, na disputa geral da sociedade.
Não adianta reproduzir as formas de organização do movimento sindical ou
campesino para o ME na ilusão de que assim os seus problemas serão solucionados.
É importante a realização de atividades em conjunto com os demais movimentos,
construção de alianças em torno de pautas comuns e a troca de experiências. Essas
n 50o CONGRESSO DA UNE

realizações são fundamentais para a elaboração dos métodos de organização do


ME. Dentro dessa pluralidade de sua base social, o ME deve atentar para atender
todos os campos de atuação dos estudantes, produzindo suas maneiras próprias de
organização e combinando suas lutas específicas com as lutas políticas mais gerais
da sociedade.

113
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Um diagnóstico atual do movimento estudantil


Diante de tais condições, quais fatores fazem, hoje, as entidades estudantis,
patrimônios de nossa história, viverem uma crise que há muito deixou de ser uma
crise de representatividade, chegando a ser uma crise de legitimidade?
Determinados a rejeitar conclusões simplistas sobre o assunto, acreditamos
que essa realidade atinge além da UNE, o conjunto do ME e outros movimentos
sociais, como decorrência de fatores que envolvam desde questões conjunturais
percebidas nos últimos anos até a ausência de uma política mais democrática e par-
ticipativa que deveriam ter sido aplicadas à UNE e às demais entidades estudantis.
Atualmente vivemos uma conjuntura amplamente desfavorável à organização
coletiva. A ofensiva das ideias neoliberais sobre os movimentos sociais, carregadas
de valores individualistas, consumistas e de competitividade dificulta sobremaneira
a tentativa de se convencer as pessoas sobre a necessidade de se organizarem e rei-
vindicarem os seus direitos.
Outro elemento que encontramos na atual dificuldade do ME em mobilizar
os estudantes como em outros momentos de sua história é, basicamente, a es-
trutura arcaica das entidades estudantis. A estrutura “assembleia-conselhoreunião”
precisa urgentemente ser reformulada para se ampliar os fóruns democráticos per-
manentes e criar outros espaços de acúmulo coletivo, como Grupos de Trabalhos,
coletivos e outros.
Ao sustentar essa estrutura e concepção de movimento, a política dos que hoje
dirigem a UNE e são hegemônicos no Movimento Estudantil (União da Juventude
Socialista e aliados) é igualmente responsável pela atual situação de nossa entida-
de nacional. Essa política, ao priorizar o controle das entidades, antes mesmo da
própria organização dos estudantes, não contribui em nada para retomarmos o
protagonismo da UNE e do ME na sociedade.

Os estudantes passam, o brasil muda e a UNE continua a mesma

Todo carnaval tem seu fim

(Los Hermanos)
O desconhecimento das ações e mesmo, da própria existência da UNE, é uma
realidade atual para uma parte significativa dos estudantes brasileiros. Ainda que
n 50o CONGRESSO DA UNE

tenham ouvido falar da UNE através de sua carteira de identificação estudantil ou


das histórias de luta do seu passado, a maioria não consegue reconhecer a entidade
como representativa dos seus direitos.
Isso acontece porque a perda da capacidade da UNE de fazer parte da vida
cotidiana dos estudantes, ao longo dos anos 90, afastou-a da sala de aula e, desde

114
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

então, tem impedido uma relação mais direta e contínua com os CAs, DAs e DCEs
das instituições de ensino.
Essa realidade foi traduzida em uma política que fez com que, muitas vezes, a
UNE fosse colocada a assumir um papel de “balcão de negócios” em relação à sua
carteira de identificação estudantil (convênios com Jovem Pan, carteiras feitas no
McDonald´s). Isso acabou descaracterizando e mercantilizando completamente o
caráter representativo que a carteira da UNE deve representar para os estudantes.
Enraizada nessa política, encontra-se uma concepção de movimento estudantil
em que predomina a disputa de entidades apenas para manutenção ou construção
da hegemonia de determinados grupos no ME. Assim, a disputa dos “aparelhos” do
movimento torna-se o objetivo final e não a consequência da progressiva organi-
zação dos estudantes. Isso tem feito com que as pautas do ME sejam voltadas, na
maior parte do tempo, às suas questões internas, como por exemplo a eleição das
direções de suas entidades à revelia das próprias lutas estudantis.
Ademais, o fato da UNE manter uma estrutura burocratizada e verticalizada
que não atende aos desafios atuais do ME, impossibilita que nossa entidade incor-
pore novas formas de organização e retome as grandes lutas que marcaram sua
história.
Nesse sentido, o desrespeito aos fóruns do movimento como a não realização
do CONEB (Conselho Nacional de Entidades de Base) durante oito anos, a inexis-
tência de uma política democrática de comunicação e de uma organização regional/
estadual realmente plural dentro da UNE também impedem a necessária oxigena-
ção do ME e da própria UNE.
Por fim, mas não menos importante, predominou na entidade ao longo desses
anos uma política conciliatória com as políticas governamentais da ocasião. Essa
postura foi percebida claramente durante o governo FHC quando a direção majori-
tária da UNE preferiu fazer acordos nos gabinetes aveludados do Planalto a ajudar
o Movimento Estudantil organizar suas lutas, como as grandes greves estudantis.
Ainda que num momento político totalmente distinto, essa postura vacilante
prevaleceu também durante o primeiro mandato de Lula, em que a direção majo-
ritária da UNE ao invés de incidir na disputa da orientação do governo a partir das
bandeiras históricas da entidade, recuou numa política adesista e equivocada de
transformar as propostas do governo na pauta da entidade, imobilizando o ME e
impedindo com que esse fosse capaz de alterar os rumos das opções do Governo
Lula.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Rumo ao 50º Congresso da UNE: é necessário um balanço


A gestão da UNE 2005/2007 apresentou avanços consideráveis para a vida in-
terna à entidade. Algumas mudanças importantes foram implementadas, como por
exemplo, a mudança da lógica das reuniões de diretoria que rompeu com a tradi-

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

ção de meros acordos entre posições, a realização de planejamento financeiro e


prestação de contas da entidade, planejamento mais coletivo da gestão e a aprova-
ção do regimento de carteiras da UNE.
Além disso, como fruto de oito anos de reivindicações por parte das entidades
estudantis (DCEs e DAs, CAs), foi realizado o 11° CONEB (Conselho Nacional de
Entidades de Base) da UNE. O CONEB representou um avanço para o Movimento
Estudantil, pois oxigenou a relação da UNE com as entidades de base e aprovou
resoluções importantes como a realização do CONEB a cada dois anos, uma nova
forma de eleição de delegados/as ao CONUNE, além de sinalizar importantes mu-
danças na estrutura organizacional da UNE.
Essas mudanças, as quais foram acompanhadas pela incorporação de pautas
da oposição na UNE, devem ser compreendidas à luz de uma situação mais geral do
ME. Deve-se, uma boa parte, ao fato de uma parte do ME romper com a UNE pela
esquerda e outra que ameaçava romper pela direita. Pressionada dessa forma, não
restava à maioria da UNE muitas alternativas a uma abertura maior da entidade a fim
de ampliar a participação política dos diversos grupos existentes no ME.
No debate mais geral, contudo, o que marcou essa gestão da UNE foi a pos-
tura reativa e conciliatória mantida pela maioria da entidade em relação ao debate
das políticas educacionais propostas pelo governo Lula. O predomínio de uma po-
sição extremamente adesista às propostas do governo somada a ausência de uma
intervenção que não fosse pautada simplesmente pelo imediatismo em responder
às ações governamentais, impediu que a UNE debatesse e mobilizasse a juventu-
de brasileira em torno de suas bandeiras históricas para a Universidade Brasileira.
Essa postura reforçou a dicotomia entre os setores que foram “a favor” e os
que foram “contra” a reforma universitária, paralisando o conjunto do ME e impos-
sibilitando que a UNE construísse uma Jornada de Lutas mais forte no final de 2005
por mais verbas para a educação no orçamento de 2006.
Para além da dicotomia das posições no debate da chamada reforma universi-
tária, as próprias campanhas pela redução das mensalidades nas IES pagas não têm
conseguido pautar e combater os tubarões do ensino. A UNE começa organizar essa
campanha já no final do ano e isso impede que uma campanha massiva e contun-
dente seja colocada em prática. Nesse sentido, é preciso que a campanha de pagas
da UNE seja permanente e que a articulação das manifestações, atos e atividades,
n 50o CONGRESSO DA UNE

sejam planejadas ainda no início de cada ano com a formação de comitês estaduais
pela redução das mensalidades formados entre os CAs, DCEs, UEEs e UNE.
Como prova da falta de referência, crise de legitimidade e representativida-
de da UNE, essas campanhas resumem-se em apelos midiáticos no sítio virtual da
entidade e nos meios de comunicação. Embora, muitas vezes, a própria direção ma-

116
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

joritária da entidade tente realizar grandes manifestações, isso não se viabiliza pela
burocratização da entidade frente ao ME e pela ausência de uma maior preparação.
Essa incapacidade de combater de forma contundente a hegemonia do ensino
privado no país reduz muitas vezes a atuação da UNE, como válvula de escape, a
iniciativas como a realização de convênios com o PROCON através de “disque men-
salidades”. Essas medidas, apesar de trazerem um grau de informação desejável
para os estudantes das universidades pagas, acabam fazendo com que a entidade
reconheça que de fato a educação pode ser uma mercadoria, além de substituir o
papel da própria UNE, uma vez que basta o estudante procurar o PROCON para
exigir seus direitos.
Outro aspecto relevante da atuação da UNE a ser considerada no último perío-
do foi sua intervenção durante as eleições de 2006. O ano eleitoral poderia ter sido
um momento único para a UNE realizar o debate sobre projeto de educação para o
Brasil. Entretanto, o que prevaleceu foi o imobilismo da entidade perante o debate
político do país. A UNE, ao perder a possibilidade de transformar o momento elei-
toral num grande debate sobre os rumos da educação superior no Brasil, através de
debates nas universidades e outras atividades, não preparou o ME para reivindicar
suas pautas após o processo eleitoral.
A construção do Projeto UNE-Brasil, o qual continha as reivindicações da UNE
para a educação, foi positiva pelo fato de ser incorporado à pauta dos demais mo-
vimentos sociais, mas não foi acompanhado de um amplo e profundo debate no
interior do ME, das entidades estudantis e entre os estudantes.
A partir disso, notamos que as mudanças feitas na entidade ainda são extre-
mamente insuficientes para os desafios que a UNE possui no próximo período. Na
verdade, no essencial nada mudou, ou seja, a relação da UNE com o conjunto do
ME continua limitada e insuficiente, a linha política da entidade continua a mesma
e o controle da estrutura da UNE continua centralizado.
Nesse sentido, é necessário que haja mudanças estruturais na UNE para que
seja uma entidade dinâmica, democrática e mais representativa. Mudanças essas
que só ocorrerão acompanhadas da construção de uma alternativa de direção à
atual maioria da entidade.
A seguir, apresentamos um conjunto de propostas para as necessárias mudan-
ças das estruturas arcaicas, verticalizadas, centralizadas, burocráticas e, portanto,
antidemocráticas da UNE.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Um programa para democratização da UNE


Alguns aspectos das propostas que apresentamos no 11° CONEB da UNE no
ano de 2006 foram incluídos como propostas consensuais. Exemplo disso foi a
aprovação dos Grupos de Trabalho das áreas temáticas da direção da entidade.

117
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Contudo, essas propostas não foram contempladas como mudanças no Esta-


tuto da entidade, ou seja, mudanças formais na estrutura da UNE. Isso implica na
manutenção da estrutura da entidade inviabilizando que isso seja construído no
dia a dia da UNE.
Portanto, para que de fato mude a estrutura organizacional da UNE é necessá-
rio que o 50° CONUNE altere o Estatuto da entidade, consolidando assim o que foi
aprovado no CONEB da UNE e realizando aquelas mudanças estruturais que sejam
capazes de estabelecer na UNE outra relação com o ME.
- Organização colegiada da entidade através de Coordenação Geral e demais co-
ordenadorias na diretoria; Grupos de Trabalho para acumular coletivamente as
elaborações políticas da entidade; criação de Coordenações Estaduais da UNE;
- CONEB bienal, o qual foi aprovado consensualmente no 11° CONEB da UNE e
precisa ser referendado no CONUNE;
- Debater a transformação das UEEs em UNEs estaduais, diminuindo o número
de eleições no Movimento, unificando o calendário e fortalecendo as lutas e a pró-
pria UNE.
- Democratizar a Política de Comunicação da UNE: como é possível a UNE defen-
der a democratização dos meios de comunicação se nem mesmo os seus meios são
democráticos? Por isso, é urgente nesse CONUNE incluir no estatuto da entidade
o Conselho Editorial da UNE plural e participativo, já aprovado consensualmente
no 11° CONEB; construção de um jornal trimestral de circulação nacional; de-
mocratização do sítio da UNE com colunas para debates entre as teses, criação de
um portal nacional on-line da UNE, onde as entidades (de base e gerais) possam
hospedar suas páginas, formando uma efetiva rede de comunicação com fóruns
abertos no ME; publicação no sitio da UNE das teses para o Congresso da UNE e
demais fóruns.
- Formação política para o Movimento Estudantil: Construção da Escola Nacional
Honestino Guimarães, para a realização de cursos de formação sobre Universida-
de, Movimento Estudantil e Sociedade para militantes do ME;
- Criação de um Conselho Fiscal para a UNE: composição plural através das entida-
des estudantis a fim de fiscalizar a vida financeira da entidade.
- Criação de uma Junta Financeira da UNE: é preciso democratizar a elaboração da
política financeira da entidade a qual não pode ser centrada apenas em uma pessoa,
mas deve fazer parte da discussão do conjunto do ME.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Política financeira de estudantes para uma entidade dos


estudantes
Esse é um assunto central no processo de democratização e manutenção da
autonomia da UNE.

118
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Ainda que a perda de autonomia da entidade não se restrinja necessariamente


à sua dependência de fontes externas de financiamento, a fonte financiadora tende
a influenciar na perda da autonomia e dos vínculos com a base social representada.
Atualmente, a UNE se sustenta financeiramente através de duas fontes básicas:
as emendas do legislativo / projetos governamentais, e os recursos provindos da
carteira dos estudantes.
A primeira, é questionável para entidade que se propõe a lutar contra a atual
ordem das coisas e, atrela toda a vida da entidade às concessões governamentais de
projetos e emendas.
A segunda é extremamente dependente dos empresários que confeccionam
as carteiras, fazendo com que isso gere uma mercantilização e o fim do sentido
político e representativo que a carteira da entidade deve simbolizar. Além disso, o
mais preocupante é que se cria uma rede de troca de favores entre as empresas e a
direção da UNE, reproduzindo práticas condenáveis e pouco transparentes com as
finanças da entidade.
A aprovação na atual gestão da UNE do Regimento de Carteiras da UNE, que
no 45° Congresso da UNE havia designado a diretoria da entidade a colocá-lo em
prática e que até hoje não havia sido regulamentado, representa um avanço na
transparência para a confecção de carteiras da UNE. O fato de estabelecer regras
mais nítidas sobre o processo de confecção de carteiras é positivo.
Contudo, enquanto a confecção de carteiras for vinculada às empresas, jamais
a UNE obterá a carteira de identificação estudantil como um mecanismo de reco-
nhecimento e fortalecimento da entidade. É principalmente nesse ponto que está o
princípio da mercantilização da carteira da UNE.
Para uma entidade estudantil ser capaz de preservar suas pautas políticas, sua
organização e autonomia é preciso de uma política financeira que esteja ancorada
e sustentada pela rede do ME. Não havendo isso, as condições estão dadas para a
perda de sua autonomia e o atrelamento de suas pautas políticas.
É por isso que a carteira da UNE deve ser feita diretamente pelas entidades es-
tudantis. Nesse sentido, propomos o fim do sistema empresarial de confecção de
carteiras para a UNE e o estabelecimento de um sistema que permita descentralizar
o processo de confecção.
Esse sistema seria baseado na emissão e venda, por parte da UNE, de um selo
que daria direito ao reconhecimento e identidade nacional da carteira. Isso faria
n 50o CONGRESSO DA UNE

com que os DCEs, CAs e DAs emitissem as suas próprias carteiras (como já acontece
em boa parte das entidades estudantis) e adquirissem o “selo da UNE”. Isso obri-
garia a UNE aproximar-se das entidades estudantis e construir uma relação política
confiável com essas entidades.
Por isso, propomos:

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TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Fim das empresas na confecção das carteiras da UNE;


- Descentralização da confecção através do “Selo da UNE”, permitindo às demais
entidades estudantis a emissão da carteira descentralizada com validade nacional.

CONJUNTURA: A SITUAÇÃO POLÍTICA DO


BRASIL E DO MUNDO
Discutir conjuntura é um exercício que possibilita traçarmos um panorama so-
bre a situação política, econômica e social do nosso país e do mundo. A partir desse
panorama torna-se possível definirmos com mais propriedade como será a atuação
da UNE nessa situação mundial e brasileira.
Como a tarefa da UNE é lutar contra a mercantilização e pelo direito à edu-
cação pública e gratuita para todos(as), além de um país mais justo, soberano e
democrático, é necessário sabermos em que situação nos encontramos. Isso é a
chamada “análise de conjuntura”, cuja dinâmica buscamos intervir ao definirmos as
nossas ações na universidade e no ME.

Abrir outra época no Brasil e no mundo


A partir do final da década de 70, através de Reagan e Thatcher nos governos
dos EUA e da Inglaterra, respectivamente, inaugura-se uma nova etapa da explo-
ração capitalista: o neoliberalismo. A destruição ambiental, a barbárie social e as
guerras traduzem o atual momento histórico, marcado pela força do imperialismo
norteamericano, do capital financeiro e das ideias neoliberais.
As políticas neoliberais tiveram impactos desastrosos em todo o mundo. Além
de grandes guerras realizadas por mercados consumidores e domínio de fontes de
energia como o petróleo, grandes impactos sociais foram sentidos no mundo todo.
A adoção de uma série de mudanças estruturais nas economias nacionais su-
bordinando-as aos interesses das grandes potências, em especial dos EUA, foram
acompanhadas pela retirada dos investimentos estatais na economia e dos direitos
da população como o acesso à terra, transporte, moradia, saúde e educação.
Além de retirar direitos, o neoliberalismo também busca redefinir cultural-
mente a vida das pessoas, através do chamado “modo de vida americano”, com a
disseminação de valores consumistas e individualistas no conjunto da sociedade.
Como porta-vozes dessa orientação política no nosso país, os governos Collor,
n 50o CONGRESSO DA UNE

Itamar e FHC, desencadearam um profundo processo de desestruturação do Esta-


do Brasileiro.
Nesse contexto, o fato é que o projeto neoliberal não só NÃO foi capaz de
apresentar uma melhora na vida da maioria da população como piorou, conside-
ravelmente, a condição de vida das pessoas, inclusive, dos setores médios. Só não

120
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

foi mais aprofundado dado à resistência dos partidos de esquerda, dos movimentos
sociais e de outras iniciativas como o Fórum Social Mundial.
Essa resistência, somada a crise do próprio modelo neoliberal, permitiu surgir
na América Latina vários governos de esquerda, centro esquerda e progressistas,
os quais representam um contundente desgaste do imperialismo norte americano
e do neoliberalismo no continente, apesar de esses continuarem hegemônicos em
todo o mundo.
Numa guerra de força contra o Imperialismo / que dos
povos da América é o grande inimigo

(América Latina, Jacir Strapazzan – Milico)


Essas experiências, representadas pelos governos da Venezuela, Chile, Bolí-
via, Equador, Argentina, Uruguai, Nicarágua, Brasil, além da resistência de Cuba,
guardadas as suas particularidades e situações políticas específicas, representam
tentativas de superação do neoliberalismo e construção de um projeto pós-neoli-
beral. Contudo, ainda não está claro qual será esse projeto e nem dado que será
possível consolidar esse “outro” projeto.
No Brasil, a chegada de Lula a Presidência da República ocorre a partir de um
crescimento institucional da esquerda, acompanhado ao mesmo tempo de um en-
fraquecimento ideológico e social dos socialistas e um descenso das mobilizações
de massa.
Esse quadro resultou num governo de coalizão de centro-esquerda com um
programa incapaz de derrotar a hegemonia neoliberal. Portanto, os primeiros anos
do governo Lula foram marcados pela manutenção de uma política econômica con-
servadora que não diminuiu a influência do capital financeiro sobre a economia
nacional e, também devido a esse fator, uma conciliação com a concepção neolibe-
ral de políticas sociais ficou evidenciada.
Na educação superior essa “conciliação” ficou muito nítida. Ao mesmo tempo
que o governo abriu 48 novos campi de universidades públicas, realizou concursos
para servidores públicos, implementou políticas afirmativas e valorizou (apesar de
insuficiente) o financiamento público da educação, ele também concedeu isenção
fiscal para o ensino privado, aprovou Parcerias Público-Privadas, deu mais poder
para as empresas terem domínio sobre a pesquisa das universidades públicas atra-
vés da Lei de Inovação Tecnológica e propôs uma reforma universitária bastante
n 50o CONGRESSO DA UNE

contraditória no seu conteúdo.


Contudo, a direita reacionária e conservadora no Brasil, sabendo nitidamente
que o governo Lula se identificava com um projeto de esquerda e de mudanças, ain-
da que muitas vezes implementando a pauta da própria direita, não o poupou. Fez
de tudo para derrubá-lo e evitar que em 2006 houvesse a renovação em melhores

121
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

condições do compromisso do governo Lula com a superação do neoliberalismo e


com mudanças profundas no Brasil.
O segundo turno das eleições de 2006 marcaram uma grande disputa de pro-
jetos no Brasil. De um lado o projeto conservador e falido de Geraldo Alckmin
(PSDB) e do outro o dos movimentos sociais, do povo e da candidatura Lula.
Essa disputa de projetos e a vitória esmagadora da candidatura Lula marcou
uma derrota para a direita e seus representantes nos grandes meios de comunica-
ção. Na verdade, o povo derrotou a mídia e colocou na ordem do dia a necessária
distribuição de renda e geração de empregos, a democratização dos meios de co-
municação e o repúdio à privatização imposta pelos neoliberais.
Apesar da grande mídia ignorar no dia seguinte das eleições a derrota da pau-
ta que eles não se cansavam em reivindicar, ou seja, o ajuste fiscal, pagamento da
dívida, reforma da previdência e trabalhista, o governo começa sua segunda gestão
com a sinalização de uma agenda positiva, através da proposição do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC).
O PAC, apesar de limitado e possuir vários problemas e contradições, indica
no geral, uma recuperação do papel do Estado no desenvolvimento econômico
do Brasil. Essa medida foi duramente criticada pela direita como “estatista” e equi-
vocada por ir de encontro à pregação dos ideais neoliberais durante mais de uma
década. O grande elemento positivo do plano é a marca político-ideológica que ele
representa, apontando para uma fase de transição da era Palocci na economia e a
possibilidade de abertura de um novo período de desenvolvimento para o país.
Entretanto, apesar da orientação geral do Plano ser positiva não deve implicar em
concordância com todas e cada uma de suas medidas integrantes.
Entendemos que dado esses elementos, cabe aos movimentos sociais continu-
ar intervindo no momento político do país a partir de suas demandas. É necessário
mantermos a pauta política vitoriosa no segundo turno das eleições presente, dis-
putando, constantemente, o governo Lula para que avance pra além da tímida
demonstração de mudança de rumos e aplique as reivindicações dos movimentos
sociais expressas no projeto Brasil construído pela Coordenação dos Movimentos
Sociais (CUT, MST, UNE, etc.).
É necessário que os movimentos sociais defendam a aplicação de profundas
reformas estruturais no Brasil que possibilitem abrir um período de desenvolvi-
mento democrático e popular, capaz de mudar completamente a condição de vida
da população brasileira.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Teu povo nas ruas com a mesma alegria / Gritar a vitória


no campo e cidade / e empunhar a bandeira da liberdade

(America Latina, Jacir Strapazzan – Milico)

122
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Na educação, isso representa ampliar radicalmente o financiamento e o aces-


so ao ensino público e gratuito, reduzir a influência do ensino pago no país e criar
as condições humanas e materiais para a construção de outro projeto de educação
que esteja sintonizado com as demandas populares. Para isso é fundamental come-
çar extinguindo DRU (Desvinculação das Receitas da União) que retira em torno de
25% do orçamento da educação para o pagamento da dívida pública.
É nesse sentido que entendemos que, para consolidar a derrota do neolibera-
lismo e a construção de outro projeto que esteja baseado na garantia e ampliação
dos direitos sociais, será necessária muita mobilização dos movimentos sociais e de
uma forte integração econômica, social, política e cultural da América Latina.

EDUCAÇÃO

Por uma Universidade Democrática e Popular

Que a Universidade se pinte de negro, de mulato, de


operário e de camponês

(Ernesto Che Guevara)


Estamos entre aqueles que entendem que o acesso ao conhecimento e à
formação intelectual é condição fundamental para o desenvolvimento social e a
elevação do nível de consciência dos povos. A educação, assim, é um bem público,
que não deve ser apropriado privadamente pelas classes dominantes e nem tam-
pouco se constituir em privilégio de uma minoria.
Defendemos, portanto, a educação como um direito universal, que deve ser
garantido pelo Estado com recursos públicos, condição sine qua non para a ma-
nutenção de seu caráter laico, democrático e não discriminatório, bem como da
liberdade e autonomia pedagógica e científica necessárias a seu exercício.
Consideramos que os sistemas de ensino, embora tenham sido em grande
medida concebidos para reproduzir a ordem dominante, podem funcionar, dialeti-
camente, como uma ferramenta a serviço daqueles que trabalham pela construção
de uma outra sociedade, livre de toda a opressão e exploração.
A escola, no entanto, só pode cumprir esse papel libertador se for capaz de
atender às demandas e aos interesses da maioria da sociedade. Sem a manutenção
n 50o CONGRESSO DA UNE

desse caráter, o ensino converte-se em mero instrumento de reprodução das desi-


gualdades sociais, da passividade política e da dominação econômica.
É a partir dessa concepção sobre a educação que deve ser compreendida a
defesa de uma Universidade Democrática e Popular para o país. Uma defesa que
sempre esteve vinculada à necessidade de alterações profundas no modelo edu-

123
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

cacional implantado no Brasil, de modo a combater a mercantilização e garantir a


democratização e universalização do acesso ao ensino superior público, gratuito,
laico e de qualidade, com a conversão das universidades em um instrumento de
transformação social e de aumento do poder das classes populares.
Abrir um novo período de lutas pela educação superior brasileira
A construção de um outro projeto de Universidade, que supere o atual modelo
conservador desenhado pela Reforma Universitária dos militares e o desmonte dos
governos neoliberais da década de 90, pressupõe a capacidade da UNE e do Movi-
mento de Educação em retomar as lutas de massas e os debates mais estratégicos
sobre a Educação Brasileira.
Essa capacidade esteve presente em importantes momentos da luta em defesa
da Universidade Pública no país, tais como nos debates da UNE sobre a Reforma
Universitária na década de 60 e o consequente enfrentamento à reforma dos mili-
tares de 1968; na articulação do Fórum em Defesa da Escola Pública nos debates
da Constituinte de 1988, enfrentando a pressão que o empresariado exercia no
Congresso; no combate aos decretos e leis do governo FHC como a LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação) conservadora de 1996, e na importante formulação
de um Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira que, mesmo descaracte-
rizado em sua tramitação, mereceu ainda vetos de FHC às reivindicações históricas
do Movimento de Educação.
Com a primeira eleição de Lula em 2002, abriu-se a possibilidade de uma
discussão de fôlego acerca dos rumos do ensino superior no país, que pudesse
culminar com transformações profundas, no sentido do fortalecimento do cará-
ter público da universidade brasileira, de sua democratização e da ampliação de
sua capacidade de produzir conhecimento de forma autônoma. Contudo, o caráter
conservador da política econômica e de muitas medidas para a Educação acabaram
por interditar a disputa política por uma agenda popular para o ensino superior
brasileiro.
O aprendizado que trouxe o debate sobre a Reforma Universitária é revelador
em relação ao momento atual. A divisão e ausência de uma proposta consolidada
do movimento de educação, bem como a falta de grandes mobilizações, sinalizam a
importância de uma intervenção mais unificada no próximo período.
Essa intervenção não deve ser pautada, como no primeiro mandato, simples-
mente pelo imediatismo em responder às ações governamentais, ainda que contra
n 50o CONGRESSO DA UNE

ou a favor, mas que debata e mobilize a juventude brasileira em torno de nossas


bandeiras históricas, de nossa Universidade, aberta e voltada aos interesses da gran-
de maioria da sociedade.
Com a vitória de Lula e, sobretudo, a partir da polarização programática e ide-
ológica que verificamos no segundo turno, abre-se novamente a possibilidade de

124
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

avançarmos na superação dos problemas estruturais da educação e, em particular,


da Universidade Brasileira. Um dos objetivos fundamentais a serem perseguidos
pela UNE no próximo período, será a afirmação do caráter democrático-popular do
segundo governo Lula. Essa meta deve nortear suas posições em relação à disputa
de rumos do governo e também no que se refere ao ensino superior.
Esse novo período deve ser impulsionado por uma proposta que seja capaz
de defender que a educação superior e esteja voltada aos interesses gerais do povo
brasileiro, tendo como norte as bandeiras históricas do Movimento de Educação.
O debate que para nós da “Reconquistar a UNE” é capaz de articular essa profunda
disputa de projetos deve ser orientado em torno da construção de uma Universida-
de Democrática e Popular para o país.
Nesse sentido, lutar por uma Universidade Democrática e Popular é defender
uma universidade para todos(as), que atenda a demanda da maioria da população,
que seja um espaço de combate ao racismo, à homofobia e ao machismo presentes
na sociedade e que tenha sua produção de conhecimento, ciência e tecnologia em
sintonia com um projeto descentralizador de riquezas e poder.
Para avançarmos, é preciso criar um clima nas universidades e no ME universi-
tário que coloque na ordem do dia as mudanças mais emergenciais, mas, ao mesmo
tempo, acumule forças em direção à ampliação do sentido público e gratuito da
educação. Só influenciaremos significativamente a transformação da Universidade
Brasileira em uma Universidade Democrática e Popular, se ampliarmos nossas lutas
em torno dos seguintes eixos:
Combate à mercantilização do ensino superior
Hoje, no Brasil, a grande maioria dos estudantes brasileiros estudam nas Uni-
versidades pagas. Resultado de um longo processo de expansão do ensino privado
e um intenso desmonte da educação pública brasileira. Esse avanço da lógica pri-
vatista sobre a Universidade, desacompanhado de garantias de qualidade e de
compromisso com a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão,
faz com que o combate à mercantilização da educação permaneça uma luta central
para a UNE.
Para construir uma Universidade Democrática e Popular no Brasil, faz-se ne-
cessário quebrar a atual hegemonia do setor privado na educação. A hegemonia do
privado sobre o público na Universidade Brasileira se manifesta em diversos aspec-
tos: na abertura dos cursos, na apropriação comercial do conhecimento produzido,
n 50o CONGRESSO DA UNE

nos métodos pedagógicos alienantes, na proliferação de taxas e cursos pagos, na


cobrança abusiva de mensalidades e em tantos outros momentos em que o caráter
público do direito à educação passa ao largo de nossa realidade.
Não será possível valorizar, ampliar e transformar o ensino público e gratuito
se não houver um forte combate aos interesses e à expansão do ensino privado.

125
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Portanto, é preciso combater a mercantilização da educação através das lutas pela


não inclusão da educação como serviço comercial nos acordos da Organização
Mundial do Comércio; pela regulamentação dura do ensino privado e pelo impedi-
mento à entrada de capital estrangeiro na educação nacional.
A construção e entrega do Projeto de Lei de Mensalidades da UNE no último
período, condensou várias reivindicações históricas do ME para a regulamentação
do setor, tais como o impedimento de expulsão dos inadimplentes, a participação
paritária dos estudantes nas discussões acerca das mensalidades e a proibição do
aumento abusivo do seu do valor. Sua aprovação, portanto, demandará a cons-
trução de uma grande campanha da UNE contra a mercantilização da Educação
brasileira.
Por isso, propomos:
- Não à inclusão da educação como serviço comercial nos acordos da Organização
Mundial do Comércio;
- Não à entrada de capital estrangeiro na educação;
- Pelo fim dos cursos pagos e sequenciais na universidade pública;
- Contra a implementação do Ensino à Distância (EAD) como única forma de apren-
dizagem e ensino;
- Redução do valor das mensalidades – aprovação do Projeto de Lei de Mensalida-
des da UNE;
- Garantia da qualidade de ensino: laboratórios, bibliotecas, salas de aulas, profes-
sores qualificados;
- Indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão;
- Ampla liberdade de organização estudantil – garantia de espaço físico para as en-
tidades estudantis;
- Publicidade dos livros-caixa das IES;
- Pelo direito de matrícula dos inadimplentes.
Democracia interna nas Universidades Brasileiras
Uma Universidade posicionada na construção de um projeto soberano de de-
senvolvimento para o país e comprometida com a democratização da sociedade
deve ser, coerentemente, uma instituição que tem na sua própria democracia in-
terna um princípio inegociável e um pressuposto de sua autonomia de gestão e
didático-científica.
n 50o CONGRESSO DA UNE

O caráter democrático da Universidade deve alcançar não só a ampliação do


seu acesso ao povo, mas também as suas próprias estruturas. Uma universida-
de democrática deve ter na liberdade de organização, na eleição de dirigentes e
composição de seus conselhos de forma paritária, princípios norteadores de sua
concepção transformadora.

126
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A Universidade Brasileira, em que pese às resistências e conquistas do ME, con-


tinua refém de um modelo avesso à participação da comunidade acadêmica e da
sociedade na tomada de suas decisões.
Nas instituições pagas, essa realidade é ainda mais grave, uma vez que a perse-
guição aos militantes estudantis e sindicais, a falta de transparência com as planilhas
de custo e investimento e ausência de espaços democráticos de participação e deci-
são são elementos fundantes de uma concepção de educação que se orienta apenas
pelos interesses imediatos da lucratividade.
Por isso propomos:
- Eleições Diretas para todos os dirigentes nas Universidades e FIM da Lista Tríplice
para a escolha dos mesmos;
- Retirada dos vetos de FHC ao PNE (Plano Nacional de Educação de 2001) que ga-
rantia a eleição paritária dos dirigentes das IES;
- Garantia da paridade em todos os níveis de representação das IES (colegiados,
conselhos, direções);
- Livre organização sindical e estudantil com a garantia do direito a espaço físico
para a sede dos CAs/DAs e demais entidades;
- Criação de conselhos sociais que reúnam sindicatos, movimentos, outros setores
sociais e os segmentos internos das Instituições de Ensino.
Ampliação do financiamento público das Universidades Públicas
Como resultado de uma política educacional orientada pela desrespon-
sabilização do Estado, o financiamento da educação superior foi diminuído
consideravelmente ao longo dos anos 90. Em contrapartida, vultosos recursos pú-
blicos eram direcionados para o fomento da expansão das universidades privadas
no país.
Essa realidade que deixou a beira do colapso muitas universidades públicas
Brasil afora, é sentida no dia a dia do ME, através do sucateamento dos laborató-
rios, do acervo precário de nossas bibliotecas e da estrutura de nossas salas de aula.
No governo Lula, ainda que de forma insuficiente, essa relação foi invertida
através de mais investimentos públicos para o ensino superior. As verbas de custeio
das universidades federais passaram de um pouco mais de R$ 500 milhões para
quase R$ 1 bilhão e houve consideráveis avanços com a criação de mais universida-
des, de novos campi e escolas técnicas federais.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Entretanto, para garantir as condições estruturais para que essa expansão de


vagas aconteça com qualidade, é fundamental ampliar as verbas de custeio e inves-
timento no ensino superior público e gratuito.
- Ampliação para pelo menos 7% do PIB para a educação e Retirada dos vetos de
FHC ao Plano Nacional de Educação de 2001;

127
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Extinção imediata da Desvinculação de Receitas da União (DRU) que retira em tor-


no de 25% das verbas da educação e da saúde para pagamento da dívida pública;
- Ampliação para R$ 2 bilhões em custeio para as IFES;
- Duplicação das verbas para investimento nas IFES.
Democratização do acesso e permanência das Universidades Brasileiras
Num país como o nosso que existe mais de 30 milhões de jovens de 18 a 24
anos, apenas cerca de 10% têm acesso ao ensino superior e destes, a maioria esma-
gadora (mais de 80%) estuda em instituições pagas, entrar na Universidade tem se
tornado um privilégio de quem pode pagar.
Reforçando esse quadro de exclusão, os governos neoliberais e seus associa-
dos do Banco Mundial venderam durante muitos anos a falsa ideia de que o centro
deste problema era a Universidade Pública e seu suposto caráter elitista.
Não obstante, o fato de que a Universidade Pública também tenha sido afetada
pelo processo de alijamento dos setores populares do ensino superior, particular-
mente em alguns cursos mais visados (Medicina, Direito, Engenharia, Arquitetura
etc.), para a grande maioria dos estudantes oriundos da escola pública e de baixa
renda, ainda é na Universidade Pública que é encontrada a oportunidade de ingres-
so em um curso superior.
O que se buscava, portanto, não era resolver o “problema” do acesso a educa-
ção superior, mas construir a legitimidade na sociedade para uma grande ofensiva
sobre a Universidade Pública e pavimentar o caminho para a expansão do ensino
privado no país.
Longe de trazer a democratização do acesso, esse avanço mercantil sobre a
educação brasileira acentuou ainda mais o não atendimento a grande demanda
da juventude brasileira por ensino superior. Assim, a democratização do acesso
continua sendo condição fundamental para a inclusão dos setores populares na
Universidade.
Para tanto, defendemos a universalização do acesso à educação em todos os
níveis. Contudo, como esse é um objetivo de longo prazo, devemos defender as po-
líticas de ação afirmativa que, articuladas com políticas de melhorias da educação
básica pública, beneficiem os setores historicamente excluídos da Universidade,
alterando assim sua composição social e fazendo da educação superior um instru-
mento de combate às desigualdades.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Organizar os/as estudantes do PROUNI e reduzir a influência do ensino


privado
Como resposta a grande demanda por vagas no ensino superior, o Governo
Lula adotou duas iniciativas: a ampliação do setor público, iniciada mais tardiamen-
te, e a ampliação das vagas privadas através do PROUNI – Programa Universidade

128
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

para Todos, sendo este último, muito polêmico entre o movimento de educação e
muito disputado por parte do empresariado da educação.
O problema de concepção do PROUNI explicita-se no momento em que o
governo elege o ensino privado como parceiro da ampliação do acesso ao ensino
superior, não acumulando forças para diminuirmos a sua influência sobre a edu-
cação brasileira.
O PROUNI deveria apontar para uma regulamentação da filantropia e não na
concessão de mais isenção fiscal para as Universidades Pagas. Ademais a inclusão de
estudantes de baixa renda em universidades privadas não deve ser a custo de um
ensino de baixa qualidade. Muitas instituições em que ingressaram estudantes pelo
PROUNI possuem péssimas condições estruturais e acadêmicas, havendo casos de
ingressos pelo PROUNI até em instituições que haviam reprovado mais de uma vez
na avaliação do MEC.
Contudo, é inegável que o programa criou uma nova dinâmica nas instituições
pagas. Esta nova dinâmica criada pelos problemas de implementação da lei e pela
mudança de perfil do alunado das instituições que aderiram ao programa, coloca
como tarefa imediata do ME a organização dos estudantes beneficiados em torno
de reivindicações que passam por medidas que garantam a permanência dos estu-
dantes e a qualidade do ensino.
Por fim, nossa luta deve ter como norte a universalização da educação pública
e de qualidade, que só pode ser efetivamente oferecida pelas instituições que não
estão submetidas à lógica do mercado. Ainda que tenha conquistado uma ampla
base social de apoio, sobretudo em função do forte apelo que o programa contém
no tocante à inclusão social e às políticas de ação afirmativa, é necessário que o
PROUNI seja pensado como uma medida emergencial, de caráter transitório, que
deve ser substituída paulatinamente por políticas de inclusão das camadas menos
favorecidas da população nas universidades públicas.
O desafio da permanência e a assistência estudantil
Para além das grandes dificuldades de entrar na Universidade, uma parcela
significativa dos estudantes brasileiros enfrenta uma dificuldade ainda maior para
permanecer estudando.
As próprias políticas de ação afirmativa, se não articuladas com políticas de
assistência social ao estudante, são inviabilizadas, uma vez que não há garantias de
que os setores populares possam permanecer na Universidade e terem condições
n 50o CONGRESSO DA UNE

iguais de aprendizado em relação aos demais estudantes.


A existência de políticas articuladas de assistência estudantil em termos de pro-
gramas de moradia, creches, transporte, alimentação, saúde, esporte e cultura além
de reduzirem as desigualdades socioeconômicas e culturais presentes no ambiente
universitário, deve possibilitar uma formação plena ao estudante.

129
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Assim, acreditamos em um modelo coerente de Assistência Estudantil, em


que esta esteja articulada ao processo educativo, indissociada do tripé ensino-
-pesquisa-extensão, possuindo um nítido viés pedagógico e inserindo-se na práxis
universitária.
Consideramos ainda que, comprovadamente, as políticas de assistência ao es-
tudante além de combaterem a evasão e a desistência, proporcionam um melhor
rendimento acadêmico aos estudantes beneficiados.
Desde 1997, quando o governo FHC suprimiu os recursos destinados à Assis-
tência Estudantil – então considerada um “gasto” desnecessário ao funcionamento
da universidade – esta tem se tornado uma importante bandeira de mobilização da
UNE, impulsionando muitas lutas pelo Brasil. Atualmente, a manutenção, mesmo
que debilitada, de alguns desses programas nas universidades se deve em grande
parte a essa combativa ação do movimento estudantil.
Nas Universidades Privadas, onde essa realidade é ainda agravada pelos aumen-
tos abusivos das mensalidades, as políticas de permanência devem estar articuladas
a um novo modelo de crédito educativo e financiadas pela taxação dos lucros das
instituições e pela regulamentação da filantropia, convertida em bolsas para estu-
dantes de baixa renda.
A destinação de recursos públicos específicos para a manutenção das políticas
de assistência estudantil é condição fundamental para a construção de um perfil
democrático e popular para a Universidade Brasileira. Para tanto, os investimentos
disponibilizados devem ser orientados por uma concepção universalizante de polí-
tica pública que afaste qualquer viés assistencialista na sua implementação.
Por isso propomos:
Nas Universidades Públicas:
- Retirada do veto de FHC ao PNE que estabelecia 40% das vagas do ensino superior
através do ensino público e gratuito.
- Duplicação das vagas nas IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) até 2008;
- Abertura de cursos noturnos em todos os cursos oferecidos pelas IFES;
- Reserva de vagas sociais e raciais por curso e turno;
- Não ao ensino à distância como meio de mercantilização do ensino e único meio
de formação;
- Plano Nacional de Assistência Estudantil com rubrica própria da União, que garan-
ta o investimento em moradias estudantis; criação, recuperação e ampliação dos
n 50o CONGRESSO DA UNE

restaurantes universitários; criação de creches nas universidades, transporte públi-


co gratuito (passe livre), atendimento à saúde etc.
- Programas específicos de assistência estudantil para a jovem estudante;
- Ampliação e reajuste do Programa Especial de Treinamento (PET) para outros
cursos;

130
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Conselho paritário para definir a destinação das bolsas.


Nas Universidades Pagas:
- Pelo fim do PROUNI nas IES privadas;
- Pela transformação do PROUNI, nas instituições filantrópicas, comunitárias e con-
fessionais, como medida de regulamentação da filantropia, sem conceder mais
isenção fiscal que essas instituições já gozam;
- Financiamento da assistência estudantil nas Universidades pagas através de taxa-
ção dos lucros do ensino privado e/ou através de outros meios que não da União.
Verba pública somente para educação pública;
- Pelo Fim do FIES! Por um novo financiamento com juros baixos e com verbas que
não sejam da União;
- Conselho paritário para definir a destinação das bolsas.
Revolução pedagógica nas Universidades
Os estudantes brasileiros não toleram mais a velha forma de ensinar/aprender
reproduzida em nossas escolas e Universidades. As grandes expectativas que temos
ao entrar na Universidade em relação ao modelo pedagógico da sala de aula e a
outros espaços de aprendizagem são frustradas pelo velho modelo de professor(a)
falando e escrevendo e estudante ouvindo e copiando.
Não é possível suportar mais a enganação de que os estudantes fingem que
aprendem e os professores fingem que ensinam. Muitas vezes os estudantes prefe-
rem estudar em casa, em outro local da universidade ou procurar alternativas, pois
não encontram respostas e ânimo para permanecer na sala de aula. Como resposta
a isso a Universidade obriga a presença em sala de aula através da tão conhecida
“presença obrigatória em pelo menos 75% das aulas”. Caso contrário, você é um
mal “aluno” e está reprovado.
Já pensou se a presença obrigatória em sala de aula fosse abolida? Ficariam
quantas pessoas naquela aula chata que ninguém aguenta? Será que o(a) profes-
sor(a) não iria refletir a respeito de seu método de ensino?
E a nossa avaliação? Você já parou para pensar? Será que aquela prova con-
segue refletir o conhecimento construído durante um determinado tempo na
Universidade? Será que só a prova como único meio de avaliação dá conta de de-
terminar quem sabe e quem não “atingiu o nível de conhecimento satisfatório”?
O atual modelo pedagógico concebe a educação apenas como um espaço de
n 50o CONGRESSO DA UNE

formação de “Recursos Humanos” para a produção ou como canal privilegiado


de disseminação da ideologia dominante. A incorporação de conceitos e métodos
pedagógicos importados da lógica empresarial, como produtividade, eficiência e
gerenciamento estão a serviço de grandes interesses econômicos e alinhada a um
processo adestrador de aprendizagem.

131
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Esse modelo que é pautado numa concepção que vê no educando um “depósi-


to” do conhecimento acabado do educador, faz com que o estudante não encontre
na Escola/Universidade nenhuma relação concreta com a sua vida cotidiana ou com
aquilo com que pretende ser. Nesse sentido, o repasse do conhecimento é prioriza-
do em relação à construção do mesmo.
Uma educação emancipadora pressupõe práticas educativas que dialoguem
com as experiências da educação popular e compreendam como sujeitos de conhe-
cimento professores e estudantes, ambos se educando mutuamente.
É impossível aceitarmos que no país de Paulo Freire e tantos outros teóricos de
novos métodos pedagógicos, não seja possível alterar radicalmente o “modelão” da
forma de educar. Para que a Universidade expresse as demandas populares, o mo-
delo pedagógico deve ser baseado no diálogo com a realidade de seus estudantes
e da comunidade em questão.
Uma Universidade Democrática e Popular compreende outro modelo pe-
dagógico baseado na participação, no diálogo, na construção do conhecimento,
principalmente, a partir de objetivos traçados de forma coletiva e de acordo com
as demandas populares.
- Abrir um amplo debate nacional sobre o projeto político-pedagógico das univer-
sidades brasileiras, levando em consideração a reorganização das áreas de ensino,
com ampla participação popular;
- Pela livre presença nas aulas! - Por outro modelo de avaliação dos estudantes!
- Salas de aulas com cadeiras móveis e não fixas no chão;
- Pelo fim dos retroprofessores e profeshows. Queremos educadores;
- Criação de Conselhos Pedagógicos nas universidades para a adoção de métodos
didáticos e pedagógicos alternativos nas atividades acadêmicas, bem como a fiscali-
zação dos métodos atuais;
- Reformas curriculares que transformem a formação profissional rumo a compre-
ensão da realidade popular em detrimento dos currículos elitistas.

Construir um grande movimento nacional de luta pela


Universidade Democrática e Popular
A luta por outra agenda para o ensino superior não será fruto apenas da ação
de setores do Movimento de Educação ou da UNE. Como a construção de uma
n 50o CONGRESSO DA UNE

Universidade Democrática e Popular pressupõe uma identidade lastreada no seio


do povo brasileiro, esse é um debate de interesse e deve alcançar toda a sociedade.
Nesse sentido, o envolvimento dos demais movimentos sociais é de fundamental
importância para que consigamos galvanizar uma ampla legitimidade de nossas
reivindicações.

132
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Essa grande rede de movimentos, entidades e representantes deverão colocar


na agenda do país a centralidade de uma educação democrática e popular, alteran-
do profundamente o modelo educacional brasileiro e a reprodução da situação de
exclusão de ampla maioria da nossa população. Essa construção entre o movimen-
to de educação deve ter como desafio rearticular o Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública (FNDEP) e acumular o debate no sentido da construção do Plano
Nacional de Educação para os próximos 10 anos (2011-2021).
Para isso, propomos:
- Rearticulação do FNDEP a partir da construção de um Seminário Nacional de
Educação sobre a Universidade Democrática e Popular e a construção do novo PNE
(Plano Nacional de Educação 2011-2021);
- Seminário nas universidades (com a presença de servidores e estudantes e mo-
vimentos sociais) sobre a construção da Universidade Democrática e Popular e o
Plano Nacional de Educação 2011 - 2021;
- Fórum de Universidades Públicas da UNE juntamente com a primeira reunião da
diretoria da UNE;
- Fórum de Pagas da UNE juntamente com a primeira reunião da diretoria da UNE;
- Que a UNE organize uma grande jornada de luta para o segundo semestre de 2007
(agosto, setembro e outubro) em defesa da Universidade Democrática e Popular
juntamente com os Movimentos Juvenis excluídos da Universidade (MST/Via Cam-
pesina, PJs, Hip-Hop, Jovens Sem Teto etc.)

Inaugurar um novo momento para o Movimento Estudantil e para


a UNE
Grandes tarefas são apresentadas a todas(os) que lutam por uma Universida-
de Democrática e Popular. O novo período que se abre exigirá uma capacidade de
articulação do Movimento de Educação que consiga disputar os rumos do Ensino
Superior Brasileiro tendo ênfase nas mobilizações de massas e como norte seu pro-
jeto histórico de Educação.
PL 7200/06 - O Projeto de Lei das Universidades Brasileiras: impedir
retrocessos e conquistar possíveis avanços
O debate sobre a Reforma Universitária foi o centro da proposta do governo
Lula para a Educação Superior no seu primeiro mandato. Entremeada de Projetos,
Decretos e Medidas Provisórias, a proposta de Reforma Universitária foi consoli-
n 50o CONGRESSO DA UNE

dada quando da apresentação, envio e tramitação do Projeto de Lei 7200/06, que


estabelece “normas gerais para o Ensino Superior” brasileiro.
No que se refere ao mérito do projeto do governo, em que pese apresentar
alguns avanços, como as propostas referentes às políticas de ação afirmativa, con-
sideramos que o conteúdo do PL 7200/06 carrega consigo o grave equívoco de

133
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

converter parcelas das políticas de governo, implementadas na universidade bra-


sileira durante a era FHC, em políticas de Estado, que legitimam algumas medidas
de inspiração neoliberal.
Entre essas medidas, poderíamos citar a permissão para que as universida-
des públicas cobrem mensalidades nos cursos sequenciais, a regulamentação dos
cursos pagos de extensão e especialização nessas instituições e a legitimação da
existência de centros universitários que funcionam como escolas de terceiro grau,
sem qualquer compromisso com a pesquisa e a extensão.
Além disso, o projeto é muito tímido com relação à ampliação do controle
público sobre as universidades privadas, nas quais hoje está matriculada a imensa
maioria dos estudantes universitários brasileiros. Podemos dizer que, o PL 7200/06,
tal como se encontra hoje, é uma expressão clara do caráter contraditório do pri-
meiro mandato do governo Lula.
O caráter controverso do conjunto das propostas contidas no PL 7200/06 in-
cidiu decisivamente na divisão e desarticulação de uma intervenção comum do
Movimento de Educação nesse debate. Sua tramitação no Congresso, contudo, abre
um novo período no debate sobre a Reforma Universitária, em que a unidade do
Movimento de Educação é condição fundamental para que consigamos resistir às
investidas dos tubarões de Ensino sobre a Universidade Brasileira.
A disputa no Congresso torna-se ainda mais complexa, ao lembrarmos que o
projeto do governo não é o único tramitando na Câmara sobre o tema da refor-
ma universitária. Há pelo menos mais três propostas: o PL 4212/04, do Deputado
Federal Átila Lira (PSDB-PI); o projeto apresentado pela FASUBRA; e o projeto
do Deputado Federal João Matos, do PMDB/SC. E como a proposta do deputado
tucano foi a primeira a ser encaminhada (ainda em 2004), pelas normas de funcio-
namento do Congresso este projeto é considerado o principal, sendo a ele que os
outros se encontram apensados.
Além disso, com o número significativo de emendas do setor privado aos pro-
jetos e dada a correlação de forças existente no Congresso, a tendência é que, na
disputa dos rumos da reforma universitária, aqueles que defendem os interesses
privados consigam introduzir alterações ainda mais nocivas ao caráter público da
educação.
n 50o CONGRESSO DA UNE

É a partir desses vários projetos e das emendas a eles encaminhadas, que o


relator da matéria terá que apresentar uma proposta única, o que deve ocorrer em
breve. No momento que o relator(a) da Comissão Especial da Reforma Universitá-
ria apresentar a sua proposta, a UNE deve empenhar-se em fazer uma minuciosa
análise do relatório final.

134
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Portanto, frente a esse debate acreditamos na necessidade de construirmos


uma saída que seja capaz de unificar amplamente o movimento de educação para
que possamos lutar por avanços e impedir retrocessos no ensino superior brasileiro.
Essa saída, não é encontrada nem através daqueles que defendem a neces-
sidade de barrar a reforma universitária nem através daqueles que continuam
defendendo incondicionalmente sua aprovação. Essa dicotomia mantém o Movi-
mento Estudantil fracionado, impedindo a construção coletiva das lutas a partir de
suas bandeiras históricas.
Por isso, entendemos que nesse novo período, a necessária unidade do Mo-
vimento de Educação deve ser construída em torno de seu projeto histórico para
a educação brasileira. É alinhada a concepção de uma Universidade Democrática
e Popular, que incidiremos na disputa desse debate. Quando o relatório final for
apresentado, elencaremos os pontos que acreditamos que não devem ser aprova-
dos e lutaremos por possíveis avanços.
O Plano de Desenvolvimento da Educação
O anúncio do Governo Federal de um Plano de Desenvolvimento da Educa-
ção (PDE) abre um debate importante na sociedade e no Movimento de Educação.
Tendo como foco a Educação Básica, mas contemplando praticamente todas as mo-
dalidades de ensino, o PDE parte de uma orientação sistêmica na abordagem dos
dilemas da Educação Brasileira.
Prevendo um conjunto de medidas que abarcam desde programas de alfabe-
tização até a destinação de bolsas de estudo em Universidades para professores de
Ensino Básico, o Plano anuncia um aporte de recursos públicos de até 8 bilhões de
reais até 2010, cuja fonte do orçamento ainda não foi revelada pelo MEC.
Entretanto, o próprio fato de não apontar a origem dos recursos prometi-
dos pelo Plano já indica que a iniciativa só atenderá ao desafio de “desenvolver”
a educação no Brasil se houver o necessário compromisso com a ampliação do
financiamento público, hoje constrangido tanto pelo contingenciamento dos in-
vestimentos pela equipe econômica quanto pela manutenção dos vetos de FHC ao
Plano Nacional de Educação e da DRU (Desvinculação das Receitas da União), que
retira vultosos recursos da educação brasileira.
Ademais, a ausência do debate em torno da necessária regulamentação do
ensino privado limita significativamente a valorização e ampliação do ensino pú-
blico e gratuito, que um Plano de Desenvolvimento da Educação Brasileira deveria
n 50o CONGRESSO DA UNE

contemplar.
Nesse sentido, a concordância com a orientação geral do Plano não deve impli-
car em concordância com todas e cada uma de suas medidas integrantes. Questões
positivas como a ampliação das verbas públicas para as Universidades estariam elen-
cadas com outras propostas mais questionáveis como a distribuição de recursos de

135
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

acordo com índices de produtividade, a centralidade dada ao Ensino à Distância,


a troca de dívidas de universidades privadas por bolsas de estudo e o aumento da
relação professor/estudante nas universidades.
Portanto, cabe ao Movimento de Educação e a UNE incidir sobre esse PDE
apresentado pelo Governo a partir das propostas mais gerais em torno da Univer-
sidade Democrática e Popular e acumular para uma mudança mais profunda do
projeto de educação/Universidade em nosso país.
A “Universidade Nova”
Propondo uma alteração das formas de acesso e da “arquitetura” curricular
das faculdades e aproveitando o esvaziamento do debate da reforma universitária,
ganham corpo na comunidade educacional e no governo propostas como a “Uni-
versidade Nova”
Fazendo uma referência ao Movimento da Escola Nova, protagonizado por
Anísio Teixeira e outros educadores na década de 30, a proposta apresentada pelo
Reitor da Universidade Federal da Bahia tem ganhado a adesão de vários reitores e
a simpatia do próprio MEC, que tem incorporado suas proposições às próprias po-
líticas do governo de reestruturação acadêmica das Universidades.
A proposta da Universidade Nova parte de uma avaliação de que o atual mo-
delo de Educação Superior não está adequado às necessidades nacionais e estaria
incompatível com os modelos internacionalmente vigentes. Essa busca de adequa-
ção a modelos internacionais, como o Tratado de Bolonha na Europa ou o modelo
estadunidense, é preocupante na medida em que se trata de processos orientados
por uma concepção não soberana em relação ao Ensino Superior.
No tocante às políticas de acesso, por sua vez, a proposta da Universidade
Nova prevê uma ampliação do acesso através da substituição do processo de sele-
ção do vestibular e o uso dos resultados das avaliações do Ensino Médio, como o
ENEM. Entretanto, sob o manto do elogiado “fim do vestibular”, permanece o mes-
mo método de seleção, com o único diferencial que a prova não será elaborada pela
própria instituição de ensino superior, ferindo a autonomia universitária. Ademais,
o impacto da proposta nas políticas de ação afirmativa tem sido alvo de críticas con-
tundentes do Movimento Negro e estudantil nas universidades.
Em relação à formação, os estudantes ao ingressarem na Universidade, cursa-
riam inicialmente um Bacharelado Interdisciplinar (BI), priorizando uma formação
inicial mais generalista, com uma abrangência para diversos campos do conheci-
n 50o CONGRESSO DA UNE

mento e possibilitando uma formação mais completa, capaz de elevar o seu nível
cultural e de consciência. Apenas após a formação no BI, é que os estudantes teriam
a oportunidade de escolher a formação profissional de sua preferência.
O preocupante na proposta é o fato de que, após a formação em Bacharel
Interdisciplinar, é emitido pela instituição um certificado de conclusão, consoli-

136
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

dando a possibilidade de precarização e “aligeiramento” da formação superior, o


que possibilitaria a criação de um maior exército de mão de obra reserva suposta-
mente qualificado, e a ampliação da mercantilização do ensino. Pesa ainda o fato de
que apesar da louvável preocupação em se proporcionar uma formação generalista
e crítica da realidade a partir da prática interdisciplinar nos primeiros anos, per-
manece em vigor uma concepção compartimentalizada dos saberes, onde não há
diálogo, mas segmentação, entre a formação profissional e a formação interdiscipli-
nar. Uma contradição que põe em xeque o próprio objetivo almejado.
Além disso, ao propor uma reestruturação da Universidade e a ampliação das
vagas, sem dimensionar a centralidade da ampliação do financiamento da educação
pública e sem a garantia de assistência estudantil para os estudantes, a proposta da
Universidade Nova não enfrenta o grande dilema do sucateamento da Universidade
pública Brasileira.
O espaço dado a esse debate é devido em parte ao grande vazio deixado pelo
Movimento de Educação em estar sendo protagonista no debate educacional do
país por apresentar seu programa e suas bandeiras históricas. Portanto, é preciso
que a UNE e o conjunto do ME aprofunde esse debate nas Universidades, impedin-
do mecanismos que possam significar um processo ainda maior de mercantilização
do ensino superior e acumulando para a construção soberana de uma Universidade
que dialogue com as demandas das classes populares de nosso país.

UMA AGENDA POLÍTICA PARA A UNE

A extensão universitária e o movimento estudantil


A base de sustentação das Instituições de Ensino Superior está alicerçada no
princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão previsto por nos-
sa Constituição. Sem esse tripé, não há formação completa do processo educativo.
A extensão universitária no Brasil teve início na metade do século XX, quando
foi imposta a necessidade de difundir os pacotes tecnológicos importados através
do desenvolvimento e expansão da indústria pós-segunda guerra mundial. Neste
contexto, a chamada “revolução verde” viu na extensão rural, que foi a primeira
experiência extensionista no país, um meio de “estender” às comunidades rurais
a tecnologia em questão. As universidades, institutos e órgão técnicos públicos fo-
n 50o CONGRESSO DA UNE

ram os aparatos onde tais ações foram aplicadas através de um forte investimento
público.
Sendo assim, a extensão universitária consolidou-se como um proces-
so de intervenção em uma determinada realidade e situação, onde era aplicada
uma “fórmula mágica do saber científico” sem levar em conta o contexto socio-

137
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

político-cultural, alterando completamente a realidade em questão e tornando-a


dependente dessas tecnologias ali incorporadas.
Contudo, mesmo que majoritariamente as premissas tenham sido mantidas
em relação à concepção de extensão, desenvolveram-se ao longo do tempo outras
linhas teóricas que defendem um processo de “comunicação” (muito difundido
por Paulo Freire) entre Universidade – Sociedade. Ou seja, a produção do conheci-
mento a partir da cultura local, do saber popular e das condições do meio, sempre
buscando garantir a autonomia em relação às tecnologias implementadas, inclusive
valorizando as tecnologias alternativas oriundas do empirismo.
No Movimento Estudantil e na UNE vimos a reedição do projeto Rondon que
foi construído durante a ditadura militar. Esse projeto, apesar de ter sofrido altera-
ções, manteve de uma forma geral o seu caráter assistencialista e promove a ideia
de que os “detentores do saber” levarão a solução dos problemas – em uma ação
quase messiânica de salvação – para os “que nada sabem”.
Um grupo de estudantes não resolve os problemas de uma determinada co-
munidade através de uma jornada de intensas atividades por certo período de
tempo, uma vez que tal ação é pontual e assistencial. E apesar de amenizar inclu-
sive algumas situações de risco, o projeto não permite que a comunidade se torne
independente das ações assistenciais, fortalecendo a não emancipação da popula-
ção local.
Cabe ressaltar que tendo o Ministério da Defesa como promotor do projeto,
além de não haver o comprometimento das instituições de ensino superior após a
visita dos estudantes como forma de promover uma atenção contínua e não pontu-
al, reforça o modelo e a concepção assistencialista, muito comum nas incursões das
forças armadas de auxílio à população civil, concebida como forma de amenizar os
impactos sociais de uma guerra.
Sendo assim, o projeto Rondon pode ser uma boa experiência para o(a) estu-
dante coletar dados para a sua formação profissional, conhecendo novas realidades
e encontrando novos desafios, porém, como projeto de extensão é um retrocesso
enorme, uma vez que retorna à concepção que deu início às ações extensionistas
no país.
Para a construção de uma Universidade Democrática e Popular é necessário
que a UNE estimule a realização de projetos de extensão que não tenham como
proposta política-pedagógica a imposição do “saber universitário” na comunidade,
n 50o CONGRESSO DA UNE

mas sim, a troca e construção entre o saber popular e o saber científico de alter-
nativas que possam melhorar a vida de um povo sem torná-los dependentes, mas
sim libertá-los cada vez mais. Por isso, acreditamos que é papel da UNE construir
espaços que permitam que os estudantes participem de experiências que possibili-
tem questionar o atual modelo de Universidade. Há no ME experiências de projetos

138
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de extensão, como Estágios Interdisciplinares de Vivência e Assessorias Jurídicas


Populares, que possibilitam a construção de uma concepção emancipadora de ex-
tensão nas universidades e, diferentemente do Projeto Rondon, têm como premissa
o envolvimento dos Movimentos Sociais, gerando maior articulação com o ME e
fortalecendo suas lutas.
Por isso propomos:
- Pela construção e fortalecimento das experiências emancipadoras de extensão,
como os Estágios Interdisciplinares de Vivência em assentamentos de reforma agrá-
ria, e pela sua ampliação juntamente com os Movimentos Sociais;
- Pelo fim do Projeto Rondon. É preciso uma nova fase nas ações de extensão da
UNE;
- Construção de um Seminário Nacional de Extensão da UNE.
Se não tem PASSE LIVRE a gente pula a roleta
A cidade tem sido um espaço privilegiado de projeção das grandes desigualda-
des da sociedade capitalista.
Pesquisas revelam que em torno de 30% da juventude brasileira está fora da
escola por não ter condições de locomoção. Contudo, o passe livre deve ser com-
preendido a partir de um panorama mais amplo.
O processo de formação educacional, profissional e intelectual não perpassa
apenas em sala de aula, mas sim a partir do acesso aos espaços de cultura, lazer e
entretenimento oferecidos pelos centros culturais das cidades os quais infelizmen-
te estão afastados das periferias. Sendo assim, como a maior parcela da juventude
localiza-se na periferia das cidades, são impedidas de participar desses espaços im-
portantes para sua plena formação cultural e intelectual.
Nesse contexto e em diálogo com nossa luta mais geral por políticas que garan-
tam o acesso e a permanência da juventude na Escola, temos assistido nos últimos
anos um importante avanço das manifestações pelo PASSE LIVRE no Brasil.
Essas manifestações são uma resposta clara a concepção de transporte público
dominante, que tem como objetivo central não os interesses da sociedade, mas a
manutenção dos lucros dos “barões da catraca”.
O aumento constante das passagens, a falta de transparência das planilhas de
custo do transporte público, a concentração do setor em mãos de monopólios pri-
vados é uma realidade que afeta milhões de brasileiros(as) e um ataque diário ao
seu “direito de ir e vir”.
n 50o CONGRESSO DA UNE

O Passe Livre, portanto, deve ser compreendido como um instrumento que


garanta o acesso dos estudantes não só à educação, mas também a cultura, esporte
e lazer. Por essas razões a UNE, em conjunto com a UBES e os demais movimentos
que lutam pela democratização do transporte público, deve incorporar o PASSE LI-
VRE de forma mais acentuada às lutas mais gerais dos estudantes brasileiros.

139
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Nesse sentido é preciso superar a postura por vezes vacilante de nossas enti-
dades nacionais, dando um caráter de massas às próximas “Caravanas pelo Passe
Livre” e aprofundando a elaboração do Movimento Estudantil sobre a questão do
transporte público brasileiro.
Por fim, cabe ressaltar a importância de o Movimento Estudantil mobilizar-se
como ponta de lança diante dos aumentos abusivos dos preços das passagens, uma
vez que nestes casos uma parcela ainda maior da população sai diretamente pre-
judicada. Ações como estas ajudam inclusive na solidariedade do povo ao pleito
estudantil pelo passe-livre.
- Que a UNE aprove a defesa da bandeira do passe-livre;
- Construção de um calendário unificado de lutas entre os diversos movimentos
juvenis pelo passe-livre;
- Que a UNE e a UBES construam um Seminário Nacional sobre o Transporte
Público.

Legalizar as drogas

Vou apertar, mas não vou acender agora... / Te segura


malandro, pra fazer a cabeça tem hora.

(Bezerra da Silva)
O debate sobre a questão da violência, do narcotráfico e da drogadição deve
ser feito abertamente, sem moralismos ou hipocrisias. A maneira como a grande
mídia e a maioria dos governos trata o tema é parcial, equivocada, e esconde inte-
resses escusos.
Afinal, o que são drogas?
O termo “droga” é o modo mais comum de se referir aos narcóticos, que são
substâncias tais como a cafeína, álcool etílico, a nicotina, o THC (maconha), a co-
caína, a heroína, seus compostos e misturas, entre muitos outros. O ser humano
se utiliza hoje e sempre se utilizou desse tipo de substância para obter estados al-
terados de consciência, pelo simples prazer e/ou pelo uso religioso (temos hoje no
Brasil a ayuasca, que é ingerida no ritual do Santo Daime).
No presente momento histórico, algumas destas substâncias são legais e outras
ilegais. Todas elas produzem efeitos colaterais negativos à saúde humana em geral
n 50o CONGRESSO DA UNE

e, no limite, são capazes de levar à morte.


No caso das drogas ilegais, contudo, tais efeitos deletérios à saúde se somam
aos efeitos sociais negativos advindos da própria situação de ilegalidade. O depen-
dente químico ao invés de assistente social, médico, psicólogo e educador, que lhe
dariam alternativas de tratamento e mesmo de redução de danos, recebe do Estado

140
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

apenas a truculência policial, que o mantém na posição de eterno consumidor de


um lucrativo mercado.
Não é por acaso que algumas drogas são ilegais e outras são legais. Sabemos
que o álcool, o tabaco e principalmente alguns remédios vendidos legalmente têm
igual ou maior potencial de causar dependência e outros danos do que várias dro-
gas que hoje são ilegais. Então porque esse estigma sobre a maconha, o ecstasy,
a cocaína e outros? Talvez seja pelo motivo que venha sendo mais lucrativo para
quem produz e comercializa estas drogas. Aqui, apesar das pequenas modificações
ainda ficou parecendo que ecstasy e cocaína são menos danosas em comparação ao
tabaco, por exemplo, o que não procede.
Esse negócio movimenta, estima-se, um trilhão de dólares ano após ano. Ga-
nha de longe, em lucratividade, da produção e comercialização das drogas legais. A
altíssima lucratividade só existe devido à proibição legal. A política mais repressiva
com relação às drogas é estimulada justamente pelos EUA, país líder em consumo.
Esta política proibicionista, repressora e ineficaz alimenta toda uma rede de interes-
ses políticos econômicos e militares.
O consumo humano e, consequentemente, o comércio das drogas, não dei-
xará de existir no atual estágio da humanidade. Somente um moralista barato irá
proclamar que em uma sociedade onde se consomem gigantescas quantidades de
drogas legalizadas é possível não haver demanda e mercado para outras drogas, es-
tas não legalizadas. A história da máfia ítalo-estadunidense no período da “Lei Seca”
demonstra claramente que a lucratividade deste negócio cai quando a situação ile-
gal deixar de existir.
Defender a extensão da norma legal à produção e à comercialização das drogas
não significa fazer apologia de sua utilização. Ao contrário, defender a legalização
faz parte do combate à alienação das drogas, legais ou ilegais. Ao contrário de “dei-
xar rolar”, a extensão da norma legal à produção e comercialização das drogas,
busca destruir a base material das quadrilhas que realizam o tráfico, permitindo
uma ação de saúde pública e de educação muito mais eficaz. Se no lugar do tráfico
auferindo lucros existir a ação governamental de esclarecimento, educação e saúde,
certamente muitas vidas serão salvas.
Cabe ressaltar que boa parte das organizações criminosas, que geram o aumen-
to crescente dos índices de violência, especialmente nos grandes centros urbanos
n 50o CONGRESSO DA UNE

do país, gira em torno do narcotráfico. Fazer com que a produção e a comerciali-


zação das drogas sejam legalizadas é inclusive, e principalmente, uma questão de
segurança pública – tema que ultimamente tem conquistado cada vez mais espaço
devido à tamanha barbárie vivenciada no cotidiano da sociedade. A elite brasileira
está estarrecida com a violência, mas de forma hipócrita e moralista não faz o fran-

141
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

co debate a respeito da legalização das drogas com forma de acabar de vez com o
narcotráfico.
Enquanto perdurarem as políticas proibicionistas, em que pesem os avanços
– no sentido da descriminalização e na abertura do tratamento de saúde com po-
líticas de redução de danos - contidos no projeto de lei assinado ano passado pelo
Presidente Lula, o tráfico, a criminalização e a repressão continuarão fazendo suas
vítimas, que no Brasil, na esmagadora maioria dos casos, têm cor, idade, sexo e clas-
se social, os jovens negros da periferia.
- Que a UNE defenda a Legalização das Drogas;
- Por políticas públicas de saúde para usuários de drogas;
- Contra a redução da maioridade penal.

Saúde: o movimento estudantil


construindo bases em defesa da vida
O acúmulo gerado pela sociedade civil organizada criou o Sistema Único de
Saúde (SUS), fruto dos debates que incidiram na Constituição Federal de 1988 e na
lei nº 8080/90, que o regulamentou, sob uma ótica de universalidade, integralidade
e equidade, cujo funcionamento é descentralizado e com o princípio da participa-
ção popular nas diretrizes do sistema a partir dos mecanismos de Controle Social.
Foi uma vitória da população brasileira, pois garantiu a saúde como direito de to-
dos e dever do Estado.
Porém, ao longo de sua implementação, o SUS vem encontrando obstáculos
múltiplos, que variam desde a falta de recursos financeiros, passando pela carên-
cia de profissionais aptos a lidar com a concepção de saúde proposta pelo novo
sistema, até o forte lobby dos planos de saúde no Congresso Nacional, impedindo
os projetos que fortalecem o SUS, pois isto diminuiria suas margens de lucro. Tais
empecilhos permanecem, mas lutar em defesa do Sistema e por sua consolidação é
tarefa urgente e necessária.
Os movimentos sociais acompanharam a trajetória do movimento sanitarista e
foram protagonistas das lutas para que o SUS fosse elaborado e aprovado por lei.
Presente e atuante estava o ME que, representado pelas Executivas e Federações na-
cionais de cursos da saúde, exerceu importante papel para a realização deste feito.
Hoje, o ME, portanto a UNE, tem a responsabilidade de contribuir com o SUS:
transformar a universidade para que deixe o modelo ainda hegemônico, centrado
n 50o CONGRESSO DA UNE

na doença, no médico, no hospital e nos medicamentos; participar e fortalecer o


controle social do Sistema; contribuir na Educação Popular e na Educação Perma-
nente em Saúde; entre outras ações.
Para cumprir com este papel a UNE deve, prioritariamente, incorporar a ban-
deira de luta da saúde. O 49º CONUNE aprovou uma plataforma nesta área, mas é

142
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

insuficiente. Será necessário que a entidade aprofunde suas discussões neste ter-
reno no I Seminário de Saúde da UNE, com indicativo para acontecer neste 2º
semestre de 2007 (Resolução do 55º CONEG). Fortalecer os laços com as Executi-
vas e Federações nacionais de cursos da saúde torna-se fundamental, assim como
democratizar as ações da entidade referente ao tema – principalmente no que se re-
fere a participação da UNE no Conselho Nacional de Saúde. Para alcançar o objetivo
de fazer valer o SUS em sua essência e seus princípios este processo de interlocução
deve ser encarado como estratégico, não tático, como contínuo, não pontual.
- Pela defesa incondicional e consolidação do Sistema Único de Saúde em seus
princípios e diretrizes: universalidade, integralidade, equidade, descentralização e
participação social;
- Contra a mercantilização da saúde;
- Regulamentação conjunta das profissões da área da saúde;
- Defesa das Residências Multiprofissionais de Saúde;
- Pela aprovação do Projeto de Lei da Responsabilidade Sanitária;
- Pela implementação de currículos que efetivem a integralidade em saúde e a for-
mação de profissionais para o SUS;
- Pela regulamentação da Emenda Constitucional 29, além da garantia da ampliação
do financiamento da saúde;
- Contra a retirada do financiamento do MEC para os Hospitais Universitários de
Ensino;
- Destinação de 100% dos leitos de Hospitais Universitários e de Ensino públicos
para o SUS;
- Contra o corte de verbas para a saúde, promovido pelo PAC;
- Mudança de nome da “Diretoria de Biomédicas” para “Diretoria de Saúde da
UNE”;
- Organização do I Seminário de Saúde da UNE no 2º semestre de 2007 em parceria
com as Executivas e Federações de cursos da área da saúde, demais entidades estu-
dantis, movimentos sociais e instituições formadoras;
- Que a UNE não mantenha vínculo com o setor privado da saúde. Quem defende
o SUS não ganha dinheiro dos planos de saúde.

Comunicação e educação no Brasil:


uma necessária democratização
n 50o CONGRESSO DA UNE

No Brasil a comunicação social é extremamente concentrada nas mãos de pou-


cos detentores do poder econômico e/ou oligarquias regionais, as quais utilizam
desse aparato para fazer valer os seus interesses sobre o conjunto da população.
A Rede Globo, as demais emissoras de TV, as TVs e Rádios do ACM na Bahia,
dos Sarney no Maranhão, a RBS no RS são exemplos da concentração dos aparatos

143
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

da comunicação social, permitindo a essas oligarquias repassar apenas o conteúdo


que mais interessam para os seus objetivos político/econômicos.
A questão fica ainda mais grave se relacionarmos isso com o processo educa-
tivo das crianças e jovens. Hoje, pensar em educação não é mais possível se não
entendermos que os meios de comunicação exercem uma enorme influência sobre
a educação das pessoas.
O processo educativo brasileiro sofre fortes influências através do “acultura-
mento” que os meios de comunicação acabam realizando sobre as mais diversas
regiões do país. Isso quer dizer, que é através dos meios de comunicação são disse-
minados os padrões culturais de outras regiões do país ou, até mesmo, de outros
países, como por exemplo, a forma de vida norte americana permitindo elevar ao
máximo o consumismo, o individualismo e a competição.
Sendo assim, as expressões culturais de outras regiões do país (como a música,
a dança etc.), muitas vezes, ficam em segundo plano em relação ao “modelo” pau-
lista ou carioca que é transmitido para todo o país.
Dessa forma, não é possível pensar em construir um modelo de educação
democrático e popular caso não haja uma profunda democratização dos meios de
comunicação no Brasil.
A UNE, no início de 2007, sinalizou com a construção de uma grande cam-
panha pela democratização dos meios de comunicação no Brasil. Contudo, essa
campanha ainda não foi construída. O Movimento Estudantil precisa colocar como
prioridade essa pauta, pois possui relação direta com a educação.
Por isso propomos:
- Pela incorporação das tecnologias nacionais desenvolvidas no sistema de comuni-
cação digital, aproveitando este passo histórico para democratizar as mídias;
- Por um novo marco regulatório para a comunicação eletrônica, que atualize as ve-
lhas leis na atual conjuntura de convergência de mídias;
- Por uma radical democratização das TICs (Tecnologias de Informação e Comunica-
ção), legando ao povo a possibilidade de operar sua própria emancipação;
- Pela construção de uma grande campanha nacional da UNE pela democratização
dos meios de comunicação;
- Pela criação de uma TV pública e estatal no Brasil.
Por uma Universidade sem racismo

Povo negro não quer só tocar tambor / Povo negro quer


n 50o CONGRESSO DA UNE

livro e também quer ser doutor


As condições de desvantagem da população negra nas mais diversas dimen-
sões e setores da vida social não são desconhecidas nem pela academia, nem pela
sociedade em geral. A população negra brasileira continua mais pobre que a bran-

144
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ca, morre mais cedo, tem a escolaridade mais baixa, menor acesso à saúde. Esta
condição social em que se encontram os negros brasileiros é o reflexo de uma
sociedade que ainda não conseguiu se livrar dos resquícios de seu passado es-
cravista. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), “os negros representam, ainda, 60% dos pobres do país e 70% dos indi-
gentes. Na contagem geral da população, 50% dos brasileiros negros ou pardos são
pobres, enquanto apenas 25% dos brancos estão nessa condição. A pobreza tem
reflexo nos demais indicadores, piorando a condição de saúde e escolaridade dessa
população”.
As desigualdades sociais entre negros e brancos, além de ser atribuída a heran-
ça do passado escravista do país, deve-se também ao racismo e sua reprodução, nas
mais variadas formas, ou seja, estrutural e simbólica.
Consequentemente, a discriminação racial afasta a população negra das instân-
cias ou espaços de poder e decisão em nossa sociedade, sejam eles o parlamento,
as universidades, a mídia etc. No que se refere ao contexto educacional as univer-
sidades brasileiras são o verdadeiro retrato da desigualdade racial. Mesmo que em
linhas gerais o conjunto da juventude brasileira, principalmente aqueles jovens de
classes mais baixas, tem dificuldades de acesso superior, esta segregação ainda atin-
ge mais os jovens negros que os brancos. Segundo o Relatório de Desenvolvimento
Humano do PNUD em 2000, o percentual de brancos com diploma de nível supe-
rior era de 11,8% (11,6% entre homens e 12% entre as mulheres) e para 2,9% entre
os negros (3,1% entre as mulheres e 2,7% entre os homens).
O envolvimento das instâncias governamentais brasileiras no enfrentamento a
discriminação racial se aprofundou com no Governo Lula que criou uma Secreta-
ria de Estado para a Promoção da Igualdade Racial e assinou o Programa de Ações
Afirmativas o que resultou na criação de bolsas de estudos para estudantes negros
e indígenas se prepararem para o curso Rio Branco do Ministério das Relações
Exteriores.
Entretanto, foi com a reserva de vagas no vestibular das principais universida-
des públicas brasileiras para estudantes negros e indígenas que de fato o debate
sobre o combate às desigualdades raciais foi reinserido com bastante fôlego na
política brasileira.
A recente adoção do sistema de políticas afirmativas para a população negra
n 50o CONGRESSO DA UNE

no ensino superior tem provocado discussões e reações em diversos campos e seg-


mentos sociais. Apesar de ainda não se ter um diagnóstico preciso destas reações
ou do resultado destas políticas, o que já é nítido é que este fato criou um contexto
que possibilitou uma maior discussão por parte da sociedade e do meio acadêmi-
co sobre o modo como são tratadas e se estabelecem às relações raciais no Brasil.

145
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

As cotas no vestibular provocaram mudanças significativas na forma de ingres-


so das mais tradicionais universidades do país. A partir de então, a seleção dos
estudantes não se baseia mais no mérito pessoal de cada vestibulando, foi adotada
uma seleção baseada em critérios raciais e sociais, em uma política de ação afirmati-
va volta a destinar vagas a estudantes do sistema público de ensino, negros, pobres
e de baixa renda.
Apesar da opinião pública ainda travar a polêmica sobre a necessidade ou
não das políticas de ação afirmativa, elas já são uma realidade. Já é significativo o
número de estudantes negros e de baixa renda que se inserem no quadro universi-
tário, seja nas universidades públicas através da adoção do sistema de cotas, como
também nas universidades particulares via o PROUNI. Esta mudança no perfil dos
estudantes provavelmente causará transformações profundas na cultura e na vida
universitária.
Estas ações provocam uma mudança no perfil dos estudantes universitários
que não mais serão uma maioria esmagadora de brancos e da classe média, e con-
sequentemente transformarão as nossas universidades em espaços mais populares.
Entretanto, estas mudanças nos trarão novos desafios.
Agora, além do grande desafio de assegurar a implantação das políticas de
ações afirmativas nas instituições de ensino superior que ainda não adotaram esse
sistema, temos novos desafios como a implementação das políticas de permanên-
cia, da efetivação de políticas de assistência estudantil, da construção de currículos
não eurocêntricos, do embate público com aqueles que já demonstram o quanto se
incomodam com a democratização da universidade, entre outros. Todos estes de-
safios nos exigirão muita disponibilidade para continuar a luta pela construção de
uma universidade a serviço do povo brasileiro.
Muitos(as) estudantes brasileiros(as) já se organizam nas universidades em nú-
cleos ou grupos e através deles impulsionam estas lutas. Alguns espaços já existem
no âmbito nacional em que a juventude negra vem se organizando para enfrentar
o racismo.
Entretanto, estamos convencidos que a UNE pode e deve fortalecer as trinchei-
ras de luta contra o racismo nas universidades. A UNE se consolidará de fato como
entidade representativa dos estudantes universitários brasileiros quando compre-
ender estes estudantes nas suas complexidades e diversidades e, portanto, deve
n 50o CONGRESSO DA UNE

usar seus espaços para dar voz aqueles que a sociedade insiste em calar.
- Pela aprovação das propostas do I Encontro Nacional de Estudantes Negros e Co-
tistas da UNE (ENUNE) realizado no mês de abril em Salvador;
- Todo apoio à campanha “Universidade sem racismo”.

146
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Mulheres que lutam mudam o movimento estudantil

Nada causa mais horror à ordem que mulheres


que lutam e sonham

( José Martí)

Como os outros espaços onde a mulher está presente, a Universidade passou


a reproduzir o machismo, ocultando as questões de gênero e dificultando sua per-
manência, reforçando as desigualdades através de práticas sexistas de propostas
pedagógicas, segregação de gênero por ramo de conhecimento e profissões, dito
como femininas ou masculinizadas, linhas de pesquisas que, embora aparentemen-
te neutras, ocultam as questões de gênero, reafirmando práticas machistas.
Apesar das mulheres serem 57% dos estudantes universitários e estudarem
20% a mais que os homens, os espaços de discussão e decisão política, como o mo-
vimento estudantil tem reproduzido uma relação de poder desigual entre homens
e mulheres. É muito comum no ME práticas machistas, homofóbicas e discrimina-
tórias, além da sub-representação das mulheres nas entidades estudantis, mesmo
sendo a maioria da base do movimento.
Piadas e comportamentos machistas, arraigados dentro da Universidade e do
ME foram incomodando as mulheres dos mais diversos campos e ideologias surgin-
do à necessidade de se organizar.
Surge daí uma união entre mulheres estudantes, colocando o feminismo e o
fim das opressões como a pauta do dia dentro das entidades e da Universidade,
como o EME (Encontro de Mulheres da UNE). Mas não basta! Precisamos garantir
mais inserção e participação das mulheres, avançando a democratização dos espa-
ços decisórios, dispensando práticas viciadas que enfraquece a força da categoria
estudantil.
A UNE, através dos Encontros de Mulheres Estudantes, já construiu uma boa
plataforma política. Contudo, é preciso avançar, fazer com que essa plataforma se
materialize no dia a dia da Universidade e do próprio ME em todas os seus níveis.
Dessa forma daremos um passo importante para fortalecer a luta contra as opres-
sões, rumo à construção de uma sociedade com igualdade de condições.
Portanto, propomos:
n 50o CONGRESSO DA UNE

- Criação de núcleos de pesquisa e extensão sobre gênero em todas as universidades;


- Campanha da UNE pela criação de creches e pela desburocratização das licenças
maternidades;
- Que a UNE unifique sua pauta com os movimentos feministas a favor da legaliza-
ção do aborto, contra a violência sexista, incorporando essas pautas ao ME.;

147
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Criação de espaços mistos de discussão de gênero, não só nas atividades centrais


da entidade;
- Ampliação da organização do EME a todas as executivas de curso e coletivos de
mulheres, não ficando restrita à responsabilidade da diretoria de Mulheres da UNE;
- Por maior apoio e segurança a mulheres estudantes, muitas vezes assediadas por
professores, funcionárias e colegas, sem ter local apropriado para denunciar;
- Criação de Grupo de Trabalho permanente na diretoria de mulheres da UNE, para
que seja possível de forma mais ampla e articulada construir as ações da diretoria.
UNE fora do armário: respeito aos gays,
lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais

Eu gosto de homens e de mulheres / E você o que prefere?

(Ana Carolina)
A consolidação de uma sociedade justa e emancipada de opressões e explo-
ração não se dará apenas pelas mudanças na estrutura político-econômica, mas
através de profundas revoluções nas formas como os seres se relacionam entre si.
Cada julgamento preconceituoso, cada ato de inferiorização do outro deve ser des-
construído para que se estabeleça uma sociabilidade igualitária, não somente no
material, mas no plano simbólico e subjetivo.
O ME cada vez mais precisa estar atento à pauta de luta dos estudantes. Mais
do que pautar o ME é preciso entender quais são suas pautas e encampar as lutas. É
o caso da luta contra a homofobia que, junto com a luta antirracismo e antimachis-
mo, são bandeiras importantes a serem defendidas dentro da universidade.
Se nossa sociedade é marcada pela violência, assassinatos e desrespeito aos
GLBT, dentro da academia, infelizmente, prevalece o preconceito e a discrimina-
ção. Piadinhas, ‘brincadeiras’, apelidos são formas comuns dessa manifestação. Não
são raros casos de agressões dentro dos campi universitários, como ocorreu na
calourada da UFRJ. Também ocorreram manifestações homofóbicas na Faculdade
de Direito da UFRJ e UFPE. Por isso transformar a sociedade passa também por tor-
nar a universidade mais aberta às diferenças e livre de discriminações de qualquer
ordem.
Foi no ano de 2003 que GLBTs universitários se uniram no 48º Congresso da
UNE de Goiânia e passaram a articular-se. De lá pra cá, já foram realizados 4 ENUDS
n 50o CONGRESSO DA UNE

– Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual. Em 2005 a UNE aprovou


no seu 49º CONUNE, a criação de uma Diretoria GLBT da UNE. Isto constituiu um
marco na história da entidade para a questão GLBT.
Não acreditamos em fórmulas mágicas, nem esperamos que nos deem o que
desejamos. Por isso ocupamos os espaços que nos cabem no ME, estamos nas en-

148
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

tidades estudantis e exigimos a aprovação de nossas reivindicações e incorporação


das mesmas à pauta geral do ME. Por isso propomos:
- O fortalecimento, político e operacional, da Diretoria GLBT da UNE;
- A realização de um Encontro de Estudantes GLBT da UNE, promovido pela pró-
pria entidade nos moldes do EME (mulheres) e ENUNE (negros/as e cotistas);
- O incentivo da UNE na produção de materiais para as entidades estudantis,
orientando-as a incentivarem a participação de estudantes GLBT no movimento
estudantil e nas entidades;
- O incentivo da UNE na criação de grupos ou núcleos de estudantes GLBT nas
universidades;
- A posição pública da UNE favorável ao projeto de União Civil e de mudança de
sexo, que tramitam no Congresso Nacional;
- O apoio institucional da UNE na realização do V ENUDS – Encontro Nacional Uni-
versitário de Diversidade Sexual;
- Construção do 1º Encontro de Estudantes LGBTT da UNE;
- Intervenção continuada junto aos coletivos de diversidade sexual das universi-
dades (formação deles onde não existam, construção de seminários, produção de
materiais que subsidiem os debates);
- Pelo fortalecimento e ampliação da campanha “Universidade fora do armário”;
- Maior aproximação da UNE com outras organizações do movimento GLBT.

n 50o CONGRESSO DA UNE

149
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

AVALIAÇÃO

Unir o PT para mudar a UNE8


DURANTE OS DIAS 4 A 8 DE JULHO DESTE ANO ACONTECEU
EM BRASÍLIA O 50º CONGRESSO DA UNIÃO NACIONAL DOS
ESTUDANTES

Por Bruno Elias* e Maurício Piccin**


Há alguns anos, nossa participação na União Nacional dos Estudantes tem se
pautado pela necessidade de reforçar o caráter de massas da entidade, influen-
ciando mais estudantes, tornando-a mais legítima e com maior capacidade de
mobilização.
Para que isso seja possível, faz-se necessária uma profunda democratização da
estrutura da UNE. Mas o mais importante é que ocorra uma mudança na política
geral da UNE, que vem sendo hegemonizada desde há muito pela União da Juven-
tude Socialista/Partido Comunista do Brasil.
Se considerarmos os laços entre o atual PCdoB e a antiga Ação Popular, da qual
fez parte o atual governador e ex-presidente da UNE José Serra, trata-se de uma
“hegemonia quarentona”, que precisa ser objeto de um estudo mais aprofundado.
A tática da Articulação de Esquerda
Desde o início do processo de eleição de delegados ao 50º Congresso da EU,
ainda no início de 2007, apresentamos para o movimento estudantil e para as forças
políticas que nele atuam a ideia de que, para mudar a UNE, era necessário construir
uma alternativa à hegemonia do PCdoB.
O acerto desta posição foi sendo confirmado à medida que ficavam explícitas
algumas opções táticas mais gerais do PCdoB, como por exemplo, sair da CUT e si-
nalizar romper, em importantes cidades, a aliança político-eleitoral com o PT.
Curiosamente, alguns dos argumentos que o PCdoB apresenta para justificar
sua saída da CUT, como por exemplo o “aparelhismo” da ArtSind, poderiam ser
adotados, sem tirar nem pôr, para o caso da UNE. Com a diferença que nós nunca
patrocinamos, nem patrocinaremos, a divisão das entidades de massa.
Na avaliação da Articulação de Esquerda, a construção de uma alternativa à
hegemonia UJS/PCdoB deveria passar, necessariamente, pela unidade dos petistas.
n 50o CONGRESSO DA UNE

Por um lado, porque o PT é o partido com maior apoio entre a juventude. Por
outro lado, porque foram os petistas que defenderam, durante anos, a pauta da de-
mocratização da UNE, a realização de seus fóruns democráticos e a autonomia dos
movimentos sociais.
8. Página 13, n. 59, jul. 2007, p. 10-1.

150
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Pelos dois motivos, o simples fato do PT estar mais bem representado na Une já
seria positivo para a própria entidade e para o conjunto do movimento estudantil.
Afinal, um Partido que possui enorme simpatia na base do movimento precisa
estar mais representado na sua direção nacional.
Três táticas diferentes
No 50º Congresso da UNE, apresentaram-se basicamente três táticas: 1) a uni-
dade de todos os setores presentes na UNE que conformam o campo “democrático
e popular”; 2) a unidade entre os petistas como alternativa à UJS/PCdoB; 3) a uni-
dade dos setores que defendiam combater e derrotar o governo Lula.
Sobre a primeira tática, ou seja, a unidade de todos os setores presentes na
UNE que conformam o campo “democrático e popular”, é importante salientar
que os defensores dessa posição incluíam no seu campo de alianças setores que
não fazem parte do campo democrático-popular, como por exemplo, o PMDB de
Garotinho e Renan Calheiros.
Logo, a aliança proposta era dos setores governistas e, portanto, para além do
campo democrático e popular.
Esta tática foi eleitoralmente vitoriosa no 50º Congresso da UNE. Mas não teve
o êxito político que seus proponentes almejavam, pois não aglutinou nem o con-
junto dos setores do campo democrático-popular e, muito menos, os setores que
defendiam disputar pela esquerda os rumos do governo Lula.
A segunda tática, unidade entre os petistas como alternativa para a UNE, de-
fendida pela Articulação de Esquerda, não foi eleitoralmente vitoriosa. Tampouco
conseguiu unificar todos os petistas. Mas os defensores desta tática conseguiram
uma grande vitória política.
Apresentamos uma alternativa para a UNE, através da unidade dos petistas.
Essa opção foi capaz de polarizar o Congresso da UNE, reivindicar a unidade dos
petistas, fortalecer o PT como uma nítida alternativa para a UNE.
Embora não fosse esse o objetivo, o movimento em prol da unidade dos pe-
tistas no CONUNE acabou “encarecendo” o preço que o PCdoB tinha que “pagar”
pelos seus aliados, causando um desequilíbrio na composição da chapa vitoriosa.
Se não existisse a defesa da unidade dos petistas e caso tivesse existido uma
grande chapa governista, o centro do debate no Congresso da UNE seria a postura
das forças em relação ao governo Lula.
Isto faria o Congresso ser polarizado por uma disputa artificial, entre os favo-
n 50o CONGRESSO DA UNE

ráveis e os contrários ao governo, dando palanque ao esquerdismo.


Um enfrentamento entre os setores que defendem disputar o governo Lula
contra os que defendem derrotar o governo fortaleceria a tática do PSOL. E tornaria
mais difícil a posição daqueles que, tanto na chapa petista quanto na chapa gover-
nista, apoiam o governo mas não aceitam uma UNE chapa branca.

151
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Correndo riscos
Apesar de ocorrer um sério risco de ficar de fora da executiva da UNE, a Arti-
culação de Esquerda manteve sua posição. Deixamos claro que só vale a pena estar
na direção da UNE se for com base em posições políticas e não com o objetivo de
manter e/ou ampliar o espaço que possuímos na direção da entidade.
Foi com a política de unidade dos petistas que garantimos uma vitória política
no 50º Congresso da UNE, vitória que pôde ser medida na marcha pela mudança
da política econômica, onde organizamos uma ala petista que, seguramente, era
a maior da mobilização e, também, nas intervenções da nossa chapa em plenário,
que calaram fundo nos petistas presentes no Congresso, algumas vezes inclusive
dentro da UJS.
A tática que a Articulação de Esquerda adotou nesse Congresso ajudou a
demonstrar o potencial político de uma unificação do conjunto dos petistas no
Congresso da UNE.
Se essa tática obteve vitórias políticas, mesmo sem conseguir unificar o con-
junto do Partido, imaginemos o que teria acontecido se tivéssemos unificado todo
o Partido.
Não há dúvidas, neste caso, que o PT sairia do Congresso da UNE ainda mais
fortalecido para disputar a hegemonia no movimento estudantil.
Já dissemos que a política defendida pela Articulação de Esquerda foi capaz
de combater o esquerdismo, que colocava como objetivo central a necessidade de
derrotar o governo Lula.
Resta dizer, por outro lado, que parecia haver um grande “entendimento” en-
tre os setores majoritários da UNE e o esquerdismo eleitoreiro do PSOL. Vale a pena
explicar como isso se deu.
Acontece que estes setores optaram por não fazer a disputa da UNE. Ou seja,
o PSOL/PCR/FOE (Frente de Oposição de Esquerda) apostaram tudo em polarizar
o debate em torno do governo Lula e abriram mão de fazer a crítica e propor ou-
tra política para a UNE, para a gestão da UNE e para a construção do movimento
estudantil.
Essa opção possibilitou que houvesse um entendimento de “boa vizinhança”
entre o PSOL/PCR e o PCdoB/UJS. Ficou nítido, por exemplo, que durante todo o
processo de retirada de crachás no credenciamento dos delegados/as, coube à Arti-
n 50o CONGRESSO DA UNE

culação de esquerda, quase que exclusivamente, garantir o processo de fiscalização.


De toda forma, a tática adotada pelos que defendiam combater e derrotar o
governo Lula não ganhou visibilidade política durante boa parte do Congresso da
UNE, a não ser em alguns debates prévios onde concentraram a intervenção de
seus militantes.

152
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Superando as previsões
O resultado alcançado por nós no Congresso contrasta com a previsão da
maioria das forças políticas no movimento estudantil e, inclusive, com as nossas
próprias previsões.
Contudo, devemos reconhecer que eleitoralmente poderíamos ter ido muito
melhor. Primeiro, porque poderíamos ter evitado a considerável quebra de delega-
dos/as que tivemos na plenária final do Congresso. Segundo, porque o tamanho de
nossa delegação não representou o tamanho real de nossa base social.
Uma melhor organização na eleição de delegados/as, um esforço adicional na
mobilização dos delegados/as teria garantido para a Articulação de Esquerda não
só uma vitória política, mas também uma vitória eleitoral, podendo repetir outros
momentos da nossa atuação no movimento estudantil, por exemplo, aqueles nos
quais conquistamos duas vagas na executiva da UNE.
Isso demonstra que é necessário ampliar e aprofundar a organicidade da AE
em todos os estados, garanti formação política que dê conta de preparar a forte
renovação de quadros na juventude. As direções estaduais da tendência precisam
acompanhar mais de perto o trabalho na juventude.
Por fim, precisamos unificar o PT desde agora na vida real do movimento es-
tudantil, para preparar com mais consistência a unidade petista para a disputa da
UNE. Para isso, será necessário convencer todos os setores do PT dessa política
como única forma de construirmos outra hegemonia no ME e na UNE, de mudar
profundamente a entidade nacional dos estudantes universitários e de ampliar con-
sideravelmente as lutas estudantis.
* Bruno Elias, 1º vice-presidente da UNE – gestão 2007-2009
** Maurício Piccin, 1º vice-presidente da UNE – gestão2005-2007
Diretores e diretoras eleitos no 50º Congresso
Bruno Elias – 1º vice-presidente da UNE
Direito / Universidade Federal do Tocantins / Tocantins
Larissa Campos – 1ª diretora de movimentos sociais da UNE
Engenharia de produção / Universidade Federal de Viçosa / Minas Gerais
Luis Felipe Maciel – 2º diretor de relações internacionais da UNE
Administração / Universidade de Pernambuco / Pernambuco
Daniel Damiani – 1º diretor de assistência estudantil da UNE
Ciências Sociais / Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Rio Grande do Sul
n 50o CONGRESSO DA UNE

153
51o Congresso da UNE
Brasília (DF), 15 a 19 de julho de 2009

TESE

RECONQUISTAR A UNE
PARA A LUTA E PARA OS/AS ESTUDANTES

APRESENTAÇÃO
Entre os dias 15 e 19 de julho acontece em Brasília o 51º Congresso da União
Nacional dos Estudantes. Este Congresso deve ser encarado como uma grande
oportunidade para refletirmos sobre a situação do nosso país e do mundo, sobre
os desafios do movimento estudantil e a construção de uma Universidade Demo-
crática e Popular.
A “Reconquistar a UNE” é um coletivo que se organiza nacionalmente no mo-
vimento estudantil e há algum tempo vem construindo a UNE nas universidades e
nas ruas, em cada ocupação, mobilização e debate Brasil afora. Disputamos suas
posições porque acreditamos que nossa entidade nacional pode cumprir um papel
ainda mais ativo na organização dos estudantes. Somos oposição a atual maioria
que dirige a UNE porque acreditamos que sua política não vem atendendo aos no-
vos desafios colocados para o movimento estudantil (ME).
Queremos um movimento estudantil diferente. Só ampliaremos as lutas no
ME se ele for radicalmente democrático e combativo. A UNE pode dar grande con-
tribuição para as lutas da juventude e dos trabalhadores. Por isso, lutamos por uma
UNE mais ousada e menos conciliatória, mais dinâmica e menos institucionaliza-
da. A UNE precisa ter uma postura que esteja à altura das possibilidades abertas
no Brasil e na América Latina e que dê consequência às recentes lutas travadas nas
universidades brasileiras.
Reconquistar a UNE para a luta e para as/os estudantes!
Por uma Universidade Democrática e Popular!

Por isso, nosso lugar é o mesmo de sempre. Dele nunca saímos.


E nem pretendemos. Nosso lugar é junto aos estudantes, junto às
ruas, junto às greves, no meio das ocupações, na luta nossa de

154
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

cada dia. Metendo o dedo em cada ferida, apontando de novo


cada injustiça. Por isso avisamos aos navegantes desavisados:
o sonho não acabou. Aos que desfraldaram as bandeiras e
trocaram a camiseta surrada por gravata listrada, relatório e
fala empolada: boa viagem. Nosso caminho é outro. O de sempre.

(Reconquistar a UNE, 48º CONUNE)

NOVOS VENTOS FECHANDO VEIAS ABERTAS


A próxima gestão da UNE se situará num ambiente de crise profunda e de lon-
ga duração do capitalismo. Compreendê-la e enfrentar as classes dominantes, que
querem socializar os prejuízos dessa crise com o povo, dependerá da intensa mobi-
lização dos trabalhadores e da juventude.
Seria muito fácil culpar a ganância dos investidores e a farra especulativa, mas
isto é apenas uma parte do problema. Trata-se de uma crise do sistema capitalista,
não apenas do mercado financeiro. A contradição fundamental que não se resolve
é que se produz muito e poucos podem consumir.
O capitalismo tem inúmeras formas de contornar suas crises. Quando não con-
segue, como ocorre hoje, elas estouram. Esta crise, gerada no centro do capitalismo
mundial (EUA) desmascara a ideia, martelada nas últimas décadas, de que o Estado
não deve regular a economia. Porém, ela também evidencia que o capitalismo é um
sistema “crísico” e sua vigência é resultado de uma opção política e social, e justa-
mente por isso é um sistema que pode ser transformado.
Os desdobramentos da crise dependerão da luta social em cada país: quanto
mais massiva, intensa e radical for a reação do povo, mais avançado será o desenho
do mundo pós-crise. Mas os desdobramentos também dependerão do confronto
de interesses entre diferentes nações e blocos de países – aqueles que saírem mais
rápido e em melhores condições estarão mais bem posicionados para influenciar a
nova ordem de poder mundial e seu caráter.
Neste terreno, a América Latina assume especial importância. A presença de
governos de esquerda e progressistas na região amplia a contestação ao imperialis-
mo, melhora as condições de vida dos setores populares e reforça as possibilidades
de uma integração latino-americana articulada por reformas estruturais e à serviço
n 51o CONGRESSO DA UNE

dos interesses dos trabalhadores.


No Brasil, a existência de um governo integrado por forças progressistas e de
esquerda é peça fundamental do atual cenário na América Latina. E a resistência
continental à crise dependerá, igualmente, da nossa capacidade de combinar cres-
cimento interno com a integração social, política, econômica e cultural da região.

155
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

O governo Lula reagiu à crise com mais investimento público, mais investimento
social, mais mercado interno, mais Estado, mais integração continental. A constru-
ção de 1 milhão de moradias populares, o fortalecimento do PAC e a ampliação do
repasse da União aos municípios vai neste mesmo sentido. O rumo geral destas me-
didas é correto, mas é preciso ir além, especialmente se queremos, sobre as ruínas
do neoliberalismo, construir outra ordem, que seja socialista.
Para dar conta das grandes tarefas que se apresentam, os movimentos sociais
têm que estar cada vez mais organizados e mobilizados. Para tanto, temos que cola-
borar na construção da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), nos estados
e articulando mobilizações e agendas comuns que vinculem as bandeiras imediatas
de cada movimento com a luta mais geral por reformas democráticas e populares.

2010 E OS PRÓXIMOS ANOS


Em meio a este cenário, a eleição presidencial de 2010 terá repercussões estra-
tégicas. Na América Latina, o fato do Brasil ser governado por forças progressistas e
de esquerda tem contribuído, direta e indiretamente, para um deslocamento pela
esquerda da correlação de forças em vários países. No Brasil, país marcado histo-
ricamente pela desigualdade, pelo conservadorismo político e pela dependência
externa, a eleição de Lula em 2002 e sua reeleição em 2006 abriram a possibilidade
de fazer do governo federal um instrumento na luta por mudança neste modelo.
Uma vitória do campo democrático-popular em 2010 permitirá dar continuida-
de e profundar estes processos, agora em uma conjuntura internacional totalmente
distinta, que exige ações mais ousadas e avançadas. Já uma derrota significaria um
retrocesso em larga escala, no Brasil e no continente, resultando em efeitos dano-
sos sobre avida do povo, bem como a criminalização de toda a esquerda política
e social e dos movimentos sociais. Exemplo disso é a recente invasão da polícia
militar na USP, a mando do governador Serra e a reitora Sueli, para reprimir as ma-
nifestações legítimas de estudantes, funcionários e professores.
As eleições 2010 serão extremamente polarizadas. Dois campos políticos e so-
ciais distintos irão se enfrentar: de um lado, as forças de esquerda e progressistas,
o bloco nacional, democrático e popular, encabeçado pelo PT; de outro lado, as
forças neoliberais e de direita, o bloco conservador, dependente e monopolista,
capitaneado pelo PSDB. Todas as forças políticas e sociais do país se agruparão em
torno de um destes blocos. Não haverá espaço para o abstencionismo nem para a
n 51o CONGRESSO DA UNE

neutralidade.
A defesa da continuidade de programas exitosos e o compromisso com o apro-
fundamento das mudanças constituem pontos fundamentais da disputa. A UNE
deve deixar claro que não quer o mero continuísmo, mas tomar o que foi feito
como alavanca para avançar, especialmente em direção às mudanças estruturais

156
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

que acumulem para a construção de uma sociedade justa, igualitária, democrática,


de homens e mulheres livres. Uma sociedade socialista.
Propostas:
- Nenhuma ajuda aos capitalistas: eles que paguem pela crise deles! Manutenção
do emprego e dos salários; redução da jornada de trabalho sem redução dos salá-
rios; aprovação de uma medida provisória no Congresso Nacional para proibir as
demissões;
- Todo apoio à integração soberana da América Latina! Contra o golpe da direita em
Honduras; fim imediato do bloqueio a Cuba; pelo fortalecimento da Unasul, Mer-
cosul, Alba, Conselho de Defesa da América do Sul e Banco do Sul;
- Ampliação dos investimentos públicos estatais; ampliação dos programas sociais
e de distribuição de renda; diminuição da tributação da população de baixa renda;
- Não à ditadura do capital financeiro! Fim da autonomia de fato do Banco Central:
Fora Meireles! Imediata e rápida redução da taxa de juros e do superávit primário;
forte controle do fluxo de capitais e regulamentação do mercado financeiro;
- Ampla democratização da mídia: fora Hélio Costa do Ministério das Comuni-
cações! Fim à ditadura dos monopólios da comunicação; todos à Conferência
Nacional de Comunicação!
- Constituinte exclusiva para a reforma política já: pela participação popular; fideli-
dade partidária, voto em lista e orçamento público de campanha eleitoral;
- Pela reforma agrária e urbana: conter a especulação imobiliária; garantir a mobilida-
de urbana; combater a concentração fundiária e o agronegócio; aumentar os índices
de produtividade da terra; alterar a legislação para facilitar as desapropriações.

O petróleo e o pré-sal são nossos


Durante os governos FHC foram vendidas estatais estratégicas como as empre-
sas de telefonia, a Vale do Rio Doce e bancos estatais. E constava ainda do plano
de governo tucano privatizar a Petrobrás. Neste período, assistimos a estatal perder
participação nos leilões de blocos exploratórios até 2002, causar desastres ecológi-
cos, afundar a plataforma P-36.
Esses episódios trágicos foram consequência de uma política de governo que
pretendia vender a Petrobrás a preços módicos às multinacionais, que assumiriam
todas as jazidas de petróleo. Se FHC tivesse conseguido levar adiante sua preten-
são, as jazidas do pré-sal, estimadas hoje em 9 trilhões de dólares, e toda a cadeia
n 51o CONGRESSO DA UNE

produtiva associada às suas atividades estariam nas mãos de multinacionais.


A direita, ao criar a CPI da Petrobrás, mais uma vez aposta na velha prática de
depreciar para privatizar. Além de denunciar esta atitude, é preciso que a UNE, ar-
ticulada com a CMS, dê uma resposta nas ruas em defesa dos recursos naturais e
da soberania do país.

157
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

É preciso exigir que a exploração das jazidas do pré-sal seja realizada por uma
nova estatal para impedir que os recursos provenientes sejam alvos dos especu-
ladores que controlam parte significativa das ações da Petrobrás. Estes recursos
devem ser gastos com políticas sociais e fortalecimento do setor público, principal-
mente nas áreas da educação, saúde e previdência social.

POR UMA UNIVERSIDADE DEMOCRÁTICA E POPULAR

As universidades foram até aqui (...) o lugar onde todas as


formas de tiranizar e de insensibilizar acharam a cátedra
que as ditasse (...) chegando a ser assim fiel reflexo destas
sociedades decadentes que se empenham em oferecer
este triste espetáculo de uma imobilidade senil. Por isso
é que a ciência frente a essas casas mudas e fechadas,
passa silenciosa ou entra mutilada e grotesca no serviço
burocrático.

(Trechos do Manifesto de Córdoba, 21 de junho de 1918)


O foco central de atuação do movimento estudantil é a educação. É a porta de
entrada do estudante para uma compreensão maior da realidade em que ele está
inserido. Assim, a educação não pode ser considerada “algo neutro” ou um ente
isolado das relações sociais. Mas ela reflete as contradições, o modo de organização
e o funcionamento injusto da sociedade atual.
Em nossa sociedade, os sistemas de ensino foram concebidos para reproduzir
a ordem social dominante, seus valores, “visão de mundo” e ideologia. O processo
de constituição da escola, contudo, é um processo contraditório porque permite a
abertura de brechas em favor da disputa de uma alternativa contra hegemônica e
libertadora, orientando a produção de conhecimento e a formação humana para o
interesse das maiorias.
Afinal, a quem serve a Universidade? A quem se destina o conhecimento que
nela é produzido e difundido? Quem a ela tem acesso? Qual papel ela cumpre
diante dos grandes desafios da sociedade? São essas e outras perguntas que devem
motivar a ação do movimento estudantil e fazerem com que a luta por sua transfor-
mação seja tão antiga quanto a história da universidade.
n 51o CONGRESSO DA UNE

Novos desafios
Em meio à longa hegemonia do desenvolvimentismo conservador e do neoli-
beralismo, a primeira eleição de Lula em 2002 representou, entre os setores sociais
comprometidos com a luta pela universidade pública, um claro desejo de reversão

158
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

do sucateamento do sistema de ensino superior. As primeiras iniciativas tomadas


pelo governo no âmbito da educação superior, contudo, não apontaram no mesmo
sentido das bandeiras históricas do movimento.
Frente a essa realidade, as divergências em torno da política educacional do
governo federal – que são legítimas e mesmo necessárias – acabaram dando lugar a
uma profunda divisão e dispersão do movimento de educação. Prevaleceu, em am-
plos setores, uma intervenção pautada quase que exclusivamente pelo imediatismo
em responder às ações governamentais. A ausência de uma proposta consolidada
do movimento de educação impediu uma intervenção que debatesse e mobilizas-
se a sociedade brasileira em torno de propostas progressistas para a universidade.
É fato que o governo Lula, sobretudo a partir do segundo mandato, exibe
avanços consideráveis no campo da educação pública, em especial com a expansão
das instituições federais e a inclusão de setores populares no ensino superior. Por
outro lado, é justo considerar que a estratégia de conciliação com o setor do ensino
privado ainda persiste nas ações do governo.
Para superarmos esses limites a UNE tem a tarefa de avançar nos debates em
torno de um projeto de universidade do movimento estudantil (já iniciado no 12º
CONEB). O resgate do acúmulo histórico do movimento de educação é fundamen-
tal. Mas, além disso, a UNE deve retomar as lutas estudantis por uma Universidade
Democrática e Popular.
A Conferência de Educação e o movimento estudantil
A elaboração do projeto de reforma universitária da UNE (nesta gestão) foi um
gesto político importante do movimento estudantil. Entretanto, mesmo sendo re-
sultado de uma postura menos pautada pela agenda do governo federal, o projeto
ainda deve ser mais bem debatido e atualizado pelos fóruns do movimento, uma
vez que foi elaborado por poucas mãos e não foi alvo de discussões nas universida-
des e na rede do ME.
Nesse processo, a Conferência Nacional de Educação é uma oportunidade
para o movimento estudantil aprofundar as discussões sobre o seu projeto e deba-
tê-lo de maneira mais ampla com outros setores sociais. A conferência tem como
objetivos principais a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) para os pró-
ximos dez anos e a constituição de um Sistema Nacional de Educação.
Os setores conservadores, que dirigem governos estaduais e junto com ins-
tituto e fundações empresariais estão organizados em movimentos como “Todos
n 51o CONGRESSO DA UNE

pela Educação”, também constroem a sua agenda para a educação brasileira. As


principais medidas propostas por estes setores aprofundaram a mercantilização da
educação.
A UNE deve lutar para que, tanto as medidas do governo contra a crise como as
resoluções da Conferência, sejam em benefício das maiorias. E para isso devem ser

159
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

medidas de enfrentamento à hegemonia do setor privado e ampliação da educação


pública. Com a crise do neoliberalismo, surge a possibilidade de diminuir os espa-
ços privados e mercantis de educação. Assim, suprindo a demanda por educação
com ampliação dos espaços públicos e não mercantis.
Mais do que uma “educação para o desenvolvimento”, a UNE deve pautar um
programa de reforma da universidade comprometido com a produção de ciência e
tecnologia voltada para as necessidades da maioria da população. Uma universida-
de em que o ensino não seja instrumento de reprodução das desigualdades sociais,
da passividade política e da dominação econômica, mas ferramenta a serviço dos
que trabalham pela construção de uma nova sociedade.
Para tanto, o grande desafio reside na retomada do caráter mobilizador e mi-
litante do movimento estudantil. Sem luta política e gente na rua, nosso programa
não irá além de um mero conjunto de intenções. É imprescindível o amplo envol-
vimento da rede do movimento estudantil numa grande campanha, que agregue
mobilizações, seminário, plenárias, aulas públicas em torno do projeto de reforma
universitária da UNE.
Neste processo, devemos ter clareza de que tanto a elaboração quanto a luta
por uma reforma estrutural da universidade brasileira devem, necessariamente, en-
volver as classes trabalhadoras e os demais movimentos sociais. Assim indicaremos
de maneira inquestionável que a luta por uma universidade democrática e popular
é uma luta que tem sua legitimidade construída nos interesses da ampla maioria
da sociedade.

Uma plataforma democrática e popular para a universidade


- Não à inclusão da educação como serviço nos acordos da Organização Mundial
do Comércio;
- Pela restrição à financeirização e entrada de capital estrangeiro na educação;
- Garantia de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial das universidades;
- Pela indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão;
- Pelo fim das fundações privadas de “apoio”;
- Fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU) que retira verbas da educação
e saúde para pagar os juros da dívida pública;
- Ampliação para 10% do PIB para a educação e retirada dos vetos de FHC ao Plano
n 51o CONGRESSO DA UNE

Nacional de Educação de 2001;


- Regulamentação do ensino privado e pela redução das mensalidades – aprovação
do projeto de lei de mensalidades da UNE;
- Pelo fim dos cursos pagos e sequenciais na universidade púbica;
- Publicidade dos livros-caixa e planilhas de custos das IES;

160
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Controle social das vagas destinadas ao ProUni (Programa Universidade Para To-
dos) com garantia de qualidade e assistência estudantil;
- Pelo direito de matrícula dos inadimplentes;
- Não ao ensino à distância como meio de mercantilização do ensino e único meio
de formação;
- Congressos estatuintes paritários e garantia da paridade em todos os níveis de re-
presentação das instituições (colegiados, conselhos, direções);
- Eleições diretas e paritárias para todos os dirigentes nas universidades e FIM da
lista tríplice para a escolha de dirigentes;
- Ampla liberdade de organização estudantil e sindical – garantia de espaço físico
para as entidades estudantis;
- Criação de conselhos sociais que reúnam sindicatos, movimentos, outros setores
sociais e os segmentos internos das instituições de ensino;
- Pela aprovação do projeto de lei de reserva de vagas nas universidades federais;
- “Ocupar o REUNI”, disputando programas de expansão que garantam assistência
estudantil e garantia da qualidade de ensino: laboratórios, bibliotecas, salas de au-
las, professores qualificados;
- Contra as modalidades de formação intermediária;
- Pela autonomia e fortalecimento do caráter público e gratuito das universidades
estaduais;
- Pelo fim do vestibular e adoção de modelos não-excludentes de acesso ao ensino
superior;
- R$ 400 milhões para assistência estudantil com rubrica própria da União, que ga-
ranta o investimento em moradias estudantis; criação, recuperação e ampliação dos
restaurantes universitários; criação de creches nas universidades, transporte públi-
co gratuito (passe livre), bolsas permanência, atendimento à saúde etc.;
- Financiamento da assistência estudantil nas universidades pagas através da taxa-
ção dos lucros do ensino privado e/ou através de outros meios que não da União.
Verba pública somente para educação pública;
- “Revolução Pedagógica” nas universidades; adoção de métodos pedagógicos e de
avaliação críticos e participativos; reforma curricular; substituição da estrutura dos
departamentos por uma organização acadêmica permeável à participação democrá-
tica da comunidade e à interdisciplinaridade;
n 51o CONGRESSO DA UNE

- Boicote ao ENADE e maior participação do movimento de educação nas comissões


nacional e locais de avaliação;
- Ampliação das bolsas e recursos para extensão; apoio às experiências de extensão
popular nas universidades;
- Ampliação das bolsas PET e de iniciação científica nas universidades.

161
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

OS ESTUDANTES NOS TRILHOS DA TRANSFORMAÇÃO

Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos


que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura
que estamos a construir. (...) Vivo, sou militante. Por isso
odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.

(Antônio Gramsci)

O CONUNE é um fórum privilegiado para repensarmos a forma de atuação do


movimento estudantil. É preciso entender que na organização, nas pautas e nos
métodos de direção das entidades estudantis continuamos com as mesmas respos-
tas há pelo menos quarenta anos.
O movimento estudantil (ME) é um movimento social com métodos, lin-
guagem, história, pautas e formas de organização próprias. Parece óbvio, mas
reconhecer esta condição significa afirmar que o ME organiza a ação coletiva de
uma categoria social determinada – os estudantes – que, a partir da escola ou uni-
versidade, experimenta condições semelhantes, originando demandas específicas
e comuns. É a partir desta vivência que surge a sua organização e intervenção na
sociedade.
Em uma sociedade marcada pela luta entre as classes sociais, faz-se necessá-
rio o registro que os estudantes constituem uma categoria e não uma classe social.
A base social do movimento estudantil não tem uma origem (e uma formação) de
classe. Contudo, este fato não impede que frente à luta de classes, os estudantes
tomem lado e partido pela luta dos trabalhadores.
Ademais, a presença dos estudantes no ME é marcada por uma transitoriedade
muito mais rápida que os demais movimentos sociais. Com esta característica o mo-
vimento tem dificuldades de acumular experiência coletiva a partir de sua própria
trajetória em sua universidade/escola, aprendendo pouco com sua própria história.

Uma nova realidade


Diferentemente da geração que protagonizou os movimentos da década de
1960, quando o movimento estudantil foi a principal representação política da ju-
ventude – ainda que não envolvesse a maioria da juventude brasileira – hoje os
n 51o CONGRESSO DA UNE

jovens constroem uma rede cada vez mais ampla e diversificada de organizações.
O ME, portanto, embora seja ainda o movimento juvenil mais organizado do
país está longe de ser a única expressão organizada da diversidade da juventude
brasileira. Reconhecer isso é fundamental para o diálogo com as demais organiza-
ções e movimentos juvenis.

162
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Temas como trabalho e emprego ganham mais centralidade em um ambiente


de altos índices de precarização e difícil entrada no mercado de trabalho. Os índices
crescentes de jovens que trabalham e estudam seriam ainda maiores se não fosse o
alto índice de evasão escolar.
Soma do à centralidade do trabalho é preciso notar que a composição da base
social do movimento estudantil tem sofrido alterações. Fatores como a reserva de
vagas para estudantes negros, oriundos das escolas públicas e de expansão dos
setores público e privado em municípios e regiões distantes dos centros urbanos;
o surgimento de nichos de mercado educacional voltados à população de baixa
renda; e o aumento da oferta de cursos noturnos têm alterado a cara do estudante
universitário, tornando-o mais popular e, por extensão, mais sensível a fatores ob-
jetivos do lado de fora dos muros universitários.

Desafios atuais
Se a sociedade mudou, a universidade mudou e os estudantes mudaram, por
que o movimento estudantil deveria atuar e se organizar da mesma maneira?
Todas as forças que atuam na UNE são responsáveis pela sua incapacidade em
enfrentar estes problemas, mas a responsabilidade da direção majoritária da UNE
(UJS e aliados) é proporcional ao peso que ela possui na direção da entidade.
Não estamos entre queles que consideram que a direção majoritária da UNE é
o “mal” do movimento estudantil. Contudo, ao ser fiadora de uma cultura política
e de organização que imprime à ação das entidades uma orientação defensiva, ins-
titucionalizada e distante de sua base social, essa maioria não ajuda a retomarmos
o protagonismo da UNE e do movimento estudantil.

Na UNE, contra o divisionismo


Frente a esta situação, setores minoritários do movimento estudantil passaram
a defender o rompimento com a UNE e construíram recentemente uma nova enti-
dade. Segundo estes, a UNE “não falaria em nome dos estudantes” e estaria atrelada
ao governo federal.
A divisão dos movimentos sociais, além de não solucionar nenhum dos pro-
blemas postos hoje para a nossa luta – como o descenso das mobilizações, a
hegemonia das ideias moderadas na base social dos movimentos e o “governismo”
de certos setores – criam alguns problemas adicionais, tais como o enfraquecimen-
to do poder de enfrentamento dos movimentos sociais, o acirramento das disputas
n 51o CONGRESSO DA UNE

internas em prejuízo das lutas contra nossos verdadeiros inimigos e o descrédito


que é semeado com relação às entidades representativas.
Essa postura fortalece ainda mais a atual maioria da UNE, pois diminuiu a crí-
tica às opções por eles adotadas e entrega todo potencial e referência política da
entidade para aqueles que a usam para seus interesses particulares.

163
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

O movimento estudantil tem que ser um movimento de massas, em que to-


dos os estudantes podem fazer parte, propor e construir. Por isso é que devemos
reivindicar a disputar a UNE na base, em cada passeata, ocupação de reitoria e luta
política na sociedade. Fazer isso é mostrar que o lugar dela é na rua, mobilizada e
presente nas lutas estudantis. Ter essa postura não é se tornar refém da política mo-
derada da maioria da UNE. Ter esta posição é optar pela disputa de opinião de um
conjunto maior de estudantes e entidades estudantis.
Reivindicamos da UNE uma ação mais combativa, orientando a ação do ME
nas universidades, com maior presença, capilaridade e força social. Para transfor-
mar isso em realidade é preciso combinar ações que estejam articuladas em torno
de três eixos centrais: 1) democratização e reorganização da estrutura da entidade,
orientada por outros métodos de direção e condução política; 2) articulação da
rede do movimento estudantil; e 3) fortalecimento dos laços do movimento estu-
dantil com os movimentos sociais.

1. Democratizar a UNE é urgente e necessário!


Entendemos que esse CONUNE deve debater a aprovar um conjunto de me-
didas e propostas para a reforma completa do estatuto da entidade, apontando
alterações profundas na estrutura organizativa da entidade. Estas mudanças preci-
sam atingir várias frentes para que, de fato, a entidade seja democratizada e esteja
mais perto do cotidiano dos estudantes.
a) Organização colegiada
É necessário organizar a entidade de forma mais horizontal e coletiva. Hoje, to-
das as decisões são centralizadas em algumas pessoas. A atual estrutura organizativa
é arcaica (nos moldes dos sindicatos “pelegos” da Era Vargas). Por isso, o conjunto
do movimento estudantil, não só a UNE, precisa conceber outra estrutura organi-
zativa e de tomada de decisões.
Portanto, propomos:
- Organização da diretoria por coordenadorias: substituir a secretaria geral pela
coordenação de organização, a tesouraria pela coordenação de política financeira,
criar a coordenação de formação política, além de transformar as demais diretorias
em coordenadorias;
- Coordenações estaduais da UNE: a UNE precisa fortalecer sua ação nas pautas
estaduais. Na forma atual, por meio de vice-presidentes estaduais, a ação da UNE
n 51o CONGRESSO DA UNE

é muito frágil e desarticulada. Por isso, propomos a construção de Coletivos Esta-


duais da UNE, que possam planejar a mobilização da pauta nacional em conjunto
com as UEEs.
- Criação dos Núcleos de Trabalho Permanente (NTPs) de extensão universitária,
cultura ciência e tecnologia, meio ambiente, esporte, saúde, políticas educacionais,

164
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

negros e negras, LGBTT e mulheres etc. Os NTPs seriam conduzidos pela sua res-
pectiva coordenação (diretoria) e compostos pelas entidades estudantis, fóruns e
grupos organizados das universidades. Assim, pode-se envolver muito mais pessoas
e opiniões na formulação de políticas e construção de atividades.
b) Comunicação
Na política de comunicação da UNE, ainda impera o método antidemocrático.
A ilha editorial e os poucos meios de comunicação da entidade são controlados
apenas pela forma política majoritária. Se a UNE é a favor da democratização dos
meios de comunicação, como ela pode aceitar o monopólio dos seus próprios
meios de comunicação por apenas uma força política?
É necessário ter uma participação plural na definição da política de comuni-
cação e do conteúdo de seus meios. O Conselho Editorial da UNE, aprovado no
último CONEB, até hoje não saiu do papel. A revista Movimento é uma ilustre des-
conhecida dos estudantes, é elaborada de cima para baixo sem a participação dos
próprios diretores da UNE.
Uma política de comunicação para a UNE deve ser: a) democrática e parti-
cipativa; b) ágil dinâmica e atualizada; c) massiva e que atinja a maior parte dos
estudantes; e d) não só informativa, mas também organizativa e formativa. Por isso,
a UNE deve criar instrumentos diretos de comunicação com os estudantes e as en-
tidades estudantis.
Portanto, propomos:
- Criar um jornal e boletim de circulação nacional nas entidades estudantis, aberto
a todas as opiniões do movimento estudantil;
- Site da UNE mais ágil, interativo e colaborativo com o movimento;
- Criação de listas de discussão temáticas de cada NTP da entidade;
- Recuperar o nexo mural como ferramenta importante e eficiente de divulgar as
atividades da UNE;
- Garantir mecanismos regimentais que possibilitem a divulgação, no site da UNE,
de todas as diferentes teses antes do Congresso da UNE, do CONEB e do CONEG;
- Criar com urgência o boletim eletrônico da UNE utilizando-o como uma ferramen-
ta para cadastrar o máximo de entidades possíveis;
- Intensificar as visitas dos diretores da UNE nas universidades, com agenda previa-
mente organizada e divulgada, de forma que as entidades de base e gerais possam
preparar debates e passagens em salas de aula.
n 51o CONGRESSO DA UNE

c) Finanças
A política financeira da UNE é de longe a mais avessa à participação coletiva
na entidade. Centralizada na direção majoritária (UJS/PCdoB), sua condução é fei-
ta sem o planejamento e instrumentos de controle. Além disso, a reformulação da

165
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

política financeira da UNE torna-se fundamental para a independência da entidade,


pois sua dependência de fontes externas de financiamento tende a influenciar na
perda de autonomia e dos vínculos com a base social.
Em relação às carteiras estudantis, a UNE é extremamente dependente dos
empresários que confeccionam as carteiras, fazendo com que isso gere uma mer-
cantilização e o fim do sentido político e representativo que a carteira da entidade
deve simbolizar. O mais preocupante é que se cria uma rede de troca de favores
entre as empresas e a direção da UNE, reproduzindo práticas pouco transparentes
com as finanças da entidade.
Por isso, propomos:
- Criação do Conselho Fiscal da UNE visando a democratização do planejamento
financeiro e a fiscalização da política de finanças da entidade;
- Consolidar a obrigatoriedade de planejamento financeiro da entidade de forma
coletiva;
- Fim das empresas privadas na confecção da carteira da UNE: pela descentralização
da emissão através das entidades estudantis, com manutenção do caráter nacional
através do “Selo da UNE”;
- Que o Regimento Nacional de Carteiras se torne uma realidade!
d) Democratização dos CUCAs da UNE
Os Centros Universitários de Cultura e Arte da UNE têm um grande poten-
cial na produção de cultura universitária. É uma ferramenta importante para o
movimento estudantil se integrar e se relacionar com moradores de favelas, vilas,
cidades, assentamentos urbanos e rurais etc.
Hoje, infelizmente, apenas a força política majoritária da UNE incide na orga-
nização dos CUCAs da UNE e são, praticamente, apenas eles que constroem essas
experiências nos DCEs das universidades brasileiras. Essa centralização dos CUCAs
exclui desse espaço no UNE diversos setores do ME que não tem possibilidade de
construir esse instrumento nas universidades.
É fundamental que os CUCAs sejam espraiados pelo Brasil afora, mas para isso
é necessário democratizar o espaço de gestão. Para isso, a diretoria da UNE precisa
estabelecer uma participação mais plural e proporcional na comissão nacional de
coordenação do CUCA. Só assim será possível estabelecer uma relação mais próxi-
ma entre a cultura e o movimento estudantil, impulsionando suas bandeiras e lutas.
n 51o CONGRESSO DA UNE

2. Articulação da rede do movimento estudantil!


Para que os estudantes consigam articular suas lutas através de suas entida-
des representativas, o movimento estudantil deve investir maciçamente em sua
organização.

166
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Há uma grande variedade de entidades impulsionadas por estudantes: por cur-


so, por universidade, por região, por país, por temas. O papel da UNE é organizar
a rede do movimento estudantil brasileiro e contribuir com as lutas internacionais
dos estudantes. No Brasil, são mais de 5 milhões de estudantes universitários. Gran-
de parte não conhece nem reconhece suas entidades representativas.
Uma das principais limitações do movimento local (entidades de base e gerais)
é o voluntarismo e o espontaneísmo. Neste sentido, algumas ideias e experiências
devem ser desenvolvidas pelas entidades locais e gerais para superarmos essa de-
sarticulação da rede do movimento estudantil.
a) Planejamento
O planejamento é um instrumento indispensável na organização das ações da
entidade. Serve para evitar dispersão ao longo da gestão, estabelecendo objetivos e
metas prioritárias, a partir do diagnóstico dos limites e possibilidades para a atua-
ção do grupo político que dirige a entidade.
Como parte do planejamento, a gestão também deve realizar uma avaliação
como mecanismo de aprendizagem. Assim, apurando os erros e acertos das medi-
das adotadas, para acumular experiências e evitar a repetição de erros
b) Calouradas
Previstas pelo planejamento, a recepção dos calouros deve adquirir duas fun-
ções. De um lado, combater a reprodução da violência física e simbólica presentes
no trote tradicional – que reforça a perpetuação de uma cultura onde existem
dominantes e dominados – a partir da integração e métodos de introdução ao am-
biente universitário que partam dos valores humanistas e solidários.
De outro, deve servir como momento para apresentar o movimento estudan-
til, suas entidades e lutas para que os calouros desde o início se identifiquem com
as causas estudantis que estão em curso e tenham uma relação de proximidade e
legitimidade com sua entidade representativa. Uma boa calourada deve também
despertar entre os ingressantes o interessem em participar do movimento estudan-
til, ajudando na renovação de quadros.
c) Formação política
Uma entidade da importância da UNE deve possuir mecanismos de formação
política com a finalidade de forjar quadros políticos e qualificar a intervenção dos
dirigentes. Nesse sentido, é fundamental (e extremamente possível) realizar jor-
n 51o CONGRESSO DA UNE

nadas e cursos de formação para o conjunto do ME com temas essenciais para a


construção das entidades. Desta forma, pode-se enfrentar a constante transitorie-
dade do ME, fortalecer o vínculo entre as entidades e aproximar os dirigentes de
sua base social.
Portanto, propomos:

167
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Criação da Coordenadoria de formação política na diretoria da UNE;


- Criação da Escola Nacional Honestino Guimarães, organizada pela coordenação
de formação política da UNE e com estrutura própria, quadro de professores e um
programa de cursos elaborados e aprovados pela direção da UNE;
- Formulação de um Plano nacional de Formação Política da UNE flexível o suficien-
te para serem adaptados à cada realidade.
d) Entidades de base
As células do movimento estudantil dão as turmas e as salas de aulas. Nelas
devemos focar a atenção básica para envolver o conjunto dos estudantes nas lutas.
E os instrumentos mais adequados para estabelecer uma relação direta com cada
turma e sala de aula são os Centros e Diretórios Acadêmicos, as entidades de base.
Os CAs e DAs atuam tanto do movimento estudantil geral quanto do movimen-
to estudantil de área, de acordo com o curso que representa. As entidades de base,
portanto, são extremamente dinâmicas, pois ao mesmo tempo em que constroem
as lutas por melhorias sistêmicas e estruturais na universidade, tem condições de
travar uma disputa direta no cotidiano dos estudantes.
Nos CONEBs temos a oportunidade de aproximar as lutas gerais e específicas
da UNE das lutas de cada entidade de base. Porém, da forma como se organiza hoje,
o CONEB é apenas um momento em que os DAs e CAs são convocados para refe-
rendar as posições da UNE já pré-estabelecidas. Nesse sentido, é um fórum que não
orienta a ação cotidiana das entidades.
Portanto, propomos:
- Campanhas de construção e organização de CAs e DAs;
- Elaboração de cartilhas sobre o funcionamento e a gestão dos centros e Diretórios
Acadêmicos;
- Realizar atividades de formação sobre entidades de base e movimento estudantil
durante os CONEBs;
- Envio permanente de boletins específicos às entidades de base;
- Coordenar, com o apoio das entidades de base e gerais, a realização das caloura-
das em todo o país.
e) Entidades gerais
Os Diretórios e Uniões Estaduais são as entidades gerais do ME. Um de seus
papeis é estabelecer o vínculo das entidades de base e os estudantes com a UNE e
n 51o CONGRESSO DA UNE

articular as pautas gerais nacionais com as pautas locais específicas.


Os DCEs e UEEs são pilares estratégicos para atingir a solidez do movimento
estudantil e uma boa articulação entre as organizações. Estas entidades devem ter
como prioridade a construção da rede do movimento estudantil em sua universida-
de e seu estado, o que só será alcançado valorizando e empoderando as entidades

168
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de base. Os conselhos de entidade de base de cada universidade, bom como os


CEEBs e CEEGs são espaços privilegiados para construir um vínculo orgânico e
constante, não circunstancial.
Por isso, a democracia interna das entidades gerais é um fator essencial para o
bom funcionamento da rede do ME. Afinal de contas, as orientações das entidades
gerais só serão seguidas se forem fruto de um processo de debate amplo; caso con-
trário, perdem legitimidade e as entidades perdem representatividade.
f) Movimento estudantil de área
O ME de área é impulsionado nacionalmente pelas executivas, associações
e federações de cursos, organizações de nível nacional que representam o con-
junto de estudantes de cada curso que constituem espaços de atuação de grande
legitimidade.
A partir de seus encontros e do contato direto com as entidades de base do
curso subdivididos em regionais, se discute a realidade dos cursos, seus currículos
e suas pautas específicas, disputando o conteúdo da própria formação profissional
dos estudantes e o seu papel na sociedade. O movimento estudantil de área, por-
tanto, dá uma forte contribuição na luta por mudanças na graduação, na sua futura
profissão e nos rumos da produção acadêmica da universidade.
Um grande problema pelo qual estas entidades vêm passando é o isolamento
e aparelhamento. Setores que já não mais reconhecem a UNE como representante
dos estudantes brasileiros operam uma política de disputa interna e autoconstru-
ção, trazendo a pauta do divisionismo do ME para dentro das executivas.
O Fórum de Executivas, Associações e Federações de Curso (FENEX) já teve
um papel protagonista no movimento estudantil brasileiro, articulando as greves
estudantis de 1998 e 2001 à revelia da maioria da direção da UNE. Assim, reaproxi-
mar a UNE destas entidades e trabalhar para que estas voltem a reconhecer a UNE
como entidade representativa dos estudantes brasileiros deve ser uma das nossas
prioridades no próximo período.
g) Coletivos estudantis
Atualmente, outros atores políticos e organizações passam a ganhar relevân-
cia na representação dos anseios dos jovens e esta diversidade passa a se expressar
entre os estudantes no ambiente universitário e escolar. É o caso do esporte, da
cultura, do meio ambiente e dos espaços de auto-organização das mulheres, das
n 51o CONGRESSO DA UNE

negras e negros, das/os estudantes LGBT etc.


Devemos estimular cada vez mais o diálogo da UNE com as demais organi-
zações e movimentos juvenis e a incorporação das pautas que escapam do tema
estritamente educacional, uma vez que os anseios e aspirações dos estudantes não
se restringem ao meio universitário. As organizações que surgem do interesse dos

169
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

estudantes em determinado assunto fazem parte do movimento estudantil da mes-


ma forma que as entidades representativas formais (entidades de base, entidades
gerais, UNE etc.).
h) Produção científica
A maioria dos estudantes não participa da produção científica das universida-
des. De um lado, parte significativa das universidades não investe em pesquisa e
extensão. De outro, nas universidades que garantem o tripé ensino-pesquisa-exten-
são, o acesso à iniciação científica é restrito.
Disputar os rumos da academia orientando as instituições para uma educação
contra hegemônica requer organizar a parcela de estudantes diretamente envol-
vidos na produção de conhecimento e ciência. Portanto, é tarefa da UNE dialogar
com os jovens cientistas e extensionistas para organizá-los na luta por uma Univer-
sidade Democrática e Popular que oriente sua produção de conhecimento em favor
das maiorias e dos excluídos.

3. Dialogar com os movimentos sociais desde a base do ME!


A relação com outros movimentos sociais, estabelecendo ações conjuntas,
é fundamental para construir aliados externos à universidade para um projeto
transformador de educação superior. Para isso, é preciso resgatar a credibilidade
das entidades estudantis (desde a base do ME até a UNE) junto aos movimentos
populares. Esse resgate acontecerá na medida em que as entidades do ME desen-
volverem projetos e ações comuns. Outra ação muito importante é a participação
da organização nas coordenações dos movimentos sociais.
Ademais, a democratização da universidade significa permitir o acesso e perma-
nência das camadas populares, bem como compartilhar as decisões da instituição
com esses setores. Neste sentido, além de garantir a paridade entre os segmentos
da universidade nos órgãos colegiados e conselhos das instituições de ensino supe-
rior, é preciso garantir a presença, com direito a voz e voto, dos movimentos sociais
na gestão da universidade.

UMA AGENDA POLÍTICA PARA A UNE

Contra todas as formas de opressão


n 51o CONGRESSO DA UNE

De quem depende que a opressão prossiga? De nós. / De


quem depende que ela acabe? Também de nós. / O que é
esmagado que se levante! / O que está perdido, lute!

(Bertold Brecht)

170
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A garantia de igualdade dos direitos independentemente de credo, raça, gêne-


ro, orientação sexual e idade está longe de ser implementada, afinal, muitos desses
direitos só existem no papel e alguns deles ainda nem no papel estão. Neste qua-
dro, a diversidade, ao invés de significar riqueza, passa a significar desigualdade que
gera preconceito e violência.
Enfrentar essa complexa agenda só será possível se o conjunto do movimento
estudantil incorporar, de fato, essas lutas. Sem o enraizamento, em cada DA, CA e
DCE, sem a realização, em todas as universidades, de atividades que promovam o
combate a todo tipo de opressão, muito pouco avançaremos.
Por sua vez, a UNE só estará à altura de protagonizar esses combates se alterar
sua forma de organização. A criação dos Núcleos de Trabalho Permanente (NTPs)
de LGBT, negros e mulheres é uma ação concreta para executar essas ações. Jun-
tamente com o fortalecimento da diretoria de mulheres, de combate ao racismo e
LGBT, esses núcleos irão dar consequência real às construções iniciadas no ENUDS,
no Encontro de Mulheres da UNE e no Encontro de Estudantes Negros e Negras.
Ou seja, permitirão articular, a partir da base do movimento e também na estrutu-
ra de direção da entidade, o fortalecimento desses setores. Além disso, ampliará e
qualificará o debate da UNE com os movimentos que atuam em cada área.

LGBT: toda forma de amor vale a pena. A universidade fora do


armário.
O debate sobre o combate à homofobia dentro das universidades tem tido
destaque nos últimos anos como consequência da visibilidade do movimento LGBT
em âmbito nacional. No entanto, há muito que se fazer para a incorporação da luta
contra a opressão da população LGBT pela UNE.
Existe ainda uma visão heteronormativa dentro do ME e as pautas de discri-
minação contra LGBT são secundarizadas – vide o tempo que a diretoria LGBT
ficou vaga. Apesar da significativa inserção do tema na agenda da UNE, há pouca
ação do movimento no combate à discriminação e ao preconceito a que estão sub-
metidos milhares de estudantes universitários LGBTs cotidianamente. Dentro do
próprio movimento estudantil percebemos traços de discriminação: as piadinhas,
cochichos os comentários homofóbicos, fazem parte, ainda, da cultura do nosso
movimento.
Pouquíssimas ações de combate à discriminação contra LGBTs têm sido colo-
n 51o CONGRESSO DA UNE

cadas em prática nas instituições universitárias, como apoiar as políticas públicas


de Estado, criar laboratórios de políticas para LGBTs com envolvimento de pesqui-
sadores e incentivo à produção acadêmica sobre a temática.
No movimento estudantil, houve a mobilização de estudantes LGBT para a
realização do ENUDS (\encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual) e o

171
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

surgimento de grupos e coletivos universitários focados na temática dentro das uni-


versidades. O ENUDS foi um importante polo aglutinador dos estudantes LGBTs,
mas hoje tem caminhado mais nos rumos da produção acadêmica e se distanciado
da pauta e da organização LGBT nas entidades estudantis.
Um importante desafio neste momento é retomar os trabalhos da diretoria
LGBT da UNE e traçar um plano de ação para o movimento estudantil, com objetivo
de trazer esse debate para o dia a dia dos CAs, DCEs e das universidades.
- Realização do 1º Encontro LGBT da UNE;
- Por uma campanha de combate à homofobia dentro das universidades;
- Participação da UNE na organização da II Conferência Nacional de Políticas Públi-
cas para a População LGBT;
- Participação da UNE no Encontro Nacional da Juventude da ABGLT como entida-
de parceira;
- Pela aprovação do PLC 122/06 que criminaliza a homofobia, do PLC 72/07 que au-
toriza a mudança de nome de pessoas transsexuais e do PL 1.151/95 que autoriza a
parceria civil de pessoas do mesmo sexo;
- Pela criação da Secretaria Especial de Políticas Públicas para a População LGBT;
- Apoio às transexuais e ao direito da cirurgia de redesignação genital feita pelo
SUS;
- Estímulo à criação de grupos nas universidades que defendam os direitos das
LGBTs;
- Realização de painéis, debates, seminários, pesquisas e discussões sobre a livre
orientação sexual nas universidades.
Mulheres que lutam mudam o movimento estudantil
Assim como outros espaços sociais, a universidade também reproduz o ma-
chismo. Seja ocultando as questões de gênero, seja reforçando as desigualdades
através de práticas sexistas nas propostas pedagógicas, seja na segregação de gêne-
ro por ramos de conhecimento e profissões, seja nas linhas de pesquisas machistas
– porém, aparentemente neutras – de diversas formar as mulheres continuam sen-
do discriminadas.
Apesar das mulheres serem 57% dos estudantes universitários e estudarem
20% a mais que os homens, os espaços de discussão e decisão política, como o mo-
vimento estudantil, têm reproduzido uma relação de poder desigual entre homens
e mulheres.
n 51o CONGRESSO DA UNE

Nesse sentido, é a articulação e a luta das mulheres estudantes que insere o


feminismo e o fim das opressões como a pauta do cotidiano nas entidades e na uni-
versidade. O EME (Encontro de Mulheres da UNE) contribuiu sobremaneira para a
superação do machismo nas universidades e elaborou uma boa plataforma políti-
ca. Mas não basta! Precisamos garantir mais inserção e participação das mulheres,

172
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

avançando a democratização dos espaços decisórios. Precisamos fazer com que a


plataforma do EME se materialize no dia a dia da universidade e do próprio ME em
todos os seus níveis.
- Pelo fortalecimento e ampliação da campanha da UNE pela legalização do aborto,
incorporando essas pautas na agenda do ME;
- Incentivar a criação de núcleos de pesquisa e extensão sobre gênero em todas as
universidades;
- Lutar pela criação de creches e pela desburocratização das licenças maternidades;
- Lutar por apoio e segurança a mulheres estudantes, muitas vezes assediadas por
professores, funcionários e colegas, sem ter local apropriado para denunciar;
- Ampliação e envolvimento da organização do EME a todas as executivas de curso
e coletivos de mulheres;
- Criação de um Núcleo de Trabalho Permanente na diretoria de mulheres da UNE.

Por uma universidade sem racismo


A população negra é alvo da desigualdade existente na sociedade brasileira.
Ela é mais pobre do que a branca, morre mais cedo, tem a escolaridade mais baixa
e menos acesso à saúde. As desigualdades sociais entre negros e brancos, além de
serem atribuídas à herança do passado escravista do país, devem-se também ao ra-
cismo e sua reprodução, nas mais variadas formas, ou seja, estrutural e simbólica.
As universidades brasileiras são o verdadeiro retrato da desigualdade racial. Se-
gundo o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD em 2000, o percentual
de brancos com diploma de nível superior era de 11,8%, enquanto o mesmo índice
estava em 2,9% entre os negros.
O envolvimento do governo no enfrentamento à discriminação racial se apro-
fundou com a criação da Secretaria Especial para a Promoção da Igualdade Racial.
Entretanto, foi com a tramitação e aprovação do projeto de lei de reserva de vagas
no Congresso Nacional que o debate sobre o combate às desigualdades raciais foi
reinserido. As cotas no vestibular deram à seleção dos estudantes critério raciais e
sociais, ao invés da velha lógica meritocrática.
Estas ações transformam as universidades em espaços mais populares. Estas
mudanças nos trarão novos desafios: a implementação das políticas de permanên-
cia, a efetivação de políticas de assistência estudantil e a construção de currículos
não eurocêntricos.
n 51o CONGRESSO DA UNE

A UNE deve fortalecer as trincheiras de luta contra o racismo nas universidades


e responder com energia à articulação em curso dos neoconservadores brasileiros
contra as políticas afirmativas. Por isso defendemos o fortalecimento dos Encontros
Nacionais de Estudantes Negros e Cotistas da UNE (ENUNEs) e das campanhas per-
manentes pela “Universidade sem racismo”.

173
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Meia entrada: queremos nossos direitos por inteiro!


A meia-entrada é uma conquista do movimento estudantil brasileiro, que
sempre lutou pela complementariedade da formação cultural dos estudantes e da
juventude brasileira. Vale ressaltar que tal benefício foi conquistado na década de
40, tendo sido cassado durante a ditadura militar, voltando a ser conquistado junto
com a democracia em nosso país.
No final do ano passado, foi protocolado no Congresso Nacional o projeto de
lei 188/07. Que visa restringir este direito dos estudantes, limitando a meia-entrada
a apenas 40% dos ingressos, a ser disputados por estudantes e idosos. Entendemos
que o acesso a atividades culturais, artísticas e esportivas possibilitam uma comple-
mentação à formação acadêmica e é dever do Estado garantir o acesso a este tipo
de atividade, e não restringi-lo.
Mas a desregulamentação da meia-entrada não é assunto novo, ocorre desde
a edição da medida provisória 2.208/01, de autoria do então ministro da educação,
Paulo Renato de Souza. A MP abriu espaço para uma avalanche de falsificações de
carteiras estudantis, o que reforçou o aumento de preços dos ingressos. Portan-
to, os preços abusivos, muito acima da renda média da população, são resultado
desta desregulamentação, não da meia entrada em si. Discordamos fortemente da
restrição deste direito, seja por meio de cotas, pela venda de meia-entrada em dias
alternados ou mesmo apenas para quem comprar o ingresso antecipado. Quere-
mos nosso direito por inteiro. Contra o PL 188/07! Pela regulamentação da emissão
de carteiras sem a redução de direitos!

Legalizar as drogas
O debate sobre a questão da violência, do narcotráfico e da drogadição deve
ser feito abertamente, sem moralismos ou hipocrisias. A maneira como a grande
mídia e a maioria dos governos trata o tema é parcial, equivocada e esconde inte-
resses escusos. O ser humano desde a antiguidade utiliza substâncias químicas para
obter estados alterados de consciência, pelo simples prazer e/ou pelo uso religioso.
Tanto as drogas legais como as ilegais geram alteração no estado de consci-
ência e podem até levar à morte. No caso das drogas ilegais, contudo, tais efeitos
deletérios à saúde se somam aos efeitos sociais negativos advindos da própria situ-
ação de ilegalidade. O dependente químico, ao invés de assistente social, médico,
psicólogo e educador, que lhe dariam alternativas de tratamento e mesmo de re-
n 51o CONGRESSO DA UNE

dução de danos, recebe do Estado apenas a truculência policial, que o mantém na


posição de eterno consumidor de um lucrativo mercado.
Defender a extensão da norma legal à produção e à comercialização das drogas
não significa fazer apologia de sua utilização. Ao contrário, defender a legalização
faz parte do combate à alienação das drogas, legais ou ilegais. Ao contrário de “dei-

174
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

xar rolar”, a extensão da norma legal à produção e comercialização das drogas


busca destruir a base material das quadrilhas que realizam o tráfico, permitindo
uma ação de saúde pública e de educação muito mais eficaz. Se no lugar do tráfico
auferindo lucro existir a ação governamental de esclarecimento, educação e saúde,
certamente muitas vidas serão salvas.
Fazer com que a produção e a comercialização das drogas sejam legalizadas é
uma questão de saúde e de segurança pública, uma vez que a questão do tráfico
está diretamente relacionada à violência nas favelas, morros e periferias. Enquan-
to perdurarem as políticas proibicionistas, o tráfico, a criminalização e a repressão
continuarão fazendo suas vítimas, que no Brasil tem cor, idade, sexo e classe social:
os jovens negros da periferia. Por isso, somos favoráveis que a UNE defenda a lega-
lização das drogas, defenda políticas públicas de redução de danos e promoção de
saúde para usuários de drogas.

n 51o CONGRESSO DA UNE

175
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

NO MUNDO HÁ MUITAS ARMADILHAS

(Ferreira Gullar)
A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela
E não te mataste, essa é a verdade.

Estás preso à vida como numa jaula.


Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.
E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar
e aguentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm


e os que não têm
há os que têm tanto que sozinhos poderiam
alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato,
o homem está preso à vida e precisa viver
o homem tem fome
e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa cria-los

Há muitas armadilhas no mundo


n 51o CONGRESSO DA UNE

e é preciso quebrá-las!

E na universidade?

176
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

AVALIAÇÃO

Celebração insuficiente9
Por Bruno Elias*
Realizado entre os dias 15 e 20 de julho, na cidade de Brasília, o 51º Congres-
so da União Nacional dos Estudantes elegeu sua nova direção e plataforma política
para os próximos dois anos.
A participação da Articulação de Esquerda e da tese Reconquistar a UNE du-
rante todo o Congresso reivindicou uma intervenção da UNE e do movimento
estudantil que estivesse à altura dos desafios colocados para os movimentos so-
ciais: mobilização em torno de uma plataforma de medidas e reformas estruturais
e a luta por uma universidade democrática e popular, resistência à agenda conser-
vadora que a direita disputa para a educação e para o país e engajamento na dura
disputa de projetos preparada para 2010, contribuindo para radicalizar as mudan-
ças em curso.
Retomar o protagonismo da UNE nas lutas estudantis do próximo período
exige uma política mais avançada para a entidade, tendo em vista a necessidade de
uma profunda democratização de sua estrutura e métodos de direção e a constru-
ção enraizada das entidades da rede do movimento. Esta política deve ir além da
orientação da maioria dirigida pela UJS na UNE, pautada numa postura defensiva
que pouco contribui para superar a crise presente de legitimidade e representativi-
dade da UNE perante sua base social.
Outro desafio diz respeito à necessidade da UNE e do conjunto do movimento
estudantil acompanhar as profundas mudanças ocorridas no perfil da juventude,
dos estudantes e da educação superior, já que temas envolvendo a relação juven-
tude, mundo do trabalho e educação adquirem maior centralidade nas pautas do
movimento estudantil.
Diante de tais tarefas, foi insuficiente a resposta dada pelo 51º Congresso da
UNE. A extensão do Congresso à quase totalidade das instituições de ensino reforça
a referência da UNE perante amplos setores do movimento, mas não supera a rela-
ção apenas episódica e congressual com as universidades e as entidades estudantis
que ainda é dominante.
Visto pela direção majoritária como um momento de “celebração”, o CONUNE
n 51o CONGRESSO DA UNE

foi retrato fiel dos limites dos fóruns do movimento. Problemas estruturais relevan-
tes, concentração de todos os debates políticos em apenas um dia e o esvaziamento
dos grupos de discussão reforçam a necessidade de o movimento repensar seus
fóruns. A UNE deve acompanhar as experiências de organização de outros movi-
9. Página 13, n. 80, ago. 2009, p. 8.

177
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

mentos sociais, executivas e federações de curso, de experiências inovadoras de


participação e metodologia presentes na I Conferência Nacional de Juventude, en-
tre outros.
A política dos petistas e da Articulação de Esquerda
A Articulação de Esquerda deu consequência ao movimento iniciado no Con-
gresso passado, de apresentar uma política que, a partir de uma forte intervenção
do PT no movimento estudantil, se constitua enquanto alternativa política na dire-
ção da UNE. Essa tática encontrou eco em apenas parte da juventude do PT: a DS
(Democracia Socialista) e o MAIS se abrigaram na chapa dirigida pelo PCdoB; en-
quanto isso, a Articulação de Esquerda, a CNB, O Trabalho, Militância Socialista e
Movimento PT construíram uma chapa comum.
Divididos em chapas diferentes, a participação dos petistas na executiva da
entidade também foi diminuída: dos atuais seis diretores na gestão que se encerra,
para apenas quatro petistas na próxima executiva da entidade. Ademais, a chapa do
PT perdeu a condição de segunda chapa mais votada do Congresso para a chapa
impulsionada pelo PSOL e pelo PCR.
Na chapa impulsionada pelos petistas (MUDE – Movimento UNE Democráti-
ca), a Articulação de esquerda manteve sua participação na executiva da entidade,
mas com presença diminuída na diretoria plena.
A agenda política
Temos que contribuir para que a UNE eleve o tom na disputa de projetos que
está colocada para o país, o que exige uma postura mais radicalizada e menos con-
templativa com relação aos governos, reitorias e tubarões do ensino. Momentos
como a Conferência Nacional de Comunicação e a de Educação e o enfrentamento
aos efeitos da crise econômica devem merecer atenção imediata dos movimentos
de educação.
No debate de educação, essa política deve alcançar duas grandes frentes: en-
frentamento radical à hegemonia dos interesses privados na educação e incidir por
mudanças políticas e pedagógicas mais ousadas para a universidade brasileira. Estas
últimas, tanto mais necessárias em um cenário em que o governo aponta uma reto-
mada da expansão do ensino público, mas não toca em questões estratégicas, tais
como a democratização do governo das universidades e uma necessária revolução
pedagógica nos métodos de transmissão do conhecimento, currículos e estruturas
acadêmicas das universidades.
n 51o CONGRESSO DA UNE

* Bruno Elias é membro da direção nacional da AE.

178
52o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 13 a 17 de julho de 2011

TESE

RECONQUISTAR A UNE
A todo instante rola um movimento
que muda o rumo dos ventos

(Paulinho da Viola)

NA LUTA COTINIADA SOMOS FORJAD@S!

Quem somos
A tese Reconquistar a UNE é construída por estudantes que se referenciam no
PT, na esquerda do PT e sua tendência interna, Articulação de Esquerda. É uma tese
também daqueles/as que se dedicam a luta pela construção de outro mundo, mais
justo, democrático e igualitário: um mundo socialista! Lutamos por um Movimento
Estudantil diferente, que consiga dar resposta às pautas centrais da educação e ao
mesmo tempo consiga dar corpo à luta geral com outros movimentos sociais. Esta
luta perpassa pela defesa de uma UNE democrática, autônoma e combativa.
Defendemos que o Movimento Estudantil e a UNE tenham um papel prota-
gonista na disputa dos rumos do Brasil, aprofundando mudanças conquistadas,
combatendo as políticas de retrocesso e construindo o caminho para reformas
estruturais.
Não compactuamos com as posições extremistas que, pautadas sempre pelo
governo, revelam de um lado expressam o adesismo acrítico ao governo, e de outro
a oposição oportunista e também acrítica a ele. Compreendemos e defendemos o
papel protagonista e autônomo dos movimentos sociais.
Cabe à UNE, assim, entender esse papel histórico. E para isso, será necessário
fazermos com que a UNE tenha uma relação real com @s estudantes brasileir@s
e com as demais organizações estudantis. Que esteja presente nas Universidades,
com legitimidade para poder avaliar a situação do ensino, e dar resposta rápida e
concreta para os problemas. Mas, só conseguiremos isso se democratizarmos a es-
trutura organizativa, financeira e de comunicação da entidade, e se fizermos com

179
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

que ela tenha uma postura autônoma e protagonista frente ao governo e que possa
retomar a organização de amplos setores d@s estudantes brasileir@s.
Por isso, gostaríamos de apresentar uma alternativa de direção para a UNE:
Reconquistar a UNE!
Some-se à luta!

MUDAR A UNE PARA RECONQUISTAR AS LUTAS!


A luta das/dos estudantes no Brasil passa, sem dúvida, pela UNE. Esta entidade
tem história: teve papel central nas reivindicações estudantis e das disputas gerais
da sociedade. “Se muito vale o já feito, mas vale o que será”: nós da Reconquistar
a UNE temos dois desafios: 1) Arrumar nossa casa, nossa UNE; 2) Recolocá-la no
plano central das disputas da Educação e do Brasil.
Para isso, é necessário fazer com que a UNE volte a representar os/as estu-
dantes não só no papel, mas também nas disputadas do dia a dia, na referência de
atuação, e no símbolo de um movimento social ativo, combativo e democrático.
Há um tempo, não estamos conseguindo cumprir essa tarefa de casa. Isto de-
corre, em muito, pela política recuada, centralizada e antidemocrática do campo
majoritário desde 1991 (20 anos!).
Este grupo tem como principal objetivo sua manutenção na direção de entida-
des, em detrimento à realização das lutas estudantis e ao diálogo com os estudantes.
Para isto, manter a estrutura burocratizada e arcaica da UNE e não construir uma
efetiva política de comunicação com os estudantes são pressupostos para se man-
ter no poder.
Não entendemos que o caminho seja romper com UNE, construindo entida-
des particulares de cada partido. Este caminho, inclusive, já foi adotado por alguns
setores, resultando numa experiência distante dos/das estudantes e também cen-
tralizada e antidemocrática. Acreditamos sim, e sem saudosismos, que é possível
recolocar a UNE no caminho das lutas do Movimento Estudantil, alterando sua po-
lítica e democratizando sua estrutura organizativa.

PROPOSTAS PARA MUDAR A UNE


- Organização Colegiada e por Coordenações: substituição do presidencialismo por
n 52o CONGRESSO DA UNE

uma Coordenação Geral; da Secretaria Geral pela Coordenação de Organização;


tesouraria pela Coordenação de Finanças; transformar as demais Diretorias em Co-
ordenações, e criar a Coordenação de Formação Política;
- Criação das Coordenações Estaduais da UNE: substituindo os ineficientes Vice-Pre-
sidentes Estaduais;

180
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Criação de NTPs – Núcleos de Trabalho Permanente: de extensão universitária,


cultura, ciência e tecnologia, meio ambiente, esporte, saúde, políticas educacionais,
negros e negras, LGBTT, mulheres etc. conduzidos por sua respectiva coordenação
e compostos por entidades estudantis, coletivos etc.
- Democratizar e Massificar a Comunicação da UNE:
- Criar um jornal de circulação nacional, aberto a todas as opiniões do Movimento
Estudantil; retomar o jornal-mural da UNE; Site da UNE mais ágil, interativo e cola-
borativo com o movimento; criação do boletim eletrônico;
- Divulgação das teses no site da UNE antes dos fóruns da UNE;
- Intensificar as visitas dos membros da UNE nas universidades;
- Implantação do Conselho Editorial da UNE, já aprovado;
- Finanças da UNE:
- Transparência já! Não a centralização das finanças da UNE em uma só pessoa!
- Implantação do Conselho Fiscal da UNE, já aprovado inclusive;
- Obrigatoriedade de planejamento financeiro coletivo;
- Fim das empresas privadas na confecção da carteira da UNE e descentralização da
emissão através das entidades estudantis, mantendo o caráter nacional, através do
“Selo da UNE”;
- Que o Regimento Nacional de Carteiras se torne uma realidade.

CONJUNTURA POLÍTICA
No ano de 2010 vivenciamos duas grandes experiências: o término do governo
Lula com um recorde de aprovação popular e avanços conquistados para a classe
trabalhadora e a disputa polarizada entre o campo da esquerda, encabeçado pelo
PT, e o campo da direita, encabeçado pelo PSDB.
Precisamos fazer avaliações desses dois acontecimentos para projetarmos nos-
sa atuação no presente e consolidar nosso caminho de futuro. Assim, é preciso
reconhecer que mesmo com toda a disputa interna do governo Lula com os setores
de centro e de direita, o governo sai como o melhor de nossa história e o que mais
obteve avanços no que tange à luta d@s trabalhadores/as.
Contudo, na disputa presidencial, setores de esquerda – partidos e movimen-
tos sociais – deixaram claro que tais avanços não são o bastante para mudar a
condição de exploração da classe trabalhadora no país: é preciso mais. E foi com
esse sentimento que a vitória da primeira mulher Presidente da República foi
n 52o CONGRESSO DA UNE

comemorada.
O novo governo se inicia então, com um impasse: continuar ou modificar a
contraditória política do governo Lula, que também se refletiu no Ensino Superior,
pois, se por um lado foram ampliados os investimentos nas Universidades Públicas,
expandindo-as e criando novas instituições, por outro, não foram alterados seus

181
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

métodos pedagógicos, estrutura de gestão e manteve-se a hegemonia do ensino


pago no país.

VOCÊ SABE O QUE É O PRONATEC?


Anunciado em fevereiro de 2011, o PRONATEC – Programa Nacional de Aces-
so à Escola Técnica é um conjunto de medidas voltadas para oferta radical de vagas
nos sistemas público e particular de ensino técnico e profissionalizante, previsto
para iniciar no segundo semestre de 2011. Serão oferecidas 1,6 milhões de vagas
na primeira etapa, através da concessão de bolsas, financiamento estudantil e ex-
pansão da rede federal.
A UNE e UBES devem criticar veementemente a postura do governo em não
discutir a política educacional com os movimentos sociais, e neste caso, apenas
com o empresariado do ensino técnico, para então anunciar medidas e programas,
muitas vezes problemáticos.
O Projeto de Lei que institui o Pronatec será enviado ao Congresso Nacional
nos próximos dias, assim, muitas informações de que dispomos podem ser altera-
das, mas resumidamente, o que dispomos é o seguinte:
- O Pronatec envolverá o Sistema S (Senai, Sesc, Sesi, Sest, Senat), escolas priva-
das de educação profissional e a Rede Federal de Educação Profissional, Ciência e
Tecnologia;
- Criação de linha de crédito no BNDES de empréstimos para expansão e mo-
dernização das escolas do Sistema S (estimada em até R$15 bilhões, através da
antecipação do repasse do salário-educação para o Sistema S e cobrança da dívida
de 3,3 bilhões que a CNI tem com o governo federal), em troca de bolsas gratuitas
para estudantes de ensino médio público, no contraturno de suas aulas;
- O Pronatec, a exemplo do ProUni, prevê isenção fiscal para escolas técnicas parti-
culares que ofereçam bolsas de estudo para estudantes do ensino médio público;
- Expansão do FIES (Financiamento Estudantil) para educação técnica e para tra-
balhadores que já concluíram a escola, pagos pelas empresas para qualificar seus
funcionários, a juros de 3,4% ao ano;
- Vinculação do pagamento do seguro-desemprego com o estudo em curso técni-
co, em especial para os reincidentes, não obrigatório e por critérios de faixa etária
e região;
- Expansão das redes federal e estaduais de ensino médio profissionalizante, banca-
n 52o CONGRESSO DA UNE

da pelo MEC, com 81 novas unidades federais até 2012 (hoje há 354 escolas federais
no país) e transferência de recursos do programa Brasil Profissionalizado aos esta-
dos para ampliarem suas redes, criando 500 mil matrículas (1/3 do Pronatec).
Hoje, mais de 53% das 1,1 milhão de matrículas no ensino técnico no Bra-
sil são em instituições públicas. Com a expansão do ensino técnico e tecnológico

182
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

promovido no governo Lula, uma série de demandas tem sido criadas nestas ins-
tituições, em termos de infraestrutura e assistência estudantil. Já no Sistema S,
encontra-se a maioria das matrículas particulares, parte gratuitas, com 4,7 mil uni-
dades em 3 mil cidades do país.
Com a implementação deste programa serão necessários uma ampliação
radical dos recursos para as instituições públicas, a fim de garantir a qualidade ne-
cessária, infraestrutura e concursos públicos para professores. Mas sem dúvida, o
Pronatec representa um fortalecimento do setor privado, em grande parte dos ca-
sos, de qualidade duvidosa, que com a expansão ensejada pode piorar ainda mais.
O MEC estuda constituir um processo de avaliação in loco das instituições privadas,
para averiguar suas condições.
É dever do governo promover a regulamentação do Sistema S, pois em mui-
tas unidades desrespeitam as legislações educacionais e trabalhistas, ao contratar
professores como “instrutores” ou pessoa jurídica (prestador de serviço), impossi-
bilitando sua sindicalização e participação nas convenções e contratos coletivos de
trabalho, reduzindo direitos e precarizando as relações de trabalho.
Também devemos lutar pela democratização do Sistema S, que marcado pelo
modelo de gestão empresarial, exclui os trabalhadores e estudantes dos espaços
de tomada de decisões. Faz-se necessário tanto no setor público, como privado,
a ampliação dos direitos dos estudantes do ensino técnico e tecnológico, melhor
qualificação do ensino, implementação de programas de assistência estudantil, li-
berdade de organização estudantil e sindical, participação estudantil nos órgãos
colegiados, dentre outros.
É tarefa do Movimento Estudantil pressionar o governo para que a expansão
da educação técnica seja prioritariamente pelo via pública, com a ampliação maciça
de investimentos públicos nas redes federal e estaduais, assim como pela mudança
de seu caráter, que deve estar articulada a uma formação profissional mais ampla
e emancipadora, de forma que os jovens não sejam submetidos a uma formação
excessivamente específica e tecnicista, direcionada unicamente às demandas do
mercado, mas sim às demandas locais de sua comunidade.

ABAIXO A MP 520! EM DEFESA DA GESTÃO PÚBLICA,


DEMOCRÁTICA E 100% SUS DOS HOSPITAIS
UNIVERSITÁRIOS
n 52o CONGRESSO DA UNE

No Brasil existem atualmente 46 Hospitais Universitários, que são unidades


universitárias que atendem milhares de brasileiros gratuitamente via SUS, além
de cumprir a função acadêmica de promover ensino, pesquisa e extensão jun-
to às universidades. Infelizmente, há anos atravessam uma grave crise, motivada

183
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

principalmente pela carência de investimentos públicos e ausência de concursos


públicos, gerando uma série de problemas aos usuários e relações de trabalho pre-
carizadas, tanto os servidores públicos, como aos terceirizados (via Fundações “de
apoio”) e aos estudantes residentes e bolsistas explorados.
Diversas “soluções” têm sido apresentadas pelos governos para resolver esta
situação, uma pior que a outra, a exemplo das Organizações Sociais (OSs), de
caráter privado, e das Fundações Estatais de Direito Privado, públicas, mas com
estrutura de direito privado.
A opção do governo Lula foi pelas Fundações Estatais, que ao apagar das lu-
zes de seu mandato, no dia 31/12/2010, assinou a MP 520, que cria uma Fundação
Estatal de Direito Privado para gerenciar todos os HUs do país, a EBSERH-S.A. –
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A., que não resolve os problemas dos
HUs, pelo contrário: os intensifica, pois visa o lucro e regulariza o ilegal.
Isto foi um duro golpe aos sindicatos e movimentos que combatem a pro-
liferação das Fundações, conhecidos redutos de corrupção e instrumento de
privatização interna das universidades (através da prestação de serviços, venda de
pesquisas, cobrança de taxas, oferta de cursos pagos), direcionando o público a in-
teresses privados. Acreditávamos ter vencido a batalha contra o PLP 92/07 que cria
as Fundações Estatais para gestar diversos setores públicos, incluindo os HUs, mas
por esta Medida Provisória não contávamos.
Denunciamos assim, o caráter antidemocrático da medida, baixada via MP e
não permitindo a realização de um amplo debate social, e o caráter privatista da EB-
SERH-S.A., pois ataca a Autonomia Universitária, na prática desvinculando os HUs
das universidades (precarizando a promoção do ensino, pesquisa e extensão), per-
mitindo convênios com outras instituições e planos de saúde, contratações via CLT,
estabelecendo metas e critérios produtivistas, que são incompatíveis com o direito
à saúde pública. Hospital Universitário não é empresa!
Principais consequências trazidas pela MP 520:
- Trabalhadores do SUS: a proposta de contratação via CLT (regime privado) é pre-
judicial por conta da precariedade e da instabilidade que isso acarreta ao trabalho
em saúde. Longe de garantir qualidade, permite alta rotatividade de funcionários,
que é prejudicial ao serviço e caro ao serviço público, já que há todo momento são
necessários novos treinamentos.
n 52o CONGRESSO DA UNE

- Usuários do SUS: ao não fixar exclusividade ao SUS, a possibilidade de gerar lei-


tos privados em um hospital público é prejudicial aos usuários do Sistema, já que
acarreta ainda mais demora nos procedimentos que o hospital realiza. Teríamos a
situação das “duas portas”: uma, dos convênios privados, onde o atendimento é
rápido e outra porta do SUS, sucateada e demorada. Há também a possibilidade de

184
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

cobrança por consultas e procedimentos, como já acontece hoje nos hospitais de


São Paulo geridos pelas Organizações Sociais (OSs).
- Estudantes da área da saúde: um prejuízo imediato seria, devido a falta de funcio-
nários, um aumento da exploração dos estudantes e residentes da área. Isso hoje já
ocorre e fruto disso foram duas greves de residentes nos últimos anos, que denun-
ciavam jornadas de até 80 horas semanais. Além disso, a desvinculação dificultará
aos estudantes um ótimo campo de estudo, restringindo a construção da função
acadêmica dos HUs.
Portanto defendemos:
- A gestão pública, democrática e 100% SUS dos HUs;
- Revogação imediata da MP 520 – não à criação da EBSERH;
- Por concursos públicos de verdade sob o regime do estatuto do servidor público;
- Não a privatização da saúde;
- Pelo financiamento pública da saúde;
- Não a terceirização na saúde e educação;
- Que a UNE se some a esta luta!

DISPUTAR OS RUMOS DO PLANO NACIONAL DE


EDUCAÇÃO! CAMPANHA PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA
A construção do novo Plano Nacional de Educação (2011-2020) iniciou-se na
Conferência Nacional de Educação (CONAE), realizada em abril de 2010, com o
objetivo de definir as bases do novo PNE e do Sistema Nacional de Educação. Da
CONAE foram deliberadas um conjunto de propostas avançadas para a educação
– que poderiam ter sido mais avançadas, caso alguns setores do movimento de
educação não tivessem se omitido em participar e intervir nos rumos da CONAE –,
que, no entanto, não foram respeitadas pelo MEC no conteúdo do Projeto de Lei
8035/2010 do novo PNE, enviado ao Congresso Nacional no dia 15/12.
Dentre estas medidas em que o MEC retrocedeu na elaboração do PL 8035/10,
podemos destacar a da destinação até 2014 de 10% do PIB para educação, que ficou
reduzida a apenas 7% até 2020 (ampliação de 0,2% ao ano); a ampliação do Ensino
Superior público, preferencialmente presencial, que até 2020 deveria possuir 60%
das matrículas em instituições públicas e 40% em privadas ficou reduzido no PL a
n 52o CONGRESSO DA UNE

elevação da taxa bruta de matrícula para 50% e da taxa líquida para 33% (indepen-
dentemente de ser pública ou privada); a ausência da proposta de reserva de vagas
de 50% nas universidades para estudantes oriundos de escolas públicas, respeitan-
do a proporção de negros/as e indígenas por estado; do fim dos cursos pagos nas
instituições públicas e a regulamentação do ensino privado; dentre outras propos-

185
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

tas avançadas que foram subestimadas na elaboração do PL, assim como alguns
pontos problemáticos no conteúdo do PNE que não foram deliberados da CONAE.
Ao Movimento de Educação interessa um PNE avançado, pois enquanto polí-
tica de Estado, este deve colocar a Educação brasileira em um novo patamar nesta
década, fortalecendo e investindo radicalmente na Educação Pública e Gratuita em
todos os níveis e reduzindo o poder do ensino privado.
Durante este ano, o PNE estará em discussão no Congresso Nacional e cabe ao
Movimento Estudantil encabeçar a reorganização do Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública e construir uma grande Campanha pela Educação Pública nas ruas e
universidades, pressionando o Congresso e combatendo o lobby do ensino priva-
do no seu interior, articulando a luta social com a luta institucional. Quanto maior
for a pressão, maiores são as possibilidades de que sejamos vitoriosos. No dia 23/3
a Câmara aprovou a criação de uma Comissão Especial para analisar o PL do PNE.
Consideramos isto negativo, pois restringe o debate e a realização de audiências pú-
blicas, reduzindo a possibilidade de pressão para que se avance mais no conteúdo
do Plano. Logo, devemos pautar a ampliação do debate sobre o PNE e reivindicar:
- Investimento de 10% do PIB em educação até 2014; - 50% do Fundo Social do Pré-
-Sal para educação (retirada do veto do Lula);
- Recursos públicos devem ser investidos apenas na educação pública, em todos
os níveis e modalidades de ensino, como forma de desmercantilizar a educação;
- Fim dos cursos pagos de pós-graduação nas instituições públicas;
- Alocar recursos financeiros específicos para a expansão da graduação nas institui-
ções públicas no período noturno;
- Regulamentação do ensino privado em todos os níveis educacionais, limitando a
participação de capital estrangeiro na educação, retomando os marcos da educa-
ção como direito e não como mercadoria, garantindo fiscalização efetiva para evitar
abusos;
- Deve ser incrementada a expansão do ensino superior público presencial, me-
diante programas de expansão democraticamente discutidos com a comunidade
universitária e com a sociedade em geral e com interiorização deste nível de en-
sino, levando em consideração as reais necessidades da população; fortalecer as
licenciaturas presenciais;
n 52o CONGRESSO DA UNE

- Em relação ao Ensino Superior, até 2020 60% das matrículas devem ser em insti-
tuições públicas e 40% em privadas;
- Reserva de vagas nas universidades de 50% para estudantes egressos de escolas
públicas, respeitando a proporção de negros/as e indígenas em cada estado de acor-
do com os índices do IBGE;

186
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Estabelecer programas de apoio à permanência dos/das estudantes nas institui-


ções públicas, considerando-se que há a necessidade de provocar uma grande
expansão dos cursos de graduação presenciais;
- Consolidar a pós-graduação em todo país, gerando condições de funcionamento
dos programas e a abertura de novos;
- Garantir recursos orçamentários para que as universidades públicas possam
definir e executar seus próprios projetos de pesquisa, propiciando uma efetiva au-
tonomia de pesquisa;
- A curricularização da extensão universitária;
- Eleições para diretores e reitores de instituições públicas e privadas e formas cole-
giadas paritárias de gestão; - gestão democrática nas instituições públicas e privadas;
- Direito a livre organização sindical e estudantil;
- Política nacional de avaliação como processo contínuo, não voltada para a pu-
nição, “ranqueamento” e classificação das instituições, considerando não apenas
o desempenho, mas estrutura, relação professor/estudante, gestão democrática
escolar, participação do corpo discente na vida escolar, carreira e salário dos tra-
balhadores, levando em conta a avaliação externa e a autoavaliação, com caráter
diagnóstico, visando a superação de dificuldades através de políticas públicas;
- Erradicar o analfabetismo e universalizar a educação básica;
- Assegurar o cumprimento do Piso Salarial Nacional com plano de carreira, no se-
tor público, com ampliação de seus direitos;
- Valorização dos trabalhadores em educação, formação inicial e continuada, carrei-
ra, salário e condições de trabalho;
- Política nacional de formação dos/das profissionais da educação: oferta de cursos
de graduação, especialização/aperfeiçoamento e extensão aos/às profissionais da
educação pública, em universidades também públicas, como direito dos/das profis-
sionais da educação;
- Obrigatoriedade imediata de realização de concursos públicos, como forma de
ingresso, para todos os/as profissionais da educação;
- Reconhecimento, respeito e valorização das diversidades;
- Combate a todo e qualquer tipo de racismo, preconceito, discriminação e into-
lerância como eixos orientadores da ação, das práticas pedagógicas, dos projetos
político-pedagógicos e dos planos de desenvolvimento institucional da educação
n 52o CONGRESSO DA UNE

pública e privada, em articulação com os movimentos sociais;


- Apoio da Capes e CNPq à criação de linhas de pesquisa nos cursos de pós-gra-
duação do Brasil que visem ao estudo da diversidade étnico-racial, ambiental, do
campo, de gênero, de orientação sexual e de pessoas com necessidades educativas
especiais.

187
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

POR UMA UNIVERSIDADE DEMOCRÁTICA E POPULAR

A educação construindo uma nova sociedade


A que(m) serve a Universidade? A quem se destina o conhecimento produzido
nelas? Quem a estas tem acesso? Que papel cumpre diante dos grandes desafios e
demandas da sociedade?
A Educação não pode ser considerada “algo neutro” ou um ente isolado da
sociedade. Ela é um importante instrumento de reprodução da desigual socieda-
de em que vivemos, transmitindo a ideologia dominante, reproduzindo a força de
trabalho, qualificando os quadros dirigentes e formando consciências em relações
pedagógicas que visam à ocultação da realidade. No entanto, apesar dos sistemas
de ensino terem sido concebidos para reproduzir a ordem social vigente, seu pro-
cesso de constituição é contraditório e permite a abertura de brechas para disputas
por alternativas educacionais diferentes e emancipadoras, disputa esta diretamente
ligada a disputa mais geral de hegemonia na sociedade.
Cabe ao Movimento Estudantil, aliado aos demais movimentos sociais, apro-
fundar a luta por uma educação contra hegemônica e libertadora, que caminhe na
contramão da lógica do capitalismo. Uma educação que vise a elevação da consci-
ência política através da inserção crítica na realidade, ferramenta de libertação em
que o processo de aprendizagem se torne consciente e não alienado.
Defendemos a Educação como um direito universal, um bem público que não
pode se constituir em um privilégio de uma minoria e deve ser garantido pelo Esta-
do. Porém, a realidade é que o Ensino Superior no Brasil ainda é restrito a apenas
uma pequena parcela dos jovens: 14% na faixa entre 18-24 anos, sendo que apenas
¼ estudam em instituições públicas.
Além disto, nossas instituições ainda são marcadas pelo modelo herdado da
Ditadura Militar e pela onda neoliberal que mercantilizou o ensino, heranças estas
que não foram superadas pelo governo Lula.
A tarefa central do ME é defender um Projeto de Universidade que agre-
gue nossas bandeiras históricas, articuladas aos atuais desafios do país, como: a
ampliação do investimento público em educação; democratização do acesso e per-
manência; combate a mercantilização da educação e a privatização das pesquisas;
gestão democrática e paritária; e a revolução pedagógica.
n 52o CONGRESSO DA UNE

188
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

PELA FORMAÇÃO INTEGRAL: ENSINO PESQUISA E


EXTENSÃO PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
O Projeto de Reforma Universitária do Movimento Estudantil deve ir além
das melhorias físicas nas instituições, abarcando uma profunda mudança na forma
como o conhecimento é produzido e disseminado.
Hoje, nosso ensino é muito fragmentado e distanciado da realidade concre-
ta. A Universidade tradicional tem promovido praticamente apenas o Ensino, em
menor grau Pesquisa, e em menor grau ainda, Extensão. Este desenvolvimento
fragmentado de suas funções tem implicado em um empobrecimento da vida uni-
versitária e da educação como um todo, longe dos problemas da sociedade e sem
cumprir uma Função Social.
Defendemos a Integralidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão, de forma a que
através da curricularização da Extensão Universitária o centro do processo de ensi-
no-aprendizagem não seja mais a sala de aula ou o laboratório, mas sim o contato
direto com a realidade social e em constante diálogo com a população, discutindo
suas demandas e alternativas concretas para superá-las, concebendo-a como sujeito
e não como simples objeto de pesquisa.
O princípio pedagógico central da formação integral é a práxis, pois a prática é
a fonte fundamental da reflexão teórica, possibilitando novos olhares sobre a práti-
ca, em um processo de retroalimentação prática-teoria-prática..., potencializando o
vínculo Universidade-Sociedade sob uma perspectiva dialógica, bidirecional, crítica
e emancipadora.

RECONQUISTAR A UNE E O BRASIL POR UMA


UNIVERSIDADE FORA DO ARMÁRIO
A Universidade tem o papel primordial de contribuir a partir do Ensino, da
Pesquisa e da Extensão para a formação de indivíduos, bem como da sociedade
como um todo. Diversas são as temáticas da sociedade que passam por essa for-
mação a partir deste tripé da universidade. Nesse mesmo sentido é preciso que as
questões referentes a Diversidade Sexual e a realidade de pessoas LGBT passem a
ser tratados como temas relevantes para a construção de uma universidade e, por
consequência, de uma sociedade cada vez mais justa e democrática.
Hoje, especialmente a partir dos Governos Lula, vemos pela primeira vez o
n 52o CONGRESSO DA UNE

Estado brasileiro preparado para elaborar, coordenar e executar políticas LGBT no


Brasil. Desde o Programa Brasil Sem Homofobia lançado em 2004, até a I Confe-
rência Nacional LGBT realizada em 2008, bem como a criação da coordenação geral
LGBT, do lançamento do Plano Nacional de Políticas LGBT e dos decreto por reco-
nhecimento do uso do nome social em Ministérios do Governo Federal nos anos

189
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

de 2009 e 2010 e, mais recente, o Conselho Nacional LGBT (lançado em 2011), as


pessoas LGBT passaram a ter mais espaços de diálogo permanente para construção
de políticas públicas que promovam ações de combate à violência, a falta de direi-
tos e de acesso a espaços no nosso país.
Sabemos que estes foram os primeiros passos dados, mas muito ainda é pre-
ciso ser feito e cobrado para avançar nessas transformações da Educação e da
sociedade para que de fato inclua de forma digna pessoas LGBT. É preciso vencer
de forma urgente a discriminação em todos os espaços educacionais e garantir que
todas e todos tenham em pé de igualdade direito a acesso e permanência para es-
tudar e construir suas vidas.
O Congresso da UNE de 2005 aprovou e criou a Diretoria LGBT da entidade.
Tal diretoria não surgiu como algo dado, mas fruto da intensa luta e da organiza-
ção de universitários LGBT em torno do Movimento de Diversidade Sexual, e, mais
especialmente, a partir do ENUDS (Encontro Nacional Universitário sobre Diversi-
dade Sexual).
Ao longo da gestão à frente da 1ª Diretoria LGBT da UNE (2009, 2010), nós mi-
litantes da Reconquistar a UNE mantivemo-nos ativamente presentes na construção
da cidadania LGBT e levando a bandeira da Diversidade Sexual a diversos espaços
e universidades.
Participamos da organização de inúmeras atividades relativas a pautas do Movi-
mento de Diversidade Sexual como os Universidades Fora do Armário, na UFBA (da
sua terceira e quarta edição), da UFSM (em sua primeira edição), UFPR (em sua pri-
meira edição), UnB (em sua primeira edição), lutando com as e os estudantes por
uma Universidade cada vez mais fora do armário e radicalmente contra a violência
homofóbica, lesbofóbica e transfóbica.
Nos últimos tempos assistimos a mais casos graves de homofobia dentro das
Universidades, o que demonstra que não basta aprovar uma política de ter pastas
LGBT nas entidades da UNE sem que seja insistentemente fomentado o debate
acerca dos riscos de uma educação homofóbica e, portanto, violenta.
Na USP tivemos casos de agressões a estudantes homossexuais em festas estu-
dantis e desqualificações em folhetos de CAs; na UFRRJ, casos de constrangimentos
e ameaças contra estudantes gays na residência universitária; na UFBA, cartazes
homofóbicos sendo pregados fomentando o “extermínio” e a violência contra lés-
bicas, gays e travestis. Na UFV, uma bandeira do arco-íris foi queimada durante uma
n 52o CONGRESSO DA UNE

manifestação e mais recentemente, a partir de uma homofobia cordial, foram divul-


gadas tentando ridicularizar o grupo de diversidade sexual de lá.
É preciso que no próximo período a UNE a partir de seu peso institucional,
político e social nos rumos da Educação e da democracia do país, articule o movi-
mento estudantil para que promova uma grande e intensa campanha pela inclusão

190
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de pessoas trans e de combate à discriminação por orientação sexual e identidade


de gênero dentro dos espaços educacionais no nosso país.
Para colaborar ainda mais com esta luta, nós da Reconquistar a UNE acredita-
mos ser fundamental auxiliar no avanço de uma política pela livre orientação sexual
e identidade de gênero e em defesa da diversidade sexual nas universidades, por
isso propomos:
- Realizar o I Encontro de Estudantes LGBT da UNE;
- Construir, a partir do Encontro LGBT da UNE, uma ampla campanha nacional do
Universidade Sem Homofobia, Lesbofobia e Transfobia – pelo fim da violência ho-
mofóbica/lesbofóbica/transfóbica na Educação! como uma campanha da UNE a ser
tocada a partir dos CAs, DAs, DCEs e UEEs nas diversas universidades brasileiras;
- Construir junto aos Grupos e Coletivos Universitários os Universidades Fora do
Armário como ciclos de seminários e atividades de promoção da formação das e dos
estudantes acerca da cidadania LGBT e das questões relativas a diversidade sexual;
- Apoiar e fomentar a participação das e dos estudantes a partir dos DAs, CAs, DCEs
e UEEs, na construção da II Marcha Nacional LGBT – convocada para 18 de maio
de 2011;
- Apoiar e participar do IX ENUDS, em 2011, na UFBA, a partir das entidades de
base e gerais, bem como da Diretoria LGBT da UNE;
- Ampliar a aliança com as entidades nacionais do movimento LGBT como ABGLT,
ANTRA, ABL, Rede Afro LGBT, LBL, E-Jovem, a fim de manter um canal de diálogo
permanente entre o movimento estudantil e o movimento LGBT e suas pautas.
A Reconquistar a UNE acredita que a partir da luta contra a homofobia, po-
demos fazer com que as e os estudantes ajudem a sociedade brasileira a dar mais
passos no avanço e na consolidação de nossa democracia, papel que sempre de-
sempenhou a União Nacional dos Estudantes na História e que não poderá ser
perdida jamais. Por isso, convidamos todas e todos a Reconquistar a UNE para a
luta e para as e os estudantes!

MAIS MULHERES NA POLÍTICA, MAIS POLÍTICAS PARA


MULHERES
Muito avançamos, desde a revolução sexual aos dias de hoje. Somos arquitetas,
n 52o CONGRESSO DA UNE

domésticas, urbanistas, operárias, engenheiras, trabalhadoras rurais, presidentas...


Nos libertamos cada vez mais do espaço privado do lar e ganhamos espaços no
mercado de trabalho, nos parlamentos, nas universidades. A emancipação das mu-
lheres está se consolidado ao longo das décadas como uma mola propulsora que
ajuda toda a sociedade a avançar ao contribuir para que ela se torne mais igualitária.

191
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Entretanto, mesmo com as conquistas alcançadas, as desigualdades de gênero


são um desafio que marca nossas vidas e a depender da disposição do conjunto da
sociedade na superação deste quadro, ainda marcará a vida de nossas filhas e netas.
As mulheres ainda são grandes vítimas de violência no Brasil e são recordistas
entre os mais pobres.
Isso se explica pela inserção precária da mulher no mercado de trabalho: ape-
nas 30% possuem carteira assinada e, mesmo com maior escolaridade, ganham 70%
do que ganham os homens. Do ponto de vista do direito à saúde, ainda não temos
a satisfação plena de nossas necessidades sem a legalização do aborto.
Mesmo a maioria das mulheres ainda estando fora do ensino superior, somos
cerca de 55% das ocupantes das vagas. Durante o período em que estamos na uni-
versidade, muitas vezes somos obrigadas a abandonar ou atrasar os estudos para
cuidar de filhos. Isso se agrava quando se observam as pós-graduações, onde o gar-
galo é ainda mais apertado. Todo este quadro piora ao se observar as condições das
mulheres negras, que são as mais atingidas pelas desigualdades sociais no Brasil.
Ainda temos muito a avançar na busca pela emancipação das mulheres na
sociedade brasileira. E o papel do Movimento Estudantil é estar atento e ser prota-
gonista junto com as mulheres neste processo.
É tarefa da União Nacional dos Estudantes construir as lutas necessárias para a
consolidação de cada vez mais políticas públicas para as mulheres e pela ampliação
do seu empoderamento. Precisamos lutar para que mais mulheres ocupem os es-
paços de poder na sociedade o que é condição para a sua transformação. Para isso,
é necessário que a UNE:
- Lute pela inclusão da transversalidade de gênero e de raça em todos os currículos;
- Combata todo e qualquer tipo de violência contra as mulheres;
- Realize discussões pró legalização do aborto nas Universidades e lance campanhas;
- Que as Universidades tenham observatórios de combate ao machismo/racismo/
homofobia;
- Lute por mais creches nas Universidades;
- Apoie e reivindique políticas de transferência de renda e políticas públicas que in-
centivem a ocupação de novos espaços profissionais pelas mulheres;
- Coloque no seu estatuto a paridade obrigatória na ocupação dos cargos da exe-
cutiva da UNE.

INFORMAÇÃO PARA LEGALIZAÇÃO


n 52o CONGRESSO DA UNE

Discutir a legalização das drogas é fundamental. Muitos militantes e pesquisa-


dores consideram “questão de bom senso”. O fato é que já é hora de o movimento
estudantil encarar com seriedade essa pauta, que não diz respeito apenas ao uso
recreativo, feito historicamente pelas sociedades, mas também ao direito À liber-

192
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

dade religiosa e principalmente ao modelo de segurança pública, que através do


argumento do tráfico, criminaliza a juventude e a pobreza.
As universidades brasileiras possuem grandes contribuições acerca do tema.
Grupos de pesquisa e de extensão, além de diversos coletivos estudantis e blogs –
como o GanjaLivre – produzem hoje argumentos importantes na desmistificação
das drogas ilícitas, enquanto na mídia ainda imperam a ignorância a propaganda de
drogas lícitas, extremamente danosas a nossa sociedade.
A nossa defesa é que a UNE leve essa discussão para toda a sociedade, criando
um fórum nacional de coletivos universitários, formulando uma opinião nacional
consistente e levando-a ao poder público.
É fundamental também potencializar as iniciativas nas universidades, defen-
dendo a urgência do tema das drogas ser pautado a partir da saúde pública, sem
marginalizar os usuários, em acordo com os princípios da informação para a redu-
ção de danos.
Hoje, o ensino superior brasileiro, reproduz preconceitos que tem na mídia o
seu farol. Quantos educadores, psicólogos, médicos, farmacêuticos formados nes-
sas universidades criminalizam os usuários em suas áreas de trabalho, seja escola,
SUS ou CAPS? Como construir uma sociedade mais justa e igualitária se a polícia
tem em lei o argumento da discriminação?
Será que a legalização não permitiria maior acesso à informação para que o
próprio Estado soubesse tratar os usuários de crack, por exemplo? Será que no for-
mato atual de proibição o acesso às drogas não é facilitado?
Por isso, nós, estudantes organizados na tese reconquistar a une, reafirmamos:
não é o consumo, mas a ignorância que alimenta o tráfico ilegal de drogas. Infor-
me-se e lute você também pela legalização das drogas!

AVANÇAR NAS POLÍTICAS AFIRMATIVAS É AVANÇAR


NAS MUDANÇAS DO BRASIL
Na última década, uma série de instituições de ensino superior no Brasil in-
corporou medidas afirmativas. Essas políticas representaram em grande medida, a
adesão dessas instituições a reivindicações dos movimentos sociais, que desde pelo
menos três décadas buscavam intervir no acesso ao ensino superior, como forma
de equilibrar as gritantes desigualdades socio-raciais no país. Hoje as ações afirmati-
n 52o CONGRESSO DA UNE

vas são uma realidade na maioria das grandes universidades públicas e privadas no
país, mas o seu real significado, sua aplicabilidade e suas consequências ainda são
pouco exploradas, e alguns mecanismos precisam ser aprofundados para construir
de fato uma universidade que incorpore a diversidade e atenda de forma plena as
demandas trazidas por um novo conjunto de estudantes que ingressam.

193
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A onda conservadora que buscou impedir o avanço das políticas afirmativas


para a educação no Brasil teve pelo menos dois efeitos. O ataque ao sistema de
acesso, como as cotas ou a bonificação, impediu as instituições e limitou os mo-
vimentos sociais de aprofundarem um conjunto de modificações que deveriam
constituir estratégias afirmativas para as universidades. Além disso, a confusão cau-
sada em torno da sobreposição dos conceitos de raça e classe limitou o alcance
das políticas afirmativas como estratégia de modificação de um quadro de desi-
gualdades que não são conjunturais, mas constituintes da história brasileira, e que
formam de fato, barreiras raciais à participação de um conjunto da população na
economia, na cultura, na política, no Estado.
A universidade deve investir na preparação de ingressantes, através do diálo-
go com as instituições de ensino médio e fundamental, promovendo a extensão
escolar e a formação continuada de profissionais da educação, contribuir para a
formulação de materiais didáticos que permitam a inclusão de um outro conjunto
de conhecimentos, buscado pela aprovação de medidas como a incluem o ensino
de história da África e cultura afro-brasileira e indígena e permitir a democratização
de seus aparelhos de ensino para a comunidade não universitária.
Os sistemas de acesso que preveem cotas devem corresponder ao conjunto
populacional onde a instituição está inserida, constituindo assim uma democrati-
zação material de direitos em consonância com as barreiras raciais implicadas em
cada contexto.
A principal pauta do movimento estudantil para garantir o avanço das políticas
afirmativas no Brasil hoje tem sido a permanência. Investir na assistência estudan-
til e incorporar medidas afirmativas a seus programas permitirá ao conjunto de
estudantes oriundos das camadas populares, negras e negros, egressos das ações
afirmativas, permanecer na universidade e incentivar transformações cada vez mais
eficazes nessas instituições no sentido da sua democratização.
Devemos ainda investir no avanço de políticas afirmativas na pós-graduação,
que permita a democratização do acesso a bolsas e permita cada vez mais o retorno
a carreira docente e a participação nas atividades de pesquisa.
A nova cara que a universidade vem tomando reflete também numa nova cara
para o movimento estudantil. As entidades estudantis que sempre mantiveram uma
hegemonia branca e masculina deverão agora ser pressionadas por um conjunto
de novos atores e atrizes políticas que ingressam no movimento e devem incorpo-
n 52o CONGRESSO DA UNE

rar também outros mecanismos de atuação que possibilitem uma nova postura no
combate às desigualdades socio-raciais dentro das instituições de ensino.
Este ano a União Nacional dos Estudantes estará construindo o seu terceiro
Encontro de Estudantes Negras e Negros e Cotistas na cidade de Salvador, Bahia.
O movimento estudantil foi parte do avanço das políticas afirmativas nas universi-

194
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

dades brasileiras, ao intervir em conjunto com o movimento social negro e outros


setores na elaboração dessas políticas. Agora deve ser também motor de um salto
qualitativo nas ações afirmativas no ensino superior incorporando as novas deman-
das, combatendo o retorno conservador e contribuindo para a construção de uma
universidade mais democrática e popular.

n 52o CONGRESSO DA UNE

195
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

AVALIAÇÃO

A luta é o local10
Por Guilherme Guimarães de A zevedo*
Nós da juventude da AE e da tese Reconquistar a UNE disputamos a União Na-
cional dos Estudantes considerando que o movimento estudantil deve ter como norte
a autonomia frente a governos, a democracia interna e coletivização dos espaços, a
defesa das bandeiras da área de educação e a aliança com outros movimentos sociais
na luta por uma sociedade que supere o capital.
Frente ao governo Lula, nos colocamos de forma crítica aos projetos que iam
de encontro à educação emancipatória e popular, mas ao mesmo tempo na defesa
da expansão e democratização do acesso na defesa da expansão e democratização
do acesso ao ensino superior. E foi assim que em 2010 fomos pras ruas apoiar Dilma
presidenta, derrotando a direita raivosa e construindo a possibilidade de avançarmos
nas já vitoriosas conquistas dos últimos anos.
Em 2011 não mudamos de lado nem muito menos voltamos para a casa achando
que os nossos problemas seriam resolvidos com a eleição da primeira mulher presi-
denta. Continuamos nos espaços de base estudantil, construindo luta e aproximando
mais pessoas do ME.
Em janeiro, como já colocamos em outros textos e relatos da atuação da JAE/Re-
conquistar a UNE, a participação de vários estados e dos quatro cantos do Brasil no
13º CONEB no Rio de Janeiro, aliada com a renovação de noss@s militantes fez com
que conseguíssemos potencializar a organização e coletivizarmos as tarefas pra cons-
trução de nossa tese ao 52º Congresso da União Nacional dos Estudantes. O CONEB
foi um marco: renovamo-nos, pensamos a política, nos organizamos e planejamos
nossas atuações pro semestre.
E a resposta foi rápida. Logo depois nos destacamos nas lutas e disputas estadu-
ais que a Reconquistar a UNE participou. A coerência da nossa política deu nitidez
para construirmos o ME: duo combate aos inimigos da educação – como as forças
de direita e as mantenedoras das universidades privadas – e às práticas burocráticas,
antidemocráticas e imobilistas da direção majoritária da UNE. Foram variadas vitórias
nas eleições de delegad@s, o que deu ânimo e certeza para nossa galera ir à Goiânia
ocupar o CONUNE.
n 52o CONGRESSO DA UNE

E com esses ventos, chegamos ao “coração do Brasil”. Vieram delegações de Rio


Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; do Rio de Janeiro, Espírito Santos, São Paulo
e Minas Gerais; da Bahia, Sergipe Alagoas Pernambuco, Rio Grande do Norte e Piauí;
Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, resultando num crescimento de 25%
de nossa bancada em relação ao último CONUNE. Dessa turma, havia presença de
10. Página 13, n. 100, ago. 2011, p. 31.

196
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

estudantes de universidades, privadas, comunitárias, estaduais, federais e do ensino


à distância, além da diversidade de mulheres, homens, negr@s, LGBTs, indígenas e
sem terras.
No 52º CONUNE, colocamos em prática o que já vínhamos discutindo: a luta é
o local da UNE. Tivemos uma importante intervenção no ato unificado em defesa dos
10% do PIB pra educação, garantindo um carro de som, todos os estados puderam
fazer o repasse e colocar a importância da luta por mais verbas da educação, mas que
seja casado com a defesa contínua pela educação emancipatória e pela Universidade
Democrática e Popular. Ainda no Congresso, a JAE/Reconquistar a UNE organizou
junto com o MST, a Via Campesina, outros movimentos sociais e forças políticas um
ato importante contra o Código Florestal. É um exemplo do que queremos pro nosso
período: unificar o campo de esquerda e implodir a aliança de classes dada na socie-
dade a partir do governo.
Nossas intervenções nos debates do congresso e nas propostas de resolução fo-
ram imprescindíveis para que os/as estudantes tivessem uma posição que fugisse do
debate pequeno dos que são contra ou a favor do governo. Foi importante dizer que
o governo tem suas contradições e decisões dúbias, reflexo da luta de classes presen-
te no Brasil. Dessa forma, somente se soubermos distinguir nitidamente os avanços e
conquistas dos retrocessos e contradições teremos condições de retomar as mobiliza-
ções de massas, indispensáveis para fazer pender a correlação de forças para o lado da
classe trabalhadora e garantir um rumo socialista para as reformas estruturais.
A nossa condução política teve sempre como prioridade as forças do PT. Mas
algumas teses preferiram se acomodar na base da UJS ao invés de inserir o PT como
alternativa ao imobilismo e ao burocratismo. Essa atarefa coube às forças da esquer-
da do PT. Firmou-se uma alternativa que denuncia o equívoco – tanto da direção
majoritária quanto da oposição de esquerda – de manter as ações do governo como
parâmetro das ações do ME, tornando-o meramente reativo e acrítico, incapaz de pau-
tar a sociedade e o próprio governo federal.
Para o próximo período, continua a luta: reconquistar a UNE! E pra isso, pra
além das críticas à direção majoritária e a falta de democracia na entidade, precisamos
entender o momento e não vacilar. O adesismo acrítico já não acumula rumo aos
avanços necessários, simplesmente defende o que já foi feito. Nossos inimigos estão
dentro e fora de governos e reitorias: cabe a nós identificá-los e golpeá-los ao lado de
nossos aliados. É hora de analisarmos o momento, radicalizarmos na democracia e
autonomia do movimento estudantil, empunhar a bandeira da UNE pra colocá-la no
n 52o CONGRESSO DA UNE

seu lugar: nas ruas, na luta e com as/os estudantes!


* Guilherme Guimarães de Azevedo é
da executiva eleita no 52º Congresso da UNE

197
53o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 29 de maio a 02 de junho de 2013

TESE

RECONQUISTAR A UNE
PARA A LUTA E PARA OS E AS ESTUDANTES!
OPOSIÇÃO

53º CONGRESSO DA UNE

Um novo movimento estudantil para mudar a universidade e


transformar o Brasil
Com o peso de 75 anos de uma linda história de muita combatividade; com a
responsabilidade de ser a entidade que representa os mais de um milhão e meio de
estudantes brasileiros; com a consciência dos imensos desafios de liderar e prota-
gonizar a luta por uma universidade democrática a União Nacional dos Estudantes
reúne-se em seu 53º Congresso.
Neste momento em que os movimentos sociais se debruçam em um profundo
e necessário balanço de uma década de um Governo de Centro Esquerda liderado
pelo Partido dos Trabalhadores, a UNE não pode se furtar a também fazer o seu ba-
lanço. Mas deve o fazer com os olhos para o futuro e consciente do seu papel: ser
a ponta de esquerda que arraste o Governo para as demandas reais dos estudantes,
dos jovens que estão fora das universidades e da classe trabalhadora.
Para isto terá pela frente três grandes desafios.
O primeiro é a aprovação do Plano Nacional de Educação com as emendas
propostas pelo movimento social de educação. O projeto foi aprovado na Câmara
e se arrasta na tramitação no Senado. Tem como maior polêmica a meta nº 20, que
determina que até 2023 o Estado brasileiro deverá investir no mínimo 10% do PIB
na educação pública.
Temos a convicção de que a meta de 10% do PIB de investimento até 2023 é
plenamente atingível. Para isto, defendemos a aprovação e destinação de 100% dos
royalties e 50% do fundo social do pré-sal para educação pública. Mas não só isto.
Defendemos que o Governo Federal tenha ousadia para auditar, de forma profun-
da, a dívida pública e para acabar com a farra do setor financeiro, assim como para

198
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

diminuir o superávit primário, que é o dinheiro economizado que poder ser gasto
em educação e infraestrutura e vai parar pagamento dos juros da dívida.
O segundo desafio parte da concepção de que o problema da universidade
brasileira não é só de financiamento. A falta de recursos explica muita coisa, mas
não uma universidade machista, homofóbica, racista, eurocêntrica, fechada para
a comunidade ao seu redor e com uma pedagogia bancária. Urge a necessidade
de construção de uma Reforma Universitária. A universidade não é neutra, pelo
contrário, tem sido importante aliada dos setores dominantes. Precisamos trans-
formá-la em um espaço de reflexão sobre o Brasil e de intervenção na realidade.
O Brasil que queremos precisa de uma universidade com democracia inter-
na, onde a voz dos estudantes tenha o mesmo peso que a dos professores; uma
universidade com pesquisa fortalecida e a serviço do desenvolvimento nacional e
regional; que seja sem muros e pratique uma extensão universitária com trocas de
conhecimento e valorização dos saberes populares; uma universidade em que sua
grade curricular valorize o SUS, estude a necessidade de uma reforma agrária, de-
bata a democratização das comunicações e outras demandas sociais que hoje são
ignoradas.
A UNE, em seu 14º CONEB – Conselho Nacional de Entidades de Base
ocorrido no Recife, em janeiro, construiu o projeto de reforma universitária dos
estudantes brasileiros que dá conta destas demandas. Precisamos agora fazer com
que este projeto vá para as bases e seja debatido pelo conjunto dos estudantes, para
que seja a pauta central da próxima jornada de lutas.
Para participar da mobilização na luta por estes desafios, precisamos, antes,
resolver o terceiro deles. Hoje, um número cada vez maior de universitários se
organiza em coletivos de mulheres, de negros e negras, de cultura, de LGBTs, de
extensão, de religiões, de defesa do meio ambiente, entre outros. Esses diversos
movimentos organizam e mobilizam milhares de estudantes pelo país, porém nem
sempre constroem a rede tradicional do movimento estudantil (Centros e Diretó-
rios Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes, UEEs, Executivas e Federações
de curso e a UNE). É um desafio colocado sobre nós a reorganização do movimen-
to estudantil, entendendo-o como um prisma em que essas diversas identidades se
convergem e que encontram na UNE, mais uma vez, um dos principais espaços de
luta estudantil Brasil afora.
n 53o CONGRESSO DA UNE

Esta próxima geração da UNE terá como grande desafio produzir uma nova
cultura política para o movimento estudantil que atraia para as entidades do mo-
vimento estudantes que não mais a enxergam como seus espaços de organização.
Para este novo tempo precisamos de um novo movimento estudantil que seja capaz
de mudar a universidade e transformar o Brasil!

199
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Por isso, nosso lugar é o mesmo de sempre. Dele nunca


saímos. E nem pretendemos. Nosso lugar é junto aos
estudantes, junto às ruas, junto às greves, no meio das
ocupações, na luta de cada dia. Metendo o dedo em cada
ferida, apontando cada injustiça. Por isso avisamos
aos navegantes desavisados: o sonho não acabou. Aos
que desfraldaram as bandeiras e trocaram a camiseta
surrada por gravata listrada, relatório e fala empolada:
boa viagem. Nosso caminho é outro. O de sempre.

RECONQUISTAR A UNE... QUEM SOMOS


A Reconquistar a UNE é uma tese para os fóruns da UNE impulsionada pela
Juventude da Articulação de Esquerda – corrente interna do PT – e por centenas
de jovens que compartilham dos mesmos princípios de um movimento estudantil
autônomo em relação à governos e reitorias, democrático e de lutas.
Disputamos os rumos da UNE porque acreditamos que nossa entidade nacio-
nal pode cumprir um papel ainda mais ativo na organização dos estudantes. Somos,
portanto, aqueles que querem empurrar o movimento para frente, em torno das
pautas que agregam os estudantes para organizar s lutas desde as universidades.
Nos reafirmamos como oposição a atual maioria que dirige a UNE porque acre-
ditamos que sua política não vem atendendo aos velhos e novos desafios colocados
para o movimento estudantil. Nos colocamos como uma alternativa tanto ao imo-
bilismo e adesismo do campo majoritário da UNE, quanto às inconsequências dos
setores que confundem o papel do movimento com o papel do partido e se organi-
zam prioritariamente para fazer oposição ao Governo Federal.
Entendemos que é papel da UNE pressionar os governos por direitos e propor
um projeto de universidade democrática e popular junto às e aos estudantes. De-
fendemos uma UNE de lutas, enraizada nas universidades, voz e vez dos estudantes
do Brasil.
A boa luta nos espera, tomaremos conta das universidades brasileiras!
Reconquistar a UNE para a luta e para as/os estudantes!
Por uma Universidade Democrática e Popular!
n 53o CONGRESSO DA UNE

CONJUNTURA
Nós, os e as estudantes do Brasil, precisamos estar profundamente atentos
ao que nos rodeia. A educação que queremos e sonhamos está intimamente ligada
com o mundo que queremos e sonhamos. Portanto, analisar os conhecimentos,

200
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

fatos, mensurar as grandes disputas e se posicionar nos processos em curso no


mundo e no país não só é bom, mas necessário.
Vivemos em nível internacional, um momento de grande instabilidade. O de-
senrolar da crise do capitalismo, uma crise prolongada e profunda, tem feito com
que os conflitos entre países e blocos de países aumentem. No interior de diversos
países as mobilizações da juventude e da classe trabalhadora se ampliam. As cons-
tantes tentativas e intervenções militares no Oriente Médio e a polêmica ameaça de
um conflito direto entre os EUA e a Coréia do Norte demonstram que o militarismo
e a guerra ainda são as saídas preferenciais dos imperialistas para a crise.
Na América Latina, já ultrapassamos uma década com um outro cenário. A
presença de setores progressistas e de esquerda na direção de governos na maioria
dos países do continente dá esperança e melhores condições de vida ao povo da
pátria grande. Os desafios de dar continuidade a isso que alguns chamam de gover-
nos pós-neoliberais passam por radicalizar as reformas democráticas estruturantes
no interior dos países e construirmos em nível regional uma grande integração
econômica, popular e cultural. Enfrentar tais desafios implica em responder a
contraofensiva conservadora em curso com muita luta política, tanto na esfera ins-
titucional, mas principalmente na esfera social. Ou ocupamos as ruas em defesa das
mudanças que queremos ou elas não virão.
No Brasil, 10 anos depois da eleição do primeiro operário à Presidência da Re-
pública, muita coisa melhorou. É verdade – e todos os índices mostram isso – que
o governo encabeçado pelo PT mudou e deu condições de dignidade a milhões de
brasileiros. Isso foi possível por romper com o ciclo neoliberal, onde se recolocou o
papel do Estado como promotor de direitos e como indutor econômico. Contudo,
se é verdade que os últimos 10 anos de governo foram muito melhores para os tra-
balhadores e trabalhadoras do Brasil, também é verdade que as condições de vida
em geral no país ainda são muito precárias.
O Brasil é um país de milhões de analfabeto, de milhões de sem-terra, de mi-
lhões de sem-teto, onde a democracia e a política são para poucos, onde ao ensino
superior só chegam 15% da juventude e o ensino básico ainda deixa gente de fora.
Ou seja, mesmo que hoje comemoremos uma série de conquistas que vieram jun-
to ao crescimento econômico e a distribuição de renda dos governos progressistas
existe muita coisa a ser mexida, mudada e transformada. Em nossa avaliação, só da-
remos um salto nas condições de vida e desenvolvimento do Brasil se alterarmos a
n 53o CONGRESSO DA UNE

estrutura de propriedade vigente. É preciso enfrentar o latifúndio, o mercado edu-


cacional, o monopólio da mídia, o financiamento privado de campanhas eleitorais
e a grande especulação imobiliária.
O cenário para isso começa a ser construído no aqui e no agora. Se é verdade
que somos a geração que viveu com o individualismo e a apatia, também é verdade

201
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

que temos o dom de mudar essas condições. Nos últimos anos, temos visto uma
série de mobilizações protagonizadas pela juventude brasileira. Seja nas marchas
(das vadias, liberdade, maconha, educação), seja nas greves que aumentam signi-
ficativamente no Brasil e tem grande presença da juventude trabalhadora, seja na
jornada de lutas da juventude construída há pouco por diversas organizações polí-
ticas do país. Só a nós pertence o presente e é nele que construímos o futuro que
queremos.

Quando se começa uma batalha, ninguém sabe o


desfecho. Mas quem não busca vencer, nunca alcança
vitórias. É também por isto que, mais uma vez, invocamos
a Esperança Vermelha. Sem esperança, não há vitória.
E sem aquilo que a cor vermelha simboliza para nós,
nenhuma vitória vale a pena.

POR UM MOVIMENTO ESTUDANTIL DIFERENTE,


DEMOCRÁTICO E DE MASSAS!

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a


ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível
mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo
usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar
de minha utopia, mas participar de práticas com ela
coerentes.

(Paulo Freire)

A composição da base social do movimento estudantil tem sofrido alterações.


Fatores como (a) a reserva de vagas para estudantes negros, oriundos das escolas
públicas e de baixa renda, (b) medidas como o Programa Universidade para Todos
(ProUni), (c) a expansão dos setores público e privado em municípios e regiões
distantes dos centros urbanos, (d) o surgimento de nichos de mercado educacional
voltados à população de baixa renda e (f ) o aumento da oferta de cursos noturnos,
tem alterado a cara do estudante universitário, tornando-o mais popular e, por ex-
n 53o CONGRESSO DA UNE

tensão, mais sensível a fatores objetivos do lado de fora dos muros universitários.
Compreender essas mudanças é fundamental para darmos lastro a uma pauta
e agenda política que se identifiquem com a realidade dos estudantes. Recolocar
o ME e a UNE a frente de grandes lutas no país exigirá um diagnóstico sério sobre
estas e outras questões.

202
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Esses fatores são fruto de uma concepção equivocada de Movimento Estudan-


til que, muitas vezes, coloca em primeiro lugar a disputa das entidades à revelia da
organização e da luta dos estudantes. Essa concepção mantém na UNE uma estru-
tura de organização que impede a construção de uma relação mais profunda com
as entidades do Movimento Estudantil e o contato mais direto com os estudantes
aprofundando o baixo reconhecimento da UNE.
Por isto, neste 53º CONUNE, reivindicamos de nossa entidade nacional uma
ação mais combativa, orientando a ação do ME nas universidades, com maior pre-
sença, capilaridade e força social:
Democratização e reorganização da estrutura da entidade, orientada
por outros métodos de direção e condução política:
- Organização da Diretoria por Coordenadorias, fim do presidencialismo na UNE;
- Coordenações Estaduais da UNE;
- Criar um jornal e boletim de circulação nacional;
- Tornar o site da UNE mais ágil, permitindo comentários;
- Intensificar as visitas dos Direitos da UNE nas Universidades;
- Criação do Conselho Fiscal da UNE;
- Fim das empresas privadas na confecção da carteira da UNE;
- Por um congresso Estatuinte.
Articulação da rede do movimento estudantil:
- Campanhas de construção e organização de CAs e DAs;
- Elaboração de cartilhas sobre o funcionamento e gestão dos CAs e DAs;
- Realizar atividades de formação sobre entidades de base e movimento estudantil
durante os CONEBs;
- Envio permanente de boletins específicos às entidades do ME;
- Criação da Escola Nacional de Formação Política Honestino Guimarães;
- Trazer de volta aos espaços da UNE várias Executivas de Curso que romperam
com a entidade.
Fortalecimento dos laços do movimento estudantil com os movimentos
sociais:
- Construção de fóruns e demais espaços permanentes para articular os diversos
movimentos sociais que atuam na universidade e em seu entorno para articular
projetos comuns e ações unitárias.
n 53o CONGRESSO DA UNE

UNE e as executivas de curso: uma relação indissociável


Para construir uma análise da importância que representa o Movimento Estu-
dantil em nosso país, tanto do ponto de vista histórico quanto atual, necessitamos
levar em consideração o papel das Executivas de Curso neste cenário. Com a tarefa

203
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

de promover e enriquecer o debate da formação profissional, do mundo do traba-


lho e dos desafios em torno das áreas específicas do conhecimento, de organizar
os/as estudantes de determinado curso ou área e promover a aproximação e a inte-
gração política entre CAs e DAs de diferentes partes do país, as executivas surgem
no ME brasileiro há mais de meio século.
É com este peso que estas entidades foram capazes de fazer com que estudan-
tes se identificassem com a sua realidade e passassem a intervir nela a partir de seu
lócus de atuação. Porém, acreditamos que o papel das executivas não se resume so-
mente a isso. Devemos incentivar e criar as condições para que estes debates locais
ganhem uma dimensão maior e possam, cada vez mais, estarem vinculados a um
cenário amplo de discussão e atuação estudantil. Ou seja, acreditamos que os/as es-
tudantes organizados a partir de sua área possam estar trazendo aportes e subsídios
para o fortalecimento da luta estudantil num espectro macro.
Quando debatemos os desafios da formação profissional e da Questão Agrária
no ME das Ciências Rurais, a necessidade de democratização da mídia nos cursos de
Comunicação Social ou a construção de uma saúde democrática e de qualidade nas
executivas de saúde, entre outros, não estamos desconectados de uma esfera mais
ampla, pois estas realidades interferem diretamente sobre qual modelo de educa-
ção e de sociedade queremos e sobre quais os meios de organizar a luta no ME.
Neste sentido, acreditamos que a União Nacional dos Estudantes deva estar
atenta a estas questões. Infelizmente, no último período, devido à burocratização
e à falta de uma polarização real na política da UNE, que conduza a entidade ao
seu verdadeiro papel de protagonismo estudantil, houve um distanciamento destas
executivas dos espaços da UNE. Acreditamos que a UNE deva construir o diálogo
com as executivas de curso e proporcionar as condições para que elas possam inse-
rir seus debates no cenário do ME geral brasileiro.
É a partir da possibilidade de volta das executivas à composição da UNE e à
construção de seus debates que poderemos trilhar um caminho rumo à consolida-
ção de uma União Nacional dos Estudantes democrática e popular, que esteja à
altura dos desafios de nosso tempo e a serviço da luta dos/das estudantes.

EDUCAÇÃO

Universidades Públicas
n 53o CONGRESSO DA UNE

Se nos anos 90 presenciávamos o fortalecimento do ensino privado e o desmon-


te do Ensino Público, na última década uma série de políticas foram implementadas
no Ensino Público Superior. Em 10 anos, tivemos um aumento significativo do orça-
mento das universidades Federais, que passou de 9 bilhões em2002 para 20 bilhões
em 2020, houve a criação do Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES

204
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

e a aprovação da lei de cotas para estudantes negros/as e oriundos da rede públi-


ca de ensino. Com a criação de vários cursos e novos campis, muitos dos filhos da
classe trabalhador tiveram a oportunidade de acessar o ensino superior público. No
entanto, em nada se alterou nos moldes conservadores e na estrutura antidemocrá-
tica que organiza e gerencia o Ensino Superior no país.
O cenário atual tem demonstrado as contradições, assim como limites e po-
tencialidades destas políticas educacionais. Se, por um lado, temos o aumento
significativo das vagas nas Universidades, por outro, a metade das obras não estão
conclusas e muitos dos professores ainda não foram contratados. Além do mais, te-
mos uma grande demanda por assistência estudantil, que dificulta a permanência
dos estudantes nas universidades. É importante ressaltar que muitos cursos foram
criados sem demanda social, numa lógica de cumprir estatísticas, metas e apenas
gerar bons relatórios quantitativos, mostrando as falhas de construir um processo
de cima para baixo sem haver praticamente discussão alguma com a sociedade e
com a comunidade. Esta realidade demonstra as limitações da execução deste pro-
cesso, uma delas é o fato de ter sido implantado sem modificar a estrutura arcaica
da Universidade brasileira.

Construir uma nova reforma universitária democrática, popular e


transformadora

A universidade deve ser flexível, pintar-se de negro,


de operário e camponês, ou ficar sem portas, e o povo
as romperá e pintará a Universidade com as cores que
desejar.

(Che Guevara)

A tarefa central do Movimento Estudantil é lutar e acumular forças na cons-


trução de um Projeto de Educação Democrático e Popular e uma Nova Reforma
Universitária. Para isto, é necessário construir uma grande unidade no movimento
educacional, sindical e popular para incidir na disputa pelos rumos da educação,
pautando nossas bandeiras históricas articuladas a nossos desafios atuais, contri-
buindo assim para a transformação da sociedade como um todo.
A educação não pode ser considerada “algo neutro” ou um ente isolado da
n 53o CONGRESSO DA UNE

sociedade. Cabe ao Movimento Estudantil, aliado aos demais movimentos sociais,


aprofundar a luta por uma educação contra hegemônica e libertadora, que caminhe
na contramão da lógica do capitalismo. Uma educação que vise a elevação da cons-
ciência política através da inserção crítica na realidade, ferramenta de libertação em
que o processo de aprendizagem se torne consciente e não alienado.

205
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A Nova Reforma Universitária contempla um projeto de universidade pública,


estatal e gratuita, pois a educação é um direito social de toda a população, deven-
do ser garantida através de investimentos públicos; defende que a universidade
cumpra uma função social relevante, qual seja, contribuir com a superação das
desigualdades sociais e não mais sua reprodução; propõe a superação do méto-
do pedagógico tradicional, do academicismo desprovido de práxis e da formação
profissional pautada por demandas de mercado; assegura que as instituições serão
co-governadas democraticamente por todas as categorias e que ninguém será impe-
dido de ingressar e concluir seus estudos.
O Projeto de Reforma Universitária que defendemos deve ir além das melho-
rias físicas nas instituições, abarcando uma profunda mudança na forma como o
conhecimento é produzido e disseminado.
Hoje, nosso ensino é muito fragmentado e distanciado da realidade concre-
ta. A Universidade tradicional tem promovido praticamente apenas o Ensino, em
menor graus Pesquisa, e em menor grau ainda, Extensão. Este desenvolvimento
fragmentado de suas funções tem implicado em um empobrecimento da vida uni-
versitária e da educação como um todo, longe dos problemas da sociedade e sem
cumprir uma função social.
A renovação das metodologias de ensino e aprendizagem não poder estar
desconectada de um conteúdo crítico construído a partir da realidade social, arti-
culando extensão, pesquisa e ensino de forma integral e interdisciplinar, por meio
da curricularização da extensão. Acreditamos que a universidade não apenas pode,
como deve ser um instrumento de emancipação e transformação social. Que sur-
ja do seio da sociedade uma nova Universidade, uma Universidade Democrática e
Popular!

A “comédia” da vida privada – que seria cômica se não fosse trágica...


O acesso `s instituições de ensino foi, ao longo da história, um privilégio
daqueles que podiam pagar. Na academia, a produção de conhecimento sempre
esteve voltada para as elites, suas necessidades e ambições. Apenas em meados do
século XX é que a ideia e a luta para que a educação fosse para todos ganhou volu-
me. No Brasil, apesar da Constituição Federal de 1988 definir educação como um
direito de todos os brasileiros, isto ainda não é uma realidade.
Desde o “Consenso de Washington” o mantra que a cartilha neoliberal reza,
n 53o CONGRESSO DA UNE

quando o assunto é educação, diz que investir na educação superior nas regiões da
América do Sul, África e Sul da Ásia era o mesmo que... gastar dinheiro para reinven-
tar a roda. Isso chegou aos ouvidos de alguns de nossos ex-presidentes na década
de noventa, que “não queriam reinventar a roda”. Para eles, bastava exportar suco
de laranja e controlar a inflação.

206
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Desta forma, a educação superior no Brasil manteve o viés que sempre teve,
ou seja, altamente elitista, onde somente entravam os filhos brancos daqueles que
podiam pagar os “velhos e bons” colégios tradicionais.
Ao longo dos governos neoliberais que marcaram a década de noventa, este
direito, assim como tantos outros, foi renegado, com o sucateamento das universi-
dades públicas e a transferência desta responsabilidade do Estado para a iniciativa
privada.
Vivendo desde então um “boom das instituições privadas de ensino, processo
este que já vinha se dando desde a ditadura militar. Se na década de noventa estas
se concentravam no ensino básico e pré-vestibular, hoje, sua hegemonia está no
campo das instituições de ensino superior. Atualmente, cerca de 73% dos estudan-
tes brasileiros estão em instituições privadas, comunitárias ou confessionais.
Com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal, a lógica cruel
de sucateamento das universidades públicas – somadas à expansão das IES priva-
das – foi rompida em uma de suas pontas. O governo aumentou significativamente
o investimento no ensino superior público, através do REUNI, que possibilitou a
reforma das universidades federais, a duplicação da quantidade de vagas e a cons-
trução de 14 novas pelo interior do país (áreas historicamente penalizadas pelos
velhos governos).
Quanto ao setor privado, este também se beneficiou dos investimentos do go-
verno na educação. Nunca antes houve tantas universidades, faculdades e cursos
EADs espalhados pelo país, cobrando para oferecer o que tratam como seu pro-
duto, sua mercadoria.
Apesar de elevar a quantidade de pessoas ao tão sonhado “mundo do ensino
superior”, do diploma e da graduação, este crescimento desenfreado dos IES pri-
vadas é uma faca de dois gumes. Por um lado, uma imensa maioria destas recebe
recursos públicos para se manter e apenas por isso continuam existindo. Por outro,
por serem empresas, têm como objetivo final auferir lucros. Estes, por sua vez, nem
sempre podem ser alcançados com o investimento necessário para garantir uma
educação de qualidade; com baixo custo; remuneração que valorize os docentes
e demais servidores; uma boa estrutura física; tendo tudo isso alinhado com ferra-
mentas de gestão participativa e democrática.
O que vemos por aí é exatamente o contrário. Em sua quase totalidade, as IES
privadas funcionam como meras distribuidoras de diplomas, que, para justificar seu
n 53o CONGRESSO DA UNE

caráter meritório, abusam de ferramentas como altas taxas; altas mensalidades; ri-
gor desmesurado nas “fichas de presença”; incentivo a concorrência em detrimento
ao cooperativismo; retrógradas ferramentas de avaliação; e muita, muita burocracia.
O peso deste lado da balança aumenta quando conglomerados multinacionais
entram em cena. Ao longo dos últimos anos, diversas instituições de ensino brasi-

207
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

leiras foram compradas por empresas estrangeiras, e esta é uma tendência que tem
aumentado. São megaempresas, com ações nas bolsas de valores de todo o plane-
ta que têm na oferta de diplomas o seu produto. As consequências deste processo
são a desnacionalização da educação, a submissão destas às regras de mercado e
a absoluta perda de autonomia de suas instâncias e conselhos, frente às figuras
dos acionistas. É quando a garantia do lucro se impõe ao salário dos professo-
res e funcionários, no aumento das mensalidades e no sucateamento de toda a
instituição.
Este modelo precisa ser revisto urgentemente. Primeiro: colocando a hege-
monia das instituições públicas sobre as privadas. Segundo: com a criação de um
sistema de regulamentação das IES privadas, e a proibição da venda e aquisição,
controle e participação de grupos internacionais nas IES brasileiras e o impedi-
mento da sua abertura para capital estrangeiro.
As IES privadas precisam atender a critérios que vão além da mera avaliação
anual do SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior). Para que te-
nhamos IES privadas que de alguma maneira contribuam para o desenvolvimento
do país, estas precisam não apenas respeitar o tripé ensino-pesquisa-extensão (algo
que já é difícil de ver), mas estes espaços precisam ser democráticos. Ferramentas
como conselhos de gestão acadêmica, de pesquisa e de extensão com a participa-
ção dos estudantes são fundamentais neste aspecto.
Outra garantira indispensável é a liberdade de organização em entidades es-
tudantis. Muitas IES privadas constroem verdadeiras barreiras que impedem os
estudantes de se organizarem, pois enxergam aí um problema no trato de seus ne-
gócios, uma vez que, organizados, os estudantes certamente lutarão por melhorias
nas condições de ensino e aprendizado.
Para além, é fundamental que as IES privadas possuam mecanismos próprios
de assistência estudantil, que garantam a permanência dos estudantes, uma vez que
a maioria destes novos egressos são trabalhadores e trabalhadoras, jovens, muitos
pais de mães, que estão conciliando a vida acadêmica com a família e o trabalho.
Ou seja, vivem na universidade uma terceira ou quarta jornada do seu dia. Além de
muitos só estarem na universidade por meio de programas de incentivo ao acesso
como o ProUni e o FIES.

Universidades estaduais
n 53o CONGRESSO DA UNE

As universidades estaduais passam por uma situação bastante complexa. O ce-


nário de precarização é reflexo de um processo histórico de falta de financiamento e
de uma política de acesso e permanência nessas universidades. Estas universidades
carecem de autonomia financeira e também de questões estruturais de cada cam-
pi como construção de prédios novos, laboratórios e a abertura de novos cursos.

208
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Para além de problemas de financiamento e estrutura há de se avançar em


questões mais políticas como a paridade entre os segmentos (discente, docente e
técnicos) nas tomadas de decisões, assim como a questão de uma política de assis-
tência estudantil em que diminua a evasão e garantem que os estudantes consigam
concluir seus cursos.
Abertura de novos cursos e novos campi é fundamental para a concretização
da interiorização das universidades. No entanto, acreditamos que esta expansão
deve ser pensada em conjunto com os estudantes e com a sociedade, principalmen-
te para tratarmos em qual região e em quais áreas do conhecimento essa expansão
deve ser dada. A ampliação das estaduais não pode ser feita apenas com fins eleito-
reiros e sem planejamento, apenas para agradar prefeitos aliados.
Nesse sentido, consideramos que é necessário travar uma luta árdua e reivin-
dicar uma democratização radical das universidades estaduais:
- Por mais bolsas e auxílio permanência nas estaduais;
- Pela construção de Casas dos Estudantes em todos os campi;
- Concurso público para professores;
- Investimento na infraestrutura em geral;
- Passe-livre estudantil;
- Restaurantes universitários em todos os campi.
A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!
Não é à toa que assistência estudantil no último período tem sido o principal
cerne das reivindicações e mobilizações estudantis. As políticas de expansão oportu-
nizaram estudantes historicamente exclusos do meio universitário acessar o ensino
superior, porém não deram conta de garantir condições necessárias de permanência.
Mesmo muito tendo se avançado com a criação do Plano Nacional de Assistência
Estudantil – PNAES, esse se encontra bastante limitado e incipiente. Boa parte das
instituições ainda não supriram as demandas básicas de moradia e alimentação. As
moradias estudantis, quando existentes, geralmente possuem número limitado de
vagas e os restaurantes universitários comportam filas imensas. Atendimento na área
de saúde, seja ele médico, psicossocial e odontológico, são eixos que constam no
PNAES, mas uma realidade distante do cotidiano dos estudantes. As mães estudantes
dificilmente dispõem de creche para seus filhos. Quem dirá inclusão digital, esporte,
cultura, apoio pedagógico e tantos outros eixos que constam no PNAES mas que na
vida real pouco se concretizam.
n 53o CONGRESSO DA UNE

Uma das principais incipiências do PNAES está no financiamento. Atualmente,


cerca de 600 mil reais são destinados a assistência estudantil, dados do Fonaprace
apontam a necessidades de investir no mínimo 2 bilhões para dar conta das neces-
sidades atuais. Ampliar o financiamento é fundamental para que possamos superar
as demandas básicas, e garantir que os demais eixos como cultura, apoio pedagógi-

209
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

co sejam executados ampliando as condições de igualdade de permanência entre os


estudantes.
Para além do financiamento, outra limitação do PNAES é a forma como os re-
cursos são geridos. Em que pese os estudantes serem os que mais sofrem com as
dificuldades de permanência, não lhes é resguardado espaço com as dificuldades de
permanência, não lhes é resguardado espaço nas decisões acerca da execução e acom-
panhamento dos recursos.
Compreendemos que a assistência estudantil é uma política em disputa e o
movimento estudantil tem o papel de pautar qual o modelo de assistência que que-
remos. Um modelo que seja concebido como um direito e não com um favor, que
priorize políticas permanentes e não paliativas. Uma assistência que contribua com a
formação profissional do estudante integrado com o ensino, a pesquisa e a extensão e
que estimule a organização e participação estudantil. Por isso, propomos:
- Que a UNE construa seminários estaduais de assistência estudantil que culminem
em uma jornada nacional de lutas pela assistência;
- Dois bilhões para a assistência estudantil já!
- Para que bolsa de trabalho sejam convertidas em bolsas de ensino, pesquisa e
extensão;
- Por uma secretaria de assistência estudantil no MEC;
- Para que sejam criadas Pró-reitorias de assistência estudantil nas universidades;
- Pela criação de fóruns partidários de gestão e acompanhamento da execução do
PNAES nas universidades.

MULHERES E O MOVIMENTO ESTUDANTIL


Conquistar espaços, pronunciar a nossa palavra, defender bandeiras históricas
do movimento feminista, como a paridade de gênero, a legalização do aborto, mais
infraestrutura que libere a mulher de tarefas tidas como femininas (refeitórios, cre-
ches etc.) tem sido a prática de cada vez mais mulheres estudantes, em todo o país.
O que nos anima muito!
Contudo, se nos perguntarem se ainda temos motivos para seguir reivindicando
o feminismo, pra denunciar o machismo, devemos dizer: sim! Não nos faltam razões!
Enquanto não tivermos respeito, autonomia e liberdade e nos sobrar violência, im-
pedimentos, humilhações, feminicídios, desigualdade, teremos muitos motivos pra
lutar. Tornar-se mulher é uma batalha cotidiana e evitar retrocessos exige que saiba-
n 53o CONGRESSO DA UNE

mos brigar por direitos iguais todos os dias, em todos os espaços.


Além disso, existem as questões conjunturais que precisam ser enfrentados tam-
bém por nós estudantes. A Constituição Federal diz: o Brasil é laico. E o presidente
da Comissão de Direitos Humanos é um pastor homofóbico e racista que utiliza o
plenário da Câmara para se arrogar dono da verdade, mensageiro da palavra divina e

210
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

o tema da legalização do aborto é tratado sempre de modo demagógico, favorecendo


as opiniões da ideologia conservadora em detrimento da vida e da integridade física
de centenas de mulheres e meninas.
Sabemos que, por mais que tenhamos avançado, temos pela frente um caminho
muito tortuoso a trilhar. Somos a maioria das estudantes brasileiras e ainda não so-
mos a maioria nos espaços de deliberação e poder em nossas universidades, nem na
diretoria da UNE. Além disso, vivenciamos cotidianamente o agressivo machismo, ex-
pressado através de discursos raivosos contra a nossa luta, de posturas de professores
e de colegas, de silenciamentos, de violências e agressões físicas (são vários os casos
de estupro nas proximidades das universidades. Muitos estão impunes e não são nem
mesmo noticiados).
Nós, mulheres e homens da Reconquistar a UNE, temos defendido que mais
mulheres se insiram no movimento, de forma protagonista, falando em público, emi-
tindo opiniões, elaborando a política, pautando e dirigindo o movimento estudantil.
Apesar das tantas dificuldades que nos acompanham desde sempre, sabemos
que temos as mesmas capacidades que qualquer homem de contribuir em qualquer
pauta, e não somente no debate de gênero. Por mais que muitas vezes não tenhamos
coragem ou prática de falar em público, precisamos começar. Só se aprende a fazer
fazendo. E a auto-organização das mulheres é uma ferramenta poderosa na conquista
de direitos e de espaços.
Pode parecer óbvio, mas não custa dizer mais uma vez: não se trata de combater
os homens, fazer um movimento que os isole ou oprima, repetindo o que nos afeta.
Se trata, sim, de somar forças com os companheiros, apontar as suas contradições e
mesmo perceber as nossas, organizar-nos e ir reinventando um movimento estudantil
democrático, feito por pessoas diferentes que vive e valoriza a diversidade.
A nossa luta é todo dia! Mulher não é mercadoria!

HOMOFOBIA: NÃO ACEITE, NÃO PRATIQUE


Somos fruto da Revolta de Stonewall, já fomos queimados nos fornos do nazis-
mo, já fomos torturados nos campos de concentrações e perseguidos muitas vezes
pelas ditaduras militares.
Compreender a luta do movimento LGBT é compreender que a nossa luta é re-
volucionária, pois se trata de superarmos um sistema excludente que oprime e que
mata todos os dias milhares de gays, de lésbicas, de travestis e até mesmo quem é
n 53o CONGRESSO DA UNE

confundido com homossexuais, como o pai e o filho que foram agredidos no interior
de São Paulo por um grupo de homofóbicos. Nossa luta é diária pela sobrevivência e
pelos nossos direitos que são negados.
Nesse último período intensifica-se a luta do movimento LGBT pela aprovação
do PL 122/06. Vem sendo travada uma luta árdua para que haja uma ruptura com os

211
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

paradigmas conservadores em toda a sociedade. Na universidade não é diferente,


pois o conservadorismo da sociedade capitalista/machista/homofóbica rebate direta-
mente na universidade que reproduz com intensidade a cartilha conservadora.
Muito tem se avançado, porém há de se avançar muito mais. No último período
o movimento estudantil LGBT tem crescido de forma significativa nas universidades
do país, no entanto, infelizmente as práticas homofóbicas também acompanham este
crescimento. Embora tenhamos, ao longo desta década, alcançado diversas conquis-
tas para o público LGBT, estamos longe de alcançar a garantia de igualdade e respeito.
Para enfrentar a homofobia que se prolifera nas universidades não basta punir os seus
precursores, temos que garantir a igualdade de gênero e identidade e isto deve co-
meçar pela BASE, os CAs e DAs devem ter como um de seus objetivos a discussão e
prevenção à homofobia.
Como numa via de mão dupla a UNE por sua vez deve fortalecer a discussão
e ser proativa no combate à homofobia. A UNE iniciou seu compromisso em 2005
quando foi criada a Diretoria LGBT e outras iniciativas: o projeto “Universidade fora
do armário”, a participação em diversas Paradas do Orgulho em todo o país, realiza-
ção de palestras, beijaços e seminários sobre o tema nas universidades, criação de
uma cartilha sobre a temática da Diversidade Sexual e a permissão para que travestis
e transexuais possam utilizar seus respectivos nomes sociais nas carteirinhas da UNE.
O grande desafio neste momento é retomar os trabalhos da Diretoria LGBT
da UNE e traçar um plano de ação para o movimento estudantil, com objetivo de
trazer esse debate para o dia a dia dos CAs, DCEs e universidades. É preciso que a
universidade brasileira saia do armário e seja PLURAL E DEMOCRÁTICA.
A nossa luta é todo dia! Contra machismo, racismo e homofobia!

Que seria deste mundo sem militantes? Como seria a


condição humana se não houvesse militantes? Não porque
os militantes sejam perfeitos, porque tenham sempre
razão, porque sejam super-homens e não se equivoquem.
Não é isso. É que os militantes não vêm para buscar o
seu, vem entregar a alma por um punhado de sonhos. Ao
fim e ao cabo, o progresso da condição humana depende
fundamentalmente de que exista gente que se sinta feliz
em gastar sua vida a serviço do progresso humano. Ser
n 53o CONGRESSO DA UNE

militante não é carregar uma cruz de sacrifício. É viver


a glória interior de lutar pela liberdade em seu sentido
transcendente.

(Pepe Mujica)

212
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

AVALIAÇÃO

Enfim, uma alternativa de direção11


JONATAS MORETH, DIRIGENTE DA UNE E COORDENADOR DE
MOVIMENTOS SOCIAIS DA JPT, AVALIA O 53º CONGRESSO DA UNE,
DESTACA AS AVANÇADAS RESOLUÇÕES APROVADAS E COMENTA O
DESEMPENHO POSITIVO DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA.
Dirigente da União Nacional dos estudantes na gestão 2001/2013 e coorde-
nador de movimentos sociais da Juventude do PT ( JPT), Jonatas Moreth avalia o
53º Congresso da UNE, realizado de 29 de maio a 2 de junho, em Goiânia (GO).
Ele destaca as avançadas resoluções aprovadas no Congresso, o desempenho po-
sitivo da Articulação de Esquerda e a coerência das propostas apresentadas. “Em
todo o processo fomos coerentes com nossas concepções de movimento estudan-
til autônomo e democrático”, afirma. Para Moreth, o grande desafio daqui pra
frente é transformar as excelentes resoluções em luta cotidiana. “Aí é que nós da
Articulação de Esquerda e do Campo Popular cumpriremos um papel imprescin-
dível”, cita. O dirigente comenta, ainda, questões como por que o PT, embora
tenha a simpatia de boa parte do movimento estudantil, não consegue maioria
na entidade, a hegemonia do PCdoB e em que medida as decisões tomadas pe-
los estudantes têm impacto no cotidiano da população e da juventude. Confira
a entrevista:
Página 13 – O Congresso da UNE acaba de ser encerrado. Quais decisões
deste Congresso tem impacto na vida do país, nos rumos da educação brasi-
leira, no cotidiano dos estudantes e da juventude?
Jonatas Moreth – Em primeiro lugar, vale destacar que o Congresso contou
com mais de sete mil estudantes, destes, 3,8 mil são delegados eleitos na base. Isto
comprova toda a força e capilaridade da UNE e a necessidade de sua construção e
disputa. Mais uma vez a UNE honra suas tradições de pensar o Brasil, sua soberania
e o seu desenvolvimento. Sair com resoluções duras em defesa da reforma política,
democratização das comunicações, reivindicando o cancelamento dos leilões do
petróleo, criticando o aumento dos juros, mostra que a maior entidade de estudan-
tes da América Latina não dá as costas para os grandes debates nacionais. Para além
disto, a prioridade dada para a construção de uma reforma universitária e da regu-
lamentação do ensino privado comprovam que os estudantes reconhecem que a
n 53o CONGRESSO DA UNE

educação melhorou nos últimos 10 anos, mas que não estão satisfeitos. Queremos
mais. Queremos acabar com a farra e a mercantilização do ensino privado. Que-
remos uma universidade sem machismo, homofobia e racismo. Queremos muito
mais assistência estudantil. Queremos uma universidade sem muros e que pense
11. Página 13, n. 122, jul. 2013, p. 14.

213
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

o desenvolvimento nacional. Agora, o grande desafio é transformar avançadas re-


soluções em luta cotidiana. Aí é que nós da Articulação de Esquerda e do Campo
Popular cumpriremos um papel imprescindível.
Mais uma vez o PCdoB elegeu o presidente da UNE. A que você atribui a
hegemonia deste partido na entidade estudantil?
São quatro características que garantem essa hegemonia: a centralidade na
disputa da entidade; o controle absoluto do processo eleitoral e sua tecnologia de
disputa; a política de massas que atinge o senso comum, em especial o das universi-
dades privadas; uma ampla política de alianças, que eles conseguem montar graças
à sua maioria e à distribuição de espaços na diretoria.
A maior parte dos universitários que simpatizam com partidos, simpati-
za com o PT. Por qual motivo o PT não consegue transformar esta simpatia
em maioria na UNE?
Primeiro, porque nas universidades tem crescido o debate apartidário e isto
precisa ser combatido por nós. Segundo, porque boa parte dos petistas abre mão
de fazer uma intervenção petista nos espaços da UNE. Terceiro, porque o PT não
tem uma atuação unitária. Neste Congresso, por exemplo, teve petistas nas três cha-
pas que se apresentaram na plenária final. E, em quarto lugar, vale ressaltar que o
próprio PCdoB não tem uma atuação partidária na UNE. Eles atuam enquanto UJS,
uma frente de massas na juventude. Este quarto elemento inclusive tem sido repro-
duzido por vários outros partidos.
Antes, todas as tendências petistas disputavam com o PCdoB. Agora, a
maioria das tendências petistas prefere aliar-se com o PCdoB. Como você ex-
plica esta mudança de atitude?
Em que pese discordar, tenho muito respeito pela posição dos demais cama-
radas petistas. Eles apresentam a tese de que o PCdoB e seus aliados na UNE, tais
como o PSB, PDT e PMDB, são aliados do nosso projeto nacional e são base de
sustentação do governo Dilma, logo devemos estar juntos também na UNE. De
nossa parte, discordamos porque o fato deles serem base de nossos governos não
necessariamente significa que são aliados ao nosso projeto nacional. E não precisa-
mos reproduzir as alianças eleitorais dentro dos movimentos sociais. Para nós, uma
coisa é a aliança social e outra a aliança eleitoral. Outra tese que tem crescido é que
é possível fazer a disputa por dentro. Esta tese também não é verdade, pois a maio-
ria absoluta do PCdoB, somado ao controle com mão de ferro da entidade, mais a
n 53o CONGRESSO DA UNE

ausência de democracia, não permitem essa disputa. São vários os exemplos disto
e o mais emblemático foi o do Estatuto da Juventude. Sem passar por nenhuma
instância, o PCdoB, em nome da UNE, fez um acordo com os artistas para colocar
uma cota de 40% na meia-entrada cultural. O PT todo era contra, mas os diretores
da UNE petistas que compõem o campo majoritário nada puderam fazer.

214
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

E a Articulação de Esquerda? Como você avalia o desempenho da AE no


Congresso da UNE?
Avalio de forma muito positiva. Primeiro, por termos uma bancada de delega-
dos e delegadas eleitos de forma legítima perante os estudantes, sempre preferindo
uma boa briga a um mau acordo, ou até mesmo um bom acordo. Em todo o pro-
cesso fomos coerentes com nossas concepções de movimento estudantil autônomo
e democrático. Temos orgulho em dizer que nenhuma de nossas atas de tiragem
de delegados foi recusada. O segundo ponto é: por ter durante todo o Congresso
apresentado política para a entidade, seja nas mesas de debate, nas plenárias, nas
resoluções, enfim pautando e disputando os rumos do movimento estudantil. A
construção do Campo Popular foi positiva por ter sido sem dúvida a grande novi-
dade no Congresso e pela política de se apresentar enquanto uma alternativa de
direção para a entidade. Esta construção coletiva e plural foi coroada com a eleição
de duas diretorias na executiva e mais nova na plena. De nossa parte, elegemos uma
vaga rotativa na diretoria executiva e duas na plena, o que significa um aumento em
relação ao último Congresso. Por fim, voltamos para as nossas universidades com
a estudantada empolgada para dar continuidade a este trabalho, construindo e for-
talecendo um movimento estudantil combativo e acumulando forças na disputa da
UNE e do nosso projeto de universidade democrático e popular.

Desafios e tarefas do Campo Popular12


NESTA ENTREVISTA AO PÁGINA 13, ADRIELE MANJABOSCO,
INDICADA DA AE PARA A EXECUTIVA DA UNE, FALA SOBRE OS
DESAFIOS E TAREFAS DOS JOVENS PETISTAS PARA QUE O CAMPO
POPULAR SE CONSOLIDE COMO UMA ALTERNATIVA DE DIREÇÃO
PARA A UNE

Indicada da AE para a executiva da UNE, a estudante do curso de Serviço


Social da universidade Federal de Santa Maria (UFSM), filha de pequeno agri-
cultor do interior do Rio Grande do Sul, Adriele Manjabosco avalia que para
o Campo Popular se consolidar como alternativa de direção à União Nacional
dos Estudantes duas posturas são fundamentais: construir de forma autônoma
e combativa a entidade e combater e se opor às práticas equivocadas do campo
majoritário. Segundo ela, mais do que ter feito dois na executiva e nove no pleno
da entidade, a chapa que integrou mostrou o quanto o Campo Popular foi efi-
n 53o CONGRESSO DA UNE

ciente eleitoralmente. Para Adriele, um dos grandes desafios da UNE no próximo


período é a reaproximação com os estudantes e com a rede do movimento estu-
dantil. Sobre o papel da AE na entidade, Adriele defende que a Corrente atue para
fortalecer e construir o Campo Popular na base e no cotidiano do movimento es-
12. Página 13, n. 122, jul. 2013, p. 13.

215
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

tudantil e que atue em conjunto com os movimentos sociais e ao lado da classe


trabalhadora, entre outros pontos que enumera como fundamentais. Confira a
entrevista:
Página 13 – Quais são os principais desafios e tarefas da UNE no próxi-
mo período?
Adriele Manjabosco – Um dos grandes desafios da UNE é a reaproximação
com os estudantes e com a rede do movimento estudantil. O distanciamento da
entidade tem acarretado uma crise de representatividade e até mesmo de legitimi-
dade. Somente superando essa crise e retomando o contato com os estudantes será
possível recolocar a UNE à frente das lutas pela educação. Outro desafio é conquis-
tar definitivamente a aprovação do Plano Nacional de Educação, o PNE, e dos 10%
do PIB para a educação pública, bem como a destinação dos 100% dos royalties e
50% do fundo social do pré-sal para a educação pública. A UNE tem a tarefa de fazer
uma boa intervenção nas Conferências de Educação em todas as suas etapas: muni-
cipais, estaduais e nacionais. No entanto, esta gestão precisa ir para além da pauta
de financiamento. Esta pauta, em que pese ser fundamental, não dá conta das trans-
formações necessárias no ensino superior, seja ele público ou privado.13 Nisso, o
grande desafio é avançar no projeto de reforma universitária que reúne as bandei-
ras históricas do movimento estudantil, como regulamentação do ensino privado e
democratização da gestão das universidades públicas. Este projeto foi aprovado em
resolução no último Conselho de Entidades de Base (CONEB), mas precisa sair do
papel para estar na boca do estudante, sendo debatido nas universidades do Brasil
afora, para então ser enviado ao Congresso Nacional e termos força para aprová-lo.
O “campo majoritário” da UNE será capaz de implementar estas tarefas?
Tem condições políticas e estruturais para isso. No entanto, só alcançará esses
objetivos se mudar profundamente suas práticas políticas. Cito três pontos como
exemplos. Primeiramente, precisa mudar a democracia e transparência interna, cuja
ausência acaba inviabilizando uma ação coletiva das demais forças que compõem a
entidade. O segundo ponto é a forma de atuação. Ao invés de preferir apenas po-
líticas de acordos, o que acaba engessando a entidade e distanciando ainda mais
dos estudantes, deveria centrar as forças para impulsionar as mobilizações e lutas
estudantis. O terceiro é adotar uma postura autônoma frente aos governos federais,
estaduais e reitorias com o intuito de pressionar em torno de nossas reivindicações
e não apenas aderir ou reagir frente às políticas implementadas. Todavia, mesmo
n 53o CONGRESSO DA UNE

com todos estes problemas, não somos pessimistas quanto a esta gestão. Muito
pelo contrário. Se o campo majoritário enquanto força hegemônica da entidade
conseguir, com humildade, agregar para as mesmas bandeiras, tanto o Campo Po-
13.  No original: “Esta gestão precisa ir para além da pauta de financiamento. No entanto, esta pauta em que pese ser fundamental, não
dá conta [...]”

216
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

pular como a oposição de esquerda, temos a convicção de que a UNE honrará suas
tradições históricas e será protagonista destas e de outras lutas.
E a chamada “oposição de esquerda”, como se comportará no próximo
período?
A oposição de esquerda não é um grupo homogêneo. Existe uma disputa in-
terna muito grande neste campo. Alguns setores constroem a UNE cotidianamente.
Outros apenas praticam o “entrismo” em seus espaços e congressos. Como já vem
fazendo, se comportam tentando utilizar do movimento estudantil e de suas enti-
dades para fazer oposição ao governo federal, reagindo e se opondo às políticas
educacionais por princípio, sem avaliar com profundidade as contradições intrín-
secas a estas.
Qual deveria ser a postura do Campo Popular?
Para que o Campo Popular se consolide como uma alternativa de direção para
a União Nacional dos Estudantes basicamente duas posturas são fundamentais:
construir de forma autônoma e combativa a entidade no cotidiano e junto com isto
combater e se opor às práticas equivocadas do Campo Majoritário.
Como é a relação entre os grupos e tendências que compõem o Campo
Popular?
O Congresso da UNE foi a primeira atuação do Campo Popular e o resulta-
do foi bem positivo. Muita animação, construção coletiva, identidade na política e
perspectiva de crescer no próximo período. Na política, o resultado foi excepcional,
porque a construção do Campo com outras forças dentro e fora do PT comprova
que sempre estivemos na posição certa ao nos apresentarmos como alternativa de
direção da UNE, combatendo tanto o governismo acrítico e adesista do campo ma-
joritário, como a posição por princípio do esquerdismo. A chapa ter feito dois na
executiva e nove no pleno comprova que, além do acerto na política, nosso Campo
foi eficiente eleitoralmente.
Qual deve ser o papel da Articulação de Esquerda?
O de fortalecer e construir o Campo Popular na base e no cotidiano do movi-
mento estudantil, contribuindo na consolidação do Campo para além do Congresso
da UNE. Temos a tarefa, também, de continuar dando seguimento ao nosso proces-
so histórico na UNE, sempre coerente na política e, por meio deste, construindo e
disputando os rumos da União Nacional dos Estudantes. O papel da AE é estar in-
tervindo em cada espaço, colocando o dedo em cada ferida, fazendo a UNE intervir
nos rumos da história, seja na educação e na luta por uma universidade democráti-
n 53o CONGRESSO DA UNE

ca e popular, seja nas lutas gerais, em defesa das reformas de base, democratização
dos meios de comunicação, reforma política, agrária, urbana, tributária, sempre
atuando em conjunto com os movimentos sociais e ao lado da classe trabalhadora.

217
54o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 03 a 07 de junho de 2015

TESE

RECONQUISTAR A UNE
PARA A LUTA E PARA OS E AS ESTUDANTES!
OPOSIÇÃO
Contribuição ao Campo Popular

APRESENTAÇÃO

Uma UNE e um CONUNE para tempos de guerra


Milhares de estudantes de universidades públicas e particulares se encontra-
rão entre os dias 03 e 07 de maio na cidade de Goiânia-GO para debater os rumos
da União Nacional dos Estudantes.
Será um espaço de debate acerca da situação política do país, da educação e do
papel do movimento estudantil. Irá também deliberar as diretrizes que nortearão
as ações da UNE nos próximos dois anos, bem como eleger a nova direção da UNE.
Não faltará assunto para debatermos e muito menos motivos para organizar e
articular as nossas lutas. No país vivemos um momento de grande efervescência do
debate político e da luta social.
Tem gente indo às ruas pedindo a volta da Ditadura Militar; tem deputado
achacador tentando aprovar a lei de terceirização (PL 4330) para tirar direitos dos
trabalhadores; tem deputado golpista querendo receber dinheiro de empresa; tem
ministro da fazenda dizendo que é preciso ajuste fiscal recessivo (MPs 664 e 665)
para solucionar a crise; e entre tantas outras coisas, tem a maldita crise.
Nas universidades a situação não é diferente. O ano já iniciou com corte de re-
cursos para a educação, problemas no FIES, atrasos nas bolsas, greves nas estaduais
e uma necessidade emergencial de assistência estudantil.
Será nestas circunstâncias que a UNE realizará seu 54º Congresso. A UNE que
tem na sua história marcas profundas da defesa pela educação pública, do comba-
te à ditadura, da luta pela redemocratização, pela criação da Petrobrás e na defesa
dos estudantes e das trabalhadoras e dos trabalhadores que com sangue e suor, vão
construindo o nosso país.

218
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

É por tudo isso que a cada nova manifestação e ataque à classe trabalhadora e
aos estudantes ouvimos um grito de alerta feito à UNE. Uma de nossas mais antigas
ferramentas de luta, forjada em pleno ano de 1938, precisa ter o fio de sua lâmina
afiado para enfrentar os novos combates.
É com o desejo de escrever uma nova página na história da União Nacional
dos Estudantes, que nos colocamos novamente à disposição de todas e todos que
querem Reconquistar a UNE para a luta e para as/os estudantes.
Reconquistar a UNE para a luta e para as/os estudantes!
O movimento estudantil é uma ferramenta importante para transformar a
educação e incidir nos rumos do país. A UNE, entidade máxima do movimento es-
tudantil, durante anos serviu a estes objetivos.
Ela tem história. Criada em 1938, a UNE ajudou a combater o fascismo, fez a
grande campanha “o petróleo é nosso”; defendeu as reformas de base, lutou e per-
deu lutadoras e lutadores na guerra contra a ditadura; impulsionou as “diretas já” e
pintou a cara da juventude no “fora Collor”.
Mas há tempos nossa entidade distanciou-se das ruas e da vida dos estudantes.
Por isso estamos aqui, falando mais uma vez que precisamos Reconquistar a UNE.
Queremos a UNE viva, atual, discutindo os problemas do cotidiano dos estudantes.
Queremos a UNE combatendo o conservadorismo e enfrentando qualquer
tipo de opressão. Entretanto, uma política burocrática e autoritária há mais de duas
décadas se encontra encastelada na maioria da diretoria da UNE, que nesse Con-
gresso apresenta a tese “Abre Alas”. É só olharmos para a apatia, para a falta de
democracia, e o controle fechado dos rumos da entidade.
Indignados com o estado das coisas, militantes do movimento estudantil de
todos os cantos do Brasil, que constroem desde 1998 a tese Reconquistar a UNE
se organizam novamente. É também mediante essa indignação e da necessidade de
apontar uma nova perspectiva para a UNE que nos somamos na criação do Campo
Popular, forjado no Conselho Nacional de Entidades de Base de Recife, em feverei-
ro de 2013.
O objetivo da Reconquistar a UNE é construir uma nova dinâmica para o coti-
diano da entidade, que aponte para um movimento estudantil combativo e diverso
- mas coeso no encaminhamento das lutas; que construa um projeto transformador
para a universidade brasileira; que faça o debate na sala de aula, que seja referência
para os estudantes.
n 54o CONGRESSO DA UNE

Para tanto é necessário derrotar a atual maioria, e, ao mesmo tempo, começar


a reconstruir e revolucionar o movimento estudantil. Para essa tarefa – que não
começou e não vai acabar em Goiânia – é preciso unificar todos os que defendam
uma entidade de luta e democrática para se somarem conosco e construírem o
Campo Popular.

219
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Queremos trazer de volta as melhores tradições da UNE. Fazer diferente, mu-


dar a cara do movimento estudantil e Reconquistar a UNE para o conjunto dos
estudantes e para a luta. Contamos com você nessa batalha.

E quem ousa falar e fazer isso?


Somos aquelas e aqueles que não param de sonhar. Que herdaram o sangue de
quem foi perseguida, escravizada, torturada e que morreu defendendo um mundo
mais justo, livre de todas as formas de exploração e opressão.
Somos aquelas e aqueles que seguem as palavras do poema de autoria
desconhecida que segue nos inspirando e dizendo:
“... não mudamos de lado. E continuamos chamando as coisas pelo seu nome.
Direita é direita, esquerda é esquerda. Todo projeto e toda ação estão a serviço
de uma classe. Tirar direito não é fazer justiça. O neoliberalismo não acabou.
[...] Ah, e é bom escrever: a luta de classes continua, crudelíssima! E nosso lado
é o dos de baixo. Por isso, continuamos socialistas. Por isso, nosso lugar é o
mesmo de sempre. Dele nunca saímos. E nem pretendemos. Nosso lugar é junto
aos estudantes, junto às ruas, junto às greves, no meio das ocupações, na luta
nossa de cada dia. Metendo o dedo em cada ferida, apontando de novo cada
injustiça. Por isso avisamos aos navegantes desavisados: o sonho não acabou.
Aos que desfraldaram as bandeiras e trocaram a camiseta surrada por gravata
listrada, relatório e fala empolada: boa viagem. Mas não contem conosco. O
nosso caminho é outro. O de sempre. E por isso estamos aqui de novo. Para fazer
acontecer mais um encontro de gente rebelde!”
Sigamos todas e todos rumo ao 54º CONUNE, pois se o presente é de luta, o
futuro nos pertence!

A tese Reconquistar a UNE é construída pelos estudantes organizados na Articu-


lação de Esquerda, tendência interna do Partido dos Trabalhadores (PT). Para mais
informações e para conhecer a Articulação de Esquerda acesse o site www.pagina13.
org.br!

SOBRE A UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES


n 54o CONGRESSO DA UNE

Reaproximar dos estudantes e ocupar as ruas


O movimento estudantil continua sendo um dos principais movimentos de or-
ganização das juventudes no Brasil. Evidente que possuímos diversos outros meios
de organização, mas a União Nacional dos Estudantes, que protagonizou grande
parte das mobilizações e lutas estudantis e sociais desde seu surgimento em 1938,

220
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

segue como uma importante ferramenta de articulação e mobilização dos estudan-


tes em nível nacional.
Há mais de 15 anos viemos apontando que a UNE vivencia uma crise de re-
presentatividade. Crise que, por inúmeras razões, mas principalmente por conta
de suas direções, atingiu o ponto de crise de legitimidade. Hoje, a UNE não tem se
distanciado apenas das ruas e dos amplos movimentos de juventude, mas também
da sala de aula e das universidades, sendo desconhecida pela ampla maioria dos
estudantes.
Parte desta crise pode ser explicada tendo em vista aspectos conjunturais,
como o descenso das mobilizações de massas da década de 1990, o acirramento do
ideário neoliberal e o aumento do descrédito com a política.
No entanto, é responsável também a forma como atua o setor majoritário da
direção da UNE, capitaneado pela UJS – União da Juventude Socialista - PCdoB. É
este campo majoritário quem conduz a entidade, bem como sua atual estrutura or-
ganizativa. É a política que apresentam vem norteando as ações da entidade.
O 54º CONUNE será um momento decisivo para o movimento estudantil de-
bruçar-se sobre o papel da entidade na atual quadra da história. Tendo em vista, a
necessidade de a UNE retomar o protagonismo na luta social e sua representativi-
dade frente aos estudantes. Apontamos para este CONUNE três grandes desafios:
O primeiro desafio é mudar a direção política da entidade
O cenário de acirramento da luta política, de ofensiva do ideário conservador
e de implementação de ajustes fiscais que afetam a classe trabalhadora reforça a
urgência da UNE voltar a estar na linha de frente dos debates da educação e da si-
tuação política do país.
A atual direção política da entidade, calcada em uma linha política de adesão
acrítica às ações do governo federal, além de estar equivocada, mostra-se incapaz
de atrair, apaixonar e mobilizar os estudantes. A UNE precisa de uma nova direção,
mais proativa, mais combativa, mais democrática. Que volte a conduzir amplas cam-
panhas, caravanas pelas Universidades, construir novos e efetivos instrumentos de
comunicação e que seja capaz de rearticular a rede do movimento estudantil.
O segundo desafio é construir uma agenda de lutas da UNE pela
educação
Uma agenda que articule o combate a qualquer tipo de retrocesso com a rei-
n 54o CONGRESSO DA UNE

vindicação de uma verdadeira reforma universitária.


É dever da UNE organizar e mobilizar os estudantes contra os cortes de gastos
no ensino público, o PL 4330 da terceirização, os problemas na renovação do FIES,
bem como, quaisquer medidas que venham a ferir direitos e atacar a qualidade de
ensino.

221
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Combater retrocessos e lutar por mais investimento para a educação é impor-


tante, mas não o suficiente para alterar as estruturas arcaicas e antidemocráticas
que ainda regem as instituições de ensino.
Uma plataforma de lutas que dialogue com os anseios dos estudantes e que
reverbere em conquistas reais, deve estar articulada com transformações profundas
nas universidades. Deve contemplar a democratização da universidade, a participa-
ção paritária dos estudantes nos espaços de tomada de decisão e na elaboração dos
currículos, a regulamentação do ensino privado, a garantia da permanência dos es-
tudantes nas universidades e a curricularização da extensão universitária.
O terceiro desafio é fazer uma profunda reforma política e organizativa
da própria entidade
A reforma no sistema político-eleitoral é uma das principais bandeiras que a
UNE defende na atualidade. No entanto, as estruturas da UNE também são arcaicas,
verticalizadas, centralizadas, burocratizadas e, portanto, antidemocráticas.
É passada a hora da UNE reformar o estatuto da entidade. É necessário or-
ganizar a entidade de forma mais horizontal, representativa e participativa,
contemplando:
a) Uma estrutura colegiada, optando-se pelas coordenações, além de permi-
tir maior diálogo entre os componentes da entidade, obriga a troca de opiniões e
o debate sobre as opções políticas. O presidencialismo seria substituído por uma
coordenação geral, a secretaria geral pela coordenação de organização, a tesouraria
pela coordenação de política financeira e as diretorias por coordenadorias;
b) Criação de espaços amplos de participação estudantil que propiciam
envolver um número maior de estudantes na construção da entidade, tais como
os Núcleo de Trabalho Permanente (NTPs). Os NTPs possibilitam que as entida-
des estudantis, CAs, DAs, DCEs e Executivas de curso, assim como os coletivos de
mulheres, cultura, negros e negras, LGBT, meio ambiente e entre outros, estejam
envolvidas e construindo cotidianamente as atividades da UNE;
c) Paridade de gênero nas diretorias executiva e plena da entidade. A parida-
de é uma ferramenta importante para garantir a representação e a participação das
mulheres nos espaços de poder.
Se reivindicamos que o sistema político garanta a paridade de mulheres, a
representação de negros e indígenas, precisamos passar os olhos e verificar a sub-
n 54o CONGRESSO DA UNE

representatividade que impera na própria entidade.


Se a UNE deliberou, acertadamente, em seus últimos fóruns por se inserir na
luta por uma reforma política que amplie os mecanismos de participação direta na
tomada de decisão, como podemos admitir que a própria entidade reproduza a
política personalista, centralizadora, da troca de favor, dos conchavos e acordões?

222
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

O que propomos é uma real democratização da entidade e mudança de sua


política, fazendo com que a UNE se aproxime novamente da luta cotidiana dos/das
estudantes, volte a ocupar as ruas e esteja na luta junto dos/das trabalhadores/as,
definindo seus rumos de forma democrática com todos e todas estudantes.

O 54º Congresso da UNE


Este CONUNE acontece em um momento em que a situação política do Brasil
é de grande efervescência. As eleições presidenciais de 2014 proporcionaram um
ambiente de grande polarização na sociedade. A direita, derrotada nas urnas, utiliza
todos os seus mecanismos para impor sua agenda ao governo e sua visão e opinião
ao conjunto da sociedade.
Por meio do Judiciário buscam carimbar a esquerda, seus partidos e os mo-
vimentos sociais como criminosos. Põem abaixo o já parco Estado Democrático
de Direito por meio da própria retórica jurídica para perseguir, julgar e condenar
aqueles que oferecem alguma resistência.
Em associação direta age o Legislativo Federal, o Congresso mais conservador
já eleito na história nem tão recente do país. Comandados pelo PMDB, a escória de
partidos conservadores, reacionários e corruptos que abocanharam a maior parte
do parlamento articula e conspira para imprimir uma agenda regressiva para os
trabalhadores. Em menos de seis meses de legislatura atacam por meio da amplia-
ção de seus privilégios, de uma contrarreforma política, nas seguidas tentativas de
redução da maioridade penal e de mudanças legislativas que atingem diretamente
os direitos trabalhistas.
Mas a ponta desta lança que pretende ir fundo na esquerda brasileira sem dú-
vida é a Grande Mídia. O já propalado quarto poder é quem mais busca implantar
um clima de pavor e justiçamento. É a grande mídia que alimenta a cada segundo
o judiciário com falsas denúncias; que ataca o patrimônio do povo, como exemplo
mais recente a Petrobrás, em busca do desmonte das políticas sociais em benefício
do grande capital; é quem impulsiona e amplifica as vozes golpistas; é quem fo-
menta e justifica as ações do Legislativo contra os trabalhadores e seus defensores;
é quem oferece munição ideológica para que setores da própria classe trabalhadora
voltem-se contra si.
É neste ambiente, onde ainda deve ser incluído o fato de a direita também
estar ocupando as ruas, que será realizado em junho de 2015 o 54º Congresso da
n 54o CONGRESSO DA UNE

UNE. Em outras palavras, é num momento de acirramento do enfrentamento e da


luta social que a principal entidade estudantil do país reunirá o conjunto dos estu-
dantes em seu maior fórum de decisão.
Neste 54° congresso da UNE, a entidade deve organizar a rede do movimento
estudantil para que possa, junto aos movimentos sociais e com uma grande frente

223
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

de esquerda, ocupar as ruas e as universidades contra a retirada de direitos e por


reformas estruturais de cunho democrático e popular.
Queremos ver a UNE pressionando o governo federal pela reversão do corte
orçamentário de mais de R$ 69 bilhões ocorrido recentemente, um corte que teve
como objetivo transferir esses recursos para o pagamento dos serviços da dívida
pública decorrente do aumento da taxa básica de juros, e tem como beneficiá-
rios os grandes bancos e o rentíssimo; Combatendo as medidas de ajuste fiscal de
caráter recessivo, que penalizam os trabalhadores/as e a educação e pautando a
reforma tributária e taxação das grandes fortunas; Convocando e mobilizando as/
os estudantes para, junto à classe trabalhadora, barrarmos o PL das terceirizações;
Travando uma agenda de lutas junto com a UBES e as demais organizações de ju-
ventude contra a redução da maioridade pela, pelo fim do extermínio da juventude
negra e por mais cultura e educação para a juventude e encampando a luta por
uma constituinte exclusiva e soberana pela reforma política, articulando esta luta
com o combate ao golpe da contrarreforma política imposta pelo congresso e pelo
devolve Gilmar.
É também no momento em que em todo o país são deflagradas novas greves
nas Universidades Federais. Se em 2012 a maioria da direção da UNE foi atropelada
pela mobilização dos estudantes, em 2015 a entidade precisa estar a frente da or-
ganização e colocar em funcionamento a rede nacional do movimento estudantil.
É por estas razões que compreendemos o papel distinto deste congresso da
UNE. A entidade deve se preparar para liderar os estudantes neste momento. Mas
a atual direção da UNE não está à altura deste desafio e não reúne as condições
para colocar a entidade como protagonista destas lutas. Se estivesse à altura, não
teria tido medo de realizar o Conselho Nacional de Entidades de Base em janeiro
de 2015. Se estivesse à altura não teria tido medo de combater abertamente as can-
didaturas de direita no primeiro turno de 2014, tanto Aécio quanto de Eduardo/
Marina. Se estivesse à altura não teria receio de convocar os estudantes às ruas.
Mas a UNE ainda é a principal referência do movimento estudantil universi-
tário brasileiro. E continua sendo porque sua história de luta é maior do que a do
recente comodismo. Nesse sentido vamos ao CONUNE buscando ampliar nossa
bancada nacional e respectivamente a representação na diretoria da entidade. Para
tanto, buscaremos contribuir no fortalecimento do Campo Popular, por meio da or-
ganização e unidade do conjunto das/os estudantes petistas. Sabemos que é preciso
assumir a responsabilidade e para tanto fazer a entidade retomar seu papel históri-
n 54o CONGRESSO DA UNE

co, reconquistando a UNE para a luta e para as e os estudantes.


A Juventude do PT
É com esta leitura que voltamos a fazer um chamado a toda a Juventude do Par-
tido dos Trabalhadores para discutir uma estratégia petista para a UNE.

224
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

O PT, maior referência política e social da classe trabalhadora brasileira, não


pode se furtar de agir num momento de crise. E é isso que há com a União Nacional
dos Estudantes: uma crise aprofundada.
A história da Juventude do PT no movimento estudantil não pode ser vista
como a história daqueles que podendo assumir o timão do navio que segue rumo
à geleira e mudar sua direção, prefere seguir as orientações do já desorientado
comandante que deseja afundar com sua embarcação. Submeter ou se render as
alianças pragmáticas por espaços na diretoria da UNE não é posição condizente
com a história do PT e de sua juventude. Mas, além disso, não pode ser a opção feita
num dos momentos de maior acirramento da luta de classes no país.
Dessa forma ao longo do ano de 2015, mas principalmente no de Congres-
so da UNE, faremos as justas e devidas reflexões sobre os rumos da entidade e do
conjunto do movimento estudantil universitário no Brasil. E voltamos a apontar
como centro da estratégia a unidade petista na construção da União Nacional dos
Estudantes.

O Campo Popular
Foi com o objetivo de acumular forças e organizar as/os estudantes que nun-
ca caíram no conto do vigário de que na UNE existiam apenas dois lados, de um o
governismo cego e inconsequente; do outro, um oposicionismo esquerdista des-
medido e desregrado (da maioria), incapaz de enxergar a realidade, que durante o
CONEB/Bienal de 2013 no Recife a Reconquistar a UNE impulsionou a criação do
Campo Popular.
Junto ao junto Movimento Mudança, a O Estopim, ao coletivo Quilombo,
vinculado a tendência petista EPS, e ao Levante Popular da Juventude (Consulta
Popular), reunindo estudantes de entidades como as executivas e federações de
cursos, DCEs e UEEs, o Campo Popular rompeu o status quo e fez tremer as estru-
turas da União Nacional dos Estudantes.
No Congresso da UNE, realizado meses depois, o Campo já estava consolidado
como uma verdadeira alternativa de direção para a UNE. Mesmo com debates aca-
lorados sobre ser uma frente de oposição ou apenas uma alternativa de direção, o
fato é que o Campo Popular proporcionou uma mudança nos ventos que sopram
no interior da União Nacional dos Estudantes.
n 54o CONGRESSO DA UNE

Numa linha crescente, o Campo tem sido um importante espaço de organiza-


ção dos estudantes que reconhecem a importância da UNE e que desejam disputar
os rumos da entidade. Há muito ainda o que se afinar, mas sem dúvidas o papel
cumprido neste período demonstra que podemos fazer da UNE a entidade que
queremos.

225
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Assim compreendemos o Campo Popular como o espaço de organização dos


setores que desejam colocar a UNE de volta nas lutas. E também como o espaço de
rearticulação dos setores da Juventude do PT.

EDUCAÇÃO E REFORMA UNIVERSITÁRIA

A UNE, a greve e mobilização nas federais


O anúncio de Greve docente dos professores e o indicativo de greve dos Téc-
nicos Administrativos ocorre em um momento no qual os estudantes também são
convocados a lutar pelos seus direitos. Para além das pautas corporativas destas ca-
tegorias, o que tem mobilizado o conjunto das universidades federais é necessidade
de defender a educação pública no país.
No último período, houve um processo de expansão e interiorização das insti-
tuições de ensino superior. Com o aumento no número de vagas, abriu-se as portas
do ensino superior para setores historicamente excluídos e, com a criação de novos
campis, os bancos acadêmicos chegaram até os rincões do país.
Para consolidar este processo de expansão, obras necessitam ser finalizadas, o
quadro de docentes e técnicos ampliado e a emergencial demanda por assistência
estudantil suprida.
No entanto, o que recebemos foram medidas totalmente controversas. Logo
no início do ano um corte de 7 bilhões para a educação e mais recentemente, no
dia 19 de maio, um corte orçamentário de 9,4 bilhões.
Medidas que foram tomadas com a premissa de contribuir com o ajuste fiscal
no momento de agravamento da crise econômica. Ajuste este, nitidamente dire-
cionado para cortar direitos e sacrificar serviços fundamentais para o povo, como
saúde, educação e mobilidade urbana, recaindo assim, nos ombros dos trabalhado-
res e estudantes.
O resultado disso tudo, em diversas universidades, tem sido a demissão de tra-
balhadores terceirizados que atuam nas áreas como limpeza, segurança e portaria;
a redução das bolsas de assistência estudantil e de pesquisa; a estagnação de obras
de moradia estudantil e restaurantes universitários, bem como de laboratórios de
pesquisas, bibliotecas e salas de aulas; além da abertura a setores privados para den-
tro das instituições federais.
Os efeitos do ajuste recaem com maior intensidade sob este novo perfil de es-
n 54o CONGRESSO DA UNE

tudantes que necessita de assistência estudantil para permanecer na universidade.


Também nos cursos e campis que ainda se encontra em processo de estruturação.
Diante desta realidade, nós estudantes somos convocados a nos manifestar-
mos, não apenas no sentido de apoiar os docentes e/ou técnicos administrativos,
mas para construir uma agenda própria de lutas em defesa da educação pública.

226
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Para além de pressionar o governo contra os cortes é fundamental que os estu-


dantes, organizados no movimento estudantil, articulem uma plataforma nacional
de reivindicações. Esta deve apontar para a ampliação do orçamento para a educa-
ção e para a assistência estudantil a fim de consolidar e possibilitar a continuidade
do processo de expansão. Para, além disso, deve estar articulada com a luta por
uma profunda democratização e transformação das universidades, contemplando
centralmente:
- Reversão dos cortes orçamentários e contra o Ajuste Fiscal;
- Pela implementação imediata dos 10% do PIB para a educação pública;
- Por 2,5 bilhões para a assistência estudantil;
- Contra as terceirizações e pela abertura de concursos públicos;
- Democratização das Universidades com paridade entre professores, técnicos e es-
tudantes nos órgãos colegiados e eleições diretas para reitor.
O que se espera de uma entidade como a UNE é que cumpra seu papel de
conduzir este emergente processo de mobilização dos estudantes, articulando o
conjunto da rede do movimento estudantil, CAs DAs, DCEs UEEs e executivas de
curso, colocando-se ao lado da luta dos professores e técnicos administrativos.
Diferente das mobilizações que ocorreram nos anos de 98, 2001, 2006 e 2012,
a UNE não pode ficar a par da mobilização dos estudantes, muito menos pegar o
bonde andando. Queremos uma entidade que seja protagonista, que mostre a cara
e que seja a porta voz dos estudantes nas ruas e nas universidades, defendendo a
educação e pressionando o governo e o parlamento. Por isso, defendemos que a
UNE:
1 - No 54º CONUNE seja instaurado um comando nacional de mobilização
estudantil formado pela nova diretoria da UNE, membros de DCEs, UEEs e Execu-
tivas de curso;
2 - Delibere uma agenda de lutas pela educação que culmine em uma grande
manifestação em Brasília, a fim de pressionar o governo para reverter os cortes;
3 - Construa através do debate com os estudantes, uma plataforma nacional de
reivindicação nacional;
4 - Acompanhe, apoie e estimule as mobilizações estudantis nas universidades.
5 - Construa ações unitárias com ANDES e a FASUBRA a fim de somar forças,
estreitar e ampliar a relação entre as três categorias.

O movimento estudantil e a reforma universitária


n 54o CONGRESSO DA UNE

“Homens de uma República livre, acabamos de romper


a última corrente que, em pleno século XX, nos atava à
antiga dominação monárquica e monástica. Resolvemos
chamar todas as coisas pelos nomes que têm. Córdoba

227
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

se redime. A partir de hoje contamos para o país uma


vergonha a menos e uma liberdade a mais. As dores que
ficam são as liberdades que faltam. Acreditamos que
não erramos, as ressonâncias do coração nos advertem:
estamos pisando sobre uma revolução, estamos vivendo
uma hora americana”.
Dessa forma se inicia o Manifesto de Córdoba no dia 21 de junho de 1918.
No Brasil a instituição universitária é recente, pois os filhos das elites coloniais
brasileiras costumavam ir à Coimbra realizar o seu ensino superior. A formação da
universidade no Brasil recebe a influência do modelo francês, baseado em escolas
isoladas, com viés liberal, fragmentada e com papel de formar os quadros dirigentes
do Estado, compostos pela elite brasileira.
A Reforma Universitária ganha força a partir do governo de João Goulart e a
discussão sobre as Reformas de Base. A Reforma Universitária foi, então, a principal
bandeira da UNE, rumo a construção de uma verdadeira universidade democrática
e popular, estando relacionada às demais Reformas Estruturais, e contendo em si o
horizonte de uma sociedade justa.
O golpe militar de 1964, no Brasil, interrompe esse processo de mobilização
estudantil, a partir de perseguição a estudantes e a qualquer iniciativa progressista
em torno da educação. A concepção de reforma universitária passa a ser sintetizada
pelos acordos MEC-USAID, incorporados pelos militares, para transformar a uni-
versidade em um importante setor de modernização conservadora, que garantisse
a formação em larga escala de mão-de-obra qualificada, atendendo os interesses
das relações econômicas capitalistas. Nesse contexto é inserida na universidade a
estrutura departamental, o modelo de ingresso a partir do vestibular tradicional, os
créditos, a mercantilização da pesquisa, dentre outros.
A crise capitalista que atinge o mundo nesse momento comprova o fracasso
das teses neoliberais de livre mercado e da educação enquanto serviço pago. Porém
seus danos permanecem presentes na América Latina, para além do âmbito educa-
cional, nos atuais índices de desigualdade social e privatização. A crise e o declínio
da hegemonia do imperialismo norte-americano reforçam a necessidade de intensi-
ficarmos as lutas sociais e os processos de integração regional, com vistas a criar as
condições para construirmos um forte bloco político, econômico, soberano e que
caminhe rumo ao socialismo.
n 54o CONGRESSO DA UNE

Neste sentido, urge ao movimento estudantil avançar na luta e construção do


nosso projeto de educação para uma América Latina em transformação, projeto
este que contemple uma formação integral e socialmente comprometida, através
de uma nova Reforma Universitária, Democrática, Popular e Transformadora, cons-
truída desde a base.

228
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Por uma universidade democrática, popular e transformadora


A concepção da Universidade como um aparelho de hegemonia exige do Mo-
vimento Estudantil uma concepção dialética da educação e é nesse sentido que
apresentamos o programa da Universidade Democrática e Popular. No qual a Uni-
versidade deve deixar de ser um instrumento de manutenção da estrutura da
sociedade e passar a ser um instrumento de transformação social, intimamente
ligada às necessidades sociais do povo brasileiro e não do mercado, convertendo-
-se em um instrumento empoderamento das classes populares, pois a educação a
ser desenvolvida pelas instituições deverá ter um caráter libertador e não alienador
como é majoritariamente. Para tal, inúmeros desafios estão colocados para o movi-
mento estudantil e para o movimento educacional como um todo.
O maior dos desafios reside na retomada do caráter mobilizador e militante
do movimento estudantil. Sem luta política e gente na rua, nosso programa não irá
além de um mero conjunto de intenções. É fundamental o amplo envolvimento da
rede do movimento estudantil numa grande campanha em torno de uma Reforma
Universitária Popular.
Mais do que nunca, temos a certeza da necessidade de levantar a bandeira da
reforma universitária junto a ampla maioria da sociedade. Em outras palavras, os
diversos setores da classe trabalhadora e os movimentos populares devem estar
envolvidos na construção e na luta por essa reforma estrutural da instituição uni-
versitária no Brasil.
Hoje, mais do que nunca, faz-se necessário repensar os métodos de ensino
e o modelo de formação que são impostos em nossas universidades. O projeto
de Reforma Universitária defendido pelo movimento estudantil deve ir além de
reformulações estruturais físicas em nossas instituições. É preciso também uma
profunda mudança na concepção de construção e disseminação do conhecimento,
transformando a estrutura acadêmica das instituições de ensino.
A universidade tradicional trabalha o ensino como um método de reprodução
de conhecimento, em menor grau pesquisa (nem sempre vinculada a problemá-
ticas sociais relevantes), e de forma debilitada a extensão. Este desenvolvimento
fragmentado de suas funções tem implicado um empobrecimento no que diz res-
peito ao desenvolvimento da educação e da sociedade como um todo.
Nosso projeto de Universidade Democrática e Popular compreende outro
modelo pedagógico, baseado na participação, no diálogo e na construção do co-
nhecimento, principalmente, a partir de objetivos traçados de forma coletiva e
n 54o CONGRESSO DA UNE

valorizando os saberes e demandas populares.


Sobre o fim da departamentalização
No campo da reestruturação acadêmica e curricular devemos repensar o atu-
al modelo de organização universitária e o fim da departamentalização. Estes se

229
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

tornaram redutos privilegiados do corporativismo acadêmico e reproduzem uma


organização segmentada da universidade. Esta distorção também é percebida na
própria estrutura física das universidades, em que os seus blocos, centros, faculda-
des e institutos são marcados pela falta de comunicação, isolando os estudantes e
não permitindo o contato destes com outros campos do saber.
Em substituição a estrutura departamental é preciso constituir estruturas
acadêmicas permeáveis à participação democrática da comunidade e à interdis-
ciplinaridade. Já em relação aos currículos, fica latente a necessidade que tem a
universidade em incorporar a diversidade social e cultural da comunidade. Uma
diversidade não encontrada nos atuais currículos eurocêntricos, sexistas e hetero-
normativos das nossas universidades.
Há universidades, como a UdelaR e a UFFS, que não possuem em sua estrutura
institucional os departamentos. Nestas, o que é demonstrado é a facilitação dos tra-
balhos interdisciplinares a partir das macroáreas. Isso porque ter o instituto/centro
ligado diretamente ao curso, propicia uma estrutura mais aberta à integração entre
os saberes, criação de núcleos, disciplinas e projetos interdisciplinares etc.
Sobre a autonomia universitária
A autonomia universitária foi uma conquista do movimento estudantil na
América Latina, estando presente desde as reivindicações do movimento de Córdo-
ba. Hoje é garantida no Brasil em marco constitucional. No entanto, o exercício da
autonomia universitária não deve ser entendido como o isolamento da instituição
e detenção de poder para si, senão como uma condição essencial ao cumprimento
de sua função social. Isto é, a autonomia universitária precisa estar a serviço das de-
mandas da região, e não de interesses externos ligados ao maior poder econômico.
Há setores que trabalham com a concepção de que uma universidade au-
tônoma é responsável, de forma única, pelo seu financiamento. Na prática isso
resultaria em uma universidade passível de ingerências políticas, refém do maior
poder político e financeiro. Dessa forma, nós defendemos o financiamento público
das universidades como um modo de garantir estabilidade à instituição, sem ferir a
sua autonomia a partir da garantia de instrumentos como orçamentos participati-
vos para decidir o fim da aplicação desses recursos.
Sobre o fim das parcerias público-privadas
O Brasil, devido ao seu processo histórico de devastamento industrial orien-
n 54o CONGRESSO DA UNE

tado por interesses estrangeiros, é marcado pela predominância de empresas


internacionais e é dependente de seus investimentos. Isso se manifesta hoje no país
em um projeto de soberania nacional tecnológica prejudicado pelos investimentos
de empresas privadas estrangeiras, pois os lucros industriais são exportados às ma-
trizes fora do país.

230
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Diante disso, coloca-se na pauta também o papel da universidade no que diz


respeito à formação profissional e rumos da pesquisa científica para o desenvolvi-
mento tecnológico do país.
A universidade brasileira precisa deixar de prestar serviços às empresas pri-
vadas como função econômica e social, pois além de injusto, é disfuncional ao
desenvolvimento do país. Isto é, servir ao mercado não apenas contribui com a ma-
nutenção de uma organização social desigual (em que o conhecimento produzido
é apropriado por empresas que irão explorar os trabalhadores), mas, do ponto de
vista da pesquisa fundamental, contribui com a produção de um conhecimento su-
perficial passível às necessidades comerciais de curto prazo.
Portanto, é fundamental a defesa pelo fim das parcerias público-privadas den-
tro das instituições de ensino, que se manifestam, principalmente, nas agências e
parques de inovação e transferência tecnológica. Isto é, é necessário acabar com os
investimentos privados para a pesquisa e a extensão, principalmente por empresas
estrangeiras.
Quantos as agências ou parques de inovação tecnológica presentes na ampla
maioria das universidades brasileiras, é preciso pautar a sua regulamentação de for-
ma que garanta a função social da pesquisa. Ou seja, que sejam órgãos eficientes
quanto à captação de recursos públicos, e invistam em programas de extensão e
pesquisa universitária, envolvendo estudantes, professores e técnico-administrati-
vos, de modo interdisciplinar; que trabalhem com perspectivas do cooperativismo,
e as diversas formas de Economia Solidária.
A produção das universidades voltadas para grandes empresas estrangei-
ras como a Monsanto, Bayer, Syngenta etc. apenas demonstram a colonização do
conhecimento produzido na América Latina. Além de não desenvolver o conhe-
cimento voltado às demandas do povo brasileiro, dificulta a nossa conquista de
soberania tecnológica, pois as matrizes da maior parte das empresas que financiam
a pesquisa (e a extensão, quando a concepção desta é distorcida pelo conceito di-
fusionista tecnológico) de nossas universidades sequer se encontram na América
Latina.
Sobre o modelo de ingresso
As políticas de ações afirmativas, como as cotas, foram e são fundamentais
no processo de democratização do acesso, segundo o princípio da equidade. Este
princípio, junto a própria política de cotas, foi um marco na concepção de acesso
n 54o CONGRESSO DA UNE

ao ensino superior nos anos iniciais dos governos petistas. Até então, no governo
FHC, o foco era na inclusão, em situação deficitária de oferta de vagas e demanda
estudantil.
Apesar das necessidades de aprimoramento do modelo do ENEM/SiSU, prin-
cipalmente no que tange às questões regionais econômicas e sociais (que podem

231
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

aparecer como contraditórias em uma prova universal segundo os princípios de


equidade), cabe ressaltar a importância de um exame nacional enquanto política de
democratização da educação. Tanto pela adesão universal de estudantes de escolas
públicas de todo o país, quanto pelos dados que são recolhidos no que diz respeito
ao acesso à prova (como sexo, raça, origem, faixa etária etc.), com o objetivo de de-
senvolver a educação básica, assim como o acesso ao ensino superior.
Por certo, é necessário aumentar o número de estudantes que concluem o
ensino médio como parte do processo de democratização do ensino superior e
da educação como todo. O ENEM/SiSU com sua função de avaliar o desempenho
do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de
competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania, não apenas avalia o
estudante, mas o próprio desenvolvimento das escolas. Bem como coleta os dados
que resultam nas porcentagens de jovens que concluem o ensino médio e que
acessam à universidade, para posteriormente gerar políticas educacionais integrais.
Além disso, características como a interdisciplinaridade entre as áreas do co-
nhecimento; a contextualização e problematização histórica e social, presentes nas
questões, e a exigência de capacidade de interpretação e abstração deixam a prova
com um viés mais próximo do modelo de ensino pelo qual que se defende na pers-
pectiva de democratizar e popularizar a educação.
Dessa forma, defende-se a nacionalização do método ENEM/SiSU como modo
de ingresso ao ensino superior, com o horizonte de um ENEM que tenha apenas a
função de avaliar os estudantes e a educação, pois o acesso ao ensino superior será
também universal.
Para isso, defende-se fortemente a ampliação de recursos públicos para a ex-
pansão das universidades e do seu acesso.
Sobre a gestão democrática
As universidades brasileiras devem incorporar mecanismos de participação de-
mocrática em seus espaços de decisão. A participação de todas as categorias da
comunidade universitária deve ser garantida em todos os órgãos colegiados da
instituição, com garantia de paridade real entre estudantes, professores e técni-
co-administrativos. Nessas instâncias também deve ser incorporada a participação
de movimentos sociais e demais organizações da sociedade, para que se efetive o
real diálogo com a comunidade e se cumpra a função social da universidade. Além
n 54o CONGRESSO DA UNE

disso, devem ser inseridos instrumentos de construção coletiva dos planos político-
-pedagógicos e a avaliação de orçamentos participativos e seus fins.
Para a escolha de gestões de reitoria e outros espaços administrativos das
universidades, pautamos as eleições diretas e, no mínimo, paritárias. Além disso,
pautamos também o fim a da submissão de listas tríplices ao poder executivo.

232
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A ampla maioria das universidades brasileiras, principalmente as mais antigas,


tem um estatuto extremamente conservador. Por isso, orienta-se a organização de
congressos estatuintes paritários, como uma possibilidade de reestruturar esses es-
paços de poder, com o horizonte de uma profunda democratização da universidade.

Universidades estaduais
As universidades estaduais enfrentam realidades bastante diversas em cada
estado brasileiro. Mas podemos destacar questões que envolvem a realidade do
conjunto dessas universidades. Após a aprovação do Plano Nacional de Educação,
vivemos um momento em que cada estado deve discutir, elaborar e aprovar um
Plano Estadual de Educação. Isso ainda não ocorreu em um número significativo
de estados. A intervenção da UNE e da rede do movimento estudantil na formu-
lação desses planos é fundamental para que cada estado organize a política para
a educação de acordo com sua realidade e possa garantir avanços nas universida-
des estaduais. Os desafios a superar em relação às universidades estaduais não são
poucos.
Podemos destacar, de início, os problemas nas políticas de financiamento e de
garantia da autonomia universitária. Tal situação gera uma precarização em parte
significativa das universidades estaduais, pois faltam recursos para garantir estrutu-
ras mínimas para o funcionamento das universidades. A autonomia financeira das
universidades é condição para o desenvolvimento de suas atividades e para a cons-
trução de um projeto de universidade democrática e popular.
As dificuldades no âmbito do financiamento acabam por refletir-se também
na insuficiência das políticas de assistência estudantil. Sem políticas adequadas
de assistência estudantil, a permanência das e dos estudantes na universidade é
gravemente prejudicada, especialmente daquelas e daqueles estudantes da clas-
se trabalhadora, negras e negros, indígenas, LGBTs e demais setores oprimidos
e vulnerabilizados. Além disso, em casos como a USP e a UNICAMP, sequer há
uma política de democratização do acesso por meio das cotas raciais e sociais e
do ENEM/SiSU, o que demonstra o caráter fortemente elitista, antidemocrática e
racista dessas universidades. Essas estruturas antidemocráticas das universidades
estaduais emperram o atendimento das demandas das e dos estudantes. Por isso,
um terceiro ponto a destacar é a necessidade de democratização das instâncias das
universidades estaduais, com garantia de paridade entre estudantes, professores e
n 54o CONGRESSO DA UNE

técnicos nas tomadas de decisão. A ampliação das universidades estaduais, com a


criação de novos campis e cursos, é também importante para a interiorização das
universidades e democratização do acesso. Mas para que atinja esses objetivos e
não sirva como mero atendimento a interesses privados, a definição da expansão
das universidades deve ser realizada de maneira democrática com participação de

233
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

estudantes, professores e técnicos. É necessário, portanto, que a UNE tenha em sua


agenda de lutas uma transformação estrutural nas universidades estaduais:
- Ampliação do financiamento e transparência nas contas das universidades;
- Por mais bolsas e auxílios como política de permanência estudantil;
- Restaurantes Universitários em todos os campi;
- Pela construção de casas do estudante em todos os campi;
- Democratização do acesso por meio de cotas raciais e sociais e adesão ao ENEM/
SiSU em todas as universidades;
- Democratização das instâncias de decisão das universidades com paridade entre
estudantes, professores e técnicos;
- Criação de novos campi e cursos das universidades estaduais com participação de
estudantes, técnicos e professores.
Regulamentação do ensino privado
Historicamente o acesso às instituições de ensino superior foi um privilégio
daqueles que podiam pagar. A produção do conhecimento na academia sempre
esteve voltada para as elites, suas necessidades e ambições. Apenas em meados do
século XX é que a ideia e a luta para que a educação fosse para todos ganhou vo-
lume. No entanto, apesar da Constituição Federal de 1988 estabelecer a educação
como um direito de todos, isto ainda não é uma realidade.
Ao longo dos governos Neoliberais que marcaram a década de noventa, este
direito, assim como tantos outros, foi renegado, com o sucateamento das Universi-
dades Públicas e a transferência desta responsabilidade do Estado para a iniciativa
privada.
Vivemos desde então um “boom” das instituições privadas de ensino, processo
este que já vinha se dando desde a Ditadura. Se na década de noventa estas se con-
centravam no ensino básico e pré-vestibular, hoje, sua hegemonia está no campo
das instituições de ensino superior. Atualmente, cerca de 70% dos estudantes brasi-
leiros estão em instituições privadas, comunitárias ou confessionais.
Nunca houve tantas Universidades, Faculdades e cursos EAD espalhados pelo
país, cobrando para oferecer o que tratam como seu produto, sua mercadoria. Por
um lado, a imensa maioria destas recebe recursos públicos para se manter e apenas
por isso existem. Por outro, por serem empresas, têm como objetivo final auferir
lucros. Estes, por sua vez, não são alcançados com o investimento uma educação
de qualidade; com baixo custo; remuneração que valorize os docentes e demais
n 54o CONGRESSO DA UNE

servidores; uma boa estrutura física; tendo tudo isso alinhado com ferramentas de
gestão participativa e democrática.
O que vemos por aí é exatamente o contrário. Em sua quase totalidade, as IES
Privadas funcionam como meras distribuidoras de diplomas, que para justificar seu
caráter meritório, abusam de ferramentas como altas taxas; altas mensalidades; ri-

234
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

gor desmesurado nas “fichas de presença”; incentivo a concorrência em detrimento


ao cooperativismo; retrogradas ferramentas de avaliação; e muita, muita burocracia.
Este modelo precisa ser revisto urgentemente. Primeiro: colocando em primei-
ro plano a hegemonia das instituições públicas sobre as privadas. Segundo: com a
criação de um sistema de regulamentação das IES Privadas.
Estas precisam atender a critérios que vão além da mera avaliação anual do
SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior). As IES Privadas preci-
sam não apenas respeitar o tripé Ensino-Pesquisa-Extensão (algo que já é difícil de
ver), mas estes espaços precisam ser democráticos. Ferramentas como Conselhos
de Gestão Acadêmica, de Pesquisa e de Extensão com a participação dos estudantes
são fundamentais neste aspecto.
Outra garantia indispensável é a liberdade de organização em entidades es-
tudantis. Muitas IES Privadas constroem verdadeiras barreiras que impedem os
estudantes de se organizarem, pois, enxergam aí um problema no trato de seus ne-
gócios, uma vez que, organizados, os estudantes certamente lutarão por melhorias
nas condições de ensino e aprendizado.
Para além, é fundamental que as IES Privadas possuam mecanismos próprios
de assistência estudantil, que garantam a permanência dos estudantes, uma vez que
a maioria destes novos egressos são trabalhadores e trabalhadoras, jovens, muitos
pais e mães, que estão conciliando a vida acadêmica com a família e o trabalho. Além
da muitos só estarem na Universidade por meio de programas de inclusão ao aces-
so como o ProUni e FIES. No momento em que a política econômica dificulta e até
inviabiliza a renovação nos contratos do FIES, são estes os mais prejudicados. Por
isso, a UNE precisa reforçar sua mobilização contra os cortes nos recursos da edu-
cação e exigir do governo que os estudantes tenham suas matrículas asseguradas.

ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E ASSISTÊNCIA


ESTUDANTIL

Entrar, permanecer e transformar a universidade

Por que assistência estudantil é direito e não caridade


O Brasil viveu ao longo dos últimos doze anos o maior ciclo de expansão das
vagas no ensino superior de toda a sua história. Mesmo ainda estando com menos
n 54o CONGRESSO DA UNE

de 20% dos jovens de 18 a 24 anos estudando nas Universidades, esse número já


ultrapassa qualquer outro que tenha lhe antecedido.
A expansão ocorreu por meio de inúmeros mecanismos, tanto no setor pú-
blico quanto no privado. Por um lado, dobraram a quantidade de matrículas nas
instituições públicas principalmente por conta do REUNI, com a interiorização e

235
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

abertura de cursos noturnos. Por outro, já são mais de um milhão de bolsistas do


PROUNI e mais de um milhão e meio de contratos do FIES.
O problema histórico do acesso, portanto, vem sendo enfrentado em alguma
medida. Todavia, uma das consequências da expansão é a ampliação da deman-
da por políticas que possibilitem a permanência deste novo e imenso contingente
de estudantes. Principalmente porque parcela significativa destes sujeitos possuem
um elevado grau de vulnerabilidade social e apenas por meio das políticas de in-
clusão conseguiram ingressar na Universidade. O desafio que se coloca, portanto
é, mais do que garantir o acesso, o de possibilitar que mulheres, negras/os, indíge-
nas, quilombolas e todas as filhas e todos os filhos da classe trabalhadora possam
permanecer na Universidade. Criado por Decreto em 2008, o Plano Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES) vem se consagrando como a principal ferramenta
no enfretamento aos problemas da permanência. Todavia, os recursos do Plano são
insuficientes e carecem de urgente ampliação. Já para 2015 seriam necessários cer-
ca de dois bilhões de reais, mas não ultrapassaram os novecentos mil reais.
Os poucos recursos, somado ao contingenciamento do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) são os responsáveis pelos atrasos no pa-
gamento das bolsas e auxílios, realidade com a qual todas e todos convivemos
constantemente. É para acabar com essa situação que a UNE deve defender junto
com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis (FONAPRACE) a am-
pliação dos recursos do PNAES e sua transformação em Política de Estado.
Neste mesmo sentido de constituir uma Política Nacional de Assistência Es-
tudantil, defendemos que as instituições particulares também criem suas políticas
de permanência. Cresce o índice de evasão de PROUNISTA, pois os estudantes
precisam trabalhar para custear as despesas com transporte, alimentação, xerox e
alimentação.
Defendemos, portanto que se torne obrigatório para as instituições particula-
res que tenham aderido ao PROUNI e FIES a contrapartida de bolsas permanência,
construção de Restaurantes Universitários e Moradias Estudantis. Avaliamos que
este é o próximo passo a ser dado, articulado ao processo de regulamentação do
ensino superior privado.
Por fim, defendemos que a UNE fortaleça a Campanha Nacional lançada em
seu III Seminário Nacional de Assistência Estudantil. Para tanto, deve articular a
n 54o CONGRESSO DA UNE

rede do movimento estudantil por meio das UEEs, DCEs, Executivas e Federações
de curso, bem como buscar o diálogo com a Secretaria Nacional de Casas de Estu-
dantes (SENCE).
Temos consciência de que apenas com muita luta mudaremos a concepção
hegemônica que enxerga Assistência Estudantil como caridade e esmola. E é com a

236
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

disposição de enfrentar essa luta em defesa da Assistência Estudantil como Direito


que elegemos esta como uma de nossas bandeiras centrais.

A extensão universitária e o movimento estudantil

Rever o modelo
Na última década, as universidades Brasileiras sofrerem transformações de-
correntes do processo de expansão e de políticas de democratização do acesso.
Programas como o Reuni, a Lei de Cotas e o Plano Nacional de Assistência Es-
tudantil, alteraram o perfil dos estudantes, possibilitando o ingresso de setores
historicamente exclusos do ensino superior. No entanto, em que peso os avanços,
poucas mudanças ocorreram na forma como as universidades se organizam, assim
como na maneira a qual o conhecimento é produzido e difundido.
O adentrar de um novo perfil de estudantes e a permanências das velhas es-
truturas, acentuou a necessidade de rever o modelo. Mesmo com a utilização de
novas tecnologias, o ensino bancário continua sendo o principal “método” pedagó-
gico, apenas substitui-se o giz pelos slides. A dicotomia teoria e prática revela um
ensino cada vez mais conteudista, fragmentado e distanciado da realidade concreta.
Também permanece o produtivismo acadêmico, robotizando professores e alunos.
É nesse sentido que consideramos a extensão universitária como um deba-
te central a ser encampado pelo movimento estudantil na atualidade. Extensão,
não na lógica de estender o conhecimento da universidade para o conjunto da
sociedade. Tampouco compreendida como a realização de projetos acadêmicos
segmentados e setorializados, tal qual ocorre atualmente. Mas em como eixo cen-
tral do processo de reorganização estrutural da universidade, da forma como o
conhecimento é produzido e difundido.
Extensão: um conceito em disputa
A presença de distintas concepções de extensão universitária está intimamente
ligada à disputa de concepção da própria universidade.
Defendemos a concepção democrática e popular de extensão. Nela, como des-
creveu Paulo Freire, o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até
aqueles que se julga não saberem, o conhecimento se constitui nas relações ho-
mem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica
n 54o CONGRESSO DA UNE

destas relações.
A produção do conhecimento ocorre a partir da cultura local, do saber popu-
lar e das condições do meio, sempre buscando garantir a autonomia em relação às
tecnologias implementadas, inclusive valorizando as tecnologias alternativas oriun-
das do empirismo. Além disso, o processo educativo e científico, articula o Ensino e

237
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

a Pesquisa de forma indissociável. Seria uma relação dialética entre teoria e prática,
o que viabiliza uma relação transformadora entre Universidade e Sociedade.
Este paradigma pressupõe uma profunda transformação na forma como a Uni-
versidade se organiza. A universidade não seria mais fechada ao campus, e o ensino
á “Sala de aula” e laboratório. Ela estaria imersa no território em que está inserida.
O eixo pedagógico tradicional “estudante-professor” é substituído pelo eixo “estu-
dante-professor-comunidade”. O estudante, assim como a comunidade com a qual
se desenvolve a ação de Extensão, deixa de ser um mero objeto de um conhecimen-
to validado pelo professor para se tornar participante do processo.
O papel do movimento estudantil
O movimento estudantil, sempre cumpriu um papel importante na defesa
de uma educação transformadora. A extensão universitária, por exemplo, ganhou
contorno central nos Seminários de Reforma Universitária realizado pela UNE na
década de 60, onde pautava-se a abertura da universidade ao povo e o conhecimen-
to voltado as demandas da classe trabalhadora.
Nos últimos anos a atuação da UNE no que se refere a extensão voltou-se para
o Projeto Rondon. Esta relação se traduz em apoio e acompanhamento, abstendo-
-se das críticas ao caráter pontual, militarizado e assistencialista do projeto criado
pela da Escola Superior de Guerra durante o Regime Militar.
Além de deslocada dos debates realizados no movimento educacional e na
Rede Nacional de Extensão Universitária – RENEX, a atuação da entidade, atual-
mente, encontra-se distante do conjunto do movimento estudantil. Um exemplo
são as experiências de projetos de extensão, como Estágios Interdisciplinares de
Vivência (EIV ), Assessorias Jurídicas Populares e o VER-SUS, que possibilitam a
construção de uma concepção emancipadora de extensão nas universidades e que
tem como premissa a articulação com os Movimentos Sociais. Iniciativas construí-
das pelo ME e que poderiam e deveriam ser incorporadas nos currículos dos cursos
e incentivadas com um consequente investimento público.
Cabe ao movimento estudantil, dar centralidade ao debate extensão como
eixo central da luta reforma universitária. Além de pautar que a extensão seja prio-
rizada e receba um aporte considerável de recursos, esta deve passar a fazer parte
dos currículos nos cursos de graduação, de forma integrada ao ensino e à pesquisa.
A curricularização da extensão é sem dúvidas o ponto chave para modificar a
n 54o CONGRESSO DA UNE

forma tradicional como o conhecimento é produzido e difundido. No último PNE,


foi aprovado a meta de reserva de 10% da carga horária dos currículos de gradua-
ção para a realização de atividades de extensão. Uma janela aberta, mas que só será
garantida com mobilização e pressão social e somente será vitoriosa se ocorrer nor-
teada por uma concepção democrática e popular.

238
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

VER-SUS: conhecer, intervir, transformar


Com que realidade dialogamos em nossa formação universitária? Através de
que “lente” nos é mostrado o mundo, suas potências e seus problemas? Deman-
das de quem definem os problemas e/ou constroem as potências? O que está mais
próximo do ensino e da vivência universitária? A comunidade mais próxima ou a
empresa mais próspera?
Os estágios de vivência surgem como uma forma de colocar os estudantes em
contato com a realidade da saúde, da educação e da sociedade, da qual só se ouve
ou se fala, mas pouco se experimenta. Construídos pelo movimento estudantil ar-
ticulado com outros movimentos sociais, é por esse viés que se percebe e trabalha
a realidade. De caráter interdisciplinar, estudantes de diversas áreas trocam sabe-
res e olhares buscando compreender qual a função do Estado, da Universidade e
seu papel frente à realidade e aos problemas sociais com que se deparam. Ao mes-
mo tempo em que são formados também formam, pois “quem aprende ensina ao
aprender e quem ensina aprende ao ensinar” (Paulo Freire).
Com a proposta de ser um contraponto à educação tradicional em saúde, frag-
mentada e distante da realidade da população e do SUS, o VER-SUS ( Vivências e
Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde) foi retomado principalmente no
Rio Grande do Sul, e também em outros estados, em setembro de 2011.
O fortalecimento deste projeto depende sobretudo do movimento estudan-
til buscar meios de consolidação do mesmo de modo a permitir sua continuidade
apesar das mudanças governamentais que por ventura venham a acontecer, seja
nos governos estaduais ou mesmo no governo federal. Um destes meios tem sido
a vinculação dos projetos a universidades para viabilizar maior apoio institucional
e financiamento, atentando sempre para os limites que a institucionalização pode
trazer à construção autônoma e à política dos projetos. Cabe a nós, estudantes e
trabalhadores comprometidos com as lutas do povo e suas bandeiras defender-
mos um estágio de vivência que coloque os estudantes de fato em contato com as
contradições da sociedade capitalista em que vivemos. Para isso, é essencial que a
construção dos estágios se dê juntamente aos movimentos sociais ao invés de, so-
mente, ao Ministério da Saúde, gestores e professores.
Empoderando usuários e estudantes à participação nos espaços de controle
social existentes e geralmente pouco conhecidos, como Conselhos e Conferências
de Saúde, do nível municipal ao nacional, e também da Comissão de Integração
n 54o CONGRESSO DA UNE

Ensino-Serviço (CIES) nas Coordenadorias Regionais de Saúde. Estas instâncias


assumirão uma maior importância este ano (2015) pois de 23 a 26 de novembro
estará acontecendo em Brasília a 15ª Conferência Nacional de Saúde. A defesa do
VER-SUS como um dispositivo potente de formação de trabalhadores e trabalhado-
ras para o SUS deve ser reafirmada e o projeto ampliado.

239
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Para organizar e trazer o VER-SUS até seu município é importante o prota-


gonismo estudantil para se articular com as instituições de ensino, gestores e
principalmente movimentos sociais. Buscar apoio na rede do movimento estudantil
em universidades onde já acontece VER-SUS, tem se mostrado um meio eficaz para
a construção de novos projetos. A Vivência pode ser financiada pelo Ministério da
Saúde, pelo Departamento de Atenção Básica, como política de governo, via Rede
Unida e/ou com recurso da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde,
pelas CIEs regionais e estadual com aval do Conselho Estadual de Saúde e Comis-
são Intergestores Bipartite.
Por conhecimento, ciência e tecnologia para o povo!
Defendemos a constituição de um modelo de desenvolvimento democrático e
popular para o Brasil e um salto no nível dos investimentos públicos em ciência e
tecnologia. O investimento público em ciência e tecnologia é essencial para incenti-
var o desenvolvimento soberano do país, a inovação e a otimização das tecnologias
e a popularização do acesso aos conhecimentos como um bem social dos trabalha-
dores/as brasileiros/as.
Entendemos que a universidade é o berço da ciência e da tecnologia. Entre-
tanto, o modelo de instituição de ensino que encontramos hoje é uma contradição
com esta concepção. Para desenvolver um país precisamos colocar o desenvol-
vimento tecnológico a serviço das demandas da população. Se há investimento
público em instituições de ensino, deve haver uma resposta desse ensino público
voltada para a população. Porém, o que vemos hoje é o investimento público em
instituições de ensino que se preocupam em sustentar o mercado capitalista. Como
sabemos o mercado muito pouco reflete as necessidades reais da população, be-
neficiando apenas uma pequena parcela da sociedade, a burguesia. Um exemplo
de como as universidades estão servindo ao capital são as pesquisas que não são
voltadas para a sociedade, são produções que não alcançam as demandas reais da
população ou voltadas exclusivamente para empresas privadas. Basta olhar nas pes-
quisas realizadas dentro das universidades e ver quantas delas são aplicadas dentro
de comunidades e quantas delas são patrocinadas por empresas privadas.
Essas empresas privadas são as mesmas que patrocinam os laboratórios, equi-
pamentos e materiais das universidades, resultando em um vínculo de dependência
entre a universidade e a empresa. A empresa, então, se apodera dos resultados das
pesquisas e não devolve à sociedade, utiliza da ciência para sustentar o seu lucro.
n 54o CONGRESSO DA UNE

Resumindo: a falta de investimento público na ciência e tecnologia dentro das uni-


versidades tem nos submetido a sustentar uma sociedade capitalista, ao invés de
amparar as necessidades da população. Ou então a pesquisa simplesmente é pro-
duto de orgulho para o pesquisador e fica trancafiada dentro da universidade, sem
uma aplicação real na sociedade.

240
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Precisamos integrar o tripé do Ensino, Pesquisa e Extensão, dando especial


atenção para a extensão, e dialogar com a sociedade, aproximando a universidade
da comunidade. Defendemos que toda a pesquisa seja vinculada à extensão e que
por meio de Conselhos Comunitários a sociedade civil possa opinar sobre os rumos
da universidade. Defendemos produções científicas com mais utilidade social. De-
fendemos também que o estudante tenha uma maior autonomia para também ser
um pesquisador, acreditamos que o estudante tem a capacidade e deve se apoderar
de seu conhecimento e produzir sua própria pesquisa.
Para mudar precisamos levar o debate de desenvolvimento para dentro da sala
de aula. Que modelo de pesquisa e desenvolvimento nós queremos para o Brasil e
para a América Latina?
Por uma ciência e tecnologia 100% pública e voltada para as necessidades reais
da população!

CONTRA TODAS AS FORMAS DE OPRESSÃO,


REPRESSÃO E EXPLORAÇÃO

A superação da cultura homofóbica na universidade


O debate sobre a superação da cultura homofóbica dentro da Universidade
vem se intensificando no último período, visto que se acirraram os casos (denun-
ciados) de violência homofóbica. As expressões mais recorrentes se dão por meio
de violências físicas, piadas, entre outras, mais fortemente em trotes de calouros,
outros nos espaços como sala de aula, corredores e até mesmo homofobia institu-
cional quando são negados direitos como o do uso de nome social.
O conjunto do movimento estudantil tem diversos desafios, um deles é ser o
provocador de debates e intervenções no sentido de superar essa cultura de homo-
fobia na Universidade.
Como a universidade é um reflexo da sociedade, ou vice-versa, outros fatores
importantes da análise dessa questão são apontados pelos dados de homofobia
no conjunto da sociedade, como aponta as informações do GGB (Grupo Gay da
Bahia) que comprovam que o Brasil lidera o ranking mundial de homicídios contra
LGBTs. O Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais de 2010 divulgou que
foram registrados 260 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil, 62 a mais
que em 2009.
n 54o CONGRESSO DA UNE

Ao analisarmos esses dados vimos que houve um aumento de 113% nos últi-
mos cinco anos. Dentre os mortos, 140 eram gays (54%), 110 eram travestis (42%) e
10 eram lésbicas (4%). Segundo o GGB, o risco de um homossexual ser assassinado
no Brasil é 785% maior que nos Estados Unidos. Lá, em 2010, foram registrados 14
assassinatos de travestis. Foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e

241
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

lésbicas no Brasil, incluindo uma transexual brasileira morta no Reino Unido e um


gay morto na Espanha. Os gays lideram os “homocídios”: 186 (59%), seguidos de
108 travestis (35%), 14 lésbicas (4%), 2 bissexuais (1%) e 2 heterossexuais.
Nessa lista foram incluídos 10 suicidas gays que tiveram como motivo de seu
desespero não suportar a pressão homofóbica, como aconteceu com um gay de 16
anos, de São Luís, que se enforcou dentro do apartamento “por que seus pais não
aceitavam sua condição homossexual.” O Brasil confirma sua posição de primeiro
lugar no ranking mundial de assassinatos homotransfóbicos, concentrando 4/5 de
todas as execuções do planeta.
Nesse sentido Bienal de arte e cultura da UNE queremos pautar esse deba-
te e provocar o conjunto do Movimento Estudantil, no que se refere aos desafios
político-organizativo podemos apontar que é necessário retomar/potencializar os
espaços de debates como foram o “Universidade Fora do Armário”, também buscar
uma articulação entre a UNE por meio da Diretoria LGBT com o ENUDSG – Encon-
tro Universitário de Diversidade Sexual e Gênero, antigo ENUDS, bem como outros
espaços de debates, mas intervenções concretas, a UNE deve se somar a outros
Movimentos LGBTs no combate a Homofobia na sociedade e na Universidade, cons-
truindo a Marcha pela aprovação do PL 122/06 contra a homofobia, nas construções
das paradas de diversidade e outros atos políticos de pressão social pela implemen-
tação de políticas públicas de inclusão da população LGBT.
É preciso que a UNE construa um espaço permanente de auto-organização do
Movimento LGBT tendo em vista o contexto da Universidade Brasileira no sentido
desse espaço ser de humanização e inclusão dessas populações que historicamente
foram excluídas bem como de superação da cultura machista e heteronormativa.
Associado a isso a conjuntura política e social que mostra que se acirra a
disputa política tendo em vista a bancada conservadora eleita para os próximos
quatro anos O ME e os demais Movimentos LGBT a luta por direitos sociais, civis
e políticos.
Nesse sentido, é preciso fortalecer os espaços de debates construção política e
de acúmulo de forças para uma nova cultura política, e também para superação de
uma sociedade ainda hegemonicamente machista, heteronormativa e homofóbica,
buscar alternativas de luta política e de mobilização para o conjunto do movimento
estudantil e dos movimentos sociais.

Mulheres que lutam mudam o movimento estudantil


n 54o CONGRESSO DA UNE

Nada causa mais horror à ordem que mulheres


que lutam e sonham

( José Martí)

242
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Vivemos em uma sociedade capitalista e patriarcal, onde historicamente são


reservados os espaços públicos aos homens, enquanto às mulheres o espaço priva-
do, por isso a política e o próprio ME ainda são vistos como espaços masculinos.
Apesar das mulheres serem a maioria dos estudantes universitários e estuda-
rem 20% a mais que os homens, os espaços de discussão e decisão política, como
o movimento estudantil, tem reproduzido uma relação de poder desigual entre
homens e mulheres.
As relações de desigualdade entre homens e mulheres é construída social e
culturalmente, portanto pode e deve ser modificada. E é somente a articulação e
luta das próprias mulheres estudantes que possibilitará esta mudança.
O surgimento do EME (Encontro de Mulheres da UNE) deu-se pela necessi-
dade de lutas para superar o machismo reproduzido nas universidades. A partir
disso, viemos a cada EME construindo e fortalecendo uma plataforma de lutas das
mulheres estudantes.
Mas só isso não basta. Precisamos garantir ainda mais inserção e participação
das mulheres, avançando a democratização dos espaços decisórios, dispensando
práticas viciadas que enfraquecem o movimento estudantil. Precisamos fazer com
que a plataforma do EME se materialize no dia a dia da Universidade e do próprio
ME em todos os seus níveis.
Nesse sentido, construir espaços de auto-organização das mulheres é im-
portante, tanto para empoderar as mulheres a protagonizarem os espaços do
Movimento estudantil, como para articular as nossas lutas.
A construção de espaços auto-organizados, com participação exclusiva de
mulheres estudantes de forma alguma exclui a necessidade de espaços amplos de
debate com o conjunto do movimento estudantil e dos estudantes. Também se faz
importante articular as bandeiras de lutas específicas das mulheres da UNE, com
reivindicações mais amplas, como a da Reforma Política, Universitária e democra-
tização da mídia.
A UNE deve tratar com seriedade a questão da participação das mulheres nos
espaços de representação do Movimento estudantil. A paridade é uma pauta histó-
rica das mulheres como mecanismo de superação de desigualdades. A intenção é
utilizar a paridade para fazer com que mais mulheres participem da política, e com
n 54o CONGRESSO DA UNE

que mais mulheres tenham seu trabalho reconhecido a fim de que estas condições
sejam superadas.
Infelizmente, tivemos uma grande derrota no último Conselho de Entidades
Gerais da UNE, quando propusemos que 50% dos delegados e suplentes eleitos
para o 54º Congresso da UNE fossem mulheres.

243
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

É inadmissível que a entidade que se coloca a favor da ampliação das mulheres


nos espaços de representação política, que se reivindica estar lado a lado da luta
das mulheres tenha titubeado mediante uma bandeira histórica da luta feminista.
Nós, que enfrentamos o machismo nos mais diversos espaços, inclusive no
próprio movimento estudantil, não podemos titubear subordinando nossas ban-
deiras e rechaçando nossos princípios.
1 - Pela realização de uma ampla campanha da UNE contra o machismo nas
universidades que denuncie as manifestações de machismo que ocorrem durante
as calouradas e trotes, e outras tantas que mercantilizam o corpo da mulher, redu-
zindo-as a estereótipos de beleza e sexualidade;
2 - Pela Paridade na diretoria executiva e plena da UNE e na tiragem de delega-
dos do Congresso da UNE;
3 - Pela garantia da representatividade das mulheres negras nos espaços da
UNE, bem como do conjunto do movimento estudantil;
4 - A UNE garanta nos eventos nacionais um centro de referência às mulheres
estudantes, onde possa ser organizado o acolhimento, a orientação e os encami-
nhamentos possíveis frente aos casos de machismo;
5 -A criação de espaços mistos de discussão de gênero, para expandirmos o de-
bate sobre a legalização do aborto, saúde da mulher, violência sexista e participação
das mulheres na política;
6 - Pelo envolvimento das Executivas e Federações de cursos, coletivos e gru-
pos de mulheres estudantes na organização do EME;
7 - Pela criação de um Grupo de Trabalho permanente na diretoria de mulhe-
res da UNE para que seja possível de forma mais ampla e articulada construir as
ações da diretoria.

Drogas: contra a repressão, regulamentação!


As contradições perversas do cotidiano aparecem em situações como a crimina-
lização da pobreza e a ampliação da desigualdade social a partir de políticas aceitas
socialmente, como a criminalização das drogas. Esta tem como a ampla maioria dos
atingidos a juventude negra e pobre, que vive em favelas e em periferias das zonas
urbanas. Justifica-se, a partir de tal política, a marginalização e as ações policiais que
matam cotidianamente os jovens das áreas periféricas de baixa renda.
A história mostra os diversos processos de marginalização e criminalização da
n 54o CONGRESSO DA UNE

pobreza. As primeiras instituições de internação surgiram com o objetivo de inter-


nar as pessoas que não poderiam se ajustar ao sistema de trabalho por questões
físicas, como “os leprosos”. Nos manicômios também se visualizava essa função
ao perceber que os “pacientes” eram, em sua ampla maioria, pessoas pobres, com
dificuldade de acessar aos seus direitos, jogadas em uma estrutura institucional.

244
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Hoje o que se vê é esse papel sendo fortemente desempenhado nas institui-


ções prisionais e psiquiátricas. Apesar dos avanços na luta antimanicomial, muitos
hospitais psiquiátricos seguem a lógica de manicômios. Isso se intensificou com a
aprovação da Lei da Internação Compulsória (Lei nº 10.216), que garante a interna-
ção de usuários de drogas a partir de um pedido judicial.
A prática de tal lei apenas intensifica a criminalização da pobreza, pois os su-
jeitos atingidos são aqueles que utilizam drogas ilícitas em locais públicos, como
praças, por falta de alternativa de espaço (questão de território). Na maioria dos
casos, esse contexto se relaciona com drogas baratas, como o crack, o que justifica
a forte criminalização por parte da mídia nesta droga específica.
Além da questão social e territorial, é importante visualizar a questão das dro-
gas como uma questão de saúde. O usuário compulsivo de alguma droga precisa
ser atendido no sistema único de saúde de modo a não ferir a sua integridade e
autonomia enquanto sujeito, ou seja, em que pode escolher entre deixar de usar a
droga ou apenas reduzir os danos do uso. No entanto, para isso é necessário a des-
criminalização de todas as drogas, o fim da lei da Internação Compulsória e pautar
modelos de regulamentação.
A importância de regulamentar as drogas é uma questão de direitos humanos.
Isso tanto no que diz respeito às políticas públicas construídas para os contextos de
uso de drogas que causam danos nocivos às populações, como para evitar a crimi-
nalização das minorias sociais.
Além disso, é central perceber que suprimir o problema da relação social que
criamos com as drogas na droga em si é extremamente nocivo para o usuário. Nes-
ta situação, o sujeito não tem autonomia, pois a droga, sendo o problema em si,
apenas precisa ser aniquilada e cabe ao usuário apenas a sua desintoxicação (inde-
pendente da sua vontade de parar de usá-la ou não, e de o seu uso ser prejudicial
a si próprio e à sociedade ou não).
Esse problema também se manifesta quando olhamos para o óbvio: em toda a
história, os seres humanos nunca estiveram “livres” das drogas, pelo contrário, elas
sempre se adaptaram a nossa cultura.
A universidade tem papel fundamental quanto à formação de profissionais que
atuarão nessas questões, nas áreas da saúde, educação, esporte, legislação etc. Po-
rém, o que se vê por parte destes profissionais, hoje, é um extremo despreparo
n 54o CONGRESSO DA UNE

para se deparar com tais situações: psicólogos que reproduzem a lógica mani-
comial, professores que não conseguem debater o tema de drogas com os seus
alunos. Por isso a necessidade da extensão universitária, para que os e as estudantes
possam conhecer a realidade territorial em que se encontram os diversos contextos
das drogas, e ter contato com os próprios usuários.

245
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A cultura, na universidade, também tem um papel importante, pois nos es-


paços de articulação com coletivos de hip hop, de redução de danos, de culturas
periféricas, entre outras, pode-se obter espaços de problematização e construção
de conhecimento voltado a quem vivencia essa realidade. Sem contar que a cultura
é essencial pela própria questão de saúde no tratamento de usuários compulsivos
de drogas.
Dentro de espaços assim deve-se, também, pensar em modelos de regulamen-
tação das drogas e como a nossa legislação deve acompanhar a nossa realidade.
Nesses espaços se pode pensar em quais políticas seriam positivas para o desenvol-
vimento social do povo brasileiro marginalizado.
n 54o CONGRESSO DA UNE

246
AVALIAÇÃO

Relato, balanço e avaliação do


54º CONUNE14
Por Patrick Campos Araújo*
O Congresso da UNE ocorreu em Goiânia, entre os dias 04 e 07 de junho de
2015. Durante os dois primeiros dias, ocorreram grupos de trabalho e discussão e,
nos dois últimos dias, a plenária final.
Nos debates de conjuntura, ganhou centralidade a questão do ajuste fiscal e da
redução da maioridade penal.
O combate à redução da maioridade penal, além de ser o tema da mesa de
abertura, que contou com a participação do companheiro Bruno Elias, se efeti-
vou como a bandeira de maior unidade entre as forças políticas que compõem a
entidade. Na plenária final, por exemplo, um dos momentos mais marcantes foi a
intervenção na qual uma bandeira com a frase “REDUÇÃO É ROUBADA” passou pe-
las mãos de todos os campos que compõem a entidade.
A questão dos ajustes permeou praticamente todos os espaços de conjuntura
e educação do Congresso. Em que pese todas as principais forças se posiciona-
rem contrariamente aos ajustes, este foi o tema que mais polarizou o conjunto dos
debates.
O campo denominado Oposição de Esquerda não se furtou em atacar e des-
legitimar o papel das lutas encampadas pela CUT no último período, apontando
como caminho a greve geral destinada a combater tanto os cortes como o atual go-
verno Dilma. O estopim foi no debate com a Luciana Genro e a Professora Bebel,
presidenta da APEOESP.
Quanto ao Campo Popular, a disputa política ocorreu no sentido de pautar a
reversão dos cortes e propor uma agenda de lutas para a UNE no próximo período.
A direção majoritária ficou na defensiva e tratou o debate com muita ressalva, sem-
pre colocando a necessidade de unidade frente aos ataques da direita.
Sobre as resoluções e o primeiro dia da plenária final
As resoluções do Campo Popular sobre conjuntura, educação e movimento
estudantil foram debatidas na última reunião dos diretores da UNE em São Paulo,
cerca de duas semanas antes do CONUNE.
No Congresso, formamos uma comissão de sistematização com membros de
todas as forças políticas que compõem o Campo Popular da UNE a fim de redigir os
documentos de no máximo duas páginas.
14.  Texto em formato digital de circulação nas listas de discussão da tendencia petista Articulação de Esquerda.

247
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Nós, da AE, ficamos responsáveis de redigir a versão inicial da resolução de


educação, o Levante a de movimento estudantil e a EPS de conjuntura. Após redi-
gidas, as resoluções foram debatidas e alteradas pelo conjunto das forças políticas.
O prazo para a entrega das resoluções era de até meia noite da sexta-feira,
momento em que ocorreu uma reunião do Campo Popular. Nesta reunião o LPJ, a
EPS e OT apresentaram que iriam incidir e votar na resolução de conjuntura apre-
sentada pela UJS.
Os argumentos apresentados para justificar a referida posição foram os
seguintes:
1) A importância de mostrar unidade do campo democrático e popular em
momento de ofensiva da direita;
2) A importância de constar na resolução o tema dos ajustes, a defesa da cons-
tituinte exclusiva e soberana de mudança no sistema político e a plataforma de lutas
elaborada pelo campo, fazendo com que a resolução a ser aprovada no Congresso
fosse mais avançada;
3) Em geral a resolução da majoritária estava razoável e não havia nenhum
conteúdo que destoasse da resolução do Campo Popular;
Argumento que utilizamos para que o campo defendesse resolução própria:
1) A resolução da UJS não contemplava o debate do esgotamento da estratégia
ou do fim de um ciclo, muito menos a necessidade de alterar a estratégia de gover-
no para um programa democrático e popular ligado a reformas estruturais; 
2) O fato de votar a resolução de conjuntura com a UJS vem na contramão dos
posicionamentos do Campo Popular durante a gestão da UNE, o qual sempre opta-
mos por nos diferenciar no debate de conjuntura. Foi assim em todos os CONEGs
e demais espaços de disputa na entidade;
3)  É um equívoco tático para o Campo Popular, que visa ser uma alternativa de
direção da entidade, votar a resolução em conjunto com a direção majoritária, até
porque o campo perpassa um processo de consolidação estando em seu segundo
Congresso da UNE.
4) As resoluções da entidade vêm sendo letra morta; em que pese no último
período o conteúdo ser mais avançado, este não tem se reverberado em ação prá-
tica, prova disso foi a real atuação da UNE frente as lutas encampadas pela CUT no
último período;
Dada a discordância, encaminhou-se que as resoluções do Campo deveriam
n 54o CONGRESSO DA UNE

ser protocoladas e que nós iríamos avaliar com a militância da tese Reconquistar a
UNE se defenderíamos a resolução do campo ou defenderíamos junto com a dire-
ção majoritária da UNE.
Decidimos por fazer a defesa da resolução escrita pelo conjunto do Campo,
no entanto, fomos surpreendidos pelo fato desta não ter sido protocolada na noite

248
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

anterior. Cobramos o Levante que havia centralizado as resoluções pelo fato ocor-
rido. No entanto, mediante a situação imposta, decidimos, mesmo dividindo a fala
com a majoritária e o restante do Campo, pela abstenção da votação de conjuntura.
Resultado eleitoral
Sete chapas se inscreveram no congresso da UNE, cinco delas receberam vo-
tos. O total de votantes foi de 4.071.
1) A chapa vencedora encampada pela UJS, composta também pela DS, CNB
e PDT, obteve 2.369 votos, elegendo Carina Vitral (UEE-SP) presidenta da UNE, ga-
rantindo na segunda [chamada] a vice-presidência que ficará com a DS e na terceira
a tesouraria que ficará com a UJS;
2) Em segundo lugar, ficou o Campo Popular, composto pelo Levante, Articu-
lação de Esquerda, Esquerda Popular Socialista, O Trabalho, Militância Socialista,
Movimento Mudança e A Marighella, que obteve 724 votos. O Campo conquistou
uma vaga na mesa diretora15 que ficará com o Levante Popular da Juventude;
3) Em terceiro, ficou a Oposição de Esquerda (OE), composta pelo Juntos/
MESS, PCR, RUA/Insurgência, Vamos à LUTA/CST, contando com os votos da JCA e
da UJC, que “oficialmente” possuíam outras duas chapas que não receberam votos.
4) A chapa “Coragem para lutar”, composta pelo PPL e PSB, obteve 242 votos;
5) Em último ficou a chapa “Eu acredito que você vai gritar junto”, do PMDB,
que obteve 34 votos;
Sobre o resultado eleitoral
a) Representa uma relativa queda da hegemonia da UJS que vem perdendo su-
cessivamente espaço na entidade;
b) Caso a CNB fique com duas vagas na executiva, a UJS perderá a maioria ab-
soluta na entidade;
c) Aumentou a fragmentação na disputa da UNE e o campo majoritário vem
deixando de ser um polo aglutinador de forças políticas menores;
d) Depois de cerca de 10 anos, uma força política fora do capo majoritário es-
tará na mesa diretora da entidade;
e) Demostra o início de uma organização de setores da direita na entidade;
f ) O Campo Popular se fortalece pelo fato de ultrapassar a OE, que anterior-
mente era a segunda maior força política da UNE;
g) Existe uma série de especulações sobre possíveis deslocamentos de votos
n 54o CONGRESSO DA UNE

que teriam levado o Campo à mesa diretora;


OBS: Cabe destacar que houve diversos ensaios da CNB e do PDT em compor
o Campo Popular. Sobre a CNB havia uma proposta de revezamento da mesa di-
retora com o LPJ, caso esta girasse para dentro do Campo Popular. Existem várias
15.  No original: “O Campo elegeu a mesa diretora [...]”.

249
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

versões sobre qual foi de fato o acordo com a UJS para que se mantivessem na ma-
joritária, indo desde questões internas da UNE até questões mais amplas. 
O Campo Popular
Não há dúvidas que o Campo Popular saiu vitorioso deste CONUNE, seja por
ter alcançado a mesa diretora, seja por tornar-se o segundo maior campo na entida-
de, ultrapassando a Oposição de Esquerda.
No entanto, a votação da resolução de conjuntura, nada mais, nada menos
demonstra a aproximação do Campo com a direção majoritária da UNE, assim
como nosso posicionamento deixou evidente que não existe acordo no interior
do Campo.
Ampliou-se a hegemonia do LPJ com o crescimento expressivo no número de
delegados e com o resultado eleitoral.  Ainda que tenhamos uma política bastante
sólida e força moral por termos tocado o processo de forma extremamente coeren-
te, ainda que tenhamos nos consolidado como a segunda força política no Campo,
o nosso tamanho não é suficiente para sustentar nossa política, ou seja: precisamos
crescer.
A Reconquistar a UNE
A meta inicial de tiragem de delegados para o congresso da UNE era credenciar
300 delegados para chegar no congresso com 250 e garantir uma vaga na executiva
da UNE.
Além de ser real, esta meta era totalmente possível, tendo em vista que cres-
cemos no último período e ampliamos o número de contatos nas universidades.
Duplicar a bancada não era somente o espírito inicial, mas era o número ne-
cessário para termos força e influência na UNE e no Campo Popular.
Se tínhamos capacidade real de chegarmos relativamente bem no CONUNE,
se crescemos no último período, por que isso acabou não se concretizando na ti-
ragem de delegados?
Conseguimos eleger na base cerca de 180 delegados, pouco mais da metade
do que necessitávamos, credenciamos cerca de 160 e levamos para o congresso da
UNE cerca de 120, tendo uma quebra de cerca de 30%.
Mantivemos o mesmo tamanho do último CONUNE. Considerando que desde
n 54o CONGRESSO DA UNE

2005 viemos decrescendo a cada CONUNE o resultado não é negativo. No entanto,


se levarmos em conta o trabalho que realizamos no último período e o crescimento
nas entidades estudantis, o resultado torna-se negativo.
Alguns elementos podem ser elencados a fim de justificar o porquê não conse-
guimos reverberar o crescimento na base em número de delegados:

250
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

a)  Não conseguimos convencer efetivamente a militância da JAE e da AE da


importância da tiragem de delegados, soma-se a isso o amplo descredito com a
UNE;
b)  Não concretizamos as orientações do seminário que realizamos durante
a Bienal, a principal delas era tirar as comissões de 10 antes do CONEG da UNE;
c)  Falhamos e tivemos dificuldades na orientação e acompanhamento do pro-
cesso, seja por parte da direção nacional como também das direções estaduais o
que resultou em uma quebra imensa no credenciamento de delegados;
d)  Erros na organização tática e de priorização do acompanhamento de al-
guns estados. O ideal era se tivéssemos conseguido dar consequência a organização
pensada em reunião da CNJAE: Adriele acompanhar Sul e Sudeste, Patrick Norte e
Nordeste e uma terceira pessoa acompanhar o Centro- Oeste, o que não se concre-
tizou porque não houve uma terceira pessoa;
e)  Os estados onde tivemos um decréscimo na tiragem de delegados em rela-
ção ao último CONUNE são aqueles onde a JAE possui problemas organizativos e
onde não houve um processo efetivo de formação e renovação de quadros e lide-
ranças no movimento estudantil.  (Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul);
f )  Em meio ao processo do CONUNE, ocorreram eleições do DCE da UFSM,
o que despotencializou a tiragem de delegados no RS, uma vez que grade parte da
militância da JAE no estado estava acertadamente girada para as eleições de DCE;
g)  Cabe colocar que se se somarmos o número de delegados eleitos para o
Congresso da UNE tirando o eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais e Baia, estaríamos en-
tre as maiores forças do movimento estudantil. Não temos ainda presença efetiva
nos grandes centros políticos e econômicos do país, onde se concentram a maior
parte das universidades brasileiras.
Sobre a organização da Reconquistar no Congresso
A bancada da Reconquistar a UNE era reconhecidamente uma bancada bastan-
te orgânica, onde parte expressiva vestiu a camiseta do PT e da AE.
Avançamos nos mecanismos de agitação e propaganda com a confecção de fai-
xas e bandeiras e a organização da batucada.
Conseguimos intervir organizadamente nos espaços de debate do Congresso,
coordenando, por exemplo, boa parte dos GTs de movimento estudantil, executivas
n 54o CONGRESSO DA UNE

de curso, VER-SUS e extensão universitária.


Construímos e intervimos nas resoluções do campo. Contudo, falhamos em
não ter colocado pessoas com mais experiência para acompanhar esse processo.
Isto, levando em consideração que quem ficou responsável pelo Levante, OT e EPS
foram dirigentes nacionais do partido e das referidas tendências.

251
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Organizamos a banquinha da Reconquistar a UNE com venda de livros, cami-


setas e demais materiais nos dois primeiros dias e falhamos em não a manter na
plenária final.
A imensa parte da bancada estava participando pela primeira vez de um con-
gresso da UNE.
Faltou dividir e descentralizar mais as tarefas, principalmente entre os dirigen-
tes da JAE que se faziam presentes no Congresso.
Espaço na UNE
O campo fez 3 vagas na diretoria executiva e 12 no pleno. Nós mantivemos
nosso espaço de um ano na diretoria executiva da UNE e ampliamos com o acrés-
cimo de um ano na plena qualificada, tendo assim: 1 ano na diretoria executiva
(2015-2016); 1 ano de diretoria plena qualificada (2016-2017); 2 diretorias plenas
(2015-2017).
Ao total serão três diretores da UNE, considerando que aquele que sair da exe-
cutiva ocupará a plena qualificada. 
Total do campo
Executiva:
1 vaga na mesa diretora: Levante
2 vagas na diretoria executiva: AE, EPS, Mudança e LPJ (1 ano cada)
Pleno:
2,5 - AE  
1,5 - Mudança
3 - LPJ
2 - EPS
1 - MS
1- OT
1 - Marighella

Ouvir as salas de aula16


Por Regis Piovesan*
n 54o CONGRESSO DA UNE

A nova gestão da União Nacional dos Estudantes no biênio 2015/2017 terá o


desafio de atender aos anseios de uma juventude que se coloca cada vez mais em
movimento, na defesa e na busca por direitos. Será preciso se colocar ao lado da
juventude e dos trabalhadores, dentro e fora das universidades.
16. Página 13, n. 144, jul. 2015, p. 22.

252
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Os cortes de recursos e investimentos promovidos pelo ajuste fiscal; o recente


golpe do presidente da Câmara dos Deputados na redução da maioridade penal; o
projeto de lei sobre as terceirizações; a retirada dos temas de gênero e diversidade
sexual dos planos municipais de educação são exemplos de um avanço do pensa-
mento conservador e reacionário no país.
Para superar esse avanço conservador é preciso combinar uma tática de resis-
tência com uma estratégia que vise fazer reformas estruturais na nossa sociedade.
Nas universidades, por exemplo, tivemos uma série de iniciativas que democrati-
zaram o acesso e mudaram a cara da universidade. Porém, esse processo não foi
acompanhado de uma mudança na forma de ensino. Por isso, é necessária uma
reforma universitária que traga consigo um modelo de educação que desenvol-
va senso crítico nos estudantes sobre o que a mídia e os setores conservadores
apresentam.
Vem das salas de aula as afirmações de que o modelo de educação que temos
está esgotado. Modelo este que trata o estudante como espectador e sem conhe-
cimento próprio; que não relaciona os conteúdos de sala de aula com aquilo que
este vivencia fora da universidade; que somente repassa o conhecimento, e, ainda
por cima, de forma fragmentada. Pode-se afirmar que, em grande parte, os casos
de evasão, reprovações e descontentamento com os cursos tem relação com esse
modelo de educação.
Dentro do tripé da universidade – ensino, pesquisa e extensão – visualizamos
que a extensão universitária não é colocada como prioridade no dia a dia, apesar de
ser ela a forma mais concreta de estabelecer conexão com o que está fora do espaço
acadêmico, trazendo os aspectos da realidade para dentro da universidade. É neces-
sário que a extensão seja a forma de ligação entra a universidade e a sociedade, a
teoria e a prática, pautando o ensino e a pesquisa nas universidades.
Nesse sentido, o movimento estudantil deve estar à frente do debate da curri-
cularização da extensão nas universidades. Iniciativas como as dos EIVs – Estágios
Interdisciplinares de Vivência; e do VER-SUS – Vivências e Estágios na Realidade
do Sistema Único de Saúde, que surgem do debate do movimento estudantil, são
exemplos concretos de projetos que colocam os estudantes em contato direto com
o cenário da questão agrária e da saúde pública, trazendo esses aspectos para o dia
a dia da universidade, contribuindo na formação dos estudantes e na disputa desse
espaço.
n 54o CONGRESSO DA UNE

Por essas questões, defendemos que a UNE precisa se aproximar cada vez mais
dos estudantes e da juventude como um todo, colocando sua bandeira como porta-
-voz no combate aos ataques aos direitos e lutando para conquistar o que é negado
historicamente aos jovens brasileiros. É preciso se fazer presente nas lutas de cada
Centro Acadêmico, de cada DCE, das executivas de curso articulando a luta co-

253
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

tidiana dentro das salas de aula com a luta por uma educação que transforme a
realidade.
Nesse sentido, temos defendido que a UNE faça uma reforma em seu modelo
de organização interna, acabando com o modelo presidencialista e adotando uma
gestão colegiada, com a criação espaços descentralizados e abrangentes que formu-
lem e discutam sobre os rumos da entidade.
Por isso, acreditamos na construção do Campo Popular dentro da UNE, pois
o movimento estudantil tem que ser crítico e propositivo ao mesmo tempo. Não
se pode apenas dizer os erros cometidos, sem apontar as saídas. Ao mesmo tempo
que não se pode “tapar o sol com a peneira” e seguir no mesmo rumo, sem avaliar
o que será feito. Dentro desse espaço adotamos a postura de sermos propositivos,
sem deixar de realizar as críticas necessárias aos aspectos conjunturais da sociedade
e da nossa entidade.
* Regis Piovesan é vice-presidente da UNE
n 54o CONGRESSO DA UNE

254
55o Congresso da UNE
Belo Horizonte (MG), 14 a 18 de junho de 2017

TESE

RECONQUISTAR A UNE

RECONQUISTAR A UNE!
SOMOS ESTUDANTES SOCIALISTAS!
Somos estudantes de norte a sul do Brasil na luta por uma educação demo-
crática, popular e emancipadora e por uma sociedade socialista! Somos mulheres,
negar, negros, LGBTs, trabalhadores, trabalhadoras, membros de CAs, DCEs execu-
tivas de curso e demais formas de organização estudantil em defesa dos direitos e
por transformações na sociedade brasileira. A UNE é a entidade nacional dos estu-
dantes e completa 80 anos de história, mas está afastada dos estudantes e da luta
nesses tempos que vivemos. Queremos uma UNE na luta, democrática, ao lado da
classe trabalhadora, que volte a inspirar corações e mentes de estudantes de todo o
país! Por isso, é preciso Reconquistar a UNE!

Tempos de crise e guerra


Mais uma vez, o capitalismo arrasta o mundo para uma profunda crise criada
pelo próprio modelo neoliberal, resultando em guerras, desemprego, mais explo-
ração e miséria para a classe trabalhadora. As políticas de austeridade em diversos
países vêm destruindo os direitos trabalhistas e previdenciários e com a agressivi-
dade imperialista vem surgindo a possibilidade de guerras de largas proporções.
Neste cenário, crescem movimentos de extrema direita que buscam cooptar a for-
te insatisfação social existente. A classe trabalhadora, a esquerda e os movimentos
populares devem constituir forte unidade em torno de um projeto alternativo ao
do imperialismo, indicando a necessidade de rupturas rumo à construção de uma
sociedade socialista!

O golpe e a luta popular pelos direitos


No Brasil, as classes dominantes realizaram um golpe para impor profun-
dos retrocessos ao país, arrancando o mandato da Presidenta Dilma. A ilusão na
conciliação de classes nos arrastou para uma profunda derrota quando o grande

255
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

empresariado, os partidos de direita, a grande mídia e setores do Estado se uni-


ficaram em torno do golpe. Temer e sua corja de golpistas implementam muitos
ataques: redução estrutural dos investimentos em educação e áreas sociais; retirada
de direitos trabalhistas e previdenciários; aumento da violência policial; destrui-
ção da soberania nacional com a entrega de nossos patrimônios e desmonte da
Petrobrás.
Mas há resistência: as ocupações de escolas e universidades, as mobilizações
contra a criminalização dos movimentos sociais e do companheiro Lula e a Greve
Geral realizada em abril mostram a disposição de luta dos setores populares. O
primeiro desafio da UNE neste período é a luta por Nenhum Direito a Menos, em
unidade com os movimentos populares na Frente Brasil Popular contra a reforma
da previdência e trabalhista, por reformas populares e uma Assembleia Constituin-
te. A UNE deve colocar o bloco na rua em torno da luta pelo Fora Temer e das
Diretas Já! O 55º Congresso da UNE deve convocar uma agenda de lutas com um
Dia Nacional de Paralisações e Ocupações de Reitorias!

Por uma universidade democrática e popular!


Antes do golpe, vivemos um período de conquistas de direitos para os estudan-
tes e para a educação. A expansão do ensino superior público e a democratização
do acesso são alguns exemplos. Neste momento em que o governo golpista ataca
a educação, é preciso defender os direitos e conquistas: combater os impactos da
PEC 55 nas universidades, no ProUni e no FIES; contra a cobrança de mensalida-
des nas universidades públicas; e a defesa do direito à permanência e das políticas
de assistência estudantil. O 55º CONUNE deve aprovar uma grande campanha em
defesa da educação, com foco na assistência estudantil, que tome as universidades
do país.
Além disso, devemos avançar num programa pra educação em torno de uma
reforma universitária orientada pelo fortalecimento da educação pública, a demo-
cratização do acesso e permanência, a democratização das instâncias de poder das
universidades, a regulamentação do ensino privado, a curricularização da extensão
e o desenvolvimento científico e tecnológico com soberania nacional!

Reconquistar a UNE para a luta e para as/os estudantes


A UNE é a principal entidade do movimento estudantil brasileiro. Devido à sua
importância, vem sendo atacada pelos setores mais reacionários do país. Porém, há
n 55o CONGRESSO DA UNE

anos vem perdendo capacidade de dirigir a luta das e dos estudantes, com a políti-
ca imobilista de sua direção majoritária, a aposta na conciliação com os inimigos da
educação e da democracia e a secundarização da luta social.
É preciso defender a UNE. E defender a UNE é mudar a entidade para a nova
realidade dos estudantes brasileiros. A UNE deve ser capaz de incorporar e ser re-

256
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ferência das e dos estudantes trabalhadoras, das negras e negros, LGBTs, mulheres
e dos coletivos e entidades de base que fazem a força do movimento estudantil.
É necessária uma reforma política da UNE com medidas como: valorização das
instâncias colegiadas, fim do presidencialismo, criação de Grupos de Trabalho
permanentes e abertos às entidades estudantis e a realização do Conselho de Enti-
dades de Base (CONEB)!

Reforma política na UNE

Desafios da UNE: reaproximar dos e das estudantes e ocupar as ruas.


O movimento estudantil continua sendo um dos principais espaços de or-
ganização de juventude no Brasil. Exemplo disso foi a grande quantidade de
mobilizações estudantis contra os cortes de investimentos nas universidades e em
defesa da democracia, mobilizações essas que em maior ou menor grau tiveram
alguma participação da União Nacional dos Estudantes. Isso demonstra que a enti-
dade ainda segue como ferramenta de articulação e mobilização estudantil no país.
Dito isso, é preciso colocar também que a UNE pode e deve fazer mais!
Construímos essa ferramenta com muita luta, suor e vidas de estudantes que
nos antecederam. E isso nos deixa o desafio de fazer com que a entidade supere sua
crise que, em certos casos, é de representatividade, em certos cases, é de legitimi-
dade. Isso ocorre, pois a UNE tem se distanciado do cotidiano dos e das estudantes
e também das ruas.
Entendemos que a conjuntura atualmente incentiva o ideário neoliberal,
criminaliza qualquer forma de organização política e isso atinge o movimento estu-
dantil também. Vemos ainda dentro das universidades o crescimento de um setor
conservador e liberal que tem atraído parte dos estudantes usando o argumento do
apartidarismo e o liberalismo como grandes bandeiras. Isso atinge também a UNE.
Porém, a política do setor majoritário da UNE – dirigido pela UJS (União da
Juventude Socialista) – também possui parcela de responsabilidade na conjuntura
da entidade. É este campo que vem conduzindo a entidade e sua estrutura orga-
nizativa há vários anos e sua política é que vem norteando as ações da entidade
nesses tempos.
É necessário repensarmos nossas ações e o rumo da UNE nos próximos perío-
dos que já estão e se manterão de acirramento das lutas. O CONEG deve ser espaço
para que discutamos a estrutura política e organizativa da entidade.
n 55o CONGRESSO DA UNE

Por isso, acreditamos que temos alguns desafios a superar: o primeiro desafio
é mudar a direção política da entidade.
O cenário de acirramento da luta política, de golpe conservador contra os
direitos dos trabalhadores e contra a democracia e de ofensiva do ideário conser-
vador reforça a urgência da UNE voltar a estar na linha de frente dos debates da

257
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

educação e da situação política do país. A entidade precisa estar à frente de um


processo de discussão sobre qual modelo de universidade queremos e a quem ela
deve servir.
A UNE precisa de uma nova direção, mais proativa, mais combativa, mais de-
mocrática. Que volte a conduzir amplas campanhas, caravanas pelas universidades,
construir novos e efetivos instrumentos de comunicação e que seja capaz de rearti-
cular a rede do movimento estudantil.
O terceiro desafio é fazer uma profunda reforma política e organizativa na
própria entidade.
A reforma no sistema político-eleitoral é uma das principais bandeiras que a
UNE defende na atualidade. No entanto, as estruturas da UNE também são arcaicas,
verticalizadas, centralizadas, burocratizadas e, portanto, antidemocráticas.
É passada a hora da UNE reformar o estatuto da entidade. É necessário or-
ganizar a entidade de forma mais horizontal, representativa e participativa,
contemplando:
- Uma estrutura colegiada, optando-se pelas coordenações. O presidencialismo se-
ria substituído por uma coordenação geral. A secretaria geral pela coordenação de
organização. A tesouraria pela coordenação de política financeira. E as diretorias
por coordenadorias;
- Criação de espaços amplos de participação estudantil que envolvam um número
maior de estudantes na construção da entidade, tais como os Núcleos de Trabalho
Permanente (NTPs);
- Paridade de gênero nas diretorias executiva e plena da entidade. A paridade é uma
ferramenta importante para garantir a representação e a participação das mulheres
nos espaços de poder.
O que propomos é uma real democratização da entidade e mudança de sua
política, fazendo com que a UNE se aproxime novamente da luta cotidiana dos/das
estudantes, volte a ocupar as ruas e esteja na luta junto dos/das trabalhadores/as,
definindo seus rumos de forma democrática com todos e todas estudantes.

Assistência estudantil

Um breve histórico
A história das universidades brasileiras é marcada pela hegemonia de um
n 55o CONGRESSO DA UNE

projeto conservador e voltado aos interesses do grande capital internacional. Con-


trapondo o projeto vigente, ao longo dos anos, a luta pelo direito à permanência foi
um motor importante para a organização do movimento estudantil no país. Com as
lutas por moradias estudantis, restaurantes universitários e outros. Nos últimos 13
anos, passamos por um processo de expansão de vagas e democratização do acesso

258
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

nos setores público e privado da educação superior, o que transformou a realidade


das universidades, mas não alterou suas estruturas.
Setores historicamente excluídos do acesso à educação superior – trabalha-
doras/es, negras/os, indígenas e quilombolas – puderam ingressar em número
significativo ampliando sua expressão nos espaços universitários. Ao ingressar na
universidade, as e os estudantes desse novo perfil se deparam com uma estrutura
de universidade antidemocrática, conservadora, eurocêntrica e com um modelo
pedagógico bancário. Além de tudo isso, com políticas de assistência estudantil in-
suficientes para sua permanência. A batalha por permanecer na universidade é tão
ou mais árdua do que entrar.

Qual assistência estudantil?


Discutir assistência estudantil é necessariamente discutir qual é a concepção
para esta política que queremos. O primeiro ponto é: assistência estudantil é um
direito, não um favor. Como condição fundamental para a garantia do direito à
educação, é dever do Estado a realização de políticas que garantam a permanên-
cia dos estudantes. Assim, não deve ser exigida nenhuma contrapartida para os
estudantes como requisito para ter acesso a tais políticas. Elas devem integrar os
estudantes nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, não utilizar como mão de
obra precarizada em serviços administrativos. Neste sentido, uma política de assis-
tência estudantil com o objetivo de integrar os estudantes à universidade deve ser
orientada para viabilizar um conjunto de direitos, abrangendo o direito à moradia,
alimentação transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pe-
dagógico e psicológico.
É importante destacar a diferença entre políticas de assistência estudantil
transitórias e permanentes. As políticas permanentes são as residências universitá-
rias, creches, restaurantes, aquisição de ônibus e demais meios de transporte etc.,
de caráter definitivo e indireto, incorporada às estruturas física e acadêmica das
instituições. Já as políticas caracterizadas como transitórias são aquelas que se con-
cretizam por meio do fornecimento de bolsas e auxílios. É necessário avaliar cada
realidade concreta, mas sempre com o planejamento estratégico para consolidar o
direito da atual geração de estudantes e das que virão posteriormente com as po-
líticas permanentes.
A formulação, gestão e execução de políticas de assistência estudantil com
n 55o CONGRESSO DA UNE

concepções mais avançadas depende necessariamente da participação das e dos


estudantes. Por isto, a democratização das instâncias que organizam a assistência
estudantil é uma necessidade em todos os âmbitos, inclusive para permitir maior
efetividade. Nós, estudantes, conhecemos nossa realidade e devemos ter direito à
participação e nossa opinião precisa ser considerada. Em todos os níveis, ainda se

259
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

faz necessário disputar a concepção de assistência estudantil, ainda com forte pre-
sença de elementos conservadores e restritivos.
Pelo direito à permanência!
Com a efetivação do golpe e a instalação do governo ilegítimo, corrupto e
usurpador de Michel Temer, estão em risco até mesmo as insuficientes políticas de
assistência estudantil vigentes. A desvinculação orçamentária, as mensalidades nas
universidades públicas e a entrega do pré-sal são retrocessos brutais nos direitos
dos estudantes. Se já tínhamos a tarefa de combater cortes na educação, a luta ago-
ra é também por barrar a redução estrutural dos recursos destinados à educação.
O golpe é contra a permanência de estudantes trabalhadoras e trabalhadores, ne-
gras e negros, indígenas e quilombolas. Não aceitaremos nenhum retrocesso nos
direitos conquistados: entramos na universidade e não vamos sair! Lutar pela per-
manência estudantil é também lutar pelo Fora Temer!
A respeito do que conquistamos até aqui, o Plano Nacional de Assistência Es-
tudantil (PNAES), em vigor a partir de 2008 por meio de um decreto presidencial,
significou uma importante vitória. A concepção apresentada no PNAES é avançada,
tocando desde as condições mais básicas até as necessárias para a integração à uni-
versidade. Outra política existente é o Programa Bolsa Permanência, que consiste
no pagamento de bolsas para estudantes em situação de vulnerabilidade socio-
econômica, indígenas ou quilombolas. Porém, há critérios de carga horária que
restringem imensamente o acesso ao programa.
De todo modo, um dos principais problemas apresentados é que com o orça-
mento de hoje sequer vem sendo possível cumprir o estabelecido no PNAES para as
instituições federais de ensino. Os cortes nos recursos da educação e o retrocesso
que a aprovação da PEC 55 trará para a educação nacional, realizados em nome de
um ajuste fiscal recessivo, reduziram os recursos das universidades voltados à per-
manência resultando em cortes de bolsas e paralisação de obras.
Por isso, a luta por mais investimentos deve ser uma das prioridades do movi-
mento estudantil em todos os âmbitos.
É necessário consolidar o PNAES. Este continua vigorando por meio de de-
creto, o que gera uma excessiva fragilidade institucional, ainda mais em meio ao
golpe. O movimento estudantil deve defender a aprovação da Política Nacional de
Assistência Estudantil em forma de projeto de lei e lutar contra qualquer ameaça
n 55o CONGRESSO DA UNE

ao PNAES. Devemos defender a reformulação do Programa Bolsa Permanência no


sentido de eliminar as restrições para acesso ao programa, em especial a de carga
horária. Além disto, é preciso avançar na luta por planos estaduais e pela consti-
tuição de Pró-reitorias de assistência estudantil e conselhos paritários, no mínimo,
nas universidades.

260
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

No âmbito das universidades particulares, a situação é ainda mais grave. Há


uma enorme necessidade de políticas de assistência estudantil quase nunca aten-
dida devido à lógica de mercado. Devemos ampliar a luta pela regulamentação do
ensino superior, garantir bolsas permanência e exigir a obrigatoriedade de cons-
trução de projetos voltados à assistência estudantil, como moradias, restaurantes
universitários, dentre outros, em especial para estudantes do ProUni e FIES, inclu-
sive como contrapartida das universidades particulares às desonerações recebidas.
Em todas as universidades, é necessária a implementação de políticas centra-
das no combate ao machismo, racismo e LGBTfobia e demandas específicas das
estudantes mulheres, negras e negros e LGBTs. Neste sentido, devemos lutar pela
construção de creches, garantia de moradia para as mães estudantes e para estudan-
tes LGBTs e criação de mecanismos de denúncia e punição aos casos de violências
contra a mulher, racismo e LGBTfobia.
Entrar, permanecer e transformar a universidade!
Considerando tantos desafios, a União Nacional dos Estudantes deve refor-
çar sua campanha “Entrar, Permanecer e Transformar a Universidade” em conjunto
com toda a rede do movimento estudantil, as executivas e federações de curso,
buscando diálogo com a Secretaria Nacional de Casas de Estudante. A luta dos es-
tudantes em defesa dos seus direitos deve estar aliada à luta contra o golpe. Nós
entramos e vamos permanecer. E cada vez mais transformar a educação no Brasil
com um sentido democrático, popular e emancipador! Deste modo, convocamos
todas e todos os estudantes a construírem a campanha e o IV Seminário Nacional
de Assistência Estudantil da UNE!

Ciência e tecnologia
A construção de uma sociedade mais justa e igualitária permeia o ambiente
de ciência e tecnologia. Acreditamos que o modelo de desenvolvimento do país
deva ser direcionado para um desenvolvimento sustentável de soberania nacional.
Precisamos de investimentos públicos massivos para produção própria de ciência e
tecnologia e assim nos tornarmos uma nação produtora de conhecimento e autos-
suficiente. A universidade vem com um papel primordial nesta construção com o
dever de preparar cidadãs e cidadãos preocupadas/os com a sociedade e produzir
mecanismos que contribuam para o desenvolvimento social.
Temos hoje um cenário político que coloca em risco a soberania do Brasil,
n 55o CONGRESSO DA UNE

uma vez que o atual governo ilegítimo de Michel Temer entra com a linha neolibe-
ral de privatizações ao máximo, inserindo a produção nacional na lógica capitalista
unidirecional do lucro individual e colocando todas nossas riquezas nas mãos de
empresários, muitas vezes estrangeiros, os quais agora terão domínio sobre nossos
recursos, sobre nossa biodiversidade, sobre todo conhecimento e produção além

261
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

de absorver toda economia do país. Estamos prestes a uma época de aprofunda-


mento da dependência tecnológica, de dizimação dos recursos naturais, de país
exportador de produtos com baixo valor agregado, de dependência do mercado
externo e subordinação às multinacionais. Este cenário muito tem a acentuar a
luta de classes, uma vez que vem a beneficiar os grandes empresários e devastar as
camadas médias e a classe trabalhadora. Reafirmando o modelo capitalista de de-
senvolvimento que temos hoje, a universidade reproduz o sistema em seu modelo
de ensino tecnicista positivista. As áreas de ciência e tecnologia proporcionam uma
formação pragmática, imediatista, que supervaloriza o raciocínio matemático ba-
sicamente para repetir padrões comprovados, desenvolver tecnologias avançadas
que nem sempre possuem função social digna, com o objetivo máximo de aquisi-
ção de um emprego ou criação de uma empresa. Essa estrutura ignora o meio social
de aplicação e as consequências sociais e ambientais que o projeto trará, e limita o
ser humano de desenvolver suas habilidades, criatividade e percepção social para
resolver problemas.
Defendemos a constituição de um modelo de desenvolvimento democrático
e popular para o Brasil que priorize o desenvolvimento social sustentável e não
apenas o desenvolvimento econômico. Queremos mais investimento público na ci-
ência e tecnologia para que tenhamos o domínio sobre o conhecimento, para que
possamos produzir nossa própria tecnologia e inovar para resolver os problemas
da população, para que nós gerenciemos nossas riquezas naturais de forma susten-
tável, para que toda nossa produção sirva em benefício ao próprio país, e não mais
sermos um país explorado. Queremos tecnologias acessíveis à população.
Propomos uma reforma universitária que proporcione uma educação so-
cialmente referenciada e emancipatória. Pautamos a curricularização da extensão
como primordial para aplicação das técnicas na comunidade e para tornar a for-
mação mais prática. Pautamos a reformulação dos projetos pedagógicos de curso
com protagonismo estudantil. Pautamos projetos de ensino, pesquisa e extensão
contextualizados à realidade, com respeito à cultura local, adequação da tecnologia
à comunidade, valorização dos recursos naturais e utilização da sabedoria popular
para fazer ciência e tecnologia.
Por um modelo de desenvolvimento em ciência e tecnologia popular, demo-
crático, emancipatório e soberano!
Reforma e extensão universitária
n 55o CONGRESSO DA UNE

“Homens de uma República livre, acabamos de romper a última corrente que,


em pleno século XX, nos atava à antiga dominação monárquica e monástica. Resol-
vemos chamar todas as coisas pelos nomes que têm. Córdoba se redime. A partir de
hoje contamos para o país uma vergonha a menos e uma liberdade a mais. As dores
que ficam são as liberdades que faltam. Acreditamos que não erramos, as resso-

262
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

nâncias do coração nos advertem: estamos pisando sobre uma revolução, estamos
vivendo uma hora americana”. Dessa forma se inicia o Manifesto de Córdoba, lan-
çado no dia 21 de junho de 1918.
O manifesto foi lançado por estudantes, em conjunto com os movimentos so-
ciais e trabalhadores/as argentinos/as, em um contexto de disputa da Universidade
de Córdoba pela classe trabalhadora, o clero e o conservadorismo do país. As prin-
cipais reivindicações apresentadas no documento balizaram o que o movimento
estudantil latino-americano e caribenho viria a apresentar até a atualidade: uma
Reforma Universitária que colocasse a instituição a serviço da superação das con-
tradições sociais, com autonomia universitária para cumprir com sua função social,
liberdade de cátedra no processo de produção do conhecimento e prática universi-
tária crítica, a partir da extensão universitária.
A luta pela reforma universitária rondou por toda a América Latina, resultando
na importante conquista que foi a criação de diversas universidades populares na
América – como a Universidade Nacional Autônoma do México, a Universidade das
Madres (Argentina), a Universidade Popular do Chile e a Universidade da República
(Uruguai).
No Brasil, a bandeira da reforma universitária ganha força no movimento estu-
dantil a partir do governo de João Goulart e a discussão sobre as Reformas de Base.
Esse contexto, em época de polarização mundial (Guerra Fria), estava marcado pela
forte intervenção norteamericana a partir de políticas que colocavam a produção
brasileira em submissão aos interesses estadunidenses. Na educação, esses interes-
ses estavam demonstrados nos acordos MEC-USAID (1966), na Revolução Verde e,
posteriormente, na Reforma Universitária conservadora de 1968. Todas essas políti-
cas cumpriram com o papel do enraizamento da mercantilização do conhecimento
brasileiro, correspondendo às demandas imperialistas.
De outro lado, os/as estudantes que conformavam a rede do movimento estu-
dantil, principalmente pelas executivas de curso, a exemplo da FEAB (Federação de
Estudantes de Agronomia do Brasil), questionavam o modelo de ensino que vinha
sendo aplicado. O movimento estudantil da área das agrárias, afetada pelas políti-
cas da Revolução Verde na universidade (programa de ensino voltado às demandas
das grandes multinacionais da produção agrária: mecanização do campo, produção
em larga escala, utilização de agrotóxicos) iniciou discussões intensivas sobre a
necessidade de ter outro modelo de ensino, crítico, dialético e popular; com arti-
n 55o CONGRESSO DA UNE

culação com os movimentos sociais e trabalhadoras/es do campo; que apresentasse


as contradições sociais do sistema capitalista e ao mesmo tempo trabalhasse com
o conhecimento de modelos de produção que a universidade não abordava (como
a agricultura familiar). Essas discussões, protagonizadas pelas executivas de curso
das agrárias, deram origem ao seminário “Universidade Pés no Chão” (final da dé-

263
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

cada de 70).Por decorrência desta organização, em 1987, em Dourados/MS, ocorre


o primeiro Estágio Interdisciplinar de Vivência: projeto de extensão articulado por
estudantes junto ao MST, que desenvolve um conhecimento a partir da vivência na
realidade de assentamentos rurais, do estudo teórico e da troca de saberes entre
estudantes, produtores/as rurais e os movimento sociais do campo.
Este é um exemplo, contextualizado num determinado tempo histórico, da
disputa que nunca deixou de ocorrer na instituição universitária, à perspectiva
das disputas macrossociais: universidade a serviço do império capitalista, para a
manutenção do sistema opressor e construção do neoliberalismo X universida-
de a serviço da classe trabalhadora, para a construção de uma sociedade justa e
igualitária.
Diante disso, temos nos perguntado: para quem e para que serve a
universidade?
A história da universidade brasileira é marcada por reformas universitárias que
transformaram o ensino por vias de interesses do mercado externo. Em 1968, após
grande período de mobilização popular e estudantil pelas reformas de base, in-
cluindo a reforma universitária, em plena ditadura militar, o Estado implementa
uma reforma estrutural conservadora nas universidades. Esta reforma ampliou a
estrutura departamental, que fragmenta e hierarquiza o ensino; as parcerias pú-
blico-privadas, que coloca a produção científica pública a servir interesses do
mercado; o sistema de créditos que aumenta o divisionismo do ensino e a sua
condição produtivista, além de várias outras políticas autoritárias, fragmentadas e
bancárias em relação ao ensino.
Qualquer instituição pública expressa as contradições sociais do atual momen-
to histórico. As relações de exploração no mundo do trabalho manifestam-se de
forma explícita dentro da maioria das universidades públicas e privadas: a formação
bancária e conteudista, sem abertura à reflexão, interdisciplinaridade e criativida-
de; a hierarquia manifesta na relação aluno-professor; a prestação de serviços a
empresas privadas; o conhecimento tratado como mercadoria; a falta de reflexão
crítica dos e das estudantes a partir da prática e da própria autonomia. A Universi-
dade Democrática e Popular, apesar de também expressar as contradições sociais
e históricas, apresenta-se como uma instituição com potencial transformador. Em
outros termos, ao contrário do modelo bancário predominante hoje no Brasil, que
trabalha para a manutenção do status quo social, o modelo democrático e popular
trabalha a partir da superação das contradições sociais e emancipação dos povos a
n 55o CONGRESSO DA UNE

partir da produção de um conhecimento crítico e socialmente útil.


Universidade democrática e popular
É preciso rever a estrutura departamental: no campo da reestruturação acadê-
mica e curricular, devemos repensar o atual modelo de organização universitária e

264
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

o fim da departamentalização. Estes se tornaram redutos privilegiados do corpora-


tivismo acadêmico e reproduzem uma organização segmentada da universidade.
Esta distorção também é percebida na própria estrutura física das universidades,
em que os seus blocos, centros, faculdades e institutos são marcados pela falta de
comunicação, isolando os estudantes e não permitindo o contato destes com ou-
tros campos do saber.
Em substituição à estrutura departamental é preciso constituir estruturas
acadêmicas permeáveis à participação democrática da comunidade e à interdis-
ciplinaridade. Já em relação aos currículos, fica latente a necessidade que tem a
universidade em incorporar a diversidade social e cultural da comunidade. Uma
diversidade não encontrada nos atuais currículos eurocêntricos, sexistas e hetero-
normativos das nossas universidades.
É preciso garantir a real autonomia universitária. A autonomia universitária
aparece historicamente como um conceito em disputa. De um lado, é pauta histó-
rica dos movimentos sociais, colocando a instituição a comando e serviço público:
com autonomia para direcionar a sua produção intelectual às demandas da maioria
da população, ao desenvolvimento regional e rumo à soberania científica e tec-
nológica nacional. De outro lado, se coloca a serviço das grandes empresas: com
autonomia para produzir de acordo com as demandas do mercado. O que rege o
direcionamento dessa disputa é o modo de gestão e financiamento.
Há setores que trabalham com a concepção de que uma universidade au-
tônoma é responsável, de forma única, pelo seu financiamento. Na prática, isso
resultaria em uma universidade passível de ingerências políticas, refém do maior
poder político e financeiro.
Dessa forma, a garantia de financiamento público às universidades é fator
fundamental pra garantir estabilidade à gestão para investir no ensino, pesquisa e
extensão de acordo com as demandas públicas.
É preciso democratizar a universidade no acesso, na permanência e também
na gestão da instituição. A autonomia universitária e a democracia apenas passarão
a existir de fato com a garantia de instrumentos como orçamentos participativos e
paridade a toda comunidade acadêmica. Há muitos professores que tratam os e as
estudantes, dentro e fora da sala de aula, como objetos e não sujeitos do conheci-
mento. E isso faz com que a categoria estudantil tenha apenas voz simbólica nos
espaços de decisão. Sabemos que a comunidade estudantil é a maior parcela da
n 55o CONGRESSO DA UNE

universidade, e que o movimento estudantil tem muito acúmulo sobre o modelo


de gestão e ensino às universidades.
Além disso, é fundamental a inserção da comunidade externa, de trabalhado-
res/as e movimentos sociais da região nesses espaços de decisão. Somente desta
forma a universidade poderá refletir sobre o seu papel junto à classe trabalhadora,

265
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

e assim cumprir com a sua função social de estar enraizada na sociedade, compre-
endendo suas contradições sociais e atendendo demandas de produção científica
da região e do país.
O objetivo da mudança da estrutura da universidade é intrinsecamente liga-
do à transformação do modelo de ensino. Para reafirmar na prática tudo o que foi
desenvolvido sobre a necessidade de uma educação crítica, dialética, criativa, inter-
disciplinar, integrada, transformadora e socialmente útil é necessário iniciar pela
mudança no modelo das grades curriculares.
Reformar a universidade para curricularizar a extensão
“Alterar currículo, somente inserindo ou alterando a ordem dos conteúdos,
pouco acrescenta de melhoria. O problema é mais complexo e tem origem na con-
cepção de conhecimento que preside a organização dos conteúdos, bem como no
entendimento do ato de aprender, que decorre de uma concepção pedagógica. Ao
final, é sempre uma questão política, como são todos os atos humanos, pois pres-
supõe uma concepção de homem e de sociedade, evolvendo os fins da educação.
Ou estamos trabalhando para a reprodução e a dependência ou queremos educar
para a autonomia e a independência intelectual e social”. (Maria Isabel da Cunha)
Diante da necessidade de levantar a bandeira da Universidade Democrática e
Popular, o movimento estudantil se instrumentaliza e se organiza em uma rede am-
pla, agregando entidades gerais e de base, além de coletivos gerais e setoriais. Um
dos principais modos de organização estudantil ocorre em torno da construção de
projetos de extensão. Esta é uma das formas mais legítimas em garantir, na teoria e
na prática, a transformação social da universidade.
Dessa forma, o movimento estudantil organizado entre entidades e grupos
extensionais deixa explícita a necessidade de uma Reforma Universitária que curri-
cularize a extensão.
A prática da extensão universitária incluída no modelo pedagógico é o úni-
co modo de fazer com que a produção do conhecimento ocorra de forma crítica,
saindo do modelo de reprodução. Em outras palavras, é apenas na aplicação – ou
tentativa – da teoria na prática, no encontro com as contradições sociais e no apren-
dizado do material que se pode produzir um conhecimento. Isso se trata de uma
perspectiva materialista, crítica e dialética.
Para garantir a função social da produção de conhecimento é preciso que tal
ocorra em encontro com as contradições sociais, de modo a trabalhar pela supera-
n 55o CONGRESSO DA UNE

ção das mesmas e pela resolução dos problemas da sociedade. Isso apenas poderá
se dar em uma aliança das instituições de ensino com a comunidade externa e os
movimentos sociais, pois estes estão diretamente envolvidos com tais contradições.
Esta aliança, na prática, se dá desde a construção de projetos de extensão em uni-
dade com professores/as, estudantes, trabalhadores/as e movimentos sociais; além

266
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

da garantia de todos/as os/as citados/as na participação paritária dos espaços de de-


cisão da universidade e de sua avaliação institucional.
No entanto, a estrutura das instituições de ensino não dá conta dessa
necessidade, pois os espaços de decisão e de avaliação são, em sua maioria, antide-
mocráticos, com a presença de maioria absoluta de professores. Portanto, é preciso,
junto à curricularização, rever este modelo.
É preciso construir esses espaços de modo que sejam paritários e democráti-
cos em todos os sentidos, com a presença de estudantes, da comunidade externa e
representações de movimentos sociais: conselhos superiores e demais espaços de
gestão, espaços de avaliação institucional e avaliação dos projetos de extensão e
gestão orçamentária participativa.
Além disso, é fundamental garantir a ampliação do financiamento público para
a educação e acabar com o crescimento da hegemonia da iniciativa privada em
que o conhecimento é subjugado a interesses mercantis e imperialistas. Apenas
rompendo com a colonização científica que se manifesta nas relações público-pri-
vadas entre a universidade e as grandes multinacionais que a extensão universitária
pode cumprir com a função social da instituição, superando contradições e for-
mando profissionais com capacidade crítica para atuar por uma sociedade justa e
igualitária.
Por fim, é necessário debatermos qual a extensão universitária que queremos.
Não serve para a Universidade Democrática e Popular a curricularização de
uma extensão no modelo difusionista. Neste, a extensão tem a função de divulga-
ção de um produto na sociedade. Este produto é resultado da construção científica
pública, no entanto, é tratado como um produto de mercado, superior, gerador
de lucro e que deve ser difundido. Este modelo é frequentemente pautado e
construído pelas empresas inseridas dentro das instituições universitárias e pelos
defensores do modelo produtivista de educação.
Também não serve para a Universidade Democrática e Popular a curriculari-
zação de uma extensão no modelo assistencialista. Nesta perspectiva, a extensão
universitária mantém o caráter da universidade como lugar “superior” da produção
social do conhecimento. A sua produção – apesar de não estar necessariamente
atrelada às demandas empresariais, e muitas vezes ter o objetivo de superar con-
tradições sociais e trabalhar diretamente com políticas públicas de diversas áreas
n 55o CONGRESSO DA UNE

– não cumpre com o papel de produzir um conhecimento crítico, junto aos mo-
vimentos sociais e trabalhadores/as. Neste modelo, o conhecimento é construído
dentro da bolha universitária para “auxiliar” quem está fora da instituição superior.
A exemplo dos/as trabalhadores/as rurais, que recebem as políticas assistencialistas
de extensão e têm ignorados os seus saberes “não científicos”, mas mutas vezes

267
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

mais eficazes em seus contextos de trabalho do que qualquer medida científica con-
tida na assistência extensionista.
Defendemos o modelo crítico, dialético e popular para a curricularização da
extensão porque acreditamos que o seu pape é dialogar com e valorizar os saberes
populares, a produção de conhecimento a partir de contextos distintos, o contato
real com a sociedade e com o mundo do trabalho como um modo agregador de
conhecimento científico.
Acreditamos que a extensão é um pilar fundamental para a formação profis-
sional, essencial para a criticidade na construção científica e não apenas um modo
de levar para fora da bolha da universidade o que é produzido dentro dela. O
resultado da extensão deve ser o resultado da troca entre estudante, professor,
profissional, comunidade externa e movimentos sociais; resultado do diálogo da
instituição e das contradições sociais; fundamento da pesquisa, utilizando dos apa-
relhos institucionais e da experiência real e totalizadora.
A extensão é um pilar da construção do conhecimento. E não há como a cons-
trução deste ser completa enquanto o ensino, a pesquisa e a extensão não forem
tratados de forma indissociável; enquanto o ensino for visto como reprodução do
saber de um professor, a pesquisa como o estudo da teoria de forma acrítica e a ex-
tensão como um modo de levar o conhecimento produzido na universidade para
a sociedade.

Arte e política: disputando o cenário cultural


É sabido que a arte é a expressão cultural e identitária de um povo, que através
das diversas manifestações culturais expressa-se diversas formas de percepção de
mundo, ideologias. A arte produzida por uma comunidade traduz um conjunto de
valores políticos e territoriais da identidade deste povo, logo, nada mais expressivo
do que relacionar a arte e cultura como instrumento de emancipação política que
vá de encontro com os valores neoliberais do capital que através da grande mídia
impõe a ideologia imperialista do consumo desenfreado e perpetua o racismo, ma-
chismo, LGBTfobia e o elitismo.
Nos últimos meses temos visto uma grande inserção de artistas nas grandes
mídias, que surgiram como voz de grupo socialmente excluídos e injustiçados, uma
tentativa elitista e desmascarada de canonizar as expressões que saem das ruas e
agem de forma representativa, tendo em vista que esta é uma das faces do capitalis-
n 55o CONGRESSO DA UNE

mo que se molda e reinventa nas suas diversas formas.


Acreditamos que a arte pode fazer o papel de desburocratizar as discussões po-
líticas e criar um espaço de fácil entendimento àqueles e àquelas que historicamente
tiveram acesso aos espaços de construção ideológica e política (universidades e o
cenário político) negado. A concepção de arte e cultura não deve se prender à ideia

268
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

midiática que nega a expressão cultural da periferia que em suma surge como for-
ma de denúncia da realidade varrida para [...].17

Juventude do Partido dos Trabalhadores


O principal desafio da juventude do PT é construir uma organização nacio-
nalizada, socialista, democrática e de massas. Uma organização que consiga ser
referência, influencie e organize uma parte importante dos mais de 40 milhões de
jovens da classe trabalhadora brasileira. Para dar conta desse desafio é necessário
atuar em todos os setores de forma organizada e articulada.
O PT é um partido democrático, que tem seus debates internos organizados
por tendências. Às tendências é garantido o direito de organização interna, opinião
política e atuação autônoma nos movimentos sociais e sindicais. Na UNE, a juven-
tude do PT atua amplamente fragmentada há pelo mesmo 10 anos, sendo que a
partir de 2007 uma grande parte da juventude petista migrou para o consórcio da
UJS/PCdoB. A juventude da Articulação de esquerda, que impulsiona a tese da Re-
conquistar a UNE, diverge dessa posição e convoca a militância petista a construir a
oposição à direção majoritária da UNE.
O movimento estudantil brasileiro passa, nos últimos 30 anos, por uma gran-
de crise de legitimidade e representatividade, e um dos principais motivos disso
acontecer é que a UNE tem sido cada vez mais uma entidade cartorial pouco demo-
crática e esvaziada de construção coletiva e militância política. O PT, por tudo que
representa para a sociedade brasileira, deve construir uma alternativa de direção à
UNE, buscando construir uma entidade enraizada na base, articulada com os movi-
mentos sociais e mobilizada pelas mudanças que desejamos no país, ter uma União
Nacional dos Estudantes a altura dos seus desafios é uma tarefa da juventude do PT.
Defendemos que, de imediato, a juventude do PT adote uma outra construção
política. Defendemos que a JPT se afaste da prática de eleição de delegados e de-
legadas em fraudes, que construa uma articulação própria e um fórum de debates
permanentes sobre o movimento estudantil.
Nesse congresso da União Nacional dos Estudantes estamos defendendo a
criação do fórum do movimento estudantil petista, que deve ser organizado em
cada estado e município, e também nacionalmente. A coordenação desse fórum
deve ser eleita no próximo encontro de estudantes petistas e ter como finalidade
organizar as lutas estudantis, e também a campanha Lula presidente nas universi-
dades brasileiras.
n 55o CONGRESSO DA UNE

Mulheres estudantes
Todas nós sabemos que o conservadorismo está na agenda do nosso país, dis-
seminando discursos sexistas, elitistas, racistas e LGBTfóbicos para implementar
17.  No original, a página e o tópico terminam sem que o texto fosse concluído. [N.O.]

269
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

um projeto de sociedade que vai contra o mundo que queremos construir. Apesar
disso, vivemos também uma nova onda feminista, composta principalmente por jo-
vens, muitas delas secundaristas, que não aceitam que seus direitos sejam retirados.
Ainda que seja positivo que mais jovens estejam se engajando nas discussões
sobre gênero, e que elas estejam presentes em movimento importantes, per-
cebemos que a referência da maioria destas mulheres não é a luta de classes. A
ideologia neoliberal, que predomina nas diferentes formas de relação social, con-
funde a compreensão de luta de parte das feministas, construindo pautas que não
perpassam por um projeto emancipatório de sociedade. Tendo em vista esta nova
noção de feminismo, que está ganhando força, principalmente entre as jovens mi-
litantes, exaltamos a importância de construir cada vez mais um feminismo petista
com recorte de classe e de raça, sempre priorizando a organização das mulheres
trabalhadoras.
Para reverter esse cenário, é fundamental que as jovens, ainda que as condi-
ções sejam adversas, se proponham a construir a discussão sobre feminismo dentro
dos seus espaços de militância. Assim, construímos espaços mais propícios para
mulheres se colocarem e garantimos a segurança física e psicológica das nossas
companheiras.
Reiteramos que a construção de um mundo novo, no sentido do nosso hori-
zonte socialista, passa necessariamente pela presença das mulheres na nossa luta. E
enquanto estas mulheres estiverem sobrecarregadas com jornadas duplas e triplas
de trabalho, sendo negado o seu direito de estudo, recebendo menos por trabalho
igual, tendo sua sexualidade criminalizada, sofrendo diversas violências e tendo
suas vozes e potencialidades diminuídas e silenciadas, menos da metade da popu-
lação participará e construirá este novo mundo. Portanto, é imprescindível mais
mulheres na política para termos mais política para as mulheres.
Fora Temer, do governo e da vida das mulheres!
Houve, ao longo dos anos, uma mudança gradual e alcançamos em 2005, fruto
do fortalecimento das políticas de acesso à universidade, o índice de 55% de ma-
trículas nos cursos de graduação feitas por mulheres, nos tornando a maioria de
ingressantes nas universidades.
Se para nós, mulheres, a possibilidade de ingressas em cursos de graduação é
conquista recente, a possibilidade de permanecer se configura, sem dúvida, como
algo mais recente ainda, em processo de construção e com muitos desafios pela
n 55o CONGRESSO DA UNE

frente.
Um exemplo disso é o nosso acesso às moradias estudantis. No histórico de
diversas Casas de Estudantes Universitários no Brasil, foi somente após décadas de
sua inauguração que mulheres puderam morar, em muitos casos após inúmeras
reivindicações, ações, ocupações protagonizadas pelas mulheres. E essa não é uma

270
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

realidade distante, pois em lugares como a Casa do Estudante do Paraná mulheres


só puderam morar a partir de 2014.
Foi com o avanço das políticas de acesso e permanência das universidades
que as mulheres conseguiram transformar o índice de ingressantes nas universi-
dades. Foi após muita luta e participação das mulheres organizadas do movimento
estudantil que pudemos incidir sobre a formulação das políticas e sobre o uso dos
recursos de assistência, criando condições para que possamos estar presentes nas
salas de aula, podendo transformar cada vez mais a universidade.
Para isso, é necessário perceber que estamos colocadas em uma condição
específica que nos diferencia da participação acadêmica masculina. Somos traba-
lhadoras, somos mães, somos subjugadas pela lógica e pelas práticas machistas e
patriarcais. Isso exige a análise das condições em que estamos colocadas para a
elaboração de políticas específicas, para que possamos nos sentir parte real das
universidades e para que possamos, além de entrar, permanecer e permanecer com
condições e oportunidades iguais.
Somos mães, e essa é uma das pautas que para nós é mais importante. Como
aponta o IBGE, cerca de 90% das mulheres jovens mães têm que deixar de es-
tudar para cuidar das/os filhas/os. Para que isso não ocorra dentro das nossas
universidades, precisamos garantir moradia estudantil às mães e suas/seus filhas/os.
Precisamos garantir o acesso à creche em tempo integral e noturno.
Precisamos garantir que as crianças possam ingressar nos restaurantes univer-
sitários juntas de suas mães. Precisamos garantir auxílios permanência para que
essas mulheres não precisem deixar de participar de grupos de pesquisa ou atrasar
sua formação para conseguir complementar sua renda. Entre tantas outras ações,
precisamos entender que essas mulheres têm sim o direito de estudar, e devem
contar com políticas de permanência específica que garantam integralmente esse
direito.
Somos relegadas a áreas específicas do conhecimento. O índice de estudantes
mulheres nas áreas das humanas e saúde é muito maior que esse índice nas áre-
as das exatas e das rurais. O atrelamento ao papel da mulher como cuidadora e o
afastamento da mesma do trabalho de desenvolvimento tecnológico se configuram
como um discurso que afastam muitas mulheres de poderem estudar aquilo que
mais às identificam, além de, pela tamanha presença no cotidiano das universida-
des, nos desestimula a transformar essa lógica. Devemos romper com a divisão
n 55o CONGRESSO DA UNE

sexista do trabalho!
Somos cotidianamente expostas à violência machista dentro das universida-
des. Desde as constantes e incessantes violências morais por professores e colegas,
universidades que relatam ter casos de estupro semanalmente, trotes violentos com
as mulheres, notas baixas ao fim do semestre, disponibilidade pequena de bolsas

271
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

para mulheres, entre inúmeras outras situações que nos impõem, sem dúvida, difi-
culdades para permanecermos no ambiente acadêmico.
Somo silenciadas pela falta de espaço para transformar essa realidade. Precisa-
mos de espaços e serviços específicos para denunciar e acabamos com a violência
nas universidades. Somente com ouvidoria especializada para acolher as denúncias
de violência contra as mulheres e com uma rede de atendimento psicossocial tam-
bém especializada é que vamos conseguir fazer com que casos de machismo não
nos intimide a participar da universidade.
Somos incompreendidas pelos nossos colegas e professores, e não somos leva-
das em conta na produção do conhecimento. Precisamos que a questão de gênero
seja debatida na nossa formação profissional. Se há uma deficiência desse debate
nos cursos da área da saúde, que forma profissionais que atenderão sobre uma
política específica para as mulheres, o que esperar dos cursos que ainda guardam
uma hegemonia masculina e uma lógica machista e patriarcal como abertamente
vigente?
Somos cerceadas de participar das pesquisas acadêmicas. A maioria dos estu-
dantes que têm bolsas de pesquisa ou trabalham em projetos de iniciação científica
são homens. Esse fato reforça ainda mais a divisão sexista do trabalho e o nosso
afastamento do trabalho com a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, colo-
cando-nos, por vezes, na situação de ter bolsas ou trabalhos não relacionados com
nossa área de formação para podermos nos manter na universidade.
E é na luta que vamos conquistar a condição igual de permanência, a formação
não sexista, o fim do machismo e da lógica patriarcal em todos os âmbitos da nossa
universidade para que nós estudantes mulheres, mães, trabalhadoras, possamos di-
zer que a universidade também é nossa, que a universidade é do povo.

Negras e negros
Desde a implementação das primeiras instituições de ensino no Brasil, já se
desenhava o cunho racista que guiaria o debate sobre educação no nosso país. Se-
guindo o modelo europeu, as primeiras faculdades já legitimavam o conhecimento
embranquecido como superior. Enquanto isso, a população negra era cada vez mais
marginalizada, largando em desvantagem por melhores condições de vida.
A educação é apenas um dos âmbitos em que podemos analisar como se
institucionalizou o racismo em nosso país. Não temos representatividade nos espa-
n 55o CONGRESSO DA UNE

ços de decisão, nas entidades representativas, e quando temos, somos designados


apenas para as pastas de combate ao racismo. É evidente que o protagonismo é
imprescindível, porém não somos apenas negros. Somos homens, mulheres, mães,
estudantes, trabalhadores e trabalhadoras, somos mais da metade da população
brasileira. Ignorar nossa presença e a nossa capacidade para o debate vai ao en-

272
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

contro de tudo que buscamos desconstruir, e é preciso desafiar a estrutura para


avançarmos na luta.
Quanto ao ingresso ao ensino superior, tivemos grandes conquistas pelo cami-
nho. Em 2012, no primeiro ano do governo de Dilma Rousseff, tivemos a aprovação
da lei de cotas, o que culminou na triplicação do número de estudantes negros e
negras. Já em 2013, com a aprovação do Plano Nacional de Assistência Estudantil,
garantindo políticas públicas que subsidiassem as necessidades mínimas desses es-
tudantes. Ainda nessas perspectivas de avanços,
Contamos também com a Lei nº 10.639, que torna obrigatório o ensino da
história e cultura afro-brasileira nas escolas, que apesar de ter sido sancionada em
2003, durante o governo Lula, ainda não tem efetividade nos currículos escolares.
Por isso, ainda temos um longo caminho a percorrer. É função do movimen-
to estudantil construir espaços de empoderamento coletivo, a fim de desconstruir
a identidade negativa à qual a juventude negra ainda está ligada. É preciso lutar
por uma educação libertadora, que produza, com protagonismo, um conhecimen-
to que conscientize cada vez mais a população. Para isso, é necessário fortalecer
as conquistas que já obtivemos, e garantir ainda mais a inserção do povo negro na
universidade.
Por fim, é preciso que nós, estudantes cotistas, sejamos ferramenta da refor-
mulação da educação no Brasil. A universidade precisa ter a cara do povo, e isso
passa por pintar-se de preto, cada vez mais.

Questão agrária
A história contemporânea brasileira tem sido marcada nos últimos anos por
profundas crises em nossa economia, cujos reflexos são evidenciados pelo enorme
abismo social hoje existente, fazendo do Brasil um país com um dos maiores níveis
de desigualdade social do mundo. Este cenário sinaliza a incapacidade do atual
modelo em promover um desenvolvimento econômico capaz de inserir as grandes
maiorias que hoje estão completamente excluídas do processo produtivo, deixan-
do clara a necessidade da existência deste processo excludente para a manutenção
deste modelo econômico.
Precisamente, a questão agrária no Brasil tem sua emergência em 1530, com a
organização das capitanias hereditárias. Mesmo após a “independência” em 1822,
agravou-se a questão fundiária e suas contradições. Tal conjuntura provocou a ex-
n 55o CONGRESSO DA UNE

propriação da terra, entre outras expressões da questão social no campo. Em 1850


foi editada a Lei das Terras (Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850), porém esta
só fez acentuar o poder dos latifundiários, pois tornou ilegal a posse de pequenos
produtores, configurando-se como um marco do desenvolvimento do capitalismo
no campo e legitimando a concentração de terras e da propriedade privada.

273
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A apropriação da terra pelo capital se deu de forma violenta, da mesma forma


se de a acumulação primitiva, intensificada com a instituição da propriedade pri-
vada, posteriormente com a industrialização e expulsão do camponês para o meio
urbano. Mas o grande capital contou com estratégias que o legitimou, como a ins-
tituição da propriedade privada, legislações via Estado.
A questão agrária é uma das questões fundamentais que tem estruturado a
análise do modo de produção capitalista, pois com a organização desse modo de
produção o êxodo rural intensificou o processo de urbanização, cujo desdobra-
mento foi a estruturação da questão social como elemento fundante da contradição
capital x trabalho.
Partindo desse pressuposto da relação capital x trabalho, a educação e a uni-
versidade não são categorias neutras; pelo contrário, é urgente que essa categoria
se posicione referente a essas contradições engendradas pelo capital na questão
agrária. Essa, por sua vez, tem a contradição entre o movimento camponês x agro-
negócio na conjuntura de acirramento do capital no período contemporâneo.
No entendimento que a educação e o movimento estudantil não são neutros
no processo histórico, nós do coletivo Reconquistar a UNE colocamos a reflexão
da questão agrária e seus desafios no período atual, cujos elementos centrais para
compreensão dessa questão são a intensificação do agronegócio e sua legitimação
por meio do estado brasileiro, seja no âmbito do judiciário que tem regulamentado
a expropriação do camponês e a violência no campo, a exemplo do caso recente de
Colniza/MT, em que trabalhadores do campo foram assassinados entre outros casos
que a justiça tem secundarizado a solução desses casos. Outra questão é o uso do
agrotóxico: a UNE, a exemplo das executivas de cursos da área de agrárias (ABEEF,
FEAB, ENEBIO) e movimentos da Via campesina precisa encampar a campanha
contra o uso dos agrotóxicos. O agronegócio tem disputado de maneira ferrenha
estudos e a educação de maneira geral, os movimentos sociais e o movimento estu-
dantil precisam ter o entendimento dessa disputa pois se trata de disputar também
estudantes e futuros trabalhadores para que possam fazer essa disputa com o viés
dos movimentos sociais do campo contra o agronegócio.
Outra questão fundamental é disputar a concepção de extensão com o obje-
tivo de articular esses projetos de extensão com os movimentos sociais do campo,
articular universidade e sociedade. Podemos trazer uma experiência que têm êxito,
n 55o CONGRESSO DA UNE

que são os estágios interdisciplinares de vivência em áreas de reforma agrária (EIV )


que propicia essa relação e coloca os estudantes em contato com a realidade do
campo, experiência essa que provoca reflexões a partir da vivência dessas realida-
des. O movimento estudantil e a UNE precisam fomentar experiências como essas
que fogem do modelo tradicional de educação.

274
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A UNE precisa, a exemplo do movimento estudantil das agrárias, mobilizar jun-


to ao MST e a Via Campesina o “Abril de Luta” e outras experiências combativas ao
agronegócio com vistas a fazer com eu o movimento estudantil, a exemplo desses
movimentos, também façam o enfretamento direito ao capital e ao agronegócio.

Questão das drogas


No jogo da guerra às drogas, o cenário parece simples, tipo aquele jogo GTA.
O ator principal? Negro, o tráfico de droga traz fama, dinheiro e status. Mas fora do
vídeo game quando o giroflex soa, o ator vira coadjuvante se for preso, estatística
se for morto, e a tela não reinicia.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui cerca
de 200 mil presos por motivos ligados ao tráfico de drogas. Nos presídios femini-
nos, mais da metade das encarceradas é pelo mesmo motivo. Vale ressaltar que o
Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, ocupando um posto
nada invejável.
A polícia militar mata 60 mil jovens por ano, mais do que muitos países em
regime de guerra civil. Quem são esses jovens? Esmagadoramente negros e negras
periféricas. Então, quem ganha com o genocídio da nossa juventude?
Segundo as Organizações das Nações Unidas (ONU), o narcotráfico é um dos
setores mais lucrativos da economia mundial, superando a movimentação de 400
bilhões de dólares/ano. De acordo com o FMI (2008), cerca de 352 bilhões de dóla-
res do comércio de drogas foi para o sistema bancário – deixando nítido que não é
quem vai preso que está lucrando com a criminalização e guerra às drogas, mas sim
os grandes empresários e o setor financeiro.
Frente a isso, o debate de descriminalização das drogas deve carregar em seu
cerne muito mais do que o simples fato da liberdade individual de ser ou não usu-
ário. Deve ter capacidade de análise de que tal política proibicionista serve para
sustentar um sistema que mata e criminaliza aqueles que estão à margem da socie-
dade e de suas políticas públicas.
O movimento estudantil precisa reconhecer o avanço de democratização do
acesso ao ensino superior na última década, mas também admitir o espaço da uni-
versidade ainda como um espaço de privilégio, onde a maioria dos jovens não tem
acesso.
Além disso, debater a questão da política de drogas com seriedade e recorte
n 55o CONGRESSO DA UNE

de classe está no topo das tarefas do movimento estudantil brasileiro. Para isso, é
necessário construir canais de diálogo, através da extensão universitária, com essa
parcela da sociedade marginalizada e verdadeiramente atingida com o genocídio e
encarceramento da nossa juventude a fim de construir saídas concretas para a su-
peração dessa problemática.

275
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Só assim caminharemos de fato rumo a uma universidade mais democrática e


à transformação da sociedade.
Questão LGBT
O avanço do conservadorismo e do autoritarismo permeia a sociedade brasilei-
ra. Os indivíduos que expressam suas identidades de gênero e orientações sexuais
que fogem dos padrões heteronormativos são deslegitimados e ridicularizados to-
dos os dias. Todos os dias LGBTs são espancadas/os, estupradas/os, assassinadas/os
e, quando sobrevivem, têm postos de trabalho negados e portas fechadas.
Os dados da violência homofóbica têm sido alarmantes, segundo as infor-
mações do GGB (Grupo Gay da Bahia) comprovam que o Brasil lidera o ranking
mundial de homicídios contra LGBTs.
Segundo as fontes oficiais da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH), que apresentou o segundo Relatório sobre Violência Homofóbica
no Brasil, em um ano, o poder público federal registrou aumento de 166,09% de
denúncias e 46,6% de violações contra o público LGBT, envolvendo 1.713 vítimas
e 2.275 suspeitos.
O estado que teve o maior número de denúncias em 2012 foi o Mato Grosso,
com aumento de 1657,14% com relação ao ano anterior. Também foi levado em
consideração a relação entre os denunciantes e as vítimas no país18. Nesse caso,
constatou-se que em 71,12% dos casos os denunciantes não conheciam as vítimas
anteriormente; em 15,78% dos casos, a própria vítima efetuou a denúncia; e em
5,0% dos casos os denunciantes eram conhecidos das vítimas (vizinhos, filhos, ir-
mãos, companheiros, namorados e amigos).
Considerando que violação corresponde à discriminação, violência psicológi-
ca e agressão física, o número de violações é maior que o de denúncias já que uma
mesma vítima pode sofrer mais de uma violação.
Os dados do relatório foram elaborados por meio do Disque 100, da SDH,
do Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), e da Ouvidoria do
Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde. O estudo enumera as mais
diversas violências sofridas pela população LGBT.
Houve um aumento de 113% nos últimos cinco anos. Dentre os mortos, 140
eram gays (54%), 110 eram travestis (442%) e 10 eram lésbicas (4%). Segundo o
GGB, o risco de um homossexual ser assassinado no Brasil é 785% maior que nos
Estados Unidos. Sendo que no último censo realizado em 2010, foram registrados
n 55o CONGRESSO DA UNE

14 assassinatos de travestis. Foram documentados 312 assassinatos de gays, traves-


tis e lésbicas no Brasil, incluindo uma transexual brasileira morta no Reino Unido
e um gay morto na Espanha. Os gays lideram os “homicídios”: 186 (59%), seguidos
de 108 travestis (35%), 14 lésbicas (4%), 2 bissexuais (1%) e 2 heterossexuais. Nessa
18.  No original: “Também foi levado em consideração o perfil entre os agressores e as vítimas no país [...]”.

276
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

lista foram incluídos 10 suicidas gays que tiveram como motivo de seu desespero
não suportar a pressão homofóbica, como aconteceu com um gay de 16 anos, de
São Luís, que se enforcou dentro do apartamento “por que seus pais não aceitavam
sua condição homossexual”. O Brasil confirma sua posição de primeiro lugar no
ranking mundial de assassinatos homotransfóbicos, concentrando 4/5 de todas as
execuções do planeta.
Associado a isso, no período de golpe à democracia o fascismo associado ao
conservadorismo tem crescido de maneira grotesca. Essa tendência só demonstra o
nível de conservadorismo articulado com uma forte tendência de retomada de um
Estado teocrático, haja vista o crescimento nas últimas eleições da bancada conser-
vadora (BBB – Bala, Bíblia, Boi) – o que coloca para o ME e os demais movimentos
LGBT a luta por direitos que visam a emancipação dessas/es sujeitas/os, bem como
retomar com mais força a luta pela aprovação do PL 122/2006 como estratégia cen-
tral de combater a violência contra LGBTs.
A persistência da LGBTfobia nas instituições de ensino e na sociedade de um
modo geral demonstra o quão imprescindível se faz a renovação de currículos.
Emerge a construção de uma nova escola e universidade que dialogue com a reali-
dade dos grupos sociais historicamente marginalizados e que faça com que estes se
reconheçam no processo de ensino e aprendizagem.
No que se refere aos desafios auto-organizativos, a UNE precisa articular a sua
relação com os movimentos LGBTs entre outros movimentos que lutam por direi-
tos humanos, bem como fortalecer a diretoria LGBT da UNE e fomentar espaços de
debates e mobilizações sociais. Além disso, é preciso retomar o debate para den-
tro do próprio ME nas universidades como, por exemplo, a construção do projeto
“Universidade Fora do Armário” e o ENUDS.
Assim, a UNE tem papel fundamental no enfrentamento aos discursos de ódio
e na construção de uma universidade que de fato abarque as demandas do povo.
São propostas da Juventude da Articulação de Esquerda:
- Incorporar as disciplinas de gênero e sexualidade nos currículos de todos os cur-
sos de graduação;
- Mais projetos de extensão que dialoguem com a comunidade LGBT que está fora
da universidade;
- Incentivo de parcerias entre grupos de estudos e pesquisa, coletivos que debatam
gênero e sexualidade com as secretarias municipais de educação, e a criação de
n 55o CONGRESSO DA UNE

uma formação continuada para os profissionais que já lecionam;


- Incentivo à realização de seminários, congressos, encontros e demais atividades
nas seguintes datas:
29 de janeiro – Dia da Visibilidade Trans
17 de maio – Dia Internacional de Combate à LGBTfobia

277
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

28 de junho – Dia do Orgulho LGBT


29 de agosto – Dia da Visibilidade Lésbica

Saúde e movimento estudantil


Vivemos um longo período de luta pela garantia da Constituição de 1988, a
qual, mesmo construída em um momento de transição conservadora no Brasil, pre-
vê muitos avanços com relação à garantia de direitos e distribuição de renda entre
a população. Permeando esse período está a luta pela criação do Sistema Único de
Saúde, o SUS, que foi protagonizada por grupos como sanitaristas, movimento de
trabalhadores em saúde mental, lideranças comunitárias e movimento estudantil.
O SUS surge, fundamentalmente, com a proposta de responder à Constitui-
ção no momento em que a saúde passa a ser considerada um direito de todas e de
todos e um dever do Estado. Para tanto, tem em seus princípios garantir, gratuita-
mente, a universalidade do acesso, equidade do atendimento e integralidade dos
serviços. Constitui-se, portanto, como um dos mais avançados sistemas de distribui-
ção de renda vigente no Brasil.
Atualmente, diante de um governo ilegítimo de Michel Temer, bem como
diante de muitas manobras que atacam diretamente os avanços garantidos na Cons-
tituição de 1988, vemos o SUS sendo diretamente atacado e colocando em risco
seus princípios fundamentais como gratuidade e universalidade do atendimento.
Não poderíamos esperar menos diante de um “des”governo que mercantiliza nos-
sos direitos. Com tamanha ameaça colocada no cenário atual e remontando aos
tempos em que se elaborava a proposta e luta pela garantia do SUS, é central que o
movimento estudantil se articule com os demais setores e se coloque em resistên-
cia para que não haja nenhum retrocesso. Hoje há um grande movimento vindo de
trabalhadores em saúde, do movimento sanitarista, da criação de comitês em defesa
do SUS e das associações de bairro, por exemplo, e é um movimento ao qual deve-
mos nos somar, pois defesa da democracia e do SUS deve ser uma pauta prioritária
da luta do movimento estudantil.
Além disso, no âmbito de nossas universidades, também há muitos desafios e
debates atuais, aos quais devemos nos posicionar e pautar a partir de nosso acúmu-
lo histórico sobre os temas.
Um dos debates principais é o da Reforma Universitária. Nossa formação em
saúde, ainda moldada por um currículo voltado unicamente para o mercado de tra-
n 55o CONGRESSO DA UNE

balho privado, nos molda a ter uma visão da pessoa em partes, e a nos formarmos
apenas com a possibilidade de atuarmos profissionalmente sozinhas/os.
Precisamos compreender que, ao sairmos da graduação, cerca de 60 das pes-
soas que se titulam na área de saúde atuarão profissionalmente no SUS, o que nos
coloca diante de um mundo do trabalho que pede de nós uma formação interdis-

278
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ciplinar, uma visão biopsicossocial das pessoas que vamos atender, uma visão de
rede de saúde e de assistência, o trabalho em grupos e em equipes de profissionais.
Mas sem dúvida, para que a Reforma Universitária que a gente quer consiga
dar conta de nos formar para o mundo do trabalho que nos espera, precisamos
fortalecer a extensão nos nossos currículos. É conseguindo vivenciar na prática
o funcionamento de uma equipe interdisciplinar, conhecer a realidade dos mais
diversos serviços de saúde e localidades atendidas, com debates que consigam coin-
cidir o conhecimento e vivências teóricas e práticas com base na realidade social,
que poderemos garantir cada vez mais um currículo que coincida com o desafio
que é a atuação profissional na área da saúde.
Além disso, é nosso dever fundamental organizar e fortalecer as Vivências e
Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde ( VER-SUS). Esse é um estágio de
vivência, que já tem abrangência em todas as regiões do país, e que visa, a partir
da auto-organização e do protagonismo do movimento estudantil, proporcionar
debates acerca da formação profissional em saúde, da universidade e da sociedade,
com a capacidade também de ser uma ferramenta de fortalecimento do movimento
estudantil e do controle social em saúde local.
Sem dúvida, os desafios colocados a nós são imensos, e não podíamos espe-
rar nada diferente diante do atual cenário político e social em que vivemos. Porém,
mais certo ainda é que esse momento exige nossa organização e nossa mobilização
máximas, para que façamos do movimento estudantil aquilo para o que ele foi his-
toricamente relegado: uma importante ferramenta de luta e de garantia de direitos
da classe trabalhadora.
Luta nas particulares
Atualmente, enfrentamos os efeitos de um golpe no Brasil que destituiu uma
presidenta eleita pelo povo sem que haja qualquer crime de responsabilidade e
colocou de assalto um governo ilegítimo e usurpador, sem condições políticas e
éticas para governar o país. O reflexo disso é o projeto neoliberal golpista, ado-
tando uma política radical antinacional e antipopular, liderado por Michel Temer,
que visa desmontar e retirar os direitos da classe trabalhadora, da juventude e dos/
as estudantes, como a contrarreforma da previdência e trabalhista, a terceirização
e as PECs 241 e 55, que propõem o congelamento de investimentos públicos por
20 anos.
Na educação o cenário é devastador para os e as estudantes, pois o governo
n 55o CONGRESSO DA UNE

ilegítimo vem destruindo conquistas sociais, ameaçando reverter a democratização


e interiorização do acesso à educação superior e atendendo aos interesses do gran-
de capital nacional e internacional. Exemplo disso é a situação nas universidades
privadas, que desde o começo do ano de 2017 enfrentam problemas com corte de
recursos para educação, com a suspensão de abertura de vagas no FIES – beirando

279
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

40% - com atrasos nos repasses, corte nas bolsas do ProUni e de pesquisas PIBID e
CNPq, que representam ainda uma possibilidade de permanência dos estudantes
na universidade, visto que não há uma política própria de assistência estudantil nas
privadas. Diante disso, o futuro destes importantes programas é incerto caso os gol-
pistas continuem assaltando o poder.
A conjuntura nas universidades particulares/comunitárias tem suas peculiari-
dades e é reflexo de um projeto de educação implementado nos últimos anos que
priorizou o acesso à educação via políticas públicas, como o FIES, ProUni, dentre
outros. Desse modo, existem aqueles que de praxe desconhecem a realidade dos
estudantes das privadas e fazem a crítica a todo custo sem apresentar uma proposta
real a esses programas que proporcionaram a inserção de milhares de estudantes
na universidade. Outros, que defendem acriticamente esses programas sem visua-
lizar e refletir sobre tudo aquilo que perpassa o acesso, mas que dizem respeito à
permanência e às condições cotidianas para que não desistam do sonho de se for-
mar. Nós, da Reconquistar a UNE e da Juventude da Articulação de Esquerda ( JAE)
reconhecemos o quão importante são esses programas para os filhos e filhas da
classe trabalhadora, sobretudo do interior do país. Entendemos, entretanto, que
para além de entrar na universidade precisamos permanecer com qualidade e, as-
sim, articular com a luta pela regulamentação das universidades privadas rumo à
universalização e estatização da educação, contra aqueles que lucram com a edu-
cação transformando-o em mercadoria e, portanto, descaracterizando o real papel
desta para solucionar as contradições da sociedade.
Nesse sentido, é de suma importância retomar esse debate das universidades
particulares e colocá-lo no centro da nossa orientação estratégica, bem como pau-
tar e aprofundar sua visão e opinião ao conjunto da sociedade e dos estudantes que
nela constrói cotidianamente. Hoje, mais de 70% dos estudantes brasileiros estão
em instituições privadas, comunitárias e filantrópicas. Cabe aqui fazer um apanha-
do sobre a situação específica das privadas. Nos últimos anos, o país viveu o maior
ciclo de expansão das vagas no ensino superior de toda a sua história. A expansão
ocorreu por meio de inúmeros mecanismos, tanto no setor público quanto no pri-
vado. No setor privado, já são mais de um milhão e meio de bolsistas do ProUni e
mais de um milhão e meio de contratos do FIES. O problema histórico do acesso,
por conseguinte, vem sendo enfrentado em alguma medida. No entanto, uma das
consequências da expansão e democratização do acesso é a ampliação da demanda
n 55o CONGRESSO DA UNE

por políticas que possibilitem a permanência deste novo e imenso contingente de


estudantes nos estudos de terceiro grau, com conhecimento/aprendizado.
Nesse sentido, o desafio que se coloca, mais do que garantir o acesso, é o
de possibilitar que mulheres, LGBTs, negros/as, indígenas, filhos e filhas da classe
trabalhadora e jovens trabalhadores possam permanecer na Universidade e nela

280
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

aprender. Criado por decreto em 2008, o Plano Nacional de Assistência Estudantil


(PNAES) vem se consagrando como a principal ferramenta no enfrentamento aos
problemas da permanência/assistência, que no último período vem sofrendo com
cortes e redução de repasses. Porém, esses recursos não contemplam as universi-
dades privadas/comunitárias, pois não existe legislação que as obrigue a destinar
recursos para assistência estudantil.
Para a consolidação do PNAES, as instituições privadas também devem criar
suas políticas de permanência, integrando, primeiro, com a criação de um siste-
ma de regulamentação das IES privadas. É fundamental que possuam mecanismos
próprios de assistência estudantil, que possibilitem a permanência dos estudantes,
visto que considerável contingente de estudantes só frequenta o ensino superior
com a assistência de programas de acesso como o ProUni e o FIES, com recursos
públicos para se manter e por isso essas instituições ainda sobrevivem. Hoje, após
as medidas de contingenciamento na educação do governo ilegítimo é crescente o
índice de evasão dos estudantes prounistas e com FIES. Estes precisam trabalhar
para custear as despesas pessoais e também há aqueles que necessitam de trabalho
para pagar sua graduação.
Além disso, o ensino privado/comunitário deixa muito a desejar em aspectos
estruturais/físicos, como: a insuficiência e desatualização no acervo das bibliotecas,
laboratórios de pesquisa e de informática com poucos computadores; o aumento
das mensalidades são recorrentes, sem nenhuma padronização e regulamentação
dos valores e, ainda assim, taxas que não são proporcionais ao aumento da qualida-
de do ensino; ainda, bolsas de pesquisa e extensão insuficientes para a demanda de
estudantes interessados; falta de democracia nos conselhos superiores com baixa
proporcionalidade e deixam os/as estudantes isolados nas pautas que não são de
interesse da Reitoria. Defendemos que a universidade seja gerida democraticamen-
te, através de um conselho formado por estudantes, funcionários e professores,
de acordo com a real proporção que temos e construímos a universidade todos os
dias. Temos direito de decidir sobre os rumos da universidade e sobre aquilo que
vivenciamos no cotidiano.
O movimento estudantil deve rechaçar e fazer o contraponto aos grandes gru-
pos educacionais, como Anhanguera, Kroton e Estácio de Sá. Em dados de 2012,
o valor de mercado de cada um desses grupos estava na casa dos bilhões de reais.
O trâmite recente de fusão dos dois maiores grupos, Anhanguera e Kroton, só os
enriquecerá mais e demonstra qual é a educação que a restauração neoliberal quer
n 55o CONGRESSO DA UNE

implementar, com a manutenção da hegemonia dos setores privados em detrimen-


to do público.
Considerando que a maioria dos/as estudantes do ensino superior está nas
particulares, é fundamental que a UNE organize sua atuação de luta contra esses
aumentos absurdos que só fazem enriquecer mais os empresários dessa área e

281
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

apresente outra concepção, [alternativa] ao modelo atual de educação e de uni-


versidade, construindo assim um movimento estudantil mais forte e combativo em
favor da regulamentação do ensino privado.
Lutar por educação pública, gratuita e de qualidade também é lutar nas particu-
lares! Se hoje atuamos no movimento estudantil, certamente é para construir uma
sociedade diferente, sem nenhuma opressão e exploração dos/as trabalhadores/as:
uma sociedade socialista. Por isso, devemos seguir mobilizando, conscientizando
e lutando pela qualidade do ensino, seja ele público ou privado, lutando contra a
farra dos mantenedores de universidades particulares mercadológicas e contra os
aumentos abusivos. E construir um movimento estudantil para tempos de guerra.
Para isso, o CONUNE deve cumprir um papel fundamental: ser um momento
de um movimento de amplo debate para construir uma agenda que articule um
plano de lutas para barrar os retrocessos e apontar as saídas para a crise atual. En-
tendemos que a UNE precisa de uma nova direção, ativa e combativa, democrática
nas suas instâncias. Que volte a conduzir amplas campanhas, que esteja enraizada
nas universidades, no dia a dia dos estudantes, presente nas salas de aula e nas lutas
estudantis cotidianas. Que organize caravanas pelas universidades e que seja capaz
de rearticular a rede do movimento estudantil. Por fim, neste cenário da Revolução
Russa a homenagem que os/as estudantes combativos devem prestar é continuar e
intensificar a batalha para colocar nossa entidade novamente no rumo da luta po-
pular em aliança com a classe trabalhadora. Por isso, é necessário Reconquistar a
UNE para a luta e para os/as estudantes. Fora Temer! Em defesa dos direitos dos/
as estudantes e da educação! Rumo à greve geral por nenhum direito a menos!
Diretas Já!
n 55o CONGRESSO DA UNE

282
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

AVALIAÇÃO

Uma retumbante vitória do PCdoB19


ENTRE OS DIAS 14 E 18 DE JUNHO, REALIZOU-SE EM BELO
HORIZONTE O 55º CONGRESSO DA UNIÃO NACIONAL DOS
ESTUDANTES. PÁGINA 13 PUBLICA, A SEGUIR, NOTA DA
COORDENAÇÃO NACIONAL DE JUVENTUDE DA TENDÊNCIA
PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA.
O PCdoB venceu o 55º Congresso da UNE encerrado domingo 18 de junho,
em Belo Horizonte (MG).
Este fato não constitui propriamente uma novidade.
Mas há um elemento novo, que pode ser visualizado na tabela abaixo:
CHAPA VOTOS
Chapa 2 (tendência petista Articulação de Esquerda) 84
Chapa 3 (PSDB) 148
Chapa 4 (PPL) 85
Chapa 5 (PSOL, PCR e aliados) 690
Chapa 6 (PCdoB e aliados) 3.788

O elemento novo não está nos números da votação, nem tampouco na impres-
sionante ausência de votos brancos e nulos.
Sem falar, é claro, no fato de que não se conhece o número total de delegados
e delegadas credenciados. Detalhe revelador de métodos eleitorais que antes eram
muito questionados, mas que agora estão sendo “naturalizados” por muita gente,
como a falsificação de comprovantes de matrícula e de listas de votação, dentre
outros. Este tipo de prática vem sendo, congresso após congresso, cada vez menos
questionada nos processos de eleição de delegados para os Congressos da UNE.
O elemento novo é que desta vez, diferente do congresso passado, o PCdoB
conseguiu atrair para sua chapa o Levante Popular da Juventude e quase toda a
Juventude do PT (com exceção da delegação da tendência petista Articulação de
Esquerda).
n 55o CONGRESSO DA UNE

Até o início do Congresso, imaginava-se que o até então Campo Popular (que
reunia o Levante Popular da Juventude mais várias tendências petistas) lançaria cha-
pa, defenderia uma alternativa de direção para a UNE e buscaria ampliar sua força
política. Até porque foi isto que ocorreu no 54º Congresso e ao longo de toda a
19.  Página 13, n. 166, jul. 2017, p. 6-7.

283
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

gestão, não havendo na UNE situações que justificassem uma chapa única entre os
integrantes do Campo Popular e o PCdoB.
É verdade que na Frente Brasil Popular já parecia estar ocorrendo uma aproxi-
mação entre a Consulta Popular (irmã mais velha do Levante) e o PCdoB. Mas, ao
mesmo tempo, havia questões espinhosas a separar as partes, por exemplo o voto
do PCdoB em Rodrigo Maia, a vacilação sobre a participação num possível colégio
eleitoral e a postura frente a candidatura Lula. A construção de processos de luta
unificados no último período não excluiu as inúmeras divergências entre o Campo
Popular e a direção majoritária da UNE: a ausência de oposição à política econômi-
ca do segundo governo Dilma, a demora em encampar o Fora Cunha, a disposição
de apoio à eleição do colégio eleitoral caso não haja eleições diretas, dentre outros.
Sem falar na participação do PCdoB, através de organizações que dirige, na Frente
Povo Sem Medo.
Mas estas questões parecem ter sido superadas, em discussões reservadas fei-
tas antes do Congresso, ou bem em discussões intensas feitas durante o Congresso.
Tudo indica, contudo, que estas discussões tiveram como centro não a política da
Frente Brasil Popular, mas a composição da diretoria da União Nacional dos Estu-
dantes. Sendo assim, a versão de que houve uma unidade das forças que compõem
a Frente Brasil Popular seria, neste caso, mais um caso de “pós-verdade”.
Seja como for, o fato é que o PCdoB trouxe para a sua chapa quase todo o PT
e também o Levante, a juventude da Consulta Popular.
Em congressos anteriores, o PCdoB já havia conseguido atrair para sua chapa
a juventude da tendência majoritária do PT (a CNB) e também a juventude da ten-
dência petista Democracia Socialista.
Aliás, chega a ser tocante ver o Partido dos Trabalhadores, o maior partido da
esquerda brasileira, deixar o PCdoB tratar com suas tendências, de forma fatiada,
fragmentando quem — se atuasse com outra política — poderia ser maioria na di-
reção da UNE.
Quais argumentos políticos e organizativos o PCdoB usou desta vez? As
notícias de bastidores são muitas. Pouco a pouco os detalhes virão a luz. Mas, in-
dependentemente destes “detalhes”, há uma questão sobre a qual já há bastante
clareza. A saber: até então, os integrantes do agora finado Campo Popular questio-
navam a política e os métodos do PCdoB na condução da UNE. E apontavam que
o déficit de legitimidade da entidade derivava da longa hegemonia do PCdoB e de
n 55o CONGRESSO DA UNE

seus métodos.
Um dos muitos exemplos destes métodos é que, no Congresso da UNE, os
delegados votam em urnas identificadas por chapas. Graças a isso, vem sendo divul-
gada a seguinte tabela com a composição da chapa do PCdoB, denominada “Frente
Brasil Popular”:

284
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

UJS 2.022
Levante 548
Kizomba 334
ParaTodos 317
JSB 224
Quilombo 141
Juventude Revolução 64
Mudança 52
A Marighella 47
Novo Rumo 32
Avante 7
A adesão do Levante Popular da Juventude e de grande parte das tendências
petistas que faziam parte do Campo Popular – exceto, como dito, a Articulação de
Esquerda — tem como decorrência inevitável enfraquecer aquele questionamento
aos métodos e a política do PCdoB.
Se aquele questionamento era falso ou exagerado, não há problema.
Mas se aquele questionamento era verdadeiro, ou seja, se dizia respeito a pro-
blemas reais, então o que assistimos neste Congresso tende a ampliar os problemas
da UNE.
Até porque, neste caso, o que vimos foi o PCdoB cooptar um setor que antes
lhe fazia oposição, usando os métodos que antes eram questionados justamente
pelos que agora foram cooptados.
Seja como for, o 55º CONUNE marca uma vitória retumbante do PCdoB, que
conseguiu assim neutralizar a maior parte da oposição que lhe era feita a partir do
Campo Popular e constituir uma maioria absolutíssima.
Este movimento está sendo justificado com um discurso sobre a “unidade da
Frente Brasil Popular”.
Mas se de fato o centro da tática fosse a construção da unidade política da
Frente Brasil Popular na UNE, esse movimento teria sido feito ao longo de toda a
gestão da UNE, dos CONEGs, nas entidades gerais e de base e do próprio proces-
so de eleição de delegadas e delegados e não na madrugada da plenária final do
n 55o CONGRESSO DA UNE

Congresso.
Claro, isto pode vir a acontecer, o que suporia inclusive que as já citadas di-
vergências existentes na Frente Brasil Popular terão sido superadas. Mas até prova
em contrário, trata-se de instrumentalizar a unidade da Frente Brasil Popular para
justificar uma movimentação, que teve como fiel da balança não a unidade políti-

285
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

ca da Frente, mas sim a aceitação ou não por parte do PCdoB de espaços políticos
pleiteados para garantir a composição da chapa.
A movimentação protagonizada pelo Levante Popular da Juventude colocou
fim ao Campo Popular enquanto alternativa de direção para UNE, convertendo a
maior parte deste finado campo em mera fração do condomínio de forças dirigidas
pelo PCdoB. O Campo Popular tinha uma razão de ser: ser um campo alternativo
de direção à UJS/PCdoB, apontando a necessidade de que a UNE supere a aposta
na conciliação com os inimigos do povo e dos trabalhadores, de que retome sua ca-
pacidade de fazer luta de massas, de pautar uma reforma universitária popular que
altere a estrutura da educação superior, de democratizar a entidade e de construir
outros métodos para o movimento estudantil. Esta razão de ser foi abandonada
nesta movimentação das forças aderirem ao campo majoritário.
Este giro político de 180°, que põe fim ao Campo Popular da UNE, é extrema-
mente danoso ao conjunto do movimento estudantil.
Ele desmobiliza todo um setor que, principalmente pelos erros da política
do PCdoB ao longo dos anos à frente da UNE, vinha retomando sua presença e
construção da entidade e da rede do movimento estudantil, por compreender a
possibilidade do Campo enquanto alternativa de direção. E é justamente por com-
preender que estes erros não acabaram e que em grande medida cresceram, que
nós seguimos defendendo uma outra política para a União Nacional dos Estudantes.
Imprescindível destacar, ainda, que justamente por compreender a importân-
cia histórica da UNE, retomaremos com todas as forças o caminho da construção de
uma alternativa política e de direção para a entidade.
Aliás, já assistimos esse velho filme, que mostra uma falsa polarização na en-
tidade entre o condomínio de forças dirigidas pelo PCdoB e as inconciliáveis e
equivocadas posições da Oposição de Esquerda.
Da última vez que esta conformação se concretizou, mantivemos nossa po-
sição de construir uma alternativa de direção. Agora não será diferente. Para dar
conta de seu papel nesta quadra da história, a UNE precisa mudar e essa mudança
não virá com passos atrás.
20 de junho de 2017
Coordenação nacional de juventude da
tendência petista Articulação de Esquerda
n 55o CONGRESSO DA UNE

286
57o Congresso da UNE
Brasília (DF), 10 a 14 de julho de 2019

TESE

UNE PARA TEMPOS DE GUERRA

QUEM SOMOS
A UNE Para Tempos de Guerra é construída por estudantes de diversos can-
tos do país. Estamos presentes em diversas entidades estudantis, como DAs, CAs,
DCEs, Executivas de Curso, e também no dia a dia das e dos estudantes. Defen-
demos uma UNE que volte para as lutas da rua, que conduza os estudantes para
a resistência e que seja referência para a categoria estudantil do Brasil inteiro. O
período histórico que vivemos não permite vacilações: é urgente a necessidade de
que a UNE volte a ser uma ferramenta que incida nos rumos do país e da educação.
A tese UNE Para Tempos de Guerra é impulsionada por militantes da Juventude
da Articulação de Esquerda, tendência petista que se coloca na luta pelo socialis-
mo e por outra estratégia política desde os anos 90. Acreditamos na construção
de um PT democrático, socialista e de massas e, da mesma forma, acreditamos em
uma UNE comprometida com as lutas dos estudantes e da classe trabalhadora. Lula
Livre!

CONJUNTURA

Oposição na UNE! Lula Livre no Brasil!


A vitória da extrema direita nas eleições de 2018, com a eleição de Bolsonaro
à Presidência da República, marca uma derrota estratégica da esquerda brasileira,
que também têm como partes constituintes o golpe de 2016 e a prisão política de
Lula. Em 2019, consolida-se no país uma mudança de regime político, de caráter
autoritário e ultraliberal, feito exclusivamente pelas classes dominantes para as clas-
ses dominantes. Dessa forma, a estratégia de conciliação de classes adotada pela
maioria do PT e da esquerda brasileira foi derrotada e isto reafirma a necessidade
de construirmos uma nova estratégia, que seja democrática, popular e socialista.
O programa que as classes dominantes impõem tem como principais aspectos
a submissão aos EUA, inclusive na guerra imperialista na Venezuela; a destruição da

287
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Previdência Social, acabando com o direito de aposentadoria; o pacote apresenta-


do Sergio Moro para aumentar a criminalização e extermínio da população pobre
e negra; e uma ofensiva contra a organização da classe trabalhadora, tendo como
ponto crucial manter Lula como preso político – fato cada vez mais claro com as
conversas entre Moro e Deltan Dallagnol para influenciar na opinião da mídia e vi-
ciar o processo condenatório.
Do ponto de vista educacional, ambos os ministros indicados por Bolsonaro
para o Ministério da Educação – Ricardo Velez e o atual, Abraham Weintraub – de-
monstram o compromisso desse projeto em aniquilar a educação pública, gratuita
e de qualidade, utilizando inclusive da educação como “moeda de troca” para a
aprovação da reforma da previdência. Utilizam de uma falsa narrativa, ao colocar a
universidade pública como local de “balbúrdia” e indicam o verdadeiro objetivo:
uma precarização que conduza à privatização. Mais uma vez, querem transformar a
educação em mercadoria, fazendo com que as universidades voltem a ser acessadas
somente pelas elites.
Além disso, o processo de criminalização das entidades estudantis, desde nos-
sos Centros Acadêmicos – chamados por Bolsonaro de “ninhos de rato” – até a
própria UNE, permanece como um objetivo da extrema direita, sendo as tentativas
de uma CPI da UNE o caso mais evidente. Retoma fôlego também o projeto Escola
Sem Partido, com a mesma intenção de perseguição a estudantes e trabalhadores da
educação. Em síntese: corte de investimentos, censura e privatização.
Nesse quadro, o movimento estudantil deve cumprir um importante papel de
resistência. As recentes mobilizações, com atos da educação nos dias 15 e 30 de
maio e a grande greve geral no dia 14 de junho, mostraram o descontentamento
de milhões de pessoas por todo Brasil com o projeto adotado pelo governo, assim
como o poder de mobilização da classe trabalhadora na defesa de seus direitos,
principalmente das e dos estudantes e jovens. E não podemos perder o fôlego! Pre-
cisamos nos manter nas ruas para barrar as reformas, retomar os investimentos na
educação e garantir a liberdade e inocência de Lula.
E nesse contexto de efervescência da luta social em defesa dos nossos direi-
tos, a UNE tem um papel crucial: priorizar a luta social, retomar o diálogo com os
estudantes nas universidades e potencializar a organização da rede do movimento
estudantil. Caso se mantenha a burocratização e o foco absoluto na luta institu-
cional, como a direção majoritária guiou a atuação da entidade nos últimos anos,
n 57o CONGRESSO DA UNE

aprofundará o processo de crise de legitimidade da entidade e aumentará ainda as


possibilidades de ataques contra a entidade e a base estudantil.
Assim, consideramos necessário que a UNE integre o esforço para a constru-
ção de uma nova estratégia para a esquerda brasileira. A política de conciliação
com a extrema direita expressa na eleição da presidência da Câmara Federal e as

288
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

movimentações do PCdoB para isolar o PT – diga-se, o maior partido da oposição


–, priorizando uma aliança com a centro-direita, são exemplos resultantes da estra-
tégia que precisamos superar.
No 57º Congresso da UNE, devemos eleger uma nova maioria de direção po-
lítica comprometida com a construção de unidade da esquerda na luta política e
social, em radical oposição ao governo Bolsonaro. Esta unidade passa necessaria-
mente por uma retomada profunda da luta popular, da presença na base e da luta
pela liberdade do companheiro Lula. Precisamos de uma entidade que, mais do que
nunca, construa uma política em defesa dos direitos da classe trabalhadora e pela
abertura de um novo período em que se recoloque a possibilidade de um novo
projeto de poder das classes trabalhadoras, articulado com a luta pelo socialismo.
Por uma UNE que mude sua estratégia de atuação, sendo presente na base e
articulando sua rede, não somente em gabinetes e eventos institucionais, conci-
liando com aqueles que querem nos destruir. Por uma UNE que faça um balanço
real do que foi suas últimas gestões, que não construa análises sem ser calcadas na
realidade. Por uma UNE que esteja junto da classe trabalhadora nas ruas, junto às
frentes e centrais sindicais, para criarmos as condições para enfrentar as ameaças
legais e ilegais da extrema-direita, visando retomar as liberdades democráticas e a
justiça social. Por uma UNE que organize, forme e mobilize a massa estudantil para
a derrubada da reforma da previdência e do Escola Sem Partido, por justiça a Ma-
rielle e por Lula Livre!
É PRECISO UMA UNE PARA TEMPOS DE GUERRA!
OPOSIÇÃO NA UNE! LULA LIVRE NO BRASIL!

EDUCAÇÃO

Educação não transforma o mundo. / Educação muda as


pessoas. / Pessoas transformam o mundo.

(Paulo Freire)

A educação no Brasil sempre foi alvo de ataques das elites entreguistas que
pretendem adotar como projeto sucateamento da educação para vendê-la. Essa
pauta vem sendo intensificada pelo golpe de 2016 e pela eleição de Jair Bolsonaro
n 57o CONGRESSO DA UNE

à Presidência, ambos governos que declaradamente atacam a possibilidade de uma


educação mais emancipadora e menos mercadológica. Não foi à toa que uma das
primeiras medidas do governo golpista de Temer foi a reforma do ensino médio,
que dificulta o acesso e a permanência dos estudantes nas salas de aula, sobretudo
aqueles que precisam contribuir ativamente para a renda familiar.

289
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Acabar com a educação pública, gratuita e de qualidade tem se mostrado es-


trutural para o governo. A justificativa é a de que os professores – sobretudo os
de humanidades – e o movimento estudantil seriam responsáveis por uma supos-
ta decadência dos costumes na sociedade brasileira. Na prática, Bolsonaro e seus
ministros mobilizam o chamado “combate ao marxismo cultural” para perseguir a
esquerda e naturalizar narrativas autoritárias e violenta, em especial pró-ditadura
militar.
Nesse início de governo, já estamos assistindo o desmonte proposto: ataque à
liberdade de cátedra; tentativa de criminalização do debate político; desmonte da
pesquisa e da extensão; incitação ao ódio e à violência como formas de perseguição
intelectual, entre outros. Destaca-se ainda o combate do governo a própria histó-
ria de nosso país, visto os ataques ao estudo de História da África, de comunidades
afro-brasileiras e dos povos indígenas, bem como de suas artes, religiões e literatu-
ras; história dos movimentos sociais – sobretudo a do movimento estudantil- e da
luta contra a repressão durante a ditadura militar; educação sexual e diversidade.
Já nesses seis meses de governo foi anunciado corte de 30% (ou mais) nos
investimentos para as Universidades e Institutos Federais (IFs), a possibilidade de
não renovação do FUNDEB, além de cortes generalizados de milhares de Bolsas
da pós-graduação (como da CAPES). Inúmeras dificuldades foram criadas para os
bolsistas do Prouni quando se defendeu que o mercado decidirá os juros do FIES,
impossibilitando o desenvolvimento da educação no país. Várias universidades, in-
clusive, declararam que não terão recursos para manter seu funcionamento até o
fim do ano letivo, o que comprova o drama que viveremos na educação brasileira
no próximo período, enquanto Bolsonaro e seu Ministro da Educação zombam da
população.
Os ataques, além de continuarem a rasgar a nossa constituição, negando o
direito à educação aos oriundos dos setores populares, visam também atacar dire-
tamente a soberania nacional, através do desmonte da ciência e tecnologia, setor
fundamental para o desenvolvimento de uma nação soberana.
O mercado e os detentores do poder, nunca pensaram as escolas e universi-
dades brasileiras como algo dos trabalhadores e de suas e seus filhos, em especial
os oriundos das camadas mais populares. Ser resistente a um modelo educacio-
nal crítico, democrático e popular sempre foi pauta central daqueles que detém o
n 57o CONGRESSO DA UNE

poder em nosso país. O que recebemos é uma educação mercadológica na lógica


dos poderosos, uma educação acrítica e completamente tecnicista, que tem como
função primordial criar soldados bem treinados para o famoso exército de reserva
do “mercado de trabalho” ou em tradução livre “campo de batalha do capitalismo
selvagem”.

290
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

As escolas e universidades que desejamos, ao contrário da que é defendida


pelo atual governo, são instituições baseadas em uma educação pública, gratuita e
de qualidade, baseadas num projeto democrático e popular que abrange por com-
pleto a classe trabalhadora. A educação deve ser capaz de proporcionar e incentivar
a pluralidade de ideias e concepções de mundo pra dentro da sala de aula, além de
promover um amplo debate político.
O projeto de educação que tem como foco tornar o jovem trabalhador um
cidadão crítico não é uma utopia e depende da ação do Estado brasileiro para ser
efetivada. Apenas com uma perspectiva de soberania nacional e desenvolvimento
este projeto é possível. Os governos populares de Lula e Dilma mostraram que é
possível democratizar a educação no Brasil, incluir os mais pobres no orçamento,
popularizar o ensino e criar uma sociedade mais justa.
Frente a isso é fundamental construir a resistência, nas escolas, nas universida-
des e nas ruas. Os últimos dias de luta, foi um grande exemplo pra isso. Estudantes
e trabalhadores deram as mãos para poder construir um movimento organizado
e consequente, que paute política e tenha condições de pressionar os poderosos.
Milhares de pessoas foram defender a educação pública brasileira e a seguridade
social, defender que não somos mercadoria e que conhecimento é fundamental
para a emancipação humana.
Os tempos de guerra estão postos, e essa guerra é contra nós, visto que Bolso-
naro diz claramente que quer nos destruir por aquilo que pensamos. E precisamos
estar preparados! Precisamos estar preparados enquanto entidades, enquanto or-
ganizações e principalmente enquanto classe trabalhadora! PRECISAMOS DE UMA
UNE PARA TEMPOS DE GUERRA Para travar e dirigir as lutas nos próximos períodos
por uma educação pública gratuita, de qualidade e inclusiva, onde todas e todos
tenham direito e acesso a ela.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

Uma UNE para tempos de guerra


O período histórico que vivemos exige coragem e ação da juventude e dos
estudantes. Durante a ditadura militar, o movimento estudantil desempenhou um
papel fundamental no combate à repressão, à censura e também na luta pela de-
n 57o CONGRESSO DA UNE

mocracia. Anos após a redemocratização e inúmeras conquistas que tivemos através


dos governos petistas, o Brasil volta a ser sondado por forças obscurantistas e com-
promissadas com a aniquilação da esquerda, do povo pobre e de um projeto de
país soberano. Hoje, assim como em outros períodos da história, a União Nacional
dos Estudantes é uma ferramenta fundamental para a resistência, para a luta contra

291
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

o desmonte do Estado brasileiro, contra o entreguismo e pela retomada de um pro-


jeto emancipador e crítico de educação.
Nos últimos anos, nos deparamos com uma entidade que foi apaziguada pela
política gabinetista e institucionalizada do campo majoritário. A falta de ação po-
lítica, de reivindicação e o afastamento da entidade das ruas e das universidades
resultou em uma UNE ausente da realidade do movimento estudantil, que hoje,
passa por uma crise de legitimidade e representatividade. A forma como têm sido
conduzidos os espaços deliberativos do movimento estudantil demonstram a urgen-
te necessidade de uma reforma política e organizativa dentro da UNE. O momento
que vivemos exige melhor organização e mais horizontalidade na construção do
movimento estudantil, carecendo de uma reforma que paute a substituição do sis-
tema presidencialista por uma estrutura colegiada, a criação de espaços amplos
de participação estudantil, além de uma entidade que dê conta da diversidade de
pautas construídas pelos estudantes. Precisamos construir uma UNE que dê res-
postas à altura do período histórico que vivemos. É preciso uma UNE Para Tempos
de Guerra!
Os dias 15 e 30 de maio de 2019 demonstraram a força dos estudantes e da ju-
ventude e evidenciaram o quanto a luta pela educação é algo que mobiliza e unifica
o povo brasileiro. Porém, é preciso mais que isso: precisamos de uma UNE que dê
as mãos para a classe trabalhadora e, junto com a defesa da educação, mobilize o
povo em defesa de outro projeto de sociedade. O conluio bolsonarista, represen-
tado pelos bancos, elites agrárias e o pior segmento do reacionarismo brasileiro,
tenta chantagear o povo afirmando que temos que escolher entre educação ou
previdência social. Nossa resposta deve ser muito franca: não vamos escolher entre
direitos! Precisamos de uma UNE que defenda a educação com toda a coragem, e
que também se coloque firmemente na luta contra a reforma da previdência e pela
liberdade do companheiro Luiz Inácio Lula da Silva.
A prisão de Lula sustenta uma narrativa golpista que criminaliza todo o conjun-
to da esquerda – incluindo as forças que constroem a UNE – e por isso, defender
Lula Livre é defender a UNE. Os recentes vazamentos do The Intercept apenas com-
provam algo que já dizíamos há muito tempo: existe um golpe em percurso que
objetiva reconduzir o Brasil à condição de país miserável e superexplorado no capi-
talismo internacional. Assim como tentam destruir o Partido dos Trabalhadores, os
n 57o CONGRESSO DA UNE

sindicatos e diversas outras formas de organização popular, a União Nacional dos


Estudantes também é alvo dessa criminalização. Querem enfraquecer a entidade
através da CPI da UNE, e mais recentemente, da proposta do governo Bolsonaro de
emitir uma carteirinha desvinculada à UNE, como forma de retalhar o autofinancia-
mento e a organização dos estudantes. Querem acabar com a principal ferramenta

292
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

do movimento estudantil porque sabem a importância histórica e a capacidade de


mobilização que a entidade possui.
O 57º CONUNE será um momento decisivo para construirmos uma União Na-
cional dos Estudantes que volte às ruas, à luta popular e ao dia a dia do movimento
estudantil. Precisamos de uma entidade que possua a rebeldia necessária para lutar
contra os retrocessos do governo Bolsonaro, conduzir os estudantes à resistência e
retomar o horizonte que queremos para o Brasil.
O movimento estudantil e a UNE possuem um papel crucial nessa conjuntura,
porém, somente com uma direção política consequente e alinhada aos interesses
da classe trabalhadora brasileira podemos triunfar. Precisamos de uma UNE com-
prometida com a luta contra o neoliberalismo, o entreguismo e preocupada com a
construção de uma integração latino-americana de estudantes, trabalhadoras e tra-
balhadores. Precisamos construir um movimento estudantil rebelde, consequente
e que pare o país para mostrar que balbúrdia é o que querem fazer com os nossos
direitos.
Viva o movimento estudantil! Viva a União Nacional dos Estudantes!

COMBATE ÀS OPRESSÕES

Mulheres
Ainda que, no histórico do ensino superior, as mulheres tenham começado
a acessar a Universidade 70 anos depois dos homens, hoje, são as mulheres que
constituem maioria nas matrículas do ensino superior. Isso foi possível através da
luta e da participação feminina no movimento estudantil e das conquistas obtidas
com o avanço das políticas de acesso à permanência das mulheres na universidade.
O Movimento Estudantil deve reconhecer que as mulheres têm condições e reivin-
dicações específicas, e deve estar na defesa da criação e fortalecimento dos fóruns
e ouvidoria de denúncia de assédio e estupro nas universidades, da criação de nú-
cleos de pesquisa e extensão sobre gênero, lutar por garantia da moradia estudantil
para mães estudantes e suas/seus filhas/os, acesso a creche em tempo integral e
que as crianças possam acessar os Restaurantes Universitários juntas de suas mães.

Negros e indígenas
Se por um lado houve ampliação no acesso de Negros e Indígenas à Univer-
n 57o CONGRESSO DA UNE

sidade, por outro, as instituições de ensino parecem não estar preparadas para
recebê-los, tanto no que diz respeito à permanência material, como no que diz
respeito a ter um ambiente acadêmico que os acolha, respeitando a diversidade e
identidade cultural desses sujeitos. Dessa forma, para a permanência do negro e do
indígena no ensino superior, é preciso que, além da defesa da permanência das co-

293
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

tas e assistência estudantil, façamos a defesa de uma universidade que enfrente os


problemas da integração desses povos na sociedade de classes.

LGBT
Reconhecer a importância da população LGBT para as lutas políticas da atual
conjuntura é uma tarefa importante do movimento estudantil. O governo Bolso-
naro, através de sua política nefasta e reacionária, já se mostrou extremamente
disposto a acabar com os direitos dessa população. Se, nos últimos anos, os e as
LGBTs estiveram à frente de conquistas significativas para o movimento, agora a si-
tuação se inverte: voltamos a temer a patologização e a perseguição. É fundamental
que a pauta LGBT seja compreendida como algo indissociável das lutas pela trans-
formação da sociedade. As identidades e sexualidades dissidentes ainda são motivo
de expulsão de seus lares, o que faz com que muitos LGBTs virem mão-de-obra
barata nas mãos do mercado. A situação se agrava ainda mais para pessoas trans,
sobretudo as mulheres, que tem cerca de 90% de sua população condicionada à
prostituição. No ambiente universitário, principalmente em setores mais conserva-
dores, são muitos os LGBTs que desistem de estudar pela falta de acolhimento. A
luta por outra universidade e outra sociedade inclui a luta por permanência, legiti-
midade e direitos para a população LGBT, compreendendo que a libertação dessas
pessoas se dá por uma profunda transformação nas estruturas sociais.

Saúde mental
Dos últimos anos para cá, houve um aumento significativo de transtornos psi-
cológicos (principalmente depressão e ansiedade) no meio acadêmico. Isso surge
com uma gama de causas, cada vez mais relacionadas às opressões do dia a dia (ra-
cismo, machismo, LGBTfobia, capacitismo e psicofobia, por exemplo), ao elitismo
da academia, que esmaga a saúde mental, principalmente dos estudantes de clas-
ses populares (não é à toa o número alto de abandono do ensino por conta disso,
como também por questão de necessidades de classe), à falta de promoção de de-
bates e de um fortalecimento institucional dos cursos em relação ao tema (onde
se deveria criar um programa de extensão entre a faculdade com a psicologia para
se ter mais acesso psicológico para a categoria estudantil). As consequências que
ocorrem na saúde mental dos estudantes são a medicalização de forma errônea ou
o confinamento em hospitais psiquiátricos (que agora, mais uma vez, se tornam ma-
nicômios, graças a uma canetada do governo Temer que desconsidera o tratamento
n 57o CONGRESSO DA UNE

humanizado como possibilidade para pessoas com transtornos) ou o suicídio, que


é algo que vem aumentando na juventude, principalmente na juventude negra. O
sistema capitalista funciona através de crises, e é causado através da crise de acu-
mulação (processo onde o capitalista tem alta produção, porém a população está
com o poder de compra muito baixo, logo, ao invés de se achar maneiras de aque-

294
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

cer fazendo políticas de inclusão de mercado e de aumento dos empregos, o que


ocorre é um processo de destruição de riquezas e vidas humanas). Por isso é muito
importante debater essa pauta no movimento estudantil e principalmente manten-
do o viés classista dessa pauta, é muito importante a institucionalização do debate
como também o fortalecimento da democratização de atendimentos psicológicos
para os e as estudantes. Além disso, devemos fortalecer valores coletivos, como a
empatia, diante do individualismo que paira nas relações sociais.

Acessibilidade
Nas nossas universidades e na nossa sociedade em geral, existe uma tentati-
va de inclusão no sentido teórico, porém não é o que acontece na prática. Nossa
sociedade, até hoje, marginaliza as pessoas com deficiência. O capacitismo (opres-
são contra pessoas com deficiência) existe de diversas formas: de forma estrutural
(arquitetura inacessível e/ou falta de ferramentas de inclusão nos espaços de so-
cialização, insultos, agressões), de forma simbólica (como reservar às pessoas com
deficiência tratamento de pena, de inferioridade/ subalternidade) e através da se-
gregação e exclusão nos ciclos de socialização. É uma opressão que se baseia na
ideia de um padrão anatômico de corpo perfeito. A opressão nesse caso é contra
as pessoas com deficiência física externa ou interna (inclusive a mental). Dentro
das nossas universidades, como na sociedade em geral, existe ainda uma grande
falta de ferramentas de acessibilidade. Não apenas as questões arquitetônicas, mas
também na formação dos professores e de institutos, na falta de ferramentas para
pessoas que precisam de braile, libras, rampas para pessoas que usam cadeira de
rodas, piso tátil para as pessoas com deficiência visual e entre outros. O mais grave
disso tudo é a falta consciência sobre o tema. Por isso, se queremos um movimen-
to estudantil que paute o fim das opressões, temos que incluir inúmeros setores,
não apenas no discurso, mas principalmente nos espaços estudantis. Por isso, é ex-
tremamente importante o movimento estudantil respeitar, incluir e entender que
as pessoas com deficiência merecem não apenas respeito, mas também direitos e
acessibilidade.

Lula Livre!
A Operação Lava Jato é um dos pilares do golpe de 2016, não só porque foi
uma das articuladoras da deposição da presidenta Dilma e a responsável pela pri-
são política de Lula, mas, sim, porque esses dois elementos foram e são centrais
n 57o CONGRESSO DA UNE

para estabelecer um projeto de país que retira os direitos da classe trabalhadora,


coloca as Forças Armadas no centro da vida política brasileira e nos subordina aos
interesses dos Estados Unidos. As últimas revelações do The Intercept confirmam
isto. A atuação de Sérgio Moro, articulando e coordenando as acusações do ex-pre-
sidente, tinha como os únicos motivos a retirada de Lula da disputa presidencial

295
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

de 2018 e da luta política direta em nosso país para que o projeto do golpismo
pudesse vingar.
Cabe-nos, pois, fazer um breve resgate de memória histórica para que possa-
mos esclarecer a importância do papel político de Lula no contexto atual. Quando
costumamos debater sobre a Ditadura Empresarial-Militar brasileira muito falamos
sobre a luta armada e sobre a luta institucional via MDB. Entretanto, um exercício
que pouco fazemos – seja porque não costumamos fazer balanço histórico, seja
porque insistimos em repetir os erros estratégicos e táticos da nossa luta política
– é rememorar como conseguimos derrotar a ditadura brasileira. Entre as várias
táticas de luta armada e da própria tentativa de construção de frente ampla com
setores da burguesia nacional, o que conseguiu acumular forças para a derrota do
regime foi a luta de massas, representada pelas grandes mobilizações estudantis e
as greves de trabalhadores, com destaque para as greves do ABC que, por sua vez,
conseguiram mobilizar e cruzar os braços milhares de trabalhadores na região pau-
lista. Aqui, uma figura popular, vinda do interior do interior do Nordeste brasileiro,
se destacou por liderar e articular com maestria as greves: Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula, a partir de então, conseguiu se colocar para o conjunto do povo brasi-
leiro como a maior liderança popular da história do nosso país. Prova disto é a sua
capacidade de liderar as massas não só por meio das greves na década de 1980,
mas por ter conseguido terminar um governo com mais de 80% de aprovação e de,
mesmo preso e com uma campanha intensa de criminalização ao nosso partido e
à sua vida política, ter sido o candidato favorito pelo nosso povo ao pleito eleitoral
de 2018.
A Lava Jato e a coalizão golpista sabem que para se sustentar no governo é
fundamental, dentre outros aspectos, ter uma liderança que consiga aglutinar as
massas. Portanto, eles sabem também que a fragilidade do projeto que está posto é
a possibilidade de Lula, como liderança de massas, fazer o contraponto a Bolsona-
ro, organizando nas ruas, nas praças e bairros a resistência à reforma da previdência
e ao desmonte da educação. Vejamos: se Lula é liberto, a luta contra o governo
entra em outro patamar, uma vez que há uma liderança do nosso campo democrá-
tico popular (que por sinal é a única atualmente) com grande inserção nas massas.
Lula põe em xeque direto a liderança de Bolsonaro e o projeto neoliberal conser-
vador em curso. Lula, portanto, é a possibilidade concreta – gostem alguns ou
n 57o CONGRESSO DA UNE

não – de forjarmos uma saída democrática popular à crise instaurada. Por isso, a
campanha pela libertação de Lula aponta para a derrota do governo Bolsonaro e
sinaliza, a depender do nível de consciência que consigamos estar, para um projeto
de país de cunho popular, capaz de colocar como central as reformas estruturais
que precisamos.

296
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Nesse sentido, é papel da UNE e do movimento estudantil colocar a bandeira


Lula Livre como central para esse período, vinculando-a aos cortes orçamentários,
à piora das condições de vida da classe trabalhadora e à defesa da autonomia das
nossas universidades. Não podemos mais nos iludir com as táticas que põe como
central a formação de uma frente ampla com os ditos “setores democráticos” que,
inclusive, compõem a agenda de retirada de direitos da classe trabalhadora e do
nosso povo. Não nos esqueçamos que, historicamente, essas táticas equivocadas
só serviram à desarticulação da luta de massas. O núcleo duro da resistência ao go-
verno tem que ser o bloco popular e nesse bloco Lula cumpre uma função crucial
de liderança. Por isso, é urgentemente necessário que a entidade volte a assumir o
dia a dia das universidades públicas e privadas, retomando a primavera estudantil,
construindo os comitês Lula Livre, ao passo em que engajamos a classe trabalha-
dora nesse processo e acumulamos forças para a greve geral e para a derrota do
golpismo.

n 57o CONGRESSO DA UNE

297
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

AVALIAÇÃO

UNE para tempos de guerra:


balanço do 57º CONUNE20
O 57º Congresso da União Nacional dos Estudantes aconteceu num momento
muito importante e numa conjuntura consideravelmente diferente das que am-
bientaram outras edições do CONUNE: temos hoje instalado no poder um governo
ultraliberal e conservador, que com uma forte coalizão no Congresso Nacional
deu início à aprovação da reforma da previdência, o que demonstra que a classe
dominante, apesar de suas rusgas internas, tem um projeto bastante explícito e pra-
ticamente consensual. Por outro lado, escândalos envolvendo o ministro da justiça
Sérgio Moro, com provas cada vez mais gritantes que confirmam que a prisão de
Lula foi um processo político com vistas a retirá-lo da disputa presidencial e abrir
caminho para um governo que desse centralidade às pautas ultraliberais e con-
servadoras. Lula, apesar disso, segue preso, numa nítida demonstração do caráter
classista assumido pelo judiciário e pela Polícia Federal. Além disso, dias antes, o
MEC anunciou uma proposta de reforma administrativa universitária que represen-
ta um largo passo em direção à privatização das IES públicas. Diante desse cenário,
é nítido e explícito o papel reservado ao movimento estudantil enquanto trincheira
de resistência, com a necessidade de uma ação coordenada e dirigida nacional-
mente, para a qual a UNE deve (ou deveria) assumir papel principal. Infelizmente,
como muitas pessoas sentiram, o Congresso teve mais uma vez um caráter forte-
mente performático, e não debateu com centralidade esses elementos centrais da
conjuntura, não construiu um calendário de lutas efetivo ou uma linha mais com-
bativa para a entidade.
Na eleição para a presidência da entidade, pouca coisa mudou. Permaneceu
a hegemonia da UJS, com pequenas variações no interior da majoritária e um con-
siderável crescimento do campo da Oposição de Esquerda. O campo majoritário
expressa inúmeras contradições e incoerências, dentre elas merece destaque a co-
existência entre forças petistas e a juventude do PDT, fiel ao mesmo Ciro Gomes,
que no último período assumiu a postura de tentar desidratar e se afastar de Lula
e do PT. Sob o discurso de fortalecimento da Frente Brasil Popular, a UJS mantém
límpido seu controle sobre as outras forças que compõem o campo, numa tática
n 57o CONGRESSO DA UNE

divisionista que trata cada força petista como independente, neutralizando assim
uma atuação conjunta do maior partido de esquerda da América Latina. Lastimável
para o partido que tem seu principal líder preso num processo político e golpis-
20.  Texto submetido a debate na Coordenação Nacional de Juventude da tendência petista Articulação de Esquerda, enviado por Lucas
Reinehr em formato digital.

298
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

ta, um partido que aposta numa oposição global ao governo Bolsonaro, dividir-se
dentro da UNE entre um bloco que conta com partidos que não acreditam na cen-
tralidade da pauta Lula Livre, ou que fazem concessões ao “centrão” na pauta da
Reforma da Previdência.
Diante desse cenário, a Juventude da Articulação de Esquerda atuou no senti-
do de buscar construir a unidade das forças petistas, entendendo que é tarefa do
Partido dos Trabalhadores dirigir a luta da classe trabalhadora, e assim também no
movimento estudantil, dando uma nova linha política para a UNE, para que a en-
tidade esteja à altura das demandas e da conjuntura. Sem fazer concessões cegas
ao pragmatismo em torno de uma “ampla unidade”, ou alianças com setores que
até pouco tempo eram antipetistas, a JAE apresentou sua tese UNE Para Tempos de
Guerra, demarcando uma alternativa de direção e linha política para a entidade.
Bolsonaro e as classes dominantes já declararam guerra: guerra contra a classe tra-
balhadora, guerra contra a educação pública, contra a aposentadoria, contra nossos
direitos, guerra contra nossas vidas. Por isso defendemos uma UNE que esteja à
altura desses desafios, que entenda a centralidade da luta pela liberdade de Lula,
eixo central de toda a narrativa do golpe e da perseguição ao PT e às organizações
populares. Uma UNE que esteja em cada universidade deste país, que mobilize as
e os estudantes numa luta articulada nacionalmente em defesa das universidades
públicas, contra a reforma da previdência e de combate ao projeto reacionário e
ultraliberal de Bolsonaro e das classes dominantes. Os tempos são de guerra e a
esperança deve ser vermelha! Lula Livre!

Nota sobre a participação do PT na direção da UNE21


Nesta segunda-feira, 29/07, aconteceu a reunião para composição da nova di-
retoria da União Nacional dos Estudantes.
Pela primeira vez em décadas, o Partido dos Trabalhadores ficará fora da mesa
diretora da UNE, espaço que representa a linha política da entidade, com suas
principais figuras e forças políticas, composta pela presidência, vice-presidência e
secretaria geral da entidade. Ainda que possam ocorrer composições para que o
PT ocupe espaços importantes na Executiva da UNE, fato é que estará ausente da
mesa diretora.
Esta ausência, no entanto, não significa que houve uma diminuição das for-
ças petistas no movimento estudantil. Neste 57º CONUNE a delegação petista era
individualmente a segunda maior do congresso, com mais de 1.200 delegadas e
n 57o CONGRESSO DA UNE

delegados eleitos.
Esta ausência, que possui imenso significado político, é resultado de uma op-
ção errada da maioria dos setores do partido. Foi uma escolha política colocar a
21. Sítio eletrônico do jornal Página 13, publicado em 30 jul. 2019. Disponível em: https://www.pagina13.org.br/nota-sobre-a-participacao-
do-pt-na-direcao-da-une/?fbclid=IwAR2-vUr2J8vrwUnc6XrBCPbBjGX2diQO9_HFb83UZCkRLW6RZ7p9h8rwrmA. Acesso em: 30 jan. 2023.

299
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

participação do PT na direção da mais importante entidade estudantil do país de


forma submissa a alianças que, como se vê, derrotaram o Partido.
Caso tivesse apresentado chapa própria, os estudantes petistas não só teriam
sua presença real assegurada da mesa diretora da UNE, como reuniriam condições
de agregar diversos outros setores do movimento estudantil.
Esta foi a posição defendida pela chapa petista “UNE para tempos de guerra”
no 57º CONUNE. Mas a quase totalidade das tendências petistas escolheu o cami-
nho fácil das alianças submissas ao PCdoB.
Que sirva de lição: vivemos tempos de guerra e o PT não pode se furtar de
defender corajosamente suas posições. Não será com atalhos, que nos fazem cole-
cionar derrotas, que acumularemos força para vencer as mais importantes batalhas
em defesa da classe trabalhadora.
Coordenação Nacional de Juventude da Articulação de Esquerda
n 57o CONGRESSO DA UNE

300
Congresso Extraordinário da UNE
14 a 18 de julho de 2021

TESE

UNE PARA TEMPOS DE GUERRA


JUVENTUDE DA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Quem tem coragem / De virar a página / Para escrever


tudo de novo? / Quem tem coragem / De soltar a voz / Na
língua do povo?

(Pedro Munhoz, Quem tem coragem?)

A UNE Para Tempos de Guerra é construída por estudantes de diversos cantos


do país, que carregam a vontade e a coragem de fortalecer um movimento estu-
dantil capaz de transformar a educação e o Brasil. Estamos presentes em diversas
entidades estudantis, como DAs, CAs, DCEs, Executivas de Curso, e também no dia
a dia das e dos estudantes.
Defendemos uma UNE que fortaleça a luta nas ruas, conduza os estudantes
para a resistência e seja referência para a categoria estudantil do Brasil inteiro.
Queremos um movimento estudantil que caminhe ao lado da classe trabalhadora,
derrube Bolsonaro e seus aliados e retome a esperança da juventude brasileira.
A tese UNE Para Tempos de Guerra é impulsionada por militantes da Juventude
da Articulação de Esquerda, tendência petista que se coloca na luta pelo socialismo
e por outra estratégia política desde os anos 90. Acreditamos na construção de um
PT democrático, socialista e de massas e, da mesma forma, acreditamos em uma
UNE comprometida com as lutas dos estudantes e da classe trabalhadora.

Conjuntura
O rearranjo geopolítico capitalista reserva para o Brasil uma posição de su-
balternidade no cenário global. Desde o golpe de 2016, que derrubou a primeira
mulher eleita legitimamente na história do Brasil, nosso país passa por um proces-
so de fascistização e ampliação do programa neoliberal. A eleição de Jair Bolsonaro,
em 2018, foi resultado de anos de articulação das elites e da direita tradicional, que

301
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

deu um tiro no próprio pé e abriu caminho para o fascismo em nome do programa


neoliberal. Uma eleição fraudada, em que o candidato que liderava as pesquisas foi
retirado da disputa através de uma prisão política, que hoje, mais do que nunca, se
comprova como uma grande farsa.
Na economia, o Brasil passa por um processo de reprimarização, o que se tra-
duz em grandes incentivos para o agronegócio, uma política de desindustrialização,
a precarização intensa de vários postos de trabalho e uma massa cada vez maior de
desempregados. Alinhadas ao projeto econômico, estão inúmeras políticas de mili-
tarização da sociedade, censura, desrespeito à democracia, ataques aos direitos das
mulheres, genocídio da população negra e massacre do povo indígena. Tudo isso
com o aval das elites econômicas, que não apenas apoiaram Bolsonaro em 2018,
como também seguem sustentando seu governo em virtude da agenda implemen-
tada por Paulo Guedes. De 2016 até agora, tivemos a aprovação do Teto de Gastos,
da Reforma Trabalhista, da Reforma da Previdência e outras medidas.
No atual momento, uma das principais pautas que ocupa espaço na conjuntu-
ra é a Reforma Administrativa, que, caso aprovada, abrirá ainda mais caminho para
o aparelhamento do Estado brasileiro por parte de Bolsonaro e dos militares. Junto
a isso, aumenta a onda de privatizações, principalmente dos setores estratégicos,
como o da energia e das operações logísticas. O Brasil caminha a passos largos
para uma barbárie desenfreada, que reserva à juventude e à classe trabalhadora o
desemprego ou o subemprego precarizado, principalmente através dos serviços de
plataformas digitais.
Neste quadro, a pandemia do novo Coronavírus apenas ampliou as desigual-
dades e os desafios que já vivíamos no período anterior. Já acumulamos mais de 530
mil mortes que não são consequência exclusiva do vírus, mas sim de uma política
deliberada de genocídio. São pais, mães, negros e negras, indígenas, camponeses
e tantos outros trabalhadores e trabalhadoras que tiveram suas vidas ceifadas pela
negligência, pelo negacionismo e por um projeto de morte. A CPI da Pandemia, em-
bora tenha escancarado cada vez mais os crimes de Bolsonaro e sua milícia, ainda
possui limitações imensas, uma vez que o Congresso é composto majoritariamente
pela mesma direita neoliberal que elegeu e ainda sustenta Bolsonaro, tendo como
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

um dos principais exemplos o presidente da Câmara, Arthur Lira, que empilha mais
de 100 pedidos de impeachment.
Embora a UNE e outras entidades de representação de classe tenham construí-
do importantes lutas em 2019, a chegada da pandemia no início de 2020 prejudicou
imensamente nossas principais formas de organização e atuação. Sobre essa ques-
tão, é importante ressaltar que, além dos problemas ocasionados em função da
necessidade de distanciamento social, o ano de 2020 também foi marcado por li-
mitações na direção política da União Nacional dos Estudantes e outras entidades

302
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

dirigidas pela esquerda. A UNE, principalmente, passou a ter um papel extrema-


mente institucional, resumindo suas ações a disputas simbólicas e pouquíssima
capacidade de fortalecer seu lastro no movimento estudantil durante a pandemia,
tampouco de reinventar e dinamizar o modus operandi da política estudantil rea-
lizada até então.
A recuperação dos direitos políticos de Lula e a suspeição do juiz Sérgio Moro
também são pontos importantes da conjuntura, mas que não podem ofuscar ou
postergar as nossas lutas na rua. As instituições brasileiras, cada vez mais, têm de-
monstrado suas limitações, o que apenas reforça a necessidade de a esquerda, os
movimentos sociais e as entidades nacionais construírem jornadas de luta nas ruas,
como tem sido feito desde o dia 29 de maio e também foi feito pelo movimento ne-
gro e pelas torcidas organizadas em 2020. A retomada das ruas, embora tardia, têm
surtido um importante efeito. Cada vez mais setores se somam à luta social e poten-
cializam o descontentamento da população em relação ao governo Bolsonaro, que
só será derrotado globalmente pela força das ruas. A guerra contra a necropolítica
neoliberal de Bolsonaro precisa ser fortalecida a cada dia, antes que mais vidas se-
jam sacrificadas.
Não queremos um bolsonarismo sem Bolsonaro, tampouco queremos o neo-
liberalismo gourmet de sapatênis. O Brasil precisa, neste momento da história, de
um programa e de uma força social capazes de modificar estruturas arcaicas, auto-
ritárias, militarizadas e concentradas nas mãos da classe dominante. A construção
deste projeto passa por 2022 mas não se resume às eleições, uma vez que a insta-
bilidade e os ataques à democracia crescem, podendo inclusive colocar em cheque
o pleito eleitoral do ano que vem. É papel da UNE, em conjunto com os demais
movimentos sociais brasileiros, derrotar Bolsonaro e seus comparsas, disputar a
consciência da população, fortalecer a luta social e garantir a construção de uma
maioria em defesa de um programa democrático e popular para o Brasil, que tenha
Lula como candidato nas eleições de 2022, a partir de um programa que dê conta
dos anseios da classe trabalhadora brasileira neste momento da história.
O movimento estudantil que queremos
Vivemos tempos de guerra. Guerra dos ricos contra os pobres, do agronegó-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

cio contra o campesinato, do machismo contra as mulheres, do fascismo contra a


democracia. Assim como em outras épocas da história do nosso país, o movimento
estudantil precisa ser um polo de lutas para resgatar a esperança do povo brasi-
leiro e apontar caminhos para a construção de um país soberano, democrático e
popular.
A pandemia do novo Coronavírus ampliou as desigualdades e escancarou as
nossas limitações durante o período de isolamento. Em função da falta de acesso
às tecnologias da informação e comunicação, muitos estudantes estiveram alheios

303
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

às discussões do movimento estudantil, assim como também estiveram impossibili-


tados de acompanhar as aulas remotas e dar continuidade aos seus cursos. É nesse
quadro que a UNE precisa repensar suas formas de organização e atuação. Precisa-
mos de um movimento estudantil que reflita sobre o presente e o futuro com vistas
a ampliar sua inserção no dia a dia dos estudantes e fortalecer a legitimidade de
nossas entidades diante da sociedade.
Nós defendemos um movimento estudantil que seja fortemente participativo,
integre os estudantes da base às discussões nacionais e articule a rede do movi-
mento estudantil de forma conjunta. É possível manter e dialogar sobre nossas
divergências internas, contanto que haja unidade e coesão no encaminhamento
das lutas. Para isto, é papel da UNE fortalecer espaços como conselhos, fóruns, se-
minários e outras esferas que reúnam entidades de base e gerais para debater os
assuntos que nos dizem respeito, como assistência estudantil, ensino, pesquisa e
extensão, cultura, combate às opressões e outras pautas.
É preciso também debater com seriedade a importância de uma reforma polí-
tica e organizativa na entidade, que tenha como principais bandeiras:
a) uma estrutura colegiada, ou seja, uma organização por coordenações que
fomente um maior diálogo entre as forças políticas e descentralize as decisões;
b) a criação de amplos espaços de participação estudantil, como Núcleos
de Trabalho Permanente (NTPs), Grupos de Trabalho (GTs) e outras ferramentas
coletivas que permitam que os DCEs, DAs, CAs, Executivas de Curso e coletivos uni-
versitários se reúnam e construam cotidianamente as atividades em conjunto com
as diretorias da UNE;
c) a construção de um fórum virtual permanente da UNE, que possa funcionar
como um espaço de debates e discussões sobre temas relacionados à educação, à
conjuntura, movimento estudantil e as questões que dizem respeito à UNE.
No que se refere à linha política, também acreditamos que a União Nacional
dos Estudantes precisa dar mais radicalidade e consequência às suas ações neste
período. Não podemos ter, em pleno governo Bolsonaro, uma entidade que seja
resumida à figura de seu presidente e cujas ações se concentrem no campo simbó-
lico-institucional. A decisão de retomar a luta nas ruas, portanto, foi acertada, mas
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

é necessário que esse retorno inclua também outras ações.


Durante o ano de 2020, a atuação da UNE em relação às intervenções nas uni-
versidades esteve muito aquém. Foi graças à oposição e à unidade da Juventude do
PT que pudemos construir, no mês de dezembro, uma importante mobilização em
Brasília contra os interventores e pela posse dos reitores/as eleitos/as, que contou
com a participação de parlamentares, lideranças do campo da educação e com os
reitores e reitoras eleitos pelas comunidades acadêmicas.

304
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Dar centralidade a esta pauta é fundamental neste momento da conjuntura,


pois já temos mais de 20 instituições sob intervenção e esse número tende a cres-
cer caso o respeito à democracia não seja imposto pela nossa luta. Os interventores
representam, na prática, capangas de Bolsonaro nas universidades e Institutos
Federais, e têm como principal tarefa referendar e acelerar o projeto de reforma
empresarial da educação. Precisamos lembrar das lutas ocorridas em 2019 contra
o Future-se, programa proposto pelo governo federal que está “de molho”, mas
voltará à tona caso a conjuntura apresente melhor correlação de forças para os
defensores do projeto. Construir uma luta nacional contra as intervenções e pela
posse imediata dos reitores/as eleitos é uma tarefa primordial do próximo período.
Neste processo congressual extraordinário, a principal tarefa da UNE e sua di-
retoria é refletir sobre suas tarefas no segundo semestre de 2021 e durante o ano de
2022. Em 2020 fomos surpreendidos pela pandemia, o que alterou e impediu a re-
alização de boa parte do planejamento da entidade para essa gestão que se encerra.
Entretanto, o Congresso Extraordinário impõe o desafio de construir uma agenda
de lutas em um momento em que o Brasil acumula centenas de milhares de mortes
e uma política ultraliberal cada vez mais forte.
É papel da UNE retomar as discussões que foram postergadas em função da
pandemia, como a realização do IV Seminário de Assistência Estudantil da UNE,
que deve ser articulado em conjunto com o Fórum Nacional de Pró-reitores de As-
suntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace) e a rede do movimento estudantil.
Debater a assistência estudantil é fundamental para combater a evasão e garantir
que os filhos e filhas da classe trabalhadora permaneçam e se formem. Para isso, é
fundamental que a União Nacional dos Estudantes retome diálogo e construa uma
luta conjunta com a Secretaria Nacional de Casas do Estudante (Sence), entidade
que representa uma parcela importante de estudantes cotistas que utilizam políti-
cas de permanência.
Outro ponto fundamental é a reaproximação da UNE das Executivas de Curso,
das entidades gerais e entidades de base. É preciso utilizar a virtualidade a nosso
favor, não apenas para a construção de ações simbólicas, mas especialmente para
a articulação política. Nesse sentido, é fundamental que a UNE organize fóruns re-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

gionais com as Uniões Estaduais de Estudantes, DCEs, DAs e CAs, a fim de alinhar e
articular uma agenda de lutas que coloque os estudantes na rua em defesa da edu-
cação, da democracia e de outro projeto de país.
É preciso sair deste Congresso Extraordinário com as tarefas da UNE, da UBES
e da ANPG em vista: uma agenda permanente de lutas e a articulação com diferen-
tes setores da sociedade. Devemos fortalecer nosso lastro na sociedade, disputar a
consciência dos estudantes brasileiros e impulsionar com firmeza as nossas bandei-
ras. É papel da UNE defender a educação, mas sobretudo é papel da UNE defender

305
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

um projeto de país voltado para a classe trabalhadora e construído pela classe tra-
balhadora, enxergando as escolas e universidades como ferramentas que fazem
parte dessa disputa e são fundamentais para a construção de soberania.
O projeto de educação no Brasil de Bolsonaro
A história da educação brasileira é repleta de disputas em torno do seu papel
e função social. Nosso país foi o último da América Latina a criar universidades, o
que ocorreu apenas no século XIX. Essa implementação tardia do ensino superior e
democratização ainda mais tardia da educação básica moldam parte dos problemas
sociais que possuímos hoje.
Em 2016, o movimento estudantil, em conjunto com os demais setores da
educação, já alertava que o golpe tinha como um dos principais objetivos sucatear
e privatizar nossas universidades e Institutos Federais. Cerca de 5 anos depois, essa
realidade torna-se cada vez mais nítida de norte a sul do Brasil. A implementação
da EC 95, em 2016, foi o pontapé inicial da redução gradativa do orçamento das
universidades, que desde então têm sofrido para pagar suas contas e garantir seu
pleno funcionamento. Os cortes nos programas de pesquisa e extensão, o fim de
políticas importantes como o Ciências Sem Fronteiras e mais uma série de medidas
marcam esta “nova era” da educação brasileira, que, na verdade, é um retrocesso
sem precedentes.
Assim como durante a ditadura militar, quando o Ministério da Educação fir-
mou convênios e parcerias com o governo norte-americano em virtude da iniciativa
privada e pela implementação de um ensino tecnicista, mais uma vez as nossas uni-
versidades e Institutos Federais tornam-se laboratório do neoliberalismo. Durante
os governos de Lula e Dilma, obtivemos importantes avanços e conquistas, como
o Reuni, ProUni, FIES, as ações afirmativas, o PNAES e mais uma série de políticas
que democratizaram e interiorizaram o ensino superior. Pela primeira vez, os filhos
e filhas da classe trabalhadora puderam entrar, permanecer e contribuir na trans-
formação da universidade.
Entretanto, no momento em que as universidades pareciam estar em ascensão,
a ofensiva reacionária e ultraliberal demonstrou o projeto que quer para a educa-
ção brasileira: um projeto de subordinação. Diferente do que pudemos construir,
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

a duras penas, durante os governos petistas, o objetivo das elites e da direita para
nossas Instituições de Ensino é a precarização, a evasão em massa dos estudantes
vulneráveis, os boicotes ao Enem, a elitização do ensino superior e a entrada desen-
freada do capital privado nas instituições de ensino.
Um dos exemplos dessa ofensiva foi o programa Future-se, proposto pelo go-
verno federal em 2019 e combatido veementemente nas Instituições Federais de
Ensino, com importante protagonismo do movimento estudantil, mas também com
a importante participação das demais categorias e, inclusive, com posicionamento

306
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

de muitas instituições. Apesar de ter sido deixado de lado, o Future-se deve conti-
nuar sendo uma importante preocupação nossa, pois tende a ganhar força com as
universidades sob comando de interventores bolsonaristas.
Nos Institutos Federais, que também são importantes ferramentas de interio-
rização e democratização do ensino superior e técnico, o cenário não é diferente:
cortes de bolsas e a redução do orçamento da Lei Orçamentária Anual também tor-
nam difíceis o funcionamento pleno e a garantia de um ensino de qualidade para os
estudantes. Nas universidades estaduais, cuja realidade depende dos governos dos
estados, a realidade também se torna difícil em função de governos conservadores
e alinhados à política bolsonarista para a educação.
Colocar a iniciativa privada dentro das universidades tem objetivos muito
nítidos: apropriar-se do conhecimento produzido a partir dos bens públicos em
benefício do lucro das corporações, interferir na questão didático-pedagógica e
implementar uma formação tecnicista alinhada ao projeto de reprimarização da
economia brasileira. Como diz o ditado: quem paga a banda, escolhe a música. Por
isso, projetos como o Future-se precisam ser fortemente combatidos, independen-
te do nome que tenham ou sua forma de implementação. Bem como o combate
ao Future-se, é necessário que o movimento estudantil construa importantes lutas
contra as intervenções, que também têm contribuído para o projeto de sucatea-
mento e precarização das nossas instituições de ensino.
Um dos mecanismos utilizados pelo bolsonarismo – e que nunca deixou de
ser uma tática da direita “tradicional” – é a tentativa de criminalizar as universi-
dades através de mentiras, difamações e fake news. O bolsonarismo se utiliza do
discurso “anti-ideológico” para dar lastro a uma ideologia conservadora, reacioná-
ria e anti-educação. Assim, tenta criar terreno para deslegitimar as universidades
diante da sociedade e implementar o pacote de sucateamento e privatização.
As disputas em torno da educação brasileira definirão importantes questões
do futuro do nosso país. Foi possível ver, a partir dos governos Lula e Dilma, que
as universidades públicas e Institutos Federais são fundamentais não apenas para a
formação de jovens e adultos da classe trabalhadora, mas também para a produção
de ciência, o desenvolvimento de extensão e a construção de soberania para o nos-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

so país. Exemplo disso foi a importância das universidades no combate à pandemia


e na produção de vacinas. Fortalecer um projeto de universidade pública, demo-
crática, popular, laica e socialmente referenciada faz parte de um projeto maior,
que precisa estar alinhado a reformas estruturais que alterem o papel do Brasil no
cenário global.
É preciso sair da defensiva e retomar com força e coragem o nosso projeto de
educação, com investimento público e função social. Passados mais de 100 anos
desde o Manifesto de Córdoba, importante movimento ocorrido na Argentina que

307
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

impulsionou o debate sobre projeto de universidade na América Latina, devemos


retomar certos ideais e colocar o debate sobre educação para fora da universidade.
Assim como a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma tributária e tantas outras
rupturas que o nosso país precisa, a reforma universitária - de caráter democrático
e popular - é o que necessitamos para consolidar de vez nosso projeto de educação
para o Brasil. Para isto, não há outra alternativa senão a luta social para derrotar
Bolsonaro, sua gangue e seu projeto ultraneoliberal, nefasto, tecnicista e conser-
vador de educação.
Contra as intervenções e pela autonomia universitária
Auxílio inclusão digital baixo e com valor abaixo do valor de mercado. Ausência
de auxílio digital para os estudantes do Ensino à Distância (EAD). Bolsas de pesqui-
sa sem reajuste. Bolsas de extensão sem reajuste. Bolsas e auxílios da assistência
estudantil sem reajuste e sendo cortadas. Bolsas e auxílios da assistência estudan-
til que não abarcam todos os estudantes da classe trabalhadora. Monitorias sem
reajustes. Residências universitárias com problemas de estrutura e manutenção.
Alimentação de má qualidade no Restaurante Universitário. Ausência de espaços
para descanso dos estudantes. Altos índices de evasão. Alto índice de estudantes
irregulares. Assédio moral e autoritarismo por parte de servidores.
Esses são alguns dos problemas diários que enfrentamos em nossas universi-
dades e institutos federais. São problemas diários e históricos, é importante frisar.
Não são problemas que começaram com as intervenções de Bolsonaro nas institui-
ções, tampouco serão problemas que terminarão com o fim destas, porém sendo
claramente potencializadas neste momento.
Bolsonaro não está intervindo apenas para desrespeitar a decisão da comu-
nidade acadêmica de escolher os seus gestores máximos. Bolsonaro interveio em
25 instituições federais de ensino para implementar um projeto político de des-
monte da educação pública, gratuita e de qualidade, no qual o controle dessas
instituições tem um papel fundamental. Não à toa, as intervenções têm algumas
características fundamentais: a) foram e são articuladas, na maioria dos casos, en-
tre uma aliança das oligarquias locais com os militares – em especial das bancadas
federais – e o governo; b) utilizam-se do autoritarismo, da perseguição política
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

aos estudantes, docentes, técnicos administrativos e trabalhadores terceirizados


para implementar o projeto político que estão à serviço; c) e uma política de sub-
serviência irrestrita aos cortes orçamentários promovidos pelo atual governo, que
objetivam acabar com as nossas bolsas, monitorias e com o programa interno de
assistência estudantil.
A luta pela posse dos Reitores Eleitos é um contraponto direto ao projeto em
curso. Entretanto, não é a resposta suficiente para nós, estudantes. Empossar os
nossos reitores não resolverá os nossos problemas. De todo modo, neste momento

308
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

em que a pauta pela garantia da autonomia universitária ganha relevância no de-


bate político, é preciso, mais do que nunca, radicalizar esse conceito para além da
sua ideia liberal. A autonomia universitária, conferida através dos artigos 206 e 207
da Constituição Federal, não pode ser encarada apenas como a ideia de empos-
sar aqueles que a comunidade acadêmica escolheu como seu gestor máximo, em
respeito ao voto dela. Isso também é fundamental, haja vista que as intervenções
fazem parte de um projeto de destruição, mas discutir autonomia universitária,
na atual conjuntura política, só poderá se lograr efetivo para os estudantes se arti-
cularmos esse debate com os problemas que nos assolam diariamente em nossas
instituições porque, no final das contas, o que mais importa é garantirmos que nos
formemos com qualidade, dignidade e respeito.
Discutir autonomia é discutir os problemas anteriormente expostos. Jamais
poderão, a entidade estudantil e os estudantes, se furtar de radicalizar esse debate.
É preciso imprimir um programa máximo de universidade, qual seja, um progra-
ma que esteja a serviço do povo, que pense em uma universidade irrestrita para os
trabalhadores/as e não para os grandes conglomerados. É preciso dizer que não
queremos apenas a posse dos nossos Reitores. Queremos ir além: queremos que
os conselhos superiores da universidade sejam compostos majoritariamente por
estudantes, afinal não somos nós a ampla maioria da universidade? Não são estes
conselhos os responsáveis por definir boa parte dos rumos das nossas instituições,
dos rumos das nossas vidas nelas? Por que, se somos a maioria, o peso do nosso
voto nas eleições para Reitor, Diretores de Centro, Chefias de Departamento e co-
ordenação de curso é igual ou até mesmo inferior ao voto do docente ou do técnico
administrativo? Será que se o nosso poder de decisão, nos espaços formais da uni-
versidade, fosse maior estaríamos diante de tantos problemas?
É preciso, nesse momento, retomar a pauta pelo voto universal! É preciso pau-
tar, nesses tempos de atividades remotas e híbridas, que os abusos dos docentes
para com os estudantes não continuem se aprofundando. É preciso pressionar para
que as nossas denúncias feitas na ouvidoria ganhem alguma consequência prática
e real. É preciso debater a situação precária das residências universitárias, que se
encontram fechadas e acumulando problemas de infraestrutura. É preciso colocar
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

na ordem do dia a luta por auxílio digital para os estudantes do Ensino à Distância,
que se encontram desassistidos neste momento. É preciso nos antecipar sobre a re-
tomada do ensino presencial, construindo uma pauta intensa para garantirmos um
retorno seguro para todos nós. É preciso fazer tudo isso ao passo em que lutamos
pela posse dos Eleitos porque, assim, dialogando com os nossos problemas reais,
acumulamos força na luta e, certamente, essas discussões servirão para elevar o ní-
vel de consciência e o patamar de luta dos estudantes para derrotarmos os cortes na
educação e no Plano Nacional de Assistência Estudantil, e para mudar as estruturas

309
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

dentro das nossas universidades, que esmagam a participação política dos estudan-
tes e da comunidade externa. Serão acúmulos, inclusive, que contribuirão para a
condução de uma luta clara e coesa, que terá uma pauta sólida de reivindicações,
para reivindicar dos Reitores Eleitos.
Educação e pandemia: desafios e tarefas da UNE
As universidades brasileiras estão sob ataque do governo Bolsonaro desde an-
tes de ele ser eleito. O desmonte, que se iniciou com o golpe contra a presidenta
eleita Dilma Rousseff e a aprovação da EC 95, mais conhecida como “PEC da Mor-
te”, atinge piores níveis a cada dia. Em 2019 passamos por um período de muitos
ataques à educação, o que foi muito intensificado em 2020 pela pandemia e, prin-
cipalmente, pelo descaso do governo federal.
Com a chegada da pandemia, as Universidades se viram obrigadas a encontrar
uma forma de manter o vínculo dos estudantes e dar continuidade à sua forma-
ção. A solução encontrada, que foi o ensino remoto, tem muitas peculiaridades. O
formato de educação implantado, que não é o EAD mas sim uma tentativa de trans-
formar o ensino que era presencial em ensino online seguindo os mesmos moldes,
foi decidido às pressas e sem planejamento, sendo que este é fundamental para que
o ensino a distância funcione de maneira efetiva.
Precisamos também falar da tecnologia: ela é benéfica e nos auxilia em muitos
aspectos da vida, mas carrega consigo muitos desafios. O primeiro e principal deles
é o fato de a tecnologia não ser acessível a todos: uma a cada quatro pessoas no
Brasil não tem acesso à internet. Portanto, implementar um sistema de ensino re-
moto sem discutir com alunos e professores estratégias educacionais e de inclusão
digital é impor a exclusão de uma parcela grande dos estudantes, principalmente
os filhos da classe trabalhadora que dependem destas políticas para se manter e
veem no Ensino Superior uma forma de garantir a melhoria de sua vida e também
de sua família.
A pandemia se tornou um prato cheio para o governo Bolsonaro precarizar
ainda mais a educação. Com a aprovação do PLOA de 2021 e o corte de mais de
18% na assistência estudantil, que já não era suficiente para manter os estudantes
com dificuldades socioeconômicas no ensino superior ficou ainda mais deficiente.
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

Milhares de alunos se viram obrigados a deixar a Universidade, seja para trabalhar e


ajudar sua família, por problemas psicológicos e outras questões.
É nesse cenário que a União Nacional dos Estudantes precisa estar atenta ao
semestre que se avizinha. A conectividade dos estudantes e a inclusão digital são de-
mandas que se ampliaram durante a pandemia, mas continuarão sendo ferramentas
necessárias depois dela. Outro ponto que merece atenção por parte do movimento
estudantil e suas entidades é o retorno às aulas presenciais, que só pode ocorrer
com a vacinação de professores, técnicos e estudantes.

310
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Além disso, é importante observar que o retorno presencial não se restringe às


atividades em sala de aula, mas aos laboratórios, atividades externas e, para garantir
a permanência, o retorno dos restaurantes universitários. Por isso, é fundamental
que a UNE fortaleça o diálogo com o Fonaprace e outros fóruns e colégios da An-
difes, a fim de colaborar na construção de um plano seguro de retorno presencial,
apenas quando houver condições para isto.
Por uma universidade antirracista
Sob todos os aspectos, a pandemia de COVID-19 se articulou com outros vírus
existentes na sociedade brasileira. O caos provocado pelo Coronavírus foi ainda
mais acentuado pelo vírus da desigualdade, do racismo e da exclusão estrutural
e estruturante que caracterizam a nossa História. A aliança entre todos esses ma-
les se reflete ativamente nas condições em que se encontram os negros e negras
nessa conjuntura. Estando quantitativamente como uma das maiores vítimas dessa
tragédia que assola todo o país, o difícil quadro ainda é constituído pelo aumento
da vulnerabilidade social, em decorrência do insuficiente amparo proporcionado
pelo Estado. Soma-se também a permanente insegurança, revigorada no contexto
da pandemia a partir das ações policiais que vitimaram jovens como João Pedro.
A luta pelas diferentes sobrevivências encontra também um outro campo de
batalha chamado universidades. Nelas, o ensino híbrido impôs um desafio gigan-
tesco para a comunidade acadêmica, tendo em vista as desigualdades de acesso à
internet e aparelhos virtuais. Essa necessidade relacionada a um ensino remoto
escancarou uma realidade já muito conhecida de milhares de estudantes: a falta
de acesso aos meios tecnológicos. Se muito se investiu em Ciência e Tecnologia
(CT) nas Universidades nas últimas décadas, pouco disso se voltou para atender ao
combate à desigualdade digital. Ainda, na concepção do MEC a educação foi trata-
da de maneira completamente dissociada dos gravíssimos problemas vividos pela
sociedade brasileira a partir de março de 2020, estudantes em todo o Brasil tiveram
que se reinventar para manterem suas atividades ao longo dos meses que se segui-
ram, quase sempre sem o apoio devido do Estado. Porém, tal situação representa
mais um grande descompasso no horizonte de inclusão nas instituições de ensino
superior. A manutenção dos estudantes, especialmente aqueles com maior vulne-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

rabilidade social, foi ainda mais prejudicada nesse contexto, apontando um grande
desafio para toda a educação superior no futuro: sua reorganização a partir de pon-
tos de partida ainda mais desiguais.
Nesse Congresso Extraordinário, cabe à UNE refletir e deliberar sobre as al-
ternativas necessárias para enfrentarmos os vírus estruturais e conjunturais que
afetam diretamente a vida dos estudantes negros e negras. Não podemos nos es-
quecer que os meios digitais se tornaram palco em potencial de disseminação do
discurso de ódio, mas isso já se fazia presente muito antes. Tal exemplo reflete

311
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

numa necessidade urgente, que é de construir a implementação de uma agenda


antirracista no ensino superior que chegue na raiz do problema. Nesse momento
de acirramento das lutas contra aquele que é um dos autores e atores dessa tragé-
dia coletiva, Bolsonaro, precisamos nos lembrar que o desafio de reconstrução do
Brasil, inclusive do ponto de vista educacional, não se trata apenas de um esforço
(talvez infrutífero) de retornar àquilo que chamamos um dia de normal. O atual
contexto de crise é mais um ingrediente perverso na trajetória daqueles aos quais
exclusão e desigualdade sempre foram uma regra. Assim, repensar os rumos da
educação no país é considerar a existência de um desafio coletivo de uma univer-
sidade democrática, inclusiva e desigual, mas também da necessidade de enfrentar
os caminhos cotidianos do combate ao racismo que fundamenta grande parte das
instituições brasileiras.

Mulheres em movimento: por uma educação e uma universidade


feministas
Vivemos no Brasil um cenário caótico, no qual a desigualdade e a violência de
gênero aumentam a cada dia. No que diz respeito aos direitos das mulheres, o atual
governo promoveu, também, o desmonte de políticas e aparelhos públicos de com-
bate à violência de gênero justamente no momento em que nos encontramos com
o aumento dos casos de violência doméstica e feminicídios no Brasil em decorrên-
cia das medidas de isolamento social. Com a pandemia, todas as mazelas da rede de
opressões que se sobrepõem na vida das mulheres foram intensificadas: aumentou
em 8,6 milhões as mulheres fora da força de trabalho, a ocupação feminina dimi-
nuiu 5,7 milhões e mais 504 mil mulheres passaram a ser desempregadas, a taxa de
desocupação cresceu de 13,9% para 16,8%, sendo que a das mulheres negras atin-
giu a alarmante taxa de 19,8%. Cerca de 1,6 milhões de trabalhadoras domésticas
perderam seu trabalho, sendo que destas somente cerca de 400.000 tinham carteira
assinada, mostrando este trabalho, ocupado na sua maioria por mulheres negras,
como um espaço de expressão de profundas desigualdades socio-raciais. Mais de
2,7 milhões de trabalhadoras informais perderam seu trabalho e renda ou tiveram
esta drasticamente reduzida. E, mesmo para as mulheres que permaneceram com
trabalho, a vida ficou muito mais difícil com os cuidados com os filhos fora da esco-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

la, com os idosos da família, com a intensificação do trabalho doméstico, levando a


um grande aumento de problemas de saúde física e mental.
As mulheres, que dentro do sistema capitalista sempre foram a linha de frente
do cuidado, sofrem ainda mais nesse momento de pandemia. Sem creches e escolas
para deixar seus filhos, com o auxílio emergencial insuficiente ou inexistente, sem
perspectiva de vacina, as mulheres têm que se dedicar ainda mais para sustentar e
cuidar de suas famílias, das crianças, idosos e doentes. No cenário universitário, no

312
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

qual a assistência estudantil não garante a dignidade dessas mulheres, a situação é


também muito grave.
A educação foi uma das áreas mais atingidas com o atual cenário mundial. Tan-
to com o acesso limitado da tecnologia, já que temos uma realidade de quase 30%
da população sem acesso à internet, computador ou celular, quanto com o apoio
insuficiente de muitas universidades e muitas vezes a dificuldade de um espaço ade-
quado para o estudo e pesquisa. Se o cenário de pesquisa e trabalho já era desigual
antes, após as medidas de isolamento, em diversas partes do mundo, pesquisas têm
noticiado uma queda considerável na quantidade de submissões de artigos produ-
zidos por mulheres, enquanto as publicações dos homens aumentaram em quase
50%. Isso demonstra claramente a sociedade colonial-racista-patriarcal em que nos
encontramos e como a pandemia tem afetado mais as mulheres que os homens.
A violência patriarcal é uma pauta urgente a qual, também, precisamos estar
atentos. A universidade precisa intervir nos casos de assédio, importunação sexu-
al ou estupro sofridos pelas mulheres no ambiente universitário, que também são
cometidos por docentes, que utilizam de sua posição de poder para exigir favores
sexuais das alunas. A violência sexual fere a dignidade das mulheres e as priva de
transitar nos espaços físicos da universidade. Um levantamento realizado em 2019,
pelo The Intercept Brasil, mostrou que mais de 550 mulheres foram vítimas de
violência sexual em Universidades desde 2008, quase 80% dos crimes acontece-
ram nos campi e arredores. Em 60% dos casos os agressores eram alunos; em 45%,
docentes. 550 mulheres é apenas uma parcela do verdadeiro número, se não igno-
rarmos as denúncias que não foram concretizadas, seja por medo ou por descrença
no sistema. Os abusadores usam do privilégio da impunidade para interferir no
direito de ir e vir da mulher que deseja vivenciar a experiência universitária com
segurança.
Estamos vivenciamos um período em que há uma enorme desvalorização do
nosso trabalho enquanto pesquisadoras nas universidades, diante dos cortes orça-
mentários direcionados à investimentos de bolsas CNPQ, diminuindo a quantidade
de bolsas e consequentemente a remuneração das nossas pesquisas. Como também
saímos prejudicadas enquanto mães estudantes, uma vez que tivemos inúmeros
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

cortes no orçamento direcionado à assistência estudantil, um desmonte na política


pública de permanência a mães estudantes e trabalhadoras, temos como consequ-
ência a desistência cada vez maior das mães estudantes do ensino superior.
A criação de creches nas universidades também é importante para a perma-
nência e assiduidade das estudantes que são mães. Sem rede de apoio, somente
há duas saídas: abandonar a universidade ou levar a criança para a sala de aula. A
última opção nem sempre é bem-vista por alguns professores, e até mesmo alunos,
que se sentem incomodados com a presença de uma criança na sala. Maternida-

313
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

de e Universidade são duas variantes que precisam ser conciliadas, a instituição


universitária precisa acolher as mães estudantes para que elas também consigam
sair do ciclo da subalternidade feminina e atinjam sua ascensão profissional. Pre-
cisamos garantir ainda mais inserção e participação das mulheres no movimento
estudantil, avançando a democratização dos espaços. Uma forma disso acontecer é
construir espaços de auto-organização das mulheres, tanto para empoderar quanto
para formação e articulação das nossas lutas. Os desafios até à beca são inúmeros e
precisamos discuti-los para tornar o meio acadêmico o mais democrático e possível
para todas as mulheres, pois é de grande interesse do patriarcado manter a mulher
longe dos espaços de decisão e manter a relação de dominação em que a mulher é
o sexo frágil sem poder e controle da própria vida.
Entendemos que é papel das estudantes continuar nas ruas liderando esses
processos e radicalizando os setores moderados. É imprescindível a organização
das mulheres jovens contra o capitalismo, o patriarcado, o racismo, a LGBTQ+fo-
bia, a fome e a precarização da vida humana.

Universidade Fora do Armário: combater a LGBTI+fobia dentro e


fora das instituições de ensino
Neste ano, foi muito difícil celebrar o mês de junho, mês do Orgulho LGBTI+.
Quase que diariamente tivemos que engolir dolorosamente a notícia da morte de
mais um/a dos/as nossos/as. O aumento dessa persistente violência, sem sombras
de dúvida, se deve ao avanço do ultraconservadorismo e do crescimento expo-
nencial de ações e discursos de ódio e intolerância, promovidos e ampliados pelo
atual (des)governo bolsonarista, contra vários grupos que fogem do eixo cis-hete-
ronormativo branco imposto pelo grande capital como via de regra. É evidente que
Bolsonaro não perdeu tempo em cumprir suas promessas de campanha e nos ataca
constantemente. O Brasil continua sendo o país que mais mata travestis e transexu-
ais no mundo, posição que ocupa desde 2008, além disso, o ano de 2020 revelou
aumento de 201% no número de assassinatos de vidas trans em relação a 2008, ano
que apresentou o número mais baixo de casos relatados, de acordo com informa-
ções da ANTRA de 2021.
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

Nas universidades, o avanço da ideologia liberal da extrema direita ultracon-


servadora também tem se expressado em diversas formas de práticas institucionais
e, muitas vezes, advindas da própria comunidade acadêmica, que estruturalmente
refletem-se em práticas LGBTI+fóbicas.
A permanência no ensino superior continua sendo uma grande problemática
imposta aos jovens LGBTI+ dentro das universidades devido a realidade histórica
de desigualdade socioeconômica destes grupos que vivem à margem do sistema
burguês de produção. Somando-se a isso, as intervenções nos processos de esco-

314
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

lha dos reitores, contribuem para o fortalecimento de uma política antidemocrática


que vai diretamente em confronto a legitimação dos processos de consulta pública
à comunidade acadêmica, onde até então era o instrumento democrático de esco-
lha do reitor, interferindo assim na construção de um processo democrático que
expressa a multiplicidade de toda a comunidade universitária.
É fundamental que o movimento estudantil compreenda toda a luta histórica
da classe trabalhadora LGBTI+, principalmente jovem, pelo direito e defesa de ser,
existir e viver com dignidade, fazendo assim as análises, ações e intervenções en-
globando toda a multiplicidade que se constitui a classe trabalhadora. Entendendo
os efeitos dos rebatimentos das práticas LGBTI+fóbicas nas vidas da população
LGBTI+ e em toda a sua organização político-social; além de sempre alinhar às
demandas do movimento reconhecendo sua importância para o fortalecimento das
lutas políticas e da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Entrar, permanecer e transformar a universidade: permanência


estudantil em tempos de pandemia
No ano em que o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) comple-
tou 11 anos, foi também o momento em que esta importante política sofreu uma
dos maiores ataques desde seu nascimento. Somente este ano o PNAES sofreu
uma redução de 18% em seu orçamento, o que impactou diretamente os recursos
que seriam destinados à permanência dos estudantes. A demanda por políticas de
assistência estudantil aumentou muito durante a pandemia em função das aulas re-
motas e da vulnerabilidade à qual foram expostos muitos estudantes durante este
período. A resposta que deveríamos receber a esta nova realidade seriam mais in-
vestimentos e a ampliação das verbas do PNAES. Não foi esse o cenário: o governo
Bolsonaro fez questão de acelerar e ampliar o projeto de evasão da classe trabalha-
dora da universidade.
A criação do PNAES, mais de uma década atrás, representou uma conquista
muito importante para o movimento estudantil e para a classe trabalhadora. Através
do PNAES, foi possível superar a concepção defasada e filantrópica de assistência
estudantil, como se essa fosse um favor prestado a alguns estudantes. Também foi
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

possível combater uma realidade herdada da ditadura, quando as universidades


ofereciam auxílios para estudantes contanto que houvesse uma “contrapartida tra-
balho”. Ou seja: estudantes ocupavam, de forma precarizada e com um pagamento
baixo, postos de trabalho que deveriam ser destinados a técnicos-administrativos.
Todo esse percurso da assistência estudantil foi pautado principalmente pelas
lutas do movimento estudantil brasileiro, que em muitos momentos enfatizou a ne-
cessidade dessa política. Sobre esse tema, vale ressaltar que a criação da diretoria de
assistência estudantil da União Nacional dos Estudantes foi uma marca deixada pe-

315
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

las gestões petistas da entidade do final dos anos 80. Desde então, foram inúmeras
lutas travadas, tanto a nível nacional, quanto a nível local nas próprias universida-
des, por mais assistência e por outra compreensão sobre a permanência estudantil.
É por isso que o PNAES foi tão importante e continua sendo: porque estabe-
lece que não basta entrar, é preciso permanecer. E mais do que isso: compreende
que permanência não se resume a alimentação e moradia, embora esses dois itens
sejam fundamentais e básicos para garantir que os estudantes se formem. Mas para
além desses eixos, é preciso que as políticas de permanência garantam ao estudan-
te uma plena experiência do ambiente universitário, o que inclui também apoio
pedagógico, atenção psicossocial, lazer, esporte, saúde, inclusão digital, creche e
muito mais.
Desde o III Seminário de Assistência Estudantil da UNE, que ocorreu em 2014
em Ouro Preto, a conjuntura mudou muito. Naquela época, o movimento estu-
dantil reivindicava mais assistência e o aprimoramento nas políticas já existentes.
A perspectiva era de ampliação das verbas do PNAES, construção de mais Casas do
Estudante, criação de mais Pró-reitoras de Assistência Estudantil e o cumprimento
dos eixos estabelecidos no Plano.
De lá pra cá, não apenas paramos no tempo, como também retrocedemos
nele. Em 2016, nós já denunciávamos que o golpe, sucedido pela EC 95 e mais
uma série de medidas, teriam como principal resultado a expulsão da classe tra-
balhadora da universidade. Alguns anos depois, a realidade é essa: torna-se mais
difícil ingressar e torna-se quase impossível permanecer. Com a redução das verbas
do PNAES, muitos estudantes ficarão à mercê de sua própria sorte, sem conseguir
se formar por falta de políticas que garantam moradia, alimentação, transporte e
muito mais. Essa realidade obviamente recai principalmente sobre os estudantes
negros e as mulheres, sobretudo aquelas que são mães.
Diante desse cenário, é fundamental que a União Nacional dos Estudantes im-
pulsione com muita força e centralidade a bandeira da assistência estudantil. Em
2020, realizamos reuniões e encontros com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de
Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), mas não foi prioridade da direção
majoritária da entidade dar sequência a essa articulação. A construção de uma po-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

lítica de defesa da assistência estudantil é algo que exige unidade e coesão na luta,
a fim de envolver todo o conjunto do movimento estudantil numa campanha em
defesa do PNAES e pela ampliação de suas verbas.
Ainda sobre o PNAES, é importante ressaltar que hoje ele é apenas um decreto,
não tendo sido transformado em lei. Essa realidade também torna frágil e incerta a
continuidade dessa política, ao mesmo tempo que sua constitucionalização pode
vir acompanhada de uma descaracterização. Diante dessa situação, não há outra

316
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

alternativa senão a construção de uma luta muito forte que não apenas defenda o
PNAES, mas contribua para seu aprimoramento e ampliação.
Obviamente, não é possível imaginar que nós possamos ter uma melhora nas
políticas de assistência estudantil sob o governo de Bolsonaro e seus capangas
interventores. Por isso, é fundamental que as nossas bandeiras em defesa da assis-
tência estudantil estejam juntas com a bandeira do #ForaBolsonaro, que é urgente
para retomarmos a construção de um projeto popular de educação que dê centra-
lidade à permanência.
As principais tarefas da União Nacional dos Estudantes neste novo período
são a construção de seminários regionais para debater a assistência estudantil na
perspectiva das universidades federais, estaduais e privadas - onde a realidade é
outra e a falta de políticas ainda maior; a realização do Seminário Nacional de Assis-
tência Estudantil, a fim de sintetizar os debates, articular uma frente em defesa da
permanência e iniciar a campanha em defesa do PNAES e da assistência estudantil;
a ampliação do diálogo com a Secretaria Nacional de Casas do Estudante (Sence),
fundamental para defender as residências estudantis, que também têm passado por
dificuldades durante a pandemia em muitas universidades; e, por fim, a consolida-
ção de um Grupo de Trabalho de Assistência Estudantil vinculado à diretoria, a fim
de manter um diálogo constante com entidades gerais e de base para a construção
de ações em defesa da permanência, da educação pública e do #ForaBolsonaro.
Acessibilidade e inclusão para transformar
Por muito tempo, pessoas com deficiência foram excluídas da vida pública.
Essa realidade, estritamente vinculada ao capacitismo presente na sociedade, per-
petuou uma desigualdade muito grande entre PCD e pessoas sem deficiência. As
universidades, assim como não haviam sido pensadas para pessoas pobres, também
não foram construídas para pessoas com deficiência.
Entretanto, a Lei de Cotas e uma série de políticas de inclusão promovidas
pelos governos petistas permitiram que muitas PCD pudessem ingressar na univer-
sidade. O ingresso, entretanto, não garante a inclusão por si só, pois na maioria das
vezes, falta infraestrutura e acessibilidade para lidar com os diferentes tipos de defi-
ciência. Essa é uma questão estrutural e que precisa ser superada com a articulação
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

das pessoas com deficiência em conjunto com diferentes grupos. O movimento es-
tudantil, que também é composto por PCD, precisa estar atento e dar centralidade
à luta por inclusão e acessibilidade.
É fundamental que a UNE promova encontros e seminários para debater a
realidade das pessoas com deficiência nas instituições de ensino, bem como a cons-
trução de uma campanha por mais acessibilidade nas universidades. É fundamental
também, que as entidades de base e gerais componham e fomentem a criação de
núcleos de acessibilidade nas universidades, a fim de promover, a nível local, dis-

317
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

cussões que se convertam em políticas públicas de inclusão e acessibilidade. A


universidade pública precisa ser inclusiva, acessível e garantir a permanência de
todos e todas. É uma responsabilidade nossa garantir que isso aconteça.
Universidades privadas e comunitárias
Falar das universidades privadas em pleno governo Bolsonaro (2021) é recor-
dar um pouco do que representa o desmonte na educação que teve seu início em
2016, com a PEC do Teto de gasto de Michel Temer. A EC 95 prejudicou não apenas
o sistema público, mas foi o início da redução de contratos do FIES (Financiamento
Estudantil do Ensino Superior).
De Temer a Bolsonaro, continuaram os ataques à educação pública e aos pro-
gramas que permitiam o ingresso dos filhos da classe trabalhadora às universidades
pagas. Uma das medidas tomadas em 2019 aumentou o valor e reduziu a adesão ao
FIES para estudantes oriundos de escola pública. Essa medida foi aprovada na sur-
dina e sem qualquer diálogo com o movimento estudantil e suas entidades, como
é a prática dos governos neoliberais.
É importante compreendermos que uma parcela importante dos estudantes
de universidades pagas, sejam elas privadas ou comunitárias, não são oriundos dos
setores médios. Há, dentro das universidades pagas, aqueles que dependem de
programas como ProUni, Fies e muitos outros que exercem dupla ou tripla jornada
para pagar os estudos, principalmente as estudantes mulheres.
Estes estudantes oriundos da classe trabalhadora precisam, muitas vezes, con-
ciliar empregos precarizados e mal pagos com os estudos, o que por si só já os
coloca em disparidade em relação aos colegas que possuem melhores condições
materiais. Nesse quadro, faltam políticas de assistência estudantil que atinjam estes
estudantes. O PNAES, importante conquista dos governos Lula e Dilma, é direciona-
do a estudantes de universidades federais. Apesar da importância do ProUni e Fies,
o abate das mensalidades não basta: para permanecer, é preciso comer, dormir,
ter apoio pedagógico e mais uma série de pilares que fazem parte da vida do estu-
dante. Enquanto nas federais e estaduais é possível garantir políticas de assistência
graças ao PNAES e PNAEST, nas universidades pagas estas políticas são praticamen-
te inexistentes.
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

Durante a pandemia, um fator que prejudicou muitos estudantes de institui-


ções pagas foi a falta de auxílios e da isenção das mensalidades. Muitos estudantes
perderam seus empregos ou tiveram sua renda drasticamente reduzida durante o
período de distanciamento, porém não houve uma política nacional de apoio a es-
tes estudantes a fim de combater a evasão. A realidade é que muitos tiveram que
optar entre a educação e o trabalho.
É uma tarefa urgente da UNE retomar o contato e fortalecer o movimento es-
tudantil nas universidades privadas, onde estão presentes muitos jovens da classe

318
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

trabalhadora. É preciso garantir a construção de seminários e conferências para


aproximar esse setor estudantil e construir um programa de reivindicação, que dê
centralidade às suas pautas e demandas. Além disso, o debate sobre as universida-
des pagas precisa ter um olhar atencioso à expansão do ensino privado à distância
no Brasil. Hoje, há um processo de expansão desenfreado de instituições cujos
programas pedagógicos são questionáveis. O MEC de Bolsonaro abre espaço para
este ensino tecnicista ao passo que precariza as universidades públicas. Portanto, é
papel da UNE também debater a regulamentação do ensino privado de uma forma
que defenda as demandas dos estudantes, mas seja crítica e enfrente os tubarões da
educação. Somente assim podemos caminhar em direção a um projeto de educação
que tenha como centralidade a formação de sujeitos para transformar a sociedade,
e não o lucro dos capitalistas. Que a universidade se encha de povo!

Universidades estaduais
Vivendo sob um governo onde a educação não é prioridade, o que resta é a
precarização do ensino e o estudante como atenção central do desmonte, onde
desde 2016, no pós-golpe, a educação brasileira tem sido alvo de ataques por par-
te do governo federal. As universidades brasileiras sofreram uma série de cortes, o
que era apenas o início de um processo que tem como principal objetivo sucatear
as instituições e impossibilitar o acesso da classe trabalhadora ao ensino superior.
âmbito estadual, há uma tentativa clara de buscar possibilidades de privatizar
e terceirizar o ensino, levando as universidades estaduais para um cenário onde
promover a educação fica cada vez mais precarizado. É nítido também, o projeto
de sucateamento, seguindo as regras básicas da privatização, que é a retirada de
recursos, fazendo com que se transmita a imagem de que as instituições públicas
não oferecem serviços de qualidade para a população, que acaba encarando isso
como um problema. Assim, fazendo com que fique mais fácil partir para a iniciativa
privada. Pensar nas instituições de ensino superior estaduais é pensar também em
como o poder público tem dado resposta à crise capitalista e como isso está sen-
do repassado para a classe trabalhadora nos estados. As universidades estão nessa
mira. É preciso ter em mente, que tudo isso é um projeto de desqualificação e des-
monte de um espaço que tem como função o pensamento crítico, a produção de
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

conhecimento científico e construção de possibilidades e alternativas de uma nova


sociedade.
Desde o processo de inserção do neoliberalismo no Brasil, isso vem aconte-
cendo e dissolvendo as conquistas democráticas. Os ataques do governo Bolsonaro
atingem diretamente o estudante. Quando se coloca um corte no orçamento colo-
ca-se em risco a assistência estudantil e consequentemente o estudante se torna o
alvo.

319
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

A autonomia financeira das universidades é condição fundamental para o


desenvolvimento de suas atividades e para a construção de um projeto de uni-
versidade democrática e popular. As dificuldades no âmbito do financiamento
acabam por refletir-se também na insuficiência das políticas de assistência estudan-
til. Sem políticas adequadas, a permanência das e dos estudantes na universidade
é gravemente prejudicada. Com o ensino remoto, é preciso ainda mais a luta pela
permanência do estudante na universidade.
A luta pela inclusão digital e a permanência das bolsas tanto de apoio acadê-
mico quanto as de iniciação científica e extensão vem sendo travadas em diversas
universidades estaduais, principalmente nos estados governados por partidos de
direita. A única maneira de garantir a permanência das e dos estudantes, mesmo
durante uma pandemia, é através de uma árdua luta em defesa das políticas de
assistência, e defender a ampliação das verbas para essa finalidade, é nossa priori-
dade. Pensando em uma forma de ampliação das universidades estaduais, a criação
de novos campi e cursos é muito importante para a interiorização das universida-
des e democratização do acesso ao ensino. Mas para que atinja esses objetivos,
essa expansão deve ser realizada de forma democrática com participação de todo
corpo estudantil, docentes e técnicos, além da participação de entidades e movi-
mentos sociais regionais. As universidades estaduais devem estabelecer metas de
crescimento das vagas de ensino de graduação e pós-graduação, e simultaneamen-
te buscar alternativas de expansão dessas vagas, sempre mantendo a qualidade do
ensino e encontrando formas menos onerosas.
É preciso ter em mente a função social que as universidades estaduais têm para
a população, e com isso, para que essa universidade exista na vida das pessoas, e
ela não se torne apenas uma máquina de formação de mão de obra para o capital,
é preciso que exista luta para torná-la mais acessível, popular e voltada para o de-
senvolvimento regional.
Portanto, é necessário que a UNE tenha em sua agenda de lutas uma articu-
lação potente com as UEEs em defesa das universidades estaduais. O auxílio na
ampliação e criação de novos campi e cursos; na luta por mais bolsas e os reajustes
das mesmas para a permanência estudantil; a luta pelo auxílio moradia e casas de
estudantes; a luta por creches universitárias nos campis; e o auxílio aos DCEs e cen-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

tros acadêmicos das universidades estaduais, principalmente as do interior, onde


a UNE na maioria das vezes não chega. Não podemos nos furtar da luta por uma
universidade que atenda os anseios da classe trabalhadora, uma instituição pública,
gratuita e de qualidade.
Construindo soberania: por uma engenharia popular e solidária
Os cursos de engenharia e outras áreas relacionadas à tecnologia são impor-
tantes ferramentas em disputa. É muito comum que nas universidades públicas,

320
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

cuja estrutura é departamentalizada, as áreas do conhecimento estejam extrema-


mente distantes e não funcionem de forma interdisciplinar. Essa organização não é
fruto do acaso: é um projeto deliberado que tem como objetivo afastar disciplinas
e dificultar a construção de desenvolvimento social.
A engenharia é uma ferramenta importante de manutenção e observação de
transformações cotidianas. As várias formas e maneiras de se pensar e construir
engenharias e currículos voltados para uma formação mais holística que permita
englobar os impactos das ações no que diz respeito às questões sociais e ambien-
tais se faz cada vez mais necessário neste campo de estudo. É fundamental formar
engenheiras e engenheiros que possuam uma visão coletiva e humana da sociedade
para que, assim, possamos transformá-la para melhor.
As engenharias podem interferir positivamente em questões socioambientais
e também de desigualdades sociais, desde que seja inserida de forma humanizada
e que a ciência e tecnologia por si só não neutralizem a capacidade crítica e analíti-
ca, dando ênfase para comportamentos técnicos. Existe uma infinidade de funções
que podem e devem ser exploradas para que a engenharias se torne cada vez mais
popular, solidária e exerça a sua função de diminuir desigualdades, criar possibili-
dades, soluções e encurtar distâncias entre mundos.
É justamente nesse quadro que a União Nacional dos Estudantes precisa aden-
trar este espaço muitas vezes secundarizado pelo movimento estudantil. Os cursos
vinculados à tecnologia precisam de estudantes organizados e dispostos a enfren-
tar as estruturas arcaicas para construir um novo modelo de tecnologia, a partir de
uma engenharia popular e solidária, fundamental para a superação de problemas
estruturais do nosso país.
Faz-se extremamente necessária a articulação de Encontros, Seminários e Nú-
cleos por parte da UNE, em conjunto com DCEs, DAs, CAs e Executivas de Curso
para debater e disputar o projeto de tecnologia que queremos para o país. A tec-
nologia não pode servir a uma meia dúzia de empresas que não têm compromisso
com a soberania nacional e a redução das desigualdades sociais. Por isso, é muito
importante que a UNE estabeleça um diálogo com a Rede de Engenharia Popular e
Solidária (Repos) e faça parte da construção dos Encontros Regionais e do Encon-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

tro Nacional de Engenharia e Desenvolvimento Social (Eneds).


Através de projetos de extensão e pesquisa, é possível construir parcerias e
alianças com movimentos sociais como o Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras frentes de
articulação. Nós vivemos um momento de disputa acirrada do projeto de educação,
que impacta diretamente o mundo do trabalho e o projeto de país que construí-
mos como profissionais. É por isso que o movimento estudantil, através de suas
entidades, principalmente a União Nacional dos Estudantes, precisa estar no dia a

321
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

dia destes estudantes para fortalecer uma perspectiva popular e solidária de tecno-
logia, pautada principalmente pelo desenvolvimento social.
Ensino à distância para além da pandemia
Com o início da pandemia do novo Coronavírus, muito se denominou – erro-
neamente – a modalidade emergencial implementada como “Ensino à Distância”.
Embora algumas características destas duas modalidades sejam convergentes, o
ensino remoto emergencial implementado durante a pandemia tem diferenças
gigantescas em relação ao EAD tradicional, que existe tanto em universidades priva-
das, quanto em universidades públicas vinculadas aos polos da Universidade Aberta
do Brasil (UAB).
O EAD tradicional já foi motivo de debates acirrados em outras épocas do
movimento estudantil, principalmente durante os governos petistas. Para compre-
ender as complexidades do Ensino à Distância, é preciso separar a modalidade de
ensino de seus estudantes. No Brasil, existe uma onda crescente de instituições
privadas que oferecem cursos EAD. Apenas em 2019, o número de calouros em
cursos de modalidade à distância foi de 1,4 milhões, cerca de 54% do total de in-
gressantes naquele ano. Estes dados apresentam um sintoma anterior à pandemia:
de que, principalmente por parte da iniciativa privada, há uma ampliação na oferta
de cursos à distância.
Uma parcela significativa desses cursos são parte de um projeto de tecniciza-
ção do ensino que assola nosso país. Entretanto, é preciso separar o joio do trigo:
boa parte dos estudantes dessa modalidade são jovens do interior, filhos e filhas da
classe trabalhadora ou mesmo adultos que não puderam acessar o ensino superior
antes, por isso, optam por uma modalidade que seja possível de conciliar com o
mundo do trabalho.
Ainda no campo do Ensino à Distância, é preciso estabelecer uma diferença
entre os cursos - cada vez mais amplos - das instituições privadas e os cursos que
fazem parte de convênios oferecidos por universidades federais, como é o caso da
Universidade Aberta do Brasil. Além de serem limitados, estes cursos contam com
polos de apoio, planos pedagógicos construídos por docentes de universidades
federais e outras especificidades que os tornam diferentes das instituições priva-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

das. Boa parte dos estudantes desta modalidade também são jovens do interior,
homens e mulheres mais velhos, mães e pessoas que acessam o superior de forma
mais tardia.
Além de entrar no mérito da qualidade do ensino e da formação, que é um de-
bate importante, pois defendemos uma universidade pública e de qualidade para
todos e todas, é necessário debatermos as condições materiais desses estudantes
neste momento. O PNAES, importante conquista do movimento estudantil e dos
governos petistas, possui como uma de suas limitações a não destinação de recur-

322
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

sos para estes estudantes oriundos do EAD. Portanto, é fundamental que a UNE
e outras entidades do campo da educação dialoguem com esses estudantes, cuja
forma de organização e atuação também é dificultada em função da modalidade de
ensino, mas não deixa de existir.
É preciso dar um olhar atencioso a estes setores sem deixar de fazer a crítica do
projeto de educação - mas também entendendo as diferentes condições materiais
e de acesso que existem pelo Brasil, principalmente no interior. Uma das tarefas
fundamentais da UNE no segundo semestre de 2021 é a realização de um Encontro
de Estudantes do Ensino à Distância, com vistas a debater os principais impactos
da pandemia nesta modalidade de ensino e na permanência de seus estudantes.

n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

323
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

AVALIAÇÃO

Para onde marcha a UNE?22


Lucas Reinehr*
Dos dias 14 a 18 de julho, a União Nacional dos Estudantes realizou seu
Congresso Extraordinário. Diferente do tradicional “Conune”, esse processo foi or-
ganizado de forma bastante diferente e em um momento atípico.
O Brasil acumula mais de 530 mil mortes por COVID-19, vivemos um avanço
do fascismo seguido da ampliação do programa ultraliberal e ataques constantes à
educação. Esse cenário coloca para a União Nacional dos Estudantes o desafio de
repensar e qualificar sua atuação nas lutas sociais do próximo período.
Não é novidade que a pandemia prejudicou intensamente a organização dos
principais movimentos sociais brasileiros. O movimento estudantil, que se organiza
e atua principalmente nos locais de estudo, sofreu um grande impacto com a sus-
pensão das aulas presenciais. Com essa nova realidade, boa parte do planejamento
das entidades estudantis teve que ser revisto e modificado. Tornou-se um desafio
manter o contato diário com a base estudantil através dos meios digitais, princi-
palmente porque o acesso às tecnologias da informação e comunicação ainda é
bastante escasso ou precário para muitos estudantes.
Apesar das dificuldades, muitas entidades estudantis buscaram alternativas
para este período, seja através da realização de plenárias e/ou assembleias onli-
ne, seja através da luta pela ampliação de políticas e auxílios de inclusão digital.
O acesso às tecnologias tornou-se, mais do que nunca, uma questão crucial para a
permanência. Além disso, foi através dos encontros virtuais que o movimento es-
tudantil realizou debates e articulou lutas, ainda que de forma limitada em certos
momentos.
Se é verdade que a pandemia prejudicou nossa atuação, também é verdade
que nem todos os problemas decorrem dela. Para além da pandemia, algumas di-
ficuldades dizem respeito à direção política das entidades, principalmente a UNE,
UBES e ANPG. No caso da UNE, a estratégia adotada pela direção majoritária du-
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

rante a pandemia foi de fortalecer seu caráter institucional e a construção de ações


simbólicas. Essa postura também foi decisiva para aprovar a realização desse Con-
gresso Extraordinário, que ficou bastante aquém do que necessitamos.
Em 2019, no 57º Congresso da UNE, cerca de 18 mil estudantes estiveram
reunidos em Brasília. Já o Congresso Extraordinário, que ocorre neste momento,
contou com apenas 7 mil estudantes inscritos – num processo que sequer possui
delegados. Um dos principais motivos pela baixa participação é a realização do con-
22.  Página 13, n. 229, jul. 2021, p. 18-9.

324
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

gresso durante a semana, num momento em que muitos estudantes trabalham ou


estão em aula. Torna-se impossível, para muitos, conciliar estudo e trabalho com as
atividades virtuais do congresso. Outro ponto que demonstra a baixa participação
é a quantidade de telespectadores das lives e participantes nas salas Zoom, que é
baixa em relação à quantidade total de inscritos.
A falta de etapas locais e/ou regionais também impactou muito na mobiliza-
ção para o congresso. Diferente dos outros anos, em que a tiragem de delegados
garantia a realização de disputa e campanha nas universidades, esse processo foi
organizado em etapa única. Esse método faz com que muitos estudantes, principal-
mente aqueles que ingressaram na universidade durante a pandemia, desconheçam
o processo e não se referenciem na União Nacional dos Estudantes.
O congresso em si, portanto, não alterará a correlação de forças no interior da
entidade. Porém, traz ao conjunto das forças políticas – especialmente as de oposi-
ção – a oportunidade de repensar o papel da UNE no segundo semestre de 2021 e
durante 2022. Nós, da JAE ( Juventude da Articulação de Esquerda), apresentamos
a tese “UNE Para Tempos de Guerra”, onde trazemos nossa avaliação sobre a con-
juntura, o projeto de educação que defendemos e o que esperamos das lutas do
movimento estudantil. Fortalecer um movimento estudantil para tempos de guer-
ra deve ser a principal tarefa da juventude petista nesse momento, que tem como
desafios derrubar Bolsonaro e seus capangas urgentemente, defender a educação
pública e conduzir os estudantes à luta por um projeto democrático, popular e so-
cialista de país.
O horizonte desta “nova gestão”, principalmente com o protagonismo e a
unidade da juventude do PT, precisa colocar a UNE nos rumos certos. É preciso
fortalecer as jornadas de luta nas ruas, construir uma luta nacional por melhores
condições de permanência e colocar um fim de vez nas intervenções bolsonaristas
nas universidades e Institutos Federais. É para esta direção que os estudantes de-
vem marchar: na direção de um movimento estudantil gigante, com sua rede muito
bem articulada e com coragem para enfrentar o fascismo e o ultraliberalismo.
* Lucas Reinehr é diretor de assistência estudantil da UNE.
n CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO DA UNE

325
ANEXOS

326
44o Congresso da UNE
Brasília (DF), 14 a 18 de junho de 1995

TESE

NÃO VOU ME ADAPTAR


CONTRIBUIÇÃO AO MOVIMENTO ESTUDANTIL E AO 44º
CONGRESSO DA UNE
No princípio era o caos. O caos as trevas, a inflação e o desequilíbrio nas con-
tas públicas. Então, num rompante, fez-se a luz. A verdade surgiu diante de todos,
crentes ou não: o mercado, disseram os novos deuses, como que repentinamente
se lembrando de algo que sempre estivera por ali mesmo, nos guiará rumo à sal-
vação e à vida eterna. Ao paraíso do consumo, das bugingangas importadas, da
estabilidade econômica, da inserção no Primeiro Mundo (rápido, antes que alguém
chegue primeiro), panteão dos deuses pais, detentores da sabedoria eterna.
Derrubem-se todos os entraves ao livre comércio; reduzam-se os custos os
entraves ao livre comércio; reduzam-se os custos absurdos da mão de obra remu-
nerada; desregulamente-se; contem-se os encargos sociais; rápido, o mundo está se
integrando e é preciso que estejamos à altura da honra que nos concede o capital
estrangeiro com sua augusta presença.
E assim, sob a batuta das divindades tecnocratas de Wall Street e adjacências, a
balbúrdia reinante passou a ser administrada de forma eficiente, pouco dispendiosa
e radicalmente lucrativa. O mundo foi se tornando cada vez mais igual, uniforme,
tedioso, chato mesmo. Não apenas nos polos norte e sul, mas em toda a sua cir-
cunferência, na medida em que aquela enojante e repetitiva modernidade, marcada
pela rotina de votar (às vezes) e ir às compras (quando dava) derrubava todas as
resistências.
Todas? Não! Pequenas aldeias de irredutíveis guerreiros, espalhadas por todo
o mundo, insistiam, então e sempre, em recursar a modernidade. Aparentemente
loucos, teimavam em dizer que o mercado (Oh, suprema heresia!) não servia pra
regular nem motor de Fusca, quanto mais a vida das pessoas. Diziam (e o faziam
cada vez mais alto) que a igualdade social, independência dos povos e governo
popular, ao contrário do que rezavam as bulas neoliberais, não haviam se torna-
do expressões vazias, nem se perdido na poeira do tempo. Queriam fazer crer aos
sábios tecnocratas que a miséria massiva e a progressiva exclusão geradas por esse
modelo eram inaceitáveis sob qualquer perspectiva humanista.

327
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Inicialmente, o mal que acometia esses birutas foi denominado “Síndrome de


Asterix”. Depois, após estudos mais detalhados dos experts, passou a ser conhecido
como “Praga Socialista”.
Não se sabe bem ao certo o que houve depois, mas todos recordam que um
dia, tais imperscrutáveis indivíduos fizeram saber ao mundo inteiro, via internet,
Ica press, panfletos rodados em mimeógrafo e pela Rede Globo, ao vivo e em co-
res, para todo o planeta, que havia se lançado à luta contra a tirania do mercado.
Conclamavam a todos que resistissem, bradando aos quatro ventos a consigna dos
rebeldes: Não vou me adaptar!
O fim da história ainda não foi contado. Mas sabe-se que, no 44º Congresso
da UNE, realizado no ano da graça de 1995, milhares desses rebeldes se reuniram
para discutir as teses dos tecnocratas neoliberais, como enfrentá-las, e como imple-
mentar as suas próprias.

APRESENTAÇÃO
O 44º CONUNE acontece num momento histórico decisivo que deve ser a mar-
ca das suas discussões orientando as resoluções tomadas e a tática política que nele
foi definida. O rolo compressor neoliberal, que FHC busca montar no Congresso
Nacional deve ser contido com todas as armas de que pudermos dispor, e o CONU-
NE pode ser uma delas.
Para tanto, é necessário que suas discussões sejam pautadas pela busca da
mais ampla unidade e coesão na luta contra o governo e as reformas; ao mesmo
tempo em que se faz um balanço crítico da entidade, de suas limitações estruturais
e dos erros de sua direção. Essa postura é fundamental para que a UNE se capacite
a cumprir as tarefas que se fazem necessárias, e mesmo para apontar o tipo de ME
que queremos para o futuro.
A tese Não vou me adaptar se dispõe a contribuir nesse processo. Chamado
à unidade, nas resoluções políticas, o conjunto dos estudantes que se recusam a
ceder ao discurso dogmático e monolítico dos gurus neoliberais. Num momento
em que vários segmentos organizados da sociedade são tentados a aderir à pseudo-
-modernidade que vem tomando conta dos meios bem pensantes do Brasil, a União
Nacional dos Estudantes deve se constituir num polo de resistência, de combate à
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

integração subordinada do Brasil numa globalização que, nos moldes atuais, aten-
de apenas ao interesse dos mesmos países imperialistas de sempre.
Mas, para cumprir esse papel, é necessário que a UNE desça do seu pedestal
e tome medidas para diminuir o imenso abismo que separa a entidade dos estu-
dantes que estão nas salas de aula. A recuperação de prestígio político por parte
da UNE, na luta pelo impeachment de Collor, não se traduziu numa inserção qua-
litativamente superior no meio estudantil. É preciso encarar a aproximação com as

328
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

executivas de curso, não sob uma ótica subordinadora, mas através da integração
recíproca entre o geral e o específico. Numa expressão: é preciso democratizar e
desburocratizar a UNE.
Nós que não nos adaptamos à nova-velha ordem mundial, também não acre-
ditamos que o movimento estudantil que a UNE implementa hoje dê conta daquilo
que deve ser uma de suas tarefas permanentes: contribuir, num espaço fundamen-
tal, que é o da produção de conhecimento, para a disputa global de hegemonia que
devemos travar na sociedade, na luta pelo socialismo. Por isso, buscaremos o de-
bate mais franco sobre concepção de ME, ao mesmo tempo em que trabalharemos
no sentido de enfrentar, de forma coesa, o Governo FHC e o projeto neoliberal.

O QUE VAI PELO MUNDO


O velho Lênin dizia que o Estado é, sempre, uma forma de opressão de uma
classe sobre outra. Mesmo numa sociedade socialista, onde o dito cujo se constitui-
ria num mecanismo de hegemonização da burguesia pelos trabalhadores. Dito isto,
tornava-se bastante claro que, se aspirávamos uma sociedade sem classes, logo, a
quereríamos também sem o Estado, já tornado obsoleto, desnecessário.
Ora, pois, pois: nós, que continuamos aspirando chegar a uma sociedade sem
classes, nos vemos deparados, neste estranhíssimo fim de século, com a necessida-
de de defendermos a sobrevivência deste mesmo Estado, que gostaríamos tanto de
varrer da face do planeta para todo o sempre. Como chegamos a tal ponto? Onde
foi que traímos a classe operária, aderindo ao mais tacanho nacionalismo? Para res-
ponder a essa angustiante questão, seria bom recapitularmos alguns episódios da
novela do neoliberalismo.
O problema vem de longe: o período posterior à segunda guerra é marcado
por uma expansão do capitalismo, sem precedentes no que se refere à duração. O
avanço das relações imperialistas permite que os governos dos países do Primeiro
Mundo, pressionados pelas razoáveis condições de vida dos operários do Leste eu-
ropeu, cedam a pressões históricas de seus trabalhadores, criando as bases para o
Estado de bem-estar social.
A coisa parecia ir de vento em popa: altas taxas de lucratividade; boas condi-
ções de vida (e consumo) para os trabalhadores e a miséria absoluta aparentemente
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

confinada aos países do Terceiro Mundo (e alguém se importava com isso?). Tudo ia
tão bem que esses confiantes senhores se davam ao luxo de nem se preocupar mais
com o tal “bloco socialista”, desde que ele não viesse com a triste ideia de exportar
o seu regime para outras paragens. E parece que, no fim das contas, o tal bloco não
extava mesmo muito a fim disso, não.
Um belo dia, lá pelos idos de 1972/73, as taxas de crescimento começaram a
cair, o fantasma da inflação voltou a assombrar a Europa e os EUA. Em 1975, já se

329
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

podia falar em crise mundial de superprodução (conceito elaborado por um pen-


sador subversivo alemão, morto 90 antes, mas cujas ideias, e sua demonstração
prática, teimaram em não ser enterradas junto com ele).
Pânico geral. Queda nas bolsas. Lembranças pouco alentadoras do crash de
1929. “Um culpado! Rápido, um culpado!”, bradavam os tecnocratas do imperialis-
mo. E, do nada, fez-se um culpado: o petróleo. Ah, aquele sacana!
Se a crise energética era o suficiente para engrupir a opinião pública, não o
era para solucionar a verdadeira crise. Para tanto, as cabeças pensantes das grandes
potências começaram a ponderar a possibilidade de lançar mão de um receituário
que há anos vinha sendo preconizado por alguns teóricos: a desregulamentação
das atividades econômicas; o progressivo afastamento do Estado dessas mesmas
atividades; a privatização generalizada de empresas estatais; o corte profundo de
gastos sociais. Objetivo: equilibrar as contas públicas, controlando a inflação, e per-
mitir um novo ciclo de crescimento econômico.
A primeira cobaia do novo remédio foi o Chile. Com ótimos resultados: con-
trole da inflação e retomada do crescimento. É claro que as centenas de milhares
de desempregados e excluídos gerados nesse processo podem ter uma avaliação
diferente. Tudo bem, cada um pensa o que quiser. O Chile é e sempre foi uma de-
mocracia, como bem o atestam as multidões de mortos pela ditadura neoliberal de
Pinochet.
Depois, foi a vez dos próprios doutores experimentarem seu remédio: a du-
pla Regan-Thatcher fez dos EUA e da Grã-Bretanha os palcos mais importantes do
neoliberalismo nos anos 80, a base de lançamentos da nova política para o resto
do mundo. Os resultados foram um pouco piores: a inflação recuou, mas as taxas
de crescimento continuaram baixas, às vezes nulas. Por outro lado, os neoliberais
lograram um feito impressionante: com o corte de gastos sociais, legiões de miserá-
veis voltaram a constranger os transeuntes das praças do eixo Nova Iorque-Londres.
No intuito de aprofundar as relações imperialistas e salvar o equilíbrio de suas
contas, os governos do Primeiro Mundo, através de seus instrumentos supranacio-
nais (FMI e Banco Mundial, e agora a Organização Mundial do Comércio) trataram
de buscar a universalização do sistema.
Começa a ganhar fôlego o processo de globalização da economia mundial, ao
passo que o receituário anticrise do FMI/BM é aplicado em grande parte dos países
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

do 3º mundo. Abrem-se as economias do mundo para a livre circulação de capitais.


O capital, sem pátria por natureza, ganha cidadania mundial. Todo mundo pode
investir em todos os lugares.
Todos? Não! Hoje, como ontem, os países do 1º mundo, que não são bestas
nem nada, especialmente os ianques, mantém suas tarifas alfandegárias em patama-
res elevados que é pra não permitir que a livre concorrência por mercados atinja

330
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

suas delicadas balanças comerciais. Ainda mais com esses japoneses à solta, criando
um bloco econômico sólido com os tigres asiáticos. Japão que, diga-se de passa-
gem, jamais adotou o receituário neoliberal.
Quando o elevado custo social do neoliberalismo parecia colocá-lo em xeque
(afinal, ali pertinho, do outro lado do muro de Berlim, tinha gente que não pre-
cisava se preocupar com moradia, alimentação, educação, nem em falar mal do
governo – porque não podia), eis que os deuses concedem a chance suprema a
seus profetas terrestres, o muro cai, e, com ele, como pelas de dominó, todas as
tiranias burocráticas pseudosocialistas. Como peça de marketing, nada mais opor-
tuno: o estatismo rui. O mercado sobrevive, supremo.
A tal globalização ganha um alento revigorante. Passa a ser conhecida também
pela alcunha de “Nova Ordem Mundial” e faz a sua performance envolvente, ao som
dos bombardeiros, porta-aviões e lança mísseis da guerra “cirúrgica” que os ianques
levam ao Golfo. A “Cavalgada das Valkírias” do Iraque marca a entrada do processo
de integração numa nova e mais agressiva fase: investida aberta contra a soberania
nacional dos povos do Terceiro Mundo.
E aqui voltamos à nossa idiossincrasia: por que se contrapor à desarticula-
ção do Estado que nos propõem os neoliberais? Porque a globalização consiste
fundamentalmente em eliminar os entraves estatais à livre atividade do capital
oligopolista dos países do primeiro mundo. Retira do Estado (especialmente no
terceiro mundo) funções de regulação da economia, não para transferi-las à so-
ciedade civil, mas para concentrá-las nas mãos dos representantes orgânicos dos
oligopólios (FMI, BM, OMC, que, de agora em diante, chamaremos de tríade, para
não ter que ficar repetindo sigla).
A recém-criada Organização Mundial do Comércio se auto atribui o direito de
determinar qual deve ser a conduta de todos os países no que se refere à circulação
de mercadorias e serviços. A pressão dos EUA no sentido de que os países do tercei-
ro mundo adotem leis de patentes que lhes asseguram o monopólio da produção
de conhecimento é exercida através da tríade.
Nesse sentido, o pouco de novidade que a globalização trás é prejudicial para
os povos do mundo todo. Põe-se em xeque a soberania nacional, triturando as
funções dos Estados nacionais, não para substituí-los por uma estrutura mais de-
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

mocrática; para concentrar poder nos centros mais desenvolvidos.


Tal processo é antidemocrático, no sentido de que a pressão popular sobre
os Estados hoje existentes é o principal instrumento de luta dos oprimidos nesse
momento. Como pressionar por políticas econômicas progressistas quando não há
objeto dessa pressão? Afinal, o neoliberalismo solapa os Estados nacionais, mas não
cria um Estado supranacional passível de ser pressionado: entrega a rapadura para

331
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

a tríade. O mito globalizante traduz-se numa expressão: aprofundamento das rela-


ções de exploração imperialistas.
Por trás do discurso de integração, esconde-se uma nova divisão internacio-
nal do trabalho: os países subdesenvolvidos entrariam com mão-de-obra barata e
produtos de baixa implicação tecnológica (além das tradicionais matérias-primas);
enquanto, aos nossos “irmãos do norte”, caberia a vanguarda do processo produti-
vo, baseada nos produtos de tecnologia de ponta.
Nesse sentido, o papel de todas as entidades progressistas e democráticas do
mundo é resistir a essa integração forçada. E, ao mesmo tempo, buscar saídas al-
ternativas com base em projetos nacionais, articulados no plano internacional, de
desenvolvimento. A aparente solidez da nova ordem já foi posta em xeque na terra
dos Astecas: primeiro, um punhado de índios mortos de fome provaram que é pos-
sível manter a dignidade diante de inimigos poderosos, como o governo mexicano
e seus aliados do norte.
Depois, o mesmo México, modelo de comportamento neoliberal citado por
11 entre 10 candidatos conservadores ao cargo de Presidente nas repúblicas lati-
no-americanas ruiu como um castelo de cartas. Salinas de Gotari, antes um herói
nacional para os mexicanos, teve que se refugiar nos braços do tio Sam.
Tudo isso mostra que a última palavra em termos de desenvolvimento no ter-
ceiro mundo está longe de ser dada.

E NÓS COM ISSO?


O Brasil teimou, durante muito tempo, em nadar contra a corrente. A aplicação
das teses neoliberais por essas paragens enfrentava sérios obstáculos: e, primeiro
lugar, uma estrutura produtiva muito complexa, o que se traduz num parque in-
dustrial diversificado e extremamente desenvolvido para os padrões do terceiro
mundo. Esse parque industrial é reflexo de uma política de industrialização a partir
da substituição de importações, implementada desde o primeiro governo Vargas até
durante a ditadura militar. Tal política tinha no impulso estatal e no próprio papel
regulador do Estado uma de suas molas mestras. O país mais industrializado do ter-
ceiro mundo sempre teve o Estado no centro de sua política econômica.
Este mesmo parque industrial diversificado propiciou o surgimento de um
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

movimento sindical de base operária bastante sólido – ao mesmo tempo, ramifica-


do no interior do setor público.
Setores das classes dominantes brasileiras sempre se mantiveram arredios às
teses que propunham o Estado mínimo. Afinal, sempre se locupletaram às custas do
patrimonialismo do Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, o movimento sindical, es-
tudantil e popular sempre se contrapôs a essas mesmas teses, por outros motivos.
Não que nos contentássemos com a forma como se organizam o poder político e a

332
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

economia no Brasil. Mas o pressuposto básico para que possamos democratizar as


empresas estatais, como de resto o próprio Estado, é que eles estejam o mais longe
possível de mãos privadas. Como democratizar um monopólio privado? Silêncio no
plenário... Como democratizar um monopólio estatal? Submetendo-o ao controle
da população.
Essa combinação de dissenso no interior da burguesia e ação efetiva dos mo-
vimentos sociais propiciou que pudéssemos impedir a implementação global das
políticas neoliberais. Desde a crise do Estado patrimonial e da política de industria-
lização por substituição de importações (iniciada no fim dos anos 70 e detonada
em 1982/83) dois projetos antagônicos de apresentam para o Brasil: o neoliberal,
com as debilidades que já colocamos e o democrático-popular, que tem matriz nas
greves do ABC, em 79/80, e se materializa na campanha pelas Diretas Já!, na luta
pelo impeachment e nas duas campanhas Lula.
Esses projetos vêm se contrapondo, sem conseguir se impor até o início do
governo FHC.
A vitória de Fernando Henrique nas últimas eleições marca uma mudança na
situação política do país. Acuados pela possibilidade de vitória de Lula, os setores
hesitantes da burguesia brasileira se coesionam em torno de FHC e do projeto ne-
oliberal, conferindo-lhe uma força nunca experimentada no Brasil. Articulado pelo
PSDB (e pelas conexões do próprio candidato, ex-ministro da fazenda e das rela-
ções exteriores, com o capital imperialista) esse bloco chega ao poder, montado no
“sucesso” do Real, com gás pra dar e vender.
FHC quer aproveitar esse gás para aprovar as reformas constitucionais a to-
que de caixa. Para tanto, conta com a complacência de setores dos movimentos
progressistas. São ilustrativos os casos de Francisco Weffort e Irma Passoni e do
projeto Comunidade Solidária. Como o Prodasol mexicano, o CS pretende cooptar
os movimentos sociais para políticas compensatórias, escamoteando o caráter pro-
fundamente antipopular das reformas.
Para legitimar suas posições esses setores da esquerda advogam uma prática
propositiva frente às reformas. Seria importante lembrar-lhes três coisas: a) não há
nesse momento possibilidade de reforma progressista no Congresso; b) os progres-
sistas sempre tiveram propostas, o que não significa que o Congresso seja o único
espaço para defendê-las; c) defender pequenas modificações nas propostas do go-
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

verno não é propor. É aderir.


Da mesma forma que a cooptação, devemos criticar aqueles que, sob a máscara
radicalóide do boicote puro e simples, acabam fazendo a política do avestruz, recu-
sando-se a interferir no processo de combate à aprovação das reformas.
O que devemos implementar é uma ampla política de resistência às reformas
baseada nas mobilizações e na obstrução de todas as formas. A greve geral (com a

333
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

participação de diversos setores da sociedade, caracterizando uma paralisação cí-


vica) é um instrumento fundamental nesse processo. Devemos construí-la. FHC,
Príncipe dos Sociólogos, Rei da cocada preta. Apesar das dificuldades do quadro
político, não convém pensarmos que esse senhor é imbatível. Na verdade, ele está
montado num imenso rabo de foguete. Se não, vejamos. O plano Real é mantido
através da paridade forçada com o dólar, a chamada âncora cambial. Ora, a crise na
terra do subcomandante insurgente Marcos não só nos mostrou que essa âncora
não funciona, como acelerou a fuga de capitais que vai fazer com que o mesmo
caos se repita no Brasil, como está acontecendo na Argentina. E o que propõe o
governo? Mais do mesmo remédio: privatizações, quebra de monopólios etc. Isso
também não funcionou no México.
Estamos diante de um governo que assiste seu único patrimônio político se es-
vair sem conseguir tomar iniciativas concretas no sentido contrário. Isso demonstra
sinais de fragilidade que devem ser explorados, apresentando propostas alterna-
tivas (âncora fiscal, baseada na cobrança de impostos elevados dos mais ricos) e
denunciando a responsabilidade do governo no caso de um caos como o mexica-
no. Para além dessa discussão, devemos reforçar a elaboração de uma alternativa
de conjunto para o país. Pela constituição de um mercado de massas que permita
o acesso de todos ao consumo básico; pela democratização dos meios de comu-
nicação; por mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado, inserindo um
projeto nacional para o Brasil (alternativo à integração subordinada à nova ordem
mundial), numa ótica internacionalista, de projetos alternativos em todo o mundo;
enfim, numa perspectiva democrática, popular e socialista.

Propostas:
- Oposição ao governo FHC;
- Contra a reforma constitucional;
- Paralisação contra a reforma;
- Pela democratização do Estado;
- Reforma agrária já!
- Suspensão do pagamento da dívida externa;
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

- Pela democratização dos meios de comunicação;


- Contra a renovação do Fundo Social de Emergência;
- Contra a Lei de patentes proposta elo imperialismo, pela liberdade do uso do
conhecimento;
- Solidariedade à luta dos mexicanos e bolivianos.

334
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

UNIVERSIDADE
O papel desempenhado pela universidade nas relações de poder é contra-
ditório e modifica-se com o passar do tempo. Surgida num momento em que a
emergente classe de comerciantes urbanos necessitava se afirmar política e ideo-
logicamente, a universidade aparece como formadora de quadros pensantes que
legitimassem as novas ideias que começavam a disputar espaço com o velho pen-
samento feudal-eclesiástico (ainda que muitas das primeiras universidades tenham
surgido com o incentivo da Igreja).
Após a revolução industrial, esse papel se profunda, mas outro desponta para-
lelamente: a formação de quadros técnica e cientificamente capazes de atuar junto
à produção. Em síntese, apesar de mutações periódicas, estava formada a base fun-
cional da universidade no capitalismo: fornecer bases ideológicas de legitimação do
poder da burguesia e, ao mesmo tempo, constituir um corpo de profissionais que
viabilizasse o desenvolvimento das bases econômicas daquele poder.
Dialeticamente (mais uma expressão em desuso, em nossos tempos pós-mo-
dernos), a universidade engendrava no seu interior elementos de contestação do
status quo. O contato entre as emergentes ciências humanas com o nascente movi-
mento operário, no século XIX, cria as bases para um pensamento profundamente
crítico quanto aos valores baseados na propriedade privada: as bases do pensamen-
to socialista. Ao mesmo tempo, o conflito permanente entre a livre produção de
conhecimento, ciência e tecnologia com o aparato estatal burguês e as suas razões
de Estado, tem sido, ao longo dos séculos, um motor da tomada de consciência,
senão pró-socialista, ao menos anti-opressiva e democrática.
O papel desempenhado pelos estudantes, no Brasil e no mundo, nas lu-
tas progressistas em geral, demonstra o forte elemento crítico que brota de uma
instituição originalmente criada para dar sustentação ao poder estabelecido. A ela-
boração mais recente que temos desenvolvido, baseada nos conceitos gramscianos
de bloco-histórico e disputa de hegemonia, aponta para um aprofundamento dos
espaços de disputa no interior das universidades e na luta para transformá-la: ao
mesmo tempo em que transformamos a universidade, a tornamos um instrumento
de transformação da sociedade como um todo.
No Brasil, a universidade foi, ao longo do século XX, um importante ins-
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

trumento das políticas econômicas governamentais. Em especial no período da


ditadura militar, a universidade é pensada pelas elites a partir da necessidade de
formação de mão-de-obra qualificada para dar suporte ao “milagre econômico” dos
anos 1970 e para produzir bases tecnológicas para o projeto de “Brasil grande”
vislumbrado naquele período. É durante a fase ascendente da ditadura (virada dos
anos 60 para os 70) que a universidade ganha o perfil que mantém até hoje; uma
rede federal de instituições voltada para atender à segunda demanda enunciada,

335
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

a tecnológica (e também os interesses políticos de coronéis das oligarquias regio-


nais); e o fator novo daquele momento: uma gigantesca rede de ensino privado que
atendia, ao mesmo tempo, dois objetivos: a já citada demanda de mão-de-obra e a
necessidade de se abrir novas frentes de investimento para o capital privado, então
em franca expansão.
A universidade dos generais, projetada para dar sustentação ao regime, não
foge à regra das contradições: a rede pública de ensino superior se converte num
dos espaços mais críticos à falta de democracia nas instituições políticas brasileiras;
ao mesmo tempo, o empobrecimento da classe média transforma a questão das
mensalidades escolares num problema público de grandes proporções, permitindo
que as universidades pagas, até então um sinônimo de despolitização, assista a um
crescente processo de insatisfação, sendo hoje uma das principais bases de susten-
tação do ME.
Esse modelo de universidade entra em crise no início da década de 80, no
compasso da crise geral do modelo de industrialização vigente. Uma crise política,
institucional e acadêmica, até agora sem solução. Os mesmos projetos que se con-
frontam na disputa pela saída da crise nacional têm correspondência no interior
das universidades. O rumo democrático-popular procura se consolidar na demo-
cratização das instituições universitárias, na abertura de espaços para a interação
com a sociedade (em especial com os excluídos) e em projetos mais elaborados,
como o “Universidade para os Trabalhadores”, da FASUBRA.
A primeira manifestação em bloco das intenções neoliberais para o meio aca-
dêmico foi o projeto GERES, gestado pelo governo Sarney, apontando na direção
da criação de “centros de excelência”, sucateando grande parte do setor público,
preservando apenas um pequeno setor. Esta política se insere de duas formas, basi-
camente, no projeto de globalização: por um lado, se a países como o Brasil caberia
apenas participar com produtos de baixa implicação tecnológica na festa do mundo
integrado, logo, a produção de conhecimento, ciência e tecnologia deve limitar-se a
essa necessidade. Os centros de excelência se voltariam para as ilhas de prosperida-
de, grandes parques industriais, concentrados em poucas regiões.
Os recursos economizados (aí entra o segundo aspecto) devem ser voltados
para o equilíbrio das contas públicas, combatendo a inflação, e visando o baratea-
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

mento dos custos de produção locais, tornando o Brasil mais atraente para o capital
estrangeiro.
Com Collor, e depois FHC, essa política se torna mais ofensiva: trata-se de
desobrigar a União de financiar o ensino superior. Além de poder transferir os re-
cursos gastos com universidade para setores fundamentais à vida dos brasileiros
(como o pagamento da dívida externa e o consumo de goiabada de primeira no Pla-

336
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

nalto), garante-se que a produção acadêmica estará voltada para a iniciativa privada,
único setor, além do Estado, que reúne condições para financiá-la.
A MP 938, suas reedições e desdobramentos em projeto de lei, visa preparar
o terreno para que essa política, já bastante agressiva nos últimos anos, seja imple-
mentada de uma vez por todas: cria um mecanismo de avaliação institucional que
visa desacreditar as instituições públicas que se pretende fechar, e ataca frontalmen-
te a autonomia e democracia das universidades, alijando os setores mais avançados
da comunidade do processo de escolha de dirigentes.
No mesmo sentido, insere-se o projeto de lei do deputado Antonio Jorge (PPR-
-TO), que visa estabelecer a cobrança de mensalidades nas universidades federais.
A pré-condição para que possamos encaminhar um projeto alternativo de uni-
versidade pública é exatamente que ela continue sendo pública. Neste sentido,
o centro da nossa intervenção, nesse momento, deve ser, sem deixar de elaborar
políticas alternativas, resistir à implementação do projeto do governo. Nossa pauta
deve combinar as características do momento político, marcado pela negação, com
a manutenção de nosso núcleo propositivo histórico.
Assim, na questão da avaliação institucional, por exemplo, devemos recusar o
PAIUB, ao mesmo tempo em que articulamos um projeto alternativo que combine
a participação da comunidade e da sociedade civil. Uma avaliação ao mesmo tempo
quantitativa e qualitativa, onde o corpo discente possa avaliar o docente, e onde o
papel da universidade na sociedade esteja no centro das discussões.
Para além da mera resistência, é importante frisar a centralidade da questão da
extensão como um instrumento de democratização e abertura das universidades.
A disputa por hegemonia envolve a disputa do conhecimento, a forma com que se
produz esse conhecimento e a que interesses ele deve estar ligado. Os diversos pro-
jetos desenvolvidos pelas executivas de curso no campo da extensão demonstram a
potencialidade desse tipo de trabalho, no que diz respeito a estabelecer processos
de interação entre o espaço acadêmico, o movimento estudantil, e os movimentos
populares.
A possibilidade de manter relações de troca, no sentido de fazer a disputa de
projetos no interior das universidades e contribuir para o avanço dos movimentos
sociais, deve ser aprofundada. Projetos como os “estágios de vivência” devem ser
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

multiplicados. Mais ainda: devemos buscar iniciativas de unificação dos diversos


projetos de extensão, visando uma disputa articulada de hegemonia, no conjun-
to das universidades. Outra questão central é a democracia: ainda que tenhamos
entrado num momento de refluxo, onde várias de nossas conquistas têm sido
ameaçadas, é importante apontar rumos neste sentido: não apenas precisamos es-
tender a eleição direta e a participação dos três segmentos a todos os cargos e
órgãos colegiados, é fundamental estabelecer formas de democracia direta. Isso diz

337
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

respeito ao controle efetivo da comunidade e da sociedade sobre a produção de


conhecimento.
A disputa de rumos nas universidades pressupõe, também, um processo de
unificação dos três segmentos (estudantes, funcionários e professores) que deve
começar a ser implementado desde já: um bloco capaz de lutar contra o projeto
neoliberal e de articular a elaboração de um projeto orgânico para a universidade,
desde uma ótica popular.
Propostas:
- Rejeição da [MP] 938 como um todo, inclusive da parte desmembrada;
- Contra o projeto de lei do deputado Antonio Jorge; pela manutenção da
gratuidade;
- Contra a desobrigação financeira do Estado para com as IFES;
- Suplementação orçamentária, pelo cumprimento dos 18% constitucionais;
- Ampliação das vagas nas universidades públicas e dos seus cursos noturnos;
- Vestibular: devemos fugir da falsa polêmica sobre o fim do vestibular; nossa luta é
pela universalização do acesso; o vestibular existe enquanto o acesso não for garan-
tido a todos que saem do ensino médio;
- Não à estadualização das federais;
- Verbas públicas só para o ensino e pesquisa públicos;
- Por um maior incentivo, inclusive financeiro, às atividades de extensão universitária;
- Autonomia de gestão dos recursos;
- Mais verbas para assistência estudantil; pela reabertura dos restaurantes universi-
tários, cm base na gratuidade;
- LDB: apesar da mutilação a que foi submetido nosso projeto original, devemos
defender sua aprovação, em contraposição ao projeto autoritário e neoliberal do
senador Darcy Ribeiro;
- Avaliação: por um projeto democrático de avaliação institucional; denúncia das
manobras governamentais que buscam responsabilizar o ensino superior público
pela falência do ensino básico;
- Escolas pagas: transcender o limite da questão das mensalidades: lutar também
pela qualidade de ensino; pela democracia; pela participação nos conselhos; buscar
novas fontes de financiamento para o CREDUC, visando acabar com o investimento
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

público nas pagas; não perder de vista a perspectiva de universalização do ensino


público, como objetivo dos estudantes das pagas;
- Democracia: a democracia, sob todos seus aspectos, deve ser o eixo de um proje-
to alternativo de universidade; neste sentido, apresentamos as seguintes propostas:
paridade em todos os órgãos colegiados; eleições diretas e universais dos reitores;
gestão paritária das universidades, com participação da sociedade civil organizada;
pelo respeito à autonomia: reitor eleito, reitor empossado.

338
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

MOVIMENTO ESTUDANTIL
O princípio que norteia a nossa visão de ME é a constituição de um bloco his-
tórico com os trabalhadores, os negros, as mulheres e todos os oprimidos, visando
construir uma nova hegemonia política, social e ideológica, que crie bases para a
construção do socialismo.
Um ME com essas características deve ser ao mesmo tempo combativo, plural e
coeso no enfrentamento das lutas. Deve buscar a articulação entre as lutas específi-
cas dos estudantes em cada curso com seus determinantes mais amplos, vinculados
à disputa de projetos nas universidades, no Brasil e no mundo. Deve buscar a in-
tegração dos diversos tipos de organização estudantil, sem o estabelecimento de
tutelas. Deve garantir às mulheres o mesmo direito de decidir e implementar as
políticas que tem cabido aos homens. Nessa perspectiva, é importante apontar pro-
blemas estruturais do ME em geral e da UNE, em particular.
O ME brasileiro, para além do debate estéril sobre a “crise”, vive dificuldades
importantes. O difícil embate ideológico nas salas de aula retrata a distância que se-
para as entidades gerais como um todo do meio estudantil. As entidades que mais
se aproximam dos estudantes na base (CAs e executivas de curso) não têm dado
conta de estabelecer a vinculação entre o geral e o específico, que é a chave para a
tomada de consciência que permitiria a um grande contingente de estudantes inte-
grar o bloco histórico por mudanças.
Isso não ocorre por acaso: as portas para essa integração têm sido sistematica-
mente fechadas pela UNE, na medida em que ela não busca estabelecer uma relação
de igual para igual com as executivas.
A ausência de Conselhos Nacionais de Entidades de Base (CONEB), em três
anos, nas duas últimas gestões, também contribuem para o distanciamento entre a
UNE e sua suposta base. Sem querer dizer que a UEN é a única e grande responsá-
vel pelos problemas de representatividade do ME, devemos identificar a sua parcela
de responsabilidade (que não é pequena).
A popularidade advinda da luta pelo impeachment abriu espaços para a UNE
mas não a tornou um referencial para a maioria dos estudantes. Não apenas por-
que não se tomou medidas nesse sentido, mas porque a maioria da UNE privilegiou
uma relação institucional com os governos e com outras entidades nacionais, sem
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

perceber que isso não basta para fazer da UNE uma entidade forte.
As vacilações da UNE diante do governo Itamar comprovam esse fato: afinal,
foi na barriga de Devagar Franco que se engendrou o monstrengo FHC. Teria sido
fundamental uma postura mais dura da UNE contra o governo anterior, para im-
pedir o fortalecimento do bloco neoliberal. Inclusive no sentido de cumprir as
deliberações de seu 42º Congresso: “Fora Collor, por eleições gerais”. Mas a UNE,

339
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

como outros setores do movimento social, não soube transformar a luta por ética
num questionamento político mais amplo.
E as vacilações não param por aí: a postura majoritária da UNE diante da re-
cente greve das universidades federais (quando não foi contra, como no caso da
Paraíba, a UNE simplesmente ignorou a greve e manteve a tiragem de delegados
para o Congresso) demonstra que, para o setor hegemônico, a manutenção do con-
trole sobre o aparelho é mais importante que a luta contra FHC e o neoliberalismo.
Da mesma forma, a UNE praticamente se absteve de interferir na questão da LDB,
assim como na greve dos petroleiros.
A questão das carteirinhas é outro problema espinhoso. É desnecessário lem-
brar a incontável série de problemas e de suspeitas de irregularidades. A mais
recente foi a falsificação de espelhos pelo DCE da UFPB. É fundamental que se esta-
beleça um processo mis transparente. Por isso, acreditamos que a UNE não deve se
utilizar de empresas para confeccionar a carteira. Na luta contra o neoliberalismo
e a privatização: abaixo à terceirização da confecção da Carteira de Identificação
Estudantil. O processo deve ser totalmente controlado pelas entidades. Por outro
lado, não podemos deixar de reconhecer que, do ponto de vista da relação política,
houve alguns avanços nesta última gestão. Caminhou-se para o estabelecimento de
uma proporcionalidade de fato na condução da entidade, iniciando-se um rompi-
mento com o velho monolitismo stalinista, onde a “maioria” manda e a “minoria”
obedece ou esperneia.
Mas inda há muito para ser transformado se quisermos uma entidade demo-
crática, adequada aos objetivos expostos no início do ponto.

Propostas:
- Greve geral da educação, contra a reforma constitucional e os ataques contra a
educação; unificar com ANDES, FASUBRA, UBES, CNTE;
- Que a próxima gestão da UNE seja de UM ano, preparando eleições diretas para
a gestão seguinte;
- Pela volta do CONEB;
- Fim do delegado nato; pela manutenção da atual proporção base-delegados;
- Pela realização de um fórum especial (seminário seguido de CONEG) para discutir
alterações no funcionamento do CONUNE;
n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

- Pelo voto das executivas de curso no CONEG;


- Fim da Presidência da UNE; criação da Coordenação Geral;
- Pela criação de uma cota reservada às mulheres na diretoria e executiva da UNE;
- Fora com as empresas que confeccionam as carteirinhas: todo poder às entidades;
- Apoio e participação da UNE no III Seminário de História do Movimento Estudan-
til, organizado junto à FEMEH;

340
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

- Realização, no 2º semestre de 95, do II Encontro Nacional de Estudantes de Esco-


las Públicas da UNE;
- Realizar, como evento prioritário do 2º semestre, um Conselho Unificado de
DCEs, ADs e sindicatos de servidores, buscando unificar o movimento contra os
projetos neoliberais para a universidade; e, principalmente, criar as bases para a
elaboração de um projeto de universidade comum aos três segmentos.
Pirateamos descaradamente: Arnaldo Antunes, o Velho Testamento, Per-
ry Anderson, Goscinny e Uderzo, F. F. Coppola, Lênin, Marx, Gramsci, Lou Reed,
Millazzo, Bertolucci, Colin, Luís Gê, Dewamme, Hugo Pratt, J. Hernandez, Frank
Miller, Pons, Crumb, Crepax e Peeters. Dia desses a gente acerta as contas. Pirate-
amos também o Laerte. Mas quem pirateia pirata ganha cem anos de perdão... e
uma garrafa de rum.
EPÍLOGO
Diante da ladainha e do nhenhenhém (que, na língua lá deles, quer dizer
masturbação sociológica), das juras de paz e felicidade eternas, proferidas pelo ex-
celentíssimo Senhor Professor Doutor Presidente da República, os inconformistas
diziam, como o poeta: “Hey man, take a walk on the wild side”. Vem ver como é que
vive a ralé, mauricinho dos intelectuais!
Proferidas estas gentis palavras, nossos heróis beberam a poção mágica e fo-
ram à luta. Cavalgando sonhos que se recusam a deixar de ser sonhados, partiram
de peito aberto para o ato final daquela tragédia (comédia, diriam alguns): o assalto
ao palácio, a derrubada da Bastilha, a final do campeonato no Maracanã; cada um
usa a imagem que quiser: o negócio é ir pro pau!

n ANEXO - 44o CONGRESSO DA UNE

341
45o Congresso da UNE
Belo Horizonte (MG), 02 a 06 de junho de 1997

TESE

NÃO VOU ME ADAPTAR

APRESENTAÇÃO
Um índio mexicano cruza a província de Chiapas com um pasamontañas no
rosto e um fuzil nas mãos. Um sem-terra brasileiro se lança contra o agressor da
PM de enxada em punho, Quixote batendo-se contra um moinho que tritura gente.
Um estudante carioca, trajando camiseta, bermuda e tênis, atira pedras contra um
muro de policiais escondidos atrás de capacetes, escudos, cachorros e bombas de
gás lacrimogênio. Na Coréia do Sul, este mesmo estudante lança coquetéis molo-
tov contra um batalhão de choque que já aprendeu há muito tempo que nenhuma
batalha está ganha antes de chegar ao fim. Em Havana, um milhão de cubanos des-
filam diante do retrato do Che, duros, pero ternos. Mesmo no velho continente, de
onde partiam as caravelas abarrotadas com os arautos da escravidão e da subser-
viência, operários de todos os países marcham rumo à Holanda para demonstrar
que é possível recusar as alternativas oferecidas pela esfinge neoliberal: “adapte-se
ou te devoro”.
Nos primeiros meses do reinado de Fernando II, o Príncipe, os últimos fiapos
das utopias que alguns haviam deixado sepultar sob os escombros do muro de Ber-
lim pareciam se dissolver para sempre e o Weffort (lembram do Weffort?) apontava
aquilo que muita gente pensou ser o único caminho possível: a adesão despudora-
da. Velhos combatentes depunham as armas e conclamavam as massas à... oposição
propositiva! Aqueles que pretendiam levar os “dinossauros” para a trilha da “mo-
dernidade” diziam: “juntemo-nos ao PSDB, antes que algum aventureiro (do PFL)
o faça”. Acabaram se juntando ao PSDB e ao próprio PFL que, afinal de contas, tem
uma grande “sensibilidade social”.
Além desses adesistas, temos que aturar ainda aquele outro tipo excêntrico de
militante que se diz inimigo do neoliberalismo, tem pendores nacional-desenvolvi-
mentistas, adora as cores da bandeira, morre de saudades do socialismo real e acha
que, para liderar o bloco dos descontentes, o nome ideal é o... Itamar Franco!!!!!
O mesmo Itamar em cujo mandato se privatizou mais estatais do que em qualquer

342
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

outro; o presidente do Plano Real; o cara que inventou o FHC. E depois, nós é que
somos malucos.
Dois anos atrás, nós ousamos bradar que não nos adaptaríamos a este simula-
cro de nova ordem. Felizmente, não era um brado original. Os sem-terra, os índios
de Chiapas e os “irredutíveis gauleses” de todo o mundo vêm mostrando um bom
caminho a se seguir se os tempos são difíceis, se o inimigo, se tão duro, parece ser
imbatível, nós seremos mais duros e mais intransigentes. Nenhuma concessão de
princípios fará com que a travessia seja mais curta ou mais suportável. Os conti-
nuadores da obra de Cortez, Pizarro e Cabral são experts em coisa nenhuma que
operam de qualquer lugar onde possam ligar seus notebooks e negociar, via inter-
net, as almas de milhões de miseráveis. Nós resistimos nas ruas, com paus e pedras,
nas fábricas, com os braços cruzados, no campo, derrubando as cercas da exclusão
capitalista; nas universidades, contra a falácia privatizante dos vampiros que ser-
vem ao Banco Mundial; resistimos em casa, mantendo viva a chama da consciência
crítica, diante do massacre pasteurizador promovido pela mídia. O caminho da re-
sistência é o único que pode ser trilhado com dignidade.
Tudo acaba um dia. A tempestade neoliberal não vai durar para sempre. E é
a resistência que oferecemos que determinará o tempo durante o qual os prínci-
pes e os sociólogos dos príncipes continuarão a reinar. E o que hoje entram pela
porta dos fundos no banquete restrito da burguesia não serão bem-vindos à folia
popular que os teimosos celebrarão nas ruas, no dia em que o último neoliberal for
enforcado com as tripas do último adesista. Esta tese ao 45º Congresso da UNE é
dedicada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ao Exército Zapatista
de Libertação Nacional, aos companheiros mortos do Movimento Revolucionário
Tupac Amaru, à memória de Ernesto Che Guevara e a todos aqueles que seguem
acreditando.

O QUE ROLA PELO MUNDO


O panorama internacional segue marcado pela consolidação do neoliberalis-
mo enquanto diretriz do capitalismo no fim do século XX. Adotado por governos
burgueses a partir de meados da década de 70 para resolver a crise do capital que
eclode entre 72 e 73, o neoliberalismo tem como eixo o desmonte das obrigações
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

trabalhistas dos empregadores (cujo objetivo é aumentar a margem de lucro do


capital a para isso precisam derrotar as organizações dos trabalhadores); e a am-
pliação das áreas de investimento privado, através da transferência, via privatização,
de patrimônio construído com recursos públicos para as mãos do empresariado (a
legitimação ideológica deste processo se dá através da disseminação da ideia de que
nada do que é coletivo funciona e de que só os empresários sabem administrar).
Além disso, aprofundam-se as relações de dominação imperialista, estimulando a li-

343
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

vre circulação de mercadorias produzidas no primeiro mundo no interior de países


onde o parque industrial não possui condições de competição.
A boa nova é que este modelo já não funciona como novidade. Apesar de a
esquerda e as organizações populares não estarem ainda em condições de oferecer
uma alternativa mais definitiva para a transformação da sociedade no plano mun-
dial, os espaços para a denúncia da exclusão acentuada pelo neoliberalismo e para
ações efetivas de resistência se ampliam em várias partes do mundo. A cada dia fica
mais evidente a total incapacidade desta nova faceta do capitalismo de promover
prosperidade social para mais do que uns poucos: o aumento da taxa de desempre-
go, a crescente polarização da sociedade entre ricos (cada vez em menor número e
mais ricos) e pobres (cada vez em maior número e mais pobres), a manutenção das
baixas taxas de crescimento observadas desde os anos 70 e o brutal aumento do
peso do capital financeiro em detrimento do setor produtivo evidenciam o caráter
predatório e parasitário do capitalismo neste fim de milênio.
O ataque aos direitos e conquistas dos trabalhadores e a polarização favore-
cem os movimentos que se dispõem a fazer luta social. Já podemos citar vários
exemplos da multiplicação deste quadro (o Zapatismo, a greve de 95 na França, a
resistência dos trabalhadores alemães e coreanos à desregulamentação das relações
de trabalho).
Diante de um processo de concentração progressiva das decisões econômicas
nos organismos internacionais do grande capital (FMI, Banco Mundial, Organiza-
ção Mundial do Comércio), a unificação dos movimentos e partidos de esquerda
em torno de uma alternativa socialista e revolucionária no plano internacional se
faz ainda mais premente. Também se faz necessário um esforço de elaboração es-
tratégica que dê conta dos desafios postos pelas transformações por que passa a
sociedade neste fim de século e de milênio. É certo que muitas das velhas respostas
já não dão conta das novas perguntas. Mas também é certo que os sujeitos desta
alternativa futura só poderão ser aqueles movimentos que rejeitam, no presente,
qualquer tipo de adaptação ao ideário burguês.
E o que rola por aqui...
No Brasil, a unidade da burguesia em torno do programa neoliberal capita-
neado por FHC resultou em vitórias importantes dos segmentos conservadores.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

As mudanças constitucionais referentes ao capítulo da ordem econômica (obtidas


no Congresso em 1995) e a aprovação da reeleição são seus principais exemplos.
O governo FHC condensou uma série de iniciativas de adequação do Brasil
aos ditames dos projetos de “ajuste” impostos pelos organismos financeiros inter-
nacionais e que já vinham sendo aplicados em outros países do terceiro mundo.
Hoje, após mais de dois anos de governo tucano, é possível dizer com segurança
que as disputas sociais se dão num terreno bastante diferenciado daquele que pro-

344
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

piciou o acenso monstruoso dos movimentos sociais nos anos 80. O governo FHC
não é vacilante como o de Sarney e conta com muito mais apoio da burguesia que
o de Collor.
No entanto, a saída neoliberal ainda não está consolidada em definitivo e o
futuro no médio prazo depende da capacidade de disputa dos setores populares.
Fernando Henrique carrega também o ônus de ser um governante cada vez mais
identificado com as classes dominantes e seus interesses, mantendo lastro na opi-
nião pública somente em função da inflação baixa, que é o que ainda lhe confere
uma grande base de simpatia e apoio popular. O ciclo de transição ainda não se
fechou. A burguesia está e vantagem, mas os movimentos sociais demonstram mais
fôlego para a disputa do que muitos supunham.
Mas é preciso não cometer alguns erros. No enfrentamento com o governo
FHC, muitos foram os dirigentes populares que vacilaram em momentos decisivos,
como a greve dos petroleiros e servidores públicos federais e mesmo em relação
aos métodos do MST (vistos como legítimos por 88% da população, mas questio-
nados pelo presidente da CUT). O papel da CUT, aliás, ao legitimar o ataque à
Previdência é um exemplo das políticas de setores de esquerda que resolvem não
enfrentar de forma global o neoliberalismo e negociam para obter o chamado mal
menor. Esta política tem como único resultado possível a derrota. E derrota sem
luta, portanto sem acúmulo de formas para o futuro.
Apesar de possuir maior força e respaldo que os presidentes que o antecede-
ram, FHC não comanda um governo imbatível. A estabilidade do real está fundada
na abertura do mercado nacional aos produtos estrangeiros e na paridade artificial
do real com o dólar. Este modelo estrangula as possibilidades de crescimento eco-
nômico, provoca o desemprego massivo e depende da manutenção do nível de
reservas em dólar. A insatisfação gerada pelo desemprego é cada vez mais evidente.
O favorecimento à entrada de produtos estrangeiros vem resultando em progressi-
vos déficits na balança comercial, gerando evasão de divisas e agravando o quadro
de problemas do real. Além disso, alguns aspectos da opção elitista do governo vão
se evidenciando para a opinião pública. A tática adotada pelo MST na conjuntura
é o exemplo mais gritante de que só com confronto social é possível abalar o go-
verno. O MST ocupou e resistiu e a opinião pública apoiou. Assim como apoiou as
manifestações de rua contra a privatização da Vale.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

O resultado da ação radical foi a unidade popular. No dia 17 de abril, na che-


gada da marcha do MST a Brasília, as diversas categorias estavam unificadas para
exigir reforma agraria já, fim das privatizações e das reformas neoliberais, para de-
fender o direito a educação e saúde. Foi a maior manifestação de rua em oposição a
este governo e uma das maiores que já existiram na história de Brasília.23 O governo
23.  No original: “[...] uma das maiores que Brasília já existiu na sua história”. [N.O.]

345
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

ficou pela primeira vez na defensiva e sem dúvida a oposição ao governo chegou a
um novo patamar, onde se busca impor derrotas efetivas a FHC. Entre os dias 28 de
abril e 6 de maio, a unidade popular se posicionou nos arredores da bolsa de valo-
res do Rio, nas maiores manifestações contra o programa de privatizações desde o
seu início em 1991, conseguindo adiar a privatização da Vale e provocando desgas-
tes no governo. As denúncias de que o governo comprou votos dos deputados para
aprovar a emenda da reeleição na Câmara acentuam sobremaneira este desgaste do
governo. As últimas pesquisas mostram uma significativa queda de popularidade
do presidente. É verdade que o governo, sua base no Congresso e a mídia estão
fazendo uma verdadeiro “esforço concentrado” para impedir a criação da CPI da
Reeleição. Temos de exigir a instalação da CPI e a suspensão imediata da tramitação
da emenda no Senado.
Devemos manter o combate e avançar na apresentação de alternativas popu-
lares ao projeto neoliberal. Para tanto, é importante afirmarmos que as aspirações
mais profundas dos trabalhadores da cidade e do campo, dos estudantes, das mu-
lheres, dos negros, homossexuais não serão alcançadas com este governo. Nossa
perspectiva deve ser a derrota global da política do governo FHC. Para chegar a tan-
to, devemos consolidar a unificação do conjunto da classe trabalhadora, estudantes
e oprimidos em geral num calendário de mobilizações. A UNE deve unificar a sua
atuação com os setores que estão mais avançados nas lutas, construindo comandos
de mobilização conjuntos, caminhando rumo a uma greve geral do país.
O campo político que deve ser trabalhado prioritariamente é aquele que se
dispõe a buscar uma alternativa ao neoliberalismo que questione suas bases mais
profundas, ou seja, as bases do modo de produção capitalista. Não há espaço para
a formação de um bloco de “centro-esquerda” ou uma “frente ampla” que envolva
“desgarrados” dos setores dominantes como Giro Gomes e Itamar. A realidade des-
te fim de século mostra que não há lugar para meio-termo. A sanha da burguesia
contra os direitos dos trabalhadores não tem limites. A “centro-esquerda” de hoje
é composta pelos neoliberais de ontem (e, com certeza de amanhã) que não foram
contemplados satisfatoriamente pela divisão do bolo na festa de FHC. No mundo
inteiro o centro desaparece. A polarização se radicaliza. A social-democracia euro-
peia há muito aderiu ao “pensamento único” liberal. A composição com o centro,
em quase todas as situações, é uma adesão tímida ao neoliberalismo.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

O crescente autoritarismo do governo FHC não será contido com a ameni-


zação do discurso ou com a negociação baseada em seu programa. Uma eventual
“fujimorização” só será evitada com o endurecimento da luta popular. Os trabalha-
dores e estudantes devem seguir um caminho próprio, aberto a alianças pontuais,
mas centrado na radicalização das lutas e na aliança entre os oprimidos da cidade
e do campo.

346
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

UNIVERSIDADE
A disputa que polariza os setores mais avançados da universidade, de um
lado, e o governo, de outro, em torno dos rumos do ensino superior no Brasil está
fundada na polarização mais ampla da sociedade. O colapso do nacional-desenvol-
vimentismo, que marcou a história do país da Era Vargas à ditadura militar, pôs em
xeque o conjunto das instituições construídas para dar sustentação a este modelo.
A ofensiva neoliberal que veio tentar solucionar a crise do capital (do ponto de vis-
ta do capital, é claro) trabalha com alguns parâmetros que entram em choque com
o modelo de universidade construído entre 1964 e o fim dos anos 70. A inserção
subordinada do Brasil no crescente processo de internacionalização da economia
é a privatização como instrumento de equilíbrio das contas públicas e de abertura
de novos mercados para a iniciativa privada passam a servir de base para um novo
modelo de universidade pública. Seu eixo é composto pelos seguintes pontos:
- A manutenção de uma rede enxuta, composta apenas por alguns “centros de ex-
celência”, mantidos em parte por recursos públicos. O princípio de todo o projeto
é a redução drástica dos gastos com ensino superior. Como consequência, teríamos
uma maior subordinação da produção de conhecimento aos interesses da iniciati-
va privada, que se tornaria principal financiadora e beneficiária das pesquisas, bem
como das outras atividades;
- O fim do tripé ensino-pesquisa-extensão. Algumas poucas instituições concentra-
riam a pesquisa e o restante da rede pública se dedicaria exclusivamente ao ensino,
precarizando e mediocrizando a produção de conhecimento, transformando-se,
assim, em verdadeiros “escolões de terceiro grau”. A extensão seria virtualmente
extinta, eliminando-se assim um dos poucos canais de relacionamento entre a uni-
versidade e a sociedade;
- A redução do quadro de pessoal e precarização das condições de trabalho, com o
fim da obrigatoriedade dos concursos públicos e a quebra da estabilidade;
- O retorno ao modelo de gestão autoritário da época da ditadura, tentando blo-
quear os mecanismos de democratização conquistados em lutas memoráveis na
segunda metade dos anos 80.
O projeto do Banco Mundial para as universidades vem sendo implementado
no conjunto dos países latino-americanos, e consiste em ajustá-las à nova dinâmica
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

e à lógica do mercado.
Os “centros de excelência” da produção universitária, em geral localizados nas
regiões mais ricas, devem cada vez mais dimensionar-se à lógica empresarial-tecno-
crática. Deles sairia a elite de pesquisadores, técnicos e burocratas, bem como os
reprodutores da ideologia dominante e das relações de produção capitalista. No
restante seria formada, a baixo custo, uma mão-de-obra medianamente qualificada,

347
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

capaz de atender às demandas do setor industrial e de serviços integrados à dinâ-


mica da globalização.
O Brasil implementou várias medidas do receituário do Banco Mundial antes
do governo FHC, como o incentivo ao desenvolvimento do ensino pago, o corte de
verbas de assistência estudantil nas universidades públicas, o achatamento salarial
e o corte nas verbas de investimentos e custeio.
O governo FHC trabalha com o objetivo de desmontar o atual sistema públi-
co de ensino superior. Para implementar seus projetos, o governo precisa aprovar
uma série de medidas mudando a Constituição; algumas destas já foram aprovadas
no Congresso Nacional.
A reforma administrativa é uma medida essencial na lógica do governo, pois
visa quebrar o Regime Jurídico Único, permitindo o fim da estabilidade e da neces-
sidade de concurso público. Visa também acabar com o plano nacional de carreira
dos docentes e técnicos administrativos, passando a responsabilidade da folha de
pessoal para as universidades.
A concepção de autonomia contida na Proposta de Emenda Constitucional
370 (PEC 370) é a regulamentação do projeto do governo para as universidades. O
objetivo é asfixiar as universidades, desresponsabilizando o Estado com sua manu-
tenção, obrigando-as a buscar financiamento privado e abrindo a possibilidade para
a cobrança de mensalidades. A LDB aprovada vem no mesmo sentido. A resistên-
cia oferecida pela comunidade fez com que o relator da PEC na Câmara, deputado
Paulo Bornhausen, recusasse alguns pontos, especialmente naquele que falava em
transformar as universidades federais em fundações públicas de direito privado. O
seu substitutivo fala em “entidades públicas”, mas mantém a lógica de desmonte
do sistema previsto no texto original. O senador Edson Lobão, do PFL, apresentou
uma PEC propondo a cobrança de mensalidades nas universidades públicas.
O “Provão” entra em cena com o objetivo de, através de um simulacro de
avaliação, ranquear as universidades usando a nota dos estudantes como critério
para dividir o orçamento entre elas. Ao mesmo tempo, visa conferir legitimidade
às instituições particulares e ao projeto privatista, buscando conquistar a opinião
pública. Faz parte também da estratégia de marketing que pretende mostrar o mi-
nistro Paulo Renato como o mais dinâmico do governo e a área da educação como
uma prioridade.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

A aprovação da lei que dá 70% do peso dos votos para docentes nas eleições
para reitor e na composição dos colegiados, desobrigando a nomeação do mais
votado é um mecanismo para desarticular a oposição ao projeto governista nas
universidades. Tenta cooptar o corpo docente, evitar a eleição de reitores progres-
sistas e excluir os estudantes e técnicos administrativos da condução dos rumos da
universidade.

348
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

Os governos estaduais foram fiéis discípulos desta política, sendo alguns in-
clusive mais ágeis na implementação destas medidas dentro das universidades
estaduais. O governo Covas tentou, em 1996, aprovar a cobrança de mensalidades
nas estaduais paulistas e a redução de percentual do ICMS destinados ao ensi-
no superior. Diante da resistência da comunidade universitária, tais projetos não
prosperaram.
No Paraná, o governo Jaime Lerner também tentou aprovar um projeto de
autonomia que é cópia do projeto de organizações sociais do ministro Bresser.
Devido à reação, principalmente dos estudantes, Lerner recuou, adiando o envio
do projeto.
O mais grave aconteceu em Tocantins, onde a UNITINS (universidade estadu-
al) foi sumariamente privatizada, beneficiando parentes do governador Siqueira
Campos.

Combater o projeto neoliberal para a universidade


- Lutar pela rejeição da PEC 370 e contra a proposta de regulamentação da LDB
apresentada pelo governo;
- Campanha de massas na defesa do ensino público, denunciando o governo fede-
ral e os governos estaduais nas tentativas de destruição da universidade pública;
- Construir a unidade com a ANDES e a FASUBRA nas táticas de enfrentamen-
to ao governo federal, preparando uma greve dos três segmentos em defesa da
universidade.
- Campanha internacional de denúncia dos planos do Banco Mundial para as uni-
versidades e de solidariedade internacional aos estudantes que estão sofrendo a
repressão dos governos neoliberais e a privatização das suas universidades;
- Combater às fundações universitárias, entendendo que estas são uma forma do
governo iniciar o processo que o desobriga do financiamento das universidades;
- Construir um processo paralelo de eleição dos reitores a partir das entidades, obe-
decendo no mínimo à paridade e exigindo o reconhecimento deste resultado pelo
Conselho universitário. Onde isto não foi possível, boicotar o processo dos 70%,
denunciando-o. Denunciar a intervenção do governo federal em universidades que
mantiveram o processo democrático como é o caso da UFOP, da UFPel e da UFPA;
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

- Campanha de boicote ao “Provão”, com o slogan “Provão: Eu Não Faço!”. A postu-


ra adotada pela maioria da UNE mostrou-se insuficiente. É preciso radicalizar nos
métodos, a exemplo do que foi feito no Rio em 96, com base nas decisões do II
Fórum de Estudantes das Públicas, realizado na UFRJ. É importante, contudo, pre-
servar a autonomia dos DCEs para aplicarem o melhor método de operacionalizar
o boicote, dependendo da avaliação das suas condições locais;

349
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Acompanhamento da UNE ao processo de mobilização das universidades estadu-


ais e denúncia dos governos estaduais que implementam a privatização do ensino
superior.
Dilema das particulares
A imensa maioria dos estudantes do ensino superior brasileiro paga, e caro,
para estudar. Um projeto verdadeiramente democrático de sociedade não pode per-
der a perspectiva de que o ensino, em qualquer nível, deve ser público e gratuito.
No entanto, não podemos deixar sem respostas os inúmeros problemas vivi-
dos pelos estudantes das escolas privadas. Desde logo, coloca-se o problema das
mensalidades. O acesso direto às planilhas deve ser exigido, mas não é suficiente.
É frequente a manipulação e a fraude nas contas apresentadas pelos donos das es-
colas. As planilhas precisam ser regulamentadas, fiscalizadas e tonadas públicas.
O governo aponta a livre negociação como objetivo, como se a permanência
de um aluno na universidade fosse um mero contrato comercial. Esta política deve
ser combatida, sob pena da inviabilização do acesso de milhares de estudantes à
educação já que não encontram vagas no sistema público. A política da UNE se
resumiu a assumir a postura de “fiscal de FHC”, brigando pelo cumprimento da me-
dida provisória do governo que era extremamente favorável aos donos de escola.
No plano imediato, é preciso exigir o congelamento das mensalidades, e que, pos-
teriormente, os aumentos sejam vinculados ao aumento salarial. Além disso, não
é mais tolerável a rejeição da renovação de matrículas por atraso no pagamento,
prática de inúmeros estabelecimentos.
Outro eixo importante para uma política imediata para as faculdades pagas é
a questão da qualidade de ensino. O conluio criminoso entre os diversos governos
e empresários do ensino propiciou a disseminação dos cursos de baixa qualidade.
Os “supermercados de diploma” são a regra e não a exceção quando o assunto é o
ensino privado. Nesse sentido, o “Provão” é um instrumento extremamente inefi-
ciente pois não avalia aqueles que são os pontos mais fracos destas instituições: a
pesquisa, a extensão, a titulação dos professores e fundamentalmente a interação
entre o estabelecimento e a sociedade a qual, enquanto concessão pública, deveria
servir. Devemos, portanto, lutar por instrumentos democráticos e eficientes de ava-
liação das instituições pagas.
A questão da democracia se articula com ambos os problemas apresentados.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

O direito de manifestação e organização, bem como o fim das sanções acadêmicas


em função de inadimplência são pressupostos fundamentais para que se desenvol-
va a luta pela melhoria e pela ampliação do acesso ao ensino. Da mesma forma,
devemos lutar para democratizar as estruturas de direção das faculdades pagas, ele-
gendo reitores, decanos e diretores. Ainda, devemos lutar pela paridade nos órgãos
colegiados, bem como a escolha democrática de seus representantes.

350
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

A nossa luta estratégica deve ser pela universalização do ensino público. E


a atuação nas faculdades pagas precisa estar sintonizada com este princípio. É
preciso conscientizar as lideranças do ME das pagas da importância da luta pelo
ensino público, tendo em vista que as soluções definitivas para os problemas do
ensino privado só se resolverão com a sua transformação em ensino público. Este
caminho é longo, mas não deve deixar de ser trilhado.
Propostas para uma política imediata de pagas
- Eleições diretas (com voto paritário, no mínimo) para os reitores, decanos etc.
- Representação paritária nos colegiados;
- Redefinição do financiamento através do CREDUC, ampliando o nº de alunos
atendidos, mas que não sejam utilizados recursos provenientes do ensino público;
- Exigência de dedicação integral de parte do corpo docente, pois em muitas facul-
dades os professores apenas dão a sua aula, não se preocupando com extensão e
pesquisa;
- Obrigatoriedade de concurso para admissão de professores, com critérios demo-
cráticos e transparentes;
- Garantia salarial para professores e funcionários;
- Critérios democráticos e transparentes para a distribuição de bolsas, que não
sejam totalmente entregues aos diretórios, mas que sejam acompanhados plena-
mente por parte das representações estudantis;
- Controle legal das mensalidades;
- Ampliação dos espaços de discussão sobre universidades particulares na UNE,
criando fóruns especiais;
- Criação de um GT de ensino superior pago, convidando entidades de funcionários
e professores das particulares;
- Obrigatoriedade de todo e qualquer estabelecimento de ensino de desenvolver,
paralelamente, extensão e pesquisa.
Construir uma alternativa popular
É importante, mesmo num quadro de resistência prolongada, retomar a inicia-
tiva de apontar saídas para a crise do ensino superior, com base numa perspectiva
de transformação socialista da universidade.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

O fio condutor deste projeto deve ser a busca de uma universidade que sir-
va aos interesses da classe trabalhadora. A disputa de hegemonia em seu interior
busca transformá-la, sabendo que este processo não se encerra nos marcos do ca-
pitalismo, mas que o seu avanço contribui para o processo de luta pelo socialismo.
Devemos buscar a formação de profissionais mais conscientes da realidade social
do país e, também, a aproximação dos espaços de produção do conhecimento das
organizações populares e dos trabalhadores.

351
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Eixos para uma disputa ofensiva


- A universalização do acesso deve ser um dos temas entrais de uma política ofensiva.
Ampliar as vagas no ensino superior público, com ênfase para os cursos noturnos,
significa começar a romper os bloqueios sociais que separam a universidade da
maioria marginalizada da população e, também, um golpe contra o ensino privado;
- A questão da democracia interna, com base na eleição de dirigentes e na amplia-
ção dos espaços de democracia direta e do peso de estudantes e funcionários em
órgãos colegiados. A luta por democracia ajuda a consolidar as bases internas de
resistência ao projeto neoliberal e abre perspectivas de transformações futuras;
- A autonomia e o financiamento devem ser tratados sob a nossa ótica; aprofunda-
mento do direito de organizar a gestão das universidades, inclusive dos recursos
através de uma proposta de orçamento participativo: manutenção do financiamen-
to público ao ensino superior e ampliação das verbas a ele destinadas;
- A assistência estudantil precisa ser entendida como instrumento de viabilização
da permanência do aluno na universidade. Devemos lutar para reabrir bandejões,
ampliar as vagas nos alojamentos e recusar a transformação do aluno pobre em
funcionário mal remunerado das universidades, como vem sendo implementado
por algumas reitorias;
- A pesquisa, garantida através de financiamento público, deve se pautar no encon-
tro de soluções para os graves problemas que atingem a população do país. Deve-se
pensar a busca de novos conhecimentos para a superação da miséria em que se en-
contra imersa a maioria do povo brasileiro;
- A retomada da luta em defesa dos projetos de extensão, como instrumento de
socialização do conhecimento acumulado no interior da universidade e de apro-
ximação desta com as necessidades das classes trabalhadoras tem importância
estratégica. Neste sentido, devemos combater as concepções de extensão enquan-
to consultoria, assistencialismo, prestação de serviços ou “Educação Continuada”.
É preciso desmascarar projetos assistencialistas como o “Comunidade Solidária”,
integrado na lógica das políticas compensatórias e cujo objetivo é fazer marketing
para o governo. Devemos retomar a ideia de projetos nacionais de extensão vincu-
lados a temas específicos, que aglutinem as entidades estudantis, as entidades de
professores e funcionários e os movimentos populares. É preciso disputar corações
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

e mentes dos estudantes para um projeto coletivista e solidário, lutando contra a


crescente mediocrização das perspectivas profissionais.

MOVIMENTO ESTUDANTIL
O movimento estudantil brasileiro demonstrou historicamente uma grande
combatividade. Nos últimos enfrentamentos por que passamos, esta disposição de

352
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

luta se confirma. Recentemente, as manifestações contra a privatização da Vale do


Rio Doce, que diante da Bolsa de Valores do Rio enfrentaram os cães e batalhões de
Choque da PM, foram compostas de forma amplamente majoritária por estudantes.
Caravanas de várias partes do país de juntaram aos protestos no Rio.
Esta disposição é, com certeza, um importante fator de polarização com o go-
verno e deve ser cultivada como um patrimônio coletivo do movimento. Contudo,
ela não pode nos impedir de enxergar as limitações do ME do ponto de vista orgâni-
co e da sua linha de atuação. Superar as insuficiências e reverter políticas vacilantes
são duas necessidades urgentes para que o potencial de combate dos estudantes se
manifeste no máximo. A disposição de radicalização na política e os projetos de de-
mocratização do movimento estão intimamente ligados. A política burocrática que
se encontra encastelada na diretoria da UNE se manifesta na absoluta insuficiência
de mobilizações e no controle autoritário dos rumos da entidade.
A atual gestão da UNE: um balanço necessário
A atual diretoria da UNE foi eleita em meio à ofensiva do governo contra as uni-
versidades públicas. É preciso que se faça um balaço das iniciativas tomadas pelas
entidades para enfrentar este quadro. Neste sentido, não há como deixar de dizer
que a política da UNE foi desastrosa. A política da corrente majoritária no seu inte-
rior, a UJS, priorizou nitidamente a atuação institucional, as reuniões com ministros
e secretários em gabinetes, em detrimento da mobilização. São exemplos disso:
- A participação da UNE no Conselho Nacional de Educação, órgão de composi-
ção excludente (os funcionários, por exemplo, não têm direito à participação), e
cuja única função é conferir uma aura de legitimidade às políticas neoliberais do
governo;
- Na tramitação da LDB, a UNE abriu mão de mobilizar os estudantes, praticamen-
te se ausentou do processo e terminou por emendar o projeto de Darcy Ribeiro,
renunciando a uma luta de mais de sete anos da comunidade educacional pelo pro-
jeto democrático de LDB;
- Na luta contra o Provão, a UNE se ausentou até o último momento, quando aca-
bou por se juntar às manifestações organizadas sem a sua participação. O equívoco
da opção feita pela UNE de priorizar apenas a luta judicial e de não radicalizar no
enfrentamento direito foi demonstrado pelos resultados políticos obtidos nos lo-
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

cais onde os estudantes buscaram inviabilizar a realização da prova.


No enfrentamento mais global, com a política implementada pelo governo, a
UNE vem demonstrando vacilações. Tentou impedir a realização da greve dos estu-
dantes das federais em 96; sumiu da cena política durante o período das eleições
municipais, priorizando projetos eleitorais que pouco ou nada têm a ver com o
interesse dos estudantes, se ausentando da luta em defesa da autonomia e boico-
tando o II Fórum de Públicas.

353
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

Mas a mais importante e estratégica dessas vacilações é a aposta num bloco


de “centro-esquerda” que pretende subordinar as forças populares a um comando
político que reúne Ciro Gomes e José Sarney e cujo líder máximo (e possível can-
didato à Presidência) seria Itamar Franco. É a mesma linha que os companheiros
da UJS adotaram na época da Nova República de Sarney, ou seja, subordinar os in-
teresses dos estudantes, dos trabalhadores e dos oprimidos aos interesses de uma
suposta “burguesia progressista”.
Na verdade, a única diferença real desses setores da classe dominante com o
governo FHC diz respeito à divisão do poder. Do ponto de vista da política, têm
estado em sintonia com o núcleo estratégico do neoliberalismo, estando todos afi-
nados com a elaboração e a implementação do Plano Real. No que diz respeito à
democracia da entidade, consolida-se a política aparelhista e burocrática que subor-
dina o funcionamento da UNE aos interesses da força política que possui maioria
na direção.
Os mecanismos de contato com a base estão totalmente abandonados. Depois
de seis anos sem realizar um Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB),
a UJS apresenta agora a proposta de retomá-los, mas tendo como contrapartida a
extinção do Congresso com delegados eleitos na base, que seria substituído pelo
CONEB, cujos delegados são natos.
O recrudescimento da burocratização se deve ao fato de que a corrente majo-
ritária é hoje uma completa alienígena no movimento real. Muitas das mobilizações
de rua aconteceram à revelia da UNE e, em muitos casos, apesar da UNE. Para
manter o controle sobre o aparelho que lhe sustenta financeiramente e lhe dá vi-
sibilidade política, o partido que dirige a UNE quer reforçar os mecanismos que
distanciam a entidade de base, num quadro em que a democracia já é bastante pre-
cária. O movimento estudantil vive um momento decisivo. Se a política vacilante
e burocrática da atual maioria na UNE for mantida, corremos o risco de ver, num
curto espaço de tempo, nossa entidade nacional se transformar num mero balcão
de carteirinhas.

Uma alternativa para a UNE e para o ME


A retomada de uma linha combativa para a UNE passa por uma reorientação
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

política que a coloque no rumo das lutas de massas e do combate efetivo ao go-
verno FHC e por uma reformulação das suas estruturas, visando a democratização
e a desburocratização da entidade. Devemos construir uma nova dinâmica para
o cotidiano da UNE, que aponte para um ME combativo, plural e coeso no enca-
minhamento das lutas; que construa um projeto para a universidade; que faça o
debate nas salas de aula, que seja referência para os estudantes. Nesse sentido, ini-
ciativas como os congressos dos estudantes da USP e UFRJ são fundamentais como

354
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

exemplo da possibilidade de construção de espaços amplos e democráticos que


apontem alternativas para o ME e a universidade.
A UNE precisa articular a luta contra o projeto neoliberal construindo a aliança
do campo democrático-popular. Em lugar da institucionalidade, a mobilização; em
lugar dos acordos, o enfrentamento; em lugar da cúpula, a base. O nosso objetivo é
fortalecer o campo democrático-popular, construindo uma oposição de massas que
derrote globalmente a política do governo, alinhado com uma visão estratégica de
transformação da sociedade no rumo do socialismo.
Sem termos a ilusão de que isso bastará para solucionar os problemas estru-
turais do ME, é fundamental construir uma nova direção para a UNE. Uma direção
combativa e democrática. Para que o novo núcleo dirigente tenha características
consistentes, é importante que a sua composição política seja baseada nos setores
do movimento que apostam na mudança de rumos. Portanto, setores cuja política
se afina na prática com a atual maioria não devem participar deste campo.
Propostas para o 45º CONUNE:
- Realizar um fórum deliberativo junto com ANDES e FASUBRA para unificar a tá-
tica de enfrentamento ao governo e esboçar um projeto comum de universidade;
- Realizar o III Fórum de Públicas;
- Realizar um Encontro de Pagas;
- Fim do delegado nato ao Congresso da UNE;
- Mandato de um ano para a diretoria, com a volta do CONEB, sem nenhuma redu-
ção dos critérios de delegação ao Congresso;
- Criação de uma cota de, no mínimo, 30% de mulheres na composição da diretoria
e da executiva da UNE;
- Fim da Presidência da UNE. Pela implantação de coordenação ou de diretoria
colegiada;
- Proporcionalidade qualificada, com separação da executiva do corpo da diretoria
para efeito de cálculo;
- Voto das executivas de curso no CONEG;
- Eleições diretas para a diretoria da UNE;
- Democratizar a imprensa da UNE, abrindo-a para as várias posições existentes no
movimento;
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

- Criar mecanismos mais amplos de participação estudantil, especialmente através


de plebiscitos;
- Realização de um seminário nacional sobre organização do movimento estudantil,
que apresente um projeto de reestruturação da UNE;
- Montar grupos temáticos para subsidiar o trabalho político da entidade;
- Retomar os seminários de cultura da UNE, buscando construir uma política da
entidade para o setor;

355
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Fim imediato da participação de empresas n confecção da carteira;


- Controle do movimento sobre as finanças da UNE, com orçamento elaborado por
uma comissão de entidades e aprovado em CONEG;
- Realização de auditoria independente nas contas da UNE. Sob supervisão de co-
missão de entidades;
- Revisão do processo de implantação do cartão de crédito da UNE;
- Lutar pela descriminalização24 do uso da maconha;
- Campanha pelo fim do serviço militar obrigatório;
- Lutar pela aprovação do projeto da deputada Marta Suplicy, que estabeleceu o di-
reito de união civil entre gays e lésbicas;
- Defender o fim das polícias militares.
Esta é a tese NÃO VOU ME ADAPTAR, apresentada para o debate no 45º Con-
gresso da UNE. Os seus signatários concordam no todo ou em parte com o seu
conteúdo.
n ANEXO - 45o CONGRESSO DA UNE

24.  No original: “discriminação”. [N.O.]

356
46o Congresso da UNE
Belo Horizonte (MG), 30 de junho a 4 de julho de 1999

MANIFESTO

ROMPENDO AMARRAS
OPOSIÇÃO
POR UM MOVIMENTO ESTUDANTIL DEMOCRÁTICO E DE LUTA

FORA FHC E O FMI


Romper com a cultura conformista e burocrática que tomou conta da UNE.
Romper as amarras do “pensamento único” e da “nova ordem mundial”. Romper
com os 500 anos de opressão e exploração. Romper com o governo que gera so-
mente miséria e desemprego. Romper com a mercantilização do ensino e com a
destruição da universidade pública. Romper as barreiras antidemocráticas que apri-
sionam o movimento estudantil brasileiro. Romper a política de colaboração com
os poderosos estabelecida pelo setor majoritário de nossa entidade nacional. Rom-
per as amarras que separam a dura realidade de miséria e desigualdade em que
vivemos da utopia justa, fraterna e igualitária que podemos construir, se acredita-
mos que o movimento estudantil pode ser algo mais que um mero mecanismo de
acumulação privada baseado no comércio de carteirinhas e um palanque de sus-
tentação das ambições de setores desgarrados da burguesia; se acreditamos que
podemos construir um movimento estudantil que contribua para a luta transforma-
dora dos trabalhadores, dos negros, das mulheres e de todos os oprimidos.
Rompendo Amarras: por um movimento estudantil, democrático e de luta,
surge a partir da necessidade de estabelecer para o movimento estudantil uma pers-
pectiva diferenciada da lógica burocrática e conciliadora da direção majoritária da
UNE, e UJS/Refazendo (ligada ao PCdoB). Suas origens remontam à constituição
do Comando Nacional de Greve e Mobilização dos Estudantes, criado em 98 por
DCEs de universidades públicas para referenciar o amplo movimento que surgiu
em apoio e adesão à greve dos professores.
Naquela ocasião, a UJS posicionou-se não só contra a greve (o atual presiden-
te da UNE chegou a chamá-la de “greve de pijama”) como procurou desautorizar a
ação do Comando de Greve e Mobilização dos Estudantes. Mas a despeito deles, a
greve ganhou amplo apoio no meio universitário e na sociedade e demonstrou de

357
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

forma inequívoca a possibilidade de se construir um movimento combativo, que fu-


gisse à lógica de colaboração. O mais impressionante é que, na tese da Refazendo,
afirmam que a UNE esteve na linha de frente da greve. Tudo bem que fizesse auto-
crítica; agora, mudar a história já é demais!
Mas a falência da atual direção não se expressou só neste episódio. A paralisia
e imobilismo tem sido a tônica nos últimos anos. Isto para não falarmos da grande
“vitrine” desta gestão: a “campanha da paz”, feita em aliança com a Rede Globo.
Uma campanha despolitizada, conservadora, puro marketing.
Rompendo Amarras é um espaço plural, um amplo movimento, que busca
aglutinar em um campo comum o conjunto dos estudantes, DCEs, CAs, executivas
de curso e correntes de pensamento que se disponham a construir uma alternativa
de movimento que efetivamente defenda o ensino público contra o projeto priva-
tista de FHC e que batalhe por uma UNE democrática. Compartilham este espaço
correntes políticas com diferentes concepções de organização do movimento estu-
dantil mas que se dispõem a impedir que nossa entidade nacional se transforme
definitivamente em um mero balcão de carteiras e a retomar a perspectiva de lutas
que em tantos momentos marcou sua trajetória.
Acreditamos ser possível iniciar um processo amplo de transformação do
movimento estudantil brasileiro. Derrotar a UJS/Refazendo/PCdoB é somente um
primeiro passo para a ruptura com a lógica imobilista, burocrática e conciliadora
que tem prevalecido na UNE. Mas é um passo importante. E queremos dá-lo.
Com estes objetivos, apresentamos ao 46º Congresso da UNE um conjunto
de propostas, que acreditamos capazes de contribuir para o avanço do movimen-
to estudantil. Queremos construir, além de uma chapa para o Congresso da UNE,
um instrumento capaz de colocar-se à altura das reivindicações e mobilizações dos
estudantes.

MOVIMENTO ESTUDANTIL

Me organizando posso desorganizar


Desorganizando posso me organizar.

(Chico Science)
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

O movimento estudantil brasileiro demonstrou historicamente um grande po-


tencial de mobilização; uma vocação questionadora que ultrapassa os limites da
luta política imediata e põe em xeque os fundamentos de nossa sociedade e busca
a sua superação em todos os níveis, incluindo a esfera comportamental e dos cos-
tumes. Este potencial de combate, contudo, encontra-se represado pela hegemonia
burocrática e conservadora do setor majoritário da UNE e pelos vícios estruturais

358
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

adquiridos pelas entidades ao longo dos anos e agravados pelo advento das car-
teiras estudantis como mecanismo de captação quase compulsória de recursos
financeiros.
A superação destes limites pressupõe a derrota política do atual setor majo-
ritário na diretoria da UNE (a UJS/PCdoB/Refazendo) e a adoção de medidas que
visem democratizar o movimento. Hoje, a UNE encontra-se totalmente aparelhada
pela UJS/PCdoB. Nosso objetivo maior neste 46º CONUNE é, de fato, combater a
partidarização promovida pelo PCdoB e romper com esta política aparelhista, auto-
ritária, que torna a UNE uma verdadeira entidade “virtual”, um balcão de emissão
de carteiras, uma máquina de arrecadar recursos.
Defendemos um movimento estudantil democrático e plural, onde cabem mi-
litantes independentes ou vinculados a correntes e partidos políticos. O que não
admitimos é o aparelhismo.
Queremos libertar a UNE destes vícios, colocá-la na linha de frente das lutas.
Queremos a UNE LIVRE!
Para combater o aparelhamento da UNE e demais entidades estudantis pela
UJS/PCdoB defendemos o fim da presidencialismo, a manutenção da proporciona-
lidade qualificada para eleição das diretorias, a realização de fóruns de entidades
de base periódicos, a garantia de ampla participação e do debate qualificado nos
congressos, uma efetiva política de comunicação e o direito das correntes e chapas
minoritárias expressarem suas opiniões nas publicações das entidades, a formação
de comandos de base durante as mobilizações. Essas medidas simples, capazes de
garantir a democracia e o controle da base, são fundamentais para a existência da
unidade na diversidade. O que a atual direção majoritária propõe é o contrário dis-
to tudo. Querem cada vez mais fechar a UNE para tornar mais fácil o seu domínio.
Foi por esta razão que aprovaram no Congresso passado o fim dos delegados de
base (os funis). Graças à atuação decidida do Rompendo Amarras este golpe foi
derrotado no CONEB de Viçosa. Mas é preciso continuarmos atentos para que não
surjam outras propostas deste tipo, que objetivem dificultar a participação da base
do movimento nos congressos.
O perfil do bloco Rompendo Amarras espelha a cultura de movimento que
pretendemos contribuir para que seja construída: combativa; libertária; capaz de
lidar com as diferenças e contradições do movimento de forma plural; em duas pa-
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

lavras: um movimento democrático e de luta.

CARTEIRINHAS
O principal mecanismo de perpetuação da política aparelhista na UNE é a for-
ma como se organiza a emissão e venda das carteiras. Transformaram o direito à
meia entrada numa fonte de recursos para a direção majoritária, privatizando direi-

359
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

tos. Preços abusivos da carteira, arbitrariedade, lógica mercantil, associações com


empresas privadas (principalmente com a STB, armando um grande “negócio” com
as carteiras mundiais), falta de transparência no uso dos recursos, “acordos” com
governos e faculdades, enfim, a UJS/PCdoB montou toda uma estrutura empresarial
com sua política para as carteirinhas.
Defendemos que o 46º Congresso da UNE ponha um fim neste balcão. Direito
não se vende. Defendemos a meia-entrada para a juventude (até 21 anos) com apre-
sentação de qualquer documento. Depois dessa idade, que qualquer identificação
estudantil permita usufruir da meia-entrada e meio-passe. Defendemos a cobrança
do preço de custo para as carteiras da UNE.
A sustentação financeira do movimento deve se dar a partir da contribuição
voluntária dos estudantes para as entidades. Senão, é “imposto compulsório”. A
UNE deve redefinir seus mecanismos de financiamento com base neste princípio.

Rompendo Amarras propõe:


- Fim do presidencialismo, diretoria colegiada na UNE;
- Conselhos Nacionais de Entidades de Base (CONEBs) periódicos;
- Mandato de 01 ano para a diretoria da UNE;
- Realização de um seminário sobre organização do movimento estudantil, no se-
gundo semestre de 1999, juntamente com um CONEB;
- Não aos “funis” dos congressos estaduais; eleição direta na base de delegados ao
Congresso Nacional, na proporção de 1 para os primeiros 400 estudantes e 1 para
cada grupo subsequente de 200 ou fração;
- Aumento da cota de mulheres para 30% na diretoria e na executiva da UNE;
- Meia-entrada e meio-passe para toda juventude, até 21 anos; após 21 anos, meia-
-entrada e meio-passe para os estudantes; cobrança do preço de custo para as
carteiras da UNE, com adoção do sistema de contribuição voluntária para o finan-
ciamento das entidades estudantis;
- Não à carteira mundial do ISTC; nenhum repasse ao STB e ISTC; fim dos acordos
com governos, prefeituras e donos de faculdades para adoção da Carteira da UNE
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

como identificação estudantil;


- Auditoria nas contas da UNE;
- Realização de um Encontro Nacional de Estudantes das Públicas para organizar
uma grande campanha em defesa do ensino público;
- Formação de um Comando Nacional de Estudantes de Pagas para organizar sua
luta.

360
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

SITUAÇÃO NACIONAL

Não me entrego sem lutar


Tenho ainda coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então

(Renato Russo)
A falência do Plano Real veio tornar evidente a total impossibilidade de se
constituir uma saída para o contínuo ciclo de crises vivido pelo país desde o início
dos anos 80 com base no modelo de completa subordinação da política econômica
brasileira aos interesses do capital estrangeiro. A prostração do governo FHC diante
do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio caracteriza um
nível de dependência política e econômica que não se via por estas terras desde o
tempo da colônia.
Caiu o mito da “estabilização”. Outra mentira, repetida milhões de vezes pelos
grandes meios de comunicação, também caiu: Efeagá está muito longe de ser um
presidente eticamente inatacável. Os escândalos do Sivam e da Pasta Rosa, ocorri-
dos logo no início do primeiro mandato, se tornaram quase insignificantes quando
comparados com a escabrosa promiscuidade entre a esfera de poder público e os
interesses privados que se verificaram através do Proer, da compra de votos para a
reeleição, das privatizações e do favorecimento a instituições financeiras por oca-
sião da desvalorização do câmbio. E agora pegaram o “reizinho” com a boca na
botija, manipulando a privatização da Telebrás, ajudando seus comparsas do banco
Opportunity.
Fernando Henrique é indubitavelmente responsável por crimes ainda mais
graves do que os atos ilegais cometidos por ele e pelos membros de seu governo:
ele é o implementador, em nosso país, de uma política genocida, que lançou mi-
lhões de brasileiros na miséria, na fome e no desemprego; e a saída do atoleiro em
que o Brasil foi mergulhado não passa pela posse de um novo representante dos
interesses da burguesia, mas pela derrota definitiva do projeto neoliberal. Passa,
portanto, por derrubar Efeagá e lutar por um governo que represente os interesses
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

dos trabalhadores e das legiões de oprimidos do nosso país.

Rompendo Amarras propõe:


- Fora FHC e o FMI, não ao pagamento das dívidas externa e interna;
- Investigação completa do escândalo do Banco Central; prisão e confisco dos bens
de todos os envolvidos;
- CPI das privatizações;

361
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Não à privatização do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, da Petrobrás


e dos Correios;
- Reestatização das empresas privatizadas;
- Elevação da dotação orçamentária da educação, saúde e dos programas sociais;
- Reforma agrária já;
- Construir as lutas, rumo à Greve Geral contra a política econômica neoliberal e
pelo fim do governo FHC.

UNIVERSIDADE

Longe dos cadernos, bem depois / A primeira mulher e


um 22 / Prestou vestibular no assalto do busão / Numa
agência bancária se formou ladrão

(Racionais)
A política do governo FHC para as universidades públicas se insere nos marcos
estabelecidos pelo Banco Mundial, onde a ordem fundamental é: não gastar! Os
cortes orçamentários promovidos nos últimos anos têm provocado profunda que-
da na qualidade dos cursos oferecidos, carência de vagas em muitas universidades
e dificuldades de funcionamento nunca imaginadas anteriormente. O objetivo do
governo é claro: desmontar o sistema público de ensino superior, fortalecendo o
ensino pago.
O mesmo princípio vale para o setor de pesquisa: economizar com a ciência o
dinheiro que pode ser usado para socorrer banqueiros brasileiros falidos ou para
pagar a dívida com bancos internacionais. O CNPq, sob controle do arqui-privatista
Luís Carlos Bresser-Pereira, promove cortes em programas de bolsas que caminham
para tornar a pesquisa científica uma atividade proibida em todo o território nacio-
nal; segundo sua lógica de colonização servil, contudo, este não é um problema.
Para Bresser, “tecnologia não se produz, se compra”.
Nas escolas pagas, os efeitos da crise econômica e social do país se fazem sentir
de forma igualmente cruel. Com os salários congelados e um desemprego crescen-
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

te, os estudantes são obrigados a enfrentar aumentos de até 40% acima da inflação.
E isto por um ensino que deixa cada vez mais a desejar em termos de qualidade. O
fim do caráter “filantrópico” de várias instituições é utilizado como pretexto para
corte de bolsas e aumento de mensalidades. Em contrapartida, não existe o mínimo
de qualidade de ensino, pesquisa ou extensão nestas faculdades. São verdadeiros
“supermercados de diplomas”, que exploram os estudantes. A atual lei de mensa-
lidades é desobedecida sistematicamente pelos donos de escola que impedem os

362
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

estudantes inadimplentes de realizar matrículas, assistir aulas, fazer provas. Fica cla-
ro que a lei só vale como base para garantir os aumentos das mensalidades.
Durante muito tempo, a luta dos estudantes e trabalhadores foi o que permitiu
a manutenção da universidade pública e gratuita. E hoje temos a grande responsa-
bilidade de derrotar a política de Fernando II e do FMI para impedir a tentativa de
acabar com a grande conquista que significa a universidade pública e gratuita. Ao
mesmo tempo, precisamos garantir condições para os milhares de estudantes bra-
sileiros que estão nas particulares concluírem seus cursos.
Neste sentido, os estudantes argentinos nos deram um grande exemplo de
luta e coragem, saindo às ruas para impedir os cortes de verbas imposto pelo pre-
sidente Menem, que assim como seu colega brasileiro, aplica o mesmo plano de
fome e miséria. Estudantes e professores tomaram as ruas de todo o país, cons-
truindo gigantescas mobilizações de rua e ocupações de universidades, golpeando
de morte o governo neoliberal de Menem. Este para nós é o único caminho para
defendermos a universidade pública, e inclusive, para garantir a expansão da rede
pública de ensino, absorvendo parte dos estudantes das pagas.
Essa luta é parte da indignação geral que cresce contra o governo. Os atos
de 26 de março e 21 de abril, com mais de 25 mil pessoas e o primeiro de maio
demonstram esta disposição. Assim como as mobilizações de várias universidades
públicas contra o pagamento de taxas, em defesa dos Rus e moradias e dos estudan-
tes das particulares contra os tubarões de ensino, demonstram que os estudantes
estão dispostos a defender a universidade.

Rompendo Amarras propõe:


- Abaixo a reforma educacional FHC/Banco Mundial;
- Defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade;
- Lutar contra a lei orgânica do governo; autonomia de verdade é financiamento
público, democracia e gratuidade;
- Abertura imediata de concursos públicos para professor;
- Contra a cobrança de taxas de qualquer tipo;
- Contra o pagamento de mensalidades nas universidades públicas;
- Aplicação imediata dos 30% de vagas em cursos noturnos; ampliação das vagas nas
universidades públicas;
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

- Não ao fechamento ou privatização de moradias estudantis e restaurantes univer-


sitários; em defesa da assistência estudantil;
- Fim dos cortes de bolsas de pesquisa e extensão; suplementação orçamentária
para CNPq e CAPES;
- Construir o Encontro Unificado UNE, ANDES e FASUBRA, para constituição de
uma pauta conjunta e rumo a um projeto comum de reforma universitária;

363
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

- Redução de mensalidades nas pagas. Não aceitamos nenhum aumento. Anistia


das dívidas. Garantia do direito de realizar matrículas, assistir aulas e fazer provas;
- Não aos cortes de bolsas; garantia e ampliação das bolsas financiadas pelas mante-
nedoras das antigas filantrópicas;
- Que no mínimo 30% dos alunos das faculdades particulares tenham direito a bol-
sas integrais financiadas através dos lucros destas instituições.

NÃO À OCUPAÇÃO DA IUGOSLÁVIA E DE KOSOVO


PELAS TROPAS DA OTAN
Mais uma vez, as grandes potências atacam a vida com uma guerra absurda.
As bombas e mísseis que caíram sobre a Sérvia e Kosovo representaram um ataque
contra todos os povos do mundo.
As potências imperialistas dizem que atacam a Iugoslávia para evitar que Milo-
sevic massacre a população de Kosovo.
No entanto, como podemos pensar que os Estados Unidos, a Inglaterra, a
França e a Alemanha tenham algum outro interesse que não seja reafirmar seu po-
der sobre os outros países?
São eles que respaldam o massacre do governo da Turquia sobre a nação cur-
da, do governo de Israel sobre palestinos e, inclusive, respaldaram o governo russo
em sua guerra contra a independência da Chechênia.
O ataque imperialista não é só contra a Sérvia. É também contra Kosovo, como
demonstrou o bombardeio sofrido pelos refugiados em fuga. Na guerra do impe-
rialismo contra a Iugoslávia, não podemos ficar neutros. Estamos do lado do país
agredido e pela derrota da OTAN. A derrota da OTAN será uma vitória não só do
povo da Iugoslávia. Será uma vitória da nação curda, dos palestinos, e, mais que
isso, será uma vitória de todos os povos do mundo que no dia a dia sofrem as con-
sequências da aplicação dos planos econômicos do FMI e são obrigadas a lutar
contra as privatizações, por terra, emprego e para aumentar seus míseros salários.
-Fora OTAN dos Balcãs!
- Não à ocupação da Iugoslávia e de Kosovo pelas tropas da OTAN e da ONU!
- Unidade de todos os povos dos Balcãs e do mundo contra a agressão ao povo
iugoslavo.
n ANEXO - 46o CONGRESSO DA UNE

364
47o Congresso da UNE
Goiânia (GO), 13 a 17 de junho de 2001

MANIFESTO

UNIFICAR A OPOSIÇÃO
POR UMA UNE DEMOCRÁTICA E DE LUTAS
MANIFESTO DAS TESES RECONQUSTAR A UNE E DEMOCRACIA E
MOBILIZAÇÃO

Paz sem voz, não é paz, é medo!

(O Rappa)
Este manifesto é um convite à unidade de todos os estudantes que querem lu-
tar por um novo movimento estudantil, por uma nova direção para a UNE e por um
outro país. A todos que querem uma UNE democrática e de lutas e não apenas em
balcão de venda de carteiras. A todos os que querem um país livre da corrupção,
das privatizações e da subordinação ao FMI, onde a educação seja um direito de
todos e não uma mercadoria.
Aqui estão representadas as teses Reconquistar a UNE e Democracia e Mo-
bilização, reunindo centenas de estudantes de várias universidades do país: os
de Pelotas, que por 30 dias realizaram uma greve contra uma reitoria autoritária e
subordinada ao MEC; os estudantes da Bahia, que em passeatas de 20 mil pessoas
pelas ruas de Salvador exigiram a cassação do coronel ACM; os do Pará, que foram
às ruas para exigir a cassação do arqui-corrupto presidente do Senado; os do Rio
Grande do Sul que estiveram na caravana contra a ALCA e muitos outros compa-
nheiros que tem estado em todas as lutas contra FHC e a corrupção, em defesa da
universidade pública e gratuita e por uma UNE democrática e de lutas, contra a
atual maioria constituída pela UJS/PCdoB (tese “Agora só falta você...”) que são os
responsáveis por mais de 10 anos de imobilismo e burocratização da UNE.

27 DE JUNHO: TODOS NA MARCHA À BRASÍLIA

Para apagar FHC e varrer a corrupção!


O 47º Congresso da UNE (CONUNE) ocorre em um momento fundamental
da luta contra FHC e seu governo, cada vez mais afundado na corrupção e de joe-

365
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

lhos para o FMI. Nunca seu índice de rejeição popular foi tão grande como agora.
Após o desgaste da compra de votos e a liberação de verbas para barrar a CPI da
corrupção, agora vem os apagões, que atingirão em cheio a maioria do povo atra-
vés da recessão, arrocho salarial, desemprego, sobretaxas e demais medidas que
visam jogar o peso da crise energética sobre os trabalhadores. Toda essa crise criou
condições favoráveis para a mobilização. Neste sentido, a realização da Marcha à
Brasília no dia 27 de junho será um dos pontos altos da luta contra esse governo
corrupto e subordinado aos interesses dos grandes capitalistas. Por isso, uma das
principais resoluções deste CONUNE deve ser a de fortalecera participação dos es-
tudantes nessa marcha, para juntos com a CUT, MST, CP, PT e demais movimentos
e partidos políticos de esquerda possamos ocupar Brasília pelo Fora FHC e o FMI,
não à ALCA, pelo não pagamento da dívida externa, contra os apagões e as privati-
zações, em defesa da universidade pública e gratuita, por reforma agrária e pelo fim
da imunidade no campo.

É HORA DE DEMOCRATIZAR A UNE: PELO FIM DO


BALCÃO DE CARTEIRINHAS E POR DIRETAS!
Uma UNE de lutas, democrática, que interferia e participava ativamente dos
debates sobre os grandes temas do país, sendo referência da luta pelo ensino pú-
blico e gratuito, é parte de uma memória do passado. Nos últimos anos, nossa
entidade vem sofrendo um enrijecimento de suas estruturas, distanciando-se da
base dos estudantes, das salas de aula, perdendo sua postura combativa e se tornan-
do cada vez mais apenas um aparelho de produção de carteirinhas.
A atual maioria da UNE restringe a participação da entidade nas mobilizações
reais e, muitas vezes, limita sua atuação aos gabinetes e acordos com governos e
reitorias.
Não é à toa que a UNE abandonou a luta dos estudantes das universidades
pagas à sua própria sorte, limitando-se a fazer denúncias no Procon, defendendo
a participação da UNE no Conselho do FIES e não apoiando um encontro nacio-
nal de estudantes de universidades pagas para unificar a luta nestas universidades.
Também não foi por acaso que foram contra a greve das universidades federais em
1998 e não fizeram nada para que a greve de 2000 fosse fortalecida e vitoriosa, dan-
n ANEXO - 47o CONGRESSO DA UNE

do apenas um apoio “de microfone”.


Também fica mais fácil compreender por que esta maioria encastelada na UNE
há mais de 10 anos não está nem aí para a participação da base. Eles não querem
uma UNE controlada pelos estudantes! Por isso, desde 1991, quando assumiram a
diretoria, só realizam um CONEB (Conselho Nacional de Entidades de Base – que
reúne os DAs e CAs de todo o país e que deveria servir para que a base decidisse os

366
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

rumos da luta). A UNE não tem planos de lutas, pois seria ter que obrigar a maioria
da direção a ir mobilizar na base. Aliás, a base não é o forte dessa gente mesmo! Por
isso, tentaram acabar com a participação massiva nos congressos da UNE quando
propuseram os funis através da realização dos congressos regionais, aumentaram
o prazo da gestão de um para dois anos e sempre estiveram contra a proposta de
diretoria colegiada e o fim do presidencialismo na UNE, que ao nosso ver, seria um
passo para democratizá-la e acabar com o personalismo de uma UNE reduzida na
figura de seu presidente.
Por estar burocratizada e longe da base é que esta mesma “dinastia” que con-
trola a entidade há uma década se opõem às eleições diretas na UNE, por temer
fazer o debate direto com estudantes nas salas de aula.
Acreditamos que não é uma questão de princípio a forma de eleger a direção:
tanto as eleições congressuais como as diretas podem ser democráticas e refletir a
opinião da base estudantil, dependendo do contexto e da forma como são feitas.
Ao mesmo tempo, ambos os formatos podem permitir distorções. Mas acreditamos
que só com um choque de participação poderemos tirar a UNE do ostracismo, da
letargia.
Por isso, defendemos eleições diretas na UNE, para fazer esse debate, em sala
de aula, com todos os estudantes, para que nossa entidade seja fortalecida pelo
voto dos estudantes.
Não aceitamos o cinismo sem tamanho da UJS/PCdoB: ao mesmo tempo que
atacam as eleições diretas por ser, segundo eles, “um mecanismo que abriria es-
paço para que a direita ganhasse força na UNE através do seu poder econômico”,
a UJS não tem nenhum escrúpulo em fazer acordos com quem quer que seja para
manter-se na presidência da entidade e para evitar sua democratização. Para conse-
guir isso, constroem alianças nos congressos com partidos como o PTB, PPB, PPS,
PFL... Ou seja: a base de apoio da UJS na UNE é a mesma base de apoio de FHC
no governo!!!
E para acabar com esta conversa de que a direita poderá usar o poder econô-
mico, propomos que o Congresso proíba que as chapas inscritas25 possam veicular
propaganda paga nos meios de comunicação, sob pena de terem sua inscrição cas-
sada; e que a UNE edite cadernos de debate para circular em todas as universidades
com a proposta de todos as chapas que queiram participar do processo e do debate,
n ANEXO - 47o CONGRESSO DA UNE

garantindo o acesso às discussões para o conjunto dos estudantes.


Outro cinismo deste setor é dizer que são “apartidários”. Uma verdadeira
piada! Todo estudante consciente sabe que a UJS é a juventude controlada pelo
PCdoB, o mesmo partido que defende amplas alianças de “centro-esquerda” com
Itamar, Ciro Gomes, Garotinho e que mantém uma relação promíscua com gover-
25.  No original: “escritas” [N.O.]

367
TESES DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA AOS CONGRESSOS DA UNE (1995-2021)

nos como os de Roseana Sarney, no Maranhão, e Mão Santa, no Piauí, (aliás, nesse
último, o vice-governador é do PCdoB) e ficam pregando uma “amplitude” que, de
tão ampla, chega até aqueles que não devem ser nossos aliados.
Finalmente, é preciso acabar com o balcão das carteirinhas, para que o direito
a meia-entrada não continue sendo um produto de venda. Queremos a meia-entra-
da nos cinemas e o passe livre nos ônibus para toda a juventude (pelo menos até 21
anos), diante de qualquer identificação que não exclusivamente a carteira da UNE.
E que a UNE rediscuta urgentemente a forma de manter sua sustentação financeira,
que não pode se basear exclusivamente nas carteirinhas.

PLANO DE LUTAS: COLOCAR A UNE NAS RUAS E NAS


SALAS DE AULA
Este congresso não pode se omitir de votar um Plano de Lutas da UNE para o
próximo período. É urgente que a entidade esteja em permanente movimento, jun-
to com os DCEs, DAs, CAs, executivas e curso etc. para organizar a luta contra FHC
e seus ataques contra a educação. Por isso propomos:
Que a UNE organize junto com as demais entidades estudantis uma caravana
de ônibus das universidades para a Marcha à Brasília! Que a UNE defenda junto
ao Fórum Nacional de Lutas a realização de uma plenária conjunta de todos os mo-
vimentos (sindical, popular e estudantil) para discutirmos os passos seguintes da
luta contra o governo.
Que o CONUNE aprove uma campanha nacional com cartazes adesivos e
mobilização de rua em defesa das universidades públicas, exigindo a abertura de
novas universidades, federais e estaduais, mais vagas, implementação de cursos no-
turnos, eleições diretas para reitor. Exigimos verbas para a educação e não para a
dívida externa e a corrupção!
Construção de um Comando Nacional de Lutas junto com a FASUBRA e a AN-
DES, aberto às entidades de base, para unificar a mobilização contra o emprego, o
sucateamento, o arrocho salarial e a cobrança de mensalidades nas públicas e que
discuta, também em caso de greve, a unificação das três categorias (estudantes,
professores e servidores).
n ANEXO - 47o CONGRESSO DA UNE

Campanha de Emergência em defesa das moradias estudantis e dos restauran-


tes universitários, pela garantia de verbas para a assistência estudantil.
Pela realização de um Encontro Nacional de universidades Particulares no se-
gundo semestre para fortalecer a luta pela redução das mensalidades, defesa dos
inadimplentes e por um novo sistema de créditos financiado com verbas das lote-
rias e com a taxação dos donos das escolas pagas.

368
O BRASIL, A UNIVERSIDADE E O MOVIMENTO ESTUDANTIL

8.  Realização de um Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB) até


o final do ano para reorganizar o calendário e definir de forma unificada as novas
ações.
Cumprir todos esses objetivos não seria fácil e nem é tarefa exclusiva de al-
gum setor ou grupo. Para conseguir aprovar todas estas propostas e para cumprir
a tarefa de construir uma nova maioria para a UNE é preciso unificar todos os que
defendem uma entidade de lutas e democrática, incluindo setores importantes que
não compõem a atual frente “Rompendo Amarras”. Vamos elevar o nível do debate
e ajudar a fazer do 47º CONUNE um momento fundamental na articulação das lu-
tas dos estudantes brasileiros. Vamos fazer diferentes, mudar a cara do movimento
estudantil com democracia e mobilização e reconquistar a UNE para a luta.

n ANEXO - 47o CONGRESSO DA UNE

369
O
movimento estudantil, a União Nacional dos
Estudantes (UNE) e seus Congressos são parte
importante das lutas sociais brasileiras em de-
fesa da soberania nacional, da democracia e das pautas
populares, especialmente a educação pública, gratuita
e de qualidade para todos e todas.
Ao reunir as teses defendidas por estudantes mili-
tantes ou simpatizantes do Partido dos Trabalhadores
(PT) e da tendência petista Articulação de Esquerda
(AE) nos Congressos da UNE, este livro pretende sobre-
tudo contribuir para que as novas gerações se engajem
no movimento estudantil e nas lutas sociais conhecen-
do parte dos caminhos já percorridos e do processo
histórico no qual estão se integrando. Visa, igualmente,
estimular as gerações anteriores de militantes do movi-
mento estudantil que se identificarem nestas páginas a
compartilhar suas memórias.

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CEP 01.019-000
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